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<p>2023</p><p>Novas Comunidades e a Evangelização Hoje</p><p>1</p><p>MOVIMENTOS E NOVAS COMUNIDADES:</p><p>PANORAMA DE UM FENÔMENO</p><p>Dom Roberto Lopes, osb</p><p>Vigário Episcopal para os Institutos de Vida Consagrada,</p><p>Sociedades de Vida Apostólica, Movimentos Eclesiais e</p><p>Novas Comunidades na Arquidiocese do Rio de Janeiro</p><p>Refletir sobre as Novas Comunidades é evidenciar o papel fundamental do</p><p>pontificado de João Paulo II. Dirigindo sua palavra aos movimentos eclesiais,</p><p>reunidos por ocasião do 2º Colóquio Internacional (1987), o pontífice evidenciou a</p><p>profunda relação existente entre essas novas realidades agregativas e o Concílio</p><p>Vaticano II:</p><p>O grande florescimento desses movimentos e as manifestações de</p><p>energia e de vitalidade eclesial que os caracterizam devem ser</p><p>considerados certamente um dos frutos mais belos da vasta e</p><p>profunda renovação espiritual, promovida pelo último Concílio.</p><p>A fundação das Novas Comunidades iniciou-se na década de 1970 na França</p><p>e depois nos Estados Unidos. No Brasil as primeiras fundações foram nos anos</p><p>1978 e 1982, embora provenham de Movimentos Eclesiais, então ainda não</p><p>oficiais, que preparam o ambiente de suas fundações. A CNBB iniciou em 2009 um</p><p>estudo sobre este fenômeno para conhecer, acompanhar e garantir a comunhão</p><p>eclesial dos fiéis que compõem essas novas formas de agregação eclesial. O Brasil é</p><p>particularmente fecundo em relação ao nascimento dessas comunidades. Estão</p><p>cadastradas no Serviço Brasileiro de Comunhão do CHARIS cerca 613</p><p>Comunidades.</p><p>Retomando as linhas principais do Vaticano II a respeito da Igreja particular</p><p>e abrindo perspectivas para novas orientações pastorais. O Concílio Vaticano II, na</p><p>Gaudium et spes, faz uma indicação direta e simples, mas preciosa, no final do nº</p><p>31: “Podemos pensar com razão em depositar o futuro da humanidade nas mãos</p><p>daqueles que são capazes de transmitir às gerações de amanhã razões de viver e de</p><p>esperar”.</p><p>2023</p><p>Novas Comunidades e a Evangelização Hoje</p><p>2</p><p>O Concílio Vaticano II, na Constituição Dogmática Lumen Gentium, afirma</p><p>que “os carismas extraordinários, ou também os mais simples e mais comuns, dado</p><p>que são, sobretudo apropriados e úteis para as necessidades da Igreja, devem ser</p><p>acolhidos com gratidão e consolação” (LG nº12). Por isso mesmo, os carismas</p><p>devem ser acolhidos “tanto da parte de quem o recebe, como da parte de todos na</p><p>Igreja” (Christifideles laici, nº 24).</p><p>O fenômeno dos novos movimentos e das novas comunidades</p><p>Agostino Favale nos ajuda a perceber o florescimento das novas formas</p><p>agregativas como consequência de um longo caminho histórico das agregações</p><p>laicais. No belíssimo texto: Panorama del fenômeno agregativo laicale e dei</p><p>‘movimenti religiosi alternativi’ nella Chiesa Italiana. E Movimenti ecclesiale</p><p>contemporanei. Dimensioni storiche, teológico-spirituali e apostolich (4ª ed.: Roma:</p><p>LAS, 1991, p. 16-17) lemos:</p><p>Conjuntura inovadora, representada pelas recentes formas</p><p>agregativas laicais, não constitui uma novidade absoluta na vida</p><p>da Igreja. Se pensarmos no movimento monástico desde o final do</p><p>século III em diante, com a sua originária caracterização laical, e</p><p>no seu influxo positivo sobre grupos de cristãos fervorosos, que</p><p>normalmente gravitavam em torno dos mosteiros; no movimento</p><p>evangélico-pauperístico dos séculos XII-XIII, que originaram as</p><p>ordens mendicantes, os quais com suas ordens terceiras seculares</p><p>foram ao encontro do desejo de todos os que, homens e mulheres,</p><p>não podendo abraçar a vida religiosa, tinham a intenção de viver</p><p>seriamente os seus empenhos cristãos; nos sodalícios do século</p><p>XV, que se referiam às várias expressões da Devotio moderna; nos</p><p>fermentos de reforma dos séculos XVI-XVII, dos quais foram</p><p>promotores os Oratórios do Divino Amor, as Congregações dos</p><p>Jesuítas, as Confrarias e Companhias dos leigos, criadas pelos</p><p>membros dos Institutos dos Clérigos regulares; no despertar do</p><p>laicato no século XIX com toda uma série de obras caritativas e</p><p>apostólicas; e na retomada do associacionismo católico na</p><p>primeira metade do século XX. Foram manifestações carregadas</p><p>de dinamismo evangelizador, de maturação espiritual e de</p><p>crescimento de consciência eclesial, que, com outros movimentos</p><p>como aquele bíblico, patrístico, litúrgico, catequético, pastoral e</p><p>ecumênico, tornaram possível a revalorização dos fiéis leigos na</p><p>vida da Igreja.</p><p>O fenômeno dos movimentos tem suas raízes já na época anterior ao</p><p>Concílio Vaticano II. Os textos conciliares favoreceram o crescimento dessas</p><p>experiências e abriram as portas para as novas comunidades. Isso está explícito na</p><p>2023</p><p>Novas Comunidades e a Evangelização Hoje</p><p>3</p><p>Constituição Dogmática Lumen Gentium, cap. IV, na Gaudium et spes, nº 43, na</p><p>Presbyterorum ordinis, nº 8, e, sobretudo, no decreto sobre o apostolado dos leigos,</p><p>Apostolican actuositatem.</p><p>No pontificado do Papa Paulo VI (1963-1978) surgem novos movimentos</p><p>que, paulatinamente, vão sendo acolhidos pela autoridade eclesiástica. Grande</p><p>incentivo receberão os movimentos no pontificado do Papa João Paulo II, já</p><p>manifestado em sua primeira Carta Encíclica Redentor hominis, quando assinala</p><p>que “um idêntico espírito de colaboração e de corresponsabilidade [...] se difundiu</p><p>também entre os leigos, não apenas criando outras novas, que não raro se</p><p>apresentam com um aspecto diferente e uma dinâmica especial” (RH nº 5). De fato,</p><p>nos primeiros anos dos movimentos, o Papa João Paulo II os reconhece como “um</p><p>dos frutos mais belos da vasta e profunda renovação espiritual promovida pelo</p><p>último Concílio” (Encontro com os Movimentos, em Rocca di Papa, 1987). Já</p><p>anteriormente, num Encontro da Igreja Italiana, em Loreto, realizado em abril de</p><p>1985, o Papa definira os movimentos como “canal privilegiado para a formação e</p><p>promoção de um laicato ativo e consciente do próprio papel na Igreja e no mundo”.</p><p>Novas comunidades, uma nova realidade</p><p>A expressão “novas comunidades”, embora recente, tem se difundido</p><p>largamente, para referir-se a uma forma associativa, em grande parte nova na</p><p>Igreja, diferenciando-se das comunidades paroquiais, das comunidades eclesiais de</p><p>base e das comunidades religiosas, bem como dos demais movimentos eclesiais.</p><p>Elas podem derivar de novos movimentos ou neles se integrar, mas tem a sua</p><p>especificidade em relação a eles. A Exortação Pós-Sinodal Vita Consecrata refere-se</p><p>a novas expressões de vida consagrada (nº 12) e novas formas de vida evangélica</p><p>(nº 62), utilizando também a denominação “novas comunidades”. As novas</p><p>comunidades não figuram como tal no atual Código de Direito Canônico, embora</p><p>tenham seus direitos e deveres nele fundamentados. As novas comunidades</p><p>surgem como agregação de fiéis, por iniciativa própria dos leigos ou, em alguns</p><p>casos, por iniciativa de algum sacerdote dirigida aos leigos. Algumas, com o passar</p><p>do tempo, recebem aprovação diocesana, na condição de associação de fiéis,</p><p>através de decreto do bispo da diocese onde se deu a fundação.</p><p>2023</p><p>Novas Comunidades e a Evangelização Hoje</p><p>4</p><p>No catolicismo, o surgimento desse tipo de comunidade religiosa é um</p><p>verdadeiro fenômeno, dada a intensidade com que se formam e crescem variados</p><p>grupos em diversas partes do mundo. O movimento pentecostal católico destaca-se</p><p>nessa matéria. No interior da Renovação Carismática emergem grandes, ou</p><p>pequenas, associações de cristãos dispostos a fazerem da vida um instrumento de</p><p>resistência à atomização da sociedade.</p><p>As Novas Comunidades de vida no Espírito apresentam duas configurações:</p><p>1ª - a convivência e 2ª - a missão evangelizadora. Isso faz com que, embora</p><p>pareçam típicas “comunidades fora do mundo”, essas comunidades não escapem</p><p>nem evitem o diálogo com o mundo globalizado quando, por exemplo, investem</p><p>intensamente em recurso midiático de alta tecnologia como meio de evangelização</p><p>de massa. O compartilhamento diário de concepções e práticas entre os que</p><p>escolheram</p><p>conviver em comunidades de vida intensifica a proposta de “viver no</p><p>Espírito”, proposição essa assumida em certa medida por todo o movimento</p><p>carismático.</p><p>Os Movimentos Eclesiais e as Novas Comunidades encontram seu</p><p>significado mais profundo a partir de uma experiência, de um encontro</p><p>extraordinário e misterioso com o evento Cristão. Deus se manifesta na história,</p><p>tornando-a, portanto, história de salvação, deixando-se experimentar por homens</p><p>e mulheres que, por sua vez, sentem esse divino encontro. Tais relatos podem ser</p><p>verificados a partir dos tempos apostólicos, passando pelas diversas etapas da vida</p><p>da Igreja até os nossos dias.</p><p>A realidade agregativa dos fiéis na Igreja não é uma novidade absoluta.</p><p>Alguns dados históricos nos ajudam a constatar que o surgimento dos movimentos</p><p>eclesiais ocorreu em momentos de crise cultural eclesial ou, segundo a afirmação</p><p>do teólogo suíço Von Baltasar, nos momentos de mudança de época: os grandes</p><p>dons de santidade com os quais o Esposo (Cristo) presenteia a Igreja sua Esposa (a</p><p>Igreja).</p><p>No magistério de S. João Paulo II:</p><p>Diz um grande teólogo do século XX, Uns Von Balthasar, que</p><p>quando se lança um olhar retrospectivo à grande tradição católica</p><p>à história da Igreja, percebe-se que em geral os carismas são</p><p>concedidos em forma de ‘cacho’, ou seja, a providência</p><p>2023</p><p>Novas Comunidades e a Evangelização Hoje</p><p>5</p><p>normalmente concentrou, em algumas fases cruciais da história</p><p>humana, numerosos e fecundos carismas, diferentes, em formas</p><p>de vida em Cristo, revitalizando com isso a tradição, a comunhão e</p><p>a missão da Igreja. Em tempos de profunda transição cultural, de</p><p>mudança de época, de viragem histórica, quando emergem novas</p><p>condições e mentalidades que colocam em xeque a tradição cristã,</p><p>que parecem enfraquecer a sua capacidade de ‘oferecer’, de</p><p>comunicação, de transmissão, uma florescência de carismas gera</p><p>novas correntes de santidade, novos movimentos de</p><p>evangelização e de enculturação do Evangelho, convidando para ir</p><p>a própria fonte da tradição católica (Gusmán - Uma nova</p><p>primavera na Igreja, 2004 – Foggia: Gradiche Grilli, p. 17-18).</p><p>Com o Concílio Vaticano II, a Igreja conscientizou-se da necessidade de</p><p>estabelecer um fecundo diálogo com a família humana, à qual o povo de Deus</p><p>pertence, para iluminar com o Evangelho os diversos problemas surgidos com a</p><p>evolução moderna do mundo, evidenciando também os sinais de esperança (GS nº</p><p>4). O dever de perscrutar os sinais dos tempos impulsionou as diversas categorias</p><p>constitutivas do povo de Deus a se comprometer com o empenho evangelizador.</p><p>Significativamente, deve-se evidenciar que o Concílio reconheceu a</p><p>importância do lugar e da missão dos fiéis cristãos leigos e leigas tanto na</p><p>sociedade como na Igreja. Ressaltando a particularidade da índole secular da</p><p>missão dos leigos, afirma o Concílio:</p><p>É especifico dos leigos, por sua própria vocação, procurar o Reino</p><p>de Deus exercendo funções temporais e ordenando-as segundo</p><p>Deus. Vivem no século, isto é, em todos e em cada um dos ofícios e</p><p>trabalhos do mundo. Vivem nas condições ordinárias da vida</p><p>familiar e social, pelas quais sua existência é como que tecida. Lá</p><p>são chamados por Deus para que, exercendo seu próprio ofício,</p><p>guiados pelo espírito evangélico, a modo de fermento, de dentro,</p><p>contribuam para a santificação do mundo. E assim manifestam</p><p>Cristo aos outros, especialmente pelo testemunho de sua vida</p><p>resplandecem em fé, esperança e caridade (LG, nº 31 - 33).</p><p>O fenômeno associativo</p><p>responde adequadamente às exigências humanas e cristãs dos</p><p>batizados, visto que o ser humano é social por natureza e Deus</p><p>quis reunir os fiéis em Cristo no povo de Deus. Por isso as</p><p>realidades associativas são também sinal da comunhão e da</p><p>unidade da Igreja. Este mistério de comunhão atuante entre os</p><p>fiéis por meio do Espírito se torna apelo à consciência dos</p><p>membros do Povo de Deus, de modo que a atividade apostólica</p><p>seja realizada de forma associativa. Para a edificação da</p><p>comunidade dos povos na paz e na fraternidade, além disso, (os</p><p>cristãos) podem servir de muitas maneiras as diversas</p><p>2023</p><p>Novas Comunidades e a Evangelização Hoje</p><p>6</p><p>associações católicas internacionais. Devem ser consolidadas,</p><p>dotando-as de pessoal mais numeroso e bem formado,</p><p>aumentando os subsídios de que precisam e coordenando</p><p>harmoniosamente suas forças. Pois em nossos tempos a eficácia</p><p>das ações como a necessidade de diálogo reclamam iniciativas</p><p>coletivas. Tais associações, além disso, contribuem não pouco para</p><p>desenvolver o sentido do universal, que certamente convém aos</p><p>católicos e é próprio para formar a consciência de solidariedade e</p><p>responsabilidade verdadeiramente universais (GS, nº 90).</p><p>Na exortação apostólica pós-sinodal Christifideles laici, João Paulo II, em</p><p>breve síntese sobre esse fenômeno da agregação dos cristãos leigos, constata que</p><p>isso assumiu uma variedade e vivacidade extraordinárias na atualidade. Assim,</p><p>disse o pontífice:</p><p>Se na história da Igreja tal fenômeno representou sempre uma</p><p>linha constante, como o provam até aos nossos dias as várias</p><p>confrarias, as ordens terceiras e os diversos sodalícios, ele</p><p>recebeu, todavia, um notável impulso nos tempos modernos que</p><p>têm visto o nascer e o irradiar de múltiplas formas agregativas dos</p><p>fiéis leigos. Com efeito, ao lado do associativismo tradicional e, por</p><p>vezes, nas suas próprias raízes, brotaram movimentos e sodalícios</p><p>novos, com fisionomia e finalidade específicas: tão grande é a</p><p>riqueza e a versatilidade de recursos que o Espírito infunde no</p><p>tecido eclesial e tamanha é a capacidade de iniciativa e a</p><p>generosidade do nosso laicato (CfL, nº 29).</p><p>São João Paulo II, confirma o direito dado pelas prescrições canônicas (CIC,</p><p>cân. 215.298-329), sobre a liberdade associativa dos fiéis leigos na Igreja:</p><p>Essa liberdade constitui um verdadeiro e próprio direito que não</p><p>deriva de uma espécie de ‘concessão’ da autoridade, mas que</p><p>promana do Batismo, qual sacramento que chama os fiéis leigos</p><p>para participarem ativamente na comunhão e na missão da Igreja</p><p>(CfL, nº 29).</p><p>Entretanto, esse direito associativo não tem caráter absoluto, mas está</p><p>condicionado a manter “a devida relação com a autoridade eclesiástica” (AA, nº</p><p>19). Em todos os casos,</p><p>é dever da hierarquia incentivar o apostolado dos leigos,</p><p>apresentar princípios e subsídios espirituais, orientar o exercício</p><p>deste mesmo apostolado para o bem comum da Igreja e</p><p>permanecer vigilante para resguardar a doutrina e a ordem (AA,</p><p>nº 24).</p><p>Independente, de sua atuação perene na história da Igreja, os movimentos</p><p>eclesiais encontram sua vitalidade, sua dinamicidade, enfim, uma nova guinada, a</p><p>2023</p><p>Novas Comunidades e a Evangelização Hoje</p><p>7</p><p>partir da eclesiologia de comunhão do Concílio Vaticano II que, por sua vez, soube</p><p>valorizar todas as vocações, incluindo a dos fiéis leigos, para a realização da missão</p><p>da Igreja no mundo contemporâneo.</p><p>No livro, “Il Vaticano II e i movimenti ecclesiali: uma recezione carismática”.</p><p>Christoph Hegge, no prefacio, Gianfranco Ghirlanda diz:</p><p>O ponto de partida, portanto, é a igualdade de todos os fiéis,</p><p>chamados à santidade, iguais na dignidade e no agir quanto à</p><p>cooperação na edificação do Corpo de Cristo e no cumprimento da</p><p>missão que Cristo confiou à Igreja s se realizar no mundo (LG</p><p>nº32,3; cc.204, & 1; 208). Nesta se inserem as específicas</p><p>vocações, portanto os particulares carismas dados pelo Espírito e</p><p>as diversas funções e ministérios, de modo que se entendam na</p><p>sua complementaridade, para que cada um, dócil ao Espírito,</p><p>realize fielmente a tarefa que lhe foi confiada por Deus (Città</p><p>Nuova, 2001, p. 10).</p><p>A promoção do laicato na Igreja é um fator determinante para o surgimento</p><p>das Novas Comunidades. Neste sentido, o Concílio Vaticano II muito contribuiu,</p><p>pois, através da concepção de uma Igreja toda ministerial, mesmo tendo presente</p><p>as distinções próprias das funções de cada</p><p>parcela do povo de Deus, procurou-se</p><p>superar lentamente aquela visão de uma Igreja marcadamente clerical, na qual aos</p><p>leigos eram confiadas funções unicamente subordinadas e executivas. Todo o povo</p><p>de Deus, formado por leigos e leigas, ministros ordenados, membros da vida</p><p>consagrada, é sujeito da missão da Igreja. Sendo assim, supera-se o perigo de</p><p>considerar os leigos somente como uma parte adicional do organismo eclesial e</p><p>simples colaboradores do apostolado, cujo protagonismo respeitava aos ministros</p><p>ordenados.</p><p>Os carismas devem ser recebidos com gratidão: tanto da parte de quem os</p><p>recebe, como da parte de todos da Igreja.</p><p>[Eles] constituem uma especial riqueza de graça para a vitalidade</p><p>apostólica e para a santidade de todo o corpo de Cristo, desde que</p><p>sejam dons verdadeiros provenientes do Espírito e se exerçam em</p><p>plena conformidade com os autênticos impulsos do Espírito (CfL,</p><p>nº 24).</p><p>Tarefa não simples de se realizar é aquela de definir uma realidade tão nova</p><p>e complexa como as Novas Comunidades, porém, utilizando as palavras do então</p><p>prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, cardeal Ratzinger, eles são “novas</p><p>irrupções do Espírito Santo”. Uma vez que essas novas realidades eclesiais</p><p>2023</p><p>Novas Comunidades e a Evangelização Hoje</p><p>8</p><p>encontram seus fundamentos principais no impulso renovador do Concílio</p><p>Vaticano II, constatamos sua originalidade carismática no texto conciliar.</p><p>“Não é apenas através dos sacramentos e dos ministérios que o Espírito</p><p>Santo santifica e conduz o Povo de Deus e orna de virtudes, mas, repartindo seus</p><p>dons ‘a cada um como lhe apraz’” (1 Cor 12,11), distribui entre os fiéis de todas as</p><p>classes mesmo graças especiais. Por elas os torna aptos e prontos a tomarem sobre</p><p>si os vários trabalhos e ofícios, que contribuem para renovação e maior incremento</p><p>da Igreja, segundo estas palavras: “A cada um é dada a manifestação do Espírito</p><p>para utilidade comum” (1Cor 12,7). Estes carismas, quer eminentes, quer mais</p><p>simples e mais amplamente difundidos, devem ser recebidos com gratidão e</p><p>consolação, pois que são perfeitamente acomodados e úteis às necessidades da</p><p>Igreja. Os dons extraordinários, todavia, não devem ser temerariamente pedidos,</p><p>nem deles devem presunçosamente ser esperados frutos de obras apostólicas. O</p><p>juízo sobre sua autenticidade e seu ordenado exercício compete aos que governam</p><p>a Igreja. A eles em especial cabe não extinguir o Espírito, mas provar as coisas e</p><p>ficar com o que é bom (cf. 1 Tess 5,12 e 19,21) (LG, nº 12).</p><p>Um dos critérios de eclesialidade apresentados por João Paulo II na</p><p>exortação CfL aponta para</p><p>a conformidade e a participação na finalidade apostólica da Igreja,</p><p>que é a evangelização e a santificação dos homens e a formação de</p><p>suas consciências, de modo a conseguir permear de espírito</p><p>evangélico as várias comunidades e os vários ambientes (CfL, nº</p><p>30).</p><p>Nesse critério, vê-se uma clara referência ao texto de AA nº 20, no qual se</p><p>sublinha a importância da cooperação dos leigos com a hierarquia. Todas as</p><p>formas agregativas de fiéis devem manifestar um autêntico entusiasmo</p><p>missionário, de modo que se tornem sujeitos de uma nova evangelização.</p><p>Confirmando esse ardor missionário, testemunhado pelos movimentos</p><p>eclesiais, João Paulo II declara em sua encíclica Redemptoris Missio:</p><p>No interior da Igreja, apresentam-se vários tipos de serviços,</p><p>funções, ministérios e formas de animação da vida cristã. Recordo,</p><p>como novidade que emergiu em muitas Igrejas em tempos</p><p>recentes, o grande desenvolvimento dos movimentos eclesiais,</p><p>dotados de forte dinamismo missionários. Quando se inserem com</p><p>humildade na vida das Igrejas locais e são acolhidos cordialmente</p><p>por bispos e sacerdotes nas estruturas diocesanas e paroquiais, os</p><p>2023</p><p>Novas Comunidades e a Evangelização Hoje</p><p>9</p><p>movimentos representam um verdadeiro dom de Deus para a</p><p>nova evangelização e para a atividade missionária, propriamente</p><p>dita. Recomendo, portanto, difundi-los e valorizá-los para restituir</p><p>vigor, principalmente entre os jovens, à vida cristã e à</p><p>evangelização, numa visão pluralista de modo de associar-se e de</p><p>expressar-se (RMi, nº 72).</p><p>Percebemos com isso o quanto é importante a articulação concreta entre a</p><p>pastoral orgânica das Igrejas locais e as estratégias pastorais dos vários grupos e</p><p>movimentos, de modo a evitar dispersão de forças e a fragmentação.</p><p>A contribuição das Novas Comunidades na tarefa evangelizadora tem sua</p><p>importância principalmente por causa da sua índole secular, uma vez que, em sua</p><p>maioria, contam com a afiliação de leigos e leigas.</p><p>Imersas em um mundo, cambaleante entre fé e incredulidade e</p><p>dilacerador por ideologias contrastantes, as hodiernas agregações</p><p>laicais, mesmo em meio a tensões em busca de sempre novas vias</p><p>para dialogar com os homens, testemunham que a pessoa</p><p>humana, para reencontrar a si mesma, não pode contentar-se</p><p>somente dos bens materiais e muito menos de um cristianismo</p><p>‘parcial e insípido’, mas tem a necessidade de um anúncio convicto</p><p>e corajoso da fé que se coloque diante de alternativas precisas e</p><p>permita que se façam escolhas para a própria vida, radicais e</p><p>libertadoras (Agostino Favale. Uma nuova stagione agregativa dei</p><p>fideli laici nella Chiesa, op. Cit., p. 148).</p><p>A experiência comunitária, testemunhada pelas Novas Comunidades, traz</p><p>também uma contribuição nova para a vida da Igreja, pelo fato de aglutinarem em</p><p>seu interior diferentes estados de vida – homens e mulheres, pessoas solteiras e</p><p>casadas, clérigos, leigos, religiosos, pessoas de outras confissões religiosas que,</p><p>segundo o específico de cada vocação, compartilham as mesmas tarefas apostólicas</p><p>e missionárias. Nestas comunidades, faz-se uma experiência interessante de</p><p>partilha e comunhão de diferentes estados de vida e vocações, de tal modo que</p><p>alguns a denominam comunidade de comunidades.</p><p>É importante ressaltar esta capacidade que as Novas Comunidades tiveram</p><p>e continuam tendo em assimilar o espírito conciliar em diversos campos, tais</p><p>como: a espiritualidade, a formação, o apostolado (mídia, educação, promoção</p><p>humana), a promoção das vocações para a vida religiosa, o sacerdócio ministerial,</p><p>o matrimônio cristão e a vida familiar, o incremento do testemunho cristão no</p><p>campo da política, das diversas ciências humanas, tecnológicas, sociais, etc. Tudo</p><p>2023</p><p>Novas Comunidades e a Evangelização Hoje</p><p>10</p><p>isso é sinal da receptividade do espírito conciliar que se verifica nas Novas</p><p>Comunidades, mesmo percebendo que muitos de seus membros ainda</p><p>desconhecem os textos do Concílio.</p><p>Por fim, muitas comunidades novas exercem um significativo papel valioso</p><p>na evangelização do nosso Brasil e no mundo. As primeiras comunidades do Brasil,</p><p>Canção Nova e Shalom, comunidades no diálogo ecumênico, de acordo com as</p><p>motivações do Concílio Vaticano II. Na Arquidiocese do Rio de Janeiro, a</p><p>Comunidade Coração Novo, com a Missão Somos Um.</p><p>Sem sombra de dúvida, tomar parte na atividade missionária da Igreja é um</p><p>elemento característico das Novas Comunidades, como se constata nas palavras do</p><p>Cardeal Rylko:</p><p>os carismas, dos quais nasceram essas realidades, originaram</p><p>itinerários pedagógicos de iniciação cristã de extraordinária força</p><p>persuasiva e percursos de educação cristã que conduzem à</p><p>vivência da fé com radicalismo evangélico e a um empenho</p><p>missionário alimentado por uma sólida e profunda espiritualidade</p><p>(La bellezza di essere cristiani).</p>