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<p>Apresentação</p><p>Seção 1 de 4</p><p>As crianças possuem uma importância fundamental para o equilíbrio da vida e das</p><p>sociedades humanas. A música, a poesia, a arte, a medicina, a produção acadêmica e diversas</p><p>outras áreas se debruçam para entender os fenômenos que surgem na vida infantil.</p><p>Assim, a psicologia também possui uma área específica para a produção de conhecimento</p><p>nos estudos referentes aos fenômenos infantis e sobre sua implicância em comportamentos,</p><p>padrões e funcionamentos na vida adulta, é a psicologia da infância. Dentro desse fazer</p><p>psicológico, estão reunidas as teorias do desenvolvimento, as abordagens diversas e sua</p><p>atuação na fase infantil e as técnicas utilizadas para compreender e acessar a psique de crianças</p><p>em toda a sua complexidade.</p><p>A principal técnica psicológica para trabalhar a infância é a psicoterapia infantil, que deriva</p><p>da prática clínica tradicional, mas que adquire peculiaridades e características distintas que</p><p>fazem com que se torne possível acessar elementos inconscientes e sofrimentos, muitas vezes</p><p>pouco elaborados na fase da infância, sobretudo em idades mais tenras.</p><p>Para melhor compreender a prática da psicoterapia infantil, faz-se necessário recorrer ao</p><p>aporte histórico e, com isso, desvendar como o conceito de criança foi sendo desenvolvido ao</p><p>longo dos tempos, bem como apontar como os estudos iniciais de teóricos psicanalistas</p><p>renomados, que contribuíram para a afirmação da psicoterapia com crianças e sua efetividade.</p><p>AUTORA</p><p>A professora Verônica Valente de Souza é especialista em Psicanálise pela Faculdade</p><p>Venda Nova do Imigrante – FAVENI (2021), especialista em Psicologia Hospitalar pela FAVENI</p><p>(2021), especialista em Avaliação Psicológica e Psicodiagnóstico pela Facuminas (2021) e</p><p>graduada em bacharelado em Psicologia pela Universidade Federal de Pernambuco – UFPE</p><p>(2019).</p><p>Trabalha como psicóloga e coordenadora do CREAS, desenvolveu pesquisas sobre</p><p>estudos de gênero e sexualidade pela Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia do Estado</p><p>de Pernambuco (FACEPE) e desenvolveu a escala breve de empatia, instrumento de avaliação</p><p>psicológica pelo Núcleo de Estudos em Avaliação Psicológica (NEAP) da UFPE.</p><p>CURRÍCULO LATTES</p><p>À minha mãe, que me incentivou a buscar meus objetivos; ao meu pai, que me ensinou o</p><p>valor dos estudos; à minha avó Dona Neném, que me ensinou a amar a natureza e as pessoas;</p><p>ao meu namorado, Fernando; e aos meus amigos Normando, Rafael, Aline, Antônio e Renê, que</p><p>me deram suporte emocional.</p><p>Verônica Valente de Souza</p><p>À minha mãe, que me incentivou a buscar meus objetivos; ao meu pai, que me ensinou o</p><p>valor dos estudos; à minha avó Dona Neném, que me ensinou a amar a natureza e as pessoas;</p><p>ao meu namorado, Fernando; e aos meus amigos Normando, Rafael, Aline, Antônio e Renê, que</p><p>me deram suporte emocional.</p><p>Verônica Valente de Souza</p><p>Presidente do Conselho de Administração: Janguiê Diniz</p><p>Diretor-presidente: Jânyo Diniz</p><p>Diretoria Executiva de Ensino: Adriano Azevedo</p><p>Diretoria Executiva de Serviços Corporativos: Joaldo Diniz</p><p>Diretoria de Ensino a Distância: Enzo Moreira</p><p>Autora: Verônica Valente de Souza</p><p>Projeto Gráfico e Capa: DP Content</p><p>DADOS DO FORNECEDOR</p><p>Análise de Qualidade, Ediç��o de Texto, Design Instrucional,</p><p>Edição de Arte, Diagramação, Design Gráfico e Revisão.</p><p>© Ser Educacional 2021</p><p>Rua Treze de Maio, nº 254, Santo Amaro</p><p>Recife-PE – CEP 50100-160</p><p>*Todos os gráficos, tabelas e esquemas são creditados à autoria, salvo quando indicada a</p><p>referência.</p><p>Informamos que é de inteira responsabilidade da autoria a emissão de conceitos.</p><p>Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem</p><p>autorização.</p><p>A violação dos direitos autorais é crime estabelecido pela Lei n.º 9.610/98 e punido pelo artigo</p><p>184 do Código Penal.</p><p>Imagens de ícones/capa: © Shutterstock</p><p>http://lattes.cnpq.br/0088117369888106</p><p>Apresentar a psicoterapia infantil enquanto prática clínica;</p><p>Indicar as peculiaridades e arranjos específicos para o público de crianças e as</p><p>especificidades da psicoterapia infantil;</p><p>Conhecer como a noção de infância se desenvolveu historicamente e como a prática</p><p>clínica tradicional foi aperfeiçoada para a infância;</p><p>Abordar as condições e a aplicação em contextos diversos da psicoterapia infantil.</p><p>TÓPICOS DE ESTUDO</p><p>Psicoterapia infantil: história e desenvolvimento</p><p>// Contexto histórico da infância</p><p>// Os estudos precursores de Sigmund Freud</p><p>// Melanie Klein e Anna Freud – rivalidade e contribuição</p><p>// A contribuição de Donald Winnicott</p><p>A psicoterapia infantil na atualidade</p><p>// A infância e seus dispositivos legais</p><p>// Condições essenciais para a prática psicoterápica com crianças</p><p>// Os diferentes contextos e suas especificidades</p><p>Psicoterapia infantil: história e desenvolvimento</p><p>Seção 3 de 4</p><p>A psicologia oferece uma vasta contribuição para entender e estudar o desenvolvimento</p><p>humano em cada uma de suas fases, ela se debruça no entendimento dos fenômenos que</p><p>permeiam a vida humana e as transformações que surgem ao longo do tempo.</p><p>Uma fase do desenvolvimento, em particular, pode ser considerada primordial para</p><p>compreender questões relacionadas aos comportamentos diversos e os padrões que os</p><p>indivíduos apresentam ao longo da vida: a infância.</p><p>A primeira fase do desenvolvimento humano é, sem dúvidas, determinante para explicar</p><p>como cada pessoa desenvolve suas potências, convive em grupos, lida com os ganhos e perdas</p><p>e existe no mundo. Nesse sentido, a psicologia desenvolveu, ao longo dos tempos, técnicas</p><p>direcionadas para trabalhar com o público-alvo infantil e suas particularidades. Dentre essas</p><p>técnicas, destaca-se a psicoterapia infantil, a forma clássica de buscar compreender como as</p><p>crianças desenvolvem suas representações e o que significam os eventos de suas vidas.</p><p>Mas é preciso compreender em que cenário tal prática foi se desenvolvendo. Portanto, é</p><p>necessário contextualizar a origem da infância conforme a conhecemos hoje, que atravessou</p><p>momentos históricos distintos. As crianças nem sempre foram consideradas detentoras de</p><p>direitos e seres em desenvolvimento. Conforme veremos adiante, por diversas vezes, elas</p><p>tiveram seus direitos violados, sua dignidade questionada e sua vida posta em risco e</p><p>desvalorização.</p><p>CONTEXTO HISTÓRICO DA INFÂNCIA</p><p>Antes de tratar da psicoterapia infantil enquanto prática psicológica destinada a trabalhar</p><p>com as crianças e os fenômenos envolvidos nessa fase do desenvolvimento de enorme</p><p>importância, é necessário compreender como a noção existente nos dias atuais sobre a infância</p><p>foi construída ao longo dos séculos.</p><p>Nem sempre as crianças foram tidas como seres dotados de sentimentos e direitos,</p><p>conforme veremos adiante; por diversos momentos, elas tiveram direitos violados e noções</p><p>distorcidas a respeito de suas existências, bem como sua importância no mundo.</p><p>Nem sempre houve a diferenciação necessária entre as fases infantil e adulta. Para que</p><p>as crianças fossem vistas como seres dotados de necessidades específicas e que os direitos</p><p>infantis fossem conquistados, inúmeros atropelos e distorções foram realizadas. Primeiramente,</p><p>no que cerne à própria diferenciação de fragilidades, inexistente por diversas vezes na história</p><p>da humanidade, que, por muito tempo, não se preocupou em evidenciar as vulnerabilidades</p><p>infantis.</p><p>Nesse sentido, apresentaremos como a noção de criança como “pequeno adulto” foi</p><p>sendo aperfeiçoada para a visão de seres em desenvolvimento, ao longo do tempo, e, portanto,</p><p>criadas condições adequadas para compreender a infância como fase imprescindível do</p><p>desenvolvimento humano, a qual deve possuir condições ótimas para o melhor desfecho. De</p><p>acordo com Ariés (1978), existe uma história social do desenvolvimento da noção de infância e</p><p>família, que segue algumas fases específicas, conforme demonstra o Diagrama 1.</p><p>Portanto, o autor sugere o</p><p>que seria uma possível evolução histórica que, de início,</p><p>enxerga as crianças como seres inferiores, para os quais não deveria existir qualquer espécie</p><p>de cuidado especial. Ou seja, nessa perspectiva, as crianças eram miniadultos e não havia</p><p>distinções para com as fragilidades típicas da infância. Na fase posterior, emerge a noção do</p><p>conceito de infância, entretanto, ainda atribuído ao papel da criança como obediente e executora</p><p>de ações designadas pelos adultos, ou seja, um protótipo de adulto em construção. E, na última</p><p>fase, a infância passa a caminhar para o formato atual, uma vez que começa a ser vista por uma</p><p>ótica mais voltada para o cuidado e para o social.</p><p>Nas seções seguintes, veremos tais fases de forma mais aprofundada e será realizado</p><p>um aporte histórico do desenvolvimento das noções de infância e criança, para melhor</p><p>compreender como os direitos foram alcançados e técnicas como a psicoterapia infantil foram</p><p>possíveis de serem desenvolvidas e aperfeiçoadas.</p><p>// As crianças na idade média</p><p>O período da idade média é marcado por diversas violações e condições precárias para a</p><p>vida humana. No caso das crianças, as vulnerabilidades eram ainda maiores, uma vez que não</p><p>existia o cuidado e atenção dedicados a elas. Heywood (2004) afirma que, até o século XII,</p><p>elementos como as condições gerais de higiene e saúde precárias e visão equivocada de</p><p>crianças como seres inferiores e pequenos adultos foram os fatores que fizeram com que grande</p><p>quantidade de crianças fossem mortas e violentadas no mundo.</p><p>O índice de mortalidade infantil era enorme e, em grande parte, proporcionado pela</p><p>insensibilidade em relação às necessidades de maior proteção das crianças. Vemos, portanto,</p><p>uma época marcada pela indiferença em relação à fase da infância, considerada como fase de</p><p>inferioridade, uma vez que as crianças não eram dotadas de força de trabalho e capacidade</p><p>cognitiva desenvolvida. Esse fato demonstra que a sociedade possuía um funcionamento</p><p>primário e não atento para as especificidades infantis e as necessidades de tempo para aquisição</p><p>de tais aptidões humanas.</p><p>Algumas características devem ser destacadas para possibilitar a melhor compreensão</p><p>da forma como a sociedade medieval tratava e referenciava as suas crianças, bem como</p><p>elementos que demonstram como a noção de infância se fez uma urgência para garantir a</p><p>manutenção da espécie e das vidas que vieram nas fases seguintes. O Quadro 1 traz de forma</p><p>elucidativa tais características e como foram propagadas de forma massiva.</p><p>Segundo Heywood (2004), essas características endossaram a noção de inferioridade</p><p>infantil e perduraram até por volta do século XV, com o surgimento da idade moderna algumas</p><p>diferenças começaram a surgir no tratamento dado pela sociedade às crianças, bem como na</p><p>forma do cuidado e da responsabilidade social.</p><p>// As crianças na idade moderna</p><p>A noção de infância ainda não havia sido desenvolvida na idade medieval, vindo a ser</p><p>criada nos séculos XV, XVI e XVII, conforme pode-se ver em Ariés (1978), que afirma que o</p><p>tratamento dado pelos pais a partir da idade moderna assume outro patamar, passando a ter, em</p><p>primeiro momento, um sentimento de continuidade geracional, ou seja, era necessário um</p><p>período de “quarentena” entre a infância e a vida adulta para que esses indivíduos pudessem</p><p>continuar a linhagem das famílias, sendo, inicialmente, um pensamento difundido para as classes</p><p>sociais mais abastadas, estando os pobres à mercê do pensamento de inferioridade das</p><p>crianças.</p><p>Nesse sentido, a noção de infância surge como uma espécie de estágio, em que as</p><p>crianças seriam formadas para serem adultos, por meio de cursos de etiqueta, escolarização,</p><p>formação diferenciada por gêneros, visando a manutenção do status quo da sociedade</p><p>burguesa. Com o avançar do tempo, essa “quarentena” foi sendo substituída pela escola e</p><p>passou a modificar a forma de obtenção de conhecimento, antes restrita à observação e</p><p>comunicação deficitária, para uma forma de comunicar mais eficiente e respaldada por</p><p>conhecimentos legitimados.</p><p>Mas, ainda assim, observa-se uma noção de infância dedicada a formar adultos sem uma</p><p>preocupação propriamente dita com a fase infantil. O Quadro 2 apresenta, de forma didática, as</p><p>principais características dessa fase histórica e suas contribuições e limitações.</p><p>É possível, portanto, enxergar uma evolução no que diz respeito à noção de infância da</p><p>idade medieval para a moderna, no entanto, ela é restrita a alguns grupos sociais, e não abrange</p><p>a proteção em sua totalidade. Na fase seguinte, podem ser observadas as preocupações sociais</p><p>para com as crianças e sua seguridade. A partir do século XVII, têm início as medidas que</p><p>ampliam a noção de infância, sendo o berço do que temos como cuidado com a noção</p><p>contemporânea de infância.</p><p>EXPLICANDO</p><p>A infância se divide em três fases: fase da primeira infância, que estende do nascimento</p><p>até os quatro anos de idade; fase pré-escolar, abrangendo dos quatro aos seis anos de idade. E</p><p>fase da segunda infância, que vai dos seis anos até a puberdade (MOREIRA, 2011).</p><p>// As crianças na idade contemporânea</p><p>A noção de infância foi se desenvolvendo ao longo da história da humanidade, passando</p><p>de uma noção reducionista e perigosa na Idade Média para uma noção excludente na idade</p><p>moderna. Mas, a partir dos séculos XVII e XIX, o conceito de infância como se conhece hoje foi</p><p>sendo construído. De acordo com Rocha (2002), a partir daí, o sentimento de preservação das</p><p>crianças foi sendo ampliado e a família passou a se organizar em torno do cuidado com as</p><p>crianças.</p><p>O anonimato em que as crianças viviam deu lugar a um lugar de centralidade, passando</p><p>a representar um papel de ser em desenvolvimento com necessidades e demandas especiais.</p><p>Tratou-se de um movimento gradativo, mas que substituiu ao longo dos séculos a visão inferior</p><p>que se tinha pelas crianças. Segundo Heywood (2004), um fator que contribuiu de forma</p><p>substancial para essa transição foi a apego emocional e a mudança do lugar da criança na</p><p>estrutura familiar, sendo tida com grande afeto, e, portanto, sua perda algo insuportável e</p><p>insubstituível, preservando a todo custo a vida das crianças, para com isso garantir a</p><p>continuidade da sociedade, como também o bem-estar e o desenvolvimento seguro dos</p><p>pequenos.</p><p>Dessa forma, o presente tempo histórico revela uma ressignificação da imagem infantil na</p><p>sociedade ocidental, conforme pode-se verificar as características expostas no Quadro 3.</p><p>OS ESTUDOS PRECURSORES DE SIGMUND FREUD</p><p>Munidos dos conhecimentos a respeito da construção da infância aos moldes concebidos</p><p>na atualidade, é possível entender que, na urgência de corrigir um passado criminoso e</p><p>negligente para com os chamados pequenos adultos.</p><p>Assim, se faz possível entender os surgimentos posteriores de dispositivos de proteção e</p><p>compensação, bem como o desenvolvimento científico voltado aos estudos infantis, o</p><p>aperfeiçoamento pedagógico, a inserção na arte e na literatura, e outros ganhos no que cerne</p><p>ao reconhecimento e a valorização da criança no seio da sociedade.</p><p>Mas como se deu o início do trabalho psicoterapêutico com crianças? De certo, tal</p><p>incursão data do início do século XX, com os estudos psicanalíticos de Sigmund Freud. Ao</p><p>trabalhar com uma criança de nome Hans, que possuía trauma de cavalos, Freud (1996) realizou</p><p>todo tratamento do menino por meio da troca de correspondências postais com o genitor do</p><p>menino, sendo esta a primeira experiência registrada do que é conhecido hoje como psicoterapia</p><p>infantil, que, ao longo do tempo, foi aprimorada.</p><p>A experiência inaugural possui enorme relevância para todos os estudos e</p><p>aperfeiçoamentos realizados posteriormente. Mas, para melhor entendê-los, nos deteremos à</p><p>experiência freudiana com o menino Hans. Em seu livro intitulado Análise de uma fobia em um</p><p>menino de cinco anos, Freud (1996)</p><p>descreve como se deu a primeira incursão da clínica</p><p>psicanalítica no tratamento com crianças. O Diagrama 2 enumera as etapas do atendimento.</p><p>Como podemos verificar no Diagrama 2, a análise do pequeno Hans inicialmente</p><p>aconteceu entre Freud e o pai do menino, por correspondências trocadas. Em suma, isso se</p><p>deveu a uma distância considerável entre eles e à baixa idade do menino, na época com apenas</p><p>três anos de idade. A queixa relatada pelo pai consistiu em um medo desproporcional que a</p><p>criança apresentava: a fobia por cavalo, a qual se relacionava com o pavor de ser mordido ou</p><p>cair de carros conduzidos pelos animais.</p><p>Outro elemento chamou a atenção de Freud: o afeto que o pequeno Hans direcionava à</p><p>figura da mãe, que, de acordo com o relato paterno, existia uma excitação sexual do menino para</p><p>com a mãe. Passados dois anos, o menino, então com cinco anos de idade, teve seu primeiro</p><p>encontro com Freud, em que foi possível perceber que o mesmo possuía com nível de</p><p>comunicação e temperamento afetuoso. Nesses momentos presenciais, o psicanalista identificou</p><p>outro medo no menino: o medo do grande pênis associado ao cavalo.</p><p>A partir dessas percepções, Freud enxergou no caso do pequeno Hans a relação entre a</p><p>fobia do garoto e o complexo de Édipo. De acordo com ele, no processo de corte edípico, o</p><p>menino deslocou a sua libido para outro objeto que não o pai, nesse caso, a figura do medo, a</p><p>figura fóbica, ao invés de recalcar, promovendo assim um movimento inesperado para a</p><p>resolução do corte da castração. Embora não seja o foco da presente disciplina estudar as</p><p>questões relacionadas à fobia do menino Hans, faz-se importante elucidar esta que foi a primeira</p><p>experiência de psicoterapia infantil registrada na psicologia.</p><p>Além disso, Freud possui grandes contribuições para o estudo da infância e do</p><p>desenvolvimento, sendo o responsável pela elaboração da teoria psicossexual do</p><p>desenvolvimento. De acordo com ele, a criança passa por cinco fases diferentes ao longo do</p><p>desenvolvimento, cada uma com uma ênfase específica (Quadro 4).</p><p>Em cada uma das fases do desenvolvimento psicossexual definido por Freud, ocorre o</p><p>direcionamento da libido para alguma esfera corporal ou social. Na primeira fase, a oral, a libido</p><p>é centrada na boca e na sucção; na segunda, a anal, há a ênfase no ânus e na defecação; na</p><p>fase fálica, ocorre o processo do Complexo de Édipo, e a criança desenvolve, ao término do</p><p>Édipo, a identificação com o genitor de mesmo sexo. Na fase de latência, a libido é direcionada</p><p>para as atividades sociais; e na fase genital, o direcionamento é para o outro por meio da</p><p>maturidade para as relações sexuais.</p><p>EXPLICANDO</p><p>Complexo de Édipo é o conceito desenvolvido por Sigmund Freud. Corresponde ao amor</p><p>que o menino sente pela mãe, que é interditado pelo pai, e posteriormente submetido ao corte</p><p>de castração, quando o menino entende que não pode consumar seu amor primeiro pela mãe.</p><p>Complexo de Electra é o conceito desenvolvido por Carl Jung, que nomeia o processo edípico</p><p>na menina. Nesse caso, a menina nutre o sentimento proibido pelo pai e a interdição é feita pela</p><p>figura materna.</p><p>MELANIE KLEIN E ANNA FREUD: RIVALIDADE E CONTRIBUIÇÃO</p><p>Entretanto, há de se destacar que o trabalho psicoterápico com crianças segue uma regra</p><p>diferente da psicoterapia com adultos, uma vez que tal técnica, como afirma Rocha (2002), deve</p><p>permitir a expressão dos sentimentos infantis, bem como possibilitar a elaboração das questões</p><p>inconscientes, as quais nem sempre são entendidas de forma clara por pessoas no início do</p><p>desenvolvimento.</p><p>Mas como fazer isso? Freud deu aquele que seria o pontapé inicial da psicoterapia com</p><p>crianças ao atender o menino Hans, no entanto, ainda aos moldes da psicoterapia tradicional</p><p>com adultos.</p><p>Seguindo os passos do pai, a psicanalista Anna Freud foi precursora no trabalho e</p><p>aperfeiçoamento da psicoterapia infantil e entendeu que, para trabalhar as questões infantis,</p><p>seria necessário encontrar outro caminho. Para isso, a psicanalista passou a investigar os</p><p>recursos egóicos infantis e como as crianças manejavam as suas defesas no contexto do</p><p>atendimento clínico.</p><p>No entanto, Anna Freud não acreditava que as crianças poderiam criar, dentro do trabalho</p><p>psicoterápico, uma relação sólida de compreensão dos elementos inconscientes. De acordo com</p><p>Avellar (2004), na forma elaborada por Anna Freud, a criança não seria capaz de estabelecer</p><p>uma relação transferencial nem associação livre. Logo, os passos dados pela referida autora</p><p>possuíam a limitação de enxergar as crianças como imaturas psiquicamente e, portanto, não se</p><p>atentavam para a complexidade do comportamento infantil. Porém, há de se destacar que foi ela</p><p>quem deu os primeiros passos para aquele que seria o segredo do trabalho psicoterápico com</p><p>crianças: o brincar.</p><p>Embora fosse contrária ao pensamento de que a brincadeira seja um elemento</p><p>representativo e simbólico das vivências infantis, ela fez uso do brinquedo como técnica de</p><p>expressão infantil. Posteriormente, Melanie Klein entendeu o valor que a arte e as brincadeiras</p><p>possuem para trabalhar questões inconscientes infantis, tendo início a prática chamada</p><p>ludoterapia, que consiste em apreender nas ações da criança que “brinca” e elabora as questões</p><p>de sua vivência.</p><p>Nessa lógica, Klein (1996), por meio de seus estudos sobre a psicoterapia infantil,</p><p>construiu a base da psicoterapia infantil, que entende o brincar como forma de acesso mais</p><p>segura da psique de crianças e como forma de cura e enfrentamento de seu sofrimento psíquico,</p><p>que passa a ser elaborado pela forma com que a criança entende o mundo, ou seja, pela óptica</p><p>do lúdico. A contribuição de Melanie Klein perdura até os dias atuais e se aproxima do molde</p><p>psicoterápico infantil contemporâneo. No entanto, tais ideias eram opostas às de Anna Freud, o</p><p>que deu início ao conflito existente entre as duas psicanalistas.</p><p>O conflito histórico e conhecido na psicanálise se deu em função das ideias</p><p>completamente opostas de duas psicanalistas, que trabalhavam com o público infantil. Anna</p><p>Freud defendia que a psicoterapia infantil devia acontecer de modo a mobilizar recursos para</p><p>trabalhar com as crianças que ainda não possuíam capacidades de elaboração, associação livre</p><p>e muito menos de transferir no processo psicoterápico. Por outro lado, Melanie Klein defendia</p><p>que as crianças eram capazes de elaborar e transferir, mas, de outra forma, não na clínica</p><p>tradicional.</p><p>Para melhor compreender as diferenças entre as formas de psicoterapia infantil de Anna</p><p>Freud e Melanie Klein, o Quadro 5 faz uma breve diferenciação entre elas.</p><p>// Melanie Klein – Teoria do desenvolvimento infantil</p><p>Em suma, a teoria kleiniana foi muito melhor construída, o que fez com que a mesma se</p><p>tornasse mais difundida e seguida nos anos que se seguiram. Entretanto, muito se fala sobre a</p><p>injustiça cometida com Melanie Klein, que, mesmo possuindo uma teoria mais robusta e bem</p><p>elaborada, nunca teve por parte de Sigmund Freud, pai de sua rival, o devido reconhecimento,</p><p>havendo ele, por diversas vezes, sinalizado a contribuição teórica de Klein para a psicanálise</p><p>infantil, sobretudo no fim de sua vida. Portanto, a presente seção vai se dedicar a apresentar</p><p>pontos importantes da psicoterapia para crianças desenvolvida pela referida autora.</p><p>Considerada psicanalista, Melanie Klein se autoafirmava seguidora de Freud, no entanto,</p><p>o mesmo sempre se mostrou indiferente às suas contribuições teóricas, talvez pelo fato de ser</p><p>pai de Anna Freud, sua rival declarada. De acordo com Heimann (1986), a contribuição da</p><p>referida autora se deu no âmbito da compreensão das fantasias e introjeções, o que permitiu</p><p>ampliar a compreensão limitada defendida pela família Freud a respeito da suposta incapacidade</p><p>de analisar clinicamente as crianças e seus conteúdos psíquicos.</p><p>A estratégia acertada dela foi o uso</p><p>do jogo e do lúdico. Melanie passou a evidenciar a</p><p>importância das primeiras fases do desenvolvimento psicossexual (oral e anal), pouco</p><p>trabalhadas na teoria freudiana, que deu maior destaque à fase fálica. Ela chegou a confrontar</p><p>Freud ao afirmar que as duas primeiras fases eram, em suma, mais importantes para o</p><p>desenvolvimento infantil do que as fases seguintes. A importância do trabalho da psicanalista foi</p><p>reconhecida, principalmente, após a morte de Freud, quando ela chegou a ser apontada como</p><p>sucessora do pai da psicanálise, o que asseverou ainda mais o conflito com a filha dele.</p><p>Em sua teoria, chamada de teoria objetal, Klein (1996) aponta para a importância da</p><p>fantasia infantil, o que ela chamou de posições, que seriam etapas primitivas do desenvolvimento</p><p>psicossexual, podendo estar associadas à fase oral de Freud. Porém, proporcionam um</p><p>entendimento maior e mais profundo de como a relação mãe/bebê é crucial nos primeiros anos</p><p>de vida e podem ser decisivas para toda a vida do indivíduo. Essas posições são divididas em</p><p>dois tipos: posição esquizoparanoide e posição depressiva.</p><p>Nessa perspectiva, na posição esquizoparanoide, a criança atravessa um período de</p><p>fortes fantasias simbióticas de amor e ódio pela figura materna, que são representadas pelas</p><p>ideias de existência de um seio bom e de um seio mau. De acordo com Klein (1996), nessa</p><p>fase, a criança possui um ego primitivo dotado de fantasias instintivas. Logo, o bebê não enxerga</p><p>a figura materna, mas apenas o seio, que, em processo de clivagem, divide-se no seio bom e</p><p>amado, que alimenta e satisfaz os desejos, e o seio mau e odiado, que se nega a alimentá-lo</p><p>para quem ele direciona sua raiva e agressividade.</p><p>O medo que o seio mau possa se vingar e devolver para ele toda a agressividade</p><p>depositada gera uma ansiedade, a ansiedade persecutória. O conjunto dessas ansiedades e</p><p>das fantasias de divisão do seio compõem a posição esquizoparanoide, e na perspectiva</p><p>kleiniana, possibilitam o desenvolvimento do eu por meio de mecanismos</p><p>de introjeção e projeção. A criança introjeta o objeto que é bom e projeta o objeto mau para</p><p>fora; há, portanto, o que é chamado de objeto parcial, ou seja, um mesmo objeto dividido em</p><p>duas partes diferentes na fantasia infantil.</p><p>Na passagem para a fase depressiva, como o próprio nome diz, ocorre uma entristecida</p><p>que vem com a descoberta de que o mesmo objeto odiado (o “seio mau”) é o objeto amado (“o</p><p>seio bom”). A criança começa a entender a não diferenciação entre eles e o processo de clivagem</p><p>cessa, e o objeto, antes parcial, torna-se um objeto total. Ou seja, a criança começa a perceber</p><p>que o seio amado e o odiado são partes de um único objeto, e surge então a</p><p>chamada ansiedade depressiva, marcada pela culpa de ter ferido o objeto de amor.</p><p>A partir da teoria de Melanie Klein, a criança passa a ser vista como um ser dotado de</p><p>subjetividade cuja psique pode ser acessada de alguma forma, tendo em vista que ela se</p><p>constitui primitivamente em torno de suas fantasias. Mas qual seria a forma de acessar e tratar</p><p>crianças com psicoterapia? Na ludoterapia, Melanie Klein percebeu que, pelo jogo e das</p><p>brincadeiras, a criança acessaria e deixaria acessar camadas mais profundas de seu</p><p>inconsciente, contrariando, assim, sua rival Anna Freud.</p><p>A ludoterapia representa um método que pode ser utilizado em crianças, respeitando suas</p><p>capacidades cognitivas. Entende que elas não possuem pensamentos inferiores, apenas são</p><p>cognições que acompanham a fase do desenvolvimento em que elas se encontram, e, portanto,</p><p>a brincadeira se torna o canal de acesso ao material infantil. O Quadro 6 lista algumas</p><p>características da ludoterapia.</p><p>Portanto, compreender as características da ludoterapia é uma forma de viabilizar a</p><p>psicoterapia infantil, muitas vezes pouco compreendida, mas de grande valia, sobretudo para</p><p>garantir a saúde mental das crianças e, assim, promover um desenvolvimento saudável e digno.</p><p>EXPLICANDO</p><p>Clivagem consiste no mecanismo de defesa descrito por Melanie Klein. Caracteriza-se</p><p>pela defesa mais primitiva do ego contra a angústia, em que há a separação de um mesmo objeto</p><p>em objeto bom e um objeto mau, em que o primeiro deve ser introjetado, e, o segundo, projetado</p><p>e afastado para longe.</p><p>A CONTRIBUIÇÃO DE DONALD WINNICOTT</p><p>Em sequência aos trabalhos de Melanie Klein e Anna Freud, Donald Winnicott deu</p><p>prosseguimento ao aperfeiçoamento da psicoterapia infantil, por meio da aplicação massiva de</p><p>suas técnicas, sobretudo da ludoterapia.</p><p>Esse autor foi um dos principais expoentes do trabalho psicológico com crianças. Segundo</p><p>Winnicott (1975), a brincadeira é o principal instrumento de acesso aos medos, desejos, anseios,</p><p>traumas, expectativas e demais questões infantis. Portanto, o contexto lúdico de brincar seria a</p><p>característica universal infantil, que independe da cultura e do tipo de brincadeira de cada povo,</p><p>uma vez que, mesmo em situações diferentes, a brincadeira faz parte da realidade infantil,</p><p>funcionando como uma prévia para vivenciar a vida adulta.</p><p>Logo, além de permitir a expansão do inconsciente, o brincar na psicoterapia permite</p><p>crescimento e desenvolvimento. Na história da psicoterapia infantil, foi Winnicott que apresentou</p><p>a visão de que a elaboração ou não das questões vivenciadas na infância refletem de maneira</p><p>significativa na vida adulta. Com isso, validou a importância do caráter preventivo terapêutico,</p><p>uma vez que trabalhar os sofrimentos infantis acaba promovendo uma vida adulta mais saudável.</p><p>De acordo com Avellar (2004), os estudos de Winnicott foram baseados, em sua maioria,</p><p>na experiência empírica, ou seja, nos diversos estudos de caso realizados pelo psicanalista e</p><p>seus pacientes. Em suma, a psicanálise inaugura os estudos e a prática da psicoterapia infantil,</p><p>expandindo posteriormente para outras abordagens psicoterapêuticas, como a psicoterapia</p><p>infantil comportamental, centrada na pessoa, e outras que ampliam o escopo de atuação da</p><p>psicologia com o público infantil e as peculiaridades de uma fase do desenvolvimento repleta de</p><p>fenômenos e eventos cruciais para a vida humana.</p><p>A teoria winnicottiana possui grande relevância para compreender as questões infantis,</p><p>bem como entender questões dos adultos e as suas origens na infância. Ele foi o criador do</p><p>conceito de mãe suficientemente boa – que não é uma mãe perfeita, mas aquela que sabe</p><p>como dar afeto, proteção e, ao mesmo tempo, desiludir a criança, mostrando-lhe os limites dos</p><p>seus desejos. Para Winnicott (2006), toda mãe deve entender os momentos em que deve frustrar</p><p>as crianças, de forma a incutir as noções de limites.</p><p>O psicanalista acreditava que era por meio das falhas, seguidas pelo cuidado de corrigi-</p><p>las e apontar os limites, que a mãe suficientemente boa estabelece a comunicação do amor e</p><p>do cuidado com o filho. Para melhor compreensão da teoria de Donald Winnicott, o Quadro 7</p><p>apresenta os principais conceitos desenvolvidos por ele.</p><p>A psicoterapia infantil encontra no aporte teórico de Donald Winnicott uma forma de ser</p><p>ampliada e aperfeiçoada, a partir da importância da figura materna, do contato inicial com a mãe</p><p>e com os objetos, e considerando como é importante na formação da personalidade incutir</p><p>noções como limite, e até mesmo a frustração com cautela, para que o adulto seja mais</p><p>independente e possua uma noção de mundo ampliada.</p><p>A psicoterapia infantil na atualidade</p><p>Seção 4 de 4</p><p>A partir da compreensão sobre como a noção de infância evoluiu historicamente e sobre</p><p>como o conhecimento científico passou a se debruçar sobre o entendimento dos fenômenos</p><p>infantis e suas peculiaridades, é possível verificar como a psicologia surgiu nesse contexto e se</p><p>fez imprescindível para a forma como as crianças são representadas na atualidade, como seres</p><p>detentores de direitos e dotadas de subjetividades diversas, que devem ser passíveis de</p><p>cuidado</p><p>para, com isso, desenvolverem-se da melhor forma possível.</p><p>Com isso, pode-se conferir a importância da psicoterapia infantil nos dias atuais,</p><p>sobretudo em uma sociedade que, de acordo com Freud (1921), é marcada por um mal-estar e</p><p>uma constante busca por satisfação. Como se desenvolvem as estratégias de proteção da</p><p>infância? Há uma movimentação constante, no sentido de corrigir e reparar todos os danos</p><p>causados à infância em épocas distantes de nossa civilização, mas ainda existe um caminho na</p><p>busca do entendimento profundo da infância e seus fenômenos.</p><p>Nesse sentido, na atualidade, as técnicas psicoterápicas voltadas paras as crianças se</p><p>encontram em evolução, ao passo que as diversas abordagens psicoterapêuticas desenvolvem</p><p>técnicas e formas de trabalhar com as crianças voltadas para evitar o sofrimento e promover</p><p>saúde e bem-estar, para que elas possam evoluir de forma ótima. As seções seguintes serão</p><p>dedicadas a apresentar dispositivos legais que garantem os direitos das crianças, as condições</p><p>essenciais para a realização da psicoterapia infantil e os diversos contextos de desenvolvimento</p><p>das crianças e suas implicações.</p><p>A INFÂNCIA E SEUS DISPOSITIVOS LEGAIS</p><p>Os dispositivos legais voltados para a proteção e garantia dos direitos das crianças</p><p>passaram por muitos percalços até serem de fato efetivadas, principalmente quando é feito um</p><p>retorno no tempo para relembrar como as crianças foram tratadas nas primeiras sociedades,</p><p>como seres irracionais e de menor importância, deixadas à própria sorte e violentadas de</p><p>diversas maneiras. Serão analisadas, neste tópico, as leis brasileiras para entender como é o</p><p>cenário de atuação do psicólogo.</p><p>Segundo Veronese (1997), existem algumas etapas para efetivação de garantia de direitos</p><p>infantis que acompanham a história do Brasil. A Figura 2 mostra a evolução legal do direito infantil</p><p>no Brasil.</p><p>Como é possível observar na Figura 2, o primeiro grande passo para a conquista de</p><p>direitos infantis foi a chegada da família real portuguesa ao Brasil em 1808, fato que modificou a</p><p>dinâmica da colônia, uma vez que algumas mudanças precisaram ser feitas para acolher o rei e</p><p>sua família. Dentre essas mudanças, o trato para com as crianças começou a sofrer algumas</p><p>transformações, posteriormente, o primeiro marco legal para as crianças foi a lei do ventre livre</p><p>de 28 de setembro de 1871, que declarava a liberdade para filhos que nascessem de mulheres</p><p>escravas a partir da data de sua promulgação.</p><p>Em 1923, foi aprovado o Decreto nº 16.272/1923, que, segundo Veronese (1999), foi</p><p>responsável por criar a figura do juizado privativo de menores. Apenas em 1934 aconteceu a</p><p>promulgação da nova Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, sendo a primeira</p><p>vez que as crianças foram referenciadas em um texto constitucional, levando ao veto do trabalho</p><p>para menores de 14 anos. Em 1940, foi aprovado o Código Penal, que estipulava a</p><p>inimputabilidade penal aos menores de 18 anos de idade, idade esta que permanece até os dias</p><p>atuais.</p><p>Em 1964, foi instituída a FUNABEM (Fundação Nacional de Bem-Estar do Menor), que</p><p>buscava assegurar direitos mínimos às crianças. Entretanto, foi apenas em 1988 que os direitos</p><p>das crianças começaram a ser efetivados de fato no território brasileiro, e o marco legal desse</p><p>momento foi a promulgação da Constituição Cidadã de 1988, que, além de garantir e criar</p><p>possibilidades para criação de dispositivos de proteção infantil, também foi o marco de diversas</p><p>outras conquistas da sociedade brasileira.</p><p>Em 1990, foi aprovado o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) pela Lei nº</p><p>8.069/1990, que vigora até os dias atuais e pode ser considerado o documento legal de maior</p><p>importância na garantia de direitos e proteção das crianças e adolescentes brasileiros. Tem, em</p><p>seu escopo legal, a garantia de proteção integral e condições para que se obtenha o</p><p>desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de</p><p>dignidade.</p><p>CONDIÇÕES ESSENCIAIS PARA A TÉCNICA PSICOTERÁPICA COM CRIANÇAS</p><p>A psicoterapia infantil é conhecida por ser uma técnica que utiliza recursos da</p><p>realidade infantil para, com isso, acessar o conteúdo psíquico das crianças e poder ajudar nas</p><p>mais variadas situações.</p><p>Mas quando a psicoterapia é indicada para crianças? Em tese, em qualquer momento,</p><p>uma vez que a técnica auxilia no desenvolvimento infantil e na elaboração das transformações</p><p>decorrentes do tempo e das mudanças de fases.</p><p>No entanto, algumas situações podem ser listadas como de necessidade urgente para a</p><p>realização de intervenção psicoterápica, como quando a criança enfrenta problemas escolares,</p><p>perdas familiares, períodos de mudança e de ansiedade.</p><p>Crianças com problemas escolares demandam uma atenção maior, uma vez que tais</p><p>problemas podem refletir em outras questões relacionadas à sua dinâmica de vida. Portanto,</p><p>nesses casos, a intervenção psicoterápica é imprescindível e pode apresentar bons resultados</p><p>tanto no âmbito escolar quanto em questões relacionadas ao desenvolvimento. Momentos</p><p>de perda e separação familiar podem desencadear reações de luto nas crianças, que podem</p><p>ser vivenciadas de diversas formas. Essas situações são indicativas de uma atenção</p><p>psicoterápica maior, no sentido de prevenir traumas e danos ao desenvolvimento infantil.</p><p>Na transição entre as fases da vida das crianças, como crescimento e mudança de fases,</p><p>também é importante um suporte psicológico que prepare o indivíduo para as mudanças</p><p>advindas do tempo. E por último, os períodos de ansiedade que podem se dar por motivos</p><p>diversos, e a família, os professores e demais pessoas devem atentar para o elemento prejudicial</p><p>da ansiedade da vida das crianças e, então, ofertar segurança e paz para que elas realizem suas</p><p>atividades e possam se desenvolver.</p><p>Sabendo das situações em que a psicoterapia infantil é indicada, é preciso atentar para</p><p>as condições essenciais para sua realização.</p><p>Dentre as condições essenciais, a primeira delas é o setting, que deve ser adequado para</p><p>atender crianças com brinquedos, quadros, elementos lúdicos, espaço para jogos e brincadeiras</p><p>e movimentação. O psicólogo que atende crianças deve estar disponível para compreender e</p><p>mergulhar em um universo repleto de ludicidade, para possibilitar a expressão dos elementos</p><p>psíquicos da criança, compreendendo os limites de comunicação e as formas de expressar suas</p><p>dores e medos.</p><p>A liberdade deve existir, sobretudo, para que a criança se exponha e possa criar, tendo o</p><p>estabelecimento de alguns limites e acordos iniciais entre o terapeuta e a criança, para que ela</p><p>entenda que, mesmo sendo um espaço livre, é um espaço com regras e terapêutico, para que</p><p>ela não coloque o psicólogo no lugar de amiguinho. A atenção flutuante serve para captar</p><p>livremente nas falas, brincadeiras e ações infantis as respostas para o que se busca entender,</p><p>uma vez que, com crianças, as respostas não são óbvias e surgem de forma imprevisível.</p><p>E, por último, a família deve ser incluída no processo psicoterápico. No início, é realizada</p><p>a entrevista inicial com os pais ou responsáveis para compreender um pouco do desenvolvimento</p><p>da criança, do sintoma e das preocupações familiares. Assim como um levantamento de</p><p>informações relacionadas à gestação, os primeiros passos e palavras, a alimentação e outras</p><p>que possam ser necessárias. Ao longo do tratamento, o psicólogo pode solicitar outras</p><p>entrevistas e a presença dos pais no setting, sempre que necessário.</p><p>O Quadro 8 lista os diversos benefícios da psicoterapia infantil.</p><p>ASSISTA</p><p>A série Sessão de Terapia, dirigida por Selton Mello, está em sua quarta temporada, e,</p><p>dentre outras histórias, conta a vida de Guilhermina, uma pré-adolescente que se comporta como</p><p>criança, que é atendida pelo psicanalista Caio, vivido pelo diretor. A série apresenta como é</p><p>realizada uma psicoterapia</p><p>com crianças e adolescentes, possibilitando fortalecer a</p><p>aprendizagem referente ao conteúdo.</p><p>OS DIFERENTES CONTEXTOS E SUAS ESPECIFICIDADES</p><p>A atuação do psicólogo infantil pode se dar em diferentes contextos.</p><p>Há de se considerar que as crianças estão presentes em todas as camadas sociais e nos</p><p>mais diversos setores sociais. Quando falamos em infância, automaticamente, remetemos a</p><p>famílias, escolas e instituições diversas. Não é diferente quando falamos da atuação do psicólogo</p><p>que trabalha com crianças, uma vez que ele pode atuar em contextos diverso como: clínica,</p><p>educação e saúde.</p><p>No contexto clínico, o profissional normalmente é procurado por algum familiar quando o</p><p>mesmo identifica, na criança, comportamentos atípicos ou sintomas que interferem na vida social</p><p>e familiar. Nesse cenário, o psicólogo deve promover a expressão das questões que podem ser</p><p>responsáveis pela geração de tais queixas, como, por exemplo, conflitos familiares, separação</p><p>dos pais, em geral sofrimentos oriundos de situações de difícil elaboração na fase em que a</p><p>criança se encontra, principalmente se forem crianças mais jovens.</p><p>No contexto escolar, a presença do psicólogo é cada vez mais solicitada, sobretudo no</p><p>desenvolvimento do pensamento e da linguagem, como afirma Vygotsky (2002), que atenta para</p><p>a forma como a criança constrói suas referências de significantes que levará para a vida, e que</p><p>podem interferir, inclusive, nos processos de aprendizagem. Portanto, o psicólogo no contexto</p><p>educacional atua auxiliando os educadores, a escola e as famílias a compreender o tempo de</p><p>cada criança e as particularidades no desempenho de atividades e nos processos de atividades.</p><p>Por fim, no contexto da saúde, o profissional se depara com a criança adoecida e, muitas</p><p>vezes, em situação de sofrimento, que não é restrito a ela, mas envolve toda a família que se vê</p><p>obrigada a modificar a dinâmica familiar, de estudos e trabalho, para lidar com a doença e os</p><p>reflexos dela. Geralmente, o trabalho acontece em instituições hospitalares e deve se adaptar à</p><p>estrutura existente, tentando, o máximo possível, tornar o setting de atendimento agradável para</p><p>propiciar estratégias de resiliência e enfrentamento do adoecimento infantil. Dessa forma, o</p><p>trabalho acontece, muitas vezes, em salas pouco adequadas ou enfermarias. Com isso, vemos</p><p>as particularidades de diferentes contextos e a necessidade de adaptação do profissional de</p><p>psicologia para trabalhar com crianças.</p><p>SINTETIZANDO</p><p>A infância é uma fase repleta de fenômenos importantes que refletem, de forma direta,</p><p>nas fases seguintes do desenvolvimento, ou seja, todos os eventos na fase infantil podem ser</p><p>indicativos de uma vida adulta saudável ou não. Neste contexto, a psicoterapia infantil surge</p><p>como um instrumento que promove ganhos significativos para a vida das crianças, suas famílias</p><p>e a sociedade como um todo.</p><p>Ao longo da história, nem sempre as crianças foram tratadas como seres dotados de</p><p>sentimentos e necessidades especiais. Na idade medieval, elas eram vistas por uma perspectiva</p><p>de inferioridade, como adultos pequenos, porém incapazes, por não executarem as tarefas de</p><p>um adulto com a mesma destreza. Na idade moderna, surgiu o conceito de infância, voltado a</p><p>aperfeiçoar as crianças para serem adultos perfeitos, sem de fato haver uma preocupação</p><p>legítima como elas. Na idade contemporânea, surgiu a noção de preocupação e cuidado social,</p><p>dedicada à proteção e garantia de direitos infantis, sendo o embrião da forma como tratamos as</p><p>crianças na atualidade.</p><p>A psicologia é um ramo do conhecimento que se dedica a estudar e compreender os</p><p>fenômenos infantis, para proporcionar um desenvolvimento favorável para os pequenos. A</p><p>primeira experiência com psicoterapia infantil foi feita por Sigmund Freud, ao atender um menino</p><p>chamado Hans, que possuía fobia por cavalos, embora não tenha sido uma prática adaptada</p><p>para o contexto infantil, foi o primeiro passo. Posteriormente, duas psicanalistas dedicaram seus</p><p>estudos para desenvolver a psicoterapia para crianças, foram Anna Freud e Melanie Klein. Anna</p><p>não acreditava que as crianças fossem capazes de se associar livremente e transferir,</p><p>enxergando as crianças por um prisma de limitação. Melanie, por sua vez, construiu uma teoria</p><p>robusta que é referência para a área infantil, a teoria objetal, que defende que existem fases</p><p>psicossexuais primitivas, chamadas de posição, sendo essenciais para compreender o</p><p>desenvolvimento: a posição esquizoparanoide e a posição depressiva.</p><p>Foi Melanie Klein a precursora da ludoterapia, técnica de psicoterapia infantil que utiliza</p><p>jogos e brincadeiras para acessar as questões inconscientes das crianças. Donald Winnicott, em</p><p>seguida, seguiu aperfeiçoando as práticas lúdicas na terapia e desenvolveu em sua teoria a</p><p>noção de mãe suficientemente boa para explicar as condições maternas ideais para o</p><p>desenvolvimento das crianças.</p><p>Na atualidade, a psicoterapia infantil possui algumas condições, que são consideradas</p><p>essenciais para sua realização: o setting ideal, as condições do ambiente, a liberdade para</p><p>expressão infantil, o engajamento familiar, a comunicação e a forma de garantir que a criança</p><p>possa criar e falar da sua forma suas questões mais profundas. Por fim, é importante destacar</p><p>que o psicólogo pode atuar em diversos contextos como na clínica, com intervenções</p><p>necessárias, na educação, com a contribuição escolar e na saúde, em situações de</p><p>cser_educacional e adoecimento.</p><p>REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS</p><p>ARIÉS, P. História social da infância e da família. Rio de Janeiro: LCT, 1978.</p><p>AVELLAR, L. Z. Jogando na análise de crianças: intervir-interpretar na abordagem</p><p>winnicottiana. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004.</p><p>FREUD, S. Psicologia das massas e análise do eu. In: Obras completas. Rio de Janeiro:</p><p>Imago, 1921.</p><p>FREUD, S. Análise de uma fobia em um menino de cinco anos. In: Edição standard</p><p>brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago,</p><p>1996.</p><p>HEIMANN, P. Certas funções da introjeção e da projeção no início da infância. In: KLEIN,</p><p>M. (Org.). Os progressos da psicanálise. 4. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1986.</p><p>HEYWOOD, C. Uma história da infância: da Idade Média à época contemporânea no</p><p>Ocidente. Porto Alegre: Artmed, 2004.</p><p>KLEIN, M. Princípios psicológicos da análise de crianças pequenas. In: Klein, M. Amor,</p><p>culpa e reparação e outros trabalhos, 1921-1945. Rio de Janeiro: Imago, 1996.</p><p>MOREIRA, L. M. A. Algumas abordagens da educação sexual na deficiência</p><p>intelectual. Salvador: EDUFBA, 2011.</p><p>ROCHA, R. C. L. História da infância: reflexões acerca de algumas concepções</p><p>correntes. Analecta, Guarapuava, v. 3, n. 2, p. 51-63, jul./dez. 2002.</p><p>SESSÃO de terapia. Direção de Selton Mello. Rio de Janeiro: GNT/Globoplay, 2012–.</p><p>son., color.</p><p>VERONESE, J. R. P. Temas de direito da criança e do adolescente. São Paulo: LTr,</p><p>1997.</p><p>VERONESE, J. R. P. Os direitos da criança e do adolescente. São Paulo: LTr, 1999.</p><p>VYGOTSKY, L. S. A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo: Martins</p><p>Fontes, 2002.</p>

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