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<p>Histórias de um defunto sobre relações transatlânticas</p><p>Author(s): Diana Simões</p><p>Source: Hispania , December 2020, Vol. 103, No. 4, Portuguese Special Issue (December 2020),</p><p>pp. 557-568</p><p>Published by: American Association of Teachers of Spanish and Portuguese</p><p>Stable URL: https://www.jstor.org/stable/10.2307/27026457</p><p>JSTOR is a not-for-profit service that helps scholars, researchers, and students discover, use, and build upon a wide</p><p>range of content in a trusted digital archive. We use information technology and tools to increase productivity and</p><p>facilitate new forms of scholarship. 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No romance Deus-Dará (2016),</p><p>de Alexandra Lucas Coelho, uma voz híbrida (ao mesmo tempo brasileira e portuguesa) narra as vidas de</p><p>sete personagens no Rio de Janeiro contemporâneo. O narrador omnisciente é Nicolau Coelho, capitão</p><p>de uma das naus de Pedro Álvares Cabral que chegaram ao Brasil em 1500, e o primeiro a contactar com</p><p>a população nativa. Esta revelação, tardia, explica a sua vasta experiência, fundada em séculos de obser-</p><p>vações, tornando-o num poderoso agente de revisão e reinterpretação histórica, educando os leitores, por</p><p>exemplo, sobre o racismo sistémico assente em séculos de escravização e discriminação, ou desconstruindo</p><p>mitos coloniais, como o lusotropicalismo, de Gilberto Freyre. Este artigo parte do argumento de Erwin</p><p>Snauwaert de que a morte transforma o narrador numa figura de autoridade que assina um contrato de</p><p>autenticidade (188–92). Nicolau mostra ter sido testemunha das relações transatlânticas (pós-)coloniais</p><p>entre Brasil e Portugal por mais de 500 anos, pelo que a sua voz póstuma tem a capacidade de descontruir</p><p>dogmas, forçando os leitores a repensar a sua própria perspetiva da História.</p><p>Palavras chave: Brazil/Brasil, narration/narração, Portugal, Postcolonialism/pós-colonialismo, posthumous/</p><p>póstuma, slavery/escravatura</p><p>Defuntos e vozes póstumas: Narração do além-túmulo</p><p>Os defuntos contadores de histórias cativam a nossa atenção, pois queremos ouvir o</p><p>que têm para nos dizer. A minha pesquisa pressupõe que a condição póstuma permite</p><p>uma nova perspetiva sobre os acontecimentos, dada a distância temporal e espacial do</p><p>mundo dos vivos. Por essa razão, os mortos apresentam uma vantagem epistemológica, porque</p><p>se observam não apenas a si próprios e à sua extinta vida terrena, mas observam igualmente</p><p>outras personagens de forma íntima e detalhada. Os mortos que nos contam as suas memórias</p><p>fazem-no com consciência de uma liberdade de expressão (negada em vida) que lhes permite a</p><p>possibilidade da confissão de segredos sobre si e sobre as outras personagens.</p><p>Através da minha pesquisa no âmbito da narração póstuma, argumento que o discurso da</p><p>fantasia serve de plataforma para abordar questões mais abrangentes de política, classe, raça,</p><p>género ou de identidade pessoal. O tropo do narrador defunto foi objeto de uma tese de douto-</p><p>ramento de 1968, por Sandra Cypess, intitulada The Dead Narrator in Modern American Prose</p><p>Fiction: A Study in Point of View, a única que encontrei sobre o tema. No entanto, com exceção</p><p>do romance de Machado de Assis, Memórias póstumas de Brás Cubas (1881), pouca atenção tem</p><p>sido prestada ao tema específico da narração póstuma em língua portuguesa. Assim, este artigo</p><p>contribui para suprir uma lacuna neste campo da pesquisa académica.</p><p>A narração póstuma servirá o propósito da reescrita pessoal, social e histórica no contexto</p><p>particular da relação transatlântica Portugal-Brasil-África, com revelações cujo intento é o de</p><p>mudar a forma de nos pensarmos, de pensarmos a história e as sociedades em que estes narra-</p><p>dores póstumos se inserem. A marginalidade dos narradores póstumos servirá também como</p><p>This content downloaded from</p><p>�����������191.34.192.74 on Sun, 10 Mar 2024 16:06:56 +00:00������������</p><p>All use subject to https://about.jstor.org/terms</p><p>Mariana</p><p>Realce</p><p>Mariana</p><p>Realce</p><p>Mariana</p><p>Realce</p><p>558 Hispania 103 December 2020</p><p>estratégia de empoderamento de certos elementos da sociedade que, em vida, experienciaram</p><p>opressão; após a morte, ficam libertos para contar a sua verdade. Enquanto leitores, beneficiamos</p><p>do conhecimento que nos transmitem, porque, como afirma Thomas W. Laqueur, os vivos</p><p>precisam dos mortos muito mais que os mortos precisam dos vivos (1).</p><p>Na primeira página da introdução a Afterlife and Narrative in Contemporary Fiction, Alice</p><p>Bennett afirma que a vida depois da morte é uma ficção, um objeto de especulação e imagina-</p><p>ção. O engajamento ficcional com a vida depois da morte permite a abordagem das imediatas</p><p>preocupações culturais e sociais dos vivos (1). É epistemologicamente consequente ler, ouvir e</p><p>analisar as vozes dos mortos, porque expandem o nosso conhecimento.</p><p>Nas últimas décadas do século XX, as mortes ficcionais proporcionaram enorme fortuna crí-</p><p>tica nos estudos de disciplinas como a narratologia, a antropologia ou a psicologia. Na introdução</p><p>à coleção de ensaios Death and Representation (1993), as editoras do volume, Elisabeth Bronfen e</p><p>Sarah Goodwin, argumentam que a morte apenas pode ser uma representação (apesar de nunca</p><p>adequada), pois trata-se do mais irrepresentável dos referentes. As construções culturais em torno</p><p>da morte são tentativas de, simultaneamente, representá-la e fazer a sua contenção, de torná-la</p><p>compreensível e de dissipar algum do seu poder (4). Na narrativa ficcional, a voz dos mortos</p><p>pode ser representada e reveste-se de autoridade: acreditamos na sua superioridade cognitiva</p><p>e aceitamos o seu discurso como verdadeiro. Dar voz aos mortos é uma decisão deliberada de</p><p>Alexandra Lucas Coelho, a autora de Deus-Dará: existe um propósito para a narração ser feita por</p><p>uma figura não pertencente ao verosímil mundo dos viventes, aprofundado adiante. Fundamento</p><p>esse propósito através do argumento de Erwin Snauwaert de que o narrador póstumo possui</p><p>uma grande capacidade crítica advinda do seu distanciamento físico, espacial e temporal. A</p><p>morte, de acordo com Snauwaert, transforma o narrador numa figura de autoridade que assina</p><p>um contrato de autenticidade e se compromete a garantir a veracidade do relato (188–92).</p><p>A perspetiva póstuma de Nicolau Coelho em Deus-Dará</p><p>Alexandra Lucas Coelho trabalhou para o jornal Público como correspondente em várias</p><p>zonas de conflitos no Médio Oriente, Ásia Central e Brasil. Foi residente no Rio de Janeiro entre</p><p>2010 e 2014; a longa temporada passada na cidade possibilitou a observação privilegiada e acesso</p><p>a materiais pertinentes que deram origem a uma trilogia, iniciada com um volume de crónicas,</p><p>Vai, Brasil (2013), ao qual se seguiu o romance Deus-Dará (2016) e que culminou com Cinco</p><p>voltas na Bahia e Um beijo para Caetano Veloso (2019).1 Deus-Dará é o seu terceiro romance, mas</p><p>o primeiro em que a autora se aventura no universo do fantástico, através da figura do narrador</p><p>póstumo. A experiência jornalística da autora e a sua metodologia de pesquisa transparecem na</p><p>forma de organização do livro, numa constante interseção entre ficção e história, com referências</p><p>factuais disseminadas por todo o texto. Este é um romance eclético, “permeado por cartas, mapas,</p><p>música popular, livros, pichação, poesia,</p><p>cartões postais, fotografias, diários: tudo usado como</p><p>suporte na figuração de um Rio de Janeiro como selva-cidade ou cidade-selva” (Barros 93–94).</p><p>O subtítulo, “Sete Dias na Vida de São Sebastião do Rio de Janeiro, ou o Apocalipse segundo</p><p>Lucas, Judite, Zaca, Tristão, Inês, Gabriel & Noé” (5), identifica o espaço, tempo e personagens</p><p>principais da narrativa, enquanto deixa, simultaneamente, transparecer referências bíblicas, como</p><p>o génesis da criação do mundo ou a iminência de um apocalipse. Os nomes das personagens</p><p>principais são de inspiração bíblica (as personagens brasileiras chamam-se Judite, Zacarias,</p><p>Lucas, Gabriel, Noé) e também histórica (os nomes das personagens portuguesas, Inês e Tristão,</p><p>contêm forte relevância cultural).2 O romance promove a consciencialização para os problemas</p><p>histórico-sociais do Brasil, no geral, e do Rio de Janeiro, em particular, cuja origem passa pela</p><p>colonização, conflitos de classe, políticas sociais e a discriminação assente no racismo sistémico.</p><p>Estes tópicos surgem numa justaposição com a história de vida das sete personagens prin-</p><p>cipais, cada uma desenvolvida para abarcar um determinado problema social e todas fazendo</p><p>parte de uma constelação de relações. A expressão popular que dá título ao romance, “deus-dará”,</p><p>This content downloaded from</p><p>�����������191.34.192.74 on Sun, 10 Mar 2024 16:06:56 +00:00������������</p><p>All use subject to https://about.jstor.org/terms</p><p>Mariana</p><p>Realce</p><p>Mariana</p><p>Realce</p><p>Mariana</p><p>Realce</p><p>Mariana</p><p>Realce</p><p>559Simões / Histórias de um defunto sobre relações transatlânticas</p><p>reflete um abandono que é visível nos inúmeros problemas sociais, políticos e económicos que,</p><p>apesar de fazerem parte de um universo ficcional, têm existência extratextual, sendo apresen-</p><p>tados pela voz do narrador e das múltiplas personagens por ele criadas para conseguir abarcar</p><p>a dimensão gigantesca do caos sócio-económico brasileiro.</p><p>A divisão da obra em sete dias não consecutivos abrange o período de 2012 a 2014, entre</p><p>a preparação para receber a Copa do Mundo FIFA (2014) e os Jogos Olímpicos (2016). Este</p><p>período também contou com significativos protestos políticos nas ruas das principais cidades,</p><p>reprimidos brutalmente pela polícia, em 2013.3</p><p>Coelho encara o romance como intervenção política que problematiza a herança colonial</p><p>portuguesa visível na violência da vida no Brasil contemporâneo, razão pela qual o narrador</p><p>adquire um maior protagonismo no fim da narrativa. A autora ambicionava que o livro fosse tão</p><p>português quanto brasileiro e, por conseguinte, desenvolveu o narrador como uma personagem</p><p>transatlântica híbrida. Segundo a autora, Ele é “completamente mestiço e a língua dele é uma</p><p>língua completamente mestiça” (“Alexandra Lucas Coelho: ‘Interessa-me a Mistura’”), usando</p><p>ora expressões brasileiras, como “encher a cara”, ora os equivalentes europeus, “beber demais”,</p><p>pois “Língua que vai ao mar dá nisso, o narrador será transatlântico ou não será” (Coelho 18).</p><p>Através do seu posto de observação celeste, este narrador transita entre as duas realidades,</p><p>porque pertence a ambas.</p><p>A identidade do narrador póstumo será revelada apenas no fim do romance, quebrando a</p><p>promessa de verosimilhança instalada, desde o início, por uma voz representativa das narrativas</p><p>miméticas de primeira pessoa. Apesar da revelação tardia, os leitores sabem, desde o início da</p><p>narrativa, tratar-se de uma personagem masculina que fala de si próprio na terceira pessoa</p><p>(“o narrador” [22]) e relata os acontecimentos de uma perspetiva omnipresente. As diversas</p><p>analepses servem para mostrar aos leitores como conhece a fundo os quinhentos anos de história</p><p>do Brasil, remontando à expansão marítima portuguesa dos séculos XV e XVI. Apesar dos seus</p><p>atributos humanos, este defunto não é um homem comum e sim um espírito sem corpo pairando</p><p>sobre o Atlântico, observando a interação entre Portugal e Brasil desde o dia em que os portu-</p><p>gueses chegaram às praias da Bahia. Ainda antes de revelar a sua identidade, o narrador deixa</p><p>transparecer a condição póstuma de defunto autor (à semelhança de Brás Cubas, que escreve</p><p>as memórias depois de morto), envolvido num processo de criação mútuo entre as personagens</p><p>e si mesmo. Afirma que, com a morte, “Uma pessoa fica livre para outras coisas, por exemplo,</p><p>escrever um romance a partir da vigésima quarta estrela mais cintilante do céu noturno” (476).</p><p>Quando descreve em pormenor o primeiro encontro entre europeus e indígenas, nas praias da</p><p>Bahia, faz um apelo aos leitores: “Você que chegou até aqui, acredite, eu sei” (429). Poderemos</p><p>interrogar-nos sobre como e porquê sabe tudo isto. Essa pergunta terá uma resposta algumas</p><p>páginas depois, quando o narrador se apresenta aos leitores.</p><p>Numa entrevista que fiz à autora em 2018, esta revelou que, quando imaginou o narrador,</p><p>este não poderia ser um humano vivo no século XXI. Apesar de, apenas numa fase tardia do</p><p>desenvolvimento do enredo, decidir atribuir-lhe uma identidade definitiva, sabia, desde o início,</p><p>que essa figura tinha de ser omnisciente, alguém com a capacidade de saber o passado e o futuro,</p><p>servindo, assim, de canal comunicativo entre a autora e as outras personagens do romance.</p><p>Para Lucas Coelho, o narrador tinha necessariamente de ser o resultado do encontro entre</p><p>dois mundos: o do europeu branco e o do indígena, o do colonizador que não é transformável</p><p>(apesar de querer transformar os outros) e o do colonizado que acredita na transformação através</p><p>do ato ritual de canibalismo. A voz póstuma apresenta-se como figura histórica da expansão</p><p>marítima portuguesa, com a característica particular de ter sido o primeiro europeu branco a</p><p>ver e contactar com os índios tupinambás da costa da Bahia, a 22 de abril de 1500, data em que</p><p>a frota de Pedro Álvares Cabral chegou ao Brasil. Coelho escolheu como narrador não Cabral,</p><p>mas sim o português enviado a terra pelo capitão que primeiro contactou com os nativos: “Eu</p><p>seria o primeiro branco no mundo a vê-los. E o primeiro que eles veriam” num “corpo-a-corpo</p><p>de Velho e Novo Mundo” (547), afirma o narrador.</p><p>This content downloaded from</p><p>�����������191.34.192.74 on Sun, 10 Mar 2024 16:06:56 +00:00������������</p><p>All use subject to https://about.jstor.org/terms</p><p>Mariana</p><p>Realce</p><p>Mariana</p><p>Realce</p><p>Mariana</p><p>Realce</p><p>560 Hispania 103 December 2020</p><p>O narrador póstumo de Deus-Dará mantém o seu estatuto de morto em segredo até ao</p><p>fim da narrativa. No recente campo da narratologia antinatural, que estuda os fenómenos cuja</p><p>explicação ou está para lá das leis físicas que conhecemos ou simplesmente não é dada (Heinze</p><p>286), esta voz masculina ilustra o conceito de “paralepse” de Rüdiger Heinze, termo preferido</p><p>pelo autor ao de “omnisciência” da tradicional narratologia mimética: o conhecimento total do</p><p>tempo, espaço e personagens não é mimeticamente verosímil e, por isso, Heinze considera-o</p><p>uma violação epistemológica.4 Neste sentido, um narrador omnisciente como o de Deus-Dará,</p><p>ainda mesmo antes de se revelar póstumo, viola as regras da tradicional epistemologia mimética.</p><p>A narratologia antinatural estabelece claramente a narração póstuma como transgressora, daí a</p><p>pertinência de incluir a voz defunta de Deus-Dará nesta categoria.</p><p>O narrador finalmente apresenta-se apenas nas últimas dez páginas do romance, explicando</p><p>como e onde morreu: “Em janeiro de 1504, quando estava voltando [da Índia] com Francisco, me</p><p>afundei ao largo de Moçambique” (546). Apesar de nunca mencionar o próprio nome durante</p><p>as páginas dedicadas à apresentação de si próprio aos leitores, menciona os artefactos históricos</p><p>onde a sua presença ficou registada e que permitem confirmar a sua identidade, uma forma de</p><p>honrar o contrato de autenticidade proposto por Snauwaert: em “jeito de espólio antropológico”</p><p>(545), mostra o brasão que lhe foi presenteado pelo rei D. Manuel por ter sido o primeiro a</p><p>dar-lhe a notícia do achamento do caminho marítimo para a Índia (em 1498) e onde pode ler-se</p><p>o seu nome, Nicolau Coelho; refere também</p><p>que o “botaram lá no Padrão dos Descobrimentos,</p><p>[ficou] do lado esquerdo do Infante [D. Henrique], não só imóvel como ainda tendo de aguentar o</p><p>Salazar na inauguração de 1940” (545).5 Em poucas linhas, o narrador usa o humor e o sarcasmo</p><p>para criticar a ditadura do Estado Novo vivida em Portugal até à restauração da democracia, em</p><p>25 de abril de 1974, com a Revolução dos Cravos. A terceira e última secção do romance abre</p><p>com um excerto da Carta de Pêro Vaz de Caminha que refere o primeiro encontro entre Nicolau</p><p>Coelho e os índios brasileiros (421). No entanto, este artefacto histórico apenas será associado</p><p>à identidade do narrador mais de cem páginas depois, quando o próprio descreve, em primeira</p><p>pessoa, o encontro e a troca de presentes com o índio, acrescentando pormenores exclusivos</p><p>que teriam escapado ao cronista.</p><p>Lucas Coelho declarou ainda, durante a nossa entrevista, existir muito pouca informação</p><p>disponível sobre Nicolau, apesar das tentativas de pesquisa. Os factos históricos apresentam-no</p><p>como um experiente navegador, natural de Felgueiras (freguesia do Porto), comandante de uma</p><p>das três naus que participaram no descobrimento do caminho marítimo para a Índia, em 1498.</p><p>Seis meses depois do seu regresso da Índia, parte com a frota de Pedro Álvares Cabral, com des-</p><p>tino ao oriente, como comandante da nau Bérrio. Quando foi avistada terra, a 22 de abril de 1500,</p><p>foi-lhe confiado o reconhecimento do litoral do novo território, ao comando de um pequeno</p><p>batel enviado a terra para estabelecer contacto com os indígenas da praia, ficando provada a sua</p><p>facilidade de relacionamento com novos povos. Aquando do seu regresso da Índia, ao comando</p><p>da nau Faial, em 1504, naufraga perto do arquipélago das Quirimbas, em Moçambique, e morre</p><p>afogado (Rota do Romântico). Todas estas informações podem ser encontradas no romance, que</p><p>constrói a identidade do narrador com base na escassa biografia histórica.</p><p>Na entrevista, a autora salientou que o momento do primeiro contacto entre Nicolau e o</p><p>índio se tornou muito simbólico, pois representou o choque de dois mundos ocorrido entre</p><p>pessoas reais, de carne e osso. Para Lucas Coelho, o momento mais emblemático não foi o atracar</p><p>do navio principal, onde estava Cabral, mas sim o primeiro encontro entre um branco e um</p><p>indígena. Depois de todos os acontecimentos presenciados e experienciados, afirma, o narrador</p><p>deixa de ser unicamente um homem português; transforma-se num narrador “trans”, torna-se</p><p>num xamã—entidade indígena que conecta vários mundos, espécie de canal entre o mundo</p><p>dos mortos e o dos vivos—através de um processo antropofágico de expansão da identidade,</p><p>semelhante ao praticado pela tribo amazónica araweté. Depois da sua morte, o índio com quem</p><p>Nicolau primeiro se encontrou na praia da Bahia comeu-o, absorveu-o, e os dois transforma-</p><p>ram-se num só. Esta prática emula os costumes descritos pelo antropólogo brasileiro Viveiros</p><p>This content downloaded from</p><p>�����������191.34.192.74 on Sun, 10 Mar 2024 16:06:56 +00:00������������</p><p>All use subject to https://about.jstor.org/terms</p><p>Mariana</p><p>Realce</p><p>Mariana</p><p>Realce</p><p>Mariana</p><p>Realce</p><p>561Simões / Histórias de um defunto sobre relações transatlânticas</p><p>de Castro (citado pela autora como uma das fontes para a construção do narrador), no estudo</p><p>Araweté: Os Deuses Canibais (1986): “Os Araweté dizem que as almas de seus mortos, uma vez</p><p>chegadas ao céu, são mortas e devoradas pelos Maï, os deuses, que em seguida as ressuscitam, a</p><p>partir dos ossos; elas então se tornam como os deuses, imortais” (22). O narrador confirma a sua</p><p>participação nesse rito canibal póstumo de assimilação do outro: “não tem antropofagia apenas</p><p>na terra, também tem no céu, canibalismo póstumo. Os maï são essas divindades celestes que</p><p>devoram as almas dos recém-chegados, imergem os despojos num banho que os transforma em</p><p>imortais” (Coelho 544). Ganha a mesma cor do índio, deixa de ser branco, e assume-se como</p><p>sincrético e mestiço; a sua identidade póstuma é uma fusão de colonizador europeu e colonizado</p><p>índio, que lhe confere autoridade para escrever um romance sobre a relação dos dois países.</p><p>Devido a esse ato canibal, o narrador passa por um processo de transformação e, nesse sen-</p><p>tido, é transhumano, pois deixa de ser humano e transforma-se num espírito que vive nos céus,</p><p>entre as constelações, algures no meio do Atlântico, equidistante de Portugal e do Brasil. Uma vez</p><p>que o seu corpo de homem branco fora devorado pelo primeiro índio de quem se aproximou, o</p><p>narrador passa a testemunhar os acontecimentos através de uma perspetiva diferente daquela do</p><p>navegador que tinha sido em vida, ao serviço do império; depois de morto, o seu ponto de vista</p><p>transforma-se no mesmo do dos povos colonizados, que sofreram os horrores da escravatura,</p><p>da tortura e do extermínio às mãos dos portugueses. Dessa forma, Nicolau reverte discursiva-</p><p>mente a triangulação Europa-África-América instaurada pelo império português, consistindo</p><p>na viagem da Europa até África, onde populações inteiras eram capturadas e transportadas em</p><p>navios negreiros para as Américas; a viagem de volta à Europa era feita com os produtos da</p><p>exploração inumana do trabalho escravo nessas regiões (algodão, açúcar, café, tabaco, minério</p><p>ou pau-brasil). O narrador faz a viagem oposta: Nicolau, um homem branco, transforma-se no</p><p>xamã indígena, enquanto o romance se torna no terreiro de origem africana (espaço sagrado</p><p>do candomblé e dos cultos afro-brasileiros)—“um terreno onde vivos e mortos podem dançar</p><p>juntos, onde os fantasmas podem ser exumados, libertados”, afirma a autora (“518 Anos de</p><p>Fantasmas”). O romance-terreiro liberta os fantasmas coloniais que ligam os dois países, numa</p><p>tentativa de exorcismo de acontecimentos reprimidos. Esta mudança de perspetiva alinha-se com</p><p>o argumento de Erwin Snauwaert de que o texto póstumo, para além de revestido de autoridade,</p><p>como referi anteriormente, se apresenta também como virtude catártica, purgativa, servindo de</p><p>mecanismo compensatório para o que não foi feito em vida (191).</p><p>A viagem do narrador é também refletida em Tristão, que, através da ingestão de ayahuasca</p><p>(bebida alucinogénia de cariz mágico para os índios que permite aceder a um estado de consci-</p><p>ência superior), fará uma viagem inversa à dos colonizadores, para “Chegar ao momento em que</p><p>Portugal se atou ao Brasil por uma corda de mortos. E isso será O Descobrimento” (409, itálico no</p><p>original). Os vómitos provocados pela ayahuasca funcionam como uma indispensável purga para</p><p>libertar espaço necessário à transformação—as palavras do narrador são a sua forma de purgar-se</p><p>dos acontecimentos vivenciados. O “descobrimento” de Tristão fica completo quando toma</p><p>consciência que o massacre do Meri, em 1502—uma cruzada antimoura em que participou Vasco</p><p>da Gama, descrita na crónica de Thomé Lopes—, forma “o último nó na sua corda de mortos,</p><p>desde as costas da Índia às costas da Bahia” (535). A menção desta crónica serve os propósitos do</p><p>narrador de trazer à luz factos da história colonial portuguesa perdidos na obscuridade durante</p><p>séculos, visto o grande poema épico que descreve os feitos do navegador Vasco da Gama deixar</p><p>de fora esse episódio sangrento (apesar de a sua descrição poder ser encontrada em obras de</p><p>vários cronistas do século XVI)—n’Os Lusíadas, “Camões terá simplesmente deitado água benta</p><p>por cima” (535, itálico no original), porque não seria intenção do poeta manchar a reputação de</p><p>Gama e sim louvar a bravura lusitana e a do navegador, em particular.</p><p>Na sua condição póstuma, o narrador tem agora uma perspetiva diferente sobre os eventos</p><p>testemunhados durante mais de quinhentos anos. Devido à sua posição privilegiada e experi-</p><p>ência de observação, pode denunciar dogmas falaciosos e, assim, reescrever a história através</p><p>do ponto de vista dos povos silenciados. A interação das personagens, observadas a partir das</p><p>This content downloaded from</p><p>�����������191.34.192.74 on Sun, 10 Mar 2024 16:06:56 +00:00������������</p><p>All use subject to https://about.jstor.org/terms</p><p>Mariana</p><p>Realce</p><p>Mariana</p><p>Realce</p><p>562 Hispania 103 December 2020</p><p>estrelas, fornece-lhe o pretexto para vários momentos didáticos, principalmente na terceira parte</p><p>do romance, o sétimo dia, onde apresenta aos leitores factos sobre o passado colonial do Brasil</p><p>e de Portugal, justapondo-os com o complexo presente do Rio, da violência omnipresente e</p><p>dos crescentes problemas políticos, económicos, raciais, religiosos, sexuais e sociais—a história</p><p>colonial entre Brasil e Portugal é “um cipó ligando os vivos aos ancestrais, liana de dois galhos,</p><p>um enroscado no outro, espiral infinita” (402). Através das cinco personagens brasileiras, os</p><p>leitores são educados acerca do que realmente se passa no país e da sua subjacente causa histó-</p><p>rica. Por intermédio de Lucas (mestiço de índio e negro) e Noé (mulata moradora de favela),</p><p>o narrador problematiza a aceitação social da miscigenação de raças e identidades; mediante</p><p>Gabriel (renomado sociólogo e vítima de uma guerra cruzada de gangues em que perdeu um</p><p>olho), aborda as lutas de ascensão social desde a favela até ao mundo académico e o surgimento</p><p>de novos feminismos marginais (negros, não heteronormativos e favelados); o núcleo familiar de</p><p>Judite e Zaca, de ascendência árabe, toca na situação precária vivida no Médio Oriente, aravés da</p><p>referência ao irmão ausente Karim, que se movimenta entre a Síria e o Líbano.6 Através de Judite</p><p>(advogada de sucesso e paixão platónica do narrador), Nicolau ensina-nos sobre a legalização</p><p>da corrupção, a fuga aos impostos e o desejo sexual feminino; com o recém-assumido interesse</p><p>sexual de Zaca, irmão de Judite, por homens, centra-se nas manifestações homofóbicas na</p><p>sociedade brasileira; o seu namorado, Orfeu, natural da Bahia, representa a herança regional</p><p>nordestina de abandono e pobreza, ligada a uma história de secretismo de relações ilícitas entre</p><p>homens poderosos e garotos adolescentes a prostituírem-se nas ruas da cidade. O Rio de Janeiro</p><p>inclui um lado negro que o narrador escolhe não ignorar.</p><p>Tristão e Inês, as duas personagens portuguesas do romance, são veículo de questionamento</p><p>da mentalidade colonial profundamente enraizada no Portugal do século XXI, que continua</p><p>a insistir no ufanismo de glórias passadas enquanto, simultaneamente, negligencia a realidade</p><p>desconfortável de séculos de massacres, pelos quais é responsável. Estando no Brasil pela primeira</p><p>vez, Inês comenta, a certa altura, a clara visibilidade da herança colonial na sociedade brasileira</p><p>(babás, porteiros, empregados) e o narrador confirma que a portuguesa nunca vira tantos “vivos</p><p>sepultados” (194) nas ruas, numa miséria que não cabe nos postais publicitários do Rio.</p><p>O amigo Tristão, no Brasil há mais tempo, reforça a impressão de Inês, acrescentando que</p><p>“Portugal não é capaz de olhar o seu passado além da aventura, reconhecer as consequências”;</p><p>choca-o ouvir “os discursos sobre os Descobrimentos que ignoram a violência do colonialismo”,</p><p>numa redução da história ao serviço da autoestima (161, itálico no original). Tristão é a perso-</p><p>nagem mais crítica do colonialismo português, insurgindo-se contra o silêncio a que os povos</p><p>conquistados foram votados, salientanto a ausência de um museu ou memorial da escravatura</p><p>em Portugal, já que “nenhum país europeu foi responsável por escravizar tantos africanos”</p><p>(162). O facto dessas reflexões serem feitas pelos únicos portugueses do enredo é significativo:</p><p>ao atravessarem o Atlântico, Inês e Tristão criam a distância necessária para poderem observar</p><p>criticamente o seu próprio país, num movimento semelhante ao empreendido pelo narrador</p><p>póstumo, que observa, há mais de quinhentos anos, a interação entre Portugal e o Brasil, de uma</p><p>plataforma celeste afastada espacial e temporalmente do mundo dos viventes.</p><p>Num dos muitos episódios didáticos do romance, o narrador descreve Noé, estudante da</p><p>PUC, em casa do amigo Gabriel, explorando um arquivo de fotografias ligadas à escravatura,</p><p>no âmbito da pesquisa para a sua tese de mestrado: a “mulher negra no Brasil, as estupradas que</p><p>fizeram o país mestiço, as que criaram os filhos dos brancos” (444), enaltecendo a necessidade</p><p>de uma consciencialização social pelos problemas nas favelas, principalmente os das mulheres</p><p>mais desfavorecidas. Esse momento serve de pretexto ao narrador para educar os leitores</p><p>acerca das violências infligidas nos povos africanos escravizados, descrevendo os mercados de</p><p>compra e venda de “peças” nas praças públicas das cidades, o tronco que os imobilizava pelo</p><p>pescoço, mãos e pés, as chicotadas em série provocando feridas profundas na carne exposta, ou</p><p>a folha-de-flandres, máscara de aço colocada sobre a boca para os impedir de beberem cachaça</p><p>This content downloaded from</p><p>�����������191.34.192.74 on Sun, 10 Mar 2024 16:06:56 +00:00������������</p><p>All use subject to https://about.jstor.org/terms</p><p>Mariana</p><p>Realce</p><p>Mariana</p><p>Realce</p><p>Mariana</p><p>Realce</p><p>563Simões / Histórias de um defunto sobre relações transatlânticas</p><p>e, principalmente, de comerem terra (forma de morte voluntária para voltarem, em espírito,</p><p>às aldeias africanas de onde os levaram). Os leitores são, então, confrontados com um dado</p><p>histórico relevante (segundo Racismos, de Francisco Bethencourt, 2015, citado pela autora como</p><p>uma das suas fontes históricas):</p><p>Portugal foi assim o maior esclavagista do Oceano Atlântico. Sendo o menor em tamanho, não</p><p>apenas inventou o tráfico negreiro Europa-África-América, como assegurou sozinho quase</p><p>metade (47 porcento), enquanto as outras potências europeias, Espanha, França, Inglaterra</p><p>e Holanda, dividiam o resto. Ao todo, o Império Português tirou 5,8 milhões de pessoas</p><p>de África para usar como escravas, a grande maioria, talvez, quatro milhões, destinadas ao</p><p>Brasil. (Deus–Dará 465)</p><p>O narrador não deixa os leitores esquecerem as atrocidades cometidas em nome de uma</p><p>colonização da qual ele próprio participou ativamente enquanto defensor dos ideais dos desco-</p><p>brimentos portugueses de expansão comercial, cultural e evangelizadora, matando mouros em</p><p>nome do império—“Tenho os meus mortos mouros. Matei. E depois morri” (546). O posto de</p><p>observação póstumo de onde assiste ao desenrolar dos acontecimentos durante séculos (após</p><p>um processo de transformação de perspetiva, porque o seu espírito fora comido pelo do índio</p><p>com quem trocou oferendas) confere-lhe a autoridade para desacreditar alguns dos mitos</p><p>fundacionais do colonialismo português.</p><p>Enquanto pertencente ao fantástico, o narrador póstumo de Deus-Dará desempenha a</p><p>função principal que Rosemary Jackson atribui ao género: exercer pressão sobre as hierarquias</p><p>dominantes, transmitindo, simultaneamente, o estranho sentimento de deslocalização em relação</p><p>a sistemas políticos e sociais opressores. O narrador ambiciona acabar com “quinhentos anos de</p><p>equívocos Portugal-Brasil” (77); no contexto do romance, “se a história for o arco, o narrador</p><p>será o arqueiro que liga os mortos aos vivos” (325), fazendo a ponte entre o passado e o pre-</p><p>sente. Este defunto “bota para fora duas ou três coisas que Salazar jogou para baixo do tapete”</p><p>(471), proporcionando uma perspetiva revigorada sobre a teoria lusotropicalista do sociólogo</p><p>pernambucano Gilberto Freyre. Tendo por base a obra mais influente de Freyre, Casa Grande &</p><p>Senzala (1933), o narrador descreve o lusotropicalismo como “a propensão miscigenadora dos</p><p>portugueses [que] teria engendrado um colonialismo único, de onde se ergueria o admirável</p><p>mundo novo” (468).</p><p>A teoria freyreana do lusotropicalismo, ainda embrionária em Casa Grande & Senzala,</p><p>seria desenvolvida em pleno em O Luso e o Trópico (1961), altura em que já estava completa a</p><p>institucionalização política dessa teoria no regime do Estado Novo. Salazar apropria-se do luso-</p><p>tropicalismo e usa-o como argumento para a manutenção, sob domínio português, das colónias</p><p>em África, rebatizadas “províncias ultramarinas”, uma mudança semântica que não contribuiu</p><p>para a mudança efetiva do seu</p><p>estatuto de ocupação colonial—no impasse de um mundo pós-II</p><p>Guerra, afirma o narrador de Deus Dará, “o pernambucano acreditou que Portugal alavancaria</p><p>as suas teses. Pressionado nas Nações Unidas, o português acreditou que Freyre alavancaria o</p><p>seu Ultramar. Um desbloquearia o outro” (469, itálico no original). De acordo com Cláudia</p><p>Castelo (“O Luso-Tropicalismo e o Colonialismo Português Tardio”), com a derrota do nazismo,</p><p>o princípio da autodeterminação dos povos colonizados foi consagrado na Carta da Organização</p><p>das Nações Unidas (ONU), em 1945. Os países com colónias seriam obrigados, pela ONU, a</p><p>prepararem os territórios sob sua administração para a independência, emergindo, assim, um</p><p>movimento anticolonialista que Salazar quis combater, através da formulação de um argumento</p><p>legitimador da manutenção das colónias em África (Buala). O narrador, sarcástico, comenta da</p><p>sua posição de observador privilegiado, que “aí, a tese da miscigenação & adaptação já calhava</p><p>que nem ginjas, distinguindo os Lusitanos da maralha colonialista” (469)—constituída pelos</p><p>ingleses e espanhóis, cujo colonialismo era alicerçado na ocupação violenta dos territórios, ao</p><p>contrário do português.</p><p>This content downloaded from</p><p>�����������191.34.192.74 on Sun, 10 Mar 2024 16:06:56 +00:00������������</p><p>All use subject to https://about.jstor.org/terms</p><p>Mariana</p><p>Realce</p><p>564 Hispania 103 December 2020</p><p>O narrador nega, em seguida, que a missão salvadora portuguesa em África assentaria</p><p>na definição do império enquanto “nação única, cristocêntrica e não etnocêntrica, em que</p><p>todos seriam iguais perante Deus e a lei, independentemente da cor” (469, itálico no original).</p><p>Ocupando uma página inteira do livro, em letras maiúsculas e a negrito, podem ler-se opini-</p><p>ões reproduzidas acriticamente sobre a colonização: “O MUNDO ERA ASSIM”; “SEMPRE</p><p>HOUVE ESCRAVATURA”; “OS PRÓPRIOS AFRICANOS TAMBÉM ESCRAVIZAVAM”;</p><p>“PORTUGAL NÃO INVENTOU O TRÁFICO COLONIAL”; “PORTUGAL NÃO FEZ NADA</p><p>QUE OS OUTROS NÃO FIZESSEM”; “PORTUGAL ERA MUITO MAIS BRANDO DO QUE</p><p>OS OUTROS”; “PORTUGAL NÃO ERA RACISTA/ MISTURAVA-SE” (467, maiúsculas no</p><p>original). Através do destaque visual, o narrador pretende chamar a atenção para a necessidade</p><p>de desconstruir estes mitos, fornecendo aos leitores argumentos de base histórica, antropológica</p><p>e sociológica. Para fundamentar a sua tese, ao longo do romance são reproduzidos e comentados</p><p>trechos de Gilberto Freyre, Lévi-Strauss, Eduardo Viveiros de Castro, Abel Barros Batista, Jaime</p><p>Cortesão, textos xamânicos dos índios, crónicas portuguesas do século XVI, Oswald de Andrade,</p><p>Machado de Assis, ou letras de músicas de autores diversos. Cabe aos leitores formarem as suas</p><p>próprias decisões, agora que estão na posse dos factos apresentados por uma das testemunhas</p><p>destes momentos históricos. O narrador nega o mito do colonialismo português ter sido mais</p><p>brando que os de Espanha ou Inglaterra, revelando a dura realidade por trás de eufemismos</p><p>saneados; a “assimilação amorosa” pregada pela metrópole deixava entrever “outras brechas</p><p>no edifício” (469, itálico no original), como o racismo dos colonos em África. O otimismo da</p><p>mistura tem um reverso amargo, exposto pelo narrador: fez-se à custa de mulheres que não</p><p>estavam livres.7</p><p>O narrador assume a culpa e arrependimento da participação ativa, enquanto colonizador,</p><p>no apocalipse vivido pelo Brasil nos anos em que decorre a ação do romance (2012–14): “eu era</p><p>uma catástrofe. A maior catástrofe que um punhado de homens alguma vez trouxe a milhões</p><p>de homens” (548)—esse “eu” funciona como metonímia para toda uma nação portuguesa que</p><p>contribuiu para a dizimação do Brasil. Nicolau quer, com o seu relato, aliar-se aos que foram</p><p>esquecidos e silenciados por séculos de colonialismo, os que sofreram abusos às mãos dos</p><p>brancos, dando aos leitores uma perspetiva diversa da que se encontra nos discursos políticos</p><p>ou nos manuais escolares. Este continua a ser, no século XXI, um assunto de difícil discussão</p><p>em Portugal, segundo o narrador, pois a tónica é colocada na celebração dos Descobrimentos,</p><p>“como se não tivesse acontecido o extermínio de pelo menos um milhão de ameríndios e o</p><p>tráfico de quase seis milhões de africanos” (466). O relato funciona como um meio de repa-</p><p>ração dos crimes que ele próprio tinha cometido enquanto navegador ao serviço do império</p><p>português, num ato de catarse purgativa, servindo, como argumenta Snauwaert, de mecanismo</p><p>compensatório para o que não foi feito em vida (191)—este é um ato didático de necessário</p><p>revisionismo histórico. A redenção acontece com os ensinamentos sobre os efeitos nefastos</p><p>dos descobrimentos, tornando-os visíveis aos leitores: roubos, dizimação de povos, violações</p><p>em massa, crueldade com base na superioridade racial branca sobre a negra ou a indígena. Ao</p><p>sermos confrontados com estes factos, dificilmente podemos continuar a alegar ignorância</p><p>sobre as atrocidades e somos levados a questionar os discursos oficiais dos países envolvidos na</p><p>expansão europeia colonial moderna, a representação histórica das duas faces do colonialismo (a</p><p>dos conquistadores e a dos conquistados) e as consequências de séculos de ocupações forçadas.</p><p>A reconciliação pós-colonial pressupõe este conhecimento de quinhentos anos de colonialismo.</p><p>Considerações finais: Colonialismos extemporâneos e morte social</p><p>Em Raising the Dead, Sharon Patricia Holland demonstra a sobreposição entre morte e sub-</p><p>jetividade negra, uma vez que a presença de minorias na sociedade (principalmente as minorias</p><p>negras e não heteronormativas) é, à semelhança da morte, quase indizível, porque esses sujeitos</p><p>estão socialmente mortos, completamente segregados. A autora define “morte social” como</p><p>This content downloaded from</p><p>�����������191.34.192.74 on Sun, 10 Mar 2024 16:06:56 +00:00������������</p><p>All use subject to https://about.jstor.org/terms</p><p>Mariana</p><p>Realce</p><p>Mariana</p><p>Realce</p><p>Mariana</p><p>Realce</p><p>Mariana</p><p>Realce</p><p>565Simões / Histórias de um defunto sobre relações transatlânticas</p><p>um estatuto não-humano de grupos minoritários que, ainda em vida, são marginalizados, não</p><p>sendo considerados membros participativos da sociedade (13). Os argumentos de Holland são</p><p>úteis para pensar as vozes marginalizadas resgatadas do silêncio pelo narrador de Deus-Dará.</p><p>O patriarcado colonialista, ainda presente na realidade extratextual dos séculos XX e XXI que</p><p>inspira o mundo ficcional das personagens, marginaliza sujeitos subalternos, como as mulheres,</p><p>os negros ou os indígenas.</p><p>Holland defende a produtividade da interpretação de obras em que os mortos falam, para a</p><p>compreensão da subjetividade dos povos cujo acesso ao passado foi interrompido por séculos de</p><p>violência. Na sua obra, reforça esta ideia através de uma citação de Michael Taussig (Shamanism,</p><p>Colonialism, and the Wild Man, 1986) em que o antropólogo argumenta que o espaço da morte</p><p>é determinante na criação de significado e consciencialização, em áreas cujas fronteiras estão</p><p>repletas do sangue por séculos de escravatura, eliminação e conquista; as margens são, assim,</p><p>espaços constantes de morte e terror (4). Na mesma linha, Em Deus-Dará, o narrador usa o</p><p>espaço marginal da morte para consciencializar os leitores em relação às consequências, no</p><p>Brasil do século XXI, de séculos de violência colonial exercida contra as minorias socialmente</p><p>mortas, existindo nas periferias transformadas em lugares de morte e terror. Tendo como</p><p>cenário a cidade do Rio de Janeiro, Nicolau entrelaça a vida de sete personagens, estabelecendo</p><p>uma relação causa-efeito entre a euforia do génesis colonial (com a chegada dos europeus no</p><p>século XVI) e o caos do apocalipse dos anos 2012–14. A melhor representação apocalítica</p><p>acontece com a invasão das ruas das principais cidades brasileiras com manifestantes saídos</p><p>das margens da sociedade, que recusam ser silenciados, reivindicando melhores condições de</p><p>vida e o final da violência policial contra negros, mulheres (principalmente as que praticaram,</p><p>ou são a favor, do aborto),</p><p>comunidades LGBT e moradores das favelas—todos apelidados de</p><p>criminosos. Os anos de apocalipse expõem o abismo socioeconómico entre as corporações—com</p><p>o poder de construir a imagem de um Brasil moderno e com infraestruturas equiparadas às das</p><p>grandes potências internacionais—e os setores marginalizados da população, que o país tentava</p><p>“esconder”, reprimindo brutalmente as dissidências reivindicativas.</p><p>A função do narrador póstumo consiste em dar voz a estas minorias silenciadas por dema-</p><p>siado tempo, apresentando personagens que dialogam e questionam o passado colonial do Brasil</p><p>e as influências de uma mentalidade racista, classista, homofóbica, xenófoba e misógina. As</p><p>personagens do romance frequentam cursos superiores ou já os concluíram (mesmo moradores</p><p>de favela podem ter acesso a bolsas para universidades, como a PUC), algumas das quais ao nível</p><p>de pós-graduação, mostrando que a educação será o veículo da resistência e da mudança, pois,</p><p>através do conhecimento do passado, poderão evitar-se alguns erros no futuro. O narrador traz</p><p>o passado para o presente, educa os leitores sobre os milhões de mortos indígenas e africanos,</p><p>vítimas de um sistema colonial de base esclavagista, subjugando os povos considerados inferiores</p><p>ao europeu, branco e civilizado.</p><p>O narrador póstumo, Nicolau Coelho, denuncia a ganância e corrupção das elites que</p><p>detêm o poder no Brasil, em voz própria e também através das personagens por ele criadas:</p><p>Judite recusa representar um cliente poderoso, um congressista acusado de esclavagista e de</p><p>anexar terras ilegalmente; a recusa fundamenta-se no contacto de uma vida inteira de Judite</p><p>com o trabalho antropológico do pai, que a levara a conhecer as tribos nativas da Amazónia,</p><p>sensibilizando-a para o problema de apropriação de terras indígenas na exploração agrária e</p><p>comercial. O sociólogo Gabriel tenta, igualmente, combater a violência pós-ditadura que faz</p><p>vítimas todos os dias, através de uma série de palestras para a formação de novos oficiais, pois</p><p>somente desmontando a opressão sistémica se poderá mudar a mentalidade das novas gerações</p><p>da polícia que patrulha as ruas da cidade.</p><p>No seu papel didático, o narrador destaca o famoso episódio das Memórias póstumas de</p><p>Brás Cubas em que o ex-escravo Prudêncio espanca um escravo de sua propriedade, numa</p><p>ilustração da dialética entre senhor e escravo. Nicolau afirma que, infelizmente, a abolição da</p><p>escravatura não trouxe uma mudança de mentalidades.8 Já Machado Assis, neto de escravos, não</p><p>This content downloaded from</p><p>�����������191.34.192.74 on Sun, 10 Mar 2024 16:06:56 +00:00������������</p><p>All use subject to https://about.jstor.org/terms</p><p>566 Hispania 103 December 2020</p><p>tinha ilusões: a escravatura iria ser reproduzida e continuada por quem a sofreu—num ciclo de</p><p>violência a que Homi Bhabha se refere como mímica: a desumanização através de humilhações</p><p>físicas e linguísticas ao seu semelhante.9 Para Bhabha, o colonizado não aceita a sua situação de</p><p>subordinado e condena as atitudes subversivas do colonizador, adotando, simultaneamente, essas</p><p>mesmas condutas que recriminava. A mímica emerge a partir da representação de uma diferença</p><p>que é, em si mesma, uma recusa, e, portanto, fundamentalmente ambivalente; apresenta-se</p><p>como um signo de articulação dupla, uma estratégia de disciplina que se apropria do Outro</p><p>ao visualizar o poder (86)—ambivalência de “not quite/not white” (92), ou seja, tentativa de</p><p>imitação do branco nunca completamente concretizada, porque a mímica é feita por um sujeito</p><p>colonizado à margem, que jamais atingirá o mesmo estatuto do colonizador.</p><p>Segundo Bennett, os enredos explorados por narradores póstumos têm como função a</p><p>exumação e a transposição para a luz do dia de elementos de histórias que, de outra forma,</p><p>ficariam na escuridão e no silêncio (103). Deus-Dará surge, como já Memórias póstumas de Brás</p><p>Cubas o tinha feito, conforme descrito por Robert Moser, num momento de transição do Brasil</p><p>para uma república moderna, em que há necessidade de ressuscitar e reinterpretar o seu próprio</p><p>passado socio-histórico (Carnivalesque 109). Nicolau ajuda os leitores a pensar o legado colonial</p><p>deixado pelos lusitanos nos territórios africanos e brasileiros sob domínio português durante</p><p>séculos, contribuindo para a reflexão sobre as consequências dessa ocupação territorial, cultural</p><p>e cognitiva. Apesar da violência e do caos político, económico e social retratados, o romance</p><p>apresenta novas gerações que irão combater o apagamento dos povos colonizados, ostracizados</p><p>nas margens, revertendo a sua invisibilidade e morte social. Nós, enquanto leitores, fazemos</p><p>parte desta geração educada por este narrador póstumo bem instruído. De novo relembro o</p><p>argumento de Erwin Snauwaert de que a morte transforma o narrador numa figura de autoridade</p><p>que assina um contrato de autenticidade (188–92). Lucas Coelho reforça essa autenticidade</p><p>através da inclusão de várias fontes históricas e literárias nas quais baseou a sua pesquisa para a</p><p>elaboração do romance (a lista bibliográfica apresentada no final do romance estende-se por sete</p><p>páginas, 557–63). A autoridade do narrador assenta no testemunho direto dos acontecimentos</p><p>(ficção em primeira pessoa), mas também no seu acesso a estas fontes de informação factuais,</p><p>que partilha com os leitores, para lhes dar argumentos sólidos que lhes permitam olhar e pensar</p><p>a realidade transatlântica de forma informada.</p><p>NOTAS</p><p>1 Apesar de estilos de escrita diversos—uma compilação de crónicas, um romance, e uma mistura</p><p>entre ensaio, reportagem e crónica, respetivamente—Lucas Coelho parte de uma literatura de viagens para</p><p>estabelecer a ligação causa-efeito entre as complexas relações sociais e políticas do presente brasileiro e o</p><p>seu passado colonial, iniciado com a chegada de Cabral à costa da Bahia em 1500.</p><p>2 Todos os nomes das personagens brasileiras têm inspiração bíblica: Judite salva o seu povo seduzindo</p><p>e matando Holofernes, Zacarias é um dos doze profetas e pai de João Batista, Lucas é um dos apóstolos</p><p>seguidores de Jesus e autor do terceiro Evangelho, Gabriel é o anjo que anuncia a Maria que será mãe de</p><p>Jesus, e Noé é o construtor da arca que salva animais e humanos do grande dilúvio. Já os nomes das per-</p><p>sonagens portuguesas, Tristão e Inês, têm por base Tristão da Cunha (1460–1540), o navegador português</p><p>que descobriu um arquipélago de ilhas remotas a sul do oceano Atlântico, ao qual deu o seu nome, e Inês de</p><p>Castro (1325–55) que, com Pedro I, foi protagonista da mais trágica história de amor portuguesa, tornada</p><p>mito por autores de renome como Camões.</p><p>3 O aumento do preço dos transportes públicos (fundamentais para a população mais carenciada que</p><p>mora na periferia e precisa de ter acesso à cidade) foi o rastilho para algo muito maior, deixando antever</p><p>a gravidade da situação vivida pelo país e os seus habitantes, vítimas de jogos políticos sem escrúpulos.</p><p>4 Heinze estabelece a diferença entre cinco tipos diferentes de paralepse. A “paralepse global” engloba</p><p>a figura do narrador póstumo. As narrativas ficcionais da categoria da paralepse global são verdadeiras</p><p>violações da epistemologia mimética. Para acontecerem, precisa, necessariamente, de existir uma rutura</p><p>com as leis físicas conhecidas e, por isso, estas narrativas requerem a suspensão do descrédito (286).</p><p>This content downloaded from</p><p>�����������191.34.192.74 on Sun, 10 Mar 2024 16:06:56 +00:00������������</p><p>All use subject to https://about.jstor.org/terms</p><p>Mariana</p><p>Realce</p><p>Mariana</p><p>Realce</p><p>567Simões / Histórias de um defunto sobre relações transatlânticas</p><p>5 O monumento original, da autoria do arquiteto Cottinelli e do escultor Almeida, foi construído em</p><p>materiais perecíveis por ocasião da Exposição do Mundo Português, em 1940, com o objetivo de celebrar</p><p>o Estado Novo, em fase de consolidação. A réplica atual, em betão e pedra, data de 1960.</p><p>6 Karim já fora antes mencionado no primeiro romance da autora, E a noite roda (2012), em que esta</p><p>temática é desenvolvida.</p><p>7 Esta é a raiz da atual violência contra as mulheres e contra homossexuais, materializada pelo narra-</p><p>dor pela presença da personagem portuguesa Inês na Marcha das Vadias, a 27 de julho de 2013 (um ato</p><p>performativo pacífico com o propósito de lutar pelo fim de toda a violência sexual e de género, de acordo</p><p>com o blog Marcha das Vadias Rio de Janeiro).</p><p>8 Assis faz parte da história do Rio e tem uma importância central no romance, não só pelas referências</p><p>literárias citadas pelo narrador, mas também pela ligação estabelecida entre o autor e a sua residência no</p><p>Bairro do Cosme Velho, na mesma rua onde a família de Zaca e Judite se estabelecera há várias gerações, e</p><p>que serve de inspiração ao Grande Romance Carioca, uma biografia de Machado, que Zaca planeia escrever.</p><p>9 Cubas, nas suas memórias póstumas, conta como era uma criança tão terrível que merecera a alcunha</p><p>de “menino diabo”. A sua maldade manifestava-se sobretudo com Prudêncio, que obrigava a fazer de cavalo,</p><p>montando-o e fustigando-o violentamente. Num ato de cruel vingança, já adulto, Prudêncio compra, ele</p><p>também, um escravo que chicoteia em praça pública, libertando assim as suas frustrações e reproduzindo</p><p>o ciclo de violência—cena observada por Cubas (Assis, capítulo LXVIII, “O vergalho” 85–86).</p><p>OBRAS CITADAS</p><p>Assis, Machado. Memórias póstumas de Brás Cubas. Mogul Classics, 2014.</p><p>Barros, Bruno Mazzolini de. Resenha de livro de Deus-Dará. Revista do Centro de Estudos Portugueses,</p><p>vol. 36, núm 56, pp. 93–95.</p><p>Bennett, Alice. Afterlife and Narrative in Contemporary Fiction. Palgrave MacMillan, 2012.</p><p>Bethencourt, Francisco. Racismos—Das cruzadas ao século XX. Círculo de Leitores, 2015.</p><p>Bhabha, Homi K. The Location of Culture. Routledge, 2014.</p><p>Bronfen, Elisabeth, e Sarah Webster Goodwin, editors. Death and Representation. Johns Hopkins UP, 1993.</p><p>Castelo, Cláudia. “O luso-tropicalismo e o colonialismo português tardio”. Buala, 5 mar. 2013, www.buala.org</p><p>/pt/a-ler/o-luso-tropicalismo-e-o-colonialismo-portugues-tardio. Acesso 7 out. 2019.</p><p>Castro, Eduardo Batalha Viveiros de. Araweté: Os deuses canibais, editado por Jorge Zahar, 1986.</p><p>Coelho, Alexandra Lucas. Cinco Voltas na Bahia e um Beijo para Caetano Veloso. Bazar do Tempo, 2019.</p><p>———. Deus-Dará. Tinta da China, 2016.</p><p>———. E a noite roda. Tinta da China, 2012.</p><p>———. Entrevista pessoal. 7 fev. 2018.</p><p>———. Vai, Brasil. Tinta da China, 2013.</p><p>———. “518 anos de fantasmas”, 7 fev. 2018, U de Massachusetts Dartmouth.</p><p>Cypess, Sandra Messinger. The Dead Narrator in Modern Latin American Prose Fiction: A Study in Point</p><p>of View. U of Illinois, Dissertação, 1968.</p><p>Freyre, Gilberto. Casa grande & senzala. Brasília, 1963.</p><p>———. O luso e o trópico. Comissão Executiva do V Centenário da Morte do Infante D. Henrique, 1961.</p><p>Heinze, Rüdiger. “Violations of Mimetic Epistemology in First-Person Narrative Fiction”. Narrative, vol. 16,</p><p>núm. 3, The Ohio State UP, pp. 279–97.</p><p>Holland, Sharon Patricia. Raising the Dead: Readings of Death and (Black) Subjectivity. Duke UP, 2000.</p><p>Laqueur, Thomas W. The Work of the Dead. Princeton UP, 2015.</p><p>Moser, Robert H. The Carnivalesque Defunto: Death and the Dead in Modern Brazilian Literature. Ohio</p><p>UP, 2008.</p><p>“Nicolau Coelho”. Rota do Romântico. www.rotadoromanico.com/vPT/ORomanico/Personalidades</p><p>Historicas/FichadePersonalidade/Paginas/NicolauCoelho.aspx. Acesso 2 fev. 2019.</p><p>“Nota de posicionamento da Marcha das Vadias do Rio de Janeiro 2013”. Marcha das Vadias Rio de Janeiro,</p><p>7 ago. 2013, marchadasvadiasrio.blogspot.com/.</p><p>Santos, Mário. “Alexandra Lucas Coelho: ‘Interessa-me a Mistura’”. Ípsilon—Público, 16 nov. 2016, www.publico</p><p>.pt/2016/11/16/culturaipsilon/entrevista/alexandra-lucas-coelho-interessame-a-mistura-1751329.</p><p>Snauwaert, Erwin. “El narrador póstumo: Figura innatural e instrumento de lo fantástico”. Actas del</p><p>Coloquio Internacional. Fines del mundo: Narrativas fantásticas en hispanoamérica—Coloquiofanperú</p><p>2012. El Lamparero Alucinado, 2013, pp. 185–95.</p><p>This content downloaded from</p><p>�����������191.34.192.74 on Sun, 10 Mar 2024 16:06:56 +00:00������������</p><p>All use subject to https://about.jstor.org/terms</p><p>This content downloaded from</p><p>�����������191.34.192.74 on Sun, 10 Mar 2024 16:06:56 +00:00������������</p><p>All use subject to https://about.jstor.org/terms</p>