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<p>A ESCOLA A DE CHICAGO ESCOLA DE Após fazer uma exposição sobre o que foi a Escola de Chicago e sobre o que esse movimento significou para o desenvolvimento da sociologia, Alain Coulon apre- senta um histórico e as origens intelectuais de tal CHICAGO conjunto de pesquisas. Discute também temas que, por diferentes razões, são de grande atualidade: a questão da imigração, a criminalidade e a Por sua forte preocupação empírica, essa sociologia urbana representou uma inovação nos métodos de DE investigação: a utilização científica de documentos pessoais, a exploração de diversas fontes documen- tais e o desenvolvimento do trabalho de campo sistemático. A Além de sua contribuição para a sociologia qualitativa, esta obra fornece subsídios históricos e metodológicos para os pesquisadores de diversas áreas das ciências humanas. ALAIN COULON 503 PAPIRUS EDITORA PAPIRUS EDITORA</p><p>ALAIN COULON tradução Tomás R. Bueno A ESCOLA DE CHICAGO UNIVERSIDADE DO PORTO Faculdade de Letras BIBLIOTECA 45222 555653 Data 02/05/1996 PAPIRUS EDITORA 303 C 892 e</p><p>original em de Chicago Presses Universitaires de France, 1992 (Coleção Que sals-je?) Tradução: R. Capa: Fernando Cornacchia Foto: Renato Testa Margareth Sliva de Oliveira Revisão: Armando Luiz Miatto Dados Internacionals de Catalogação na Publicação (CIP) Brasileira do SP, Brasil) Coulon, Alain A de Chicago / Alain Coulon tradução Tomas R. Bueno Campinas, SP 1995. ISBN 85 308-0359-0 1. Escola de Chicago de Sociologia 2. Pesquisa sociológica 3. Sociologia urbana I. SUMÁRIO 95-2761 CDD-301 para catálogo 1. Escola de Chicago de Sociologia 301 INTRODUÇÃO 7 1. AS ORIGENS 11 O berço da sociologia americana 12 O papel decisivo de Albion Small 14 As influêências intelectuais e 17 A rebelião de 1935 25 2. A IMIGRAÇÃO E AS RELAÇÕES ÉTNICAS 29 Atitudes individuais e valores sociais 30 A desorganização social 33 Desmoralização e assimilação 38 A definição da situação 40 ciclo das relações 41 A imigração japonesa e as sete etapas de Bogardus 50 DIREITOS RESERVADOS PARA A PORTUGUESA: R. Cornacchia Livraria e Editora - Papirus Editora Aculturação e assimilação 52 Matriz - F. (0192) 31-3534 e 31-3500 CP 736 CEP 13001-970 Campinas - Filial F.: (011) 570-2877 - Paulo Brasil. A distância cultural 55 O homem marginal 56 Prolbida B reprodução total ou parcial. Editora afiliada à ABDR.</p><p>3. A CRIMINALIDADE 61 As gangues de Chicago 61 crime organizado 66 A juvenil 68 O ladrão profissional 77 4. os MÉTODOS DE PESQUISA 81 Os documentos pessoais 83 O trabalho de campo 99 As fontes documentais 115 A pesquisa quantitativa em Chicago 117 CONCLUSÃO UMA SEGUNDA ESCOLA DE CHICAGO 123 INTRODUÇÃO BIBLIOGRAFIA 127 ÍNDICE ONOMÁSTICO 133 Por "Escola de Chicago" costuma-se designar um conjunto de trabalhos de pesquisa sociológica realizados, entre 1915 e 1940, por professores e estudantes da Universidade de Chicago. A expressão foi utilizada pela primeira vez muito tempo depois do começo desse movimento, mais precisamente em 1930, quando Luther Bernard apresentou as diferentes escolas de sociologia Nem sempre se trata, é claro, de uma corrente de pensamento homogênea, com uma abordagem teórica comum, mas, apesar disso, a Escola de Chicago apresenta diversas caracte- rísticas que sem dúvida lhe conferem uma grande unidade e lhe atribuem um lugar particular e distinto na sociologia americana. A sociologia de Chicago caracteriza-se antes de mais nada pela pesquisa empírica, e marca uma virada no impacto que a 1. L.L. Bernard, "Schools of sociology", Southwestern Political and Social Science Quar- terly, 11, setembro de 1930, p. 133. 7</p><p>investigação sociológica terá sobre a sociedade. Com efeito, antes comunidades de imigrantes à sociedade americana, dando especial do aparecimento desses trabalhos empíricos, as investigações destaque aos estudos sobre a criminalidade e a ciológicas eram orientadas para as "pesquisas sociais", muito im- Finalmente, com base nas obras mais significativas da Escola de pregnadas de moralismo e mais próximas do jornalismo investiga- Chicago, examinaremos os diversos métodos de investigação utili- zados. tivo que da investigação científica, como, por exemplo, a pesquisa de Pittsburgh sobre a condição operária. Ao contrário, a tendência empírica será marcada pela insistência dos investigadores em produzir conhecimentos úteis para a solução de problemas sociais concretos. A Escola de Chicago é uma sociologia urbana, que realizou uma série impressionante de estudos sobre os problemas que enfrentava a cidade de Chicago; mas, sobretudo, consagrou grande parte de seus trabalhos a um problema político e social mais importante, que à época preocupava todas as grandes cidades americanas e ultrapassava os limites de uma sociologia da cidade: o da imigração e da assimilação de milhões de imigrantes à sociedade americana. Por outro lado, uma das contribuições mais importantes dos sociólogos da Escola de Chicago foi o desenvolvimento de méto- dos originais de utilização científica de documentos pessoais, trabalho de campo sistemático, exploração de diversas fontes documentais. Claramente orientados para que é hoje chamado de sociologia qualitativa, tais métodos foram contempo- râneos, na própria Chicago, de uma sociologia quantitativa, que viria a suplantá-la a partir da Segunda Guerra Mundial. Após termos acompanhado brevemente histórico desse movimento e indicado as suas origens intelectuais, apresentaremos em sucessão trabalhos consagrados aos problemas da imigração e os conceitos propostos para pensar a integração das diversas 2. P.U. Kellogg (org.), The Survey, 6 vols., Nova York, Charities Publications Committee and Survey Associates, 9 8</p><p>1 AS ORIGENS Quando, no outono de 1892, surgiu a Universidade de Chicago, a cidade tornara-se, juntamente com Nova York e Filadél- fia, uma das três maiores cidades americanas, com uma assombrosa taxa de crescimento: povoado que contava com 4.470 habitantes no recenseamento de 1840, e representava então a fronteira oeste dos Estados Unidos, tinha 1 milhão e cem mil, cinqüenta anos depois, em 1890, e chegaria a ter cerca de 3 milhões e meio em Na segunda metade do século XIX, migrantes rurais do Middle West chegaram em massa, bem como um número impres- sionante de imigrantes estrangeiros: alemães, escandinavos, irlan- deses, italianos, poloneses, lituanos, checos, judeus Em 1900, mais 1. E. Burgess e C. Newccomb (orgs.), Census data of the City of Chicago, Chicago, University of Chicago Press, 1931, p. 5. 11</p><p>da metade da população de Chicago havia nascido fora da Améri- estudantes mais motivados obtivessem seu diploma em menos de ca. Chicago tornou-se uma cidade industrial, um centro comercial quatro anos e, por outro lado, que se acolhesse uma nova popu- e uma próspera bolsa; o capitalismo selvagem desenvolveu-se e a lação de estudantes que preparavam suas teses em tempo parcial, cidade assistiu a tumultos (1886) e a grandes greves operárias fato pouco comum na época. Desse modo, estudantes de idade (1894). Era também uma cidade de arte e cultura, influenciada pela madura, ou mesmo trabalhadores sociais foram atraídos a Chicago e religião protestante, que tinha um grande respeito pelo ensino e motivados a retomar seus estudos após, talvez, vários anos de pelos livros. Uma cidade moderna, reconstruída em aço e concreto Pela primeira vez no mundo, a organização dos estudos após grande incêndio de 1871. Nela foram construídos os iria permitir explicitamente que estudantes de pós-graduação combi- primeiros arranha-céus dos Estados Unidos e desenvolveu-se um nassem uma vida profissional com uma vida de pesquisador. movimento arquitetônico modernista que também ficaria conheci- departamento de sociologia e de Chicago do como Escola de Chicago. tornou-se rapidamente, desde início da década de 1910, Foi nesse contexto que nasceu, em 1890, a Universidade de principal centro de estudos e de investigação sociológica dos Chicago, graças à generosidade de John D. Rockefeller, que Estados Unidos, e durante mais de duas décadas foi mais confiou a William Harper um ex-pastor batista a tarefa de prestigioso. Em 1913, oferecia uma centena de cursos de sociologia levar a bom termo projeto de uma nova e de antropologia. Graças à fundação da Graduate School, desen- volveu-se no departamento um clima de investigação, bem de acordo com as opiniões de Harper, que considerava que berço da sociologia americana O presidente Harper, que fora professor de grego e hebraico só quem se dedicou à pesquisa pode ensinar aos demais como na Universidade de Yale, tinha uma grande ambição para a pesquisar. (...) Prevê-se que, de vez em quando, os professores Universidade de Chicago: por um lado, criou imediatamente uma serão completamente liberados de seus cursos para poder dedicar- se a suas pesquisas em tempo integral. (...) Em resumo, esta Graduate School dedicada à pesquisa e à formação de estudantes instituição privilegiará o trabalho de pesquisa e considerará os de doutorado, iniciativa inovadora em uma época em que as cursos como universidades americanas privilegiavam ensino em detrimento da pesquisa, que nunca era valorizada; por outro lado, propôs-se a abrir a universidade para a vida social exterior. Nesta perspectiva, Harper idealizou também um meio para difundir resulta- já a partir do segundo ano de existência da universidade, instituiu dos das pesquisas realizadas, criando a editora da Universidade de um trimestre de estudos durante verão. Tal divisão do ano Chicago, cuja estrutura já estava montada antes mesmo que um universitário em quatro trimestres permitia, por um lado, que os único estudante houvesse atravessado as portas da novíssima 2. Nos primeiros vinte anos de existência da universidade, Rockefeller, já de posse da fortuna acumulada pela sua Standard Oil Company, consagrou-lhe 35 milhões de 3. As duas disciplinas formariam um único departamento até 1929. e mais tarde fez ainda uma última doação de 10 milhões de dólares em 1910, 4. Citado por T.W. Goodspeed, A history of the University of Chicago: The first quarter- sem exigir em troca qualquer poder de gestão. century, Chicago, University of Chicago Press, 1916, pp. 145-146. 12 13</p><p>ções humanas em seis categorias: a saúde, o bem-estar material, a papel decisivo de Albion Small sociabilidade, o conhecimento, a beleza e a retidão - não deixa- ram marcas profundas na sociologia. Hoje em dia, ele só é lido, Em 1892, quando a Universidade de Chicago abriu suas como sociólogo, por pesquisadores interessados no desenvolvi- portas, o presidente Harper pediu a Albion Small que fundasse e mento da sociologia americana. Contudo, deve-se observar que ele dirigisse novo departamento de antropologia e sociologia, que insistia em que seus alunos fizessem pesquisas de campo ativas e seria primeiro deste tipo nos Estados Unidos. observações diretas e que não se entregassem a reflexões teóricas Small (1854-1926) teve um grande papel na instalação da "de poltrona" sociologia, não só em Chicago, mas igualmente no conjunto dos Na obra que publicou em colaboração com George Vincent Estados Unidos. Após ter iniciado estudos de teologia, foi estudar em 1894, Small, que chamava seu próprio livro de "guia de em Berlim onde conheceu o então estudante Georg Simmel, que laboratório", consagrou dois capítulos à conduta empírica da viria a marcar a sociologia alemã e européia e em Leipzig, de sociologia. Sublinhando a importância do para as relações 1879 a 1881, cidade em que estudou a história, a filosofia e a sociais, estimulou os estudantes a observar as comunidades em que sociologia Voltou depois disso aos Estados Unidos, con- viviam, analisar esse "mosaico de pequenos mundos", estudar a cluiu seu doutorado em história em 1889 na Universidade Johns- sua história e levantar mapas de suas características. Por outro lado, Hopkins e tornou-se professor de história do Colby College, cargo propôs a seus colegas do departamento de sociologia usar a cidade em que permaneceu até 1892. de Chicago como objeto e como campo de pesquisas. Esta idéia, portanto, prefigurava os princípios de pesquisas sobre a cidade Começou ensinando sociologia, principalmente a Em que, 20 anos depois, Park e Burgess aplicariam de maneira ainda 1890, por sua própria conta, publicou uma obra que, durante 20 mais sistemática. anos, seria lida por todos os estudantes de sociologia dos Estados e cujo título seria retomado em 1921 por Robert Park e Um dos méritos intelectuais de Small foi insistir sobre a Ernest Burgess em sua obra de introdução à sociologia, com a necessária objetividade para a qual deveriam tender as investiga- significativa troca da palavra sociology por desse modo, ao ções sociológicas. Ele achava que a sociologia era uma ciência, que se passar da primeira para a segunda geração dos sociólogos de se tratava de fundamentar com base não no discurso, mas nas Chicago, passa-se de um projeto de conhecimento científico da pesquisas empíricas, ainda que ele próprio não as realizasse. sociedade à construção de uma teoria que, segundo se julgava, Considerava que a sociologia, em uma atitude interdisciplinar, permitiria estudar essa sociedade. deveria dar-nos a conhecer a estrutura da sociedade. Small não foi o único a insistir nesse critério de objetividade, que lhe Os escritos de Small não sobreviveram a ele, e seus desen- parecia dever garantir a cientificidade da sociologia; William volvimentos teóricos sobretudo a sua classificação das motiva- Thomas, Ellsworth Faris, Burgess, todos tiveram uma preocupa- ção idêntica, em especial Park, que mais tarde passou a opor-se 5. A. Small, Introduction to the science of sociology, Waterville, Maine, Colby University, firmemente às visões humanitárias que se podiam então impri- 1890, 150 pp. (impressão particular). Esta obra serviria de base à que Small viria a publicar quatro anos depois em colaboração com G. Vincent, An introduction to the mir à sociologia tal como Charles Henderson, que afirmava study of society, Nova York, American Book Co., 384 pp. 15 14</p><p>que esta era um dom de Deus aos homens para que pudessem As influências intelectuais e resolver seus dolorosos problemas Em Chicago, a sociologia beneficiou-se de um tal clima Enfim, a influência decisiva de Small sobre a sociologia foi intelectual que seria inexato datar seu desenvolvimento somente a sobretudo de ordem institucional, e todos os seus contemporâneos partir de 1915, quando a influência de Thomas e Park se tornou reconhecem-lhe um extraordinário talento de administrador e decisiva. Desde o seu nascimento, ela foi profundamente influen- organizador. Por um lado, dirigiu departamento de sociologia ciada por outras disciplinas ativas, em que pesquisadores de desde a sua criação, em 1892, até aposentar-se, em 1924, data em primeira linha se distinguiam. A filosofia, por exemplo, foi a que a sociologia já se tinha implantado firmemente em Chicago primeira a fundar uma "escola" verdadeira, conhecida pelo nome como uma disciplina importante. Por outro lado, seguindo conse- de pragmatismo. John Dewey, vindo da Universidade de Michigan, lhos do presidente Harper, fundou em julho de 1895 ou seja, chegou a Chicago em 1894 e lá permaneceu até 1904.8 George um ano antes de L'année sociologique de Durkheim American Herbert Mead, cujo nome ficaria ligado à fundação do interacionis- Journal of Sociology, do qual seria redator-chefe por 30 anos, até mo acompanhou-o em 1894, juntamente com outros 1925. Esta revista, que existe ainda quase um século após ter sido pesquisadores menos conhecidos, mas que eram também pensa- fundada, foi assim a primeira revista sociológica do mundo e dores ativos, como James Tufts e James Angell na psicologia. Estas também, durante algum tempo, a única existente nos Estados duas correntes de pensamento, a sociológica e a filosófica, teriam Unidos, posto que foi preciso esperar até 1921 para ver a publica- influências ção da Sociology and Social Research, e até 1922 para que a Social Forces aparecesse. Albion Small contribuiu também para a fundação, em 1905, pragmatismo da American Sociological Society, que se transformaria em 1935 na American Sociological Association. Este elo, estabelecido por Segundo pragmatismo, a atividade humana deve ser con- Small, entre a associação nacional de sociologia (cujos trabalhos e siderada sob ângulo de três dimensões que não podem ser debates ele mesmo publicou em sua maioria) e a revista de separadas: biológica, psicológica e ética. Ao agir, indivíduo sociologia de Chicago teria uma influência considerável sobre a persegue uma meta, tem sentimentos e emoções. É por isso que sociologia americana, fundamentando por muito tempo a liderança ensino da psicologia seria necessário à filosofia. Por outro lado, da Escola de Chicago. Americana de Sociologia, desde a fundação até 1971, foram estudantes ou professores em Chicago. 8. Quanto à influência de Dewey sobre a Escola de Chicago, pode-se consultar J.D. Lewis 6. Uma anedota mostra a verdadeira "revolução" constituída pela pesquisa de campo e R.L. Smith, American sociology and Chicago sociology, and recomendada por vários dos iniciadores da Escola sociológica de Chicago. Henderson, symbolic Chicago, University of Chicago Press, 1980, sobretudo as pp. pastor batista, um dos primeiríssimos professores do departamento, mas também, ao 167-168. mesmo tempo, esmoler da universidade, era fascinado por Thomas, porque este vagava 9. Os estudantes do departamento de sociologia eram estimulados a fazer os cursos de pela cidade, sobretudo nos bares, e contava-lhe suas observações Dewey ou de Mead sobre psicologia social. Por isso, o programa dos cursos de Thomas afirmava que Henderson jamais entrara em um bar, e nunca na vida bebera sociologia e suas descrições, publicados no American Journal of Soctology em 1902, uma cerveja. recomendavam aos alunos do curso de Albion Small que fizessem antes, ou ao mesmo 7. Essa influência foi tão grande que mais da metade dos presidentes da Associação tempo, "um dos três cursos do pe. Dewey". 16 17</p><p>segundo os filósofos de Chicago, tanto uma como a outra deviam ter uma influência sobre a a filosofia seria a referência tal", que viria a funcionar como um laboratório no qual as idéias teórica que permitiria a solução dos problemas sociais, educativos, desenvolvidas pelos filósofos podiam ser aplicadas. Mead também econômicos, políticos ou morais que se colocam a toda a socieda- esteve muito envolvido com essa escola experimental, da qual de. Mas a fé deles na melhoria das condições de vida em Chicago participou ativamente. Impulsionando uma modificação radical não era evangélica, mesmo que alguns deles fossem religiosos. dos currículos, ele julgava contribuir para uma melhor educação Consideravam que a solução desses problemas passava pela utili- do cidadão, tal como pode ser visto nos numerosos artigos e zação de métodos científicos de pensamento, que deveriam ser editoriais consagrados às questões educativas que ele escreveu aplicados à educação e à ciência. entre 1896 e Isso porque, segundo o pragmatismo, o filósofo está envol- O interacionismo simbólico vido com a vida de sua cidade, interessa-se por seu ambiente, pela ação social que tenha por fim a transformação social. Segundo Andrew os líderes da Escola de Chicago do início do século É preciso insistir ainda sobre interacionismo simbólico, que XX fizeram do "pragmatismo a filosofia social da democracia" (p. uma profunda influência sobre a sociologia de Chicago. Suas XXXIII). Sua influência mais espetacular ocorreu no desenvolvi- raízes filosóficas encontram-se no pragmatismo de John Dewey, mento democrático da educação e, de maneira mais geral, no da iniciado por Charles Peirce e William James, mas foi desenvolvido justiça social e da ação municipal. O pragmatismo é na verdade principalmente por Mead. uma filosofia da ação, mas também pode ser chamado de filosofia da intervenção social. Assim, Mead fez dele um instrumento social Como nome indica, interacionismo simbólico sublinhou e foi muito ativo no movimento de reforma social, na medida em a natureza simbólica da vida social: as significações sociais devem que achava que a consciência dos indivíduos se elabora por meio ser consideradas como "produzidas pelas atividades interativas dos das interações e dos processos sociais. agentes' (Blumer, 1969, p. 5). 14 que implica, para observador que se proponha compreender e analisar essas significações, a adoção de uma postura metodológica que autorize essa análise. O Esta mesma idéia é encontrada em Dewey, que se interessou muito pelas questões educativas como se vê pela obra que pesquisador só pode ter acesso a esses fenômenos particulares que publicou sobre as relações entre desenvolvimento da educação e a e dirigiu a partir de 1902 a Faculdade de 12. Mead foi até presidente da Associação de Pais de Alunos em 1902-1903. Foi também, por três anos, de 1907 a 1909, redator-chefe da revista The Elementary School Teacher, Educação da Universidade de Chicago. Em 1896 ele fundou, no editada pela Universidade de Chicago. próprio interior da universidade, uma "escola primária experimen- 13. Pode-se consultar, a este propósito, a bibliografia levantada por Reck (1964), em especial as pp. LXIII-LXV e ver também a bibliografia que consta da obra de Miller, George Herbert Self, language and the world, Chicago, University of Chicago Press, 1973, pp. 249-263. Por último, a bibliografia mais completa dos 10. A.J. Reck, Selected George Herbert Chicago, University of Chicago Press comentaristas da obra de Mead é sem dúvida a de Richard Lowy: "George Herbert (com um introdução de Andrew Reck), 1964, 416 pp. Mead: A bibliography of the secondary literature with relevant symbolic interactionist 11. J. Dewey, Democracy and education. An introduction to the philosophy of education, em N. Denzin (org.), Studies in Symbolic Interaction, vol. 7, parte B, Nova York, Macmillan, 1926; tradução francesa. Education et démocratie, Paris, Colin, Greenwic, CT, JAI Press, 1986, pp. 459-521. 1990, 446 pp. 14. H. Blumer, Symbolic interactionism: Perspective and method, Englewood Cliffs, NJ, Prentice-Hall, 1969, 208 pp. 18 19</p><p>são as produções sociais significantes dos agentes quando partici- Como Arnold pode-se resumir brevemente as princi- pa, também como agente, do mundo que se propõe estudar. pais proposições do interacionismo simbólico de Mead em cinco Deste ponto de vista, interacionismo simbólico vai na direção inversa da concepção durkheimiana do agente. Durkheim, Vivemos em um ambiente ao mesmo tempo simbólico e mesmo reconhecendo a capacidade do agente para descrever os físico, e somos nós que construímos as significações do fatos sociais que rodeiam, considera que tais descrições são vagas mundo e de nossas ações nele com a ajuda de símbolos. e ambíguas demais para que pesquisador lhes possa dar um uso científico. Segundo ele, aliás, essas manifestações subjetivas não Graças a esses símbolos "significantes", que Mead distin- pertencem ao domínio da sociologia. O interacionismo simbólico, guia dos "signos naturais", temos a capacidade de "tomar ao contrário, afirma que é a concepção que os agentes têm do lugar do porque temos em comum com os outros mundo social que constitui, em última instância, o objeto essencial os mesmos símbolos. da investigação sociológica. Temos em comum uma cultura, um conjunto elaborado de é considerado como inspirador do interacionismo significações e valores, que guia a maior parte de nossas simbólico, embora a expressão só tenha sido usada pela primeira ações e nos permite prever, em grande medida, compor- vez em 1937, por Blumer. Querendo realizar a síntese entre a tamento dos outros indivíduos. abordagem individual e a macrossociológica, achou que a noção de "si" podia cumprir esse papel, contanto que "si" fosse visto Os símbolos, e portanto também sentido e valor a eles como a interiorização do processo social pelo qual os grupos de ligados, não são isolados, mas fazem parte de conjuntos indivíduos interagem com outros. O agente aprende a construir seu complexos, diante dos quais indivíduo define seu "si", e dos demais, graças à sua interação com estes. A ação "papel", definição esta que Mead chama de "mim", que individual pode então ser considerada como a criação mútua de varia segundo grupos sociais com que está lidando, ao vários "si" em interação. Desse modo, os "si" adquirem um signifi- passo que o seu "eu" é a percepção que tem de si mesmo cado social, tornam-se fenômenos sociológicos, que constituem a como um Mead definiu essa diferença: vida social. O estudo sociológico deste mundo, portanto, deve analisar os processos pelos quais os agentes determinam suas condutas, com base em suas interpretações do mundo que os "eu" é a resposta do organismo às atitudes dos outros; "mim" rodeia. é conjunto organizado de atitudes que empresto aos outros. As atitudes dos outros constituem "mim" organizado, e reagimos perante isso como "eu". 15. George Herbert Mead, Mind, self and society from the standpoint of a social 16. A.M. Rose, "A systematic summary of symbolic interaction theory", em A. Rose (org.), Chicago, University of Chicago Press, 1934, 400 pp.; trad. franc. L'esprit, le soi et la Human behavior and social processes. An interactionist approach, Boston, Mass. société, Paris, UF, 1963, 332 Houghton Mifflin Company 1962, pp. 3-19. 20 21</p><p>tais como as idéias de Darwin sobre a evolução das espécies em O pensamento é processo pelo qual soluções potenciais ou a teoria da relatividade de Einstein em são, antes de mais nada, examinadas sob ponto de vista das vantagens e desvantagens que o indivíduo teria com elas em Por outro lado, as publicações sobre a Escola de Chicago relação a seus valores e depois, finalmente, são escolhidas; é esquecem-se com demasiada da orientação deliberada- uma espécie de substituição do comportamento de "tentativa mente de seus primórdios. Desde a fundação da universida- e erro". Um "ato", portanto, é uma interação contínua entre de, Harper criou um departamento de teologia com qual "eu" e "mim", é uma sucessão de fases que acabam departamento de sociologia mantinha laços estreitos. Entre os cristalizando-se em um comportamento único. quatro primeiros fundadores do departamento de sociologia, próprio Henderson, como já vimos, e os pais de Vincent e Thomas Implicações metodológicas eram pastores, e Small fizera estudos de teologia antes de ser atraído pela sociologia. Devemos ter em mente que interacionismo pela primeira vez na história da sociologia, dá um lugar teórico ao Estes laços com protestantismo são importantes para com- agente social como intérprete do mundo que rodeia e, por preender porque uma parte dos primeiros sociólogos da Escola de conseguinte, em prática métodos de pesquisa que dão priori- Chicago tinham uma inclinação para trabalho social e para as dade aos pontos de vista dos agentes. A meta do emprego desses reformas sociais matizadas de caridade cristã. Aos poucos, os laços métodos é elucidar as significações que os próprios agentes entre a sociologia e trabalho social foram atenuando-se e a em prática para construir seu mundo social. Logo, conhecimento sociologia ficou mais independente. Esses laços dependiam em sociológico precisa estar apoiado na prática dos indivíduos. Para larga medida dos professores, e foi nessa direção que trabalharam, interacionismo simbólico, um conhecimento sociológico adequado por exemplo, as mulheres recrutadas pelo departamento, como não poderia ser elaborado pela observação de princípios metodo- Clarence Rainwater, Edith Abbott e até Marion Talbot, que, até lógicos que procuram retirar os dados de seu contexto para 1904, lecionou Sanatory torná-los objetivos. Trata-se, ao contrário, de estudar a ação em relação com a realidade social natural em que se vive. A pesquisa, Acima de tudo, essas tendências reformadoras deram um nas ciências sociais, deve esforçar-se para não desnaturalizar impulso decisivo à sociologia: o de se voltar para o trabalho de mundo social, nem escamotear as interações sobre as quais se campo, para o conhecimento da cidade e a resolução de seus apóia toda a vida social. É preciso preservar a integridade do problemas sociais, não para uma sociologia especulativa, mas, ao mundo social para poder estudá-lo, e levar em conta o ponto de contrário, para uma sociologia da ação. Tais elementos foram os vista dos agentes sociais, pois é através do sentido que atribuem a objetos, indivíduos e símbolos que os rodeiam, que eles fabricam 17. R. Park, "Human ecology", American Journal of Sociology, 42, julho de 1936, pp. 1-15. seu mundo social. Com respeito à influência da relatividade sobre o pensamento de Mead, podem-se consultar dois de seus artigos póstumos, publicados em 1964 por David L. Miller: "Two unpublished papers (Relative space-time and simultaneity and metaphysics)", Review Outras influências of Metaphysics, 4, pp. 536-566. Sobre papel das mulheres na Escola de Chicago, ver D. Breslau, science, le É preciso ainda assinalar outras influências, nem todas igual- sexisme et l'École de Chicago", Actes de la en Sciences Sociales, 85, novembro de 1990, pp. 94-95. mente importantes, sobre certos pensadores da Escola de Chicago, 23 22</p><p>precursores da eclosão de idéias e de investigações urbanas que que se seguiram, papel de Chicago na sociologia tornou-se ainda Thomas, Park e Burgess viriam a realizar com a segunda geração mais importante. Com efeito, é esse período, situado entre 1915 e de sociólogos de Chicago. Nessa transição do primeiro período de 1935, que se costuma chamar de Escola de Chicago. uma sociologia humanista, fortemente impregnada de valores religiosos, para uma segunda fase, marcada por uma sociologia mais científica que, sem por isso renegar a ação social, quer A rebelião de 1935 livrar-se desses valores em favor de um espírito de pesquisa, Thomas teve um papel por um lado, recrutou Park após Em dezembro de 1935, por ocasião da reunião anual da tê-lo conhecido em um congresso sobre a condição dos negros; American Sociological Society, grupo dos oponentes ao enorme por outro lado, publicou uma obra monumental que inaugurou domínio exercido por Chicago organizou-se e conseguiu derrubar uma série de pesquisas e publicações que foram as marcas dura- os líderes que dirigiam a sociologia americana desde os seus douras da Escola de primórdios. Foi igualmente decidido que a revista da associação, a Por fim, devemos insistir na orientação deliberadamente multi- American Journal of Sociology, editada pela Universidade de disciplinar da sociologia de Chicago. Os laços entre a sociologia e Chicago e cujos redatores chefes haviam sido sempre, até então, outras disciplinas são múltiplos e sistemáticos: em primeiro lugar, com professores do departamento de sociologia de Chicago deixaria a antropologia (Edward Sapir e Robert Redfield), com a qual formará de ser a única publicação da associação. Outra revista, editada um único departamento até 1929; com as ciências políticas (Charles diretamente pela associação, foi então criada paralelamente: a Merriam); com a psicologia (campo em que James Angell desenvol- American Sociological veu uma psicologia funcionalista baseada nos métodos experimentais Alguns viram nessa "revolução de palácio" uma divergência e formou psicólogos importantes, como John Watson e Louis Thurs- sobre os métodos de pesquisa utilizados, um enfrentamento entre tone); e, em especial, como vimos, com a filosofia. dois tipos de sociologia, um quantitativo e positivista, caracterizado Em 1915, a liderança de Chicago na sociologia americana já pelo nascente funcionalismo, e outro qualitativo e humanista, estava estabelecida, embora houvesse outros centros universitários representado pela sociologia de campo praticada em Chicago. importantes de desenvolvimento da sociologia, como Yale (William Isso pode parecer tendencialmente verdadeiro, mas tratou-se Sumner), Wisconsin (Edward Ross), Michigan (Charles Cooley) e de uma tomada do poder político por aqueles que julgavam então principalmente Columbia (Franklin Nas duas décadas que a associação, bem como a sua revista, não deviam ser eternamente dirigidas pelos sociólogos de Chicago. Entre os "con- 20. W. Thomas e F. Znaniecki, The polish peasant in Europe and America, Nova York, Knopf, edição, 2 1927, 2.232 pp. A edição original foi escalonada em três anos, jurados", liderados por L. Bernard (que anos antes não conseguira de 1918 a 1920, em cinco volumes. Inicialmente a University of Chicago Press deveria, posto de professor titular que cobiçava em Chicago), havia com é claro, publicar a obra, mas apenas os dois primeiros volumes foram editados pela Na verdade, em seguida à revogação de Thomas em 1918 (ver abaixo). presidente da Universidade de Chicago mandou suspender a publicação, que seria retomada integralmente por outro editor de Boston, Richard Badger. Outra edição, Chicago: das 98 teses de sociologia defendidas nos Estados Unidos entre 1895 e 1915, desta vez em dois volumes, foi feita em 1927 por Knopf, em Nova York. 36 foram em Chicago, 24 em Columbia, dez em Yale, 13 na Pensilvânia, oito na 21. número de teses defendidas proporciona um bom indício da predominância de Universidade de Nova York, seis na de Wisconsin, uma em Michigan e uma na Universidade de Ohio. 24 25</p><p>sociologia americana, desenvolvida em um grande número de certeza sociólogos de outras universidades, mas também muitos universidades, que passa a preocupar-se mais com seus métodos ex-estudantes de Chicago que haviam feito seu doutorado nesta de investigação, cuja conceitualização teórica se volta mais para a universidade, e até sociólogos que ainda hoje são associados à sociologia européia e, finalmente, cujas relações mais estreitas com Escola de Chicago, ou pelo menos ao seu estilo de investigação, uma demanda social e política crescente leva à criação de um como W. Por outro lado, paradoxalmente, os sociólogos verdadeiro ofício de sociólogo, que por sua vez faz evoluir a de Chicago puderam contar com apoio ativo de alguns quantita- concepção científica da sociologia. tivistas, desde que um deles, William Ogburn, professor em Chica- go, fora eleito para a direção da associação em É nesta Em 1937, dois anos depois da a publicação da obra complexidade de alianças que se deve situar conflito, que, de Talcott Parsons, The structure of social confirmaria o mascarando também um conflito de personalidades, cristalizou-se surgimento de uma nova orientação teórica, radicalmente diferente em torno à questão da cientificidade da sociologia, uns preten- da sociologia empírica de Chicago, que em seguida dominaria a dendo representar a nova sociologia científica, outros defenden- sociologia americana durante um quarto de século. A aliança de do a idéia de uma sociologia que evitasse o cientificismo dos Parsons com Stouffer em Harvard, por um lado, e a de Merton com Lazarsfeld em Columbia, pelo outro, demonstrariam a existência de um novo paradigma, baseado na união entre a teoria e a pesquisa Contudo, é a partir dessa rebelião que se pode datar início quantitativa. do daquela que ficou conhecida como a Escola de Chicago. A sociologia de Chicago não foi, por isso, isolada ou rejeitada. Já em 1936, seus representantes retomaram a direção da American Sociological Society e continuaram exercendo uma in- fluência segura sobre a sociologia Mas a revolta de 1935 marcaria início de um realinhamento na sociologia ameri- cana. Não há dúvida de que esse episódio de 1935 deve ser considerado como conseqüência de uma evolução de conjunto da 22. Waller publicou em 1923 uma obra que hoje se considera a primeira em sociologia da educação: The sociology of teaching, Nova York, John Wiley & Sons, edição, 1967, 468 pp. Pode-se ler a introdução e a crítica a essa obra em meu livro Ethnométhodologie et Paris, UF, 1993, 240 pp. 23. Ogburn seria também presidente da American Statistical Association em 24. Para uma exposição detalhada das razões desta polêmica, ver P.M. Lengermann, "The founding of ASR: The anatomy of a rebellion", American Sociological Review, 44, abril de 1979, pp. 25. declínio da influência de Chicago foi, na verdade, muito relativo, a julgar pela força que os sociólogos de Chicago continuariam tendo nos anos que se seguiram. Assim nove dos presidentes da American Sociological Society, de 1935 a 1950, seriam professores ou ex-defensores de tese em Chicago. Do mesmo modo, suas contribuições 26. T. Parsons, The structure of social action, Nova York, McGraw-Hill, 1937, 818 seriam numerosas nos primeiros volumes da American Sociological Review, a nova revista da associação surgida com a dissidência. 27 26</p><p>2 A IMIGRAÇÃO E AS RELAÇÕES ÉTNICAS A questão da integração assimilação dos imigrantes aos Estados Unidos, evidentemente, foi central em um país constituído aos poucos sobre vários sedimentos migratórios, particularmente importantes ao longo do século XIX e nas duas primeiras décadas do século XX, durante as quais instaurou-se um intenso debate político sobre a questão da americanização dos imigrantes antigos, por um lado, e sobre a oportunidade de se continuar autorizando um fluxo migratório importante, por outro lado. Segundo Stow os "pesquisadores de Chicago identificaram-se com a ala do 'movimento progressista' que acreditava na capacidade da sociedade americana para assimilar suas minorias étnicas. Seus trabalhos representaram ao mesmo tempo o ponto culminante da 1. S. Persons, Ethnic studies in Chicago. 1900-45. Urbana, University of Illinois Press, 1987, 160 29</p><p>tradição assimilacionista e as primeiras tentativas feitas pelos pes- quisadores de circunscrever os limites dessa tradição" (p. 78). Ao contrário de Durkheim, que considerava que só era preciso explicar os sociais pela influência de outros É sem dúvida a este interesse da sociologia de Chicago pela fenômenos sociais e não pela intervenção do nível individual, questão da assimilação dos imigrantes que se deve a existência de Thomas e Znaniecki afirmavam que um fato social é uma combi- vários dos grandes conceitos da sociologia americana, entre nação íntima dos valores coletivos e das atitudes É de quais a desorganização social, a definição da situação, a margina fato necessário ser capaz de dar conta da natureza subjetiva das lidade, a aculturação. Tais conceitos, desenvolvidos principalmente Interações sociais e os fenômenos sociais não podem ser conside- nos trabalhos de Thomas e Znaniecki, por um lado, e nos de Park rados como se fossem fenômenos físicos: e Burgess pelo outro, balizaram a teoria da assimilação, que foi retomada por um grande número de seus alunos. São esses conceitos, de grande fecundidade, que exporemos a seguir. efeito de um fenômeno físico depende unicamente da natureza objetiva desse fenômeno e pode ser calculado com base em seu conteúdo empírico, ao passo efeito de um fenômeno social Atitudes individuais e valores sociais depende do ponto de vista subjetivo do indivíduo ou do grupo e só pode ser calculado se conhecermos não apenas o conteúdo objetivo de sua suposta causa, mas também o significado que tem Thomas introduziu conceito de atitude já em 1907,2 mas só para os seres conscientes considerados... Uma causa social é o desenvolveu alguns anos depois, em seu estudo sobre campo- complexa e deve incluir ao mesmo tempo elementos objetivos e nês polonês. subjetivos, valores e atitudes. (1918, 38) Segundo Thomas e Znaniecki, a análise sociológica deve levar em conta ao mesmo tempo os valores sociais, que são "os fato de levar em conta, no processo causal, significado elementos culturais objetivos da vida social". as atitudes, que são da ação para os indivíduos é fundamental em Thomas, mas a "as características subjetivas dos indivíduos do grupo social consi- ser também uma característica do conjunto da Escola de derado" (p. 21). A atitude é um conjunto de idéias e emoções que Desse modo, a análise do social torna-se se transforma em uma disposição permanente em um indivíduo e lhe permite agir de maneira estereotipada. Pode ser definida como Ao estudar a sociedade, partimos do contexto social global para chegar ao problema; ao um problema, partimos deste para o processo da consciência individual que determina a atividade em direção ao seu contexto global. (p. 19) real ou potencial do indivíduo no mundo social. A atitude é a contrapartida do indivíduo aos valores sociais, e toda atividade O elo entre os dois elementos fundadores do fato social humana estabelece um elo entre esses dois elementos. (p. 22) valores e atitudes será estabelecido, por exemplo, pelos "quatro 3. Sobre a história da noção de atitude e de sua importância na sociologia americana, 2. Thomas, Sex and society: Studies in the social psychology of sex, Chicago, University pode-se consultar D. Fleming, The history of a concept", em Perspectives in of Chicago Press, 326 pp. american history, Cambridge, Mass., Charles Warren Center for Studies in American History, 1967, pp. 287-365. 30 31</p><p>desejos" que, segundo Thomas, existem em todos os indivíduos: a primeiríssimos intelectuais americanos, junto com Frank Boas, experiência nova, a segurança, a resposta e o # criticar as teorias que explicavam as diferenças intelectuais e mentais pela pertença a uma raça: "A variável dizia ele, A colocação em evidência da existência de atitudes indivi- não a duais e valores sociais permitiu, além do mais, pensar a fundação de duas disciplinas diferentes: a psicologia social seria a ciência das que Thomas e Znaniecki traçaram, portanto, foi um "atitudes", ao passo que a sociologia seria a dos "valores sociais", verdadeiro programa teórico e metodológico, seguido pela maior em especial os que se manifestam nas regras de comportamento parte dos sociólogos de Chicago nos 15 anos que se seguiram. Com dos indivíduos, que, tomados em conjunto, constituem a "organi- efeito, a obra apresenta diversas contribuições importantes sobre zação social" de todo grupo social (pp. 32-33). os problemas da assimilação intercultural, sobre as relações fami- liares, as classes sociais, a vida econômica e religiosa assim como conceito de "atitude" desenvolvido em The polish peasant sobre as condutas No entanto, a principal contribuição foi teve um papel particularmente importante no estudo dos fenôme- sem dúvida estudo dos processos sociais que Thomas chamou nos ligados à imigração, na compreensão e na explicação dos de desorganização e reorganização. A exemplo, desta vez, do que problemas dos imigrantes, essencialmente ligados, tal como se diria Durkheim já havia estabelecido na sociologia francesa, Thomas e hoje, a um brutal transplante cultural e à descoberta de novas Znaniecki consideraram os problemas sociais como fenômenos regras econômicas de vida, individual ou coletiva. Esse conceito sociológicos que influenciam o comportamento dos indivíduos e permitiu que se opusesse uma teoria sociológica séria às idéias não como resultado coletivo de condutas É este então correntes, segundo as quais as diferenças raciais ou étnicas conceito de desorganização, cujo sentido não se modificou profun- tinham seu fundamento em diferenças biológicas. Thomas e Zna- damente desde que Thomas desenvolveu, que passaremos a niecki contribuíram grandemente para rejeitar esse reducionismo examinar. biológico, mostrando que o estado mental dos imigrantes não estava ligado a um problema fisiológico e sim, diretamente, às transformações sociais ocorridas em sua vida Na obra A desorganização social que publicara em Thomas já insistia na necessidade de proceder a investigações concretas, objetivas, sobre a realidade Antes de mais nada, importa indicar aqui a estrutura da obra social, sobre o comportamento e sobre as atitudes dos indivíduos. de Thomas e Znaniecki, divididas em quatro partes intituladas, Seu objetivo era entender comportamento humano, e não mudar a sociedade ou pregar sentimentos Thomas esteve entre Nunca mais recuperou seu cargo de professor, apesar do rápido abandono das acusações feitas contra ele e dos esforços de alguns de seus colegas, mais de dez anos 4. W. Thomas Sourcebook for social origins: Ethnological psychological depois, para que ele fosse reintegrado à É interessante observar que este standpoint, classified and annotated bibliographies for the interpretation of savage caso, tratado como uma notícia escandalosa pouco importante pela imprensa local (cf society, Chicago, University of Chicago Press, 1909, 932 pp. Chicago Tribune de 12 a 22 de abril de 1918) só foi comentado publicamente quase 5. Thomas, além disso, seria vítima do puritanismo protestante que então reinava na "boa 50 anos depois, quando Morris Janowitz fezuma referência explícita na introdução sociedade" de Chicago, inclusive entre alguns de seus colegas Em abril do livro que editou sobre Thomas: W.I. Thomas, On social organization and social de 1918 quando tinha 55 anos foi preso em companhia galante em um quarto personality: Selected papers, Chicago, University of Chicago 1966, 312 pp. de hotel e imediatamente demitido de suas funções pelo presidente da universidade. 6. Thomas, op. cit., pp. 32 33</p><p>A organização do grupo primário A desorganização existe quando atitudes individuais Desorganização e reorganização na Polônia Organização e reorganização na América não encontram satisfação nas instituições, vistas como ultrapassa- História da vida de um imigrante das, do grupo primário. Este é, evidentemente, um fenômeno e um processo que se encontra em todas as sociedades, mas que se A primeira parte estuda a família tradicional polonesa am- amplifica quando uma sociedade sofre mudanças rápidas, sobretu- pliada, seus hábitos de maneira mais geral, seus do econômicas e industriais. Na sociedade polonesa, a desorgani- hábitos Passa-se depois ao exame dos fatores, culturais, zação começa quando os indivíduos "definem sua situação" em econômicos e políticos, que contribuíram para esfacelamento da termos econômicos, religiosos e intelectuais, em vez de sociais: família tradicional camponesa e para a emigração em massa, em desejo de sucesso substitui o de reconhecimento social.7 A desor- primeiro lugar para a Alemanha e para o resto da Europa e depois ganização não provém "de um paraíso social perdido" tese que para a América. Ao longo desse processo de imigração, indivíduo se pode encontrar na sociologia em Ferdinand Toennies deixa de estar integrado no seio da família ampliada, ganha que corresponderia à sociedade rural pré-industrial. É antes a importância por si mesmo e a família retrai-se, tendendo a aproxi- de uma mudança extremamente rápida, de um mar-se da concepção de família moderna contemporânea. Um dos adensamento da população urbana ou, ao contrário, de uma súbita sintomas dessa evolução encontra-se na nova relação do indivíduo desertificação. Mudanças tecnológicas importantes podem igual- com matrimônio. Enquanto na sociedade camponesa tradicional mente provocar uma tal desorganização, assim como catástrofes polonesa a norma do casamento não é o amor e sim o "respeito", naturais, crises econômicas, políticas ou pessoais. a nova família polonesa na América está baseada no amor. Essa Thomas e Znaniecki já haviam observado essa desorganiza- mudança de comportamento cultural é a marca, segundo Thomas ção da vida camponesa polonesa na própria Polônia, antes que e Znaniecki (pp. 98-108, 706-711), de uma forma superior de começasse fluxo migratório. A desorganização, portanto, não individualização que prefigura a capacidade de assimilação do provém da imigração, mas é a imigração que é um indício do indivíduo à sociedade americana. estado de desorganização da sociedade polonesa. Em seguida, fato de emigrar para a América provoca uma tema central da obra é o da desorganização, com seus corolários de organização e reorganização, ainda que estes conceito de desorganização social permite entender de tos sejam considerados por Thomas e Znaniecki como tipos ideais que modo, em certas circunstâncias, as regras sociais parecem que não existem na realidade. perder a eficácia. Assim como a noção de anomia em Durkheim, o estado de desorganização social é provisório, precede um perío- Uma organização social é um conjunto de convenções, do de reorganização. De fato, existe em Thomas e Znaniecki a idéia atitudes e valores que se impõem sobre os interesses individuais de uma continuidade que vai da organização social à desorganiza- de um grupo social. Ao contrário, a desorganização social, que ção e em seguida à reorganização. corresponde a um declínio da influência dos grupos sociais sobre os indivíduos, manifesta-se por um enfraquecimento dos valores coletivos e por um crescimento e uma valorização das práticas 7. W. Thomas e F. Znaniecki, op. cit., 1927, pp. 1196-1204. 34 35</p><p>Thomas e Znaniecki distinguem dois tipos de desorganiza- Chegou mesmo a ser conceito principal, a partir do qual toda ção em The polish peasant: a desorganização familiar e a da uma geração de pesquisadores trabalhou na cidade. Foi caso, por comunidade. A família rural é desorganizada pela erupção de exemplo, de Nels que utilizou para estudar os novas práticas de consumo, de novos valores que modificam os trabalhadores sazonais; de Frederic em seu estudo das comportamentos econômicos, ao passo que o indício da desorga- gangues; de Harvey que analisou um bairro violento nização da comunidade é a ausência de opinião pública, que de Chicago; de Paul G. que adotou conceito para conduz a um da solidariedade comunitária. estudar as relações sociais nos dancings públicos. Outras pesquisas fizeram da noção de desorganização social criada por Thomas um Essa desorganização é reforçada pela imigração. Na América, conceito Ruth sobre suicídio, Ernest Mow- assume um aspecto espetacular e até, às vezes, dramático. A sobre a desorganização da família, Louis sobre desorganização familiar acarreta a pauperização e a delinqüência gueto, Ernest sobre a análise do comportamento dos juvenil. Segundo Thomas e Znaniecki, porém, para fazer frente a indivíduos por ocasião de uma greve, Walter sobre a essa desorganização, grupo social reorganiza suas atitudes. Os criminalidade em Chicago. valores religiosos principalmente, por serem menos permeáveis à Contudo, William Foote mostrou que a comunidade mudança, regem restabelecimento de regras e práticas tradicio- italiana por ele em um subúrbio de Boston (Cornerville) nais. Para os imigrantes, porém, não se trata de uma volta para trás, era com certeza desorganizada se fosse analisada com relação às mas de uma conduta que lhes permite adaptar-se ao seu novo instituições da sociedade em geral e com os critérios da sociedade universo. Nesse processo, a educação, a organização do habitat por. americana "normal", mas que se tratava também de uma sociedade nacionalidades e a ajuda mútua entre os imigrados, mas também a imprensa local em língua nacional, têm um papel 9. N. Anderson, The Hobo: The sociology of the bomeless man, Chicago, University of Logo, segundo Thomas, existe um ciclo de transformações: Chicago Press, 1923, 302 pp. A publicação desta obra abriu a coleção de publicações sob a influência da evolução técnica e econômica, e ainda mais sob sociológicas da Universidade de Chicago. 10. F.M. Thrasher, The Gang. A study of 1313 gangs in Chicago, Chicago, University of efeitos da imigração, um grupo social antes organizado começa Chicago Press, [1927], edição abreviada, 1963, 388 pp. a desorganizar-se para em seguida reorganizar-se, sem por isso 11. H. Zorbaugh, The gold coast and the slum: A socilogical study of Chicago's near north side, Chicago, University of Chicago Press, 1929, 288 pp. assimilar-se totalmente ao grupo que acolhe, na medida em que 12. P.G. Cressey, The taxi dance ball: A sociological study in commercialized recreation podem sobreviver paralelamente formas culturais atenuadas do and city life, Chicago, University of Chicago Press [1932], primeira reimpressão 1968, 300 pp. grupo original, cujos valores, no entanto, são menos restritivos. 13. R. Cavan Shonle, Suicide, Chicago, University of Chicago Press, 1928, 360 livro é a publicação de sua tese: Suicide. A study of personal disorganization, PhD, Encontraremos essa noção de desorganização na maior parte Universidade de Chicago, 1926. 14. E.R. Mowrer, Family disorganization. An introduction to a sociological analysis, das investigações que formam patrimônio da Escola de Chicago. Chicago, University of Chicago Press, 1927, 318 pp. De fato, ela foi utilizada para estudar as transformaçãos sociais 15. L. Wirth, The Ghetto, Chicago, University of Chicago Press, 1928. Trad. franc. ocasionadas pelo rápido crescimento das cidades americanas. Rotiman, Saint-Martin d'Hères, Presses Universitaires de Grenoble, 1980, 310 pp. 16. E.T. Hiller, The Strike: A study in collective action, Chicago, University of Chicago Press, 1928, 304 pp. 17. W.C. Reckless, Vice in Chicago, Chicago, University of Chicago Press, [1933], edição, 8. Segundo Park, no início dos anos 1910 havia em Chicago 19 jornais diários, dos quais Montclair, NJ, Patterson Smith, 1969, 314 pp. sete publicados em língua estrangeira: "The City" (p. 27), em The City, Chicago, 18. W.F. Whyte, Street corner society: The social structure of an italian slum, Chicago, University of Chicago Press, Midway Reprints 1984, 240 pp. University of Chicago Press, [1943], edição, 1955, 366 36 37</p><p>organizada, "que possui sua própria organização, complexa, estru- por isso que é preciso favorecer advento de tais formas sociais turada, com relações pessoais hierarquizadas, fundadas em um mistas e provisórias, estimulando sobretudo o desenvolvimento de sistema de obrigações recíprocas" (p. 272). Tratava-se, portanto, de instituições múltiplas que estabelecem um vínculo de continuidade uma organização social diferente, e não de uma falta de organização. com o passado, com a cultura que o imigrante está abandonando: associações diversas, festas, escolarização bilíngüe etc. Desmoralização e assimilação Em uma obra que não pôde assinar em virtude do "escânda- Nem todas as manifestações de desvio são sempre um sinal de lo" que provocara em Chicago três anos antes, mas cujos principais desorganização social: é possível também que se trate de um desvio elementos parecem ter sido fornecidos por ele e da qual ele parece individual Thomas e com efeito, faziam uma distinção ter escrito a maior parte, Thomas desenvolve a questão da assimi- entre a "desorganização" individual, que chamavam de "desmoraliza- lação e faz recomendações aos poderes públicos no sentido de que ção", e a desorganização social. Segundo eles, a patologia individual favoreçam esse não é um indício da desorganização social, e não se deve estabelecer 'um elo direto entre os dois problemas. Constatamos contudo que, Segundo Thomas, a assimilação é ao mesmo tempo desejável apesar do processo positivo de reorganização social observado, e inevitável. Exige a construção de uma memória comum ao nativo indivíduo continua inadaptado, como que afastado desse fenômeno e ao imigrante. Os indivíduos devem poder emancipar-se das social coletivo. Isso vale sobretudo para os indivíduos da segunda uniformidades culturais do grupo étnico a que pertence. Os imi- geração, que pagam tributo mais pesado a essa reviravolta, entre- grantes, portanto, devem não só aprender a língua do país que os gando-se à ao alcoolismo, à vagabundagem ou a acolhe, mas também as grandes linhas de história, de seus diversas formas de crime. Arrisquemos aqui uma se esse ideais e seus Esse aprendizado se dará, evidentemente, processo de reorganização é dificilmente seguido pelo indivíduo, isso por meio da escola pública, mas supõe uma fase prévia de ocorre porque ele exige que este se desfaça dos vínculos antigos para transição, durante a qual a comunidade de imigrantes mantém e fazer outros novos, na medida em que a adaptação não é nunca um cultiva sua identidade, para estabelecer um elo entre antiga simples mimetismo, mas antes uma mestiçagem ativa, que exige a identidade e a nova. Recomenda-se até que os americanos se construção de uma nova familiarizem com as culturas dos países cujos imigrantes estão acolhendo (pp. A A reorganização assume uma forma mista e passa pelá constituição de uma sociedade polonesa-americana, ou seja, que já não é completamente polonesa, nem ainda inteiramente mas constitui uma promessa de assimilação das gerações futuras. É 20. R. Park e H. Miller, Old world traits transplanted, Nova York, Harper, 1921, 308 pp. Thomas, que foi o co-autor deste livro, não pôde assiná-lo em virtude do escândalo, 19. Pode-se considerar que as pesquisa de Thomas e Znaniecki, bem como a metodologia já citado, em sua vida particular. Somente 30 anos depois, ao prescrever-se o copyright da primeira edição, a segunda edição (1951) fez-lhe justiça, atribuindo-lhe a patemi- que empregaram, são particularmente pertinentes para estudar, na França contempo- rânea (1991), os fenômenos complexos ligados ao que foi chamado de "segunda dade principal da obra, passando Park e Miller a serem considerados apenas como colaboradores dele. geração". De modo geral, a maioria dos estudos da Escola de Chicago sobre a etnia e sobre os problemas dos imigrantes nos subúrbios ser retomados por todos 21. Ainda hoje o conteúdo do "exame" para se obter a nacionalidade americana traz aqueles que se ocupam hoje desse problema social, que pode muito bem tomar-se perguntas históricas e constitucionais, e supõe um conhecimento da língua importante ao longo da presente década. Essa passagem de uma a outra nacionalidade exige também que o candidadto aos seus antigos valores, principalmente patrióticos. 38 39</p><p>A assimilação, que é antes de mais nada um processo juntamente com a de desorganização social, uma das principais psicológico, segundo Thomas (que porém negligenciou, parece- noções da sociologia americana por várias décadas: a de definição nos, o aspecto político da questão, bem como o das condições de da situação. indivíduo age em função do ambiente que percebe, vida econômica do imigrante), será completa quando o imigrante da situação a que deve fazer frente. Pode definir cada situação de tiver o mesmo interesse pelos mesmos objetos que o americano de sua vida social por intermédio de suas atitudes anteriores, que o origem; dito de outro modo, na linguagem da etnometodologia informam sobre esse ambiente e lhe permitem interpretá-lo. A quando ele se tornar membro, ou seja, quando possuir domínio clefinição da situação, portanto, depende ao mesmo tempo da da linguagem natural do grupo. Thomas insistia-também em que ordem social tal como se apresenta ao indivíduo e da história os imigrantes. pudessem sua língua pessoal deste. Sempre há um conflito entre a definição espontânea nativa, para favorecer a transição para a assimilação. de uma situação por um indivíduo e as definições sociais que sua sociedade lhe oferece. Ao insistir na necessidade de os pesquisa- O contrário da assimilação é a desmoralização do indivíduo, coletarem, dos agentes sociais, relatos de primeira mão, que, segundo observa Thomas, ocorre a cada vez que a sociedade autobiografias, cartas etc., Thomas desejava que desse modo eles industrial invade mundo camponês, mas que assume proporções ter acesso à maneira como os indivíduos "definiam sua inquietantes na comunidade de imigrantes na América. Paradoxal- situação". mente, a sintoma evidente da desmoralização de que Thomas falava, é tanto mais disseminada quanto mais forte é a pressão da sociedade americana para uma assimilação completa dos () ciclo das relações imigrantes, que, para ser realizada mais rapidamente, pode levar à adoção de medidas com vistas a enfraquecer as indispensáveis instituições comunitárias dos imigrantes, cuja função é manter uma Praticamente todas as obras mais marcantes da Escola de continuidade coerente na vida dos indivíduos. Essa pressão produz Chicago são consagradas à questão da imigração e da integração então o contrário do fenômeno esperado, e surgem formas mais ou dos imigrantes à sociedade 23 resume bem as menos violentas de porque não se pode separar, sem preocupações de seus colegas: indivíduo de seu grupo cultural e social de origem. A americanização em massa passa, ao contrário, pela pertença a Boston, Little, Brown & Co., 1923, 262 Um extrato deste livro, intitulado "Définir organizações étnicas, que se modificam progressivamente e contri- la situation". foi traduzido para o francês (pp. 79-82) em Y. Grafmeyer e I. Joseph, de Naissance de l'éccologie urbaine, Paris, Aubier, 1990, 378 pp. buem com eficácia para a adaptação (pp. 290-293). Entre 1914 e 1933, 42 teses ou trabalhos foram escritos por estudantes de Chicago sobre as relações étnicas, culturais e raciais, inaugurando assim um dos temas mais da sociologia americana. Park teve um papel preponderante em despertar A definição da situação interesse por essa questão. Deve-se observar que, antes de vir para a Universidade de Chicago em 1914, por um lado ele havia sido um militante da causa negra, levantando-se contra a exploração de que os negros eram objeto na África, (especial- Em 1923,22 Thomas desenvolveu outra noção, que já utilizara mente no Congo) e, por outro lado, a partir de 1905, conselheiro de Booker Washington, uma das grandes figuras militantes da causa negra. Foi, aliás, nessas sem muito destaque em The polish peasant, e que viria a ser, circunstâncias que ele conheceu Thomas em 1912, durante um colóquio sobre a questão negra, e que este último o levou para Chicago. 24. E.W. Burgess e J. Bogue, Contributions to urban sociology, Chicago, University of 22. W. Thomas, The unadjusted girl: With cases and standpoint for behavior analysis, Chicago Press, 1964, 674 40 41</p><p>A descoberta de que os grupos étnicos eram um gigantesco mecanismo sociológico de defesa que facilitava a sobrevivência e autóctones e imigrantes, distinguiu quatro etapas, cada uma delas psi a adaptação dos imigrantes - comunidades às quais a segunda representando um progresse em relação à a rivalidade, no geração queria escapar - foi um importante resultado da pesquisa o conflito, a adaptação e a assimilação. sociológica entre 1920 e 1930. Como se tratava de um problema político candente e como havia uma grande diversidade nas A rivalidade é a forma mais elementar de interação, é comunidades coloridas de imigrantes, os sociólogos ficaram fasci- ori nados com a pesquisa etnológica urbana. Quase nenhum de seus universal e fundamental. A rivalidade é "a interação sem contato qu trabalhos foi uma simples descrição, na tradição da antropologia social" (p. 507). Caracteriza-se pela ausência de contato social entre da da época. Ao contrário, eram analíticos e pretendiam mostrar os indivíduos, fator que favorece o surgimento do conflito, da traços de comportamento e os processos de adaptação e de adaptação e da assimilação, etapas que, ao contrário da rivalidade, transformação próprios dos imigrantes em seu novo ambiente na estão ligadas ao controle social. Durante esta primeira etapa, que econômico. (...) A hostilidade e as tensões entre as diferentes comunidades étnicas eram consideradas como fenômenos objeti- acarreta uma nova divisão do trabalho, as relações sociais são vos, que se tratava de explicar e não de estimular tomando partido reduzidas a uma coexistência baseada nas relações econômicas, qu por uma ou por outra. (p. 325) decisivas na transformação social: "A rivalidade é o processo que in organiza a Ela determina a repartição geográfica da in Esta questão sociológica está ainda hoje na ordem do dia sociedade e a distribuição do trabalho. A divisão do trabalho, assim m Basta constatar os problemas raciais e os ocasionais tumultos que, como a vasta interdependência econômica entre indivíduos e T após a luta dos negros por seus direitos civis nos anos sacodem grupos de indivíduos, tão características da vida moderna, são pr ainda regularmente algumas grandes cidades dos Estados Unidos. produtos da rivalidade. Por outro lado, a ordem moral e política, in Os sociólogos de Chicago, portanto, deram mostras de um faro que se impõe a esta organização competitiva, é produto do ao político incontestável ao consagrar a quase totalidade de suas conflito, da adaptação e da assimilação" (p. 508). pesquisas aos múltiplos problemas de inserção colocados pela 2) A segunda etapa é conflito, que é inevitável quando imigração em massa, quer se tratasse de imigrantes europeus populações diferentes são postas em presença. conflito manifes- m camponeses poloneses ou comunidades irlandesas, russas ta uma tomada de consciência, pelos da rivalidade a C ou italianas quer fossem negros do sul, verdadeiros imigrantes A internos, estabelecendo-se nas grandes metrópoles com vistas a que estão submetidos. Enquanto a rivalidade é inconsciente e impessoal, conflito, ao contrário, é sempre consciente e envolve encontrar um emprego. profundamente indivíduo. É um processo que sempre acompa- b nha a instalação dos indivíduos em seu novo ambiente: "De um ciclo das relações étnicas em Park modo geral, pode-se dizer que a rivalidade determina a posição de um indivíduo na comunidade; o conflito lhe um lugar na Park (1921), 25 ao descrever processo de sociedade" (p. 574). Trata- se de uma etapa decisiva, na medida em reorganização que balizava as interações entre os grupos-sociais que cria uma solidariedade no seio da minoria, que entra assim na ordem do político. 25. R. Park e E. Burgess, Introduction to the science of sociology, Chicago, University of Chicago [1921], edição, 1969, 1.040 pp., caps. VIII a XI, pp. 42 43</p><p>'A adaptação pode ser considerada, tal como a conver- A cada uma dessas quatro etapas, que são processos sociais, são religiosa, como uma espécie de mutação" (p. 510). Ela corresponde esquematicamente uma ordem social particular na representa esforço que os indivíduos e grupos devem fazer para estrutura social, tal como escreve Park (p. 510): ajustar-se às situações sociais criadas pela rivalidade e pelo conflito. Desse modo, as gangues da fase precedente tornam-se clubes na da adaptação (p. 722). A adaptação é um fenômeno Processo social Ordem social social relativo à cultura em geral, aos hábitos sociais e à técnica Rivalidade Equilíbrio econômico veiculados por um grupo. Durante esta fase, há uma coexistência entre grupos que continuam rivais em potencial, mas que aceitam Conflito Ordem política suas diferenças. As relações sociais são organizadas com fim de reduzir os conflitos, controlar a rivalidade e manter a segurança Adaptação Organização social das Assimilação Personalidade e herança cultural A última etapa, que segundo Park é uma "natural" da adaptação, é a assimilação, durante a qual as dife- renças entre os grupos são diluídas, e seus respectivos valores misturados. Os contatos multiplicam-se e tornam-se mais íntimos, a personalidade do indivíduo transforma-se: "Há interpenetração A noção de assimilação em Park e fusão, ao longo das quais os indivíduos adquirem a memória, os sentimentos e as atitudes do outro e, ao compartilhar sua Em 1914, Park publicou seu primeiro artigo sobre o proble- experiência e sua história, integram-se em uma vida cultural ma da no qual rejeita a hipótese, de aceitação comum" (p. 735). A assimilação é um fenômeno de grupo, no comum, segundo a qual a unidade nacional exige uma homoge- qual as organizações de defesa da cultura dos imigrantes por neidade étnica. Ao contrário, define a assimilação como um pro- exemplo, ou os jornais de estrangeira têm um papel durante o qual grupos de indivíduos participam ativamente determinante. Portanto, é preciso estimular desenvolvimento do funcionamento da sociedade sem perder suas particularidades. destes em vez de Se, na sociedade as diferenças raciais fundamentais são acentuadas, considera Park, principalmente pela educação e pela divisão do trabalho, em compensação a assimilação dos diferentes grupos étnicos, ou seja, culturais, é realizada pela 26. Lendo o que Park e Thomas e, depois deles, um grande número de sociólogos de adoção de uma língua única, de tradições e de técnicas comumente Chicago escreveram nos anos 1920, não há como não fazer uma aproximação com certas notícias alarmantes que surgem regularmente na França (1991), compartilhadas. tais como a por uma prefeitura comunista do norte do de aumentar uma mesquita, a despeito da liberdade de culto inscrita na Constituição francesa, por um lado, e, pelo outro, do sinal evidente mas que ao mesmo tempo pode paracer 27. R. Park, "Racial assimilation in secondary groups with particular reference to the negro", paradoxal de integração à sociedade francesa que pode representar a instalação de American Journal of Sociology, 19, março de 1914, pp. 606-623; reproduzido em R. um local de culto diferente em território Park, Race and culture, Glencoe, Ill., Free Press, 1950, pp. 204-220. 44 45</p><p>A origem dos preconceitos raciais reside, segundo Park, nas 2) os molokans cuja vida reflete uma mistura de russo e desigualdades econômicas. A obrigação, por parte dos imigrantes, americano, mas que mantêm ainda algumas tradições; de aceitar salários baixos granjeia-lhes a hostilidade da população local, que pensa sofrer desemprego em virtude dessa concorrên- 3) finalmente, aqueles que nasceram nos Estados Unidos, e só conhecem a Rússia de ouvir falar. Para eles, as tradições cia "desleal". Park, após ter analisado o sistema de escravidão e o das castas, considera_que os preconceitos raciais são mais conse- tornaram-se uma lenda. Sua atitude para com a seita modificou-se, qüência de um conflito de interesses que de uma ignorância ou de e pode-se considerá-los como "culturalmente híbridos" (p. 10). uma incompreensão suscetível de ser corrigida pela educação: a Pauline Young mostra assim que o sagrado se institucionaliza escravidão é antes de mais nada uma brutal exploração econômica e torna-se profano à medida que a vida comunitária se desintegra da pessoa humana. começa o processo de assimilação cultural. Todavia, a educação tem um papel importante na formação do imigrante em sua nova cidadania. A escola permitirá que ele AS tensões raciais nos Estados Unidos apreenda as formas da vida americana, inculcando-lhe a língua, a cultura, a ideologia democrática e sobretudo a história dos Estados Vários sociólogos negros formaram-se em Chicago e realiza- Unidos, mediante a qual ele entende que, como imigrante, tem ram investigações sobre as interações étnicas e as tensões raciais. efetivamente um futuro no país. Este por exemplo, caso de Charles e os de Franklin Foi que constatou Pauline em seu estudo etnoló- Bertram e William gico de uma comunidade de emigrantes russos estabelecidos na Em julho-agosto de 1919, violentos tumultos irromperam em desde 1905. Os molokans são camponeses que formam Chicago durante uma semana. Deles resultaram 38 mortos (dos uma seita religiosa e que fugiram da Rússia em virtude das quais 23 negros) e várias centenas de feridos. Foram os primeiros perseguições de que eram objeto por parte dos ortodoxos russos problemas raciais sérios ocorridos em Chicago, e foi decidido que e do czar. P. Young, que fala russo, pesquisou na região de Los uma comissão mista, composta por negros e brancos, seria encar- Angeles durante cinco anos e recolheu, junto aos próprios molo- regada de estudar as causas dos tumultos e fazer kans, centenas de relatos sobre suas tradições, sua doutrina, suas A direção das pesquisas foi confiada a um negro, Charles Johnson, experiências pessoais na Rússia e na América. Vinte e cinco anos após se terem instalado na Califórnia, P. Young julga poder distin- 29. C.S. Johnson, The negro in A study of race relations and a race riot in 1919, guir três tipos de Chicago, University of Chicago Press, 1922, 672 pp. 30. E.F. Frazier, The negro family in Chicago, Chicago, University of Chicago Press, 1932, 294 pp. 1) Os velhos, nascidos na Rússia, que falam russo e conser- 31. B.W. Doyle, The etiquette of race relations in the South: A study in social control, vam seus sentimentos religiosos; Chicago, University of Chicago Press, 1937, 250 pp. 32. W.O. Brown, "Race Prejudice: A Study", Ph.D., Universidade de Chicago, 1930, 470 pp. 33. Mead e Park, respectivamente presidentes do City Club e da Chicago Urban 28. P. Young, The pilgrims of Nova York, Russell & Russell, (1932), edição, haviam previsto esses distúrbios raciais desde o princípio do ano, e em 1967 (com uma introdução de R. Park), 296 pp. tentado alertar as autoridades da cidade contra possíveis incidentes 46 47</p><p>diplomado em sociologia e ex-aluno de Park e Burgess. A influên- descobriu que havia uma segregação clandestina contra negros. cia destes últimos ficou particularmente visível nos métodos de Por exemplo, muitas vezes eram acusados pelos operários brancos pesquisa utilizados: observações de campo, entrevistas de negros de serem fura-greves; a opinião pública, apoiada pela imprensa, e brancos, histórias de vida de dezessete famílias negras conside- linha um papel decisivo nas tensões radas típicas, questionários e entrevistas, sobretudo sobre os tipos de emprego encontrados pelas duas comunidades, análise do relatório de Johnson recomendou diversas medidas, tais conteúdo dos artigos publicados durante ano que à como reforço do trabalho da polícia, processo judicial contra revolta em três jornais diários brancos e em três jornais diários controle dos locais de lazer, controle dos negros. Descobriu-se assim, por exemplo, que os negros conside- clubes esportivos, cujos membros brancos haviam tido um papel ravam a imprensa como diretamente responsável pelos conflitos ativo durante os tumultos. Recomendou-se também a melhoria das sociais, e que os episódios que envolviam negros eram relatados condições de habitação e das escolas dos negros, reforço à de maneira parcial. assistência social, o estímulo à formação de associações mistas que pudessem servir de exemplo para uma futura harmonia racial e, O relatório de Johnson sobre esses acontecimentos foi estru- finalmente, a instalação de um comitê permanente que investigasse turado em torno aos principais conceitos que Park e Burgess (1921) os incidentes de tipo racial. haviam desenvolvido no ano anterior, em especial a idéia do ciclo em quatro etapas. Johnson utilizou este ciclo, concebido original- Outro aluno negro de Park, Bertram fez uma inves- mente para conceitualizar a evolução dos imigrantes de origem tigação sobre papel das conveniências nas relações sociais européia, para caracterizar as relações mantidas entre as comuni- étnicas do sul dos Estados Unidos. Segundo ele, a função das dades brancas e negras. Vários fatores que facilitariam a integração conveniências sociais é manter a distância entre as raças. Desse da comunidade negra foram postos em evidência. Se o habitat mais modo, a intimidade que se estabelece entre os proprietários de ou menos concentrado de negros e brancos é um fator de segre- uma plantação e seus domésticos negros só é possível na medida gação, a escola onde, segundo ele, não existe discriminação em que "os rituais sociais que definem e mantêm as relações de contra os negros leva os jovens a estar em contato uns com castas sejam integralmente respeitados" (p. XIX). Essas relações, outros. No entanto, constata-se que os alunos negros com em grande parte inconscientes tanto de um lado como do outro, cia têm desempenhos mais fracos que os brancos, em virtude, revelam um comportamento adaptado que confirma e reforça principalmente, do contexto familiar e pais iletrados, constantemente lugar de cada um em uma ordem moral dura- família instável, pobre, mal-alojada e com uma ausência total de doura, cuja definição, segundo Doyle, escapa aos desejos racionais lazer positivo dos homens, fazendo com que seja deixado ao tempo a tarefa de mudá-la. A comissão levantou também os fatores que provocaram tumultos. Sua origem esteve em um incidente em uma praia que não era permitida aos negros. Contudo, nas atividades ordinárias da vida cotidiana, tais como a às lojas, aos cinemas e 34. B. Doyle, op cit., 1937. Em 1924, Doyle já havia feito o mestrado em Chicago sobre os problemas raciais, com uma tese intitulada Racial Traits of the Negro as aos restaurantes, não havia segregação "oficial". Mas a comissão Assign Them to 48</p><p>A imigração japonesa e as sete etapas de Bogardus Califórnia do Sul. Tomando emprestado de Park o ciclo de assimilação dos imigrantes, ele precisou e definiu sete etapas Ao próprio Park foi solicitado, em 1923, que assumisse a cronológicas pelas quais, segundo ele, deviam passar as relações direção de uma pesquisa sobre as tensões raciais entre a população entre a comunidade de imigrantes e aquela que os acolhe: americana e as comunidades asiáticas, em especial a japonesa, na costa oeste dos Estados Unidos. Os japoneses, queixavam-se já a primeira etapa, durante a qual os imigrantes recém-che- naquela época os americanos, trabalham constantemente, durante gados são observados, é caracterizado por uma curiosi- todo dia e todos os dias e nunca tiram férias, tornando assim dade neutra; desigual toda concorrência econômica. A única solução, segundo durante a segunda etapa imigrante, que precisa vender a opinião pública, seria excluí-los dos Estados Unidos. Foi isso, sua força de trabalho, torna-se interessante porque pode aliás, que o Congresso americano fez parcialmente em maio de ser contratado a baixo preço; 1924, ao proibir toda nova imigração japonesa para os Estados Unidos, quando a investigação de Park e seus associados estava a aceitação desses baixos salários por parte dos imigrantes pela metade. Esse Japanese Exclusion Act teve, é natural, conse- grangeia-lhes em seguida a hostilidade dos trabalhadores locais, ameaçados em seu nível de vida e até em seus qüências importantes sobre a pesquisa, que logo teve de ser empregos. Além disso, outros imigrantes continuam che- interrompida por falta de meios financeiros para prosseguir: projeto de diagnóstico de uma sociedade enferma de seu racismo gando e, a longo prazo, suas elevadíssimas taxas de nata- lidade ameaçam a comunidade local com uma "invasão". É transformou-se desde esse momento, segundo um dos pesquisa- nascimento do mito do "perigo amarelo"; dores, em uma autópsia, sem esperanças de cura ou de melhora. a quarta etapa caracteriza-se pela exigência de medidas Durante a preparação de sua pesquisa, que queria efetuar legislativas anti-imigração; mediante a ajuda de entrevistas e recolhendo histórias de vida de os americanos mais liberais e progressistas reagem e japoneses de segunda geração (os "nissei") desde Vancouver, na fronteira canadense, até a fronteira mexicana no sul, Park recrutou apóiam os imigrantes, lembrando valores de liberdade e igualdade que formam a base da sociedade americana; alguns sociólogos instalados nas universidades da costa oeste, entre os quais Emory que estava então na Universidade a sexta etapa caracteriza-se pela diminuição de hostilidade que se segue à adoção de medidas anti-imigratórias; 35. Bogardus havia obtido seu doutorado quando era estudante em The Relation a sétima e última etapa é a da segunda geração de imigran- of Fatigue to Industrial Accidents, Ph.D., Universidade de Chicago, 1911. Seu nome dele ficou famoso na sociologia e na psicologia devido à "escala de Bogardus", que tes, que enfrenta os problemas de se terem transformado mede estatisticamente a distância social entre diferentes grupos sociais, em especial em híbridos culturais. de raças diferentes. Essa escala distribui valores numéricos a tipos de relação que vão do mais íntimo (casamentos interétnicos, por exemplo, ao mais afastado (hostilidade e exclusão totais). Como ele próprio declarou, a concepção desse instrumento paradoxalmente sugerida por Park, que, mesmo detestando a estatística, "exigia de Ao contrário de Park, Bogardus não encerra seu ciclo de seus alunos que coletassem dados subjetivos, mas que os apresentassem de forma objetiva" (carta a Fred Matthews, de 12 de setembro de 1968, citada em M. Bulmer, transformação dos imigrantes com a completa assimilação destes à The Chicago School of Sociology, Chicago, University of Chicago Press, 1984, p. 154). cultura americana. Em 1937, Park, no que BIBLIOTECA 50 PORTO</p><p>a obra de Romanzo Adams, 36 fez uma modificação em sua teoria os negros americanos são com certeza aculturados, adquiriram os do ciclo. Este deixa de encerrar-se sistematicamente com a otimista traços principais da cultura americana, mas não foram por isso assimilação dos imigrantes, mas pode assumir três formas: uma assimilados à sociedade americana e, ao contrário, desenvolvem assimilação completa, a elaboração de um sistema de castas movimentos reivindicativos pela igualdade de direitos entre as semelhante ao da Índia ou, ao contrário, a persistência de uma raças. "Os negros americanos", escreve Frazier, "pensam em si minoria racial, como é caso dos judeus na Europa. mesmos antes como negros, e só depois como A principal contribuição de Frazier para o estudo das relações Aculturação e assimilação raciais foi esclarecer o conceito de assimilação. Antes de mais nada, considera que já não se pode falar dos negros como de uma Em sua tese sobre os preconceitos raciais (1930), William entidade homogênea, mas, ao contrário, é preciso distinguir entre Brown desenvolve uma visão das relações étnicas oposta à de eles diversos subgrupos, correspondentes a diferentes níveis so- Park. Segundo ele, conflito não constitui apenas uma etapa ao cioeconômicos e repartidos geograficamente (como Park e Burgess longo da história das duas comunidades, a branca e a negra. Ao já haviam observado para conjunto da população de Chicago), contrário, ele é endêmico, e de fato marca cada uma das fases do segundo zonas concêntricas diferentes. Frazier observou sete zonas ciclo de relações étnicas entre as duas O conflito de moradia dos negros de Chicago: os recém-chegados instalam-se culmina na fase de adaptação, em que as relações entre superiores primeiramente no centro da cidade e depois vão-se afastando à e subordinados são constantemente conflitantes A cultura negra é medida que suas condições econômicas melhoram. Quanto mais considerada inferior, os negros são marginalizados e ideologias no se mora, mais a vida social é desorganizada e mais antagônicas estabelecem-se em cada uma das comunidades. É por desmoralizados são os indivíduos. É no centro que se encontram isso que, segundo Brown, nunca poderia haver uma assimilação as famílias esfaceladas, sem a presença de um dos pais, com seu completa da comunidade negra, sempre inferiorizada pela cultura habitual cortejo de problemas sociais e de juvenil. e a ordem social brancas. Quando nos afastamos do centro para a periferia residencial da cidade, a vida social está mais bem organizada, as famílias são Esta foi também a posição desenvolvida por Franklin Frazier estáveis, vivem em casa própria e vão à igreja: "Nas zonas periféricas (1932): o ciclo não se encerra com a assimilação, e sim com a encontram-se negros mais e mais (p. 258). existência de dois sistemas raciais distintos. Durante a última etapa do ciclo, cada uma das duas raças desenvolve suas próprias Segundo Frazier, a etapa de desorganização não deve ser instituições sociais e ocupa zonas urbanas diferentes. Se os Estados considerada como um estado patológico, mas, ao contrário, como Unidos foram capazes de absorver as diferentes culturas e etnias um aspecto do processo que leva à civilização (p. 252). As famílias européias, mesmo não se deu a cada vez que teve de lidar com negras da periferia são bem integradas à população branca, consi- raças diferentes, como os asiáticos e os negros. Segundo Frazier, derava Ele introduziu uma distinção essencial entre a família natural e a social. A família negra natural é a que foi herdada 36. R. Adams, Interracial marriage in Hawaii, Nova York, Macmillan, 1937, com prefácio do sistema escravagista, em que a única autoridade é a do senhor de R. Park. (pp. VII-XIV), 345 pp. branco, e não a dos pais. A família institucional, fundada no 52</p><p>matrimônio legal e, às vezes, na propriedade fundiária, é a base da Frazier acreditava que a integração dos negros passaria pelo integração dos negros à sociedade americana; nela, a autoridade processo da urbanização, que foi, de fato, um elemento importan- do pai é restaurada, a família vai à igreja e filhos à escola. te: rurais, em sua maioria, até final do século em 1940 cerca Segundo ele, a passagem da família natural à institucional é de metade deles já habitava as grandes cidades, sendo que a guerra análoga à escalada sucessiva das diferentes zonas de moradia na acelerou ainda mais fenômeno migratório movido essencialmen- cidade. te por motivações Em uma obra posterior, Frazier estendeu ao conjunto dos Com Frazier, portanto, devemos distinguir entre aculturação Estados Unidos suas pesquisas sobre os diversos processos de e assimilação: integração dos negros à sociedade Descobriu em outras cidades americanas estruturas de moradia, e portanto de a aculturação é um fenômeno pelo qual um indivíduo vida social, análogas às que já identificara em Chicago. Assim, em adquire a cultura do grupo. Se ela foi um êxito no caso dos Nova York, as taxas de casamento dos negros aumentam, qualquer imigrantes europeus, que se americanizaram rapidamente, que seja sexo, quando se passa da zona central pobre da cidade em compensação, no que diz respeito aos negros ela foi à sua periferia mais burguesa. O mesmo ocorre, de maneira ainda freada pela discriminação e a segregação de que estes mais diferenciada, no tocante à taxa de propriedade da moradia, foram objeto; ou às taxas de natalidade. As mesmas regularidades estatísticas são observadas em outras grandes aglomerações americanas, como no a assimilação é um processo que engloba a aculturação, distrito de Columbia (Washington). Isso tendia a mostrar que, ao mas que supõe antes de mais nada uma completa identifi- passar da condição de escravos nas plantações para a civilização cação do indivíduo ao grupo. urbana e industrial, a sociedade negra transformou-se profunda- mente e conseguiu integrar algumas práticas sociais dos brancos. A última etapa da integração é amálgama, estágio supremo Contudo, ao contrário de Park, que achava que os ciclos de de uma população que se assimilou. assimilação eram obrigatoriamente cronológicos e irreversíveis, Frazier considerava que certas etapas eram passíveis de se repetir ao longo de várias gerações sucessivas, pois a dialética do conflito A distância cultural de classes e da adaptação cultural prosseguia depois do fim da escravidão, que não marcava o fim da intimidação e da violência: William desenvolveu o conceito de distância cultu- a adaptação limita, mas não elimina completamente conflito. ral no contexto do estudo da influência da tecnologia e do impacto 38. A indústria de armamentos e próprio exército foram, significativamente, os primeiros setores econômicos a aplicar medidas não discriminatórias de emprego em relação negros, seguindo nisto as diretivas de F.D. Roosevelt. 39. Ogburn, Social With respect to the culture and original nature, Nova York, 37. F. Frazier, The negro in the United States, Nova York, Macmillan, 686 pp. B.W. Huebsch, 1922, 366 pp. 54</p><p>das invenções sobre as mudanças sociais. Para ele, se estas provo- grande cidade moderna, dizia Simmel, cada um torna-se estrangei- cam tensões, é em virtude da demora necessária para a assimilação ro no interior de sua própria sociedade, um "vagabundo em dos progressos tecnológicos e das descobertas científicas pelas potencial", um homem sem tema do estrangeiro também instituições sociais, ou pelos indivíduos, petrificados por sua pró- foi abordado por Wirth (1928), em seu estudo sobre gueto judeu. pria cultura. Finalmente, a cultura é obrigada a adaptar-se a essas Posteriormente, mesmo tema seria desenvolvido por Schütz, que, mudanças tecnológicas, mas ao custo de uma desorganização encontrando-se em Paris durante o verão de 1938 no momento da social temporária. Assim, os problemas sociais que os imigrantes anexação da Áustria por Hitler, permanece na cidade e emigra enfrentam surgem do fato de que os aspectos materiais da cultura definitivamente para os Estados Unidos um ano tendem a modificar-se com mais rapidez que os seus traços não materiais. Se o imigrante não consegue apreender as novas possi- Já vimos que os contatos entre as diferentes culturas produ- bilidades que se lhe oferecem, é porque suas atitudes no sentido zem sempre uma desorganização das instituições sociais, sendo em que Thomas definiu esse termo correspondem ainda ao mais afetadas as da cultura "fraca", ou seja, as do grupo minoritário. antigo tipo de organização social que conhecia, quando sua nova Deste grupo, alguns elementos "marginais" emergem, caracteriza- posição social já não corresponde a essa organização social. Ele dos por sua vontade de abandonar o grupo de origem deixa, portanto, de ter marcos que possam guiar, normas sociais integrar-se ao grupo majoritário. Park desenvolveria essa noção do em que possa confiar, que dá origem a uma grande dificuldade "homem marginal" e utilizaria a expressão pela primeira vez em de 1928, em um artigo que expunha mais claramente o conflito intercultural. No enfrentamento entre as duas culturas aparece um novo tipo de personalidade, cuja figura O bomem marginal em Park como em Simmel, é judeu emancipado. Park descreveu assim o "homem Como já vimos, tema do estrangeiro aparece em inúmeros estudos da Escola de Chicago. Fora já desenvolvido por Simmel, muito citado pelos pesquisadores da Escola de Chicago, e em judeu emancipado é o homem marginal típico, historicamente especial por Park, que três cursos dele em Berlim em falando o primeiro homem cosmopolita e o primeiro cidadão do mundo. É "o estrangeiro" por excelência, que Simmel, ele próprio 1900, ficando profundamente influenciado. Segundo Simmel,40 judeu, descreveu com tanta penetração e compreensão em sua estrangeiro instala-se na comunidade, mas fica à margem. Não Sociologie.. As autobiografias de imigrantes judeus poloneses apreende seus mecanismos íntimos e permanece de certo modo publicadas em grande número nestes últimos anos são todas exterior ao que lhe confere, uma versões diferentes da mesma história, a do homem marginal. maior objetividade, "que não implica o distanciamento ou desinteresse, mas resulta antes da combinação específica da proxi- midade e da distância, da atenção e da indiferença" (p. 55). Na 41. A. Essai de psychologie em Le et le quotidien, Paris, Méridiens Klincksieck, 1987, pp. 40. A tradução francesa do artigo de Simmel, "Digressions sur l'étranger", 1908, foi publicada em Y. Grafmeyer e I. Joseph, op. cit., pp. 53-59. 42. R. "Human migration and the marginal American Journal of 33. 1928, pp. 56 57</p><p>Todavia, o homem marginal é também aquele que faz transitória indispensável no caminho que leva à assimilação. avançar a "homem marginal" é uma transição entre a adaptação e a assimila- ção. É aquele que sai de seu grupo cultural de origem. Está dividido entre dois mundos e vive esta situação dramaticamente. Mas é homem marginal é sempre um ser humano mais civilizado que também ponto de contato entre os dois grupos, entre as duas os demais Ocupa a posição que, historicamente, foi a do judeu da diáspora. judeu, muito especialmente que se libertou do comunidades. provincianismo do gueto, foi sempre, e por toda a parte, o mais civilizado dos seres humanos.43 Everett Stonequist, aluno de Park, desenvolveu essa noção de homem marginal em sua tese, defendida em 1930 e publicada em 1937. Segundo ele, a marginalidade não deve ser definida apenas Segundo Park, homem marginal é tipicamente um imigran- em termos étnicos ou raciais. Se a marginalidade é particularmente te de segunda geração, que sofre plenamente os efeitos da desor- visível no caso dos migrantes, caracteriza também algumas seitas ganização do grupo familiar, a juvenil, a criminalida- religiosas, algumas classes sociais ou algumas comunidades. A de, o divórcio etc. Definido antes de mais nada como mestiço, personalidade marginal é encontrada quando um indivíduo "se vê mulato ou eurasiano, por exemplo, foi Park quem conferiu outro involuntariamente iniciado em duas ou várias tradições históricas, sentido à expressão "homem marginal", a partir de 1934, estenden- políticas ou religiosas, ou em vários códigos morais" do-a à situação dos trabalhadores negros dos estados do Sul, que 23). Por essas razões, homem marginal está em conflito viviam "à margem" da cultura Park também considerou gico entre diversos mundos sociais, cuja intensidade varia segundo como marginais os cajuns da Luisiana, ou os montanheses das as situações individuais. O homem marginal, que elabora um novo Apalaches, que eram, eles, anglo-saxões puros. Desse modo, o mundo com base em suas experiências culturais diversas, sente-se homem marginal não é apenas que pertence a uma cultura com rejeitado, e com razão, pois está apenas parcialmen- diferente, em geral situada, segundo Park, a meio caminho entre a cultura tribal primitiva e a cultura mais moderna e sofisticada da te assimilado. Conseqüentemente, segundo Stonequist, na maior parte do tempo ele desenvolve críticas duras acerca da cultura vida urbana atual. Em todos os casos, o homem marginal é sempre dominante que o rejeita apesar de seus esforços de integração, e um migrante, seja ele europeu ou um negro do Sul que veio à denuncia suas hipocrisias e contradições (pp. 139-158). cidade em busca de trabalho, ou ainda um camponês americano sofrendo também os efeitos do êxodo rural. Em seu conjunto, a Escola de Chicago desenvolveu uma homem marginal, ao separar-se de sua cultura de origem, visão otimista da imigração, sob a forma do homem marginal, que é sempre alguém que, aculturando-se, constrói para si mesmo uma se torna um híbrido cultural que utiliza com intimidade duas nova identidade. Dando continuidade a Park, Wirth (1928) definiu culturas distintas, mas não é plenamente aceito por nenhuma delas a aculturação como um "ciclo de relações raciais e étnicas". Na e é marginalizado por A mestiçagem, para os pesquisadores lógica desse ciclo, o gueto pode ser considerado como uma etapa de Chicago, é um Franklin Frazier (1939) foi uma 43. R. Park, Introdução ao livro de E.V. Stonequist, The marginal man, Nova York, Charles 44. que pode ser comparado às teses de Michel Serres, Le tiers instruit, Paris, Scribners Son's, 1937, 228 Bourin, 1991, 252 pp. 58</p><p>exceção, com seu estudo sobre fenômeno da assimilação entre os negros americanos. Se reconheceu o fundamento da importân- cia e da definição do homem marginal como um híbrido cultural, Frazier introduziu, em compensação, a distinção entre a assimila- ção cultural e a social. Assim, segundo ele, a cultura negra americana talvez não seja muito diferente da cultura branca, e é possível afirmar que os negros estão culturalmente assimilados à cultura branca. Em compensação, subsistem numerosas barreiras sociais, tais como a interdição dos matrimônios inter-raciais, o direito de voto não reconhecido aos negros, a impossibilidade de acesso a certos empregos etc. Portanto, a assimilação não pode ser definida apenas em 3 termos culturais, mediante a intervenção de fatores como o A CRIMINALIDADE nio da língua, a participação de uma religião reconhecida e praticada pelo grupo dominante, a aquisição de costumes diversos e de códigos morais idênticos aos da cultura dominante. Os negros americanos são aculturados, mas não socialmente assimilados, pois são rejeitados pela sociedade branca americana. Enquanto Park A sociologia de Chicago é justamente célebre por seus definia a marginalidade como um estado provisório que se encer- estudos sobre a criminalidade, desvio e a juvenil, rava obrigatoriamente com a assimilação dos indivíduos, questões estreitamente ligadas às noções e aos conceitos desenvol- ao contrário, considerava que estágio supremo da assimilação vidos no capítulo anterior e que constituem, por si só, um campo não pode ser atingido pelos negros, pois estes não têm mesmos cujas obras principais passaremos a examinar. A história da crimi- direitos políticos e sociais. A assimilação deles, portanto, passa nalidade em Chicago foi marcada pelas sucessivas ondas de sua luta contra a discriminação racial e pela igualdade de direitos. imigrantes que ali se instalaram. Primeiramente alemã e irlandesa, no início do século XIX, depois polonesa e italiana nos anos 1920, Para concluir, pode-se afirmar que, se alguns grupos sociais tornou-se hispano-americana e negra 30 anos depois. permanecem marginalizados e desenvolvem culturas intermediá- rias, híbridas, sem jamais se assimilar totalmente à cultura domi- As gangues de Chicago nante, é porque homem marginal possui uma ambigüidade mesmo sendo um homem criativo, que inventa novas Em 1923, Frederic Thrasher publicou uma obra, baseada em formas de sociabilidade e novos traços culturais, é também que sua tese de doutorado, sobre as gangues de Chicago, que, segundo sofre essa situação dual de maneira dolorosa, com manifestações suas estimativas, agrupavam no início dos anos 1920 pelo menos 25 psicológicas que ao mesmo tempo o revelam e designam como mil adolescentes e jovens adultos. Park, em seu prefácio à obra, um desviante social. 60 61</p><p>As gangues florescem na fronteira e os bandos de predadores que Foi graças a esse conceito, que próprio Thrasher conside- infestam a periferia da civilização mostram as mesmas rou como "o mais significativo da pesquisa" (p. 20), que ele cas que as que são analisadas nesta obra. As 1.300 analisadas em Chicago são típicas de todas as gangues. Uma gangue é uma explicou o nascimento e o desenvolvimento das gangues e da gangue, onde quer que se encontre. Representa umtipo específico desorganização social. As gangues ocupam "cinturão de pobre- de sociedade... As gangues, como a maioria das demais formas de za", diz Thrasher, onde habitat está deteriorado, a população associação humana, devem ser estudadas em seu babitat particu- muda sem cessar, tudo está desorganizado, abandonado: "As lar. Surgem espontaneamente, mas apenas em condições favorá- veis e em um meio definido... Isto é que torna interessante o seu gangues desenvolvem-se como manifestação da fronteira econômi- estudo, convence-nos de que elas não são incorrigíveis e que ca, moral e cultural que marca o interstício" 21). Logo, segundo podem ser controladas. ele, uma teoria da deveria partir desse conceito. A gangue é uma resposta à desorganização social: "Ela oferece um Na primeira parte da obra, Thrasher propôs-se a descrever a substituto àquilo que a sociedade não consegue dar e protege de "história natural da gangue". Contudo. a obra não se limitou à comportamentos desagradáveis e repressivos. Supre uma carência simples descrição das gangues, e nela encontramos novamente a e oferece uma escapatória" (p. 33). tese da desorganização social. A formação das gangues A terra das gangues: um espaço intersticial A origem das gangues parece espontânea. Ao contrário de Thrasher constatou a existência de vários estratos urbanos um clube ou de um sindicato, não existe um projeto bem definido concêntricos na cidade de Chicago (fig. 1, p. 21): há um centro de formar uma gangue. Ela nasce dos encontros de rua entre urbano, The Loop, onde se concentram comércio, os escritórios adolescentes desocupados que passam a maior parte do tempo e os bancos. Afastando-se do centro em direção à periferia, perambulando, jogam e bebem juntos, são solidários, ajudam-se encontra-se uma série concêntrica de bairros onde moram as classes médias e, mais longe ainda, os das classes sociais abastadas, 1. Desde a obra de Thrasher, a idéia segundo a qual a pode ser explicada de implantação mais antiga. Entre centro urbano e essas duas pelo modo de vida e de moradia dos jovens que vivem nos das grandes cidades progrediu bastante: para convencer-se disso, basta considerar tratamento zonas, há outra que Thrasher chama de intersticial, onde residem que foi dado na França, no final de 1990, a acontecimentos às vezes violentos que agitaram alguns subúrbios, e do fenômeno de pauperização dos jovens os imigrantes europeus, sobretudo poloneses e italianos, assim desses subúrbios. Esses acontecimentos levaram à criação, em dezembro de 1990, de como os chineses e os negros. É nesta zona, que não é intersticial um Ministério das Cidades. Sua missão é encontrar soluções para os problemas suscitados pela "guetização" de uma população jovem e numerosa, que tem muitas apenas no plano da geografia urbana, mas também no plano social, das características estudadas por Thrasher: jovem, de origem imigrante, desempenho que se concentra a violência e se encontram as gangues. escolar ruim, desempregada na quase totalidade dos casos, morando em degradados, sem um lazer "construtivo" (para empregar a expressão de Thrasher) e formando progressivamente bandos mais ou menos violentos, em certas ocasiões verdadeiras gangues, com comportamentos (numerosos roubos, sobre- Existem fissuras e fraturas na estrutura da organização social. As tudo), com fortes traços de reconhecimento, tais como as atividades gráficas (tags, gangues podem ser consideradas como elementos intersticiais no grafitagem, murais) ou a atividade musical (rap, break dance). Todas essas ticas conferem de fato a esses jovens um lugar intersticial, e não de pleno direito, no tecido social, e seu território como uma zona intersticial na tecido social: é possível então considerar que a pode contribuir para uma extensão da cidade. (p. 20) busca de identidade social e individual. 62 63</p><p>mutuamente e estimulam-se. Mas a característica decisiva que transforma esse grupo em gangue é fato de que ele se desloca e interessará, descobrindo-as em sua história natural, são as carac- encontra outros grupos hostis "que precipitam o conflito" (p. 43). terísticas que as distinguem de outros tipos de comportamento grupo organiza-se, toma consciência de si mesmo e batiza-se coletivo" (p. 37). como "clube", no início bem inocente, mas que com Há, é claro, diversos tipos de gangue. Uma vez consolidada, degenera em grupo Esses grupos são muito instáveis, uma gangue procura às vezes que se lhe reconheça uma existência novos grupos aparecem, os desaparecem ou reestruturam- legítima na comunidade, como se fosse um clube. Ou, ao contrário, se. Uma gangue possui um território próprio, que conhece bem e age como uma sociedade secreta. Outras formam entre elas uma do qual não se afasta muito. espécie de federação, fazem alianças com organizações políticas. A polícia, que é inimigo posto que para ela todo grupo é No entanto, muitas gangues não resistem ao desgaste do suspeito, tem também um papel federativo no interior de uma tempo. Além do fato de que muitas dentre elas não passam do gangue e até mesmo entre as gangues: "É pela ação coletiva e pelo primeiro estágio do simples agrupamento, a solidariedade de uma conflito que uma gangue desenvolve uma moral" (p. 44). Por meio gangue nunca é muito duradoura, segundo Thrasher. A lealdade dos processos de interação social, os papéis e a posição de cada de seus membros não é infalível e a autoridade de seus líderes é membro vão-se estabelecendo progressivamente, surgem líderes e com Esses traços caracterizam que Thras- a gangue passa a ser, para os seus membros, uma ordem social her chamou de "gangue difusa", que é encontrada às centenas em natural: Chicago. Mas também se encontram outros tipos de gangue, que Thrasher chamou de Estas tiveram um desenvolvi- A gangue é um grupo intersticial que se forma, em um primeiro mento mais longo, mais conflitivo, e seus membros demonstram momento, de maneira espontânea, para depois se consolidar por uma maior lealdade para com o grupo, de tal modo que são meio do conflito. Caracteriza-se pelos seguintes tipos de compor- "máquinas" bem preparadas para combate. tamento: encontros hostis, perambulações, deslocamentos em gru- po, conflitos e projetos criminosos. A conseqüência desse compor- A vida cotidiana em uma gangue tamento coletivo é o desenvolvimento de uma tradição, de uma estrutura interna não refletida, de um esprit de corps, de uma solidariedade, uma moral, uma consciência de grupo e uma Na segunda parte da obra, Thrasher expôs a vida cotidiana ligação a um território. no interior de uma gangue, muito mais excitante para um rapaz do que a que lhe pode oferecer ambiente familiar ou social: Os diferentes tipos de gangue Após ter experimentado a palpitante vida de rua de uma gangue, Segundo Thrasher, "não existem duas gangues parecidas, há rapaz acha os programas dos assistences sociais insípidos e insatisfatórios. Aos poucos, a gangue usurpa tempo habitual- uma variedade infinita, cada uma delas é, de-certo modo, única mente dedicado à escola e ao trabalho e, suplantando a família, (...) Mas a ciência propõe-se descrever o que é típico e não que a igreja e o trabalho, torna-se o principal interesse do jovem é único, procedendo a (...) Portanto, o que nos (pp. 65-66) 64 65</p><p>Na verdade, se os jovens se tornam membros das gangues, precedentes, e a Illinois Association for Criminal Justice decidiu é porque trazem em si uma energia sem uso que nenhum "modelo iniciar uma vasta pesquisa sobre a criminalidade, da qual partici- social desejável" é capaz de controlar, mas que tem ocasião de se pariam os pesquisadores do departamento de sociologia. A obra expressar nas gangues de maneira mais livre e mais espontânea" que John publicou com base no relatório entregue a essa (p. 83). comissão procurava dar conta dos fatores sociais que pudessem Finalmente, Thrasher insiste em outra característica da gangue. permitir a compreensão do comportamento criminoso. Conside- Segundo ele, esta é a manifestação de conflitos culturais entre os rando que aumento do número de crimes não era de uma falência da Justiça, ele quis demonstrar que havia um elo comportamentos de imigrantes entre si, por um lado, e, pelo outro, entre estas diferentes comunidades e os valores de uma sociedade entre o crime e a organização social da cidade. americana pouco atenta a seus problemas sobretudo sua pobreza Segundo Landesco, "do mesmo modo que o bom cidadão, o e que continua estrangeira a elas. Este aspecto pode explicar que gângster é um produto de seu ambiente. O bom cidadão foi criado as gangues tenham agrupado diversas nacionalidades, ou que, por em uma atmosfera de respeito e obediência à lei. O gângster exemplo, os judeus e negros tenham conseguido colaborar em um bairro em que a lei, ao contrário, é infringida atividades marginais, por se sentirem igualmente dominados. constantemente" (p. 221). O gângster é na certa um delinqüente, concluiu Thrasher, mas Landesco, que tinha contatos com algumas gangues, estu- dou-as durante sete anos, à maneira de um detetive particular. Foi na maior parte dos casos, a não pode ser considerada assim que ele pôde fazer a biografia de Eddie Jackson e coletar senão como resultado de uma situação complexa em que ele se uma boa quantidade de histórias de vida de gângsteres, de que encontra e da qual não consegue escapar... Os rapazes "maus" são publicou alguns extratos. A obra, escrita no estilo do jornalismo de em grande medida criados por fatores de desorganização que investigação, com documentação bem precisa, recenseou os dife- resultam das condições confusas em que se encontra a vida americana. (p. 280) rentes tipos de atividade criminosa. Landesco descreveu a guerra a que as gangues se entregavam por exemplo, a da cerveja (pp. Esses fatores são os seguintes: 97-105) as bombas, os golpes, os seqüestros por resgate. Examinou também as relações entre gângsteres e os políticos, que público podia ver, segundo ele, nos dias de eleição, com as Uma vida familiar inadequada, a pobreza, um ambiente deteriora- práticas fraudulentas dos políticos, ajudados nisso pelos vigaristas. do, uma religião ineficaz, uma educação falha e lazeres inexisten- tes formam, em seu conjunto, a matriz do desenvolvimento das livro encerra-se por um capítulo intitulado "Who's who of the gangues. (p. 339) organized crime", um recenseamento dos principais criminosos, classificados por "especialidade". crime organizado 2. J. Landesco, Organized crime in Part III of the Illinois Crime Survey 1929, Em 1924, a guerra das gangues em Chicago estava fervilhan- Chicago, Illinois Association for Criminal Justice 1979, pp. 815-1.100, reeditado em 1968 em Chicago, University of Chicago Press, com uma introdução de Mark H. do. Todas as estatísticas mostravam uma onda criminosa sem Haller, 294 pp., e por Midway reprint em 1979. 66 67</p><p>Entre os trabalhos sobre as atividades criminosas feitos em Segundo Shaw, "no campo da criminologia, histórico de Chicago, devemos mencionar também a obra que Reckless (1933) vida é um novo instrumento de pesquisa sociológica" (p. 1). No consagrou ao tema, na qual, com ajuda de entrevistas e fontes entanto, Shaw insiste em que os históricos de vida sejam verifica- estatísticas, fez um levantamento dos esforços empreendidos nos dos, cruzados com outros dados, familiares, históricos, médicos, 20 anos anteriores em Chicago para limpar a cidade de seus psicológicos, escolares etc., mesmo que "a validade e valor de um documento pessoal não dependam de sua objetividade ou veracidade. Não se espera que delinqüente descreva necessaria- A juvenil mente suas situações de vida de maneira objetiva. Ao contrário, desejamos que sua história reflita suas atitudes pessoais, suas Uma das obras mais famosas de toda a Escola de Chicago foi interpretações próprias, pois são precisamente esses fatores pes- sem dúvida a que Clifford dedicou ao caso de Stanley, jovem soais que são importantes para estudo e tratamento do caso. de dezesseis anos que ele visitara regularmente duran- Por conseguinte, as racionalizações, as invenções, os preconceitos te seis anos e ao qual incitara a escrever um relato autobiográfico e os exageros são tão válidos quanto as descrições objetivas, descrevendo as circunstâncias práticas que o haviam levado a contanto, é claro, que tais reações sejam bem identificadas e tornar-se um delinqüente e sua "carreira" na localizadas" (pp. 2-3). Stanley, ladrão de A este propósito, Shaw lembra exemplo célebre citado por Thomas Shaw inicia sua obra com uma longa introdução, intitulada "O valor de A delinquent boy's own story", em que defende a Com grande há uma grande diferença entre a situação metodologia que utilizou, cujo espírito é bem resumido na intro- tal como a vêem os outros e a situação tal qual parece ser para um dução escrita por Howard Becker em 1966, por ocasião da segunda indivíduo... Por exemplo, um homem havia matado várias pessoas edição do livro: que tinham o infeliz hábito de falarem consigo mesmas na rua. Fundamentando-se nos movimentos dos lábios delas, ele imagina- va que o estavam insultando e comportava-se como se isso fosse Entrando realmente na pele de Stanley, pode-se começar a ver verdade. Se os homens definem suas próprias situações como aquilo que damos por certo quando conduzimos uma pesquisa, reais, elas são reais em suas (pp. 571-572) que tipos de hipótese sobre sobre os bairros degradados ou sobre os poloneses são constitutivas do modo Do mesmo modo, em dezembro de 1929 Stanley diz em uma como colocamos os problemas. Com Stanley, é possível fazer perguntas sobre a do ponto de vista do entrevista com Shaw, após ter concluído seu relato: "Não creio ter exagerado os erros cometidos por minha madrastra, mas, em todo caso, não exagerei meus sentimentos a respeito Logo, 3. C.R. Shaw, The A boy's Chicago, University of Chicago Press [1930], edição, 1966 (com uma introdução de H. Becker), 206 pp. 5. W. Thomas, The child in America, em colaboração com Dorothy S. Thomas, Nova 4. Um jack-roller é muitas vezes um que rouba bêbados, só com a York, Knopf, 1928, 584 pp. força sem armas. 6. Ver nota n° 44, p. 59. 68 69</p><p>estima, Shaw, é preciso ter acesso, através do histórico de vida, às dele e certos dados provenientes de seu ambiente, Stanley era atitudes individuais, aos sentimentos e aos interesses do adolescen- novamente entrevistado a fim de verificar e precisar suas declarações. É preciso entrar no mundo social do É por isso que ele insiste que relato deve ser feito na primeira pessoa, não deve Na primeira parte da obra, Shaw expôs o histórico do caso ser "traduzido" para a linguagem do pesquisador, para que o Stanley, mostrou cronologicamente as prisões deste quando era ainda um menino (entre seis e nove anos) e depois descreveu documento conserve a sua "objetividade" (p. 22). seu ambiente social e cultural. Em seguida vinha relato do A primeira entrevista teve lugar quando Stanley tinha 16 anos próprio Stanley, escrito na primeira pessoa (pp. 47-163). Nascido e oito meses. Estava então na prisão, por vários roubos. Shaw em uma família com sete filhos, órfão de mãe aos quatro anos, entrevistou-o acerca de suas atividades delinqüentes, sobre os Stanley descreveu sua infância infeliz com a nova esposa do pai, julgamentos a que já fora submetido e sobre suas passagens pela que se instalou na casa deles trazendo seus oito filhos, que preferia prisão, recolhendo assim uma primeira trama dos acontecimentos ostensivamente a Stanley e a seus irmãos e Stanley descre- que pôs em ordem cronológica; depois apresentou-a a Stanley e veu a fome, a raiva, as fugas, os delitos no início de pouca convidou-o a descrever os acontecimentos correspondentes importância que cometia com outros meninos de sua idade, contar sua própria vida com mais detalhes a partir dessas entrevis- abrigo correcional e a engrenagem da que acabou tas. Stanley, que achava que esse relato poderia contribuir para levando-o à uma redução de pena e, portanto, a uma libertação antecipada, Na discussão sobre livro (pp. 184-197), Burgess mostrou aceitou e apresentou detalhes sobre suas atividades de "ladrão de bêbados". em que caso de Stanley lhe parecia típico e representativo dos jovens delinqüentes de Chicago: Quando Stanley da prisão, Shaw quis que documento, 1) Stanley foi criado em um bairro de risco, onde a delin- que alcançava então apenas algumas fosse ainda mais Pediu a Stanley "uma descrição detalhada de cada tinha importância: em 1926, 85% dos rapazes presos pela acontecimento, das circunstâncias de cada um e de suas reações polícia vinham desses bairros. pessoais à experiência" (p. 23). Com a ajuda de Shaw, Stanley 2) Ele provinha de uma "família desfeita", como 36% dos acabou escrevendo uma autobiografia de mais de cem páginas. jovens delinqüentes. Contudo, não se acreditou apenas na palavra de Stanley: suas descrições e declarações foram verificadas junto a diversas fontes, 3) Como todos criminosos, sua "carreira" de delinqüente tais como as minutas de seus processos ou as transcrições de suas teve início antes mesmo que ele começasse a in para a escola. declarações à polícia. Os dados foram também confrontados ao 4) Todas as instituições por que ele passou para tratar sua "histórico de sua família, aos documentos médicos, psiquiátricos e fracassaram, tal como ocorre em 70% dos casos que psicológicos" (p. 2). Quando surgiam divergências entre relato instituições devem educar. 7. Esta primeira confissão de Stanley é reproduzida em um anexo ao cf. pp. 200-205. 70 71</p><p>5) Stanley, como todos os fujões, acabou vagabundeando no como processo judicial. De fato, a opinião pública reage, por bairro mal de Chicago (West Madison Street) e tornou- intermédio dos jornais, com emoção, sobretudo diante de aconte- se um jack-roller cimentos espetaculares, como estupros e raptos: Sidney, estuprador Ao ser concebida publicamente, a própria definição do crime traz em si a exigência de um julgamento severo... (p. 4) Sempre foi por Em outra obra, publicada apenas um ano após The jack-rol- meio de epítetos e de reações emocionais que a sociedade ler, Shaw8 pôs em cena outro rapaz que conhecera por seis anos, procurou controlar o comportamento de seus membros. As leis, na Sidney, cuja história, em muitos pontos, é parecida à de Stanley. A medida em que são eficazes, são a cristalização dessas atitudes morais e emocionais. É somente com referência a essas obra, aliás, retomava a estrutura interna de The antes de atitudes que certos atos são definidos como criminosos. (p. 5) mais nada, Shaw mostra como Sidney havia sido "etiquetado" como "cretino", e depois devolve ao seu ambiente: bairro pobre, as companhias delinqüentes, pano de fundo familiar, a Segundo Shaw, o estudo do caso de Sidney ilustra a neces- família numerosa (seis filhos). Em seguida, vem relato autobio- sidade de levar em consideração o conjunto do processo de seu gráfico de Sidney, verificado com dados emitidos por "agências comportamento, caso se queira entendê-lo: sociais, tribunais, diversas instituições correcionais, entrevistas com outros delinqüentes e, também, com os amigos e a família Um ato delinqüente é uma parte do processo dinâmico da vida do dele" (p. XIII). indivíduo. Enquanto a não for considerada com relação ao seu contexto na história do indivíduo, não será com- Tal como Stanley, Sidney começou sua carreira preensível e não poderá ser tratada com eficácia. (p 8) oficial - ou seja, quando foi objeto de um relato policial aos sete anos. Tratava-se de um menino que parecia afável, mas que se deixava levar com facilidade por outros cuja A juvenil e o tecido urbano, segurança e modo de vida Com menos de 17 anos, após uma longa série de delitos diversos, praticou um assalto a Em 1929, Clifford Shaw, Frederic Zorbaugh, Henry McKay e mão armada junto com outro delinqüente mais experiente que ele, Leonard Cottrell publicaram uma obra sobre a urba- roubou automóveis e foi acusado, segundo ele injustamente, de em que, recenseando os domicílios de cerca de 60 mil "vaga- estupro. Foi condenado a 20 anos de prisão e enviado a uma prisão bundos, criminosos e de Chicago, mostravam que as estadual. taxas de criminalidade e de delinqüência eram variáveis de um bairro para outro. Os bairros mais próximos dos centros comerciais Além das mesmas metas que as de The jack-roller, Shaw quis e industriais, onde se concentrava a população de mais baixa mostrar as reações emocionais do público a esses crimes, bem renda, tinham as mais altas taxas de criminalidade. Ao contrário, 8. C. Shaw, The natural history of a delinquent career, Nova York, Greenwood Press 9. C. Shaw, H. Zoirbaugh, H. McKay e L. Cottrell, Delinquency areas, Chicago, University Publishers [1931], edição, 1968, 280 pp. of Chicago Press, 1929, 214 72 73</p><p>bairros residenciais da periferia da cidade, mais ricos, tinham taxas nas diferentes cidades americanas inclusive em Richmond, cuja de muito baixas. população comportava muito poucos imigrantes e cerca de 30% de Em 1942, Shaw e McKay publicariam um segundo negros a criminalidade estava associada à estrutura física da que, em seu prefácio, Burgess classificou como "a obra mais cidade: as taxas de eram elevadas onde quer que a importante em criminologia" no qual já não analisavam apenas ordem social estivesse desorganizada Segundo eles, a a situação de Chicago, mas propunham-se estabelecer uma "eco- cia urbana dos jovens deve ser explicada por fatores logia da e do crime" (p. 3): por um lado, estendendo Com efeito, constataram que, nessas regiões de a investigação, com fins de comparação, a outras grandes cidades urbana, as taxas de desemprego e de suicídio eram mais eleva- americanas, tais como Filadélfia, Boston, Cincinnati, Cleveland e das, a população era mais doente, a mortalidade infantil mais Richmond; por outro enriquecendo a pesquisa feita mais de as famílias mais dissociadas e a criminalidade adulta uma década antes com novas perguntas, entre as quais as seguintes: muito disseminada. simples fato de morar em certas partes da cidade, aliás, constituía um indício ou um prognóstico de delin- 1. As variações das taxas de criminalidade são comparáveis de uma cidade para outra? A análise sociológica de Shaw e McKay apresentava também 2. Essas diferenças correspondem, em todos os casos, a um aspecto mais fundamental. A associação estatística constante diferenças econômicas, sociais e culturais? observada entre uma alta taxa de imigração e uma taxa elevada de 3. As taxas de natalidade e as de imigração modificam as de e criminalidade em um mesmo bairro poderia levar a criminalidade? crer em uma relação de causa e efeito entre os dois fenômenos. Na verdade, porém, isso não ocorre: 4. É possível a existência de tipos de tratamento da crimina- lidade diferenciados segundo as zonas urbanas? Mesmo não havendo dúvidas de que a proporção de estrangeiros estudo de Shaw e McKay confirmou, tal como já era sabido e de negros é mais elevada nos bairros em que a é desde Burgess, que o desenvolvimento das cidades americanas se forte, os delinqüentes levados a julgamento não o são por serem filhos de imigrantes ou de negros, mas por outras razões, ligadas manifestara pela criação de regiões de habitação muito diferencia- à situação em que vivem. (pp. 163-164) das. Fundamentando-se em inúmeros dados empíricos e em cálcu- los estatísticos que relacionavam os dados da a Apesar disso, a segregação econômica não era a única chave variáveis sociais e Shaw e McKay mostraram que, para a análise do comportamento delinqüente, ainda que os indivíduos que moravam nessas regiões de pobreza tivessem mais 10. C. Shaw e H. McKay, Juvenile delinquency and urban areas: A study of rates of delinquents in relation to differential characteristics of local communities in american dificuldades em integrar e idealizar os valores da sociedade ameri- cities, Chicago, University of Chicago Press [1942], edição, 1969, 394 cana. As rápidas mudanças na composição da população, a idade 11. Os dados coletados por Shaw e McKay foram objeto de cálculos de correlação, ou a deterioração do quadro social podiam ser fatores de ruptura equações e regressão linear, e muitas vezes são apresentadas na forma de mapas que mostram as diferentes zonas de Sobre a importância das pesquisas da ordem social. Por outro lado, os valores e as normas sociais não quantitativas na Escola de Chicago, cf. capítulo IV. eram os mesmos nos bairros ricos, convencionais, e nos bairros de 74 75</p><p>alta criminalidade, onde a era glorificada e proporcio- ladrão profissional nava a seus autores prestígio e vantagens econômicas: "Nesses bairros, a desenvolveu-se sob a forma de uma tradição Em 1937, Edwin Sutherland publicou um estudo dedicado social, inseparável do modo de vida da comunidade" (p. 316). aos ladrões Tal como se vê pelo próprio subtítulo Em resumo, segundo Shaw e McKay, para entender e anali- (segundo o relato de um ladrão de profissão), estudo baseava-se sar fenômenos da e da criminalidade, é preciso no relato autobiográfico de um ladrão que exercera ofício por levar em conta três tipos de fatores: a situação econômica, a mais de 20 anos. mobilidade da população e a heterogeneidade da composição Segundo Sutherland, "a profissão de ladrão não consiste em desta, que se manifesta por uma grande proporção de uma série de atos isolados realizados com habilidade. Trata-se de A pobreza, uma grande mobilidade e uma alta heterogeneidade da uma vida de grupo e, ao mesmo tempo, de uma instituição social, população acarretam a ineficácia das estruturas comunitárias, o que possui sua técnica, seu código, seus estatutos, suas tradições que leva a um enfraquecimento do controle social; isto, por sua vez, favorece surgimento da e sua organização" (p. 9). Sutherland parece até fazer da profissão de ladrão uma atividade quase científica. De fato, supõe que Portanto, as soluções para a juvenil, que apre- aprendiz de ladrão deva aprender ofício como se estivesse senta uma grande estabilidade no tempo quando não há medidas estudando: de envergadura para combatê-la, passam por uma melhor organi- zação da comunidade e pela reabilitação de bairros Por outro lado, deverão ser privilegiadas as ações de prevenção, com A profissão de ladrão tem uma existência tão real quanto, por exemplo, a língua inglesa, e como esta pode ser estudada com um auxílio das famílias, da vizinhança, da escola e da igreja. Shaw e mínimo de empenho por qualquer "aprendiz de ladrão". Pode-se McKay concluíam que, nas grandes cidades, a só seria explicar esta profissão mediante a descrição das funções e dos reduzida se mudanças importantes melhorassem as condições modos de relações que ela implica; de fato, isto será apenas a econômicas e sociais em que jovens cresciam. Como a comuni- condição prévia para a compreensão da conduta deste ou daquele indivíduo, ladrão profissional... Toda a parte deste livro dade oferecia um quadro propício ao surgimento e ao desenvolvi- deveria ser lida com esse espírito. (p. 9) mento da era preciso estabelecer programas locais de ação comunitária capazes de melhorar, em todos os aspectos, a Na segunda parte de sua obra, Sutherland fazia uma síntese vida da comunidade desorganizada, seguindo exemplo, entre dos elementos etnográficos apresentados na primeira e sublinhava outros, do Chicago Area Project, programa estabelecido pelo mais uma vez a socialização do ladrão profissional: próprio Shaw em 1932 com uma meta simultânea de pesquisa científica e de mudança social. O programa era gerido pelos próprios moradores, que foram seus melhores promotores. Para ser ladrão profissional, é preciso ser reconhecido e recebido pelos outros ladrões profissionais. roubo é uma vida de grupo, 12. E. Sutherland, The professional thief, Chicago, University of Chicago Press, 1937; trad. franc. Le voleur professionel, Paris, Spès, 1963, 164 pp. 76 77</p><p>na qual se pode entrar e permanecer por consentimento do 4. O estudo mostrava "que os métodos punitivos e as refor- grupo. Para ser adotado de maneira definitiva, a fórmula absoluta, necessária e universal é, por um lado, ser reconhecido por seus mas administrativas são impotentes para estrangular a pares e, por outro lado, ter aceitado o conjunto dos estatutos da criminalidade" profissão e das leis do grupo... (pp. 150-151) Mesmo não sendo o roubo uma profissão douta, é-o com o mesmo direito que o 5. Podia constituir-se em um ponto de partida para estudos atletismo profissional, por exemplo. (p. 153) ulteriores "mais aprofundados". Ao descrever mundo dos ladrões e as técnicas que estes utilizavam em sua "profissão", ao evocar a repressão de que eram Esta obra de Sutherland, sem dúvida a mais famosa por ser objeto, mas também os favores de que se podiam beneficiar, a mais espetacular, foi muitas vezes criticada por limitar-se, na Sutherland traçava ao mesmo tempo um quadro da ordem social maior parte do tempo, a um relato descritivo. Na verdade, ela se em cujo seio essa "profissão" podia Evocava assim, integra no conjunto do trabalho de Sutherland e faz parte da por exemplo, as propinas pagas pelos ladrões aos advogados, construção teórica que este elaborou sobre a criminalidade dos banqueiros, policiais e, às vezes, aos "colarinhos brancos", por Sutherland, verdadeiro fun- dador da sociologia da considerava a criminalidade como, antes de mais nada, resultado de um processo social. Segundo ele, a não é provocada por um comporta- Nesse estado de moral, o criminoso pcde navegar à vontade. Esse clima poderia ser chamado, em duas palavras, de mento psicológico ou patológico; mesmo havendo, é claro, um "desorganização na qual não somente ninguém trabalha componente individual na criminalidade, a influência da organiza- para suprimir crime, mas os próprios funcionários cooperam ção social e da herança cultural sobre indivíduo são fatores com os bandidos para que estes atuem com toda a segurança. Essa determinantes. Segundo Sutherland, não se nasce desviante ou ausência de unidade para fazer reinar a ordem e bem-estar geral chama-se desorganização social. (p. 157) mas fica-se sendo por "associação diferencial", por aprendizagem, por se estar exposto a um meio criminoso que considera como "natural" essa atividade e que impõe ao indivíduo Para Sutherland, seu livro era interessante por cinco razões: uma carga de significações sociais e de "definições da situação": não se é desviante ou delinqüente por afinidade, mas por filiação, 1. Dava a conhecer à burguesia um meio social que esta o que supõe uma conversão do indivíduo, confrontado a vários ignorava. mundos culturais diferentes e conflitantes, que Sutherland chamou 2. Permitia estudar quadro e as características do grupo de "organizações sociais diferenciais", com integridade e funciona- social dos mento próprios. Esta ecologia da elaborada em Chicago, especialmente por Sutherland, foi importante na medida 3. Contribuía para a sociologia pondo em evidência funcio- namento das instituições sociais e relaxamento moral 13. E. Sutherland, Nova York, Holt, Rinehart & Winston, 1949, reeditado destas. em 1983: White collar The uncut version, New Haven, Conn., Yale University Press, 272 pp. 78 79</p><p>em que veio a dar origem, 20 anos depois, às teorias modernas sobre desvio, em particular a labeling theory, que, mesmo ultrapassando as orientações iniciais, apoiou-se sobre o conjunto desses trabalhos (Lemert, 1951 e 1967; Becker, 1963; Matza, 4 MÉTODOS DE PESQUISA No trabalho que dedicou à obra de William Thomas, Morris afirma que "se existiu uma Escola de Chicago, foi caracterizada por uma abordagem empírica que se propunha estudar a sociedade em seu conjunto" (p. VIII). De fato, as pesquisas desenvolvidas em Chicago caracteriza- ram-se por sua preferência pelo conhecimento prático direto. Na introdução já mencionada ao trabalho de C. Shaw, The jack-roller, H. Becker resume a perspectiva de pesquisa de campo desenvol- vida pela Escola de Chicago: 14. E. Lemert, Social pathology: A systematic approach to the theory of sociopatic Para entender a conduta de um indivíduo, devemos saber como Nova York, McGraw-Hill, 1951, 460 pp.; E. Lemert, Human deviance, social problems ele percebia a situação, os que julgava ter de enfrentar, and social control, Englewood NJ, 1967, 212 pp.; H. Becker, Outsiders Studies in the sociology of deviance, Nova York, Free Press, 1963; trad. franc. Etudes de sociologie de la déviance, prefácio de J.-M. Chapoulie, Paris, A.-M. 1985f. 248 pp.; D. Matza, Becoming Deviant, Englewood Cliffs, NJ. Prentice- 1. M. Janowitz, em M. Janowitz (org.), W.I. Thomas, On social organiza- Hall, 1969, 204 pp. tion and social personality, op. cit. 80 81</p><p>as alternativas que via abrirem-se à sua frente; não podemos compreender os efeitos do campo de possibilidades, das subcul- sociologia americana a partir da Segunda Guerra Mundial. Chicago, turas da das normas sociais e outras explicações, a portanto, não foi apenas reino do paradigma qualitativo, mas foi não ser considerando-os do ponto de vista do igualmente um dos cadinhos em que se formou paradigma quantitativo. É por isso que, após termos examinado em primeiro Evidentemente, uma tal concepção da pesquisa viria a indu- lugar os diversos métodos qualitativos e as consideráveis mudanças zir técnicas particulares de pesquisa de campo, agrupadas sob que estes introduziram na pesquisa, exporemos também as premis- título de sociologia qualitativa. Por um lado, seriam utilizados sas dessa sociologia quantitativa. documentos pessoais, tais como as autobiografias, a correspondên- cia particular, diários e os relatos feitos pelos próprios indivíduos de que tratava a pesquisa; por outro lado, trabalho de campo, Os documentos pessoais que pesquisadores de também de estudo de caso, baseado em diversas técnicas como a observação, a entrevis- Já vimos que uma das características principais da sociologia ta, testemunho ou, ainda, que foi chamado de observação de Chicago é a pesquisa empírica, trabalho concreto de campo, participativa; esta, como veremos, pode assumir várias formas, e e que foi essa orientação que lhe trouxe a reputação e a influência sua importância e utilização nas pesquisas realizadas em Chicago que teve sobre a sociologia mundial. deve ser vista de modo relativo. Finalmente, muitas das pesquisas realizadas em Chicago baseavam-se em um trabalho documental Antes de mais nada, é preciso observar que há poucas que mostraremos a seguir reflexões metodológicas na maior parte das monografias da Escola de Chicago. Com a notável exceção da "nota metodológica" que Tampouco podemos negligenciar, se quisermos examinar Thomas e introduziram em sua obra, mas que, na conjunto dos métodos de pesquisa utilizados pelos verdade, tinha uma vocação essencialmente teórica, não há qual- pesquisadores da Escola de Chicago, aporte e desenvolvimento quer traço de uma reflexão sistemática sobre os métodos utilizados, da pesquisa de tipo quantitativo. Com efeito, se é legítimo caracte- mesmo havendo em certos estudos algumas interrogações. A rizar a sociologia de Chicago antes de mais nada pela importância maioria dos estudos empíricos foram supervisionados por Park, e a originalidade de suas pesquisas qualitativas, que constituem cujo passado de jornalista entre 1891 e 1898 influenciou-o muito seu patrimônio mais célebre, pode-se também lamentar que aque- na questão dos métodos de investigação: les que a comentaram tenham tido tendência a ocultar fato de que paralelamente, entre 1930 e 1940, começou a desenvolver-se ali uma sociologia quantitativa, com certeza marginal em seus Escrevi sobre todo tipo de temas e foi assim que conheci intima- mente diferentes aspectos da cidade... Adcuiri, entre outras coisas, primórdios, mas que viria a prefigurar traços dominantes da uma concepção da cidade, da comunidade e da região, não no sentido do fenômeno geográfico, mas como organismo 2. Este trecho do texto de H. Becker foi extraído da tradução feita por Suzanne e Jean Peneff, "Biographie et mosaique scientifique", Actes de la Recberche en Sciences Sociales, 62/63, junho de 1986, pp. 105-110. 3. R. Park, "An autobiographical note", em R. Park, Race and culture, Glencoe, Ill., Free Press, 1950, p. VIII. 82 83</p><p>Já em 1915, em seu famoso artigo sobre "The City", Park zavam a seus alunos. Com esta pesquisa, pela primeira vez na afirmou estar convencido da possibilidade de utilizar os métodos história da sociologia "oficial", passamos da pesquisa em biblioteca da etnologia no estudo das relações sociais urbanas: à pesquisa de campo, e por muito tempo a obra foi vista como modelo da sociologia americana. Seja como for, ela abriu uma primeira época da sociologia de Chicago aquela de que se Os mesmos métodos pacientes de observação que os etnólogos como Boas e Lowie puseram em ação para estudar a vida e os costuma falar ao empregar a expressão "Escola de Chicago" costumes dos índios da do Norte poderiam ser utilizados, encerrada com a publicação, em 1949, da obra de Stouffer, The de maneira ainda mais frutifera, para estudar os costumes, as american soldier, que, ao contrário, viria a inaugurar uma nova era, crenças, as práticas sociais e as concepções gerais da vida dos quantitativa, da sociologia habitantes de Little Italy, na região norte de Chicago, ou para dar conta dos costumes mais sofisticados dos habitantes de Greenwich Segundo Blumer,6 encarregado pelo Social Science Research Village ou de Washington Square, em Nova Council de fazer uma resenha crítica do livro, não se devia considerá-lo tanto como uma monografia sobre a sociedade cam- Foi por esse motivo que Park veio a considerar a cidade ponesa polonesa, mas antes como um verdadeiro manifesto cien- como o laboratório de pesquisas por excelência da sociologia, que tífico, ao mesmo tempo metodológico e teórico, com quatro metas deveria estudar o homem em seu ambiente natural, à maneira dos fundamentais: escritores naturalistas cuja leitura Park e Burgess recomendavam, em particular Emile Zola e Sherwood Anderson. Neste caso, a recomendação explícita de Park era no sentido de usar diversos construir uma abordagem adaptada à complexa vida social métodos de observação, que passaremos a definir mediante moderna; exame das metodologias de coleta de dados qualitativos emprega- das em várias das obras da Escola de Chicago. adotar uma abordagem compatível com a mudança e a interação que caracterizam a social; The polish peasant in Europe and in America distinguir os "fatores subjetivos" e estudar a interação A obra de Thomas e Znaniecki representou um enorme destes com os fatores objetivos; trabalho (2.232 páginas) que se propôs estudar empiricamente a dispor de um quadro téorico com fim de estudar a vida vida social dos camponeses poloneses em seu país de origem ou social. emigrados para os Estados Unidos. No plano metodológico, rom- peu com as tradições anteriores e, principalmente, pôs em prática os diferentes conselhos que os professores de Chicago prodigali- 5. S. Stouffer, E. Suchman, L. de Vinney, S. Star e Williams Jr., The american vol. I: Adjustment during army life, Princeton University Press, S. Stouffer, A. Lumsdaine, R. Williams Jr., M. Smith, I. Janis, S. Star e L. Cottrell Jr., The american soldier, vol. II: Combat and its aftermath, Princeton, Princeton University 4. Artigo reproduzido em R. Park, "The City: Suggestions for the investigation of human Press, 1949. behavior in the urban environment", em R. Park, E. Burgess e R. McKenzie, The City, 6. H. Blumer, Critiques of Research in the Social Sciences, 1: An Appraisal of Thomas and Chicago, University of Chicago Press, [1925], 1984, pp. 1-46. A tradução deste artigo Znaniecki's The polish peasant in Europe and America, Nova York, Social Science aparece em Y. Grafmeyer e I. Joseph, op. cit., 1990, pp. 83-130. Research Council, Boletim 44, 1939, 210 pp. 84 85</p><p>A obra de Thomas e Znaniecki inaugurou a utilização de doutorado, em 1896.7 Viajou por vários países, encontrou campo- novos tipos de documentos de pesquisa sociológica, tais como a neses e teve a idéia, segundo escreveu, de que "seria interessante autobiografia, a correspondência pessoal, os diários íntimos ou estudar um grupo europeu do qual vêm os candidatos à emigração ainda os relatos pessoais e os testemunhos diretos. Aplicando um para os Estados Unidos, e depois estudar um grupo corresponden- dos princípios do interacionismo, Thomas e Znaniecki levaram em te na América, para tentar entender em que medida comporta- conta ponto de vista subjetivo dos indivíduos, sem deixar de lado mento deles no novo país pode ser explicado pelos hábitos de seu projeto de construir, baseados nessas subjetividades individuais, país de origem". uma sociologia científica que fosse capaz de distinguir e construir Nessa época, nos Estados Unidos em geral e em Chicago em teoricamente tipos Era esta a forma de investigação que particular, os imigrantes poloneses constituíam precisamente um Park exigia de seus alunos, e é assim que se deve interpretar a sua problema específico, que Thomas quis estudar como estranha recomendação no sentido de considerar a sociologia Com efeito, o comportamento deles era incompreensível: ou acei- como uma "forma de jornalismo superior", quando, ao mesmo tavam passivamente a autoridade, "como camponeses aceitando tempo, ele tomava muito cuidado em fazer da sociologia uma seu suserano", ou, ao contrário, consideravam a liberdade ameri- atividade científica autêntica e objetiva. Este paradoxo e mesmo cana como sem limites e conduziam uma verdadeira "guerra" esta contradição, explica-se por uma dupla por um contra a polícia. lado, a sociologia devia a si mesma a objetividade, a fim de libertar-se da assistência social; por outro lado, poderia ser objetiva Foi para tentar explicar esses comportamentos que Thomas caso se apoiasse na subjetividade dos agentes, cujos testemunhos teve a idéia de usar históricos de vida e cartas que permitiriam deveriam ser recolhidos à maneira de um jornalista, que Park fora entender e "objetivar" segundo a expressão que se utilizaria hoje por vários anos antes de se tornar professor de sociologia em em dia, mas que Thomas não empregou suas condições de vida, Chicago. suas atitudes e sua maneira de "definir a situação" (Thomas, 1918, p. 68). Para poder interpretar comportamentos, em um primeiro Do mesmo modo, contrariamente ao que poderia deixar momento incompreensíveis, dos emigrantes poloneses, é preciso transparecer a sua escolha metodológica qualitativa, e ao contrá- poder conhecer o significado subjetivo que estes atribuem à sua rio da ênfase exagerada que se dá às vezes à questão do própria ação (p. 38). Desse modo, a transformação social é envolvimento do pesquisador envolvimento este do qual se entendida como resultado de uma interação permanente entre a pretende fazer um conceito motor da pesquisa contemporânea consciência individual e a realidade social objetiva. Thomas quis adotar uma abordagem distanciada, não emocio- nal, objetiva, em uma palavra, dos fenômenos sociais que Thomas só conseguiu iniciar sua pesquisa em 1908, após ter estava obtido de um fundo particular um financiamento substancial (50 Tal como já foi mencionado na primeira parte, milhões de 7. W. Thomas, On a difference of the metabolism of the sexes; Ph.D., Universidade de imigrantes vindos da Europa central e do sul chegaram aos Estados Chicago, 1896. Unidos no final do século XIX. Thomas, que era instrutor de 8. Correspondência de W. Thomas com Dorothy Thomas, janeiro de 1935: "How The polish peasant came about", arquivos da Universidade de Chicago, p. 1 (citado em sociologia em 1895, partiu para a Europa após concluir seu Bulmer, 1984, p. 238). 86 87</p><p>mil dólares da Com isso, pôde dedicar vários anos a essa sobre valores na filosofia, outro sobre humanismo e saber, investigação monumental sobre os problemas da emigração euro- e havia também feito investigações sobre a sociologia da emigra- péia para a América. Foi à Europa para escolher um grupo ção. Segundo Thomas, Znaniecki aceitou ajudá-lo, principalmente específico de emigrantes e, após ter hesitado entre italianos, judeus fornecendo-lhe dados importantes sobre a emigração polonesa. e poloneses, decidiu concentrar-se nestes últimos, por existir já Em 1914, tendo nesse meio tempo estourado a guerra na Europa, uma massa de documentos sobre campesinato Znaniecki juntou-se a Thomas em Chicago, que empregou imediatamente para tocar projeto até a publicação, em 1918, da Entre 1908 e 1913, Thomas passou vários meses por ano na primeira parte de The polish peasant, em cuja escritura Znaniecki Europa, fazendo-se substituir na Universidade de Chicago graças teve uma grande participação. aos créditos de pesquisa de que dispunha. Foi diversas vezes a Varsóvia, a Potznan e à Cracóvia, aprendeu polonês, viajou sem Os métodos utilizados por Thomas cessar pela zona rural polonesa e acumulou uma enorme massa de documentos, "equivalente em volume", disse, à Encyclopaedia Enquanto Thomas se dedicava, ajudado por um pesquisador Sua ambição ampliou-se, pois por algum tempo assistente polonês, a explorar os documentos coletados na Polônia, considerou a hipótese de fazer um estudo comparativo da vida Znaniecki, por seu lado, reunia todos os documentos existentes camponesa na Europa: na Polônia, na Hungria, na Rússia, na Itália, sobre a vida dos poloneses já instalados nos Estados Unidos: na na Romênia e na Irlanda, bem como entre os judeus arquivos das associações americano-polonesas, dos tribunais, de da Europa Oriental. Pensou também em comparar esses diferentes diversas associações de assistência social. Coletou também cartas grupos com a condição dos negros nos Estados Unidos. trocadas entre famílias polonesas que viviam nos Estados Unidos e na Polônia e ajudou Wladek Wiszniewski, protagonista de um Foi em Varsóvia, em 1913, que Thomas conheceu Florian longo relato autobiográfico publicado em The polish peasant, a Znaniecki, então com 31 anos de idade, que dirigia uma associação escrever a história de sua vida. de defesa dos emigrantes poloneses. Filósofo, fizera seus estudos em Genebra, Zurique e Paris, onde havia as Thomas não utilizou método conhecido como observação aulas de Já havia publicado dois livros em polonês, um participativa, mas que chamou de "material documental", tal como escreveu em 1912 a Samuel per-especialista em Rússia 9. Helen Culver, rica herdeira dos Hull, financiava pesquisas e cursos sobre as raças e as e filho do ex-presidente Harper, fundador da Universidade de relações 10. É preciso enfatizar também que imigrantes poloneses representavam, entre 1899 e Chicago -em um documento que resume as grandes linhas e 1910, um quarto do total de imigrantes nos Estados Unidos. Chicago, por exemplo, explica a pesquisa que começara quatro anos antes: tinha-se tornado, depois de Varsóvia e Lotz, a terceira cidade polonesa do mundo, assim como era, a terceira cidade e a terceira sueca. De onde evidente interesse da pesquisa de Thomas, que ainda por cima apareceu no momento em que debate sobre a oportunidade de se parar a imigração tomara-se uma questão Interesso-me sobretudo por aquilo que chamo de "documentos 11. Thomas coletou cerca de oito mil documentos diferentes, principalmente 20 anos da Gazeta Swiateczna, que, segundo ele, foi "uma das fontes mais importantes". Tratava-se incomuns", isto é, cartas, artigos de jornal, arquivos de tribunais, de um semanário de oposição e de resistência à ocupação russa destinado aos camponeses sermões de padres, brochuras de políticos, notas prove- poloneses, no qual eles mesmos escreviam sobre os mais diversos temas. nientes de sociedades de agricultura e todo documento que reflita 12. Znaniecki publicou, em 1913, uma tradução para de L'évolution créatrice. a vida mental, social e econômica dos camponeses e dos judeus. 88 89</p><p>Comentando em 1939 a metodologia empregada em The Pode-se dizer com certeza que documentos pessoais, tão polish peasant, Thomas, após ter sugerido que a não-utilização de completos quanto possível, constituem tipo perfeito de material sociológico. Se a ciência é obrigada a usar outras fontes, isso se estatísticas era tanto devida aos métodos empregados quanto à deve apenas à dificuldade prática de tais documentos em um natureza do material sociológico coletado, escreveu: "É evidente número suficiente para cobrir o conjunto dos problemas socioló- que os estudos estatísticos do comportamento das populações gicos, bem como ao enorme trabalho exigido por uma análise terão pouco significado enquanto os dados estatísticos não forem adequada de todos os documentos pessoais necessários para caracterizar a vida de um grupo social. (pp. 1832-1833) apoiados pelas histórias de vida dos 13 Thomas encontrou as dificuldades de praxe do pesquisador Estas recomendações e esta preocupação com contato de campo que queira praticar a etnografia. Entre outras coisas, era direto com os indivíduos dos diferentes grupos sociais envolvidos preciso conquistar a confiança daqueles que estava pesquisando. podem ser encontradas em muitas das pesquisas que seriam Por isso, teve de barganhar arduamente acesso às oito mil cartas realizadas em Chicago até meados dos anos 1930: os documentos que os emigrantes poloneses haviam enviado à Gazeta pessoais, contato direto, permitiriam estudar o mundo social do ponto de vista dos agentes que vivem e atuam nesse mundo. A a) As cartas Uma das grandes inovações metodológicas inovação metodológica de Thomas e Znaniecki teve de Thomas foi, com efeito, uso de cartas pessoais como docu- importantes para desenvolvimento futuro da sociologia america- mentos etnográficos de pesquisa. Colocando anúncios nos jornais na; esses princípios, complementados por outros instrumentos poloneses publicados em Chicago, propôs às famílias polonesas metodológicos como a observação ou diversas formas de entrevis- que recebiam regularmente correspondência da Polônia ler às ta, eram os que seriam depois adotados pelos sociólogos filiados a cartas delas, em troca do que receberiam dez centavos por cada diversas correntes da sociologia qualitativa. carta trazida! Juntou assim um grande número de cartas, muitas das b) O histórico de vida tipo de dado empírico quais foram publicadas, agrupadas segundo temas dife- utilizado foi histórico de vida, técnica que permitia penetrar e rentes, em The polish peasant. Cada tema foi objeto de uma compreender, desde interior, mundo do O primeiro introdução teórica, inúmeros comentários teóricos foram espalha- dos pelas notas, e Thomas e Znaniecki escreveram uma longa exemplo de histórico de vida utilizado como documento socioló- introdução de 200 páginas sobre a vida camponesa polonesa. gico é que Thomas e Znaniecki pediram que Wladek escrevesse em The polish peasant. Thomas atribuía uma importância primordial aos documen- Wladek Wiszniewski, encontrado graças aos anúncios publi- tos de primeira mão, como os escritos pelos próprios camponeses cados por Thomas nos jornais, escreveu sua autobiografia, cuja à Gazeta Swiateczna: veracidade foi controlada comparando-a com a correspondência 14. Sobre o histórico de vida como método de pesquisa, pode-se consultar, em o 13. Thomas, "Comment by W.I. pp. 82-87, em R. Bain e H. Blumer, Critiques livro de Jean Peneff: La biographique, Paris, Colin, 1990, 144 ver of Research in the Social Sciences, 2: Proceedings of the Conference on Blumer's Analysis, G. Pineau e G. Jobert, Histoires de vie, Paris, L'Harmattan, 1989, 2 tomos, Nova York, Social Science Council, Boletim 44, 1939, 210 pp. 240 pp. e 286 pp. 90 91</p><p>mantida com a família dele, que ficara na Pago para aconteceu, por exemplo, na investigação já mencionada realizada escrever a história de sua vida, Wladek foi considerado por Thomas por Johnson (1922) após os tumultos raciais de 1919. De maneira e Znaniecki como representativo do imigrante polonês de origem clássica, essa comissão ouviu responsáveis sindicais, patronais, camponesa. Mesmo resumindo alguns trechos para reduzir à políticos e educativos, coletando assim testemunhos diretos dos metade material coletado, documento publicado atingia 312 acontecimentos. Foram realizadas mesas redondas e mais de 800 páginas, e era abundantemente comentado em notas de rodapé. entrevistas com trabalhadores negros. Por outro lado, três entrevis- Como na maior parte das pesquisas da Escola de Chicago, a tadoras negras fizeram cerca de 300 entrevistas em profundidade utilização de documentos pessoais, que constitui uma originalidade com famílias negras. E, em vez de dar a esses dados um tratamento incontestável da obra de Thomas e Znaniecki, foi conjugada a quantitativo, 17 famílias consideradas típicas e representativas outros métodos de coleta de dados. Além dos documentos pes- foram, ao contrário, objeto de um histórico de vida detalhado. soais, Thomas e Znaniecki empregaram também fontes documen- Utilizaram-se ainda outras técnicas de pesquisa, como a circulação tárias mais clássicas, sobretudo na história ou no jornalismo inves- de um questionário detalhado para que uma amostra de brancos e tigativo: jornais diários, arquivos de igrejas, de instituições de negros respondesse, a fim de entender em profundidade como se assistência social, minutas de processos. As inovações introduzidas mutuamente as duas raças. O tratamento de todos por Thomas e Znaniecki em matéria de métodos de pesquisa de esses dados não foi, é claro, tão sofisticado quanto poderia ter sido campo detiveram-se nisso. Não utilizaram, por exemplo, instru- em nossos dias, mas foi utilizada toda uma gama de dados tais mentos que hoje se tornaram clássicos, tais como a observação e como os provenientes de recenseamentos populacionais, prefigu- a entrevista. Na verdade, de acordo com sua concepção "naturalis- rando que viria a ser tratamento de dados na sociologia moderna. ta" da sociologia, curiosamente Thomas achava que a entrevista era, da parte do entrevistador, uma manipulação do entrevistado, O histórico de vida propriamente dito não foi utilizado de mas ao mesmo tempo aceitava de boa vontade coletar testemunhos maneira repetida pelos sociólogos de Chicago. Com exceção do de diversos informantes, como, por exemplo, os assistentes sociais estudo de Thomas e Znaniecki, em que as cartas, por um lado, e e os professores: a autobiografia de Wladek pelo outro, são naturalmente relativas a esse recurso ao histórico de vida foi relativamente pouco frequente. Encontramos alguns exemplos em pesquisas que reco- No conjunto, as entrevistas podem ser consideradas como uma lhiam testemunho de jovens ladrões, de e de fonte de erro se forem utilizadas com fins de comparação para observações gângsteres, mas nem próprio Thomas (1924) recorreria a ele em seu estudo sobre os delinqüentes. Neste estudo, Thomas serviu-se de documentos oficiais tais como autos forenses, relatórios de No entanto, essa técnica, somada à observação de tipo assistentes sociais, mas pareceu ter-se afastado do histórico de vida jornalístico, seria utilizada em inúmeras outras pesquisas. Foi o que como técnica de coleta de dados e de fundamentação da argumen- tação. É certo que histórico nem sempre oferece garantias 15. W. Thomas, "Race psychology: Standpoint and questionnaire with particular reference to the immigrant and the negro", American Journal of 17, maio de 1912, p. 771. 92 93</p><p>científicas suficientes, na medida em que os dados se referem a cotidiana, sua prática, sua maneira de analisar o mundo que fatos passados que não podem ser verificados pelos pesquisadores. rodeia, não só para viver nele, mas, principalmente, no caso de um Outros trabalhos empregaram histórico de vida, como por ladrão profissional, para trabalhar. Sutherland transformou seu exemplo o estudo já citado de Sutherland (1937) dedicado aos informante em assistente de pesquisa. Este, pela descrição que faz ladrões profissionais, que nos proporcionou uma oportunidade de de seu próprio mundo, tornou-se um etnólogo reflexivo do mundo abordar uma característica particular da pesquisa etnográfica. em que vivia. Temos assim diante de nós não apenas sujeito empírico, tal como se apresentou a Sutherland e a todo leitor de Sujeito empírico e sujeito analítico seu relato, mas também, de modo muito mais interessante para sociólogo, o sujeito ou seja, aquele que nos mostra de Sutherland revelou os métodos empregados ao longo de sua que modo está analisando a própria vida cotidiana para dar-lhe um investigação. A primeira parte da obra consiste em um relato da sentido e para poder tomar suas decisões, em função do contexto, vida cotidiana e das diferentes práticas dos ladrões profissionais: em função de sua definição da situação. Desse modo, franqueia- roubos, estelionato, conto do vigário, fraude, extorsão etc. Ela foi nos o acesso à sua maneira de raciocinar, de reagir perante esta ou redigida, a pedido de Sutherland, por um ladrão profissional que aquela situação, de ancorar sua racionalidade em constante rema- exercera o ofício por 20 anos. nejamento. Vemos de que maneira ele inventa soluções, mesmo que relato adote constantemente um estilo impessoal. Nisso é possível reconhecer claramente um dos princípios do interacionismo na sociologia: deve-se compreender que os Que meios tem então autor para verificar a veracidade dos indivíduos fazem acedendo, desde interior, ao seu mundo fatos relatados por seu "assistente", a realidade de suas análises, a particular, e antes de mais nada descrever os mundos particulares validade de suas descrições? Por se tratar de um testemunho, dos indivíduos cujas práticas sociais se quer entender e analisar. Sutherland estava cônscio do risco científico que estava correndo se quisesse basear seu trabalho de pesquisa apenas nesse material: O que talvez seja ainda mais importante é que Sutherland parece ter intuído uso que se poderia fazer da reflexividade na análise sociológica. Com efeito, pode-se fazer uma aproximação Para compensar as insuficiências de uma confissão única e a entre o modo como ele considera a atividade dos ladrões "científi- parcialidade de experiências necessariamente limitadas, submeti o ca", refletida, racional e, em resumo, accountable, com o tratamen- manuscrito a quatro outros ladrões profissionais e a dois ex-poli- Por outro lado, sem mostrar o manuscrito, discuti os mesmos to que a dá à reflexividade, que é a propriedade problemas com diversos ladrões profissionais, com membros da que mundo social apresenta de servir ao mesmo tempo como polícia particular e da polícia oficial e com empregados de lojas. quadro para a ação e como suporte necessário dessa ação. O (pp. 7-8) método empregado por Sutherland foi interessante nesse sentido: fazer com que próprio ladrão descrevesse em detalhes sua vida Sutherland utilizou essas outras fontes e essas verificações comentando o relato por meio de inúmeras notas de rodapé. Em 16. Para uma apresentação da etnometodologia, ver meu livro seu conjunto, considerou ele, "essas informações suplementares Paris, UF [1987], edição, 1993 ("Que n° 2393), 128 provenientes de fontes diversas corroboram as idéias fundamentais 94 95</p><p>expostas no manuscrito. Encontram-se apenas contradições de autobiografia de Stanley mostrava, segundo Burgess, como a detalhe, ou informações que completam que dissemos" (p. 8). se constrói socialmente, e permitia estabelecer um vínculo efetivo entre a personalidade do indivíduo e seu ambiente A juvenil social. No prefácio que escreveu para a primeira edição do livro de Além disso, escreveu Burgess (p. 185), estudo de Shaw Shaw, The jack-roller, E. Burgess comparou a função do histórico apoiava-se em outros resultados, dessa vez estatísticos, que este de vida no estudo da personalidade dos indivíduos à do último publicara em Delinquency areas. Estatísticas à parte, caso pio nas ciências naturais. Essas duas técnicas, afirmou ele, permi- de Stanley era típico porque ele era representativo de sua espécie, tem-nos não permanecer na superfície dos fenômenos e penetrar no sentido botânico ou zoológico da palavra: "Na carreira de sua realidade oculta: "Como um microscópio, histórico de vida Stanley, é impressionante quanto ele representa e expressa as permite estudar em detalhes a interação entre os processos mentais atitudes, os hábitos, a filosofia de vida do mundo criminoso" (p. e as relações sociais" (p. XI). 187). Por outro lado, Burgess considerava que a autobiografia de Stanley, os relatos feitos por seus pais e as entrevistas com a sua Em uma longa introdução, Shaw demonstrou estar plena- família eram dados objetivos, pois se tratava de documentos mente consciente dos problemas científicos colocados pelo histó- enunciados na primeira pessoa. À pergunta sobre como verificar a rico de vida. Tal como Burgess, considerava que o histórico de vida validade dos relatos e que grau de confiança se lhes podia atribuir, fornece ao pesquisador hipóteses que em seguida podem ser Burgess respondeu que a solução era controlar os relatos com verificadas através de outros históricos de vida ou de análises outros Mas mais importante era que Stanley revelava o ticas que seriam, segundo ele, métodos complementares (p. 19). que se queria saber, ou seja, suas reações pessoais e a sua própria interpretação de suas experiências. Segundo Burgess, delin- Por último, no final do livro de Shaw (pp. 184-197), Burgess qüentes mentem quando em uma situação em que podem ser defendeu o método do histórico de vida, sem contudo ocultar que punidos, mas não fazem quando estão lidando com psicólogos, não confia nele a menos que seja objeto de minucio- sociólogos ou médicos, na medida em que a pesquisa científica sas, sobretudo no plano da representatividade dos dados coleta- disse Burgess, talvez um tanto ingenuamente traga uma solução dos. De fato, é preciso lembrar que em 1930, no mesmo ano em para os seus problemas. que foi publicado The jack-roller, Stouffer havia defendido a sua tese, na qual sustentava a idéia de que as estatíticas eram um A melhor garantia é a espontaneidade e a liberdade de tom método de pesquisa mais eficaz e mais sério do ponto de vista que conta a sua história (p. 188). Nisso reside a científico do que o histórico de vida, ou, de maneira mais geral, do superioridade do histórico de vida com relação às perguntas que o estudo de caso e a pesquisa etnográfica. Burgess, ao "secas" que um pesquisador pode fazer. Fosse como fosse, o que contrário, afirmava que histórico de vida não apresenta apenas interessava não era a verdade a propósito dos fatos, mas as reações um interesse literário, mas é objetivo. No caso de Stanley, segundo do sujeito aos acontecimentos de sua experiência (p. 189). O leitor Burgess, esse método representara bem a sua carreira de delin- era assim "introduzido em um mundo em que pode compreender qüente, e o relato fora validado por diversos testemunhos. A intimamente os fatores sociais que condicionam e balizam a 96 97</p><p>carreira de um criminoso" (p. 189) e Stanley proporcionava um O trabalho de campo relato que dizia respeito às experiências reais de milhares de delinqüentes e criminosos. Entre 1921 e 1931, quinze pescuisas urbanas sobre um aspecto da vida urbana seriam realizadas por estudantes inscritos Burgess chegou a propor que histórico de vida fosse para uma tese orientada por Park. O conjunto dos métodos sistematicamente empregado como um meio de abordar os delin- utilizados pelos alunos de Park e Burgess era, na época, pouco e os criminosos e entender a vida e as reações deles, e que estruturado e ainda pouco refletido. poderia até servir como um meio de tratamento (pp. Participar para observar Pela primeira campo da esta ra-oferece-nos um material adequado para analisar e descrever comportamento Escolher um método é escolher uma teoria. Como nenhuma do em termos de fatores culturais.. Ele mostra-nos de metodologia se justifica por si mesma, para compreender essa que modo os modelos culturais, em sua família, entre seus vizi- escolha e seu uso, é preciso aproximá-la da teoria com a qual é nhos, nos grupos e criminosos que frequenta e compatível e até mesmo que ela por vezes representa. Desse ponto particularmente, nas instituições penais e correcionais, definem suas visões do mundo e suas atitudes, controlando, de maneira de vista, não é de estranhar que se encontre nos sociólogos de quase determinista, seu comportamento. (p. 197) Chicago a postura metodológica de linha interacionista que Blumer (1966) recordou em um artigo dedicado ao pensamento de Os É preciso assumir papel do agente e ver o seu mundo do seu O histórico de vida também foi empregado no estudo que ponto de vista. Esta abordagem metodológica contrasta com a chamada abordagem objetiva, tão dominante hoje em dia, que vê Nels Anderson (1923) realizou sobre os trabalhadores migrantes agente e sua ação da perspectiva de um observador distanciado conhecidos como bobos, em sua maioria trabalhadores agrícolas exterior. (...) O agente atua no mundo em função da maneira como que vagavam ao sabor de empregos precários e sazonais. Ander- vê e não como aparece a um observador externo. (p. 542) son, tendo conhecido esse tipo de vida, passou a estudar os hobos de certos bairros de Chicago, usando técnicas etnográficas que, na As pesquisas sociológicas que se inserem na perspectiva nossa época, seriam consideradas clássicas: inserindo-se no meio, interacionista sempre se apóiam em diversas formas de observa- pôde entabular conversações e recolher relatos de vida feitos por ção participativa. Certas correntes etnográficas até adotaram o seus companheiros, ou conduzir entrevistas informais, sem contu- modelo do observador completamente "imerso" em seu campo, do revelar que estava fazendo uma pesquisa. Mais tarde, isso viria que seria uma das três figuras catalogadas por Patricia Adler e a ser chamado de pesquisador participativo "clandestino" ou "ocul- Peter em sua tentativa de taxinomia das posições de to", por oposição ao pesquisador participativo que ocultar, à vista de todos, "a descoberto". Tratava-se, portanto, de 17. H. "Sociological implications of the thought of George Herbert Mead", uma das formas extremas de observação participativa, que passa- Journal of Sociology, 71, 5, 1966, pp. 535-544. 18. P.A Adler e P. Adler, Membership roles in field research, Qualitative Research Methods, remos a examinar em seguida. vol. 6, Newbury Park, Sage, 1987, 96 pp. 98 99</p>

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