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<p>Resumo do livro - ANTUNES, M. A psicologia no Brasil: leitura histórica sobre sua constituição. SP 2005.</p><p>Capítulo 1 – A psicologia em instituições médicas</p><p>1. Introdução</p><p>O livro traz uma discussão da relação entre a psicologia e as instituições médicas no Brasil,</p><p>especialmente durante os séculos XIX e XX. Ele destaca o papel dos hospícios e outras instituições</p><p>correlatas na formação da psicologia como prática médica e aborda o impacto dessas instituições na</p><p>formação dos primeiros psicólogos no país, que muitas vezes eram médicos psiquiatras ou filósofos</p><p>interessados em compreender as doenças mentais.</p><p>Nesse período do século XIX para o século XX, as questões psiquiátricas começaram a se definir com mais</p><p>clareza, estabelecendo de forma mais precisa os limites com a Psicologia. O avanço dos conhecimentos e</p><p>as aplicações práticas de cada área foram cruciais para essa diferenciação mais acentuada.</p><p>No mesmo período, o país ainda enfrentava sérias dificuldades em saneamento e saúde, similares ou piores</p><p>que no século anterior. Intelectuais e políticos pediam ações médicas concretas para combater as doenças</p><p>infecciosas. Esse movimento, ligado à Higiene no início do século XX, abriu espaço para o desenvolvimento</p><p>da Higiene Mental. As ligas de Higiene Mental, derivadas da Higiene geral, foram fundamentais para a</p><p>pesquisa e práticas em Psicologia.</p><p>1.1 Os hospícios e algumas instituições correlatas</p><p>O pensamento psiquiátrico brasileiro da época era eclético, combinando o alienismo clássico com o</p><p>organicismo, e a teoria da degenerescência, que enfatizava a influência hereditária na loucura (o termo</p><p>"alienismo" foi usado para descrever o cuidado e a ajuda que se prestava a pessoas com transtornos</p><p>mentais, que eram entendidas como "alienadas mentais").</p><p>A teoria da degenerescência defendia medidas que iam além dos asilos, sugerindo a higienização e</p><p>disciplinarização da sociedade. Ela também promovia uma hierarquia racial, considerando os negros mais</p><p>propensos à degeneração devido à sua suposta inferioridade biológica. Foi uma teoria psiquiátrica que</p><p>considerava a degeneração como um desvio do normal, que poderia ser de origem física ou moral, era</p><p>manifestada por um conjunto de comportamentos inadaptáveis, que poderiam ser passados de uma geração</p><p>para outra, não necessariamente de forma genética. Para os psiquiatras, a degeneração era a responsável</p><p>por uma alta taxa de criminalidade, delinquência e loucura.</p><p>No Brasil, essa teoria se integrou a uma abordagem que visava a exclusão dos "loucos" e a prevenção social</p><p>da loucura. O alienismo, anteriormente associado à Medicina Social, que incluía em seu projeto profilático</p><p>tratar da pobreza, marginalidade, crime e loucura, propunha controle urbano e disciplinarização como</p><p>soluções. Com o agravamento dos problemas urbanos e a necessidade de industrialização, especialmente</p><p>no proletariado, a articulação entre pensamento psiquiátrico e controle social tornou-se mais evidente. A</p><p>preocupação com a "ordem" e o "progresso" refletia princípios positivistas, e o asilo passou a excluir os</p><p>"desordeiros" e os participantes de movimentos sociais organizados.</p><p>Hospício de Juquery</p><p>O Hospício do Juquery começou como o Asilo Provisório de Alienados em São Paulo. Franco da Rocha, que liderou a</p><p>reforma psiquiátrica na cidade, criou o asilo para melhorar o atendimento aos doentes mentais, que até então, era</p><p>precário. Ele queria uma nova instituição baseada em práticas científicas, especialmente no conceito de “asilamento</p><p>racional”. Foi construído fora da cidade e expandido com várias instalações, como colônias agrícolas, pavilhão para</p><p>“crianças anormais”, o laboratório histoquímico e o Manicômio Judiciário.</p><p>Lá era promovida a centralização da assistência psiquiátrica para estudar a loucura, apoiando a teoria da</p><p>degenerescência e focando em aspectos como a herança genética e a relação entre loucura, raça e crime.</p><p>O Juquery, alinhado com o pensamento psiquiátrico hegemônico, abordava a loucura em um contexto social e industrial</p><p>em transformação, usando técnicas como banhos alternados e laborterapia. Aos poucos, o hospício foi abandonando</p><p>a sua preocupação com a loucura individual e assumindo tarefas de ordem social, sobretudo no que diz respeito ao</p><p>controle da força de trabalho.</p><p>Embora não tenha contribuído diretamente para a Psicologia, ajudou a definir as fronteiras entre Psiquiatria e Psicologia</p><p>e evidenciou a interseção entre essas áreas na prática.</p><p>A hegemonia é a capacidade de um grupo social comandar outros, podendo ser alcançada por meio de persuasão e</p><p>introdução cultural, ou pelo uso da força.</p><p>Hospício Nacional dos Alienados</p><p>Esse hospício era administrado pelo Estado. Ele pode ser visto como o primeiro hospício no Brasil que tratou</p><p>a loucura do ponto de vista médico.</p><p>Nesse hospício, havia um setor que deveria abrigar os “criminosos loucos”.</p><p>O Hospital Nacional dos Alienados foi, como o Juquery, um asilo modelo para o pensamento psiquiátrico da</p><p>época, em que o ecletismo se tornou posição praticamente hegemônica, onde as tendências tiveram como</p><p>seu principal fundamento a Medicina Social e seus motivos de natureza sócio-política.</p><p>Ao contrário do Juquery, no entanto, nesse hospício é explícito o vínculo com a Psicologia, concretizado na</p><p>existência do segundo laboratório de psicologia do Brasil, criado lá em 1907. Nesse sentido, ele podia ser</p><p>visto como uma instância produtora de conhecimento psicológico, tendo abrigado profissionais que, em seu</p><p>laboratório ou fora dele, produziram relevantes obras psicológicas.</p><p>Colônia de Psicopatas do Engenho de Dentro</p><p>A Colônia de Psicopatas do Engenho de Dentro foi fundamental para o desenvolvimento da Psicologia no</p><p>Brasil. Fundada no Rio de Janeiro na década de 10, a Colônia, com seu laboratório criado em 1923,</p><p>desempenhou um papel crucial na consolidação da Psicologia como ciência e na afirmação de sua</p><p>autonomia teórica e prática. O laboratório, que mais tarde se tornou o Instituto de Psicologia e foi incorporado</p><p>à Universidade do Brasil, destacou-se pela formação de psicólogos, difusão do conhecimento psicológico,</p><p>trabalho clínico e aplicação da Psicologia ao trabalho.</p><p>O laboratório funcionava como instituição auxiliar médica; como auxiliar das necessidades sociais e práticas;</p><p>como núcleo de pesquisas científicas; como centro didático para formação de psicólogos. A vasta produção</p><p>do laboratório em relação aos asilos já estudados, mostra um grande progresso no reconhecimento da</p><p>Psicologia como uma área científica e prática autônoma no Brasil, destacando sua importância e sua estreita</p><p>relação com a Psiquiatria.</p><p>Na Colônia, havia também a Escola de Enfermagem, que incluía a disciplina de Psicologia em seu currículo,</p><p>pois acreditava-se que todo Instituto dedicado ao estudo, tratamento e prevenção de doenças mentais</p><p>deveria ter um laboratório de psicologia dirigido por um psicólogo profissional, que seria um colaborador</p><p>valioso do médico, aumentando a eficiência do Instituto.</p><p>A Colônia também introduziu a psicoterapia no Brasil, uma área inicialmente restrita à Psiquiatria, e</p><p>influenciou diretamente a organização do trabalho por meio de testes para seleção e orientação profissional,</p><p>além de estudos sobre fadiga em trabalhadores menores, seleção para a aviação militar, psicometria e</p><p>questões profissionais. Isso marcou uma nova abordagem na contribuição das instituições psiquiátricas para</p><p>o trabalho, passando de controle e disciplinamento para uma influência direta no processo produtivo.</p><p>A contribuição de Radecki foi crucial para a história da Psicologia no Brasil, sendo ele responsável por</p><p>grande parte dos trabalhos do laboratório e por ministrar cursos e conferências que ajudaram a expandir a</p><p>Psicologia no país. Seu trabalho, fortemente influenciado pela Psicanálise, constitui a maior parte da</p><p>produção do laboratório e é um marco no desenvolvimento da Psicologia no Brasil.</p><p>Liga Brasileira de Higiene Mental e instituições</p><p>correlatas</p><p>Fundada em 1923, o objetivo principal da liga era a melhoria da assistência ao doente mental, porém, a</p><p>partir de 1926, esse objetivo foi cedendo lugar ao ideal eugênico, à profilaxia e à educação dos indivíduos.</p><p>Essa concepção contribuiu para uma interpretação racista da sociedade brasileira, que tendia a atribuir os</p><p>problemas sócio-econômicos às questões raciais, especialmente à presença de “raças inferiores”, numa</p><p>explícita referência aos negros que, junto com o clima quente, eram responsabilizados pelo atraso do país.</p><p>Essas idéias desembocaram na defesa do “embranquecimento da raça brasileira” e, posteriormente, na</p><p>busca da “pureza racial”.</p><p>A eugenia, também chamada de eugenismo, consiste em uma série de crenças e práticas cujo objetivo é</p><p>criar seres humanos "ideais" através do controle genético da população.</p><p>A Liga reconhecia a Psicologia como ciência afim à Psiquiatria e estimulava sua produção. Nesse sentido,</p><p>foi criado um laboratório de Psicologia. Anualmente a Liga realizava as “Jornadas Brasileiras de Psicologia”,</p><p>cujo objetivo era difundir pesquisas puras e aplicadas nessa área do conhecimento.</p><p>A Liga Paulista de Higiene Mental, fundada em 1926, focou na Psicologia aplicada à organização do</p><p>trabalho, que utilizava a Psicologia para entender funções como psicomotricidade, memória, atenção e</p><p>julgamento no contexto profissional, e aplicava esses conhecimentos à seleção e orientação profissional.</p><p>Bonifácio Castro Filho destacou que a higiene mental nas profissões melhora a produtividade ao orientar e</p><p>selecionar operários, eliminando profissionais inadequados e ajustando indivíduos às suas habilidades</p><p>mentais, o que contribui para o sucesso do trabalho.</p><p>O Instituto de Higiene de São Paulo, teve um papel semelhante ao da Liga Brasileira de Higiene Mental,</p><p>onde foi formado um grupo de estudos de Psicologia Aplicada, que envolveu médicos, educadores e</p><p>engenheiros, e focou na Psicologia do Trabalho. Esse instituto também criou o “Serviço de Inspeção Médico-</p><p>Escolar”, que criou uma escola para crianças com deficiência mental e, em 1938, uma clínica de orientação</p><p>infantil, provavelmente uma das primeiras do país.</p><p>O pensamento e a ação das ligas são expressões de uma concepção autoritária de mundo, representada</p><p>na Psiquiatria principalmente pelo pensamento alemão. Pretendia-se, em nome da ciência, abranger o</p><p>controle da sociedade e, para tal, defendia-se e estimulava-se a pesquisa e a aplicação da Psicologia como</p><p>meio auxiliar para seus fins.</p><p>O Movimento Psiquiátrico de Recife</p><p>Esse movimento se ergueu sobre o alicerce representado pelas ideias e ações de Ulysses Pernambucano,</p><p>caminhando na contramão do pensamento psiquiátrico corrente na época e contribuindo significativamente</p><p>para a Educação.</p><p>Sua prática distanciou-se da Psiquiatria organicista preponderante nos meios acadêmicos e institucionais</p><p>de então. Nomeado, em 1924, diretor do Hospital de Doenças Nervosas e Mentais de Recife, aboliu os</p><p>calabouços e as camisas-de-força, implantou a praxiterapia, criou o Pavilhão de Observações, o Laboratório</p><p>de Análises e o Pavilhão de Hidroterapia, tendo também criado o sistema de “internato acadêmico” para os</p><p>jovens médicos estagiarem.</p><p>Teve Pernambucano participação fundamental na implantação da “Assistência a Psicopatas de</p><p>Pernambuco”, assim composta: serviços para doentes mentais não alienados, com ambulatório e hospital</p><p>aberto; serviços para doentes mentais alienados, com hospital para doentes agudos e colônia para doentes</p><p>crônicos; Manicômio Judiciário; Serviço de Higiene Mental, com Serviço de Prevenção das Doenças Mentais</p><p>e Instituto de Psicologia.</p><p>Pernambucano fundou a Liga de Higiene Mental de Pernambuco que teve caráter bastante diferente das</p><p>demais ligas, sendo essa fiel aos objetivos inicialmente propostos por Riedel para a Liga Brasileira de</p><p>Higiene Mental, ou seja, a busca de melhoria na assistência aos doentes mentais. Na Liga, Pernambucano</p><p>criou uma “Escola para Anormais” que, em 1964, passou a ser dirigida pela APAE. Em 1936, ele criou o</p><p>Sanatório de Recife, no qual foi também instalada uma “Escola para Anormais”.</p><p>Preocupou-se também Pernambucano com a formação de profissionais da área de saúde mental, tendo</p><p>realizado vários cursos intensivos de especialização, com a finalidade de promover a formação prática de</p><p>“monitores de saúde mental” e “auxiliares psicólogos”, sendo essa última função ocupada principalmente</p><p>por professoras diplomadas pela Escola Normal</p><p>Pernambucano pode ser considerado como pioneiro do movimento que mais tarde veio a ser conhecido</p><p>como Anti-Psiquiatria, muito embora a pouca divulgação sobre seu pensamento e obra, em seu próprio país,</p><p>não tenha permitido que tal movimento pudesse reconhecê-lo.</p><p>A doença mental era por ele concebida como situação existencial, resultante da dinâmica do processo</p><p>psicológico, considerando o sujeito como agente desse processo e admitindo os fatores sociais como co-</p><p>determinantes. Opunha-se esta visão ao organicismo, que via a doença mental como causada pela</p><p>constituição orgânico-genética do sujeito, e que era antes determinante que determinada pelas condições</p><p>sociais. Essa concepção justifica a denominação de “Psiquiatria Humanista”.</p><p>Do ponto de vista da produção especificamente psicológica, o movimento de Recife veio contribuir em</p><p>particular com seu Instituto de Psicologia, mais tarde denominado Instituto de Seleção e Orientação</p><p>Profissional.</p><p>Do que foi aqui exposto, é possível apontar elementos que se ligam direta ou indiretamente à Psicologia</p><p>propriamente dita, devendo destacar-se a preocupação de Ulysses Pernambuco com a formação de</p><p>profissionais na área psicológica que, inclusive, teve relação com seus propósitos educacionais. Acrescenta-</p><p>se a isso a preocupação educacional em geral e psicológica em especial que teve com crianças com</p><p>deficiência mental.</p><p>1.2 Medicina Legal, Psiquiatria Forense e Criminologia</p><p>Na época, a Psiquiatria buscava lidar com questões sociais e exercer controle para manter a ordem urbana,</p><p>combatendo comportamentos considerados desordeiros como alcoolismo, jogo, prostituição e crime. A</p><p>conexão entre Psiquiatria e Direito se fortaleceu através da Medicina Legal, Psiquiatria Forense e</p><p>Criminologia, influenciada pelo organicismo.</p><p>Heitor Carrilho foi um crítico do Direito Clássico e defensor do Direito Positivo, que enfocava a</p><p>responsabilidade individual no crime, psicologizando e individualizando o ato criminoso e sua interpretação.</p><p>A interpretação psicologizada do crime, defendida por Heitor Carrilho, atribuía a responsabilidade da</p><p>criminalidade ao indivíduo, isentando as condições sociais. Segundo essa visão, a sociedade era vista como</p><p>vítima do criminoso, justificando a exclusão dos "desordeiros" e a regeneração dos indivíduos. Carrilho</p><p>desenvolveu elementos para a prática do Direito Positivo, como taxonomias e categorias das doenças</p><p>mentais, enfatizando a análise individualizada dos casos. Propôs a criação de um “psychobio gramma” para</p><p>cada preso e até para todos os cidadãos, como meio de prevenção e identificação criminal.</p><p>1.3 Tese de Doutoramento das Faculdades de Medicina</p><p>A partir de 1890, houve um aumento significativo no número de teses sobre temas psicológicos, refletindo o</p><p>crescente reconhecimento da Psicologia como uma ciência autônoma. Destacam-se teses sobre</p><p>inteligência, emoção e psicofisiologia.</p><p>Odilon Goulart publicou, em 1891, um estudo pioneiro em Psicologia Clínica, enquanto Alberto Seabra, em</p><p>1894, realizou um estudo inovador sobre memória. Raimundo Nina Rodrigues, um influente médico e</p><p>pesquisador, foi fundamental para o desenvolvimento da Psiquiatria e Psicologia no Brasil, com impacto</p><p>significativo sobre médicos da época e uma vasta produção sobre degeneração psíquica e inferioridade</p><p>racial.</p><p>A tese de Henrique Roxo, em 1900, defendia a Psicologia como fundamental para a Psiquiatria,</p><p>reconhecendo a autonomia das duas áreas. A tese de Maurício Campos de Medeiros,</p><p>em 1907, e a de Plínio</p><p>Olinto, em 1911, evidenciam a penetração da Psicologia científica no Brasil. A tese de Genserico Aragão de</p><p>Sousa Pinto, de 1914, foi a primeira a abordar a Psicanálise no país.</p><p>Essas teses, embora apresentadas no contexto da Medicina, demonstram a autonomia e o caráter científico</p><p>da Psicologia, contribuindo para a sua afirmação como ciência e profissão no Brasil. Muitos autores dessas</p><p>pesquisas, tiveram papel crucial no estabelecimento da Psicologia no país.</p><p>1.4 À Guisa de Síntese</p><p>Durante o período analisado, a Medicina desempenhou um papel crucial no desenvolvimento da</p><p>Psicologia no Brasil, tanto sustentando tradições anteriores quanto superando-as. Até o final do</p><p>século XIX, a evolução do pensamento psicológico dentro da Medicina preparou o terreno para que</p><p>a Psicologia se desenvolvesse como um campo autônomo de conhecimento e prática, o que se</p><p>concretizou nas primeiras décadas do século XX.</p><p>A criação de laboratórios de Psicologia em hospícios foi uma das principais evidências desse avanço, com</p><p>esses locais produzindo estudos psicológicos significativos e demonstrando que a Psicologia estava</p><p>começando a se estabelecer como uma área independente. Além disso, as teses de doutorado das</p><p>Faculdades de Medicina, muitas vezes escritas por médicos que mais tarde se dedicaram à pesquisa</p><p>psicológica, contribuíram para a definição da Psicologia como uma ciência autônoma.</p><p>Embora a Psicologia tenha sido valorizada como uma ferramenta para a Medicina Legal, Psiquiatria Forense</p><p>e Criminologia, ela ainda era vista principalmente como uma ciência auxiliar à Psiquiatria. A autonomia da</p><p>Psicologia não foi resultado de um plano pré-estabelecido, mas sim do seu desenvolvimento e adaptação</p><p>às necessidades sociais brasileiras. Assim, a Psicologia gradualmente conquistou seu espaço e</p><p>reconhecimento como uma disciplina científica distinta.</p><p>Capítulo 2 – A psicologia em instituições educacionais</p><p>1. Introdução</p><p>A Psicologia no Brasil conquistou autonomia significativa através da Educação, que foi fundamental para</p><p>seu desenvolvimento teórico e prático. Historicamente, a preocupação com a educação brasileira cresceu,</p><p>e a Psicologia se tornou essencial como ciência básica e instrumental na Pedagogia. Esse papel expandiu-</p><p>se para outras áreas, como a organização do trabalho e o atendimento clínico.</p><p>No final do século XIX e início do século XX, o sistema educacional brasileiro foi influenciado por ideais</p><p>positivistas e cientificistas, evidenciado pela Reforma Benjamin Constant de 1890, que substituiu a Filosofia</p><p>por Psicologia e Lógica nas escolas. Essas reformas, embora inspiradas em modelos europeus e norte-</p><p>americanos, não resolveram os problemas educacionais persistentes, como o elevado índice de</p><p>analfabetismo e a desigualdade no acesso à educação.</p><p>Durante as primeiras décadas do século XX, com o crescimento urbano e industrial, a demanda por</p><p>educação básica e a formação de uma força de trabalho qualificada se intensificaram. Movimentos como o</p><p>escolanovismo promoveram a Educação e a Psicologia como ferramentas para a modernização e</p><p>democratização social. Figuras como Manoel Bonfim advogaram a educação como meio de superar</p><p>problemas históricos e sociais, enquanto outros, como Antonio Carneiro Leão e Sampaio Dória, focaram na</p><p>instrução técnica voltada para a indústria.</p><p>O escolanovismo emergiu como a principal abordagem pedagógica, sustentada pela Psicologia, que se</p><p>tornou crucial para a prática educacional. Com reformas educacionais na década de 1920 e a atuação de</p><p>profissionais como Lourenço Filho e Anísio Teixeira, a Psicologia firmou-se como um pilar da Educação</p><p>brasileira, ajudando a definir a profissão e a prática psicológica no país.</p><p>2. Algumas instituições educacionais</p><p>“Pedagogium”</p><p>O “Pedagogium”, criado em 1890 por Rui Barbosa como um Museu Pedagógico, visava impulsionar reformas</p><p>educacionais no Brasil. Em 1897, sob a direção de Medeiros e Albuquerque, a instituição transformou-se</p><p>em um centro de cultura superior aberto ao público. Em 1906, foi inaugurado um Laboratório de Psicologia</p><p>Experimental, provavelmente o primeiro do país.</p><p>Embora o laboratório não tenha produzido registros sistemáticos, as obras de Bomfim revelam sua</p><p>abordagem crítica e suas inquietações sobre as limitações do método laboratorial para entender o</p><p>pensamento humano. Ele argumentava que a dinâmica do pensamento não podia ser totalmente capturada</p><p>em um ambiente controlado, sendo mais bem compreendida através da análise das manifestações naturais</p><p>do psiquismo.</p><p>A perspectiva de Bomfim contrastava com a visão predominante de que os laboratórios eram a principal</p><p>fonte de conhecimento psicológico. Ele enfatizava a importância de considerar a complexidade social do</p><p>psiquismo e foi precursor de ideias que mais tarde foram exploradas por outros psicólogos.</p><p>O “Pedagogium” foi extinto em 1919, mas seu legado continuou com a criação do Instituto Nacional de</p><p>Estudos Pedagógicos (INEP) em 1938.</p><p>Instituto de Psicologia de Pernambuco</p><p>O Instituto de Seleção e Orientação Profissional (ISOP) foi fundado em 1925 por Ulysses Pernambucano,</p><p>inicialmente como uma seção da Escola Normal Oficial de Pernambuco. Em 1929, a instituição foi transferida</p><p>para o Setor de Educação da Secretaria de Justiça e Instrução de Pernambuco e passou a se chamar ISOP.</p><p>Em 1931, foi integrado ao Serviço de Higiene Mental do Hospital de Alienados de Recife.</p><p>Durante sua atuação, o ISOP realizou diversos estudos e desenvolveu testes psicológicos, como os de nível</p><p>mental e aptidão, e padronizou esses testes para a realidade brasileira. Também trabalhou com vocabulário</p><p>infantil, testes pedagógicos, técnicas projetivas e revisou a escala Binet-Simon para Recife. Além disso,</p><p>formou pesquisadores em Psicologia, com destaque para Nelson Pires, Anita Paes Barreto e Silvio Rabello.</p><p>Pernambucano também foi pioneiro na educação de crianças com deficiência mental, criando a “Escola para</p><p>Anormais” e outras instituições para essa população. Seu trabalho incluiu a aplicação de psicologia na</p><p>pedagogia e a formação de professores e pesquisadores especializados.</p><p>Teoricamente, Pernambucano preferia a psicologia funcionalista e o estudo do comportamento, ao invés do</p><p>behaviorismo estrito. Seu Instituto se destacou pela psicometria e pela contribuição à educação especial e</p><p>ao serviço psiquiátrico em Recife, estabelecendo a “Escola Psiquiátrica do Recife”.</p><p>Pernambucano enfrentou perseguições políticas devido às suas reformas na assistência a doentes mentais.</p><p>Em 1935, assinou um manifesto com Gilberto Freyre e outros, solicitando um inquérito social sobre as</p><p>condições de vida dos trabalhadores brasileiros.</p><p>Escola de Aperfeiçoamento Pedagógico de Belo Horizonte</p><p>A Escola de Aperfeiçoamento de Belo Horizonte criada em 1920, teve um papel crucial na consolidação</p><p>da Psicologia no Brasil. A escola foi um centro importante para a disseminação das bases pedagógicas e</p><p>promoveu cursos de Psicologia com renomados especialistas.</p><p>Antipoff, em particular, desempenhou um papel significativo ao criar um Laboratório de Psicologia na Escola,</p><p>que conduziu pesquisas abrangentes sobre inteligência, aprendizagem, vocabulário, e outros temas. Seu</p><p>trabalho incluía a adaptação de testes de inteligência e a investigação das relações entre condições sociais</p><p>e desenvolvimento psicológico das crianças. Ela destacou a importância de considerar o meio social no</p><p>estudo da psicologia e propôs a expressão “indivíduo excepcional” em lugar de “deficiente mental,”</p><p>defendendo uma visão mais inclusiva e complexa da inteligência.</p><p>A Escola também criou uma classe especial para "deficientes mentais," precursoras de várias instituições</p><p>similares e da Sociedade Pestalozzi de Minas Gerais. O laboratório foi fundamental para a pesquisa em</p><p>psicometria e educação especial, e suas abordagens inovadoras continuaram a influência do Instituto de</p><p>Psicologia de Recife.</p><p>Na década de 1940, a Escola de Aperfeiçoamento</p><p>foi incorporada à Escola Normal, formando o Instituto de</p><p>Educação, que absorveu também o Laboratório de Psicologia. O legado dessa instituição foi essencial para</p><p>o desenvolvimento da Psicologia educacional e da pesquisa psicológica no Brasil.</p><p>Escolas Normais</p><p>As Escolas Normais desempenharam um papel crucial no desenvolvimento da Psicologia científica no Brasil,</p><p>tanto teoricamente quanto na aplicação prática. Desde sua criação na primeira metade do século XIX, essas</p><p>instituições foram fundamentais na formação dos primeiros profissionais da Psicologia no país. A partir do</p><p>século XX, a Psicologia começou a ser incluída de forma sistemática nos currículos dessas escolas,</p><p>destacando-se a inserção da disciplina em 1928.</p><p>Essas escolas não apenas formaram os primeiros psicólogos, como também foram responsáveis pela</p><p>introdução e desenvolvimento da Psicologia nos currículos pedagógicos. Muitas das primeiras pesquisas e</p><p>publicações psicológicas no Brasil surgiram desses ambientes acadêmicos.</p><p>Destacam-se algumas Escolas Normais, como:</p><p> Belo Horizonte e Recife, que foram relevantes pela colaboração com instituições como a Escola de</p><p>Aperfeiçoamento Pedagógico e o Instituto de Psicologia.</p><p> Salvador, onde Isaias Alves foi um pioneiro na difusão e aplicação de testes psicológicos.</p><p> Rio de Janeiro, onde Manoel Bomfim contribuiu com obras fundamentais em Psicologia e</p><p>Pedagogia.</p><p> Fortaleza, que teve um papel importante na Reforma do Ensino do Ceará, liderada por Lourenço</p><p>Filho, e criou um laboratório de Psicologia para apoiar a implementação da Escola Nova.</p><p>Essas escolas foram centros importantes para o desenvolvimento e aplicação da Psicologia no Brasil,</p><p>contribuindo para a formação de professores e a inovação no campo educacional e psicológico.</p><p>A Escola Normal de São Paulo</p><p>A Escola Normal de São Paulo teve um papel crucial na consolidação da Psicologia científica no Brasil,</p><p>destacando-se pela sua cátedra de Pedagogia e Psicologia e pelo trabalho de seu laboratório. Em 1932, a</p><p>cátedra e o laboratório foram assumidos por Noemi Silveira Rudolfer, que posteriormente foi nomeada</p><p>catedrática de Psicologia Educacional na Universidade de São Paulo, para onde o laboratório foi incorporado</p><p>em 1934.</p><p>A Escola Normal foi responsável pela introdução e divulgação das teorias e técnicas psicológicas da época,</p><p>como a psicometria. Sampaio Dória, que assumiu a cátedra em 1914, publicou um compêndio abrangente</p><p>de Psicologia baseado nas ideias de Spencer, Bain, Stuart Mill, e nas teorias de William James e Binet.</p><p>Em 1925, Lourenço Filho revitalizou o laboratório, que havia sido criado em 1914 sob a gestão de Oscar</p><p>Thompson e teve várias denominações ao longo do tempo. O laboratório, dirigido inicialmente pelo psicólogo</p><p>italiano Ugo Pizzoli, focou na medição das funções psicológicas e na realização de pesquisas voltadas para</p><p>a Pedagogia científica. Pizzoli também ofereceu um curso para professores, que resultou em diversas teses</p><p>sobre psicologia infantil.</p><p>O trabalho da Escola Normal de São Paulo foi fundamental para a formação da Psicologia no Brasil,</p><p>proporcionando uma base sólida para a ciência psicológica, influenciando a Pedagogia e contribuindo para</p><p>a definição do papel dos psicólogos no país. Essa instituição ajudou a estabelecer São Paulo como um</p><p>importante centro de desenvolvimento da Psicologia e facilitou a penetração das práticas e teorias</p><p>psicológicas no Brasil.</p><p>2.1 A Psicologia nas obras pedagógicas e psicológicas</p><p>As obras sobre Psicologia produzidas no Brasil durante o período em questão são fundamentais para</p><p>compreender o desenvolvimento da disciplina no país. Essas obras se dividem principalmente em traduções</p><p>de textos estrangeiros e publicações de autores brasileiros, abrangendo tanto aspectos pedagógicos quanto</p><p>psicológicos.</p><p>Traduções de Obras Estrangeiras: Essas traduções incluíam textos clássicos que apresentavam a</p><p>Psicologia como base essencial para a pedagogia. Destacam-se obras de Claparède, Binet-Simon, Piéron</p><p>e Léon Walther, todas publicadas na "Biblioteca de Educação", lançada em 1927 e dirigida por Lourenço</p><p>Filho, que também traduziu muitos desses textos.</p><p>Obras Pedagógicas Brasileiras: Estas obras, predominantemente de tendência escolanovista, discutem a</p><p>Educação e sua modernização, muitas vezes antecipando ou preparando o terreno para a inserção de ideias</p><p>escolanovistas no Brasil. Embora essas obras tratem da Psicologia como uma base para a pedagogia, nem</p><p>todas, como as de Manoel Bomfim, seguem a linha escolanovista.</p><p>Obras Explicitamente Psicológicas: Essas publicações abordam diretamente temas psicológicos e são</p><p>representadas por títulos como:</p><p> “Compêndio de Paidologia” e “Educação da Infância Anormal de Inteligência no Brasil” de Clemente</p><p>Quaglio (1911, 1913).</p><p> “Noções de Psicologia” e “Pensar e Dizer” de Manoel Bomfim (1916, 1923).</p><p> “Tests” de Medeiros e Albuquerque (1924).</p><p> “Psicologia” de Sampaio Dória (1926).</p><p> “Teste Individual de Inteligência” de Isaias Alves (1927).</p><p> “Psicoterapia e suas modalidades” e “Tese sobre Supranormais” de Maurício Campos de Medeiros</p><p>(1929, 1930).</p><p> “Os testes e a reorganização escolar” de Isaias Alves (1930).</p><p>Outras obras, como “O teste ABC” de Lourenço Filho (1933) e “Psicologia Social” de Raul Briquet (1935),</p><p>também contribuem para a compreensão da Psicologia na época. Algumas obras têm datas imprecisas</p><p>devido à perda de registros.</p><p>Essas publicações foram essenciais para a formação dos profissionais de Psicologia no Brasil e para a</p><p>consolidação da disciplina no país.</p><p>2.2 À Guisa de Síntese</p><p>Nos primeiros anos do século XX, a Educação desempenhou um papel crucial no desenvolvimento da</p><p>Psicologia no Brasil. Foi principalmente através da Educação que a Psicologia se estabeleceu como ciência,</p><p>recebendo influências e conhecimentos vindos da Europa e dos Estados Unidos. As Escolas Normais e os</p><p>Institutos de Educação foram fundamentais para essa evolução, promovendo a autonomia teórica e prática</p><p>da Psicologia.</p><p>A relação entre Psicologia e Educação foi mais explícita e produtiva do que a relação entre Psicologia e</p><p>Medicina, especialmente a Psiquiatria. Enquanto a Educação buscava na Psicologia uma base científica</p><p>para suas práticas e teorias, a Psiquiatria, com seus objetivos e métodos distintos, não teve um processo</p><p>de integração tão claro com a Psicologia.</p><p>A Educação investiu significativamente em laboratórios, cursos e eventos, atraindo psicólogos renomados</p><p>para contribuir com o desenvolvimento da Psicologia no Brasil. Esses investimentos foram parte do</p><p>movimento escolanovista, que visava modernizar e melhorar a Educação, com a Psicologia desempenhando</p><p>um papel central nesse processo. A Psicologia ajudava a transformar as práticas educacionais e a promover</p><p>um novo modelo de ensino baseado na racionalização e na organização científica.</p><p>Esse período também refletia um projeto social mais amplo para o Brasil, voltado para a modernização e a</p><p>formação de um “homem novo” em uma “nova sociedade”. A Psicologia se inseria nesse projeto como uma</p><p>ferramenta para a reforma educacional e para a construção de uma nova ordem social e cultural.</p><p>No entanto, nem todas as iniciativas em Psicologia seguiram esse padrão uniforme. Algumas, como as do</p><p>Instituto de Psicologia de Recife e as propostas de Manoel Bomfim e Helena Antipoff, apresentavam</p><p>abordagens e concepções distintas dentro do contexto geral da Psicologia e da Educação no Brasil.</p><p>Capítulo 3 – A psicologia na organização do Trabalho</p><p>A preocupação com o trabalho do ponto de vista psicológico tem raízes históricas que remontam à época</p><p>colonial, quando o trabalho era visto como uma ferramenta moralizante e de controle social, especialmente</p><p>sobre os indígenas. No século XIX, com o crescimento da urbanização e a diversificação das atividades</p><p>produtivas, surgiram novos conflitos sociais que levaram ao surgimento da Medicina Social e à criação de</p><p>modelos higiênicos para lidar com comportamentos</p><p>desviantes.</p><p>A aplicação sistemática da Psicologia ao trabalho começou na década de 1920, com um crescimento</p><p>acelerado a partir dos anos 1930, quando a Psicologia se estabeleceu como uma ciência relevante no Brasil.</p><p>Nesse período, a ciência psicológica contribuiu para a racionalização do trabalho e a administração</p><p>científica, auxiliando na maximização da produção e no controle sobre o processo produtivo.</p><p>A década de 1910 testemunhou a organização crescente da classe trabalhadora e a intensificação das</p><p>atividades sindicais, o que gerou um impulso para a racionalização do trabalho como uma forma de controle</p><p>sobre o operariado. A Psicologia foi incorporada nesse processo, ajudando a implementar práticas</p><p>administrativas modernas e a justificar cientificamente o controle sobre a força de trabalho.</p><p>A influência do taylorismo e do fordismo se tornou evidente, com a Psicologia fornecendo ferramentas para</p><p>a seleção de pessoal e a otimização das condições de trabalho. A aplicação de testes psicológicos, como</p><p>os testes de inteligência desenvolvidos durante a Primeira Guerra Mundial, ajudou a promover a eficiência</p><p>e a orientação profissional, alinhando os trabalhadores às necessidades produtivas.</p><p>Instituições como o Instituto de Organização Racional do Trabalho (IDORT) e o Centro Ferroviário de Ensino</p><p>e Seleção Profissional (CFESP) desempenharam papéis importantes na expansão da Psicologia aplicada</p><p>ao trabalho, mostrando como a ciência psicológica se tornou um componente fundamental na administração</p><p>científica e na modernização da indústria brasileira.</p><p>Em resumo, a Psicologia passou a ser uma parte essencial da gestão do trabalho no Brasil, ajudando a</p><p>implementar técnicas que visavam a eficiência e o controle, e se consolidou como uma ciência aplicada que</p><p>responde às demandas da industrialização e à racionalização dos processos produtivos.</p>