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<p>Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)</p><p>Uma legislação inovadora e avançada. Uma conquista dos movimentos sociais e da mobilização popular. Um marco na garantia dos direitos e na proteção de crianças e adolescentes brasileiros. Essas são algumas das características centrais da Lei 8.069, de 13 de julho de 1990 – mais conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).</p><p>Art. 3º – A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade. A história do Estatuto da Criança e do Adolescente está intrinsecamente ligada ao contexto de fim da Ditadura Militar e ao processo de redemocratização do Brasil.</p><p>Diversas organizações, fundações empresariais e movimentos sociais, entre eles os de educação de origem católica, o de meninos e meninas de rua e os sindicais, se mobilizaram durante o processo da Constituinte para garantir que os direitos das crianças e dos adolescentes estivessem presentes na Carta Magna.</p><p>Eles se articularam no Fórum Nacional de Entidades Não Governamentais de Defesa dos Direitos da Criança e Adolescente (FNDCA), criado em 1988 – e foram determinantes para a inclusão do art. 227 e 228 da Constituição, aprovada em 5 de outubro de 1988.</p><p>“O ECA não nasceu espontaneamente. Ele surgiu do vigor, da força e do combate dos movimentos sociais, que souberam se organizar e influenciar a Constituinte, e praticamente escrever, com as próprias mãos, os textos que hoje estão na Constituição Federal. Isso gerou a possibilidade de inclusive trazer uma legislação de infância – uma ideia, que naquela época era nova, de uma democracia completamente participativa”, explica Clilton Guimarães dos Santos, advogado, professor universitário e ex-procurador de justiça do Ministério Público de São Paulo.</p><p>Art. 227 – É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.</p><p>A Constituição Federal (1988) é a mãe do Estatuto da Criança e do Adolescente, mas essa nova concepção de infância e de sua prioridade absoluta não foi criada ali. Ela veio de legislações internacionais que já olhavam para a criança no sentido de seus direitos – como a Declaração dos Direitos da Criança (1959) e a Convenção sobre os Direitos da Criança (1989). O Brasil ratificou essa última em setembro de 1990.</p><p>Antes do Estatuto, a legislação vigente era o Código de Menores, de 1979. Esse era, porém, o 2º Código de Menores, sendo o seu antecessor – também conhecido como Código Mello Mattos, em homenagem ao primeiro juiz de menores do Brasil – datado de 1927. Este foi o primeiro documento legal para a população menor de 18 anos.</p><p>Essa legislação refletia o contexto da época, de manter a ordem social. “O Código de Menores trazia uma carga autoritária muito forte no trato da criança e do adolescente, inclusive com juízos muito discriminatórios ao seu respeito, à medida que distinguia menores em situação irregular daqueles outros que assim não se encontravam, aprofundando as desigualdades e a discriminação”, explica Clilton.</p><p>Essa doutrina de situação irregular significava que apenas as crianças pobres, abandonadas ou delinquentes (ou seja, em situação irregular) eram objeto do Estado. Ou seja, não considerava o “menor” como uma criança com família, de classe média ou alta, por exemplo.</p><p>“A criança que estava pelas ruas, órfã ou que fora abandonada, era considerada como um possível ‘perigo’. Para o imaginário social, ela se tornaria ‘marginal’. E qualquer criança ou adolescente nessa condição de situação irregular era tutelada pelo Estado, que tinha sobre ela plenos poderes”, explica Marília. O ECA rompe com esse paradigma e traz a doutrina da proteção integral como base.</p><p>Essa nova concepção traz todo um reordenamento jurídico para que esses direitos possam ser respeitados. As crianças passam, por exemplo, a ter direito a representação e defesa perante o juiz, e à convivência familiar e comunitária.</p><p>O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), os conselhos municipais e estaduais, os conselhos tutelares, os fóruns, as áreas especializadas da Defensoria Pública e do Ministério Público são algumas das instâncias institucionais que garantem a promoção, a proteção e a defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes.</p><p>Lei 8.069 de 13 de julho de 1990 – ECA</p><p>Art. 4º – É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.</p><p>“O ECA é dividido em três eixos. O primário fala das garantias universais e tem caráter preventivo, ou seja, elenca as políticas que devem ser articuladas para que as crianças cresçam em plenas condições. O secundário, chamado de proteção especial (medidas protetivas), trata da criança que sofreu algum tipo de violência, seja da família, da comunidade etc. O terceiro fala das medidas socioeducativas, ou seja, dos adolescentes que infracionam”, explica Marília.</p><p>Outro ponto importante apontado por Marília Rovaron foi a questão da idade, considerando-se como criança aquele(a) com até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquele(a) entre doze e dezoito anos de idade.</p><p>Os artigos também apontam as punições previstas para empresas e pessoas físicas que violam os direitos assegurados pelo ECA – incluindo profissionais da rede de proteção.</p><p>Os artigos mais importantes receberam comentários feitos com o auxílio da procuradora Giselle Alves de Oliveira, do Ministério Público do Trabalho de São Paulo (MPT-SP), e da advogada Luciana Carvalho, uma das organizadoras do livro “Direitos Humanos e o Direito do Trabalho”</p><p>O artigo reproduz uma parte do artigo 227 da nossa Constituição Federal, que estabeleceu o princípio da proteção integral da criança e do adolescente. A procuradora Giselle Alves de Oliveira, do Ministério Público do Trabalho de São Paulo, lembra que o artigo constitucional ainda resguarda as crianças e os jovens brasileiros de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. “O respeito aos direitos humanos fundamentais das crianças e adolescentes e o combate ao trabalho infantil é um desafio de todos, principalmente do Estado Brasileiro.”</p><p>“Art. 53. A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho …”</p><p>“Art. 60. É proibido qualquer trabalho a menores de quatorze anos de idade.”</p><p>Após a Emenda Constitucional 98, ficou estabelecida a proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos. O ECA não incorporou a alteração, mas a Constituição Federal, que está no topo da hierarquia da leis, é o que prevalece.</p><p>“Art. 61. A proteção ao trabalho dos adolescentes é regulada por legislação especial, sem prejuízo do disposto nesta Lei.”</p><p>A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), entre os artigos 402 e 441, estabelece as condições para a atuação profissional de jovens de 14 anos a 17 anos no Brasil. E inclui redações dadas por outros textos legais, como a Lei do Aprendiz (10.097/2000) e o decreto federal e 5.598/2005.</p><p>Entenda como funciona a Lei do Aprendiz, forma de contratação protegida de pessoas entre 14 e 24 anos</p><p>– ou sem limite de idade no caso de pessoas com deficiência. A lei exige que grandes e médias empresas tenham entre 5% e 15% de aprendizes em seu quadro de funcionários, com formação teórica, prática, entre outros direitos.</p><p>Art. 62. Considera-se aprendizagem a ministrada segundo as diretrizes e bases da legislação de educação em vigor.</p><p>“Art. 63. A formação técnico-profissional obedecerá aos seguintes princípios:</p><p>I – garantia de acesso e frequência obrigatória ao ensino regular;</p><p>II – atividade compatível com o desenvolvimento do adolescente;</p><p>III – horário especial para o exercício das atividades.</p><p>As formações técnico-profissionais, descritas no decreto federal 5.598/2005, são realizadas por programas de aprendizagem desenvolvidos por entidades do Sistema Nacional de Aprendizagem: Senai, Senac, Senar, Senat e Sescoop. Quando o jovem não tem acesso a essas instituições, a lei aceita programas oferecidos por escolas técnicas e entidades sem fins lucrativos que prestem assistência ao adolescente e à educação profissional, desde que registradas nos conselhos municipais dos direitos da criança e do adolescente. Mas atenção: cursos técnicos não são considerados programas de aprendizagem!</p><p>“Art. 64. Ao adolescente até quatorze anos de idade é assegurada bolsa de aprendizagem.”</p><p>Art. 65. Ao adolescente aprendiz, maior de quatorze anos, são assegurados os direitos trabalhistas e previdenciários.</p><p>Há algumas particularidades para os aprendizes. A lei determina, por exemplo, que empregadores de aprendizes depositem 2% da remuneração dos jovens no Fundo de Garantia de Tempo de Serviço (FGTS). Um trabalhador contratado fora dos programas de aprendizes tem direito a um depósito de 8%, segundo a CLT.</p><p>Art. 66. Ao adolescente portador de deficiência é assegurado trabalho protegido.</p><p>Trabalho protegido é aquele que preserva a pessoa com deficiência de ambientes insalubres, perigosos ou de atividades com jornada mais extensa do que o permitido. É importante frisar que o termo “portador de deficiência”, presente na redação original da lei, de 1990, foi entendido posteriormente como inadequado após Convenção da Organização das Nações Unidades (ONU). Em seu lugar foi adotada a terminologia “pessoa com deficiência”.</p><p>Art. 67. Ao adolescente empregado, aprendiz, em regime familiar de trabalho, aluno de escola técnica, assistido em entidade governamental ou não-governamental, é vedado trabalho:</p><p>I – noturno, realizado entre as vinte e duas horas de um dia e as cinco horas do dia seguinte;</p><p>II – perigoso, insalubre ou penoso;</p><p>III – realizado em locais prejudiciais à sua formação e ao seu desenvolvimento físico, psíquico, moral e social;</p><p>IV – realizado em horários e locais que não permitam a freqüência à escola.</p><p>O trabalho em contato com produtos inflamáveis ou ocorrendo em ambientes com ruído intenso ou com extensa jornada são alguns dos cenários proibidos por lei para a contratação de jovens menores de 18 anos.</p><p>Art. 68. O programa social que tenha por base o trabalho educativo, sob responsabilidade de entidade governamental ou não-governamental sem fins lucrativos, deverá assegurar ao adolescente que dele participe condições de capacitação para o exercício de atividade regular remunerada.</p><p>· 1º Entende-se por trabalho educativo a atividade laboral em que as exigências pedagógicas relativas ao desenvolvimento pessoal e social do educando prevalecem sobre o aspecto produtivo.</p><p>· 2º A remuneração que o adolescente recebe pelo trabalho efetuado ou a participação na venda dos produtos de seu trabalho não desfigura o caráter educativo.</p><p>Estágios profissionalizantes podem ser enquadrados como uma modalidade de trabalho educativo, segundo a advogada Luciana Carvalho. Eles preparam os jovens para o mercado. Mas a especialista ressalta que o trabalho deve visar o desenvolvimento pessoal e social do adolescente acima de tudo. Se não fizer isso, ele perde seu caráter educativo.</p><p>Art. 69. O adolescente tem direito à profissionalização e à proteção no trabalho, observados os seguintes aspectos, entre outros:</p><p>I – respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento;</p><p>II – capacitação profissional adequada ao mercado de trabalho.</p><p>Em outras palavras, o trabalho deve observar que o adolescente está em processo de formação em todos os aspectos (fisiológicos, psicológicos e sociais). Já a capacitação adequada, como ocorre nos cursos de formação de aprendizagem, deve se destinar ao desenvolvimento profissional do jovem, considerando seu direito de inserção no mercado de trabalho.</p><p>Art. 94. As entidades que desenvolvem programas de internação têm as seguintes obrigações, entre outras:</p><p>X – propiciar escolarização e profissionalização;</p><p>No caso do estado de São Paulo, por exemplo, a Fundação Casa é a responsável pelos adolescentes em conflito com a lei que cumprem a medida socioeducativa da internação.</p><p>Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas:</p><p>I – advertência;</p><p>II – obrigação de reparar o dano;</p><p>III – prestação de serviços à comunidade;</p><p>IV – liberdade assistida;</p><p>V – inserção em regime de semi-liberdade;</p><p>VI – internação em estabelecimento educacional;</p><p>VII – qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI.</p><p>· 2º Em hipótese alguma e sob pretexto algum, será admitida a prestação de trabalho forçado.</p><p>Art. 117. A prestação de serviços comunitários consiste na realização de tarefas gratuitas de interesse geral, por período não excedente a seis meses, junto a entidades assistenciais, hospitais, escolas e outros estabelecimentos congêneres, bem como em programas comunitários ou governamentais.</p><p>Parágrafo único. As tarefas serão atribuídas conforme as aptidões do adolescente, devendo ser cumpridas durante jornada máxima de oito horas semanais, aos sábados, domingos e feriados ou em dias úteis, de modo a não prejudicar a freqüência à escola ou à jornada normal de trabalho.</p><p>O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) completa 34 anos de existência em 13 de julho de 2024. No entanto, é importante destacar que a assistência e proteção de crianças e adolescentes tiveram início no Brasil desde a época colonial, com a atuação dos jesuítas logo após a criação da "Roda dos Expostos" e posteriormente com o surgimento dos códigos de menores. Houve ainda longos debates no Congresso sobre mudanças na maioridade penal e nas leis, até o surgimento do ECA. Sendo assim, é relevante fazer uma sondagem da linha do tempo com fatos históricos relacionados à infância, códigos e leis até o surgimento do ECA e entender as mudanças na proteção da infância após sua criação, e quais forma os efeitos dessa lei tanto para o Brasil como ao conceito de infância.</p><p>Inicialmente, cabe ressaltar que com a chegada dos portugueses ao território brasileiro, as crianças passaram por catequização. Esse método seria uma forma de aculturação para impor os dogmas da igreja, embora houvesse a ausência de leis no Brasil, havia dogmas e influências da igreja católica.</p><p>Durante a época colonial até a crise imperial do final do século XIX, as crianças abandonadas eram chamadas de "excluídos". Esse termo correspondia ao tipo de abandono mais comum na época, principalmente o abandono de recém-nascidos, e incluía a prática de rejeitar crianças e abandoná-las em locais onde era mais provável que fossem recolhidas, como as rodas dos excluídos.</p><p>Durante a ditadura militar (1964-1979), o Brasil viveu sob um regime autoritário que restringia a liberdade de pensamento e expressão, retrocedendo no campo dos direitos sociais e introduzindo leis institucionais que permitiam punições, expulsões e arbitrariedades. No âmbito da infância, foram criados documentos como a Lei 4.513, que instituiu a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor - FUNABEM, em 1º de dezembro de 1964, e a Secretaria Nacional de Assistência à Criança e ao Adolescente (SENACCA), em 1974, para lidar com questões relacionadas a crianças e adolescentes. Em 1979, foi criado o Código de Menores.</p><p>1</p>