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<p>UNIDADE 1</p><p>Introdução ao conceito de sociedade civil e o campo teórico</p><p>O que podemos entender como sociedade civil?</p><p>Usualmente, são associações, grupos políticos, movimentos sociais, entre outros, que</p><p>atuam na sociedade tensionando as autoridades e governos na tomada de decisões. Não</p><p>se trata de órgãos que tomam decisões, mas que, por meio de deliberações e ações</p><p>coletivas, influenciam as decisões políticas.</p><p>Artistas protestam contra o governo militar.</p><p>Um bom exemplo a ser citado sobre a sociedade civil organizada foi o período da</p><p>ditadura civil militar no Brasil (1964-1985), quando diversos grupos religiosos, artísticos,</p><p>jornalísticos, associações como Ordem do Advogados do Brasil, Sindicatos de</p><p>trabalhadores, universidades, movimento estudantil, movimento negro, entre outros,</p><p>se organizaram em grandes protestos contra a situação política do Brasil,</p><p>deslegitimando o governo ditatorial e contribuindo para o retorno à democracia.</p><p>Histórico do conceito moderno de sociedade civil</p><p>O conceito moderno de sociedade civil começou a ser desenvolvido entre os séculos</p><p>XVII, XVIII e XIX por pensadores</p><p>como Hobbes, Locke, Rousseau, Ferguson, Smith, Kant, Hegel, Tocqueville, Marx, Mo</p><p>ntesquieu, Hume, Gramsci, Arato e Cohen, entre outros.</p><p>Montesquieu foi um dos mais importantes cientistas políticos de sua época. Sua famosa</p><p>obra, Espírito das Leis, deu origem à teoria da divisão dos três poderes: executivo,</p><p>legislativo e judiciário.</p><p>As primeiras teorias foram elaboradas pelos pensadores Hobbes, Rousseau e Ferguson,</p><p>que percebiam a sociedade civil como sinônimo de Estado e estiveram preocupados em</p><p>“examinar as condições sob as quais os seres humanos poderiam escapar do Estado de</p><p>natureza e entrar em uma forma contratual de governo baseada na regra da lei, isto é,</p><p>em uma sociedade civil” (RAMOS, 2005, p. 77).</p><p>Isso quer dizer que a ideia de sociedade civil buscava a superação do Estado de</p><p>“barbárie”, da guerra e conflitos existentes, tratando de pensar uma sociedade com</p><p>garantias de formas “civilizadas” para resolver as questões — e é assim que surge a ideia</p><p>de contrato social.</p><p>Aqui, vale contextualizar historicamente essas questões, relacionando a formação do</p><p>conceito de sociedade civil ao movimento iluminista nos séculos XVIII e XIX e ao fim do</p><p>antigo regime europeu. É importante entender que, no antigo regime, a burguesia</p><p>detinha o poder econômico, mas não desfrutava dos mesmos privilégios nem tinha</p><p>ampla participação política e tampouco vivia em meio ao luxo, como a realeza, o clero e</p><p>a nobreza. A população, por sua vez, era miserável. Além disso, quem pensava diferente</p><p>daqueles que estavam no poder eram perseguidos politicamente. Dessa forma, os</p><p>poderes instituídos com esse sistema, principalmente em relação ao Estado e à Igreja,</p><p>https://ead.uva.br/disciplinas/grad/publica/cont/abc/cms/re/u1/tema-1.htm#more-info-1</p><p>https://ead.uva.br/disciplinas/grad/publica/cont/abc/cms/re/u1/tema-1.htm#more-info-2</p><p>https://ead.uva.br/disciplinas/grad/publica/cont/abc/cms/re/u1/tema-1.htm#more-info-3</p><p>https://ead.uva.br/disciplinas/grad/publica/cont/abc/cms/re/u1/tema-1.htm#more-info-4</p><p>https://ead.uva.br/disciplinas/grad/publica/cont/abc/cms/re/u1/tema-1.htm#more-info-5</p><p>https://ead.uva.br/disciplinas/grad/publica/cont/abc/cms/re/u1/tema-1.htm#more-info-6</p><p>https://ead.uva.br/disciplinas/grad/publica/cont/abc/cms/re/u1/tema-1.htm#more-info-7</p><p>https://ead.uva.br/disciplinas/grad/publica/cont/abc/cms/re/u1/tema-1.htm#more-info-8</p><p>https://ead.uva.br/disciplinas/grad/publica/cont/abc/cms/re/u1/tema-1.htm#more-info-9</p><p>https://ead.uva.br/disciplinas/grad/publica/cont/abc/cms/re/u1/tema-1.htm#more-info-10</p><p>https://ead.uva.br/disciplinas/grad/publica/cont/abc/cms/re/u1/tema-1.htm#more-info-10</p><p>https://ead.uva.br/disciplinas/grad/publica/cont/abc/cms/re/u1/tema-1.htm#more-info-11</p><p>https://ead.uva.br/disciplinas/grad/publica/cont/abc/cms/re/u1/tema-1.htm#more-info-12</p><p>https://ead.uva.br/disciplinas/grad/publica/cont/abc/cms/re/u1/tema-1.htm#more-info-13</p><p>https://ead.uva.br/disciplinas/grad/publica/cont/abc/cms/re/u1/tema-1.htm#more-info-14</p><p>https://ead.uva.br/disciplinas/grad/publica/cont/abc/cms/re/u1/tema-1.htm#more-info-15</p><p>começaram a ser questionados pelos burgueses, que criticavam a estrutura social e</p><p>política vigente.</p><p>Os intelectuais iluministas defendiam a ideia de liberdade em diversos aspectos, que</p><p>contrariavam os interesses da nobreza. Clique nas abas e veja quais são esses aspectos</p><p>e suas propriedades.</p><p>• Liberdade econômica</p><p>• Liberdade de expressão e religiosa</p><p>• Liberdade de participação política</p><p>Segundo o historiador Eric Hobsbawm (1988), não era defendida uma participação plena</p><p>de todos os cidadãos, principalmente das camadas mais baixas, mas somente da</p><p>burguesia.</p><p>Assim o conceito de sociedade civil foi delineado: inicialmente, pensando somente a</p><p>classe burguesa até chegar ao entendimento atual, que considera a sociedade civil</p><p>referente aos cidadãos e suas organizações, de todas as classes sociais.</p><p>A seguir, apresentaremos os autores clássicos do Iluminismo europeu, cujos estudos</p><p>delinearam o conceito de sociedade civil.</p><p>Conheça as ideias centrais de Thomas Hobbes, John Locke, Jean Jaques Rousseau,</p><p>Ferguson e Smith e Karl Marx.</p><p>Thomas Hobbes – Estado de natureza x sociedade civil</p><p>Segundo Losekann e Balestrin (2010), Thomas Hobbes pode ser considerado o pai</p><p>fundador do conceito de sociedade civil, para quem a condição humana, fora da</p><p>sociedade civil, era a barbárie. Para o pensador, havia separação entre o estado da</p><p>natureza e a sociedade civil, de modo que na sociedade civil o sujeito era socialmente</p><p>educado e contratualmente obrigado a seguir regras e leis.</p><p>Na sua famosa obra, Leviatã, Hobbes traz a ideia de “contrato e organização social” em</p><p>contraposição ao estado natural das coisas e dos homens. Confira, no trecho a seguir, a</p><p>visão de Hobbes a respeito dessa contraposição:</p><p>No caso, a societas civilis era o próprio Estado Civil que governaria igualmente pelas leis</p><p>civis: “fora dele (do governo civil), assistimos ao domínio das paixões, da guerra, do</p><p>medo, da miséria, da imundície, da solidão, da barbárie, da ignorância, da crueldade;</p><p>nele, o domínio da razão, da paz, da segurança, das riquezas, da decência, da sociedade,</p><p>da elegância, das ciências e da benevolência.” (HOBBES apud BALESTRIN, LOSEKANN,</p><p>2010)</p><p>Para Hobbes, a questão da propriedade privada estava no centro das discussões e seu o</p><p>pensamento em torno da ideia de sociedade civil foi fundamental e influenciou outros</p><p>intelectuais, como John Locke e Rousseau.</p><p>John Locke – Propriedade privada e sociedade civil</p><p>John Locke seguiu na esteira das problemáticas colocadas por Hobbes a respeito da</p><p>organização social e também contribuiu para a formulação moderna do conceito de</p><p>sociedade civil. Para o filósofo, a organização da sociedade civil estava, principalmente,</p><p>relacionada à propriedade privada, o que deu as bases para, no futuro, pensar a</p><p>https://ead.uva.br/disciplinas/grad/publica/cont/abc/cms/re/u1/tema-1.htm</p><p>https://ead.uva.br/disciplinas/grad/publica/cont/abc/cms/re/u1/tema-1.htm</p><p>https://ead.uva.br/disciplinas/grad/publica/cont/abc/cms/re/u1/tema-1.htm</p><p>sociedade organizada dentro do sistema capitalista. Para alguns, Locke foi a pedra</p><p>angular para o surgimento do Liberalismo econômico, como podemos ver no trecho a</p><p>seguir:</p><p>Na verdade, o relacionamento de Locke com a propriedade privada aponta para outro</p><p>fato, a saber, a relação deste autor com uma sociedade que começa a ser transformada</p><p>pelo capitalismo agrário, mudanças estas que se encontram expressas em seu</p><p>pensamento. É importante destacar que foi precisamente esta transformação social que</p><p>encorajou a identificação da sociedade civil com a categoria analítica e prática da</p><p>economia nas décadas seguintes. (RAMOS, 2005, p. 78)</p><p>Foi com Locke que a palavra “civilidade”, entendida como um “estado de espírito” (no</p><p>sentido, da essência de uma época), entra em vigor.</p><p>a de 2008, iniciada nos Estados Unidos, que</p><p>atingiu grande parte do capital financeiro global — despertaram uma série de greves e</p><p>protestos, junto à situação de desemprego, pobreza e falências. Nesse contexto,</p><p>destaca-se o movimento “occupy”, que ocupou centros próximos a Wall Street, liderado</p><p>por um grupo que se autointitulava “indignados”.</p><p>No entanto, o movimento não apresentou organização em prol de um projeto de</p><p>sociedade, ou seja, não apontava a horizontes com perspectivas de mudança da</p><p>sociedade ou ruptura com o capitalismo.</p><p>Sobre a liderança dos “indignados”, destacamos o trecho a seguir, do autor Marcelo</p><p>Braz:</p><p>não há no seu horizonte a articulação de um projeto societário alternativo ao do capital,</p><p>ainda que este seja repudiado tanto entre as lutas defensivas e de resistência dos</p><p>trabalhadores quanto entre as mobilizações dos chamados “indignados”. O difuso</p><p>“socialismo do século XXI” expressa-se mais como um conjunto de princípios (que</p><p>devem ser considerados!) que podem, no máximo, nortear agendas de lutas contra o</p><p>capital em favor do trabalho, apontando para uma articulação anti-imperialista, o que,</p><p>deve-se esclarecer já é um grande passo.</p><p>BRAZ, 2012</p><p>Vale destacar que, para o autor, o fato de não haver um projeto societário não significa</p><p>ausência da luta de classes; a questão é saber como andam, em que patamar estão. Há</p><p>um consenso entre pesquisadores que as lutas esmoreceram junto com os movimentos</p><p>de esquerda. A dissolução das experiências socialistas abriu via para a hegemonia do</p><p>capital, estabelecendo uma longa onda contrarrevolucionária, assim como o</p><p>fortalecimento das forças conservadoras, tanto de direita, como de esquerda. As</p><p>https://ead.uva.br/disciplinas/grad/publica/cont/abc/cms/re/u2/tema-3.htm#wall-street</p><p>conservadoras da direita, afirmam o fim da História, e as de esquerda “namoram com o</p><p>capital”.</p><p>Procure observar a sua volta as discussões e debates acerca desse tema e reflita sobre</p><p>como você entende a luta de classes no seu contexto de existência.</p><p>Novas lutas?</p><p>Nas transformações sociais ocorridas em fins do século XX para o XXI, vimos surgir uma</p><p>série de outros sujeitos sociais. Nas décadas de 1970 e, com mais intensidade 1990, as</p><p>lutas até então conhecidas foram diversificadas, com a inserção de novos sujeitos sociais</p><p>nesse universo — indústrias fabris, até as mais variadas, perpassando diversas questões</p><p>culturais, étnicas, ambientais, de gênero etc.</p><p>Ainda que os cenários de lutas tenham se ampliado significativamente, a dimensão</p><p>classista não se esvaiu. Há um consenso entre os pesquisadores marxistas de que não</p><p>há capitalismo sem luta de classes. Em outras palavras: enquanto as forças do capital</p><p>dominarem a produção social, as forças do trabalho se insurgirão e, da mesma forma, a</p><p>luta de classes impulsiona o capitalismo para as inovações que se voltam contra o</p><p>trabalho.</p><p>Talvez, os modelos antigos de lutas, centrados em partidos revolucionários, não</p><p>considerem inovações próprias do nosso tempo e, por isso, é preciso fazer a análise da</p><p>realidade de modo, que se pense a sociedade atual e suas complexidades, dentro do</p><p>viés de classe organizada, para se avançar e não apenas resistir.</p><p>Com novos atores sociais e pautas distintas que atravessam a luta de classes, outros</p><p>problemas teóricos têm se colocado aos cientistas sociais. A crise da luta de classes se</p><p>encontra mais no sentido da organização da luta de classes partidárias, a qual teria</p><p>perdido força com o enfraquecimento da possibilidade de revolução proposta pelo</p><p>socialismo e comunismo. A proposta de uma superação revolucionária, pautando-se na</p><p>totalidade, para a superação do capitalismo, se diluiu, tanto no plano teórico (com os</p><p>aportes da pós-modernidade, cuja intelectualidade não reside no compromisso da</p><p>transformação da realidade social), como também no campo da ação organizada e na</p><p>reafirmação de um individualismo aburguesado.</p><p>O que queremos dizer com isso?</p><p>Que, na atualidade, a localização da luta de classes, como um todo, organizada por meio</p><p>de partidos revolucionários, perdeu sua força, principalmente com a fragmentação em</p><p>partidos reformistas. Com isso, não queremos dizer que as lutas de classes deixaram de</p><p>existir. Na atualidade, diversos coletivos, grupos, instituições, entre outros, têm se</p><p>organizado em torno de pautas ambientais, de gênero, étnico-raciais — que são</p><p>atravessadas, também, pela questão classista.</p><p>Trata-se de imbricações entre gênero, classe e raça, que se realizam e se intercruzam</p><p>dentro de um sistema de dominação e exploração. As questões do machismo, da</p><p>homofobia e do racismo, embora tenham construções históricas próprias, no</p><p>capitalismo, elas estão imbricadas, justamente, no corte de classes. Isso porque a</p><p>pobreza, a marginalidade e a exclusão social, geradas pelo próprio sistema, perpassam</p><p>todas elas.</p><p>Identitarismo e representatividade</p><p>As ideias de representatividade de gênero e raça têm suscitado diversos debates no</p><p>cenário atual, fundamentados principalmente nas correntes identitárias, surgidas com</p><p>as teorias pós-modernas. Podemos apontar movimentos como LGBTQIAP+, antirracistas</p><p>e levantes populares, como o que ocorreu em 2020, após a morte de George Floyd, nos</p><p>Estados Unidos</p><p>No cerne dessas questões, como perpassam as lutas de classes?</p><p>Para guiar sua resposta, sugerimos outra pergunta: se George Floyd fosse um bilionário,</p><p>ele teria as mesmas chances de ser assassinado?</p><p>Sabemos que o racismo também é um fato que ocorre nas classes mais elevadas, porém,</p><p>é consenso que nas periferias, onde vive a maioria da população negra, a violência e a</p><p>repressão policial é muito maior, ou seja, perpassa a questão da raça, mas também da</p><p>classe.</p><p>Podemos considerar, porém, não concluir que há, de fato, um esmorecimento em torno</p><p>das lutas relacionadas às questões econômicas voltadas à superação do sistema</p><p>capitalista, como foi colocado.</p><p>Hoje, é possível perceber que há uma força contrarrevolucionária, que pende para</p><p>conciliações e não para a superação do sistema capitalista, como propunham as</p><p>ideologias socialista e comunista. A isso, se deve também o enfraquecimento das lutas</p><p>de classes organizadas em torno de partidos.</p><p>Hoje, é possível perceber que há uma força contrarrevolucionária, que pende para</p><p>conciliações e não para a superação do sistema capitalista, como propunham as</p><p>ideologias socialista e comunista. As lutas de classes, organizadas em torno de partidos</p><p>revolucionários, se enfraqueceram à medida que existe uma política de conciliação com</p><p>o capitalismo e não de sua superação.</p><p>Quais situações corroboraram a emergência do capitalismo e, por consequência, o</p><p>triunfo da burguesia europeia?</p><p>Corroboraram para a emergência do capitalismo e, por consequência, para o triunfo da</p><p>burguesia europeia, além da expropriação de riquezas dos povos originários da América,</p><p>também o acontecimento da Revolução Francesa e da Revolução Industrial.</p><p>Como as gerações de classe trabalhadoras lidaram com as alterações de concepção de</p><p>tempo?</p><p>A primeira geração de trabalhadores nas fábricas aprendeu com seus mestres a</p><p>importância do tempo; a segunda geração formou os seus comitês em prol de menos</p><p>tempo de trabalho no movimento pela jornada de dez horas; a terceira geração fez</p><p>greves pelas horas extras ou pelo pagamento de um percentual adicional (1,5%) pelas</p><p>horas trabalhadas fora do expediente. Eles tinham aceitado as categorias de seus</p><p>empregadores e aprendido a revidar os golpes dentro desses preceitos. Haviam</p><p>aprendido muito bem a sua lição, a de que tempo é dinheiro.</p><p>https://ead.uva.br/disciplinas/grad/publica/cont/abc/cms/re/u2/tema-3.htm#george-floyd</p><p>https://ead.uva.br/disciplinas/grad/publica/cont/abc/cms/re/u2/tema-3.htm#george-floyd</p><p>Na contemporaneidade, quais perspectivas caracterizam a crise do capitalismo e o lugar</p><p>da luta de classes?</p><p>As perspectivas indicam a face destrutiva do capitalismo, que não tem</p><p>mais parâmetros</p><p>para autorregulação. Enquanto a luta de classes, organizada de forma partidária, se</p><p>esmoreceu, novos atores e pautas sociais acabaram por fragmentar o projeto de uma</p><p>sociedade igualitária, nos moldes do socialismo e comunismo.</p><p>UNIDADE 3</p><p>O campo teórico dos movimentos sociais</p><p>Qual a importância do campo teórico para a compreensão do conceito de</p><p>movimentos sociais?</p><p>O conceito de movimentos sociais não é tão simples e, no campo das Ciências Sociais,</p><p>implica visões divergentes, uma vez que a análise de cada autor propõe perspectiva de</p><p>leitura da realidade diferente.</p><p>Assim, para dar início à nossa aula, devemos pontuar que movimentos sociais podem</p><p>ser entendidos, de modo genérico, da seguinte forma:</p><p>Ações coletivas e organizadas de grupos, instituições e sujeitos que agem na sociedade</p><p>civil em busca de transformações que atendam suas reivindicações.</p><p>Além disso, movimentos sociais são importantes na medida em que criam tensões e</p><p>pressionam os governos para tomar decisões que contribuam para uma sociedade mais</p><p>justa e igualitária. É importante ainda dizer que, embora seu conceito sirva para tornar</p><p>a realidade inteligível, os movimentos sociais não são homogêneos; por isso, é preciso</p><p>ter em mente que se trata de diversos atores e grupos sociais com projetos diferentes.</p><p>No entanto, em geral, todos representam as chamadas “minorias” — que, no entanto e</p><p>usualmente, são a maioria da população —, pois se referem a sujeitos excluídos e</p><p>socialmente vulneráveis ou a grupos com pouco poder político e simbólico.</p><p>A heterogeneidade dos movimentos sociais representa a diversidade cultural, social e</p><p>econômica das pessoas em espaços locais, regionais e globais. Alguns têm pautas</p><p>universais (como o movimento negro, o LGBTQIA+ e o feminista), enquanto outros</p><p>possuem pautas nacionais, como é o caso do Movimento dos Sem Terra – MST, no Brasil.</p><p>A seguir, para fundamentar nosso estudo acerca dos movimentos sociais e sua</p><p>importância para o grupo da sociedade em que atuam, detalharemos exatamente o</p><p>exemplo do MST, que tem forte atuação no país, mas que, muitas vezes, é repercutida</p><p>de forma equivocada e com lacunas informativas a seu respeito.</p><p>O Movimento do Sem Terra e a reforma agrária no Brasil.</p><p>Abordaremos esse caso como exemplo de um movimento social organizado e</p><p>historicamente reconhecido. Sua reivindicação é parte do projeto social que prevê</p><p>a reforma agrária, ou seja, a redistribuição de terras improdutivas.</p><p>Sobre a definição de reforma agrária, o Estatuto da Terra, criado pela Lei nº 4.504/64,</p><p>em seu artigo art. 1º, § 1º, dispõe:</p><p>Considera-se Reforma Agrária o conjunto de medidas que visem a promover melhor</p><p>distribuição da terra, mediante modificações no regime de sua posse e uso, a fim de</p><p>atender aos princípios de justiça social e ao aumento de produtividade.</p><p>Embora a questão agrária não seja exclusiva do Brasil — além de ser um tema debatido</p><p>por séculos e em diferentes momentos —, em nosso país, esse movimento ganhou força</p><p>na década de 1980 como uma organização coletiva capaz de mobilizar e formar</p><p>comunidades que, ao ocuparem terras improdutivas, passam a viver nelas e a cultivá-</p><p>las.</p><p>Porém, para que a ocupação torne-se juridicamente legal, é preciso que a Justiça, por</p><p>meio de um processo, entenda que a terra é improdutiva (como veremos em seguida) e</p><p>ceda aos sujeitos — comumente chamados de “sem terra” — seu título no nome da</p><p>pessoa que ocupa o lote. Para isso, é determinada a desapropriação da terra e o Estado</p><p>paga indenização ao ex-proprietário.</p><p>Sobre a questão da reforma agrária, é preciso atentar-se ao fato de que, apesar de a</p><p>terra ser propriedade privada, sua utilização prevê a obrigação de cumprir uma função</p><p>social; ou seja, deve trazer benefícios à sociedade civil na produção de alimentos e em</p><p>sua circulação no mercado, por exemplo. Portanto, a terra não pode ser improdutiva.</p><p>O que podemos compreender como terras improdutivas?</p><p>São propriedades rurais que não têm qualquer tipo de uso; ou seja, terras cujos</p><p>proprietários não produzem nada (como agricultura ou agropecuária) para sociedade.</p><p>Assim, ocorre sua desapropriação: ato administrativo pelo qual o Estado, de forma</p><p>compulsória, transforma um bem imóvel ou móvel privado em público, mediante</p><p>indenização ao proprietário. Essas questões estão relacionadas à função social, que</p><p>envolve a propriedade da terra.</p><p>É importante sabermos que a questão da reforma agrária está prevista na Constituição</p><p>Federal de 1988, assim como a ideia de função social da propriedade da terra, nos</p><p>artigos que apresentaremos a seguir:</p><p>Art. 1° Esta Lei regula os direitos e obrigações concernentes aos bens imóveis rurais,</p><p>para os fins de execução da Reforma Agrária e promoção da Política Agrícola.</p><p>§ 1° Considera-se Reforma Agrária o conjunto de medidas que visem a promover melhor</p><p>distribuição da terra, mediante modificações no regime de sua posse e uso, a fim de</p><p>atender aos princípios de justiça social e ao aumento de produtividade.</p><p>Sobre a função social, considera, entre outras questões:</p><p>Art. 2° É assegurada a todos a oportunidade de acesso à propriedade da terra,</p><p>condicionada pela sua função social, na forma prevista nesta Lei.</p><p>§ 1° A propriedade da terra desempenha integralmente a sua função social quando,</p><p>simultaneamente:</p><p>b) mantém níveis satisfatórios de produtividade;</p><p>c) assegura a conservação dos recursos naturais.</p><p>Ademais, durante a pandemia da Covid-19, diversas comunidades ligadas ao MST</p><p>fizeram doações aos milhões de brasileiros em situação de vulnerabilidade.</p><p>Para saber mais a respeito disso, acesse: FURTADO, L. MST ultrapassa 6 mil toneladas</p><p>de alimentos doados durante a pandemia.</p><p>Esse conhecimento é importante para entendermos melhor o que significa um</p><p>movimento social e como eles atuam na sociedade.</p><p>Além disso, podemos também citar a conquista do movimento negro na promulgação</p><p>da Lei nº 10.639/2003, que prevê a obrigatoriedade do ensino da Cultura e História</p><p>Africana e Afro-Brasileira na rede de Ensino Básico e Superior.</p><p>Contudo, ainda há muitos movimentos sociais que pleiteiam conquistas e reparações</p><p>sociais.</p><p>O campo teórico dos movimentos sociais</p><p>O campo teórico que busca compreender e explicar a dinâmica dos movimentos sociais</p><p>possui leitura de práticas que pressupõe uma epistemologia muito complexa, pois</p><p>permeia diversas correntes divergentes entre si; pelo menos, em partes.</p><p>O estudo clássico relacionado aos movimentos sociais embasa-se no Marxismo e na</p><p>visão de classe social organizada, principalmente, por meio de um partido operário. Ou</p><p>seja, um que seja orgânico e priorize a classe trabalhadora.</p><p>Passaremos, agora, do exemplo prático para a discussão teórica.</p><p>Ao longo do tempo, o campo teórico das Ciências Sociais criou conceitos e categorias</p><p>analíticas que permitem compreender e explicar os anseios, as formas de agir, os</p><p>projetos societários e as formas de atuação dos movimentos sociais.</p><p>Os principais conceitos e suas categorias estão apresentados na tabela a seguir:</p><p>CONCEITO CATEGORIA</p><p>Justiça social. Justiça social.</p><p>Compromisso ou</p><p>responsabilidade social.</p><p>Igualdade.</p><p>Protagonismo social. Cidadania.</p><p>Empoderamento. Emancipaça o.</p><p>Há ainda outras categorias que se relacionam diretamente aos conceitos apresentados.</p><p>Por exemplo, a de exclusão social, na década de 1990, foi substituída, no campo</p><p>científico, por inclusão social, a fim de positivar a questão.</p><p>https://ead.uva.br/disciplinas/grad/publica/cont/abc/cms/re/u3/tema-1.htm#covid-19</p><p>https://mst.org.br/2022/01/14/mst-ultrapassa-6-mil-toneladas-de-alimentos-doados-durante-a-pandemia/</p><p>https://mst.org.br/2022/01/14/mst-ultrapassa-6-mil-toneladas-de-alimentos-doados-durante-a-pandemia/</p><p>http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.639.htm</p><p>https://ead.uva.br/disciplinas/grad/publica/cont/abc/cms/re/u3/tema-1.htm#epistemologia</p><p>Segundo a socióloga Maria da Glória Gohn (2010),</p><p>as abordagens teóricas dos</p><p>movimentos sociais são amplas e diversificadas. Além disso, ela aponta algumas</p><p>correntes e eixos analíticos, apresentados a seguir:</p><p>Teorias construídas a partir de eixos culturais, relativas ao processo de construção de</p><p>identidades (atribuídas ou adquiridas), onde diferentes tipos de pertencimentos são</p><p>fundamentais a um dado território, grupo étnico, religião, faixa etária, comunidade ou</p><p>grupo de interesses etc.</p><p>GOHN, 2010, p. 4</p><p>Nessa abordagem, os vínculos e as ações coletivas estão centrados em referências</p><p>culturais comuns. Os sujeitos sociais constroem sentidos ou significados a partir do</p><p>próprio agir coletivo. Discussões a respeito dessa abordagem podem ser encontradas</p><p>em autores como os sociólogos Alain Touraine (francês) e Alberto Melucci (italiano).</p><p>Da corrente norte-americana, citamos Johnston e Klandermans, que, em 1995,</p><p>publicaram uma série de estudos associados aos movimentos sociais, incialmente</p><p>ligando-os à cultura, e posteriormente, à questão de gênero.</p><p>Os aspectos referentes à subjetividade e dimensões da cultura têm seu aporte teórico</p><p>principalmente no Pós-Modernismo. Trata-se de uma corrente filosófica que critica o</p><p>Marxismo, bem como o paradigma moderno (ligado à racionalidade iluminista), além de</p><p>buscar quebrá-lo. Ademais, ela aborda estudos sobre arte, literatura e História, entre</p><p>outras áreas do conhecimento.</p><p>Teorias focadas no eixo da Justiça Social que destacam as questões do reconhecimento</p><p>(das diferenças, das desigualdades etc.) e nas questões da redistribuição (de bens ou</p><p>direitos, como forma de compensar as injustiças historicamente acumuladas).</p><p>GOHN, 2010, p. 4</p><p>Já as teorias vinculadas a esse eixo analítico são herdeiras da escola de Frankfurt</p><p>(Alemanha), já apresentada anteriormente. Seus pensadores buscaram ressignificar o</p><p>Marxismo ao ampliarem as teorias de Marx à realidade da sociedade industrial,</p><p>agregando, por exemplo, a cultura segundo o conceito de indústria cultural, que a</p><p>entende como produto mercadológico. Na atualidade, citamos Axel Honneth e Nancy</p><p>Fraser como representantes dessa corrente.</p><p>Teorias que destacam a capacidade de resistência dos movimentos sociais, destacam-se</p><p>as elaborações sobre o tema da autonomia, das novas formas de lutas em busca da</p><p>construção de um novo mundo, de novas relações sociais não focadas/orientadas pelo</p><p>mercado, da luta contra o neoliberalismo.</p><p>GOHN, 2010, p. 5</p><p>Nessa abordagem, critica-se veementemente as lutas emancipatórias cidadãs por</p><p>políticas públicas, que visam apenas a integração e cujos resultados são apropriados</p><p>apenas pelo lado que detém o controle das ações desenvolvidas. Nesse caso, as lutas e</p><p>identidades políticas, que se fazem há longos anos, são desqualificadas em detrimento</p><p>apenas da questão da representatividade, ligadas unicamente à burocracia.</p><p>Podemos dar um exemplo hipotético: não basta apenas reconhecer a História e a cultura</p><p>africana e afro-brasileira, é preciso também fazer leis, políticas públicas afirmativas e</p><p>reparação histórica, a fim de que efetivamente ocorram mudanças em torno dos</p><p>preconceitos raciais e da condição socioeconômica do negro no Brasil.</p><p>É preciso também estar atento às lutas sociais sem separá-las da ação política, tanto dos</p><p>movimentos como das ações geradas. É por isso que esses movimentos não podem estar</p><p>atrelados a anseios conservadores ligados ao Estado.</p><p>Sobretudo, essa vertente abarca a autonomia dos movimentos sociais como resistência.</p><p>Esse tipo de abordagem é evidenciada, por exemplo, nas pesquisas realizadas na</p><p>América Latina pelo Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais – CLACSO, cujo</p><p>objetivo é registrar e fazer avaliações periódicas das lutas e dos movimentos na região.</p><p>Teorias Pós-Colonial (ou decolonial) também denominadas por alguns como das</p><p>racionalidades alternativas. Este enfoque recupera na formação histórica da América</p><p>Latina a matriz do poder colonial no século XVI. Destaca que a fundamentação deste</p><p>poder está no controle do conhecimento, fazendo deste controle as bases do domínio</p><p>político, econômico, cultural e social.</p><p>GOHN, 2010, p. 6</p><p>As perspectivas decoloniais (ou pós-coloniais) entendem que, com a chegada do</p><p>europeu à América Latina, houve colonização não apenas territorial e cultural, mas</p><p>também do conhecimento. Toda a sabedoria dos povos originários foi suplantada por</p><p>uma colonização cultural ao serem impostos valores e morais que não eram próprios</p><p>das culturas que aqui estavam.</p><p>Além desse momento histórico, toda a produção acadêmica posterior também foi</p><p>europeia; a saber: escritos, pinturas e análises sobre a região, que foram,</p><p>primeiramente, pensados por teóricos europeus e, em seguida, apropriados pela</p><p>historiografia da América Latina.</p><p>Portanto, essa vertente busca “descolonizar” a produção intelectual, partindo de</p><p>pesquisas feitas por intelectuais latinos. Entretanto, vale destacar: isso não significa</p><p>desqualificar toda a produção europeia sobre esse território, mas valorizar outros</p><p>olhares.</p><p>Com isso, o problema central da América Latina seria a descolonização do saber e do</p><p>ser.</p><p>O mesmo ocorre no que diz respeito ao continente africano. Desde a década de 1960,</p><p>diversos intelectuais dessa origem têm elaborado uma produção acadêmica, intelectual</p><p>e de autoria africana.</p><p>O comunitarismo é um viés analítico utilizado em algumas vertentes das teorias da</p><p>descolonização, a partir do qual busca-se criar uma ética de libertação a partir da</p><p>construção da identidade das vítimas (colonizados). Podemos citar como</p><p>representantes: Boaventura de Souza Santos, Walter Mignolo e Franz Fannon.</p><p>Teorias que canalizam todas as atenções para os processos de institucionalização das</p><p>ações coletivas. Preocupam-se com os vínculos e redes de sociabilidade das pessoas,</p><p>assim como o desempenho das pessoas em instituições, organizações, espaços</p><p>segregados, associações etc.</p><p>GOHN, 2010, p. 7</p><p>A base dessa abordagem está nas teorias de privação social, que buscam analisar as</p><p>condições de desvantagem nas camadas sociais e/ou determinados grupos. Trata-se de</p><p>identificar e compreender a situação histórica e social, de acordo com cada contexto,</p><p>considerando a situação de privação de bens essenciais.</p><p>Teoria e prática</p><p>O campo teórico aqui demonstrado está longe de ser esgotado, e elencamos apenas as</p><p>principais correntes apresentadas por Gohn. As teorias adensam os estudos sobre os</p><p>movimentos sociais e dão respaldo à produção, tanto no campo das Ciências Sociais</p><p>como no de ONGs, que são esferas do poder público administrativo, que embasam</p><p>pesquisas empíricas sobre movimentos sociais, a fim de obter dados para seus planos e</p><p>projetos de intervenção na realidade social.</p><p>Um movimento social jamais pode ser pensado fora de seu contexto histórico e</p><p>conjuntural.</p><p>As identidades que envolvem os movimentos são construídas a partir de suas próprias</p><p>demandas. À luz do campo teórico, as Ciências Sociais têm buscado analisar,</p><p>compreender e produzir um conhecimento que dê conta de ler, de forma plausível, os</p><p>movimentos sociais. Porém, como podemos perceber, trata-se de um trabalho árduo</p><p>que não separa teoria e prática, além de apresenta diversas visões por meio de</p><p>correntes teóricas.</p><p>Debates e balanços dos movimentos sociais no Brasil</p><p>Como os debates contemporâneos e os balanços demonstrados</p><p>contribuem para a ação dos movimentos sociais?</p><p>As teorias apresentadas estejam no debate atual, é importante pontuar algumas</p><p>questões presentes em estudos de teóricos “clássicos”, por assim dizer, que perpassam</p><p>o debate internacional sobre movimentos sociais e influenciam diretamente a produção</p><p>brasileira, até o presente.</p><p>Ressaltamos aqui que teoria e debate estão intrinsecamente conectados, pois é a partir</p><p>da elaboração dela que podemos instaurar os debates. Por sua vez, é deles que emerge</p><p>o campo do conhecimento.</p><p>O que queremos dizer com isso?</p><p>Cada corrente teórica tem seu modo de analisar</p><p>a realidade e, muitas vezes, há pontos</p><p>consensuais. Porém, eles não existem em outras. A discussão, juntamente com a</p><p>produção científica, dá forma ao debate; porém, em certa maneira, eles também</p><p>disputam entre si a análise da realidade. Assim, dizemos que as contraposições de ideias</p><p>representam o campo científico das Ciências Humanas e Sociais.</p><p>O balanço proposto no início deste tema consiste em apresentar a historicidade da</p><p>atuação dos movimentos sociais em interação com a promulgação de leis e a produção</p><p>de políticas públicas, demonstrando, assim, a efervescência dos atos durante a</p><p>redemocratização, bem como ponderar sobre as ações no presente.</p><p>Feitas as considerações, cabe avaliarmos que o Marxismo pode ser pensado como o</p><p>modelo clássico, no qual se desenvolveram os primeiros debates acerca dos</p><p>movimentos sociais, como a mobilização das massas ávidas por transformação social e</p><p>a revolução. Assim, os primeiros estudos que trataram sobre o tema estavam (e muitos</p><p>ainda estão) sob a égide da corrente marxista.</p><p>No entanto, não se trata de hierarquizar o conhecimento de uma corrente sobre a outra,</p><p>mas, sim, refletir sobre as delimitações impostas em cada uma. Alguns autores das</p><p>Ciências Sociais preconizam o Marxismo como algo a ser superado, defendendo que</p><p>apenas a análise econômica não dá conta da realidade. Entretanto, outras vertentes</p><p>procuraram interpretá-lo à luz do presente (principalmente as que estão ligadas às</p><p>primeiras fases da obra de Karl Marx, em sua fase “jovem”, que apresentam, por</p><p>exemplo, debates atrelados ao humanismo).</p><p>Segundo Everton Lazaretti Picolotto (2007), na concepção marxista clássica de análise</p><p>dos movimentos sociais, para fazer a revolução, as classes operárias, organizadas em</p><p>partidos operários, deveriam tomar conta da sua realidade social e construir uma</p><p>sociedade comunitária e igualitária, em seu sentido mais amplo. No entanto, ela</p><p>também pressupunha a existência das vanguardas operárias, cuja tarefa era</p><p>conscientizar as massas. Assim, elas seriam a “cabeça” dos movimentos sociais,</p><p>conduzindo as massas à revolução e, posteriormente, a trabalhar aspectos relacionados</p><p>ao desenvolvimento humano, como cultura e educação.</p><p>Essa maneira de conceber os movimentos sociais perdeu força, principalmente a partir</p><p>da década de 1970, quando foram propostos diversos questionamentos e contestações</p><p>a esse modelo. Segundo Gohn (2000), principalmente na Europa, novas abordagens</p><p>passaram a ser produzidas sobre a dimensão da mobilização e as formas de luta dos</p><p>atores sociais, e assim, passaram a serem abordados elementos culturais, a</p><p>solidariedade, as lutas sociais cotidianas e os processos de identidades gerados, por</p><p>exemplo.</p><p>A seguir, apresentaremos um trecho em que Picolotto articula um debate entre os</p><p>principais teóricos que versam sobre os movimentos sociais na atualidade, como Alain</p><p>Touraine, Alberto Melucci e Manuel Castells:</p><p>Segundo o entendimento de Touraine, o que motiva o surgimento de um movimento</p><p>social “são os interesses opostos” entre diferentes atores sociais que lutam pelo</p><p>controle das orientações gerais da sociedade (rumos do desenvolvimento e a</p><p>organização da cultura). Para Melucci, são “atores opostos que lutam pelos mesmos</p><p>recursos” e que com o estabelecimento desta disputa, rompem os limites do sistema</p><p>existente. Já segundo a concepção de Castells, a formação de movimentos sociais se dá</p><p>no rompimento de sujeitos locais ou específicos com as redes gerais de dominação e</p><p>poder, sendo que esse rompimento se dá através da afirmação de identidades primárias</p><p>(religiosas, étnicas, territoriais, nacionais etc.), que resultam na construção de</p><p>comunidades de resistência.</p><p>PICOLOTTO, 2007, p.173-175</p><p>O que podemos perceber a partir da citação destacada?</p><p>Conseguimos entender que os autores possuem ideias diferentes acerca do que motiva</p><p>os movimentos sociais e como eles se dão.</p><p>Observe: aqui, não se trata de negar uma ideia ou outra, mas, sim, de visões diferentes</p><p>que compõem o debate.</p><p>Alain Touraine – Os três princípios para os movimentos sociais</p><p>Na visão deste autor, o conceito de movimentos sociais parte de três princípios, listados</p><p>a seguir. Clique em cada um deles para saber do que se trata.</p><p>• Identidade: Refere-se a como o ator define-se socialmente.</p><p>• Oposição: Identifica os adversários.</p><p>• Totalidade: Participação no sistema de ação histórica.</p><p>Portanto, a configuração dos movimentos sociais acontece a partir de seus atores</p><p>(identidade), adversários (oposição) e o que está em jogo no conflito (totalidade).</p><p>(PICOLOTTO, 2007).</p><p>O sociólogo critica ainda a ideia de individualização. Para ele, os movimentos sociais só</p><p>são possíveis na interlocução com sujeitos da mesma classe social, e, por isso, centraliza</p><p>a questão do Estado, pois entende que os movimentos sociais devem buscar projetos</p><p>que sejam assumidos por este.</p><p>Ele ainda propõe em seus estudos mais recentes perspectivas que elevam os conflitos</p><p>culturais; ou seja, questão que não está presente no Marxismo.</p><p>Segundo Picolotto, para Touraine, existem três modelos de movimentos sociais,</p><p>descritos no trecho que citamos a seguir:</p><p>Os movimentos culturais ‘estão mais centrados na afirmação de direitos culturais do que</p><p>no conflito com um adversário’ (2003:127), visto que estes ‘enfatizam as orientações</p><p>culturais de uma sociedade, mostrando os sentidos opostos que os membros de um</p><p>mesmo campo cultural lhe dão em função de sua relação com o poder’ (2004:158). Os</p><p>movimentos históricos são expressões de ação coletiva que questionam os rumos dos</p><p>modelos de desenvolvimento. Eles põem em questão mais uma elite do que uma classe</p><p>dirigente e apelam ao povo contra o Estado, o que lhes dá um grande potencial de</p><p>mobilização (2003:133). Os movimentos societais são aqueles que ‘combinam um</p><p>conflito propriamente social com um projeto cultural, que é sempre definido por</p><p>referência a um sujeito’ (2003:119) e que defendem um modo oposto de uso dos valores</p><p>morais aos de seu adversário social. Ou seja, os movimentos societais possuem uma</p><p>vertente utópica e uma ideológica e dessa forma, ‘em sua vertente utópica, o ator</p><p>identifica-se com os direitos do sujeito; em sua vertente ideológica, ele se concentra na</p><p>sua luta contra um adversário social’. (2003:120).</p><p>PICOLOTTO, 2007, p. 163</p><p>Manuel Castells – Conceito de identidade</p><p>O sociólogo espanhol Manuel Castells, por sua vez, está inserido na linha dos</p><p>chamados neomarxistas — trata-se de um dos autores que contribuíram para a</p><p>ampliação das abordagens marxistas nos movimentos sociais —. Para ele, estes são</p><p>entendidos como ações coletivas com determinados propósitos, cujos resultados tanto</p><p>de sucesso como de fracasso levam a mudanças de valores e instituições da sociedade.</p><p>Em seu contexto analítico, o autor considera a ideia de revolução das tecnologias da</p><p>informação, a crise econômica e a do Estado e o florescimento dos movimentos sociais</p><p>e culturais, como: ambientalismo, feminismo e defesa dos direitos humanos.</p><p>https://ead.uva.br/disciplinas/grad/publica/cont/abc/cms/re/u3/tema-3.htm</p><p>https://ead.uva.br/disciplinas/grad/publica/cont/abc/cms/re/u3/tema-3.htm</p><p>https://ead.uva.br/disciplinas/grad/publica/cont/abc/cms/re/u3/tema-3.htm</p><p>E seu contexto analítico, o autor considera a ideia da revolução das tecnologias de</p><p>informação, a crise econômica e a crise do Estado como fatores relevantes para o</p><p>florescimento dos movimentos sociais e culturais, tais como o ambientalismo, o</p><p>feminismo, a defesa dos direitos humanos, entre outros.</p><p>Para o autor, as tecnologias da informação ocupam um lugar de destaque ao formar</p><p>“redes” que agem no mundo virtual e interferem no real, sendo um campo em que,</p><p>atualmente, os movimentos sociais têm agido de maneira direta.</p><p>Para o autor, as tecnologias da informação ocupam um lugar de destaque ao formar</p><p>“redes” que agem no mundo virtual e interferem no real, sendo um campo em que,</p><p>atualmente, os movimentos</p><p>sociais têm agido de maneira direta.</p><p>Outro fator importante que reside na obra do autor é o conceito de identidade,</p><p>entendida como o processo pelo qual o ator social se reconhece e constrói significados.</p><p>Além disso, para Castells, ela expressa-se de três formas distintas, apontadas a seguir.</p><p>Clique em cada uma para entender do que se trata.</p><p>Legitimadora: São as identidades instituídas por instituições dominantes, como é o caso</p><p>do nacionalismo.</p><p>Resistência: São as estabelecidas pelos próprios atores em situação desprivilegiada.</p><p>De projeto: Expressam-se quando os atores constroem uma nova identidade, capaz de</p><p>redefinir sua posição, mudando, assim, a estrutura social.</p><p>Sobre essas três formas de construção de identidade, destacamos o trecho a seguir, de</p><p>Picolotto:</p><p>Cada tipo de processo de construção de identidade leva a um resultado distinto na</p><p>constituição dos movimentos na sociedade: a ‘identidade legitimadora dá origem a uma</p><p>sociedade civil’ (Castells, 2002:24), ou seja, um conjunto de organizações e instituições</p><p>reproduzem a identidade que racionaliza as fontes de dominação estrutural; a</p><p>‘identidade destinada à resistência, leva à formação de comunas, ou comunidades, [...]</p><p>dá origem a formas de resistência coletivas diante de uma opressão que, do contrário,</p><p>não seria suportável’13 (id:25); a identidade de projeto produz sujeitos, os quais,</p><p>conforme definidos por Touraine, não são meramente indivíduos, são ‘o ator social</p><p>coletivo pelo qual os indivíduos atingem o significado holístico em sua experiência’</p><p>(id:26). A construção desta última identidade inclui a construção de um projeto de uma</p><p>vida diferente, expandindo-se no sentido da transformação da sociedade como um</p><p>prolongamento desse projeto de identidade.</p><p>Para Castells, a construção da identidade de projeto é a mais importante, pois se torna</p><p>um elemento de transformação da estrutura social e contra a homogeneização</p><p>produzida pelo capitalismo global. Ademais, essas identidades também são produzidas</p><p>nas redes de informação, principalmente a de resistência.</p><p>Por fim, essas “redes” podem ser compreendidas como uma forma de organização e</p><p>intervenção descentralizada. Isso marca as características dos novos movimentos</p><p>sociais, as quais ocorrem no campo das redes de informação também como forma de</p><p>comunidades e de ligação no mundo real. A ideia de “rede” pressupõe sentido mais</p><p>amplo, i. e., de conexão, ligação e relação.</p><p>Alberto Melucci – Identidade coletiva</p><p>https://ead.uva.br/disciplinas/grad/publica/cont/abc/cms/re/u3/tema-3.htm</p><p>https://ead.uva.br/disciplinas/grad/publica/cont/abc/cms/re/u3/tema-3.htm</p><p>https://ead.uva.br/disciplinas/grad/publica/cont/abc/cms/re/u3/tema-3.htm</p><p>E, por último, mas não menos importante, também participa da seleção desse debate o</p><p>autor Alberto Melucci, que igualmente percebe a formação de redes de movimentos</p><p>sociais. Para ele, elas são ações e de solidariedade que, desenvolvendo um conflito,</p><p>buscam romper os limites do sistema no qual ocorre a ação.</p><p>Sobre a ideia de conflito do autor, destacamos o trecho a seguir, de Picolotto:</p><p>Nesta definição, o conflito é visto como uma relação entre atores opostos que lutam</p><p>pelos mesmos recursos; a solidariedade como a capacidade de os atores</p><p>compartilharem uma identidade coletiva; e os limites do sistema como o espectro de</p><p>variações tolerados no âmbito de uma estrutura existente. Um rompimento destes</p><p>limites coloca a ação para além do espectro aceitável de variações.</p><p>PICOLOTTO, 2007, p. 172</p><p>A questão da identidade coletiva é central na obra de Melucci, porque é na ação</p><p>coletiva de um movimento que se rompem barreiras e limites de um sistema. Ademais,</p><p>trata-se de atores sociais que participam de uma mesma cultura de movimento e uma</p><p>identidade coletiva que necessita de organizações formais e uma rede de relações</p><p>informais que conectam um indivíduo ao outro e a grupos para uma formação mais</p><p>ampla.</p><p>Para este autor, a tônica das redes de movimentos sociais ocorre por duas ações, que</p><p>são:</p><p>• Fase da latência.</p><p>• Fase da visibilidade.</p><p>Na primeira, as pessoas experimentam novos modelos culturais, criam códigos culturais</p><p>em comum e há mudança nos significados que, muitas vezes, são opostos às pressões</p><p>sociais dominantes.</p><p>Ademais, a latência permite a visibilidade por alimentá-la com recursos de solidariedade</p><p>e com uma estrutura cultural para mobilização. Com esta, as redes ganham força.</p><p>O balanço dos movimentos sociais no Brasil</p><p>Por meio da apresentação das visões dos principais autores que estudam os movimentos</p><p>sociais, conhecemos os debates contemporâneos acerca dos movimentos sociais. Dessa</p><p>forma, entendemos que o campo conceitual e teórico é fundamental aos</p><p>procedimentos que orientam o cientista social.</p><p>É importante perceber as semelhanças e diferenças nas ideias dos autores apresentados.</p><p>Isso porque os movimentos sociais estão envoltos a um paradigma; ou seja, eles estão</p><p>dentro de um modelo ou sistema de derivação. É no diálogo entre as ideias de</p><p>pesquisadores especialistas nos temas que o conhecimento realiza-se.</p><p>Agora, podemos pensar um pouco acerca do balanço dos movimentos sociais no Brasil.</p><p>A fim de reconhecer a relevância dessas ações coletivas, Luciana Ballestrin e Cristiana</p><p>Losekann, em A abertura do conceito de sociedade civil: desencaixes, diálogos e</p><p>contribuições teóricas a partir do Sul Global, pontuam que a atuação dos movimentos</p><p>sociais no Brasil, na virada da década de 1970 para 1980, foi fundamental para a</p><p>redemocratização.</p><p>Sobre isso, destacamos o trecho da obra a seguir:</p><p>No Brasil, o movimento pela Anistia em 1979 e pelas “Diretas Já” em 1984 mostraram a</p><p>força dos movimentos sociais, do novo sindicalismo, dos novos partidos de esquerda,</p><p>das associações comunitárias, das comunidades eclesiais de base, das organizações</p><p>populares, dos movimentos suprapartidários.</p><p>BALLESTRIN; LOSEKANN, 2013, p. 197</p><p>Hebe Mattos, por sua vez, recua um pouco mais no tempo e destaca a historicidade da</p><p>interação de movimentos sociais, processo legislativo, conhecimentos acadêmicos e</p><p>produção de políticas públicas com desdobramentos que podem ser percebidos a partir</p><p>do caso do movimento negro. Tendo como marco os anos 1950, o Estado timidamente</p><p>assumiu alguns compromissos de reparação histórica com a sanção da Lei Afonso Arinos</p><p>(Lei nº 1.390/1951), que tornou o preconceito racial contravenção penal. No entanto,</p><p>durante o período da ditadura militar, não houve avanços nessa direção — ao contrário,</p><p>foram muitos os retrocessos.</p><p>Para ler a referida lei na íntegra, acesse: BRASIL. Lei nº 1.390, de 3 de julho de 1951.</p><p>Brasília, DF: Presidência da República, 1951.</p><p>Com a redemocratização, o respeito e o direito à história e à memória dos</p><p>afrodescendentes passam a ser novamente reconhecidos. Neste sentido, Mattos explica</p><p>que há ampliação da lei promulgada em 1951 com a criação da Lei Caó (Lei nº</p><p>7.437/1985) (que define como contravenção penal a discriminação por sexo e estado</p><p>civil), além de uma série de outras conquistas alcançadas pelos movimentos sociais da</p><p>década de 1990 em diante (MATTOS, 2012, p. 108).</p><p>Para ler a Lei Caó na íntegra, acesse: BRASIL Lei nº 7.437, de 20 de dezembro de 1985.</p><p>Brasília, DF: Presidência da República, 1985.</p><p>Ademais, foi de grande relevância para a História os avanços conquistados com a</p><p>Constituição Federal de 1988, como podemos ver no trecho destacado a seguir:</p><p>[...] [foi] na Constituição Federal de 1988, quando ficou clara a necessidade de</p><p>implementar medidas capazes de promover, de fato, a igualdade sancionada pela lei e</p><p>a valorização da diversidade étnica e cultural brasileira. A Constituição de 1988 garantiu,</p><p>nos Artigos n. 215 e 216, proteção às manifestações das culturas populares, indígenas e</p><p>afro-brasileiras, e estendeu a noção de direito às práticas culturais. No Artigo n. 68 do</p><p>Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT n. 68), concedeu direito à terra</p><p>aos descendentes de</p><p>escravos mediante a titulação dos quilombos.</p><p>MATTOS, 2012, p. 108</p><p>Foi um grande feito o reconhecimento ao direito à titulação coletiva conquistado pelos</p><p>remanescentes quilombolas. Trata-se do resultado da pressão do movimento negro</p><p>brasileiro nos trabalhos constituintes, na década de 1980.</p><p>Inclusive, embora Mattos destaque os avanços do ponto de vista do movimento negro,</p><p>convém salientar que a redemocratização foi de grande efervescência política no Brasil,</p><p>haja vista que, no processo de elaboração do texto da nova constituição, organizaram-</p><p>se diversas ações sociais reivindicando, por exemplo, os direitos de crianças e</p><p>adolescentes, das mulheres e dos povos indígenas.</p><p>http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l1390.htm#:~:text=LEI%20No%201.390%2C%20DE%203%20DE%20JULHO%20DE%201951.&text=Inclui%20entre%20as%20contraven%C3%A7%C3%B5es%20penais,de%20ra%C3%A7a%20ou%20de%20c%C3%B4r</p><p>http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7437.htm</p><p>Dessas ações, podemos destacar a Ciranda da Constituinte, quando milhares de crianças</p><p>e jovens reuniram-se em torno do Congresso Nacional para terem garantidos seus</p><p>direitos na Constituição.</p><p>Outro ato marcante durante a constituinte foi a fala de Ailton Krenak que, vestido de</p><p>branco, pintou seu rosto com tinta preta (feita de jenipapo) para registrar a insatisfação</p><p>do movimento indígena acerca dos encaminhamentos sobre o direito desses povos</p><p>proposto para a Constituição. Sua fala teve grande repercussão e reverberou em</p><p>avanços na discussão e criação de leis a favor dos povos originários.</p><p>Krenak é um exemplo interessante para o balanço dos movimentos sociais no Brasil.</p><p>Como dissemos, na década de 1980, ele teve sua imagem associada à Constituinte,</p><p>porém hoje reaparece como militante atrelado às suas publicações textuais e</p><p>participação no documentário Guerras do Brasil, no episódio Guerras da Conquista, no</p><p>qual revela que a reparação histórica ainda não aconteceu e há muito o que avançar no</p><p>Brasil para alcançar efetiva vivência de uma sociedade baseada nos pilares</p><p>democráticos, mesmo passados mais de 30 anos da promulgação da Constituição</p><p>Federal.</p><p>Testemunhamos, na atualidade, os movimentos sociais retomando às ruas,</p><p>reivindicando a ampliação de direitos, a considerar as mobilizações em torno da saúde,</p><p>das questões religiosas, contra as políticas neoliberais e do setor da comunicação</p><p>(GOHAN, 2011a, p. 352-353). Ademais, para além dessas frentes, podemos acrescentar</p><p>que, nos últimos anos, cresceu o movimento antifascista, o ambientalista e, ainda, o dos</p><p>povos originários, que lutam pela manutenção de direitos já conquistados.</p><p>Para concluir o balanço sobre os movimentos sociais no Brasil contemporâneo,</p><p>constatamos a atuação ativa dos grupos sociais em interação com processos legislativos,</p><p>conhecimentos acadêmicos e produção de políticas públicas.</p><p>Qual a importância do campo teórico para a compreensão do conceito de movimentos</p><p>sociais?</p><p>O campo teórico é importante porque é por meio de teorias que o aporte conceitual</p><p>passa a ser desenvolvido como ferramenta para leitura da realidade social.</p><p>Quais circunstâncias históricas colocaram em xeque o primado do paradigma</p><p>funcionalista e as convicções teóricas marxistas?</p><p>A explosão de novos movimentos sociais na década de 1960, com origem em setores</p><p>das classes médias dos países industrializados (como o movimento pelos direitos civis</p><p>nos Estados Unidos, o estudantil e o feminista, que acabariam por tornar-se presenças</p><p>permanentes no cenário político-social das sociedades industrializadas). Com toda essa</p><p>efervescência cultural, os/as especialistas foram convocados a posicionarem-se e</p><p>revisitarem suas balizas teóricas.</p><p>Como os debates contemporâneos e os balanços demonstrados contribuem para a ação</p><p>dos movimentos sociais?</p><p>Por meio da produção de pesquisas tanto no campo acadêmico como as elaboradas por</p><p>ONGs ou outras intuições. Elas permitem o embasamento de análise e diagnóstico de</p><p>https://www.youtube.com/watch?v=1C7eQBl6_pk</p><p>dados para melhor definir ações, como políticas públicas e projetos de financiamento</p><p>social.</p><p>UNIDADE 4</p><p>Interseccionalidade: imbricações entre classe, gênero e raça</p><p>Como se constituíram as categorias analíticas de gênero e raça para a</p><p>inelegibilidade das questões relacionadas a estes debates?</p><p>Neste tema buscaremos compreender o conceito de interseccionalidade ligado de</p><p>formas imbricadas à questão de classe, gênero e raça. O que isso quer dizer? Que essas</p><p>categorias estão presentes dentro do sistema capitalista como elementos estruturantes</p><p>e produtores de diferenças sociais, representadas por inúmeras vezes de formas</p><p>negativas frente à sociedade.</p><p>Nos últimos anos, o debate em torno da desigualdade e da diversidade ganhou</p><p>visibilidade, principalmente devido às reivindicações de movimentos sociais, como</p><p>feminismo, LGBTQIA+ e negro. Eles questionam os espaços de poder e certa</p><p>normatividade baseada em valores conservadores e calcados em machismo, racismo e</p><p>homofobia, os quais são responsáveis por violências (hediondas) contra as pessoas</p><p>desses grupos</p><p>As prerrogativas acima perpassam toda a sociedade, principalmente o ambiente</p><p>escolar, onde jovens estudantes formam suas identidades como cidadãos e sujeitos.</p><p>Tendo em vista o que foi exposto, este texto pretende tecer considerações a respeito</p><p>dos debates que envolvem as categorias de gênero, raça e sexualidade de forma</p><p>imbricada, além de pensar o lugar da escola e as contribuições do ensino de História</p><p>para a superação de preconceitos.</p><p>Na obra Interseccionalidade (2018), a pensadora Carla Akotirene expõe que aqueles</p><p>conceitos podem ser explicativos para compreender as imbricações entre raça, gênero</p><p>e classe como lugares de fronteiras, cruzamentos e mazelas enfrentadas dentro do</p><p>sistema capitalista.</p><p>Segundo a autora, existem variações dentro das diferenças. Por exemplo: ser uma</p><p>mulher é uma categoria ligada ao gênero, mas ser negra e pobre envolve três delas de</p><p>forma interseccional, pois aquela mulher ocupa as de gênero, raça e classe.</p><p>Tal afirmação pode ser reforçada quando analisamos os dados do Anuário de Segurança</p><p>Pública (2019-2021), que demonstram que entre os casos de violência sexual, 84%</p><p>foram contra mulheres, e desse montante, cerca de 50,4% foram praticados contra</p><p>negras.</p><p>Por isso, para a referida autora, sexismo e racismo não se separam.</p><p>Quando falamos de imbricação é justamente para pensar que raça, gênero e classe não</p><p>se separam, pois perpassam a vida dos sujeitos que estão na corrente mais fraca do</p><p>sistema capitalista.</p><p>https://ead.uva.br/disciplinas/grad/publica/cont/abc/cms/re/u4/tema-1.htm#more-info-1</p><p>https://ead.uva.br/disciplinas/grad/publica/cont/abc/cms/re/u4/tema-1.htm#more-info-1</p><p>https://files.cercomp.ufg.br/weby/up/1154/o/Interseccionalidade_(Feminismos_Plurais)_-_Carla_Akotirene.pdf?1599239359</p><p>https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2021/07/anuario-2021-completo-v4-bx.pdf</p><p>https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2021/07/anuario-2021-completo-v4-bx.pdf</p><p>Vamos entender melhor as categorias de gênero e raça? Como elas surgiram?</p><p>Joana Maria Pedro expõe que o conceito de gênero, como categoria de análise</p><p>explicativa, pode ser encontrado a partir dos movimentos feministas. A partir das</p><p>décadas de 1960-70, a palavra mulher passou a ser usada para referir-se às</p><p>reivindicações para explicar sua submissão aos homens, o que era baseado em questões</p><p>biológicas concernentes ao sexo.</p><p>Ainda segundo Pedro, o termo gênero passou a ser utilizado nos anos de 1980 pelas</p><p>feministas em detrimento da palavra sexo, pois elas buscavam reforçar a ideia de que</p><p>as diferenças constatadas nos comportamentos de homens e mulheres não dependiam</p><p>do sexo como questão biológica, mas eram definidas pelo gênero. E, por isso, estavam</p><p>ligadas à cultura. Desse modo, os estudos sobre gênero nascem das demandas dos</p><p>movimentos sociais na década de 1980.</p><p>Em português, como</p><p>na maioria das línguas, todos os seres animados e inanimados têm</p><p>gênero. Entretanto, somente alguns seres vivos têm sexo. Nem todas as espécies se</p><p>reproduzem de forma sexuada; mesmo assim, as palavras que as designam, na nossa</p><p>língua, lhes atribuem um gênero. E era justamente pelo fato de que as palavras na</p><p>maioria das línguas têm gênero, mas não têm sexo, que os movimentos feministas e de</p><p>mulheres, nos anos oitenta, passaram a usar esta palavra “gênero” no lugar de “sexo”.</p><p>Buscavam, desta forma, reforçar a ideia de que as diferenças que se constatavam nos</p><p>comportamentos de homens e mulheres não eram dependentes do “sexo” como</p><p>questão biológica, mas sim eram definidos pelo “gênero” e, portanto, ligadas à cultura.</p><p>(PEDRO, 2005, p. 78)</p><p>A historiadora Joan Scott na obra “Gênero: uma categoria útil para análise histórica”</p><p>(1990) chamou atenção para o fato de que dentro dessas discursividades entre gênero</p><p>e sexo estão as relações de poder. Para a autora, o primeiro significa saber a respeito</p><p>das diferenças sexuais. Portanto, seus usos e significados nascem da disputa política e</p><p>são os meios pelos quais as relações de poder ou dominação e subordinação são</p><p>construídas.</p><p>Ela alertou para o fato de que a História contribuiu para a produção da diferença sexual,</p><p>pois uma narrativa histórica nunca é neutra. Assim, relatar unicamente os fatos em que</p><p>homens estiveram envolvidos constrói no presente o gênero ao definir que apenas (ou</p><p>só) eles fazem História.</p><p>No entanto, a utilização da categoria de gênero passou a ser ampliada para gays e</p><p>lésbicas e, mais tarde, ela foi denominada identidade de gênero, a fim de referir-se às</p><p>pessoas ligadas à comunidade LGBTQIA+.</p><p>Ainda segundo Pedro (2005), as obras de Thomas W. Laqueur, Judith Butler e Linda</p><p>Nicholson contribuíram para problematizar a relação entre sexo e gênero. O historiador</p><p>compreendeu, por meio de um estudo feito a partir da história da Medicina, que o sexo</p><p>feminino só “surgiu” no século XVIII, pois, na compreensão dos discursos científicos, a</p><p>mulher era considerada um “macho incompleto”.</p><p>Segundo o autor, foi só depois desse período que se começou a registrar os dois sexos</p><p>(feminino e masculino), o que reforçou as diferenças entre eles. Para o historiador,</p><p>foram as relações de gênero que constituíram o sexo. Judith Butler, por sua vez,</p><p>https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/185058/mod_resource/content/2/G%C3%AAnero-Joan%20Scott.pdf</p><p>ultrapassou o binarismo entre masculino e feminino, propondo a teoria da</p><p>performatividade. Para a filósofa, gênero e sexo estão igualmente dentro das categorias</p><p>discursivas de cultura. Porém, na performatividade, o primeiro é um efeito discursivo, e</p><p>o outro, um efeito de gênero. (PEDRO, 2005)</p><p>E a categoria de raça? Como se constituiu?</p><p>As teorias raciais surgiram dentro do Determinismo Biológico. Os séculos XVIII e XIX</p><p>foram marcados pelo desenvolvimento de discursos científicos e civilizatórios, calcados</p><p>na ideia de superioridade racial. O eurocentrismo científico construiu as diferenças</p><p>biológicas, e o capitalismo, as diferenças sociais. Ou seja, um serviu ao outro, pois por</p><p>muito tempo, cultural e socialmente, os negros foram considerados inferiores, o que</p><p>justificava sua subordinação. No discurso religioso, eles foram destituídos da condição</p><p>de pessoa.</p><p>De acordo com Silvio Almeida, em sua obra Racismo estrutural (2018), raça enquanto</p><p>classificação dos seres humanos é uma categoria construída pela Modernidade, quando</p><p>o homem tornou-se objeto científico da Física e da Biologia.</p><p>A partir do tipo biológico e da Geografia, discernem-se as capacidades intelectuais,</p><p>morais e psicológicas existentes entre as diferentes raças. Já os atributos biológicos e as</p><p>características étnico-culturais determinam e hierarquizam as potencialidades dos</p><p>sujeitos.</p><p>Embora tenha sido provada a inexistência das raças, elas permanecem como categoria</p><p>política utilizada para justificar as desigualdades presentes. Para Almeida, as práticas de</p><p>racismo estão baseadas em relações de poder que determinados grupos têm sobre</p><p>outros. Isso é efetivado como discriminação racial estruturada, constituindo-se um</p><p>processo com privilégios pra alguns grupos em âmbitos econômicos, políticos e</p><p>institucionais.</p><p>O autor concebe ainda três tipos de racismo:</p><p>• Individual: ligado a uma visão patológica.</p><p>• Institucional: causado pelos modos de funcionamento de instituições que</p><p>concedem privilégios a determinados grupos, de acordo com a raça.</p><p>• Estrutural: intricadamente ligado ao institucional, significa que o racismo é</p><p>decorrente da estrutura da sociedade que normaliza e concebe parte de um</p><p>processo histórico, social e político, bem como padrões e regras baseadas em</p><p>princípios discriminatórios de raça, como verdade.</p><p>Racismo, homofobia e misoginia são constantemente naturalizados em nossa</p><p>sociedade. Ainda que os grupos de minorias tenham alcançado diversos direitos — e</p><p>atualmente haja no Brasil políticas públicas que contemplem negros, LGBTQIA+ e</p><p>mulheres —, os valores estruturais calcados na heteronormatividade, no patriarcado e</p><p>na noção de superioridade racial ainda criam diferenças e hierarquizam os sujeitos, que</p><p>sofrem diversos tipos de violências físicas e psicológicas.</p><p>Mediante essas questões, faz-se importante pensar o papel da escola.</p><p>Afinal, essas questões são fundamentais dentro das discussões que perpassam a</p><p>educação e o ambiente escolar. Segundo Guacira Lopes Louro (2003), o colégio não</p><p>apenas reproduz ou reflete as concepções de gênero e sexualidade que circulam na</p><p>sociedade, mas ela própria também produz e naturaliza as diferenças.</p><p>Ao longo da história da escolarização, lugares, espaços e comportamentos (enfim, a</p><p>disciplinarização das mentes e dos corpos) estiveram presentes na educação escolar.</p><p>São exemplos: as divisões de turmas entre meninos e meninas, comportamentos</p><p>específicos para um e outro e práticas pensadas de modo diferente para ambos os sexos.</p><p>A autora chama, então, atenção para o fato de que as ideias devem implodir esses</p><p>binarismos rígidos.</p><p>Por muito tempo, a homossexualidade foi tratada como doença e desvio de</p><p>comportamento, o que representava um “problema” para escola. No entanto, isso era</p><p>resolvido com o silenciamento como forma de garantir a “normalidade”.</p><p>Para Louro, a presença da sexualidade independe da intenção manifesta ou dos</p><p>discursos explícitos na existência ou não desses assuntos nos regimentos escolares. Ela</p><p>está no colégio porque faz parte dos sujeitos, não sendo algo capaz de ser desligado ou</p><p>do qual alguém possa despir-se.</p><p>A negação da homossexualidade no espaço de legitimação da sala de aula confina as</p><p>pessoas às gozações, insultos durante os recreios e jogos, fazendo que, desse modo,</p><p>jovens LGBTQIA+ só possam reconhecer-se como desviantes.</p><p>Embora as pesquisas tenham, há algum tempo, voltado o olhar para as preocupações</p><p>em torno das categorias de gênero, ainda são poucos os trabalhos relacionados a esta</p><p>temática na educação. No caso das questões étnico-raciais, a Lei nº 10.639/03 tornou</p><p>obrigatório o ensino da cultura e da história africana e afro-brasileira, o que demandou</p><p>políticas públicas, mudanças curriculares e de diretrizes.</p><p>Sobre esse assunto, há um acúmulo considerável de trabalhos cujo objeto é a questão</p><p>dos negros no Brasil apresentada em pesquisas sobre a própria lei e sua constituição,</p><p>além de práticas escolares e livros didáticos. Citando a Constituição Federal de 1988:</p><p>Art. 1º: A Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a vigorar acrescida dos</p><p>seguintes arts. 26-A, 79-A e 79-B:</p><p>Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares,</p><p>torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira.</p><p>§ 1º O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo da</p><p>História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira</p><p>e o negro</p><p>na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro</p><p>nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil.</p><p>§ 2º Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no</p><p>âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de</p><p>Literatura e História Brasileiras.</p><p>Neste tema, procuramos perceber como as categorias de gênero, raça e classe inter-</p><p>relacionam-se e não se desvinculam em nenhum momento, pois os problemas atrelados</p><p>ao racismo, machismo e homofobia estão na base do sistema capitalista, que sustenta</p><p>as diferenças para explorá-las.</p><p>O próprio sistema de escravidão africana só foi instaurado por causa das necessidades</p><p>geradas pelo capitalismo que, em seu ápice, transformou o próprio ser humano em</p><p>objeto, apoiado por teorias ligadas ao Determinismo Biológico. Assim, as questões aqui</p><p>apontadas são cruciais para o professor de Ciências Sociais, uma vez que ao longo da</p><p>sua profissão ele poderá deparar-se com situações diversas em sala de aula.</p><p>No campo da pesquisa também tem se apresentado uma série de discussões pertinentes</p><p>ao momento em que as identidades raciais e de gênero ganharam força, representadas</p><p>pelos movimentos sociais.</p><p>Os movimentos sociais e gênero</p><p>Qual a contribuição de Lélia Gonzalez para os movimentos sociais e a</p><p>questão de gênero?</p><p>Para pensarmos sobre essa questão, convém dedicar uma parte importante da análise</p><p>à atuação dos movimentos sociais, devido ao relevante papel das reivindicações dos</p><p>grupos sociais para a construção dessa categoria de análise. Isso porque, de acordo com</p><p>Pedro, o uso da terminologia gênero surgiu no interior das lutas identitárias de</p><p>mulheres, feministas, gays e lésbicas; logo, ela está intimamente relacionada às petições</p><p>por direitos humanos e civis, assim como por igualdade e respeito (PEDRO, 2005, p. 78).</p><p>Dessa forma, a discussão da supracitada autora suscita a necessidade de admitirmos a</p><p>dimensão intelectual que se desdobra dos movimentos sociais, em especial, no caso do</p><p>reconhecimento dos conceitos que deles se desdobram.</p><p>No caso do gênero, a terminologia foi desenvolvida no interior do feminismo, um</p><p>movimento social presente em várias bandeiras de lutas na década de 1960, mas que</p><p>possui historicidade mais antiga. Ele já tinha visibilidade no final do século XIX, devido</p><p>aos protestos por direitos políticos e econômicos. Foram tempos marcados pela ação</p><p>das sufragistas e pelas reivindicações por trabalho remunerado e acesso ao estudo, à</p><p>herança e à propriedade (PEDRO, 2005, p. 78).</p><p>Desde o século XVIII mulheres já reivindicavam o direito de votarem e serem votadas.</p><p>Assim, no século XIX, o movimento cresceu, mas apenas alcançou êxito no XX, quando</p><p>elas conquistaram aquele direito em 1918, no Reino Unido; em 1920, nos Estados</p><p>Unidos; em 1932, no Brasil, e em 1945, na França. É importante salientar que</p><p>o movimento sufragista não estava alinhado às pautas antirracistas, pois colocava em</p><p>questão apenas os interesses das mulheres brancas.</p><p>A atuação das sufragistas é denominada como a primeira onda do movimento feminista.</p><p>Pedro argumenta — e estamos de acordo com ela — que a ideia de onda, de certa</p><p>maneira, gera o entendimento da existência de um centro que reverbera ações em</p><p>direção às margens. Com isso, cria-se hierarquias entre os movimentos feministas no</p><p>mundo, como se fosse necessário que mulheres estadunidenses e europeias iniciassem</p><p>debates para que algumas pautas fossem desenvolvidas em lugares como o Brasil; ou</p><p>ainda: que quando essas ideias aqui chegassem, elas não teriam certa autonomia ou</p><p>originalidade.</p><p>https://www.politize.com.br/movimento-sufragista-o-que-foi-e-qual-o-impacto-no-brasil/</p><p>Desse modo, a autora menciona as “ondas feministas” sempre com ressalvas, a fim de</p><p>reconhecer certos eventos sem deixar de considerar que ocorreram outras lutas em</p><p>diversas temporalidades e espacialidades.</p><p>Um exemplo valioso dessas variações no movimento social, sob a perspectiva de gênero,</p><p>é encontrado na história de luta de muitas mulheres pretas que vivenciaram o passado</p><p>colonial brasileiro. Hoje a trajetória de Dandara dos Palmares — embora a história de</p><p>seu companheiro, Zumbi, tenha maior visibilidade — é um símbolo do movimento</p><p>feminista negro. Inclusive, ela foi homenageada no samba-enredo da escola campeã do</p><p>carnaval carioca de 2019, a Estação Primeira de Mangueira, com o samba Histórias para</p><p>ninar gente grande.</p><p>Nessa direção, Pedro pondera sobre o que ficou conhecido como feminismo de</p><p>“segunda onda”:</p><p>O feminismo chamado de ‘segunda onda’ surgiu depois da Segunda Guerra Mundial, e</p><p>deu prioridade às lutas pelo direito ao corpo, ao prazer, e contra o patriarcado —</p><p>entendido como o poder dos homens na subordinação das mulheres. Naquele</p><p>momento, uma das palavras de ordem era: ‘o privado é político’. Foi justamente na</p><p>chamada ‘segunda onda’ que a categoria ‘gênero’ foi criada, como tributária das lutas</p><p>do feminismo e do movimento de mulheres. Estes movimentos feministas e de mulheres</p><p>passaram a ganhar visibilidade nos anos 60, nos Estados Unidos. (PEDRO, 2005, p. 78)</p><p>Notemos que ao passar a defender pautas relativas ao corpo, ao prazer e à crítica ao</p><p>patriarcado, a categoria de gênero constituiu-se no interior do movimento social, pois</p><p>nas experiências do cotidiano (e mesmo da militância), constatou-se como as relações</p><p>interpessoais, que são norteadas pela prerrogativa de que o masculino seria o universal,</p><p>são atravessadas pela de gênero. Isso gerou tentativas de silenciamento e invisibilidade</p><p>dos sujeitos outros. Nesse sentido, Pedro coloca:</p><p>Até hoje, é muito comum na nossa fala ou na escrita, quando nos referimos a um grupo</p><p>de pessoas, mesmo sendo em sua grande maioria mulheres, mas tendo apenas um</p><p>homem presente, usamos o termo plural no masculino. O que as pessoas dos</p><p>movimentos feministas estavam questionando era justamente que o universal, em</p><p>nossa sociedade, é masculino, e que elas não se sentiam incluídas quando eram</p><p>nomeadas pelo masculino. Assim, o que o movimento reivindicava o fazia em nome da</p><p>‘Mulher’, e não do ‘Homem’, mostrando que o ‘homem universal’ não incluía as</p><p>questões que eram específicas da ‘mulher’. Como exemplos podemos citar: o direito de</p><p>‘ter filhos quando quiser, se quiser’ –, a luta contra a violência doméstica, a reivindicação</p><p>de que as tarefas do lar deveriam ser divididas, enfim, era em nome da ‘diferença’, em</p><p>relação ao ‘homem’ – aqui pensado como ser universal, masculino, que a categoria</p><p>‘Mulher’, era reivindicada. (PEDRO, 2005, p. 80)</p><p>Problematizando esse tipo de questão, os trabalhos de Simone de Beauvoir, lançados</p><p>inicialmente na França, e de Betty Friedan, publicados nos Estados Unidos, foram</p><p>fundamentais para colocar esse debate na ordem do dia; i. e., como a cultura era</p><p>dominada pelos homens, os quais produziam a submissão feminina e a desvalorização</p><p>do trabalho doméstico (PEDRO, 2005, p. 82). Esses livros ganharam traduções em várias</p><p>partes do mundo e tiveram certa abertura no mundo acadêmico.</p><p>https://ead.uva.br/disciplinas/grad/publica/cont/abc/cms/re/u4/2019https:/www.youtube.com/watch?v=JMSBisBYhOE</p><p>https://ead.uva.br/disciplinas/grad/publica/cont/abc/cms/re/u4/2019https:/www.youtube.com/watch?v=JMSBisBYhOE</p><p>O reconhecimento das diferenças de gênero no âmbito da escrita da História tornou-se</p><p>causa urgente daqueles grupos e passou a ser algo disputado, pois estar nela significa</p><p>reconhecimento de cidadania. Ou, como apontou Pedro: para alguns, entrar para a</p><p>História era uma forma de ganhar imortalidade e, por muito tempo, apenas homens que</p><p>participaram de governos e guerras galgavam essa posição.</p><p>Mulheres raramente apareciam nas narrativas históricas, e quando isso ocorria, era de</p><p>forma estereotipada em extremo: quando ocuparam tronos ou de maneira objetificada,</p><p>conforme podemos constatar a partir da seguinte passagem:</p><p>Carregadas de estereótipos, estas</p><p>análises reforçaram mitos ora da suprema santidade,</p><p>ora da grande malvadez das poucas mulheres que ocupam algum cargo de destaque nos</p><p>governos e/ou nas guerras. Engrossam este panteão as rainhas, as princesas e as</p><p>donzelas guerreiras, das quais Joana D´Arc é uma espécie de arquétipo do ‘bem’,</p><p>enquanto Lucrécia Bórgia, por exemplo, é considerada um exemplo do ‘mal’. (PEDRO,</p><p>2005, p. 84)</p><p>Por seu turno, Hebe Mattos explicou que o entendimento da categoria gênero enquanto</p><p>resultado de relações de poder e de produções históricas relacionais exigiu ampla</p><p>renovação dos referenciais internacionais de interpretações clássicas relativas aos</p><p>movimentos de trabalhadores ou sobre a história social da escravidão. Ademais, ela</p><p>completou:</p><p>No mundo da fábrica, a exclusão da mulher do mundo do trabalho foi, desde o início,</p><p>apenas parcial, apesar de existirem, obviamente, marcantes desigualdades de gênero</p><p>no universo operário. No mundo da escravidão, a destituição legal do homem escravo</p><p>do pátrio poder e o peso das hierarquias de gênero e idade nas culturas africanas dão</p><p>bem a medida do quanto ganham em complexidade as análises quando se parte dessa</p><p>perspectiva. Fora do mundo do trabalho, a perspectiva das relações de gênero permitia</p><p>romper ainda mais radicalmente com a dicotomia entre público e privado,</p><p>‘genderizando’ a análise dos processos sociais. (MATTOS; 2012, p. 103)</p><p>As colocações de Pedro e Mattos convergem na evidência das interconexões dos</p><p>movimentos sociais e da produção de conhecimento. Elas reiteram também a trajetória</p><p>da brasileira militante dos movimentos feminista e negro no Brasil, Lélia Gonzales.</p><p>Recentemente, seu livro Por um feminismo afro-latino-americano foi lançado no país.</p><p>Nele, encontramos uma coletânea de textos dessa mulher preta e de origem humilde</p><p>que começou a trabalhar muito cedo como babá, mas conseguiu formar-se em História,</p><p>Geografia e Filosofia. Além de intelectual, Lélia foi uma militante atuante (inclusive,</p><p>participou dos trabalhos da Constituinte, apresentando questão sérias da realidade dos</p><p>negros e negras no Brasil). Podemos conferir um pouco do seu pensamento crítico no</p><p>seguinte trecho oriundo de seu discurso na Constituinte:</p><p>E falar de sociedade brasileira, falar de um processo histórico e de um processo social,</p><p>é falar justamente da contribuição que o negro traz para esta sociedade; por outro lado,</p><p>é falar de um silêncio e de uma marginalização de mecanismos que são desenvolvidos</p><p>no interior desta sociedade para que ela se veja a si própria como uma sociedade branca,</p><p>continental e masculina, diga-se de passagem. Ao levarmos em consideração que a</p><p>ideologia é veiculada nos meios de comunicação — na escola, nas teorias e práticas</p><p>pedagógicas —, vamos constatar o quê? Sabemos sempre que a escolha de um sistema</p><p>de representação, de classificação, valoração e de significação nos remete sempre a uma</p><p>cultura dominante. No caso da sociedade brasileira, apesar da contribuição</p><p>extraordinária que o negro trouxe, vamos perceber que a cultura, a classe e a raça</p><p>dominante impõem ao todo desta sociedade uma visão alienada de si. (GONZALEZ,</p><p>2020, p. 226)</p><p>No caso desse documento, Gonzalez deu ênfase à questão da luta da população negra</p><p>no Brasil, porém, apesar disso, não deixou de problematizar outro tema bastante caro</p><p>para ela: a interseccionalidade. No conjunto de sua obra, ela interessou-se por</p><p>demonstrar a articulação das categorias de raça, classe, sexo e poder para questionar as</p><p>estruturas de dominação de uma sociedade pautada no racismo e no machismo.</p><p>Ademais, ela também pensou as diferenças entres mulheres negras e indígenas e</p><p>defendeu a criação de um feminismo afro-latino-americano. Lélia dedicou-se</p><p>igualmente a acompanhar as ações feministas no Brasil e na América, de maneira que</p><p>discorreu:</p><p>Em outro texto nosso, introduzimos a categoria de amefricanidade e caracterizamos o</p><p>termo amefricanas/amefricanos como nomeação de todos os descendentes dos</p><p>africanos que não só foram trazidos pelo tráfico negreiro, como daqueles que chegaram</p><p>à América antes de seu ‘descobrimento’ por Colombo. E, nesse longo processo histórico</p><p>que marca a presença negro no Novo Mundo, as mulheres, ontem como hoje, têm um</p><p>papel de fundamental importância. No caso brasileiro, vamos encontrá-las como ativas</p><p>participantes de todos os movimentos de resistência e de libertação de que se tem</p><p>notícia. [...] E no momento em que organiza o primeiro encontro nacional, o Movimento</p><p>Negro Unificado, em seu último congresso, criou uma Secretaria Nacional da Mulher.</p><p>Enquanto isso, em nível internacional, sua presença se faz visível nos encontros e</p><p>congressos, argumentando e conseguindo introduzir a dimensão racial nas análises</p><p>feministas. Axé, amefricanas do Brasil! (GONZALEZ, 2020, p. 246-247)</p><p>Movimento social negro no Brasil</p><p>Como as lutas dos movimentos negros no Brasil, em diversos períodos,</p><p>contribuíram para as conquistas relacionadas às questões étnico-raciais?</p><p>Neste tema, compreenderemos um pouco sobre a história do movimento negro no</p><p>Brasil e como suas lutas, em diversos períodos, contribuíram para as conquistas</p><p>relacionadas às questões étnico-raciais.</p><p>A Lei Áurea aboliu a escravatura no Brasil. Por ser um documento oficial, assinado pela</p><p>princesa Isabel em 1888, é atribuída a ela a chamada libertação dos escravos. Porém,</p><p>essa afirmação está correta? Podemos pensar essa Lei como uma conquista da luta de</p><p>resistência dos negros ou como um gesto de benevolência da coroa?</p><p>É importante compreendermos que a abolição decorreu principalmente pela resistência</p><p>dos africanos e afro-brasileiros escravizados. Aos poucos, aquela estrutura rígida</p><p>escravagista cedeu espaço na sociedade para discussões que demandaram o fim da</p><p>escravidão no Brasil.</p><p>Contudo, a luta dos negros brasileiros acontecia desde o período da escravidão, a qual</p><p>não se resume apenas a movimentos consagrados, como a Revolta dos Malês. Muitos</p><p>https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/reportagem/jihad-bahia-revolta-males-escravidao-negros-brasil-historia.phtml</p><p>senhores de escravos tinham que lidar, por exemplo, com pequenas revoltas de negros</p><p>escravizados, reivindicações e negociações para melhores condições de vida.</p><p>Segundo Sharyse Piroupo do Amaral (2001, p. 15):</p><p>Com alguma frequência, os castigos considerados excessivos podiam resultar na morte</p><p>do feitor. Nas suas lutas cotidianas, os escravizados criaram espaços de negociação com</p><p>o senhor que, se por um lado não acabava com a escravidão, por outro lado trazia</p><p>melhores condições de vida e maiores possibilidades de juntar dinheiro para comprar a</p><p>liberdade.</p><p>Podemos pensar que essas formas de lutas e resistência em busca de liberdade indicam</p><p>que as pessoas escravizadas não aceitavam passivamente suas condições. Segundo os</p><p>historiadores João José Reis e Eduardo Silva (1989), o período da escravidão foi repleto</p><p>de conflitos e os negros não foram vítimas passivas de seus “destinos”, pois</p><p>aproveitavam as oportunidades que tinham para melhorarem suas vidas, e, se possível,</p><p>conquistar a liberdade.</p><p>Mesmo que essa não tenha sido a realidade de todos os negros, é importante relatar</p><p>esses acontecimentos para tentar desconstruir visões da escravidão como determinista</p><p>ou fatalista, como se os negros apenas aceitassem as condições sem resistir.</p><p>Será que com a Lei Áurea a vida dos afro-brasileiros e africanos melhorou muito?</p><p>Definitivamente, não. Após a abolição, muitos libertos não tinham para onde ir e tiveram</p><p>suas mãos de obra substituídas por imigrantes vindos da Europa, principalmente no</p><p>trabalho nas lavouras.</p><p>Ademais, o incentivo à vinda dos estrangeiros ao Brasil fez parte da chamada política de</p><p>branqueamento, uma ideia implantada pelas elites brasileiras que, de forma alguma,</p><p>percebiam a abolição como algo positivo para a sociedade, pois não admitiam que os</p><p>negros fossem tratados com igualdade. Assim, era preciso “branquear” a nação.</p><p>Por isso, a vinda</p><p>de imigrantes europeus foi recebida com ótimos olhos pela elite branca</p><p>do país. O fim da escravidão, de longe, significou um projeto de cidadania para inserir</p><p>os ex-escravizados na sociedade; pelo contrário, fazia parte de um projeto político para</p><p>excluí-los.</p><p>Devido à situação de exclusão social provocada pelo racismo contra os negros, surgiram</p><p>os movimentos sociais que buscavam sua inclusão. O século XX consolidou a luta negra</p><p>e podemos entendê-la a partir de diferentes momentos.</p><p>Segundo Almílcar A. Pereira (2011), a primeira fase, no início do século XX, teve um</p><p>caráter nacionalista e buscava a inclusão do negro sem querer alterações que de fato</p><p>estabelecessem um princípio de diversidade cultural. Seu ápice foi a criação da Frente</p><p>Negra Brasileira – FNB, que se tornou partido em 1936, mas foi fechada em 1937,</p><p>juntamente com todas as outras organizações políticas da época.</p><p>Naquele ano, foi implantada a política do Estado Novo. De presidente do Brasil, Getúlio</p><p>Vargas tornou-se um ditador até 1945, quando houve o retorno da democracia. Durante</p><p>aquele período, diversas organizações, jornais e movimentos políticos e sociais foram</p><p>perseguidos.</p><p>A segunda fase do movimento negro contou com a criação do Teatro Experimental</p><p>Negro – TEN, que atuou entre os anos de 1944 e 1961 como principal organização de</p><p>sua época. Sua criação não tinha exatamente o objetivo de lutar por direitos e igualdade,</p><p>mas, sim, ser apenas uma companhia de teatro. Porém, ele desenvolveu características</p><p>culturais e políticas próprias.</p><p>Também no mesmo período foi criada a União dos Homens de cor – UHC, que era mais</p><p>próxima das ideias de FNB, no sentido de buscar igualdade e integração dos negros na</p><p>sociedade brasileira por meio da educação e inserção no mercado de trabalho (PEREIRA,</p><p>2011).</p><p>Nesse período, a historiografia e as análises sociológicas, como as feitas por Gilberto</p><p>Freyre na obra Casa-grande e senzala (1933), preconizavam o que ficou conhecido</p><p>como O mito da democracia racial: uma ideia fundamentada na cordialidade dos negros</p><p>e nas boas relações entre eles e os brancos, no aculturamento deles.</p><p>Essa teoria contribuiu para criar a falsa ideia de que o Brasil seria uma terra pacífica e</p><p>sem conflitos raciais, o que disfarçou o racismo presente na sociedade.</p><p>É importante ressaltar que, neste período, o negro não era visto como igual na</p><p>sociedade. A maioria da população negra fazia parte das camadas mais pobres (e até</p><p>miseráveis). Assim, os subempregos eram destinados a eles, o que contribuía para dar</p><p>continuidade à figura do negro como subalterno e submisso, tal qual era sua</p><p>representação como escravo.</p><p>A reprodução dessa imagem sobre os negros pode ser percebida em novelas e filmes,</p><p>como demonstra o documentário A negação do Brasil. Direção: Joel Z. Araújo.</p><p>Produção: Casa de criação. São Paulo: Cinemateca brasileira, 2000. Pesquise e assista</p><p>para aprofundar-se na questão.</p><p>A década de 1970 marcou o início dos movimentos contemporâneos. Diferentemente</p><p>das fases anteriores, a característica principal nesse momento é a oposição ao mito da</p><p>democracia racial. Vale lembrar que nesse período o Brasil vivia sua segunda ditadura,</p><p>mas, dessa vez, com os militares, que tomaram o poder com o golpe de 1964.</p><p>Duas organizações muito importantes criadas naquela década foram o Grupo</p><p>Palmares (1971) e o Movimento Negro Unificado – MNU (1978). O primeiro foi fundado</p><p>em Porto Alegre por Oliveira Silveira e outros militantes e trouxe a reavaliação sobre o</p><p>papel das populações negras:</p><p>Teve como principal objetivo propor o 20 de novembro, dia da morte de Zumbi dos</p><p>Palmares, em 1695, como data a ser comemorada pela população negra, em</p><p>substituição ao 13 de maio, dia da abolição da escravatura; fato que engloba uma ampla</p><p>discussão sobre a valorização da cultura, política e identidades negras, e provoca</p><p>objetivamente uma reavaliação sobre o papel das populações negra na formação da</p><p>sociedade brasileira , na medida em que desloca propositalmente o protagonismo em</p><p>relação ao processo da abolição para a esfera dos negros (tendo Zumbi como</p><p>referência), recusando a imagem da princesa branca benevolente que teria redimido os</p><p>escravos . O 13 de maio passou, então, a ser considerado pelo movimento negro como</p><p>um dia nacional de denúncia da existência do racismo e discriminação em nossa</p><p>sociedade. (PEREIRA, 2011, p. 39)</p><p>http://bases.cinemateca.gov.br/cgi-bin/wxis.exe/iah/?IsisScript=iah/iah.xis&base=FILMOGRAFIA&lang=p&nextAction=lnk&exprSearch=ID=022852&format=detailed.pft</p><p>O dia 20 de novembro, proposto pelo Grupo Palmares para homenagear Zumbi, foi bem</p><p>aceito por outros movimentos como meio de valorizar a cultura e a história afro-</p><p>brasileiras. Zumbi foi um grande líder e um dos fundadores do Quilombo dos Palmares</p><p>— o maior que existiu —, que era um dos locais para onde se dirigiam os escravizados</p><p>que fugiam de seus senhores. Palmares chegou a abrigar cerca de 80 mil pessoas e</p><p>tornou-se um símbolo de luta pelo tempo que resistiu aos ataques e perseguições da</p><p>coroa portuguesa.</p><p>Confira um trecho do documento escrito pelo Grupo Palmares:</p><p>Nós negros brasileiros, orgulhosos por ser descendentes de Zumbi, líder da República</p><p>Negra dos Palmares, que existiu no estado de Alagoas, de 1595 a 1695, desafiando o</p><p>domínio português e até holandês, nos reunimos hoje, após 283 anos, para declarar a</p><p>todo povo brasileiro nossa verdadeira e efetiva data: 20 de novembro, dia Nacional da</p><p>Consciência Negra! Dia da morte do grande líder negro nacional, Zumbi, responsável</p><p>pela primeira e única tentativa brasileira de estabelecer uma sociedade democrática, ou</p><p>seja, livre, e em que todos – negro, índios e brancos – realizaram um grande avanço</p><p>político e social. Tentativa esta que sempre esteve presente em todos os quilombos.</p><p>(GONZALES apud PEREIRA, 2011. Transcrito como no documento original do Grupo</p><p>Palmares.)</p><p>O Movimento Negro Unificado – MNU, juntamente com o Grupo Palmares, em</p><p>assembleia nacional em 4 de novembro de 1978, estabeleceu 20 de novembro como</p><p>o Dia Nacional da Consciência Negra, celebrado por militantes negros de vários Estados.</p><p>No dia 7 de julho de 1978, aconteceu o lançamento daquela data nas escadarias do</p><p>Teatro Municipal de São Paulo com a leitura da Carta aberta à população, em que se</p><p>reivindicava, por exemplo, “autêntica democracia racial” e o reconhecimento do “papel</p><p>do negro na história do Brasil” (MNU apud PEREIRA, 2011, p. 13). Essas frases</p><p>apareceram em diversos documentos do movimento.</p><p>Confira o trecho da Carta escrita por ele:</p><p>Nós, Membros da população negra brasileira — entendendo como negro todo aquele</p><p>que possui na cor da pele, no rosto ou nos cabelos, sinais característicos desta raça —,</p><p>reunidos em Assembleia Nacional, convencido da existência de discriminação racial,</p><p>marginalização racial, [...] mito da democracia racial, resolvemos juntar nossas forças e</p><p>lutar pela defesa do povo negro em todos os aspectos [...] por maiores oportunidades</p><p>de emprego; melhor assistência a saúde à educação, à habitação; pela reavaliação do</p><p>papel do negro na história do Brasil, valorização da cultura negra [...], extinção de todas</p><p>as formas de perseguição [...], e considerando enfim que nossa luta de libertação deve</p><p>ser somente dirigida por nós, queremos uma nova sociedade onde todos realmente</p><p>participem [...] nos solidarizamos com toda e qualquer luta reivindicativa nos setores</p><p>populares da sociedade brasileira [...] e com a luta internacional contra o racismo. Por</p><p>uma autêntica democracia racial pela libertação do povo negro! (MNU apud PEREIRA,</p><p>2011, p. 13)</p><p>É possível perceber que a partir da década de 1970, os movimentos negros</p><p>intensificaram a busca pela conscientização da opressão racial e pela reavaliação dos</p><p>pretos como sujeitos históricos. O reconhecimento da identidade negra, o foco em seus</p><p>líderes e a declaração de 20 de novembro como o Dia Nacional da Consciência Negra são</p><p>exemplos das lutas</p><p>É importante considerar que os conceitos de “civilização” e “civilidade” surgem</p><p>justamente com o movimento iluminista, que tinha como parâmetro a sociedade</p><p>europeia. São dos séculos XVIII e XIX as teorias que firmaram a supremacia branca</p><p>europeia frente às demais, o que causou hierarquização entre raças e culturas,</p><p>percebidas até hoje. As considerações de Locke sobre as Américas, por exemplo,</p><p>equivaleram à elaboração de suas teses entre o estado natural e o estado selvagem. No</p><p>século XVIII, a ideia de civilização, de civilidade, ligava-se a estágios de evolução, no qual</p><p>o Ocidente era o centro.</p><p>A sociedade civil, portanto, seria a síntese da domesticação dos instintos inerentemente</p><p>selvagens do ser humano, catalisada pelo monopólio estatal da violência (BALESTRIN;</p><p>LOSEKANN, 2010, p. 187).</p><p>Jean Jacques Rousseau – Contrato social e sociedade civil</p><p>Para Jean Jacques Rousseau, a sociedade corrompe o homem, que nasce bom. A criação</p><p>da propriedade privada particular teria formado uma sociedade desigual e dado origem</p><p>aos conflitos entre os homens por ambição e ganância. Para o filósofo, o homem</p><p>passaria do homem natural (homem selvagem) ao homem civilizado.</p><p>Essas questões estão em sua obra O Contrato Social (1762), na qual defende que</p><p>espécies de acordos (ou contratos) entre os homens seriam necessários para</p><p>estabelecer a vida em sociedade. Assim, a vontade do povo seria soberana, e o desejo</p><p>da maioria deveria prevalecer.</p><p>Ferguson e Smith – Sociedade civil econômica</p><p>Para Ferguson e Smith, representantes da corrente do Iluminismo escocês, a sociedade</p><p>civil está intimamente ligada à sociedade capitalista. São autores que embasam</p><p>sobretudo as teorias liberalistas, de livre mercado. Para Smith e Ferguson, somente a</p><p>divisão do trabalho e a extensão do comércio poderiam gerar estabilidade e</p><p>prosperidade, características fundamentais da sociedade civil. Os autores descolocaram</p><p>os debates da sociedade civil, que até então era pensada apenas por um viés político,</p><p>para um sentido de sociedade civil econômica.</p><p>Karl Marx – Luta de classes e sociedade civil</p><p>Outro pensador muito importante, já do século XIX, foi Karl Marx, para quem a</p><p>sociedade civil estava baseada principalmente na luta de classes, de modo que, para</p><p>analisarmos a sociedade civil, era necessário perceber a esfera de produção e seu</p><p>caráter histórico como limiar da modernidade. Marx foi um dos principais críticos do</p><p>sistema capitalista, desenvolvendo o método que ficou conhecido como “materialismo</p><p>dialético”, que consiste em analisar a história em diversos períodos, observando as</p><p>mudanças, por meio das formas de produção e reprodução econômica e das</p><p>desigualdades sociais, assim como sua superação.</p><p>Hobbes, Locke e Rousseau têm em comum o objeto da ideia de oposição entre o sujeito</p><p>em seu estado social e em estado natural. Seus estudos versam sobre o lugar do</p><p>indivíduo na sociedade e a propriedade privada.</p><p>Até aqui, apresentamos autores clássicos do Iluminismo europeu que contribuíram para</p><p>a formulação do conceito de sociedade civil. Podemos dizer que a todos era comum a</p><p>ideia de que esse conceito estaria ligado principalmente às seguintes ideias:</p><p>• O Estado.</p><p>• A civilidade.</p><p>• A propriedade privada.</p><p>Vale lembrar: ainda que tenhamos apresentado somente esses seis autores, não quer</p><p>dizer que o debate nos períodos dos séculos XVIII e XIX se encerram nestes pensadores.</p><p>Ao contrário, há diversos autores que, dado o nosso tempo hábil, não conseguiríamos</p><p>esgotar neste período.</p><p>Para aprofundar seu conhecimento acerca dos autores Tocqueville, Hume e</p><p>Montesquieu, acesse:</p><p>• Aléxis de Tocqueville (1805/1859) – a recuperação do ideal democrático.</p><p>• David Hume: principais ideias, frases e obras.</p><p>• O espírito das leis – obra completa.</p><p>A partir do século XX até a atualidade, algumas correntes teóricas passaram a pensar a</p><p>sociedade civil, principalmente, como algo deslocado do Estado. Em outras palavras,</p><p>começa-se a entender a sociedade civil como organizações política e ideologicamente</p><p>independentes, diferentemente do que pensavam seus antecessores.</p><p>Estas correntes são conhecidas pelas seguintes matrizes:</p><p>• Neoliberal.</p><p>• Habermasiana.</p><p>• Gramsciana.</p><p>A seguir, apresentaremos cada uma delas de forma mais detalhada.</p><p>Corrente Neoliberal</p><p>As correntes que pensam a sociedade civil a partir das matrizes neoliberais têm seu</p><p>principal fundamento na ideia de livre mercado, estabelecida principalmente por Adam</p><p>Smith.</p><p>http://www.institutodehumanidades.com.br/index.php/galeria/10-galeria-dos-grandes/38-alexis-de-tocqueville</p><p>https://www.netmundi.org/filosofia/2018/david-hume-principais-ideias-e-obras/</p><p>https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/2963710/mod_resource/content/0/Montesquieu-O-espirito-das-leis_completo.pdf</p><p>Segundo Ramos (2005), na visão neoliberal da sociedade civil seu sentido está no Estado,</p><p>no mercado e na família (enquanto esfera privada da vida). Nessa abordagem, a</p><p>sociedade civil não é lugar de emancipação, mas de estabilidade, de provisão, confiança</p><p>e responsabilidade social.</p><p>É com base nesses preceitos que se percebe a sociedade civil como o Terceiro Setor:</p><p>com a formação de associações e ONGs para gerir e suprir necessidades sociais,</p><p>isentando o Estado ou tornando sua responsabilidade mínima.</p><p>Essa matriz preconiza os itens listados a seguir. Clique em cada um deles para entender</p><p>o que representam.</p><p>Separação e autonomização entre Estado, mercado e sociedade civil (Terceiro Setor)</p><p>Identificação de ONG como movimento social</p><p>Construção de parcerias com o Estado</p><p>Crise fiscal do Estado</p><p>Corrente habermasiana</p><p>A corrente de matriz habermasiana é uma referência ao filósofo e sociólogo alemão</p><p>Jürgen Habermas, que não discutiu a sociedade civil em si, mas trouxe a teoria da ação</p><p>comunicativa. Habermas é um representante da chamada Escola de Frankfurt.</p><p>A Escola de Frankfurt foi uma organização de intelectuais alemães que trataram de fazer</p><p>uma espécie de revisionismo das teorias marxistas para o século XX. Partiam do princípio</p><p>de que o entendimento unicamente da esfera do trabalho como força motora da</p><p>evolução social acabava reduzindo o próprio “mundo da vida” — expressão utilizada por</p><p>Habermas.</p><p>Para o autor, a linguagem — e não o trabalho — produz consenso a partir do ato</p><p>comunicativo. Sobre este princípio, leia o trecho a seguir:</p><p>O mundo da vida é o pano de fundo de toda a interação social; é o lugar transcendental</p><p>– fundante, não fundado – onde se desenvolve a intersubjetividade, constitutiva do ser</p><p>social. Ele contém as interpretações acumuladas das gerações passadas e é feita de</p><p>significados. É transmitida, alterada e reproduzida via comunicação, sendo a linguagem</p><p>e a cultura – e não o trabalho – seus aspectos basilares. (CHAMBERS, 2002; ARATO &</p><p>COHEN, 1994 apud RAMOS, 2005)</p><p>Com base no pensamento de Habermas, que percebe o ato comunicativo como</p><p>produtor de ações e táticas ofensivas contra o sistema, autores como Arato & Cohen</p><p>fizeram apropriações de modo a pensar a sociedade civil como o mundo da vida, como</p><p>instrumento político e econômico ofensivo, limitador do Estado e do mercado.</p><p>Confira aqui a colocação dos autores Losekann e Balestrin (2010) ao analisarem as</p><p>apropriações de Habermas por Arato & Cohen, pensando a sociedade civil:</p><p>Não são somente as instituições que fornecem a unidade de um mundo da vida. Toda a</p><p>rede linguística e cultural de tradições é fonte para a condição institucional. A esfera</p><p>pública, a comunicação e as associações são fundamentais e centrais na sociedade civil,</p><p>mas o aspecto privado, em que os indivíduos criam suas identidades e seus juízos</p><p>autônomos, também o é. Assim, outra formulação de Habermas, a de “ação</p><p>comunicativa”, dá condições para existência de uma sociedade civil moderna na qual,</p><p>por meio da prática discursiva e da racionalização do mundo da vida, podem-se</p><p>questionar normas e alterar padrões sociais. (BALESTRIN; LOSEKANN, 2010,</p><p>do movimento negro. Elas se estenderão à Constituição Federal</p><p>promulgada em 1988, conhecida como Constituição Cidadã, justamente por estar</p><p>pautada em princípios de democracia ao reconhecer e defender a pluralidade cultural</p><p>de nosso país e buscar combater a discriminação racial.</p><p>Em 1988, foi apresentado pelo deputado Paulo Pain o Projeto de Lei nº 678/88, que</p><p>desejava estabelecer a inclusão de matérias de história geral e da África e do negro no</p><p>Brasil. Na época, o projeto foi arquivado, e aprovado somente em 2003, nos seguintes</p><p>dispositivos.</p><p>Art. 1º A Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a vigorar acrescida dos</p><p>seguintes arts. 26-A, 79-A e 79-B:</p><p>"Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e</p><p>particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira.</p><p>§ 1º O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo da</p><p>História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira</p><p>e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro</p><p>nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil.</p><p>§ 2º Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no</p><p>âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de</p><p>Literatura e História Brasileiras.</p><p>§ 3º (VETADO)"</p><p>"Art. 79-A. (VETADO)"</p><p>"Art. 79-B. O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como ‘Dia Nacional da</p><p>Consciência Negra’." (BRASIL, 2003)</p><p>Sem dúvida alguma, a lei revela sinais das lutas dos movimentos negros, principalmente,</p><p>das que se estabeleceram a partir de 1970. Todas as disciplinas e conteúdos escolares,</p><p>bem como materiais didáticos — e tudo o que se relaciona à educação —, a partir dessa</p><p>lei, terão como quesito obrigatório abordar a História e a cultura africana e afro-</p><p>brasileira.</p><p>Sua promulgação é uma conquista oriunda de anos de luta por uma sociedade que</p><p>valorize as diferenças sociais, em vez de hierarquizá-las. Contudo, muitos podem</p><p>perguntar-se: qual é o propósito disso? A História de um povo é mais importante que a</p><p>de outro?</p><p>Pois é justamente o contrário: pelo fato de a História, por muito tempo, ter valorizado</p><p>apenas homens brancos e privilegiados (ou seja, figuras ilustres) em detrimento, por</p><p>exemplo, da história dos negros e das mulheres, que hoje aquela lei visa o que se pode</p><p>chamar de reparação histórica. Trata-se do reconhecimento e da valorização da</p><p>contribuição de um povo para a cultura brasileira.</p><p>O Brasil foi o país que mais recebeu africanos sequestrados e escravizados: quase cinco</p><p>milhões. Ademais, aquela lei veio acompanhada de uma série de ações afirmativas que</p><p>contribuíram para a inserção do negro em todos os setores socioeconômicos, criando,</p><p>assim, oportunidades para a superação das desigualdades sociais, como é o caso das</p><p>cotas para negros para cursos universitários e concursos, por exemplo.</p><p>Para o professor de Sociologia ou cientista social, é fundamental compreender a</p><p>trajetória e a reivindicação dos movimentos negros ao longo da História. A abordagem</p><p>sociológica relaciona-se à História à medida que permite, a luz do passado e a partir da</p><p>contextualização, compreender os acontecimentos no presente.</p><p>O mais importante é, certamente, perceber que aquele movimento foi fundamental</p><p>para a conquista da liberdade, dos direitos adquiridos e até da criminalização da</p><p>discriminação racial em nosso país, garantida pela Constituição. Ela pode dar-se por</p><p>agressão física, psicológica e moral contra a pele de uma pessoa negra.</p><p>A Lei nº 10.639/2003 é, portanto, de suma importância, uma vez que aprender sobre a</p><p>história e a cultura dos negros é também compreender a nossa própria História e a</p><p>constituição do Brasil nos mais amplos aspectos. Ademais, trata-se também de uma</p><p>forma de superar a ideia de supremacia racial.</p><p>Para finalizar, cabe fazer uma analogia com o poema de Brecht Perguntas de um</p><p>trabalhador que lê (1935). Quando o autor coloca as perguntas: “Quem construiu</p><p>Tebas, a cidade das sete portas? / Nos livros estão nomes de reis;/ Os reis carregaram</p><p>as pedras?”, é possível pensar: e, no Brasil? Quem formou a economia deste país? Quem</p><p>plantou, lavrou, colheu cana, açúcar, algodão e garimpou ouro? Foram os senhores de</p><p>escravo?</p><p>Como se constituíram as categorias analíticas de gênero e raça para a inelegibilidade</p><p>das questões relacionadas a estes debates?</p><p>As categorias de gênero vieram dos movimentos sociais para a análise acadêmica. As de</p><p>raça e gênero estão ligadas pelo paradigma do Determinismo Biológico, que marcava a</p><p>superioridade entre elas a partir do parâmetro do homem branco, heterossexual e</p><p>privilegiado.</p><p>Qual a contribuição de Lélia Gonzalez para os movimentos sociais e a questão de gênero?</p><p>Ela deu ênfase à luta da população negra no Brasil, mas, apesar disso, não deixou de</p><p>problematizar outro tema bastante caro para ela: a interseccionalidade. No conjunto de</p><p>sua obra, Lélia interessou-se em demonstrar a articulação das categorias raça, classe,</p><p>sexo e poder para questionar as estruturas de dominação de uma sociedade pautadas</p><p>em racismo e machismo.</p><p>Como as lutas dos movimentos negros no Brasil, em diversos períodos, contribuíram para</p><p>as conquistas relacionadas às questões étnico-raciais?</p><p>Compreender a trajetória de luta do movimento social negro no Brasil permite perceber</p><p>o protagonismo dos negros na conquista de seus direitos pela valorização da cultura e</p><p>da história africana e afro-brasileira e contra todas as formas de discriminação racial.</p><p>p. 190)</p><p>Nessa perspectiva de análise, os sujeitos, capazes de se organizar e criar associações por</p><p>meio do ato comunicativo, tornariam possíveis uma condição de autonomia dos</p><p>sujeitos, ao mesmo tempo que partilham os mesmos projetos em comum. Assim, temos</p><p>as associações e instituições que requerem interação comunicativa para sua produção</p><p>e reprodução, confiando no processo de integração social.</p><p>Para Arato e Cohen, a sociedade civil se torna autônoma quando retira suas normas de</p><p>seu próprio cotidiano, do “mundo da vida”, produzidas e reproduzidas pelos atos</p><p>comunicativos.</p><p>Corrente gramsciana</p><p>Essa corrente é inspirada nas ideias de Antônio Sebastiano Francesco Gramsci, que foi</p><p>um filósofo marxista, jornalista, crítico literário, linguista, historiador e político italiano.</p><p>Gramsci teceu suas análises a partir do fundamento marxista; portanto, a luta de classes,</p><p>assim como as questões do trabalho e da dominação capitalista foram centrais em suas</p><p>obras.</p><p>Gramsci propôs pensar o Estado como um sustentáculo do sistema capitalista, por</p><p>proteger ideologias e interesses burgueses. Assim, ele ampliou as teorias marxistas ao</p><p>pensar a dominação cultural como imposição hegemônica.</p><p>Gramsci ampliou as teorias marxistas que dizem respeito à sociedade civil. Entenda, no</p><p>trecho a seguir, a perspectiva do autor para esse conceito:</p><p>De maneira mais específica, a sociedade civil é “o conjunto de organismos designados</p><p>vulgarmente como ‘privados’ [...] formada pelas organizações responsáveis tanto pela</p><p>elaboração quanto pela difusão das ideologias, compreendendo assim o sistema escolar,</p><p>as igrejas, os sindicatos, os partidos políticos, as organizações profissionais, a</p><p>organização material da cultura (que se dá pelos jornais, revistas, editoras, meios de</p><p>comunicação de massa), etc. Em suma, os ditos “aparelhos privados de hegemonia”.</p><p>(Gramsci apud RAMOS, 2005)</p><p>Dois dos principais conceitos de análise de Gramsci são:</p><p>• Hegemonia (consenso, por imposição).</p><p>• Ideologia (interesse de grupos, mas que dão sentido à realidade).</p><p>Portanto, ao pensar a sociedade civil, o autor pode evidenciar como o Estado de classe</p><p>cria não só produção e reprodução do trabalho, mas, sobretudo materialidade, que</p><p>permite que os sistemas de exploração e dominação das classes burguesas se</p><p>perpetuem.</p><p>Encerramos este tema retomando a reflexão inicial sobre as matrizes teóricas que</p><p>formaram o campo e o conceito de sociedade civil.</p><p>Qual a importância dessa compreensão?</p><p>Perceber como os pensadores discutiram e pensaram o conceito ao longo do tempo é</p><p>também perceber como, em cada momento histórico, a sociedade foi analisada e</p><p>pensada por determinados grupos.</p><p>Isso é o que chamamos de campo “epistemológico” da Ciência Social — a discussão que</p><p>cria e destrói os paradigmas e dão (ou não) espaço a novas ideias.</p><p>Além disso, entender o que significa sociedade civil é primordial para as discussões que</p><p>embasam as classes sociais, porque é no seio da sociedade civil que são forjados os</p><p>movimentos sociais, instituições, associações, entidades, comunidades etc. Como</p><p>mencionamos inicialmente, são os grupos que tensionam a política para reivindicar</p><p>espaços de representatividade e poder.</p><p>Classe social em Marx</p><p>Qual o significado de classe social para Karl Marx?</p><p>Neste tema, compreenderemos o conceito de classe social a partir das teorias</p><p>desenvolvidas por Karl Marx. Vale pontuar que, em suas obras, as contribuições de</p><p>Friedrich Engels foram fundamentais, de forma que os dois autores compartilham</p><p>diversos pensamentos intelectuais e instrumentos metodológicos de análises para</p><p>explicar a realidade. Eles enfatizaram principalmente o viés econômico e as contradições</p><p>sociais que se estabeleceram dentro da sociedade capitalista.</p><p>O que significa classe social para Marx?</p><p>podemos entender que compreender o conceito de classes, em Marx, é considerar que</p><p>não se trata se algo explícito ou definido, mas ontológico, em sua obra como um todo.</p><p>É importante ressaltar que o conceito de classe não foi originalmente formulado por</p><p>Marx, mas apropriado por ele, para tecer suas análises. Segundo Ronald H. Chilcote</p><p>(1995), a origem do conceito antecede a obra de Marx, em escritos do filósofo e</p><p>economista francês Saint Simon (1760-1825). Porém, foi a partir das teorias de classes</p><p>formuladas por Karl Marx e Max Weber que o conceito ganha escopo como categoria</p><p>de análise social.</p><p>As teorias dos dois pensadores apresentam alguns contrastes, que destacamos no</p><p>trecho a seguir:</p><p>Primeiro, entre posição social e ação social: “Marx conceitua classe como uma estrutura</p><p>objetiva de posições sociais, enquanto a análise de classe de Weber é construída na</p><p>forma de uma teoria da ação social”. Segundo, entre perspectivas uni e</p><p>multidimensional: “Marx sustenta uma concepção unidimensional de estratificação e</p><p>divisão social, em que relações de classe são predominantes, ao passo que Weber</p><p>sustenta uma visão multidimensional na qual relações de classe cruzam com e são</p><p>frequentemente excedidas em importância por outras (não classistas) bases de</p><p>associação, notadamente status e partidos”. Terceiro, a ênfase em exploração versus</p><p>dominação: “na teoria marxista, a lógica essencial das relações de classe e do conflito</p><p>de classe a exploração, e a dominação política e ideológica é interpretada meramente</p><p>como um meio pelo qual a exploração é assegurada; já em Weber a dominação é</p><p>concebida como um fim em si mesma, com sua própria força e lógica independente”.</p><p>Quarto, produção e mercado: “para Marx, classes são uma expressão de relações sociais</p><p>de produção, enquanto Weber conceitua classes como posições comuns dentro do</p><p>mercado.” (BURRIS apud CHILCOTE, 1995, p. 87)</p><p>Como podemos perceber, o conceito de classe pode ser polissêmico, o que significa que</p><p>pode demonstrar diversas interpretações.</p><p>Marxismo histórico dialético</p><p>Marx elaborou vários escritos sobre diversos períodos históricos para desenvolver suas</p><p>teorias a respeito das classes sociais. Suas análises partiram do método criado por ele e</p><p>Engels, chamado de “materialismo histórico dialético”, que pressupõe analisar a</p><p>realidade considerando os contextos históricos, em cada tempo.</p><p>Nas palavras de Marx, “Toda a História humana até aqui é a História da luta de classes”.</p><p>O materialismo histórico apresenta uma análise social que considera os fatores</p><p>econômicos o ponto de partida para a compreensão da materialidade como construção</p><p>do próprio ser e de suas relações produtivas e reprodutivas dentro da sociedade. A luta</p><p>de classes é compreendida como o motor, ou seja, aquilo que impulsiona a História.</p><p>Para aprofundar seus conhecimentos acerca deste tema, acesse A Materialidade do</p><p>Mundo e as Leis de Seu Desenvolvimento.</p><p>Para chegar a esta compreensão, Marx destacou a progressão dos estágios históricos</p><p>considerando os estágios sistematizados na imagem a seguir:</p><p>A obra de Marx está localizada, principalmente, no contexto histórico da formação da</p><p>classe operária e da consolidação da Revolução Industrial dentro do sistema capitalista,</p><p>que testemunhou o crescimento das fábricas e da produção industrial — e os resultados</p><p>de desigualdades causadas pelo acúmulo do capital centrado nas mãos da burguesia. O</p><p>CLASSE</p><p>Weber</p><p>Acredita que seria possível um tipo de “alocação” da classe trabalhadora inserida no sistema capitalista, conforme o mercado se</p><p>modifica.</p><p>Marx</p><p>Entende a categoria de luta e conflito entre as classes como sendo estrutural, pois a condição de dominação e exploração da classe</p><p>burguesa sobre a classe trabalhadora é historicamente constituída como um fator de permanência. Embora os meios de produção</p><p>se modifiquem, uma classe, como detentora desse meio, sempre vai precisar explorar outra para se manter.</p><p>https://ead.uva.br/disciplinas/grad/publica/cont/abc/cms/re/u1/tema-2.htm#more-info-1</p><p>https://www.marxists.org/portugues/tematica/livros/materialismo/06.htm</p><p>https://www.marxists.org/portugues/tematica/livros/materialismo/06.htm</p><p>interesse no movimento trabalhista europeu e nas ideias socialistas refletiu-se em seus</p><p>escritos, sendo a maior parte do seu trabalho concentrada em temas econômicos, ainda</p><p>que não estejam desvinculados das instituições, de modo que sua obra é considerada</p><p>rica em percepções sociológicas.</p><p>Marx e classe</p><p>Para compreendermos o conceito de classe na abordagem de Karl Marx, observe o</p><p>trecho a seguir:</p><p>Marx frequentemente referiu-se a classe em um sentido popular, como um grupo de</p><p>pessoas partilhando de certas características, como renda. Assim, algumas vezes ele</p><p>mencionou a classe industrial, ou as classes ideológicas, ou as classes improdutivas.</p><p>Todavia, ele diferenciou classes com relação ao desenvolvimento histórico das forças de</p><p>produção e ao aparecimento de um produto excedente além das necessidades dos</p><p>trabalhadores ou produtores diretos, de forma que a classe dominante pode ser</p><p>claramente diferenciada da classe trabalhadora em termos de relações de produção.</p><p>Classe, portanto, é compreensível à luz de um modo de produção dominante na</p><p>sociedade. (CHILCOTE, 1995, p. 95)</p><p>Desse modo, temos que a ideia central de classes está na formação da sociedade</p><p>capitalista industrial.</p><p>O capitalismo pode ser compreendido como um sistema de produção que contrasta</p><p>radicalmente com os sistemas econômicos anteriores historicamente, pois envolve a</p><p>produção de mercadorias e de serviços para uma ampla faixa de consumidores.</p><p>Marx identificava dois elementos principais dentro das empresas capitalistas, que são:</p><p>• O capital.</p><p>• A mão de obra assalariada.</p><p>O capital se refere a qualquer bem — incluindo dinheiro, maquinários ou mesmo fábricas</p><p>— que possa ser usado ou investido (acumulado) para produzir bens e futuros.</p><p>A mão de obra assalariada se refere ao conjunto de trabalhadores que não são donos de</p><p>seus meios de sobrevivência, mas precisam encontrar emprego fornecido pelos</p><p>detentores do capital.</p><p>Classe dominante x proletariado</p><p>Marx acredita que aqueles que detêm o capital — “os capitalistas” — formam a classe</p><p>dominante, enquanto a massa da população constituiu a classe trabalhadora ou classe</p><p>operária.</p><p>Como a industrialização se espalhava, um grande número de camponeses, que antes se</p><p>sustentavam trabalhando na terra, foi forçado a mudar-se para as cidades, que</p><p>cresciam, contribuindo para a formação de uma classe operária industrial urbana. Essa</p><p>classe também foi aferida como proletários.</p><p>Influências das teorias marxistas nas ciências humanas</p><p>As teorias marxistas influenciaram e influenciam diversas pesquisas em áreas distintas,</p><p>em universidades nacionais e internacionais — os debates suscitados por Marx</p><p>tornaram-se um paradigma no campo epistemológico das ciências humanas. Seus</p><p>estudos se desdobraram em diversas teorias e análises surgidas no século XX, como as</p><p>apresentadas por Antônio Gramsci, a respeito da hegemonia e ideologia das classes</p><p>dominantes, os aparatos do Estado como sustentáculos dos interesses burgueses, entre</p><p>outros aspectos.</p><p>É importante citar, também, a famosa Escola de Frankfurt da Alemanha, conhecida por</p><p>desenvolver a chamada teoria crítica do conhecimento, que debate com o marxismo,</p><p>não para desqualificá-lo, mas utilizando-o à luz das mudanças ocorridas nos finais do</p><p>século XIX e início do XX.</p><p>Cientistas sociais importantes como Pierre Bourdieu, Althusser, Gorender, Florestan</p><p>Fernandes, entre outros, fizeram suas pesquisas embasadas na corrente marxista.</p><p>Historiadores como Eric Hobsbawm, E.P. Thompson, Raymond Willians, entre outros,</p><p>também tiveram suas obras influenciadas pelos estudos de Karl Marx.</p><p>Para compreender a influência de Karl Marx:</p><p>• Na sociologia estruturalista de Pierre Bourdieu e Louis Althusser, acesse Discurso</p><p>e ideologia: reflexões no campo do Marxismo estrutural.</p><p>• Na obra do historiador Eric Hobsbawn, acesse o Manifesto para a renovação da</p><p>história.</p><p>• Na obra de E.P. Thompson e Raymond Willians, acesse O conceito de cultura em</p><p>Raymond Williams e Edward P. Thompson: breve apresentação das ideias de</p><p>materialismo cultural e experiência.</p><p>Neste tema, compreendemos como Karl Marx pensou as classes sociais em sua relação</p><p>com a sociedade capitalista. Buscamos demonstrar que o método de análise</p><p>denominado materialismo histórico dialético foi a base para o desenvolvimento da</p><p>teoria ligada às classes sociais. Para Marx, é por meio da compreensão da divisão do</p><p>trabalho em diversos períodos históricos — e das tensões geradas entre classes em</p><p>oposição — que se produz a materialidade, que é parte do próprio sujeito e o que ele</p><p>produz.</p><p>A formação da classe operária</p><p>Quais as contribuições teóricas de E. P. Thompson para o</p><p>entendimento da formação da classe operária?</p><p>Com o entendimento acerca dos conceitos de sociedade civil e classe social, partiremos</p><p>para a ramificação do nosso debate. Dando sequência ao nosso estudo, nossas atenções</p><p>estarão voltadas para o tema formação da classe operária. Para essa abordagem,</p><p>recorreremos à grande referência no assunto: o historiador inglês Edward Palmer</p><p>Thompson (1924-1993).</p><p>Afinal, quem foi Thompson e por qual motivo o consideramos uma</p><p>grande referência?</p><p>Trata-se de um historiador inglês, nascido em Oxford, no ano de 1924, com uma</p><p>trajetória de atuação bastante plural, considerando-se que foi reconhecido em seu</p><p>ativismo político, por ter sido um dos idealizadores da New Left (Nova Esquerda). Ficou</p><p>https://ead.uva.br/disciplinas/grad/publica/cont/abc/cms/re/u1/tema-2.htm#more-info-2</p><p>https://ead.uva.br/disciplinas/grad/publica/cont/abc/cms/re/u1/tema-2.htm#more-info-3</p><p>https://ead.uva.br/disciplinas/grad/publica/cont/abc/cms/re/u1/tema-2.htm#more-info-4</p><p>https://ead.uva.br/disciplinas/grad/publica/cont/abc/cms/re/u1/tema-2.htm#more-info-5</p><p>https://ead.uva.br/disciplinas/grad/publica/cont/abc/cms/re/u1/tema-2.htm#more-info-6</p><p>https://ead.uva.br/disciplinas/grad/publica/cont/abc/cms/re/u1/tema-2.htm#more-info-6</p><p>https://ead.uva.br/disciplinas/grad/publica/cont/abc/cms/re/u1/tema-2.htm#more-info-7</p><p>https://ead.uva.br/disciplinas/grad/publica/cont/abc/cms/re/u1/tema-2.htm#more-info-8</p><p>https://ead.uva.br/disciplinas/grad/publica/cont/abc/cms/re/u1/tema-2.htm#more-info-9</p><p>https://periodicos.uem.br/ojs/index.php/ActaSciHumanSocSci/article/view/6958</p><p>https://periodicos.uem.br/ojs/index.php/ActaSciHumanSocSci/article/view/6958</p><p>https://marxismo21.org/eric-hobsbawm-1917-2012-um-espirito-indomito/</p><p>https://marxismo21.org/eric-hobsbawm-1917-2012-um-espirito-indomito/</p><p>https://periodicos.uff.br/cantareira/article/view/27828</p><p>https://periodicos.uff.br/cantareira/article/view/27828</p><p>https://periodicos.uff.br/cantareira/article/view/27828</p><p>conhecido como professor universitário e na educação para adultos de origem</p><p>trabalhadora.</p><p>A obra A formação da Classe Operária Inglesa, como o título sugere, é um trabalho</p><p>fundamental para a discussão desta aula. Por outro lado, é bom salientar que tal</p><p>temática não é exclusiva desse livro, pois vai perpassar diversos escritos do Thompson,</p><p>em especial A miséria da teoria e Costumes em comum.</p><p>Para aprofundar os seus conhecimentos acerca deste tema, acesse: Por que Thompson?</p><p>Como podemos perceber, era significativa a dedicação do autor inglês à problemática</p><p>da formação da classe operária. Por outro lado, sabemos que boa receptividade à</p><p>abordagem thompsoniana está além da extensão de suas pesquisas, visto que, em</p><p>grande medida, foi a originalidade de sua metodologia que lhe valeu destaque</p><p>historiográfico.</p><p>Sabendo disso, compartilhamos a seguinte indagação:</p><p>O que o historiador inglês E. P. Thompson produziu de tão novo para</p><p>o debate?</p><p>Como resposta a essa pergunta, observe o trecho a seguir, extraído do artigo Teoria de</p><p>Classe, escrito por Ronald Chilcote, comentador dos estudos de Thompson:</p><p>Thompson (1968) argumenta [...] que a história pode ser resgatada por “baixo”, pelo</p><p>enfoque da consciência de classe, da criatividade e da iniciativa da massa. Examina</p><p>aspectos subjetivos da classe</p><p>e, nesse processo, volta-se contra interpretações</p><p>estruturais e deformações teóricas e práticas que percorrem a história. Ellen Meiksins</p><p>Wood [...] acredita que Thompson ressuscitou o conceito de classe e usou contra</p><p>cientistas sociais burgueses, que negam seu uso como relação e processo. (CHILCOTE,</p><p>1995, p. 88)</p><p>Ao lançar nos olhares e interpretações às pesquisas de Karl Marx e propor uma história</p><p>vista de baixo, Thompson, no conjunto de sua obra, critica a produção de um marxismo</p><p>vulgar, assim como coloca em questão as noções de infraestrutura e superestrutura do</p><p>marxismo tradicional, propondo que a constituição da classe operária se dê em um</p><p>processo histórico alicerçado em experiências sociais atravessadas por costumes e</p><p>culturas.</p><p>Seu argumento em torno da importância da experiência social foi desenvolvido,</p><p>principalmente, a partir do estudo dos ingleses nos séculos XVIII e XIX. Com isso, não foi</p><p>uma grande referência acerca dessa temática somente, pois sua tese de que a classe</p><p>operária se constituiu no “autofazer-se” ou, simplesmente, no “fazer-se, também</p><p>influenciou muitos estudos em todo o mundo.</p><p>Para ilustrar esse princípio, apresentamos o seguinte trecho extraído do primeiro</p><p>parágrafo de A Formação da Classe Operária inglesa:</p><p>A classe operária não surgiu tal como o sol numa hora determinada. Ela estava presente</p><p>ao seu próprio fazer-se</p><p>(THOMPSON, I, 1987, p. 9)</p><p>A citação apresentada concretiza a assertividade de sua defesa de que a classe operária</p><p>se constitui na experiência e por historicidade.</p><p>https://periodicos.uff.br/trabalhonecessario/article/view/8590/6153</p><p>https://ead.uva.br/disciplinas/grad/publica/cont/abc/cms/re/u1/tema-3.htm#more-info-1</p><p>Outro ponto importante para o autor é destacar que o singular “classe” é o mais</p><p>adequado para denominar esse grupo. Veja, no trecho a seguir, sua defesa para essa</p><p>afirmação.</p><p>[...] “Classes trabalhadoras” é um termo descritivo, tão esclarecedor quanto evasivo.</p><p>Reúne vagamente um amontoado de fenômenos descontínuos. Ali estavam alfaiates e</p><p>acolá artesãos, e juntos constituem classes trabalhadores. Por classe, entendo um</p><p>fenômeno histórico, que unifica uma série de acontecimentos díspares e</p><p>aparentemente desconectados, tanto na matéria-prima da experiência como na</p><p>consciência. Ressalto que é um fenômeno histórico.</p><p>Com este fragmento de texto começamos a entrar em contato com a singularidade da</p><p>teoria thompsoniana em torno da noção de classe, exatamente naquela que conferimos</p><p>nesta aula, a partir de Chilcote.</p><p>Agora, entenderemos o argumento central que evidencia os elementos da constatação</p><p>de Thompson sobre a formação da classe operária.</p><p>Leia o trecho a seguir:</p><p>A classe acontece quando alguns homens, como resultado de experiências comuns</p><p>(herdadas ou partilhadas), sentem e articulam a identidade de seus interesses entre si,</p><p>e contra outros homens cujos interesses diferem (e geralmente se opõem) dos seus. A</p><p>experiência de classe é determinada, em grande medida, pelas relações de produção</p><p>em que os homens nasceram — ou entraram involuntariamente. A consciência de classe</p><p>é a forma como essas experiências são tratadas em termos culturais: encarnadas em</p><p>tradições, sistemas de valores, ideias e formas institucionais. Se a experiência aparece</p><p>como determinada, o mesmo não ocorre com a consciência de classe. Podemos ver uma</p><p>lógica nas reações de grupos profissionais semelhantes que vivem experiências</p><p>parecidas, mas não podemos predicar nenhuma lei. A consciência surge da mesma</p><p>forma em tempos e lugares diferentes, mas nunca exatamente da mesma forma.</p><p>(THOMPSON, I, 1987, 10)</p><p>Dessa maneira, mais do que produto direto do capitalismo e da industrialização, a classe</p><p>operária se fez por meio de uma experiência determinada, a partir de uma consciência</p><p>de classe diante dessa experiência. Justamente por reconhecer a consciência de classe</p><p>como o modo como os sujeitos lidam com suas experiências a partir de costumes e</p><p>culturas, é que essa consciência se dá historicamente e em variações a depender da</p><p>época e lugar.</p><p>Por essa razão, Thompson rejeitava a ideia de alienação. Leia o trecho a seguir e entenda</p><p>sua defesa para esta afirmação:</p><p>Existe atualmente uma tentação generalizada em se supor que a classe é uma coisa. Não</p><p>era esse o significado em Marx, em seus escritos históricos, mas o erro deturpa muitos</p><p>textos “marxistas” contemporâneos. “Ela”, a classe operária, é tomada como tendo uma</p><p>existência real, capaz de ser definida quase matematicamente – uma quantidade de</p><p>homens que se encontra numa certa proporção com os meios de produção. Uma vez</p><p>isso assumido, torna-se impossível deduzir a consciência de classe que “ela” deveria ter</p><p>(mas raramente tem), se estivesse adequadamente consciente de sua própria posição e</p><p>interesses reais. Há uma superestrutura cultural, por onde esse reconhecimento</p><p>desponta sob formas ineficazes. Essas “defasagens” e distorções culturais constituem</p><p>um incômodo, de modo que é mais fácil passar para alguma teoria substantiva: o</p><p>partido, a seita ou o teórico que desvenda a consciência de classe, não como ela é, mas</p><p>como deveria ser. (THOMPSON, I, 1987, p. 12)</p><p>Como podemos verificar, Thompson critica as apropriações distorcidas acerca dos</p><p>escritos históricos de Marx, em especial em torno da expectativa de qual consciência de</p><p>classe a classe deveria ter. A impossibilidade da exigência de um tipo certo de</p><p>consciência consiste no fato de que a classe se faz em relação e historicamente, ou seja,</p><p>é na experiência com o outro e em dadas contingências sociais que os sujeitos</p><p>reconhecem demandas em comum e vão se fazendo classe, vão constituindo uma</p><p>consciência dessa demanda e força coletiva. Por isso, Thompson argumentou:</p><p>Se lembrarmos que a classe é uma relação, e não uma coisa, não podemos pensar dessa</p><p>maneira. “Ela” não existe, nem para ter um interesse ou uma consciência ideal, nem</p><p>para se estender como um paciente na mesa de operações de ajuste. Tampouco</p><p>podemos inverter as questões, tal como fez uma autoridade no assunto [...]</p><p>[...] se detemos a história num determinado ponto, não há classes, mas simplesmente</p><p>uma multidão de indivíduos com um amontoado de experiências. Mas se examinarmos</p><p>esses homens durante um período adequando de mudanças sociais observaremos</p><p>padrões em suas relações, suas ideias e instituições. A classe é definida pelos homens</p><p>enquanto vivem sua própria história e, ao final, esta é sua única definição.</p><p>No caso brasileiro, alguns estudos se valem da teoria de Thompson para pensar a relação</p><p>dos trabalhadores com as políticas trabalhistas de Vargas, já que muitos acusam de</p><p>alienados os trabalhadores e trabalhadoras que o elegeram na década de 1950, sem</p><p>considerar a experiência social que os/as levou a tal decisão.</p><p>Feitas essas considerações, de modo geral, sobre noções thompsonianas em torno dos</p><p>conceitos de experiência, classe operária e consciência de classe, convém</p><p>mencionarmos que A Formação da Classe Operária inglesa foi lançado em 1963,</p><p>quando Thompson tinha 39 anos. O livro impressionou a comunidade acadêmica com</p><p>seus argumentos. Tal reconhecimento não era necessariamente esperado,</p><p>considerando-se que se tratava de um livro voltado para a comunidade leitora em geral</p><p>e não para o público acadêmico em específico.</p><p>No prefácio do livro, Thompson registra sua intenção, como podemos ver a seguir:</p><p>Este livro tem um título um tanto desajeitado, mas adequado ao seu propósito. Fazer-</p><p>se, porque é um estudo sobre o processo ativo, que se deve tanto à ação humana como</p><p>aos condicionantes. (THOMPSON, I, 1987, p. 9)</p><p>Considerando o título original em inglês, The making of the English working class, faz</p><p>mais sentido a classificação “título desajeitado”, tendo em vista que, na tradução para</p><p>o português, “ajeitou-se” a denominação. Ainda assim, a escolha de se traduzir por</p><p>formação perdeu a força com que a versão em inglês expressa a tão clara ideia do fazer-</p><p>se no próprio título, por</p><p>meio do “the making”.</p><p>Agora que aprendemos a respeito do grande impacto das produções de Thompson e de</p><p>suas principais ideias, nos estudos das classes sociais, resta saber um pouco mais sobre</p><p>a estrutura dessa obra com denominação quase homônima ao tema desta aula.</p><p>A Formação da Classe Operária inglesa foi organizada em três tomos, sendo eles:</p><p>1. A Árvore da Liberdade.</p><p>2. A Maldição de Adão.</p><p>3. A Força dos Trabalhadores.</p><p>Cada uma dessas partes foi apresentada pelo próprio autor da seguinte maneira:</p><p>Na parte I, trato das tradições populares vigentes no século 18 que influenciaram a</p><p>fundamental agitação jacobina dos anos de 1790. Na parte II, passo das influências</p><p>subjetivas para as objetivas – as experiencias de grupos de trabalhadores durante a</p><p>Revolução Industrial que me parecem de especial relevância. Tento também avaliar o</p><p>caráter da nova disciplina industrial do trabalho e da posição, a esse respeito, da Igreja</p><p>Metodista. Na Parte III, recolho a história do radicalismo plebeu, levando-a, através do</p><p>luddismo, até a época heroica no final das Guerras Napoleônicas. Finalmente, discuto</p><p>alguns aspectos da teoria política e da consciência de classe nos anos 1820 e 1830.</p><p>(THOMPSON, I, 1987, p. 12)</p><p>Para entendermos as razões que teriam levado Thompson a estabelecer esse recorte,</p><p>ou seja, escolher esse grupo de sujeitos do final do século XVIII e começo do XIX,</p><p>apresentamos o trecho de abertura da obra, que traz a seguinte afirmação:</p><p>Nos anos entre 1780 e 1832 os trabalhadores ingleses em sua maioria vieram a sentir</p><p>uma identidade de interesses entre si, e contra seus dirigentes e empregadores. Essa</p><p>classe dirigente estava, ela própria, muito dividida, e de fato só conseguiu maior coesão</p><p>nesses mesmos anos porque certos antagonismos se dissolveram (ou se tornaram</p><p>relativamente insignificantes) frente a uma classe operária insurgente. Portanto, a</p><p>presença operária foi, em 1832, o fator mais significativo da vida política britânica.</p><p>(THOMPSON, I, 1987, p. 12)</p><p>Podemos notar que foi nas experiências vivenciadas no final do XVIII e começo do XIX</p><p>que levaram o grupo de sujeitos, com seus costumes e culturas, a se fazerem a classe</p><p>operária, ou seja, questão chave no desdobramento da teoria sobre o fazer-se classe.</p><p>Para finalizar, destacamos aqui a relevância que, embora seja um autor de impacto no</p><p>campo historiográfico, não significa dizer que ele seja unanimidade. Ao contrário,</p><p>segundo o já mencionado Chilcote, Thompson foi acusado de subjetivismo e</p><p>voluntarismo por críticos como Perry Anderson (p. 88). Por outro lado, mesmo entre</p><p>seus adeptos, pesquisadoras e pesquisadores em estudos contemporâneos têm</p><p>buscado ampliar a abrangência das noções thompsonianas de formação da classe</p><p>operária ao pensá-la à luz das questões identitárias ou de debates decoloniais.</p><p>Como o conhecimento do campo teórico permite compreender o conceito de sociedade</p><p>civil?</p><p>A partir dos pensadores apresentados é possível perceber como a sociedade civil foi</p><p>pensada em cada época. Compreender o campo teórico que discute o conceito é parte</p><p>do método sociológico de percepção da realidade.</p><p>Qual o significado de classe social para Karl Marx?</p><p>Marx conceitua classe como uma estrutura objetiva de posições sociais. Para o</p><p>pensador, as classes sociais se dão em uma relação de lutas entre a exploração e a</p><p>dominação dos detentores dos modos de produção (o capitalista) e as classes proletária</p><p>(os trabalhadores).</p><p>Quais as contribuições teóricas de E.P. Thompson para o entendimento da formação da</p><p>classe operária?</p><p>Thompson inova na abordagem do tema ao lançar olhares e interpretações às pesquisas</p><p>de Karl Marx. Propõe que a constituição da classe operária se deu em um processo</p><p>histórico alicerçado em experiências sociais atravessadas pelo costume e pela cultura, a</p><p>partir da consciência de classe e iniciativa das massas.</p><p>UNIDADE 2</p><p>A formação da sociedade capitalista industrial e a classe trabalhadora</p><p>Quais situações corroboraram para a emergência do capitalismo e, por</p><p>consequência, o triunfo da burguesia europeia?</p><p>Iniciaremos nossa discussão refletindo sobre a nossa realidade atual. Vivemos em uma</p><p>sociedade capitalista estruturada em classes e estamos tão acostumados a consumir</p><p>produtos industrializados, que nem sempre paramos para pensar o quanto o processo</p><p>envolvido na produção daquilo que consumimos — ou mesmo produzimos — revela do</p><p>capitalismo.</p><p>Sabemos que hoje as mercadorias possuem formas de produção e circulação</p><p>condicionadas pela industrialização e economia global, mas isso nem sempre foi assim.</p><p>Se pudermos conversar com as pessoas mais idosas da nossa comunidade,</p><p>provavelmente ouviremos de um tempo em que as pessoas costuravam suas próprias</p><p>roupas, tinham hortas e criavam animais para garantir a sua própria alimentação, bem</p><p>como histórias de pessoas completamente desassistidas de direitos trabalhistas — os</p><p>quais estão novamente em crise. Ainda que você, estudante, tenha contato ou realize</p><p>trabalho rural e/ou trabalho informal, a maneira de vivenciar essa experiência é muito</p><p>diferente de 100 anos atrás.</p><p>Isso porque, no Brasil, o avanço da industrialização e da urbanização ocorreu</p><p>principalmente de meados do século XX em diante. No entanto, o caso brasileiro está</p><p>intimamente ligado ao processo histórico europeu, tendo em vista o seu histórico</p><p>colonial a partir do século XVI.</p><p>Sendo assim, para falarmos da sociedade capitalista industrial, devemos considerar que</p><p>ela é um desdobramento do capitalismo comercial instaurado pela Europa Moderna,</p><p>que tinha como base a formação das monarquias nacionais, o desaparecimento dos</p><p>laços feudais e as práticas econômicas mercantilistas, principalmente em relação aos</p><p>territórios colonizados.</p><p>Nesse momento, a burguesia europeia acumulou riquezas possibilitando o</p><p>desenvolvimento tecnológico, o surgimento do imperialismo e a emergência daquilo</p><p>que Eric Hobsbawm denominou de a Era do Capital, que, para o autor, pode ser</p><p>demarcado historicamente pelo período de 1848-1875.</p><p>A ascensão do capitalismo, por suas contradições próprias, inaugurou o período de luta</p><p>entre a burguesia e a classe trabalhadora. Não por acaso, na era do capital, temos a</p><p>https://ead.uva.br/disciplinas/grad/publica/cont/abc/cms/re/u2/tema-1.htm#eric-hobsbawm</p><p>publicação do Manifesto Comunista (1848) e de O Capital (1867), entre tantos outros</p><p>escritos de Karl Marx. O capitalismo, dessa maneira, passa a ser tema de muitos debates</p><p>e, inclusive, de acordo com Hobsbawm:</p><p>Dito isso, vale destacar que, além da expropriação de riquezas dos povos originários da</p><p>América, o acontecimento das Revoluções na França e da Revolução Industrial</p><p>corroboraram para a emergência do capitalismo e, por consequência, para o triunfo da</p><p>burguesia europeia.</p><p>Para nos ajudar a entender que sociedade triunfante era essa, destacamos outro trecho</p><p>de Hobsbawm, apresentado a seguir:</p><p>Foi o triunfo de uma sociedade que acreditou que o crescimento econômico repousava</p><p>na competição da livre iniciativa privada, no sucesso de comprar tudo no mercado mais</p><p>barato (inclusive trabalho) e vender no mais caro. Uma economia assim baseada, e,</p><p>portanto, repousando naturalmente nas sólidas fundações de uma burguesia composta</p><p>daqueles cuja energia, mérito e inteligência elevou-os a tal posição, deveria — assim se</p><p>acreditava — não somente criar um mundo de plena distribuição material, mas também</p><p>de crescente felicidade, oportunidade humana e razão, de avanço das ciências e das</p><p>artes, numa palavra, um mundo de contínuo e acelerado progresso material e moral.</p><p>HOBSBAWM, 2007, p. 19</p><p>Apesar do reconhecimento do triunfo dessas ideias, Hobsbawm estava longe de ser um</p><p>entusiasta dessa sociedade. Pelo contrário, também ponderou que, nesse ideal burguês,</p><p>não havia espaço para a felicidade e oportunidade para a imensa classe trabalhadora.</p><p>Segundo o historiador, na era do capital, propunha-se, no plano do discurso, que</p><p>trabalhadores e trabalhadoras trabalhassem para ascenderem socialmente, porém, na</p><p>prática, a vida e a expectativa não eram iguais para todos.</p><p>Entenda, no trecho destacado a seguir, a justificativa do autor para esta contradição:</p><p>[...] nos países do Velho Mundo a classe média acreditava que os trabalhadores</p><p>deveriam ser pobres, não apenas porque sempre tinham sido, mas também porque a</p><p>inferioridade econômica era um índice adequado de inferioridade de classe. Se, como</p><p>aconteceu ocasionalmente — por exemplo no grande boom de 1872-73 —, alguns</p><p>trabalhadores chegassem a receber suficientemente para se darem ao luxo de desfrutar</p><p>dos privilégios que os empregadores olhavam como seus direitos naturais, a indignação</p><p>que isto levantava era sincera e vinha do fundo do coração. O que é que mineiros tinham</p><p>a ver com pianos de cauda e champagne? Em países com carência de trabalhadores,</p><p>hierarquia social subdesenvolvida e uma população operária truculenta e democrática,</p><p>as coisas poderiam ser diferentes; mas na Inglaterra e na Alemanha, França e Império</p><p>dos Habsburgos, diferente da Austrália e dos Estados Unidos, o máximo adequado para</p><p>a classe trabalhadora era uma quantidade suficiente de comida boa e decente</p><p>(preferivelmente sem muita bebida), um lugar modesto para vida social, vestimenta</p><p>adequada para proteger a moral, e saúde e conforto sem arriscar uma tendência à</p><p>imitação dos melhores na escala social. Esperava-se que o progresso capitalista viesse</p><p>eventualmente trazer os trabalhadores próximo a este ideal, e infelizmente (o que não</p><p>implicava em aumentar salários) muitos ainda estavam abaixo deste nível. Portanto, era</p><p>desnecessário, indesejável e perigoso aumentar salários além daquele limite.</p><p>HOBSBAWM, 2007, p. 304</p><p>O paradoxo liberal das revoluções europeias</p><p>https://ead.uva.br/disciplinas/grad/publica/cont/abc/cms/re/u2/tema-1.htm#karl-marx-1</p><p>A partir das ponderações de Hobsbawm, podemos admitir que, em certa medida, os</p><p>ideais de Igualdade, Liberdade e Fraternidade da Revolução Francesa circulavam no</p><p>mundo burguês e criavam uma aparência mais civilizada para uma lógica social</p><p>emergente e perversa com a maioria absoluta da sociedade.</p><p>evidenciamos continuidades, no tempo presente, de um discurso liberal que maquia a</p><p>desigualdade social e a perversidade do capitalismo. Essas questões, aliás, podem ser</p><p>problematizadas pelo fato de a Revolução Industrial ter suprimido a revolução política</p><p>reivindicada pelos franceses. Destacamos o trecho a seguir, em que o autor embasa essa</p><p>questão:</p><p>A Revolução Industrial (inglesa) havia engolido a revolução política (francesa). A história</p><p>de nosso período é, portanto, desequilibrada. Ela é primariamente a do maciço avanço</p><p>da economia do capitalismo industrial em escala mundial, da ordem social que o</p><p>representa, das ideias e credos que pareciam legitimá-lo e ratificá-lo: na razão, ciência,</p><p>progresso e liberalismo. É a era da burguesia triunfante, mesmo que a burguesia</p><p>europeia ainda hesitasse em assumir um papel político público.</p><p>HOBSBAWM, 2007, p. 21</p><p>O avanço do capitalismo industrial veio acompanhado do surgimento das fábricas e da</p><p>propriedade privada. Defendia-se que o Estado pouco deveria interferir na economia,</p><p>deixando o mercado livre para se autorregular. Por isso, Hobsbawm identifica o triunfo</p><p>da revolução industrial sobre a política.</p><p>Sobre a relação das revoluções francesas, Hobsbawm evidencia que a revolução</p><p>industrial legou o triunfo do capitalismo liberal, que tinha seus ideólogos políticos</p><p>burgueses seguidos de uma massa movida pelo afã de tornar revoluções liberais, de</p><p>caráter moderado, em revoluções sociais. Observe o trecho apresentado a seguir, no</p><p>qual o autor complementa esta ideia:</p><p>Portanto o dualismo da revolução de 1789 a 1848 dá à história deste período unidade e</p><p>simetria. É fácil, num certo sentido, ler e escrever sobre este assunto, pois parece</p><p>possuir tema e forma claros, assim como seus limites cronológicos parecem tão</p><p>precisamente definidos quanto é possível no que diz respeito a assuntos humanos. Com</p><p>a revolução de 1848, [...] a antiga simetria quebrou-se, a forma modificou-se. A</p><p>revolução política recuou, a revolução industrial avançou. Mil novecentos e quarenta e</p><p>oito, a famosa “primavera dos povos”, foi a primeira e última revolução europeia no</p><p>sentido (quase) literal, a realização momentânea dos sonhos da esquerda, os pesadelos</p><p>da direita, a derrubada virtualmente simultânea de velhos regimes da Europa</p><p>continental a oeste dos impérios russo e turco, de Copenhague a Palermo, de Brasov a</p><p>Barcelona. Foi esperada e prevista. Pareceu ser a consequência e o produto lógico da</p><p>era das duas revoluções.</p><p>HOBSBAWM, 2007, p. 20</p><p>As Revoluções de 1848 não foram bem-sucedidas se pensadas sob a perspectiva de</p><p>movimento. No entanto, por outro lado, foram capazes de abalar as estruturas políticas</p><p>e econômicas da época, tendo em vista, por exemplo, a conquista do sufrágio universal</p><p>masculino, na França.</p><p>O fracasso da revolução significou o triunfo da sociedade burguesa capitalista.</p><p>Depois dessa tentativa, nenhuma outra veio a acontecer na Europa — as revoluções</p><p>sociais socialistas, por exemplo, aconteceram em lugares como México e Rússia. Com</p><p>isso, as circunstâncias ideais para o desenvolvimento da economia privada na Europa</p><p>foram instauradas.</p><p>Representando a angústia diante da não superação das desigualdades sociais,</p><p>apresentamos, a seguir, o poema que Hobsbawm elege como epígrafe do capítulo A</p><p>cidade, a indústria, a classe trabalhadora:</p><p>Notamos, por meio desse poema, o sentimento daqueles e daquelas que</p><p>testemunharam as transformações no mundo do trabalho em transição para o</p><p>capitalismo industrial. Em contraposição ao otimismo e ostentação burguesa,</p><p>consolidada na exploração na força produtiva dos trabalhadores e trabalhadoras, estes</p><p>eram relegados a conviver em moradias e ambientes de trabalho insalubres, e constatar</p><p>a distinção social até na hora da morte.</p><p>A disciplina do trabalho e a luta de classes</p><p>As formas de percepção e vivência são históricas e, de acordo com Edward P. Thompson,</p><p>a transição para a sociedade capitalista foi um momento de rupturas significativas nas</p><p>estruturas de disciplina de trabalho e as concepções de tempo, que, inclusive, podem</p><p>nos ajudar a refletir sobre o nosso próprio presente.</p><p>Tempo, Disciplina do Trabalho e Capitalismo Industrial</p><p>Preocupado com a temática da disciplinarização do trabalho e as consequências para a</p><p>classe trabalhadora, o historiador inglês escreve o capítulo Tempo, Disciplina do</p><p>Trabalho e Capitalismo Industrial presente no livro Costumes em comum: estudos</p><p>sobre a cultura popular tradicional.</p><p>Em outras culturas, outros afazeres domésticos assumem o papel de medidor de tempo,</p><p>como em Madagascar, onde se considera o tempo necessário para um arroz ser cozido</p><p>(meia hora) ou um gafanhoto ser frito (um momento) (THOMPSON, 1998, p. 269-270).</p><p>Dessa maneira, os ritmos da natureza, os costumes, os afazeres — domésticos ou da</p><p>agricultura e criações — conduziam a relação que as sociedades pré-industriais</p><p>estabeleciam com o passar do tempo. As festas, as estações do ano, o tempo de</p><p>cozimento do arroz etc. davam ritmo à vida, até que foram, paulatinamente,</p><p>substituídos pelo relógio mecânico com a emergência do capitalismo industrial.</p><p>Segundo Thompson, foi a partir do século XVIII que o relógio foi incorporado pela lógica</p><p>das fábricas, e, portanto, essa invenção medieval passa a ocupar centralidade nas</p><p>relações de trabalho.</p><p>Em outras palavras, a partir da Revolução Industrial e a emergência de uma lógica fabril</p><p>com demandas de maior produtividade e, por consequência, maior exploração da força</p><p>de trabalho, que a implantação do relógio nesses ambientes veio desempenhar um</p><p>papel fundamental na mudança de hábitos e costumes e significação do tempo.</p><p>A esse respeito, Thompson (1998) explica que, enquanto a manufatura era produzida</p><p>em escala doméstica ou em</p><p>oficinas de pequeno porte, o grau de sincronização do</p><p>tempo e trabalho era menor (p. 280). Para entendermos melhor o que seria essa</p><p>sincronização, basta pensarmos que o tecelão do século XVIII não reservaria oito horas</p><p>do seu dia para produzir suas peças, pois ele dedicaria parte do dia à colheita, ao cuidado</p><p>dos animais, podendo dedicar poucas horas de suas manhãs e suas noites para a</p><p>tecelagem. Além disso, precisaria reservar tempo para o transporte de materiais, ou</p><p>ainda, participar de associações e enforcamentos públicos.</p><p>Havia irregularidades no tempo e disciplina do trabalho, como também havia mais</p><p>tempo voltado ao lazer. (THOMPSON, 1998, p. 281). Não havia problema em respeitar</p><p>um ritmo natural do trabalho e, assim, dormir uma hora a mais e deixar para trabalhar</p><p>no período da noite, à luz de velas. Inclusive, segunda-feira era considerada um</p><p>prolongamento do domingo, um dia para se trabalhar menos.</p><p>Na época em que os homens e as mulheres estavam no controle de sua vida produtiva,</p><p>o padrão de trabalho era intercalado por momentos de atividade intensa e outros de</p><p>ociosidade. (THOMPSON, 1998, p. 282).</p><p>A partir do século XIX, contudo, intensifica-se a demanda por uma maior sincronização</p><p>de tempo e trabalho pela lógica industrial, orientada pela lógica do lucro dos detentores</p><p>de meios de produção. Dessa maneira, os trabalhadores e as trabalhadoras que podiam</p><p>atender suas necessidades de dormir mais, parar para comer quando estivessem com</p><p>fome e, mesmo se divertirem quando tivessem oportunidade, tiveram que transitar para</p><p>um mundo do trabalho em que o tempo e o trabalho eram regulados pelo relógio e</p><p>expectativa de produtividade em horas trabalhadas de maneira contínua no espaço da</p><p>fábrica.</p><p>Sendo assim, a epígrafe que Thompson escolhe para abrir seu texto sobre disciplina do</p><p>trabalho e tempo pode nos causar um estranhamento. Nela, um senhor reage com certa</p><p>indiferença quando lhe é desejado que Deus o ajude a terminar logo um trabalho,</p><p>conforme podemos conferir a seguir:</p><p>Mantínhamos um velho criado, cujo nome era Wright, trabalhando todos os dias,</p><p>embora fosse pago por semana, mas ele fazia rodas por ofício [...]. Certa manhã</p><p>aconteceu que, tendo uma carroça quebrado na estrada [...], o velho foi chamado para</p><p>consertá-la no lugar em que o veículo se encontrava; enquanto ele estava ocupado</p><p>fazendo o seu trabalho, passou um camponês que o conhecia, e o saudou com o</p><p>cumprimento de costume: Bom dia, velho Wright, que Deus o ajude a terminar logo o</p><p>seu trabalho. O velho levantou os olhos para ele [...] e, com uma grosseria divertida,</p><p>respondeu: Pouco me importa se ele ajudar ou não, trabalho por dia.</p><p>DEFOE apud THOMPSON, 1998, p. 267</p><p>Estranhamos a reação do senhor, porque a rapidez e a produtividade são valores</p><p>fundamentais para a nossa sociedade. A produção industrial exige maior sincronização</p><p>de trabalho, bem como maior exatidão nas rotinas. Ascende, assim, um tempo</p><p>condicionado ao uso recurso tecnológico a partir da exploração da mão de obra, e o</p><p>mundo do trabalho não é mais regido pelos ritmos da natureza ou atividades</p><p>domésticas.</p><p>Para a consolidação do capitalismo industrial, a classe trabalhadora precisou interiorizar</p><p>uma nova percepção do tempo. No início, houve muita resistência: como convencer</p><p>aquele que guardava a segunda-feira de que ele precisava estar em pleno desempenho</p><p>neste dia, mesmo depois de horas de diversão nas tavernas?</p><p>Livro de leis da Siderúrgica Crowley</p><p>A alternativa encontrada pelos patrões foi instituir severas doutrinas mercantilistas para</p><p>combater o ócio e ampliar os desempenhos. Dessa maneira, a estratégia era manter os</p><p>salários baixos e realizar o registro do tempo de trabalho. Isso pode ser demonstrado</p><p>no Livro de leis da Siderúrgica Crowley. Nele, o proprietário formula um código</p><p>disciplinar que determina que apenas as horas efetivamente trabalhadas deveriam ser</p><p>pagas, então argumenta que as 13 horas de serviço deveriam ser calculadas, sendo</p><p>descontadas as idas às cervejarias, o tempo tirado para alimentação, descanso,</p><p>conversa, e previa desconto das horas de lutas e brigas. O responsável pelo controle era</p><p>o supervisor e diretor da fábrica, que deveria ter um registro de entradas e saídas. Para</p><p>não haver erro no controle das atividades, elegia-se um relógio para marcar o tempo,</p><p>sendo autorizado ao diretor da fábrica a manter esse relógio trancado para que suas</p><p>horas não fossem alteradas. Sobre a rotina do trabalho nesse ambiente, Thompson</p><p>explica que às cinco da manhã era tocado o sino para o início da atividade, depois às</p><p>oito para o café da manhã, com duração de meia hora, seguido por um sinal ao meio-</p><p>dia para o almoço de uma hora, encerrando-se o dia às 20:00 horas (THOMPSON, 1998,</p><p>p. 289-290).</p><p>Thompson utilizou como fonte de pesquisa o Livro de leis da Siderúrgica Crowley. A obra</p><p>resulta do interesse do autocrata Crowley em projetar todo um código civil e penal para</p><p>o ambiente de sua fábrica. A obra chegou a ter mais de 100 mil palavras destinadas a</p><p>lidar com o que eram consideradas forças de trabalho rebeldes.</p><p>Partindo das exigências do patrão da siderúrgica Crowley, podemos reconhecer como</p><p>as reivindicações dos trabalhadores conquistaram direitos como férias, 13º salário e</p><p>escalas de trabalho que garantem mais dignidade nos trabalhos formais. Por outro lado,</p><p>podemos refletir o quanto a luta da classe trabalhadora é contínua, considerando que a</p><p>seguridade social não alcança os trabalhadores informais, que aumentam em número</p><p>em momentos de crise, tendo como consequência o desemprego.</p><p>Podemos notar como eram exaustivas as jornadas de trabalho. Ademais, convém</p><p>salientarmos que essas longas jornadas eram cumpridas em ambientes insalubres das</p><p>fábricas no século XVIII, XIX e mesmo XX, afinal eram espaços que não tinham normas</p><p>sanitárias e de segurança do trabalho a obedecer.</p><p>Os trabalhadores e as trabalhadoras passavam horas a fio realizando atividades</p><p>repetitivas, sincronizadas e sem sentido, um momento de desatenção gerado por</p><p>cansaço poderia pôr em risco a vida de um trabalhador e de seu grupo. Outro problema</p><p>que podemos levantar era a carência alimentar, já que esses trabalhadores e</p><p>trabalhadoras não contavam com a mesma disponibilidade de tempo para se dedicarem</p><p>ao cultivo de animais e gêneros agrícolas, assim como eram mal remunerados. No caso</p><p>das mulheres, além dessa rotina da fábrica, ainda eram atribuídas a elas</p><p>responsabilidades domésticas, sendo suas moradias, muitas vezes, cortiços precários.</p><p>Destacamos que a transição para essa lógica capitalista no mundo do trabalho não se</p><p>deu sem resistência. Quanto a isso, Thompson explica que no primeiro momento houve</p><p>uma simples resistência, seguida de uma luta mais organizada, mas, com o tempo, foram</p><p>incorporando uma nova relação. A esse respeito, o historiador inglês ponderou:</p><p>A primeira geração de trabalhadores nas fábricas aprendeu com seus mestres a</p><p>importância do tempo; a segunda geração formou os seus comitês em prol de menos</p><p>tempo de trabalho no movimento pela jornada de dez horas; a terceira geração fez</p><p>greves pelas horas extras ou pelo pagamento de um percentual adicional (1,5%) pelas</p><p>horas trabalhadas fora do expediente. Eles tinham aceitado as categorias de seus</p><p>empregadores e aprendido a revidar os golpes dentro desses preceitos. Haviam</p><p>aprendido muito bem a sua lição, a de que tempo é dinheiro.</p><p>THOMPSON, 1998, p. 294</p><p>“Tempo é dinheiro”</p><p>Ao incorporar a noção de que “tempo é dinheiro”, a classe trabalhadora conquistou</p><p>maiores direitos, mas, por outro lado, a internalização da disciplina gerou a crise do ócio.</p><p>Para Thompson, a ética puritana incentivou o desenvolvimento de um relógio moral</p><p>interior. A ideia “tempo é dinheiro” levou à necessidade de lidar com o tempo de</p><p>maneira utilitária, fazendo do lazer um problema. Nessa linha de raciocínio, o</p><p>argumento thompsoniano estabelece relações com o presente, quando o historiador</p><p>inglês se pergunta como as indústrias de entretenimento no futuro iriam lidar com a</p><p>questão do tempo, já que constata: “Na sociedade capitalista madura, todo tempo deve</p><p>ser consumido, negociado, utilizado; é uma ofensa que a força de trabalho meramente</p><p>‘passe o tempo’” (THOMPSON, 1998, p. 298).</p><p>Já se passaram trinta e um anos da primeira edição do livro Costumes em Comum e,</p><p>quando Thompson se refere ao desafio do entretenimento e do lazer nas sociedades</p><p>industriais do futuro em 1991, nem se cogitava que o mercado encontraria nas redes</p><p>sociais uma forma de fazer o sujeito produzir informação com a sensação de estar se</p><p>entretendo. Não por acaso o Facebook, apenas por coletar informações de seus</p><p>usuários, é hoje uma das empresas mais valiosas do mundo.</p><p>Crise do capitalismo e as lutas de classes contemporâneas</p><p>Na contemporaneidade, quais perspectivas caracterizam a crise do</p><p>capitalismo e o lugar da luta de classes?</p><p>Qual é a sua classe social?</p><p>No nosso tempo, as relações de classe se tornaram extremamente complexas, por</p><p>exemplo, quando nos referimos ao proletariado. Quem é o proletariado hoje em dia?</p><p>Temos testemunhado índices altíssimos de desemprego no Brasil, acarretando um</p><p>contexto em que o trabalhador desempregado se torna “empreendedor”, não porque</p><p>domina o capital, mas justamente porque não consegue se sustentar, neste sistema, em</p><p>um trabalho que lhe dê segurança. Muitos trabalhos são precarizados, ou seja, os</p><p>sujeitos dispõem apenas de sua força de trabalho para sua sobrevivência e de sua</p><p>família, sem nenhum tipo de garantia. Assim, a pergunta “Qual é a sua classe social?”</p><p>acaba sendo difícil de ser respondida, pois, enquanto nos séculos XIX e XX, a massa</p><p>proletária, formada pelos operários de indústria ou campesinato, era identificável, hoje</p><p>a categoria de proletário é diluída dentro das formas e relações de trabalho.</p><p>A dificuldade da organização da classe em torno da busca de seus direitos tem sido uma</p><p>das questões-problema dos séculos XX e XXI, juntamente com a própria dificuldade da</p><p>organização de partidos e grupos de cunho socialistas, que, historicamente, têm, na</p><p>causa do trabalhador, sua pauta principal. Certamente, os teóricos liberais do século XIX,</p><p>quando debateram a crise do capitalismo na época, não seriam capazes de imaginar o</p><p>quão destrutivo o sistema se tornaria, nem tampouco como mesmo os conceitos de</p><p>classe e lutas se ampliariam na forma como são hoje.</p><p>Crises do capitalismo</p><p>Em diversos momentos da História, o capitalismo engendrou crises que culminaram em</p><p>verdadeiras catástrofes econômicas e sociais.</p><p>Basta lembrar da crise de 1929, nos Estados Unidos, que surgiu justamente do excesso</p><p>de produção sem que houvesse consumidores com poder aquisitivo suficiente para</p><p>atender à oferta. O sistema econômico entrou em colapso, levando muitas pessoas e</p><p>empresas à falência, ou mesmo à pobreza extrema.</p><p>A crise atingiu a esfera global, inclusive o Brasil, que tinha os Estados Unidos como seu</p><p>maior comprador de café, produto que representava cerca de 90% da exportação do</p><p>país.</p><p>Leia a seguir a visão do cientista social Marcelo Braz sobre a natureza da crise do capital:</p><p>Ela é movida pela natureza contraditória do desenvolvimento capitalista que, ao</p><p>potencializar seu processo de reprodução ampliada (sua própria acumulação de capital),</p><p>reproduz os fatores que exponenciam suas contradições e acionam crises que, desde as</p><p>últimas décadas do século XX, têm maior duração e se exprimem em períodos menos</p><p>espaçados (e sem ondas longas expansivas), alternando períodos (espasmódicos) de</p><p>crescimento, auge, crise, recessão/depressão, retomada.</p><p>BRAZ, 2012, p. 47</p><p>É justamente nas contradições que podemos ver agir a natureza, também destrutiva, da</p><p>produção capitalista.</p><p>Não há mais nenhum tipo de autorregulação do sistema “autometabólico” do</p><p>capitalismo, ou seja, da ideia de que o próprio mercado se autorregula e regula a</p><p>sociedade para o bem-estar dos cidadãos.</p><p>O caráter da crise tem se apresentado permanente em vez de colocar-se em sua forma</p><p>cíclica — de tempos em tempos. Ainda que o capitalismo contemporâneo engendre</p><p>possibilidades para a classe trabalhadora, elas, na verdade, se apresentam como</p><p>paliativas e conciliatórias. Em outras palavras, as brechas no Estado capitalista, em vez</p><p>de viabilizarem um novo projeto de sociedade, acabam sendo usadas para assegurar e</p><p>reproduzir a ideologia burguesa. Dessa forma, o trabalho torna-se parceiro do capital e</p><p>seus representantes — os representantes do capitalismo no governo (BRAZ, 2012).</p><p>O capital não foi capaz, como acreditava a ordem burguesa, de produzir igualdade;</p><p>pelo contrário, gerou misérias tanto nos países centrais e periféricos, quanto no</p><p>interior de cada nação. O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento</p><p>(PNUD) divulgou, em 2021, que 1,3 bilhão de pessoas vivem em estado de pobreza</p><p>no mundo.</p><p>Somado a esta questão, o desenvolvimento atual das forças produtivas perdeu o</p><p>parâmetro, de modo que tudo passa a poder se transformar em “commodities”, ou</p><p>seja: mercadoria.</p><p>Em meados do século XIX, Marx e Engels afirmavam que o modo de produção capitalista</p><p>já havia produzido riquezas em um volume de excedentes nunca visto em época</p><p>nenhuma.</p><p>O que é o excedente?</p><p>Tudo aquilo que se produz, para além da sobrevivência, é o que gera o capital e se</p><p>concentra nas mãos de poucas pessoas (os capitalistas) que detêm este excedente,</p><p>porque dominam os modos de produção.</p><p>O modo de produção capitalista e a crise no meio ambiente</p><p>Considerando nossos estudos até aqui, podemos agora pontuar a exploração</p><p>indiscriminada e agressiva do meio ambiente. Segundo especialistas, se continuarmos</p><p>neste ritmo, principalmente para atender os países superpopulosos, precisaríamos de</p><p>pelo menos dois planetas Terra (BRAZ, 2012, p. 475).</p><p>Minérios, petróleo e outras matérias-primas são considerados recursos naturais que</p><p>estão na base capitalista, ou seja, aqueles que servem de base para mercadorias</p><p>tecnológicas. Como exemplo, podemos citar extração de lítio e nióbio, que foram</p><p>explorados intensamente.</p><p>Não ao acaso, há os investimentos que tornam exploráveis diversos recursos e produtos</p><p>provenientes de matérias-primas naturais. Trata-se da “financeirização do capital”</p><p>(BRAZ, 2012), que se dá basicamente por quatro vias, apresentadas a seguir.</p><p>s:</p><p>Migração para áreas ainda inexploradas</p><p>São áreas que podem fornecer novos espaços de acumulação de capital.</p><p>Avanço sobre a natureza:</p><p>Industrialização e mercantilização dos recursos naturais.</p><p>Investimento na produção de artefatos bélicos</p><p>Esta via supõe a criação de conflitos e guerras.</p><p>Investimento nos setores rentistas</p><p>Esta via se dá preferencialmente nos segmentos de renda fixa, que melhor</p><p>remuneram o capital, como os títulos das dívidas públicas de países.</p><p>A luta de classes no cenário atual</p><p>No início do século XX, a oposição ao sistema capitalista estava e está centrada em</p><p>grupos que se ligavam aos pensamentos socialistas e comunistas. Porém, a queda do</p><p>muro de Berlim, em 1989, e o fim do comunismo na Alemanha foi um marco que deu</p><p>início à incursão global do capitalismo, com poucos resistentes, como Cuba e Venezuela,</p><p>na América, e China (já não mais tão comunista) e Coreia do Norte, na Ásia.</p><p>Aqui, estamos nos referindo à resistência ao capitalismo, de forma organizada, a partir</p><p>do Partido Comunista, que historicamente insurge na Revolução Russa como alternativa</p><p>à sociedade capitalista. Tratava-se, sobretudo, de um projeto para a sociedade a partir</p><p>da coletividade e de bens comuns.</p><p>Para entender o que é, de fato, o conceito de comunismo, acesse o Dicionário de</p><p>conceitos históricos. Nele, é possível perceber como o conceito se constituiu e embasou</p><p>a revolução popular na Rússia, extinguindo o sistema czarista, dando origem à União das</p><p>Repúblicas Socialistas Soviéticas – URSS.</p><p>O movimento Occupy</p><p>No cenário atual, as crises — principalmente</p>

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