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<p>NEUROCIÊNCIA, COMPORTAMENTO E DESEMPENHO</p><p>Módulo: Neurociência Aplicada ao Aprendizado</p><p>Prof.: André Rios</p><p>ARTIGO:</p><p>O FENÔMENO DA APRENDIZAGEM À LUZ DA NEUROCIÊNCIA</p><p>Autor: André Rios</p><p>A aprendizagem humana é um fenômeno complexo, dependente de inúmeros</p><p>fatores que resultam na nossa maravilhosa capacidade de adaptação aos</p><p>estímulos do meio ambiente. Esses estímulos são capturados pelos órgãos dos</p><p>sentidos, processados por uma ampla gama de circuitos cerebrais, e culminam</p><p>com as respostas comportamentais que sustentam a nossa sobrevivência.</p><p>Nesse artigo vamos entender a importância dos estímulos sensoriais adequados,</p><p>em seguida conheceremos as três etapas essenciais da formação das</p><p>memórias, a aquisição, a consolidação e a sua evocação, e os eventos</p><p>moduladores que contribuem para uma maior eficácia do aprendizado ao longo</p><p>do tempo.</p><p>O início de tudo: o processamento Sensorial</p><p>Vamos começar pelo básico, as informações do meio ambiente são captadas</p><p>pelos nossos sistemas sensoriais e, após percorrem os nervos periféricos,</p><p>chegam ao sistema nervoso central, onde são processadas por sofisticadas redes</p><p>neuronais de várias regiões cerebrais interconectadas. Portanto, os nossos</p><p>órgãos dos sentidos são a porta de entrada das percepções, das sensações, de</p><p>emoções e tudo mais que elas provocam em nossos processos informacionais,</p><p>incluindo a aprendizagem, a formação e a evocação de memórias.</p><p>Ao se evitar uma super estimulação sensorial no momento do aprendizado, há</p><p>uma tendência de se elevar o nível de atenção e foco, que são a chave da</p><p>capacidade de aquisição de conhecimento. Se estamos distraídos, sem foco, não</p><p>haverá uma adequada assimilação das informações e, assim, a qualidade do</p><p>aprendizado cairá de forma dramática.</p><p>Assim, o principal desafio dos educadores é evitar que eventos distratores tirem</p><p>a atenção dos aprendizes no momento da aquisição de conhecimentos. Mas o</p><p>que fazer com tanta parafernália tecnológica que hoje nos rodeia e para quais é</p><p>praticamente impossível resistir? São celulares, relógios e equipamentos</p><p>emergentes de toda a sorte que tornarão os atos de ensinar e aprender cada vez</p><p>mais desafiadores.</p><p>A Aquisição: o papel da Atenção</p><p>A atenção é a principal condição para que uma nova memória seja formada,</p><p>portanto, a primeira etapa deste processo, a fase de aquisição, requer</p><p>necessariamente que uma elevada dose de recursos neurais se volte para o</p><p>objeto alvo da aprendizagem. Como vimos, reduzir o volume de distratores é</p><p>uma primeira boa medida para facilitar o foco atencional.</p><p>Atenção significa focalizar a consciência, concentrando os processos mentais em</p><p>uma única tarefa principal e colocando as demais em segundo plano. Ela se</p><p>apresenta em duas formas principais: como um estado geral de sensibilização,</p><p>conhecido como alerta; e a focalização, que é a atenção em si (Lent, 2010).</p><p>A nossa atenção pode se voltar a um ponto específico do nosso entorno, como</p><p>uma tela de computador, por exemplo, mesmo que haja pessoas conversando</p><p>nas mesas ao lado, ou que escutemos o barulho de construções a distância. A</p><p>este tipo de atenção dá-se o nome de atenção seletiva, na qual é possível</p><p>selecionar alguns estímulos e focalizá-los dentre outros tantos presentes</p><p>simultaneamente.</p><p>Há uma outra forma bastante comum de atenção, a chamada atenção dividida,</p><p>na qual tentamos, sem sucesso, focar em duas atividades complexas ao mesmo</p><p>tempo – como conversar com alguém e assistir a um filme. Quando isso ocorre,</p><p>normalmente não fazemos bem nem uma coisa nem a outra. Atividades que</p><p>requerem atenção se realizadas paralelamente reduzem de forma considerável o</p><p>seu desempenho. Há, contudo, pessoas muito capazes em alternar entre</p><p>atividades atencionais, retomando rapidamente seus níveis produtivos originais.</p><p>A Codificação e a Consolidação: a importância do Sono</p><p>Durante uma noite típica de oito horas de sono ocorrem processos variados de</p><p>consolidação de memórias, simultaneamente ora atuando sobre a codificação de</p><p>memórias de curto prazo ora sobre memórias de longa duração, de modo a</p><p>conectá-las a redes de conhecimentos preexistentes. É durante o sono também</p><p>que as informações adquiridas ao longo do estado de vigília (quando estamos</p><p>acordados) e que não deverão ser convertidas em memórias duradouras são</p><p>descartadas pelo cérebro, em processos que contribuem para o seu</p><p>esquecimento.</p><p>A codificação de memórias, que acontece em fase subsequente à aquisição do</p><p>conhecimento, é um fenômeno complexo, que decorre de cascatas de reações</p><p>bioquímicas em certas regiões do encéfalo. A principal região responsável pela</p><p>criação de memórias é o hipocampo, uma das estruturas do sistema límbico que</p><p>age de forma coordenada a regiões adjacentes, como a amígdala, responsável</p><p>pelos primeiros processamentos emocionais, para conduzir os processos de</p><p>codificação e consolidação de memórias.</p><p>As memórias são armazenadas por meio das conexões entre os neurônios de</p><p>diversas regiões do encéfalo. Assim, não há uma estrutura única responsável</p><p>pelo armazenamento de informações, mas amplas redes de neurônios</p><p>interconectados em emaranhados de circuitos que representam as experiências</p><p>vividas por cada indivíduo, e nos tornam seres únicos, dotados de consciência,</p><p>personalidade e identidade singulares.</p><p>Essas conexões entre os neurônios, as chamadas sinapses, ocorrem de uma</p><p>forma muito especial no hipocampo e permitem que as informações sejam</p><p>armazenadas como memórias por longos períodos, às vezes durante toda uma</p><p>vida. A essa modalidade de sinapse mediada pelo glutamato, o</p><p>neurotransmissor mais abundante do cérebro, dá-se o nome de LTP, do inglês</p><p>Long Term Potentiation, ou potenciação de longo prazo. Ela consiste na criação</p><p>de potenciais de ação (impulsos nervosos elétricos entre os neurônios)</p><p>persistentes em neurônios do hipocampo e, ao final do processo, em alterações</p><p>em sua morfologia, com a criação de novas conexões e mudanças estruturais nas</p><p>redes neurais envolvidas.</p><p>A Evocação: o poder da Repetição</p><p>Como as sinapses são as ligas que mantêm os neurônios conectados e formando</p><p>as memórias, o jeito mais eficiente de fortalecê-las e garantir a perpetuação das</p><p>informações ao longo tempo é por meio de estimulação contínua dessas redes</p><p>informacionais. Em suma, é a repetição daquele conhecimento, ou seja, a</p><p>evocação contínua dessas memórias que vai permitir a consolidação do</p><p>aprendizado. Quanto mais for acessado e aplicado o novo conhecimento na</p><p>nossa vida, mais chances de ele resistir à competição decorrente do bombardeio</p><p>diário de novas informações a que somos submetidos nesses tempos de</p><p>comunicação fluida e instantânea.</p><p>O princípio da repetição está calcado na estimulação contínua das redes neurais</p><p>responsáveis pelas memórias de determinado conhecimento, reativando as</p><p>sinapses que mantêm aqueles neurônios coesos, fortalecendo as suas conexões e</p><p>tornando o processo de evocação mais eficiente. Vários modelos de repetição</p><p>foram desenvolvidos nas últimas décadas, mas aquele que se mostrou mais</p><p>eficiente para a consolidação de memórias de longo prazo é o conhecido como</p><p>Repetição Espaçada (Collins, 2019).</p><p>De acordo com esse modelo (veja imagem a seguir), se nada fizermos com um</p><p>aprendizado após o momento inicial de aquisição, em sessenta dias o seu nível</p><p>de conhecimento estaria muito próximo àquele que antecedeu a experiência de</p><p>aprendizagem, ou seja, quase nulo. Aos trinta dias o nível de retenção cairia à</p><p>casa dos 20% do conhecimento original.</p><p>A ideia desse modelo é recomendar que um conhecimento seja revisado após 3,</p><p>10, 30 e 60 dias da sua aquisição. Desta forma, seria possível sustentar o nível</p><p>de retenção muito próximo da exposição original ao conteúdo, resultando em</p><p>uma taxa de 90% de fixação daquele conhecimento ao longo do tempo. Esse</p><p>percentual cairia proporcionalmente caso uma das etapas fosse negligenciada,</p><p>como</p><p>sugerem as curvas de projeção destacadas em vermelho na imagem.</p><p>É importante enfatizarmos que cada indivíduo aprenderá de uma forma</p><p>diferente de acordo com as suas preferências. O que parece razoável supor, até</p><p>pela nossa própria experiência, é que um conhecimento que permaneça em</p><p>desuso será esquecido com o tempo. A sua repetição e, principalmente, a</p><p>aplicação em ações do dia a dia é que vão garantir a sustentação do aprendizado</p><p>por períodos mais duradouros.</p><p>Os moduladores da aprendizagem</p><p>Os estados de ânimo, as emoções, o nível de alerta, a ansiedade e o estresse</p><p>modulam fortemente as memórias (Izquierdo, 2020). É compreensível como</p><p>esses estados afetam a nossa vida como um todo, e não seria diferente quanto à</p><p>aprendizagem.</p><p>O principal modulador da aprendizagem é a emoção, aquela condição</p><p>determinante que vai definir se uma memória terá uma longa duração de</p><p>armazenagem sem exigir elevado esforço na repetição do conteúdo. Eventos</p><p>marcantes em nossas vidas têm invariavelmente um componente emocional</p><p>que, às vezes, os transforma em memórias vitalícias.</p><p>Ao se associar um evento emocional à experiência de aprendizagem, que pode</p><p>ser decorrente de qualquer das emoções basais dos humanos, como medo,</p><p>alegria, nojo, raiva, surpresa e tristeza, variando conforme a sua intensidade, o</p><p>poder de consolidação de memórias se amplifica enormemente. E isso se dá</p><p>como um efeito somativo ao processamento racional das informações.</p><p>O estresse também exerce um papel importante na consolidação de memórias</p><p>que, dentre outras reações, culmina com a secreção de um hormônio, o cortisol,</p><p>o grande responsável por essa condição fisiológica seja de forma aguda ou</p><p>crônica.</p><p>Como é possível ver nesta imagem, representada por uma curva em U invertida,</p><p>denominada curva de Yerkes-Dodson, há um nível ótimo de estresse que é capaz</p><p>de produzir o melhor desempenho possível. Os extremos da curva tenderão a</p><p>respostas insatisfatórias, seja por falta de estímulo ou pela exaustão dos</p><p>recursos cognitivos decorrentes de uma exposição a níveis tóxicos de estresse</p><p>crônico (Izquierdo, 2020).</p><p>O último dos moduladores que gostaríamos de enfatizar, nem sempre</p><p>facilmente correlacionado com a aprendizagem, é a prática de exercícios físicos.</p><p>Além dos benefícios consagrados para a saúde e bem-estar geral do organismo,</p><p>os exercícios físicos apresentam atuação relevante na formação de memórias. E</p><p>isso acontece porque eles são responsáveis pelo aumento na produção e</p><p>liberação de fatores que auxiliam no crescimento dos neurônios e</p><p>fortalecimento das sinapses, como o Fator Neurotrófico Derivado do Cérebro</p><p>(BDNF).</p><p>A prática de exercícios físicos nas escolas deve ser estimulada como forma de</p><p>favorecer ao aprendizado. O que vemos, contudo, na maioria delas é uma oferta</p><p>de atividades físicas meramente protocolar para atender a legislação e sem um</p><p>impacto significativo sobre a educação. Seja por negligência ou por falta de</p><p>espaços adequados nas escolas, a ausência de programas efetivos de educação</p><p>física reduz a capacidade de aprendizagem dos nossos alunos.</p><p>Conclusão</p><p>Para entender como ocorre a aprendizagem nos humanos é importante</p><p>considerá-la como o resultado de múltiplos fatores biológicos que, quando</p><p>combinados, permitem que os conhecimentos a que somos expostos ao longo da</p><p>vida sejam eternizados na forma de memórias.</p><p>Aqueles que se dedicam ao ato de educar, portanto, precisam dominar os</p><p>aspectos metodológicos ligados à aprendizagem para aumentar a sua</p><p>efetividade. E o conhecimento de como aprendemos sob a ótica da neurociência</p><p>pode contribuir decisivamente para que a educação, seja nas escolas ou nas</p><p>empresas, possa transformar a nossa sociedade.</p><p>André Rios, dezembro de 2021</p><p>Referências:</p><p>Collins S. Neuroscience for Learning and Development. How to apply</p><p>neuroscience and psychology for improved learning and training. Kogan Page,</p><p>Second Edition, 2018.</p><p>Izquierdo I. Memória. 3. ed. – Porto Alegre, Artmed, 2020. Edição Kindle.</p><p>Lent R. Cem bilhões de neurônios? - conceitos fundamentais de neurociência.</p><p>Rio de Janeiro: Ateneu; 2010; 2ª ed. 765 p.</p>