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Professor(a), a Neurociência é um campo de estudo multidisciplinar do conhecimento que busca investigar o
funcionamento do sistema nervoso a fim de compreender as bases biológicas do comportamento.
Interessa-se por questões que perpassam o desenvolvimento deste sistema nervoso, suas principais
estruturas e a forma pela qual é possível relacionar tais aspectos com a expressão dos nossos
comportamentos e emoções, nosso funcionamento cognitivo, tanto em condições normais quanto em
condições patológicas.
O sistema nervoso central (SNC), em especial, nosso cérebro, representa uma das estruturas que mais fascina
e intriga os neurocientistas e pesquisadores da área. Desvendar questões relacionadas a como o cérebro
funciona, se desenvolve e se organiza a fim de possibilitar processos cognitivos complexos e expressões
emocionais e comportamentais ainda representa um dos grandes mistérios da atualidade. Considera-se,
assim, que uma das últimas fronteiras no campo das Neurociências a serem superadas refere-se às
investigações do cérebro, desde seus aspectos estruturais e funcionais até os processos que perpassam o
funcionamento da mente humana.
Tudo isso nos leva, consequentemente, a uma melhor compreensão acerca da manifestação dos nossos
comportamentos e, entre eles, o desenvolvimento das nossas aprendizagens, tornando possível ligar o que
ocorre em níveis genéticos e biológicos com aquilo que fazemos, sentimos, pensamos ou aprendemos. A
denominada “genética do comportamento” apresenta-se como uma das revoluções da Neurociência moderna.
A chamada Neuroeducação é um subcampo das neurociências que irá
buscar integrar tais conhecimentos a fim de melhor compreender os
processos que perpassam o aprendizado, a memória e o próprio
neurodesenvolvimento.
Diferentes áreas do conhecimento contribuem para o campo da Neuroeducação, como a Psicologia, a
Pedagogia, a Psicopedagogia, a Educação e a própria Neurociência. Portanto, um dos principais objetivos a
serem alcançados por esta área de estudo é o de proporcionar conhecimento e base científica aos
educadores para que possam desenvolver métodos de ensino e aprendizagem, assim como estruturar planos
pedagógicos e currículos mais eficientes e capazes de estimular as potencialidades dos indivíduos, sejam
eles crianças, adolescentes ou adultos. Isso inclui indivíduos com condições típicas e atípicas do
desenvolvimento do cérebro.
Neste sentido, a interface que se constrói entre a neurociência e a Educação oferece fundamentos para as
práticas pedagógicas, incentivando investigações e proposições de estratégias de ensino-aprendizagem que
possam ser mais eficientes de acordo com a maneira pela qual o nosso cérebro funciona e aprende. Como
aprendizagem, podemos entender todos os processos pelos quais competências, habilidades e
conhecimentos, comportamentos e valores são adquiridos ou modificados como resultado de estudo,
experiência, formação, raciocínio e observação.
Podemos considerar que o processo educacional perpassa aquilo que ocorre em nosso cérebro, mais
especificamente, nos nossos neurônios, os quais representam o principal componente do SNC. São os
processos e o funcionamento dos nossos neurônios que dão base para o aprendizado, a memória e as
capacidades de raciocínio, resolução de problemas e tomada de decisão. Essa representa uma das
descobertas mais fascinantes do campo das neurociências aplicadas aos diferentes contextos, como a
educação. A forma como as alterações bioquímicas que ocorrem internamente nos nossos neurônios estão
associadas à aprendizagem e ao armazenamento. Segundo o pesquisador Eric Kandel, vencedor do prêmio
Nobel de Medicina, no livro de referência de sua coautoria, “Principles of Neural Science” ([1981]2021)
Isto nos leva a pensar que estamos diante de um momento importante de avanço dos conhecimentos sobre o
cérebro humano que permite repensarmos práticas aplicadas à educação. O avanço científico e tecnológico
da área tem tornado possível estabelecer relações entre processos biológicos e a expressão dos nossos
comportamentos, sendo capaz, inclusive, de explicar as origens dos transtornos neuropsiquiátricos e do seu
desenvolvimento por meio de atividades intrínsecas ou de base genética, compreendendo sua interação com
experiências e influências ambientais.
Sabe-se que, para a Neurociência, o ambiente possui um papel importante para a estimulação e o
desenvolvimento dos indivíduos. A interação das nossas bases genética e biológica, ou seja, aquilo que é
programado e esperado para manifestarmos com base no nosso DNA, em combinação com estímulos
ambientais e experiências ao longo da vida revela-se determinante para a nossa trajetória de
desenvolvimento. Fatores como experiências parentais, educacionais, nutricionais e sociais são sugeridos
como fortes preditores de um adequado desenvolvimento do cérebro.
A falha ou o não atendimento de necessidades básicas em períodos iniciais do desenvolvimento — como por
exemplo afeto, carinho, segurança e estabilidade — pode reprogramar o curso e os processos de formação do
nosso cérebro (alterando estruturas e seu funcionamento) e conduzir a prejuízos psicológicos e cognitivos
significativos. Evidências já indicam que exposição a experiências adversas e estressoras na infância e,
também, na adolescência estão associadas a baixos níveis de inteligência (avaliado através de testes de QI),
problemas escolares de aprendizagem e desempenho, além de aumentarem o risco de manifestação de
distúrbios emocionais e comportamentais. Vamos ter a oportunidade de aprender um pouco mais sobre isso
quando falarmos em estresse e neurodesenvolvimento, abordando de que forma tal relação interfere nos
processos de aprendizagem e memória.
Neste sentido, dentro de uma perspectiva da Neuroeducação, podemos considerar que vocês, educadores,
formam um dos pilares ambientais mais importantes para o desenvolvimento humano. Isto faz com que se
apresente uma crescente demanda de integração do conhecimento a fim de planejar estratégias pedagógicas
que possam estar alinhadas com as experiências e a trajetória de vida dos indivíduos ao longo do seu
processo de formação e desenvolvimento.
Possuímos um papel central para este cérebro em desenvolvimento, especialmente durante os primeiros anos
de vida. Para que isso ocorra, precisamos pensar que as nossas práticas do futuro devem ser capazes de
construir estratégias que se alinhem ao funcionamento do cérebro na busca de melhores resultados.
No entanto, vocês devem estar se perguntando:
● Como é possível que nossas aprendizagens tenham como base o funcionamento dos nossos
neurônios?
● Será que é possível que nossas memórias estejam armazenadas em padrões de atividade neuronal?
● O que faz com que crianças e adolescentes tenham diferenças em relação à facilidade com que
aprendem
● certos conteúdos em comparação com outros, para os quais apresentam maiores dificuldades?
● Quais seriam as estratégias de aprendizagem adequadas a fim de facilitar os processos de ensino e
aprendizagem, considerando-se o funcionamento do cérebro?
● Qual é a influência de fatores psicossociais e parentais em tais processos, para além da atuação do
educador?
Estas são algumas questões da rotina do professor em sala de aula, várias delas ainda sem, necessariamente,
uma resposta única ou concreta. Porém, o caminho do conhecimento para a busca de tais entendimentos
está sendo cada vez mais bem explorado pelo campo da Neurociência. Denota-se uma grande necessidade
do estabelecimento de uma via de mão dupla na comunicação entre neurocientistas e educadores, pois os
primeiros possuem um conhecimento sobre o funcionamento do cérebro e os mecanismos subjacentes aos
processos cognitivos, enquanto os últimos estão envolvidos nos problemas práticos do dia a dia que se
relacionam diretamente com os processos de ensino-aprendizagem. Isso tem atraído diversos educadores a
buscarem formações continuadas na área das Neurociências. Percebe-se um crescente interesse por parte
deste público e uma maior participaçãoem cursos da área, incluindo formações de extensão e
pós-graduação.
A proposta deste curso formativo é exatamente esta: ser capaz de conduzir os educadores de diferentes
etapas do ensino básico nacional (Ensino Infantil, Fundamental I e II, Médio e Educação de Jovens e Adultos)
na aquisição de conhecimentos sobre o funcionamento do SNC e das diferentes regiões que o compõem e,
finalmente, no reconhecimento de como os processos cognitivos que permitem o desenvolvimento das
nossas aprendizagens podem ser aplicados em condições reais do cotidiano a fim de alinhar novas
estratégias e práticas educacionais. Assim, espera-se que tais respostas possam ser, ao menos em parte,
respondidas ao longo do curso, ainda que se saiba, hoje, que nem mesmo a Neurociência é capaz de oferecer
todas as respostas.
Muitos questionamentos acerca do funcionamento do cérebro humano ainda precisam ser respondidos. Isso
demanda um maior número de pesquisas nas diferentes áreas de estudo do cérebro, assim como na própria
educação. O papel do educador em levantar questionamentos e elucidar demandas e problemas práticos de
sala de aula, a partir de suas observações empíricas no campo, torna-se essencial para o desenvolvimento
das pesquisas que buscam melhor compreender como nossos cérebros se organizam e respondem aos
estímulos e desafios apresentados, contribuindo na construção das nossas aprendizagens.
Para iniciarmos nossa reflexão sobre a importância de conhecermos mais sobre a relação entre neurociência
e Educação, sugerimos que você assista a dois vídeos. O primeiro deles da neuroeducadora belga Veerle
Ponnet apresenta e traz algumas considerações a respeito de como o conhecimento básico da Neurociência
aplicada à Educação deve fazer parte de todas as etapas do desenvolvimento escolar e educacional.
https://www.youtube.com/watch?v=NmAuawoYnUk
O segundo vídeo refere-se a uma live gravada pelo professor e neurocientista Dr. Ramon M. Consenza acerca
da compreensão da Neurociência e da Educação para o mundo contemporâneo:
https://www.youtube.com/watch?v=jetBAJdYe8I
É importante considerar que este não é um curso com o intuito de responder de forma única e concreta todos
os questionamentos levantados pela área da Educação e nem de oferecer respostas prontas e limitadas
apenas a determinadas estratégias de aplicação, no que se refere às práticas de sala de aula. Isso porque
vamos passar a compreender que os nossos cérebros são únicos e distintos, ou seja, nem sempre estratégias
que se mostrem eficientes para alguns cérebros em desenvolvimento serão para os demais.
Desenvolver uma visão ampliada, que contemple mais que os aspectos que envolvem a aprendizagem e
aquisição de conhecimentos nas diferentes disciplinas, torna-se fundamental para o adequado
desenvolvimento psicossocial das crianças e adolescentes, minimizando possíveis desfechos negativos na
vida adulta. Cada vez mais se mostra importante atentar para aspectos emocionais que podem interferir
significativamente no curso das aprendizagens nos anos escolares.
O conteúdo aqui apresentado, portanto, irá introduzir você, educador(a), em conceitos básicos da área da
Neurociência a partir de evidências científicas de estudos nacionais e internacionais que contribuem para
https://www.youtube.com/watch?v=NmAuawoYnUk
https://www.youtube.com/watch?v=jetBAJdYe8I
estimular reflexões sobre as práticas educacionais em nosso país. A formação integral do indivíduo é parte
das responsabilidades e objetivos que a escola possui, não estando limitada apenas ao ensino e
desenvolvimento de conhecimentos de materiais como língua portuguesa, matemática, história e geografia.
A própria Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2018) sugere que possam ser trabalhados na educação
aspectos cognitivos, emocionais e sociais. Aliás, muito se fala hoje no desenvolvimento das capacidades
socioemocionais das crianças e adolescentes. Fazer com que a educação contribua para além da aquisição
de conhecimentos a partir das disciplinas básicas passa a ser uma das missões de professores e
educadores. Formar jovens cidadãos com habilidades sociais, inteligência emocional, pensamento criativo,
educação financeira, capacidade de raciocínio, resolução de problemas e tomada de decisão passa a ser um
dos grandes desafios da educação na contemporaneidade.
Para atender estas demandas, preocupamo-nos com a formação dos educadores e em prepará-los para
melhor compreender e lidar com as necessidades das crianças e adolescentes. É importante retornarmos a
propostas e ideias de autores expoentes e estudiosos do desenvolvimento humano que, em suas teorias e
propostas, contribuíram significativamente para a formação das práticas educacionais.
Pode-se citar aqui Piaget, Montessori, Steiner, Erikson, Dewey, Elkind, Freud, Gardner, entre outros. As
proposições teóricas e práticas de tais autores, aliadas ao entendimento de como o cérebro funciona e se
desenvolve ao longo da infância e adolescência, serão fundamentais para a renovação de discursos e práticas
educacionais. Prestar uma maior atenção nas necessidades básicas dos indivíduos ao longo de sua formação
e considerar diferenças existentes entre os aspectos biopsicossociais das crianças, adolescentes, jovens e
adultos conduzirá a adequação de práticas educacionais mais sensíveis e eficazes.
Conceitos básicos em Neurociência: a estrutura do Sistema Nervoso Central (SNC) e seu funcionamento
Professor(a), para iniciarmos nosso processo de formação nas Neurociências, precisamos entender melhor
como nosso cérebro funciona e como, a partir disso, torna-se possível a ocorrência dos nossos
comportamentos e aprendizagens. Assim, iniciaremos esse subtópico do Módulo I com uma visão geral do
nosso cérebro, suas divisões e respectivas funções e, por fim, aumentaremos o “zoom” a fim de visualizarmos
e compreendermos as propriedades dos nossos neurônios, a unidade básica do sistema nervoso central.
Além disso, iremos entender de que forma nossos neurônios se comunicam e integram toda a informação
que é processada em nosso cérebro.
Nossa viagem na história do estudo do cérebro parte da descoberta do neurônio, na metade final do século
XIX, principalmente a partir dos trabalhos de dois importantes nomes para a Neurociência: Camillo Golgi e
Santiago Ramón y Cajal. Ambos tinham em comum o interesse em estudar a célula nervosa e, por meio do
desenvolvimento e utilização de uma técnica específica — coloração por nitrato de prata —, foram capazes de
representar nossos neurônios, bem como ilustrar como seriam formadas as redes neurais.
Figura 1. À direita, duas células piramidais do córtex cerebral de um gato, coradas pelo método de Golgi; à
esquerda, células piramidais corticais coradas pelo azul de metileno, usado por Cajal para demonstrar a
presença das espinhas dendríticas
Fonte: Sallet (2009).
Golgi, inicialmente, identificou que os neurônios são constituídos de pelo menos duas partes: da região central
(corpo celular) e de prolongamentos que irradiam a partir desta, os neuritos. Em suas representações, Golgi
defendia que os neurônios se comunicavam continuamente, formando uma rede nervosa, o que ficou
conhecido como Teoria Reticular. Santiago Ramón y Cajal, embora fizesse uso da técnica de coloração de
Golgi para estudar o neurônio, defendia algumas ideias um pouco diferentes. Ele concordava em relação à
constituição geral dos neurônios, porém acreditava que a maneira como os neurônios se organizavam era
distinta. Defendia que não havia ligações contínuas, mas que os neurônios deveriam se comunicar através de
um contato descontínuo, ficando esta ideia conhecida como Doutrina Neuronal. De toda forma, ainda que
ambos discordassem no que diz respeito à sua visão da estrutura do sistema nervoso central, foram
agraciados com o prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia de 1906 por suas descobertas.
Algum tempo depois, outro estudioso, Sherrington, foi capaz de desvendar o motivo de desacordo entre
ambos os pesquisadores, sugerindo que o espaço vazio existente entre os neurôniosse referia à sinapse, que
seria uma espécie de separação funcional contribuindo para o funcionamento e comunicação dos neurônios,
exercendo atividades regulatórias para o processo de transmissão de estímulos no sistema nervoso. Foi
também Sherrington que propôs que as sinapses poderiam apresentar funções excitatórias ou inibitórias, o
que discutiremos em mais detalhes mais adiante neste módulo.
Percorrendo essa contextualização histórica acerca da descoberta dos neurônios e de suas divisões
anatômicas e funcionais, chegamos aos dias de hoje. Atualmente, entende-se que os neurônios
correspondem à unidade básica do SNC. São células excitáveis de comunicação, com propriedades químicas
e elétricas. Possuem diferentes formatos e tamanhos e estão localizados em diferentes regiões do nosso
cérebro. Essas características distintas definem suas funções, bem como representam importantes aspectos
a serem considerados para o entendimento dos nossos comportamentos, como, por exemplo, a maneira
como nossas aprendizagens e memórias são formadas ou como controlamos nossos movimentos e ações. A
seguir, você pode visualizar uma representação geral de um neurônio.
Figura 2. Representação geral de um neurônio
Fonte: Nossa autoria (2023).
Como vocês podem observar na Figura 2, existem três regiões principais nas quais podemos dividir o
neurônio: os dendritos, o corpo celular (ou soma) e o axônio. Os dendritos juntamente ao corpo celular
compõem a chamada zona somatodendrítica, que possui a função de receber a informação ou o estímulo
neuroquímico. Na zona somática, logo abaixo, temos o corpo celular ou soma, o qual é responsável por
integrar e codificar os sinais neuroquímicos, processo que ocorre principalmente no núcleo da célula do
neurônio, onde está localizado o DNA da célula. Por fim, a zona axônica representa a região na qual ocorre a
codificação, propagação e vazão do sinal eletroquímico.
São células excitáveis do SNC responsáveis por receber e transmitir estímulos (impulsos nervosos)
por meio de modificações entre os potenciais elétricos da membrana celular. São capazes de
estabelecer conexões entre si, formando redes neurais. Estima-se que cada neurônio é capaz de
estabelecer entre cem e dez mil conexões. Os neurônios caracterizam-se por uma divisão estrutural
composta por três principais partes: os dendritos, o soma e o axônio. A célula do neurônio é
separada do meio externo por meio de uma membrana, chamada de membrana neuronal. Cada uma
das regiões apresenta funções específicas que se encontram descritas abaixo:
compreendem a região do neurônio que possui função de
recepção do estímulo, como uma espécie de antena receptora. Os dendritos recebem sinais de
outros neurônios, processando e codificando estas informações para, então, serem conduzidas até o
corpo celular. Formam verdadeiras árvores dendríticas, pois apresentam várias ramificações, sendo
cobertos por espinhos dendríticos que funcionam como uma espécie de ponto de recepção e
contato do neurônio. Interessantemente, esses espinhos respondem aos estímulos ambientais,
podendo aparecer ou desaparecer, conforme a intensidade da atividade naquela região. Isso confere
uma capacidade neuroplástica (que discutiremos mais à frente) a esta região, tornando-a responsiva
às influências ambientais, como por exemplo os estímulos e desafios gerados durante os processos
de aprendizagem.
refere-se à região central do corpo celular, sendo composta pelo
citosol e envolta pela membrana neuronal. É no soma que se encontram as estruturas denominadas
de organelas, sendo a principal delas — e de maior interesse para os estudos no campo da
Neurociência — o núcleo. No núcleo é que está localizado o material genético — o DNA — da célula
do neurônio. É nessa região que ocorrem diversos processos biomoleculares que envolvem a
transcrição da informação gênica que, posteriormente, será utilizada para a síntese e produção de
proteínas.
compreende a região do neurônio que possui a função de
propagação e transmissão do impulso nervoso, ou seja, é o local onde ocorre a transferência da
informação. O axônio inicia-se no chamado cone de implantação, localizado na sequência do soma.
Assemelha-se a um fio (como uma espécie de prolongamento) condutor, percorrendo, em alguns
casos, longas distâncias no sistema nervoso. Ele possui ramificações, formando os denominados
colaterais axonais. Nas suas terminações, os axônios formam a região pré-sináptica, conectando-se
a outros neurônios (ou outras células que não nervosas). Nesta região são liberados os
neurotransmissores, os quais se ligam a receptores específicos localizados nos neurônios ou células
adjacentes.
O formato do neurônio, finalmente, é definido pelo seu citoesqueleto. O citoesqueleto tem função de
manter a estrutura do neurônio, além de ser responsável por mediar o trânsito intracelular das
substâncias existentes ou produzidas pelo próprio neurônio. O citoesqueleto é composto por
proteínas filamentosas: os microtúbulos, a actina e os neurofilamentos. A degeneração ou perda
desta estrutura é capaz de causar danos irreparáveis no funcionamento dos neurônios, como ocorre
nos processos neurodegenerativos, a exemplo das demências, tais qual a doença de Alzheimer.
O local onde ocorre o ponto de contato entre dois neurônios chama-se sinapse (Figura 3). É na
sinapse que serão liberadas as substâncias também conhecidas como neurotransmissores. Esses
neurotransmissores são produzidos e sintetizados pelos próprios neurônios, por meio da atividade
genética que ocorre a partir da ativação e desativação dos nossos genes em resposta aos estímulos
gerados. Vamos discutir mais sobre o que ocorre nas sinapses e, também, conhecer mais a respeito
dos neurotransmissores a seguir.
Figura 3. Representação da sinapse
A sinapse refere-se ao ponto de ligação — contato — entre dois neurônios. É nesta região que ocorre
a chamada transmissão sináptica, que nada mais é do que a propagação do estímulo (impulso)
nervoso de uma célula para outra. Esta comunicação ocorre através de processos eletroquímicos.
Existem pontos de comunicação entre os neurônios que são estritamente elétricos, porém a grande
maioria das sinapses são químicas, uma vez que liberam substâncias químicas, os
neurotransmissores.
Vale destacar aqui que a atividade do SNC é algo complexo e que requer o adequado funcionamento
de inúmeras proteínas e moléculas. Qualquer problema ou disfunção na atividade destas proteínas e
moléculas pode interferir significativamente nos processos de neurotransmissão, resultando em
manifestações de distúrbios emocionais, comportamentais e, até mesmo, de aprendizagem.
A sinapse caracteriza-se por ser o ponto de contato entre dois tipos de neurônios, os chamados
neurônio pré-sináptico e neurônio pós-sináptico. Eles são assim denominados porque normalmente
o fluxo de propagação do impulso nervoso, ou seja, a transferência dos estímulos, ocorre
unidirecionalmente, na direção anterógrada. A direção, portanto, é do neurônio pré-sináptico para o
neurônio pós-sináptico.
Algumas poucas exceções nesse direcionamento referem-se às neurotransmissões retrógradas, nas
quais a direção da transmissão dos sinais se dá no sentido contrário, ou seja, do neurônio
pós-sináptico para o neurônio pré-sináptico. A região pré-sináptica consiste no terminal axônico,
enquanto a região pós-sináptica consiste, predominantemente, nos dendritos do outro neurônio.
Considerando a forma como ocorre todo o processo, o sinal elétrico propagado pelo neurônio
percorre todo prolongamento axônico, até o terminal, onde então é convertido em sinal químico. A
liberação deste sinal químico, composto pelos neurotransmissores, se dá através do rompimento de
vesículas que contêm as substâncias químicas junto à parede da membrana do neurônio
pré-sináptico.
Ao serem liberados na fenda sináptica, os neurotransmissores vão se ligar aos receptores conforme
sua afinidade. Esses receptores se encontram presentes nas membranas dos neurônios
pós-sinápticos. Os neurotransmissores que tiverem sidoliberados em excesso, por sua vez, serão
recaptados por meio de transportadores que ativamente recuperam as substâncias excedentes, em
uma espécie de reciclagem, a fim de serem novamente utilizadas pelo neurônio pré-sináptico em
uma transmissão futura.
Figura 4. Representações de sinapses a) elétrica e b) química
Fonte: Purves et al. (2010).
A imagem ilustrada acima representa duas sinapses, uma denominada de sinapse elétrica e a outra,
de sinapse química. A sinapse elétrica não possui ação de nenhum tipo de neurotransmissão: a
propagação da informação através do impulso nervoso ocorre apenas pelo fluxo de íons (cargas
elétricas) por um espaço quase invisível, chamado de junção comunicante. Neste tipo de sinapse,
percebe-se que os neurônios se encontram praticamente conectados, como se não houvesse uma
separação física entre ambos. A transmissão ocorre de maneira mais rápida em comparação às
sinapses químicas e não há possibilidade de bloqueio ou inibição da atividade.
Já nas sinapses químicas, percebe-se a existência de um espaço vazio entre os neurônios pré e
pós-sinápticos, denominado de fenda sináptica. É na fenda sináptica que ocorre a liberação dos
neurotransmissores e, consequentemente, sua ação sobre receptores específicos que se encontram
na membrana do neurônio pós-sináptico. Por esta razão, estas sinapses tendem a ter uma
transferência de informações mais lenta em comparação às sinapses elétricas.
Os neurotransmissores são os elementos-chave do processo de comunicação neuronal. Eles podem
ser de diferentes tipos, como nos casos das aminas, dos aminoácidos e dos neuropeptídeos. Os
neurotransmissores mais clássicos e reconhecidos por sua atuação na regulação de processos
emocionais, comportamentais e cognitivos são os do grupo das aminas, como, por exemplo, a
serotonina, a noradrenalina, a dopamina e a acetilcolina. Além desses, o glutamato e o Ácido
gama-aminobutírico (Gaba) também são importantes mediadores das atividades neuronais,
refletindo seus efeitos nos nossos comportamentos e ações.
A ação dos neurotransmissores ocorre através da sua difusão na fenda sináptica. Ao serem
liberados, eles se ligam a receptores específicos na membrana neuronal pós-sináptica. A ligação dos
neurotransmissores causa uma mudança na conformidade deste, ou seja, faz com que canais
localizados na membrana pós-sináptica se abram ou se fechem, possibilitando ou não o livre fluxo
das cargas elétricas que orbitam os espaços extracelulares. Desta forma, os receptores, ao serem
estimulados pelos neurotransmissores, alteram sua permeabilidade, ocasionando um efeito que
pode ser excitatório ou inibitório, dependendo do tipo de canal e de sua permeabilidade a
determinado íon.
Assim, por meio da estimulação dos receptores pelos neurotransmissores, tem início uma sequência
de eventos moleculares dentro da célula do neurônio pós-sináptico, a fim de ativar ou inativar o
funcionamento dos nossos genes. Neste sentido, para que uma neurotransmissão química ocorra,
necessariamente precisamos de: um sinal molecular, transmitindo a informação de uma célula
neuronal para outra; uma molécula receptora para traduzir a informação sinalizada; e uma
molécula-alvo, que irá eliciar a resposta celular final.
A importância do adequado funcionamento de todos os processos referidos já é reconhecida, devido
ao fato de que, cada vez mais, se tem clareza de que qualquer alteração ou desregulação nestes
processos pode interferir na forma como nossos genes se expressam e, consequentemente, resultar
na manifestação de transtornos neuropsiquiátricos ou transtornos relacionados ao desenvolvimento.
Neurotransmissores são substâncias químicas endógenas, produzidas e sintetizadas no sistema
nervoso central e que possuem a função de atuar como mensageiros do processo de transmissão
sináptica. Estima-se que existam mais de 100 substâncias que possuem propriedades de
neurotransmissores. Os neurotransmissores podem ser classificados em duas amplas categorias:
as moléculas pequenas e os neuropeptídeos. Eles podem ser da classe das aminas, dos
aminoácidos ou dos neuropeptídeos.
É importante explicar que, para que uma determinada molécula seja considerada um
neurotransmissor, é preciso que esta:
● esteja presente no interior do neurônio pré-sináptico;
● seja liberada em resposta à despolarização do neurônio pré-sináptico, em outras palavras, que
ela possa responder aos estímulos propagados pelo neurônio; e
● possua afinidade com receptores específicos localizados na membrana pós-sináptica.
Apesar de serem produzidos endogenamente, os neurotransmissores podem ser induzidos de forma
exógena, ou seja, através do uso de diferentes substâncias que têm como função modificarem o
funcionamento do sistema nervoso central. Exemplos destas substâncias poderiam ser os
medicamentos psicofármacos, utilizados no tratamento de disfunções de ordem emocional,
cognitiva ou comportamental, ou também as drogas (como álcool, tabaco, maconha e cocaína).
Independente de qual tipo de substância estamos falando, elas são capazes de interferir no
funcionamento do nosso cérebro, provocando alterações nas concentrações dos
neurotransmissores ou na ação destes sobre os receptores.
Tais modificações influenciam e alteram o funcionamento dos neurônios e, por consequência,
induzem mudanças emocionais, cognitivas e comportamentais. Podemos citar alguns exemplos de
neurotransmissores clássicos que são alvo da ação de vários psicofármacos, muitos deles utilizados
em crianças e adolescentes a fim de tratar diferentes questões de aprendizagem, comportamento e
regulação emocional. Entre eles, destacam-se a serotonina, a noradrenalina, a dopamina, o
glutamato e o Gaba. Estes últimos, glutamato e Gaba, representam os principais neurotransmissores
excitatórios e inibitórios do nosso sistema nervoso.
Conceitos básicos em Neurociência: neurodesenvolvimento e neuroplasticidade
O processo do neurodesenvolvimento inicia-se desde as primeiras semanas de gestação,
estendendo-se até a idade adulta. Diversos processos neuroquímicos coordenados pela expressão
de nossos genes ocorrem durante o curso desse desenvolvimento, sendo estes genes os
responsáveis por desenvolver, diferenciar e maturar as estruturas cerebrais que compõem nosso
SNC. Somente a partir do término destes processos é que podemos dizer que há uma adequada
formação estrutural e funcional das diferentes regiões do nosso cérebro. Isso contribui para o
surgimento e para variabilidade e diferenciação entre os indivíduos no que se refere aos seus
repertórios comportamentais, ao seu funcionamento cognitivo e à expressão de suas respostas
emocionais.
As etapas do neurodesenvolvimento, no entanto, ocorrem de modo progressivo e conforme cada
região do nosso cérebro. Sendo assim, a etapa que abrange desde o período gestacional até a
adultez é considerada crítica, promovendo as mais distintas mudanças nos indivíduos, sejam elas
físicas, comportamentais ou emocionais. O processo de desenvolvimento do nosso cérebro é único,
porém, durante sua formação, os neurônios necessariamente passam por algumas etapas antes de
terem sua estrutura e função completas.
Embora tais processos sejam em sua maioria geneticamente determinados, conforme comentado,
reconhece-se que algumas destas conexões respondem às influências do ambiente no qual os
indivíduos estão inseridos. Mesmo que os processos do neurodesenvolvimento tenham atingido seu
estágio final, ou seja, ainda que conexões tenham sido estabelecidas, os padrões de atividade
neuronal é que moldarão os circuitos sinápticos.
Em outras palavras, é a atividade neuronal, em resposta aos estímulos e à interação com o ambiente,
que possibilita a estruturação e o funcionamento dos nossos circuitos cerebrais. Assim, a
estimulação adequada desde os primeiros anos de vida pode ser responsável por reforçar e
promover a formação de novas conexões. Em contrapartida, a ausência ou a inadequação dessa
estimulação seriam responsáveis por empobrecer e causar prejuízos nesta formação, podendo,
inclusive,interromper ou eliminar o estabelecimento de determinadas conexões, seja por falta de
uso, ausência de estímulo ou exposição a estímulos excessivos.
Justamente por se estenderem por diferentes períodos da trajetória do nosso desenvolvimento é que
tais processos tornam-se suscetíveis às influências, positivas ou negativas, do ambiente.
Determinadas estruturas cerebrais possuem um desenvolvimento mais acelerado, já em períodos
gestacionais ou logo cedo nos primeiros meses de vida, atingindo sua maturação durante a primeira
infância. Um exemplo de região que possui tal característica em sua trajetória de desenvolvimento é
o hipocampo. Outras regiões cerebrais, como por exemplo o córtex pré-frontal e a amígdala,
apresentam um desenvolvimento mais lento e progressivo, estendendo-se ao longo de toda a
infância e adolescência. Discute-se que sua possível maturação somente esteja completa no início
da vida adulta.
Até aqui fomos capazes de identificar que nosso cérebro passa por múltiplos processos durante seu
desenvolvimento e reflete as experiências vividas por cada indivíduo ao longo de sua trajetória de
desenvolvimento. Portanto, podemos considerar que o SNC é adaptável, sofrendo influência do
ambiente e passando por mudanças e transformações. Esta capacidade de se modificar por meio
das experiências é denominada de neuroplasticidade.
A neuroplasticidade refere-se à propriedade que o sistema nervoso central tem de alterar sua função
ou estrutura em resposta às influências ambientais ou demandas internas do organismo. Isto é,
nossos neurônios possuem a capacidade de formar ou restabelecer conexões entre eles a partir das
constantes interações com o ambiente, como uma espécie de resposta e mudança neuronal frente
aos estímulos ambientais aos quais os indivíduos são expostos durante sua vida. Neste sentido,
entende-se que as nossas aprendizagens são uma das consequências destas capacidades de
modificação das estruturas e conexões dos neurônios.
Professor(a), desde o início do período pós-natal, denota-se uma responsividade do cérebro por
estímulos, os quais serão determinantes para todo desenvolvimento cognitivo subsequente. Muitas
das mudanças, portanto, ocorrerão na infância a partir das experiências que este cérebro em
desenvolvimento terá com seu ambiente. Este representa o primeiro período de modificações
plásticas, sendo responsável por organizar e estruturar a arquitetura do nosso cérebro. A partir disso,
torna-se mais difícil a ocorrência de mudanças significativas nesse cérebro no futuro, uma vez que
as conexões já estão mais bem consolidadas e estabelecidas (o que não significa que não seja
possível existirem tais modificações na vida adulta).
A adolescência, também, representa um período de transformações, sejam elas biológicas,
hormonais ou comportamentais. O cérebro adolescente, neste sentido, passa por uma
reorganização, aproximando-se da sua forma adulta. Ambos os períodos, da infância e da
adolescência, são tidos como críticos em razão das diversas transformações que estão ocorrendo
no cérebro, aumentando a potencialidade do desenvolvimento e do aprendizado, mas, ao mesmo
tempo, conferindo riscos a partir da influência de estressores.
Compreendemos agora que o cérebro é uma estrutura em constante construção e mudança, assim
como percebemos que os indivíduos aprendem diferentes comportamentos e expressam suas
emoções de formas distintas ao longo de sua vida. Diversas evidências científicas sugerem que tal
variabilidade no repertório comportamental e nas expressões emocionais se deva aos fenômenos
plásticos do SNC. A aquisição de conhecimentos e aprendizagens também é fruto destas mudanças
cerebrais, através de alterações bioquímicas que ocorrem nos nossos neurônios e nas suas
conexões.
Reconhecer e explorar tais capacidades do nosso cérebro e os momentos em que as aprendizagens
e modificações são favorecidas torna-se fundamental, não só para neurocientistas e profissionais da
saúde, como também para vocês, educadores, que compartilham boa parte dessa trajetória de
desenvolvimento do cérebro em sala de aula com seus respectivos alunos.
Conceitos básicos em Neurociência: como se divide nosso sistema nervoso e quais as funções das
diferentes regiões cerebrais
Nosso sistema nervoso é dividido, de forma geral, no SNC e no Sistema Nervoso Periférico (SNP). O
SNC é composto pelo encéfalo, nosso cérebro, e pela medula espinhal, enquanto o SNP é
subdividido em SNP Somático e SNP Autônomo, este último correspondendo aos sistemas
simpáticos e parassimpáticos, coordenando as respostas dos indivíduos aos diferentes estímulos
ambientais.
O SNP é composto por nervos e gânglios, os quais têm a função de conectar o SNC ao restante do
corpo. Os nervos são formados por dendritos e axônios que se projetam pelo corpo, recebendo e
conduzindo informações para as diferentes partes. Esses nervos podem ser classificados como
nervos sensoriais ou motores. Já os gânglios são formados por pequenas dilatações contendo
grupos de corpos celulares de neurônios, no caso deste sistema dos nervos que se projetam pelo
corpo.
Figura 05. Representação da divisão do sistema nervoso
Fonte: Adaptada de Bear, Connors e Paradiso (2017).
É importante saber que esta divisão mais geral do SNP pode ser definida a partir do que se
denomina divisão sensitiva (ou aferente) e divisão motora (ou eferente).
O sistema nervoso somático é responsável pelo primeiro estágio de processamento das
informações sensoriais que chegam ao nosso corpo. É este sistema que integra e ativa os
comandos para que os diferentes tipos de músculos (esqueléticos, lisos viscerais e glandulares)
presentes em nosso corpo respondam frente à estimulação.
As respostas coordenadas podem ser desde simples reflexos, comandados pela medula, como, por
exemplo, o reflexo de flexão do joelho frente ao toque de um martelo neurológico (Figura 6); até
respostas mais complexas coordenadas por diferentes regiões do nosso cérebro. Assim, nem todas
as informações necessariamente precisam chegar até nosso cérebro para serem processadas e
haver uma resposta motora. Tal mecanismo mostra-se adaptativo a fim de conferir rápidas
respostas dos organismos, auxiliando na nossa sobrevivência.
Figura 06. Representação ilustrativa do reflexo patelar
Fonte: Nossa autoria (2023).
O sistema nervoso autônomo consiste nas projeções neuronais que inervam órgãos internos, vasos
sanguíneos e glândulas secretoras. Refere-se a um sistema que não é de controle voluntário do
indivíduo, sendo suas respostas regulatórias automáticas, razão pela qual também é conhecido
como sistema vegetativo. Esse sistema é, portanto, o responsável por dar início a uma série de
respostas fisiológicas (como aumento da frequência cardíaca e pressão arterial, aumento da
atividade metabólica, dilatação da pupila, secreção de suor ou secreção de hormônios como
adrenalina e noradrenalina).
A partir de uma resposta simpática, esse mesmo sistema procura restabelecer o equilíbrio e a
homeostase do organismo, estimulando a ativação das funções da outra divisão, parassimpática, o
que faz com que todas as mudanças fisiológicas transitórias anteriores se restabeleçam. Desta
forma, o sistema nervoso autônomo funciona mediante um balanço entre excitação e inibição
sináptica, a fim de manter a homeostase do organismo.
Para além das divisões detalhadas acima, podemos compreender nosso cérebro através de algumas
proposições de divisões anatômicas bem como através das funções associadas a cada uma destas
regiões. Embora tais afirmações possam remeter a paradigmas localizacionistas sobre o
entendimento do funcionamento do cérebro, não mais vigentes em nossa compreensão atual,
sabemos que existem regiões que são centrais para determinados processos cognitivos.
Nosso cérebro apresenta dobraduras chamadas de giros e separadas por fissuras, também
conhecidas como sulcos. Acredita-se que o nosso cérebro, em seu formato atual, tenha sido fruto de
um crescimento exponencial no número de células durante a evolução, tendo estecrescimento
superado a capacidade de crescimento evolutivo da caixa craniana, o que fez com que houvesse a
necessidade da presença de dobras, os giros e sulcos.
Figura 07. Representação ilustrativa do cérebro humano
Fonte: Nossa autoria (2023).
A primeira divisão, mais geral, é a hemisférica, que separa o cérebro em dois hemisférios, esquerdo e
direito. Os dois hemisférios estão integrados por uma região chamada de corpo caloso. Algumas
funções podem ser consideradas lateralizadas, ou seja, determinada função presente em um
hemisfério não é compartilhada pelo outro. Desta forma, sugere-se que o hemisfério esquerdo tenha
um papel predominante para análise linear de raciocínio lógico e matemático e para tarefas que
envolvam símbolos abstratos, especialmente aqueles relacionados ao pensamento verbal; enquanto
o hemisfério direito parece estar mais relacionado à análise holística (percepção de estruturas e
formas globais), ao pensamento intuitivo, à orientação espacial e à expressão não verbal.
Figura 08. Divisão hemisférica do cérebro
Fonte: Nossa autoria (2023).
Pode-se também adotar uma classificação embriológica que segue o processo de
neurodesenvolvimento desde o período gestacional. Esta divisão estabelece uma divisão encefálica
em: telencéfalo (região cortical), diencéfalo (região subcortical), tronco encefálico (composto pelo
mesencéfalo, ponte e o bulbo), cerebelo e a medula espinhal. Nos aprofundaremos mais sobre as
funções do telencéfalo e do diencéfalo ao longo do curso, uma vez que são nestas regiões que a
maioria das nossas funções cognitivas têm seu processamento, assim como nossas aprendizagens,
linguagem e emoções.
Figura 9. Divisão encefálica
Fonte: Nossa autoria (2023).
Aqui, apenas como informação complementar, cabe destacar que o tronco encefálico corresponde
ao pequeno talo que liga a medula ao SNC. Praticamente todas as projeções sensoriais passam por
esta região, que é uma espécie de ponte de ligação entre o cérebro e a medula. Entre suas funções,
podemos dizer que o tronco encefálico é responsável pelo controle da atividade elétrica cortical, pela
regulação do ciclo sono-vigília, pelo controle de sensibilidade à dor, pelo controle do sistema nervoso
autônomo, pelo controle endócrino e pela integração de reflexos, como nos centros respiratórios e
vasomotores.
É também no tronco encefálico que estão localizados núcleos formados por conglomerados de
neurônios, como os núcleos da rafe, o locus coeruleus e a área tegmental ventral, com a importante
função de síntese e produção dos principais neurotransmissores, a exemplo da serotonina,
noradrenalina e dopamina. Lesões profundas na região do tronco encefálico podem ocasionar sérias
complicações e até levar a óbito, uma vez que nesta região se encontram aglomerados de neurônios
que regulam batimentos cardíacos, respiração e várias outras funções vitais do nosso organismo.
O cerebelo é outra região referida da qual, até pouco tempo atrás, se conhecia pouco a respeito, mas
que vem sendo cada vez mais foco das investigações nos estudos do cérebro. Participa do controle
dos movimentos voluntários, que envolvem planejamento, controle do tônus muscular, equilíbrio e
postura, além de ter uma importante função nas aprendizagens motoras (referidas como
aprendizagens e memórias implícitas, em outras palavras, as aprendizagens de “como” fazer). Ele
recebe informações dos neurônios envolvidos com funcionamento motor, na parte anterior, vindos
da medula espinhal e, em sua parte posterior, do córtex cerebral motor.
Outra divisão importante, bastante referida nos livros de Neurociência e Neuropsicologia e que nos
ajuda muito a entender a relação de diferentes porções do nosso cérebro com os processos
cognitivos e com os comportamentos associados é a divisão em lobos. Esta divisão, mostrada na
Figura 10, compreende os lobos frontal, temporal, parietal e occipital; além dos córtex motor e
sensório (os dois últimos correspondentes às funções de integração e processamento das
informações relacionadas a movimentos e sensações).
Figura 10. Divisão dos lobos cerebrais
Fonte: Nossa autoria (2023).
Uma última divisão que nos auxilia a “navegar” pelo nosso cérebro é aquela baseada na
direcionalidade. Esta subdivisão separa o cérebro em suas porções anterior (rostral) e posterior
(caudal), as quais podemos chamar leigamente de porção “da frente” e “de trás” a partir de uma
perspectiva de visão frontal do encéfalo; superior (dorsal) e inferior (ventral), ou seja, considerando a
mesma visão frontal, a “parte de cima” e a “parte de baixo”; e lateral e medial, que se referem às
partes mais externas e às mais internas, respectivamente.
Esses eixos tornam-se importantes quando analisamos imagens do cérebro com cortes em
diferentes sentidos, como cortes sagitais (dividindo o corpo em lados esquerdo e direito), cortes
coronais (dividindo o corpo em partes da frente e de trás) e cortes transversais (dividindo o corpo
em porções superiores e inferiores).
Figura 11. Planos anatômicos
Fonte: Nossa autoria (2023).
Conceitos básicos em Neurociência: as principais regiões do cérebro responsáveis pelas funções
cognitivas, aprendizagens e expressão dos comportamentos
Caro(a) Professor(a), neste subtópico do Módulo I, vamos detalhar as principais regiões do nosso
cérebro que são responsáveis pela expressão dos nossos comportamentos, pensamentos e
emoções. O funcionamento destas regiões, por exemplo, contribui diretamente para que nossas
aprendizagens ocorram e, também, para que nossas memórias sejam formadas, servindo de base
para a construção do nosso conhecimento ao longo da vida.
Você, educador(a), ao conhecer melhor as respectivas funções associadas à atividade de cada uma
destas regiões, vai ser capaz de não somente melhor entender como nosso cérebro processa todas
as informações que chegam até ele, como também de compreender que, em casos de
desenvolvimento atípico, a exemplo das síndromes e dos transtornos do neurodesenvolvimento,
podemos ter um comprometimento importante de seu funcionamento e, consequentemente,
observamos alterações significativas nas capacidades de aprendizagens, habilidades de leitura e
escrita, habilidades matemáticas, habilidades sociais e habilidades de regulação emocional.
Começaremos discutindo uma das regiões-chave para os processos de aprendizagem e memória: o
hipocampo. Trata-se da estrutura bilateral que está localizada nos lobos temporais, com formato
similar ao de um cavalo marinho (Figura 12).
Figura 12. Representação de um cérebro humano com o hipocampo em destaque, comparado a um
cavalo marinho
Fonte: Nossa autoria (2023).
O hipocampo possui papel específico nos processos de aquisição e consolidação das nossas
memórias, embora tal participação seja de certo modo complexa de se compreender, considerando
todos os processos de base biológica envolvidos.
O hipocampo contribui para a transferência de informações da nossa chamada memória de curto
prazo para a memória de longo prazo. Também é a região responsável por criar um mapa cognitivo
do nosso ambiente, relacionando características visuais com características espaciais, o que
possibilita a adequação das nossas respostas conforme variações do ambiente.
Mais especificamente, em sua porção posterior, o hipocampo está envolvido nos processos
cognitivos da aprendizagem e memória, particularmente naqueles associados ao desenvolvimento
da capacidade de orientação, exploração do ambiente e locomoção. Já em sua porção anterior, ele
tem envolvimento com as emoções e o comportamento motivado. Lesões no hipocampo podem
trazer significativos prejuízos em nossa memória, resultando em amnésias anterógradas, ou seja, na
perda da capacidade de armazenar e reter novas informações a partir de um evento. Esse tipo de
prejuízo indica a participação do hipocampo na formação das memórias declarativas e tem como
um exemplo clássico dos estudos da Neurociência o caso do paciente Henry Molaison, mais
conhecido como H. M.
Henry Molaison, cientificamente conhecido como H.M., foi um jovem de 27 anos que sofria de
epilepsia grave. Tinha várias crises convulsivas em um mesmo dia, impossibilitando-o de ter
funcionalidade na vida. Os tratamentos da época se mostraram ineficazes para conter as crises e
permitir que H. M. vivesse uma vida normal. As crises tinham origem em uma região do cérebro
localizada nos lobos temporais e se espalhavam ao longo do cérebro.
Um dos tratamentos para casos refratários e graves de epilepsia, à época, era através da cirurgia de
remoção da região de origem das crises. Considerando a gravidade do caso, decidiu-se na época que
a intervenção cirúrgica era o mais adequado para H. M. Assim, cirurgicamente, foram removidas
partes da região de seu lobo temporal medial, incluindo uma região denominada hipocampo.
Aparentemente a cirurgia havia sido um sucesso, uma vez que H. M. se recuperou bem e, ao que
parecia, havia parado de ter crises convulsivas recorrentes.
Figura 13. Comparação entre um cérebro comum e o cérebro de H. M. (hipocampo removido)
Fonte: Nossa autoria (2023).
No entanto, com o passar dos dias, descobriu-se um efeito inesperado do procedimento cirúrgico
realizado. H. M. era incapaz de se lembrar das informações a ele apresentadas por períodos
superiores a alguns minutos. Apesar de ser capaz de lembrar de episódios de sua vida anteriores à
cirurgia, ter um funcionamento cognitivo global preservado e acima da média, com habilidade de
raciocínio lógico também preservada, H. M. parecia não reter mais quaisquer informações que lhe
fossem apresentadas. Ele fora acompanhado ao longo de muitos anos por alguns pesquisadores,
entre eles uma psicóloga, Branda Milner, a fim de se obter um entendimento do que lhe havia
ocorrido a partir da remoção cirúrgica daquela região.
Para H. M., todos os dias eram novidade, ele apresentava um caso clássico de amnesia anterógrada,
ou seja, não era capaz de recordar nenhuma informação após um evento, passado um período curto
de tempo. Porém, todo restante das suas capacidades cognitivas parecia preservado e, ainda,
descobriu-se que H. M. era capaz de aprender novas tarefas motoras, mesmo sem ter consciência
ou a lembrança de que havia sido exposto ao estímulo. Por exemplo, H. M. conseguiu melhorar seu
desempenho em uma tarefa na qual era requerido que se traçasse o contorno de uma estrela,
observando apenas sua mão em um espelho. Esta é uma tarefa que requer treino e prática, sendo o
desempenho dependente da repetição. O desempenho de H. M. foi capaz de evoluir ao longo dos
dias de treino, sugerindo que ele estava retendo informações sobre o desenvolvimento da tarefa,
muito embora ele fosse incapaz de recordar que havia realizado a tarefa anteriormente. Tais
descobertas permitiram posteriormente compreender o funcionamento da memória dividido em dois
sistemas distintos: as memórias declarativas e as memórias de procedimento.
Figura 14. Representação da atividade prescrita para o jovem H. M.
Fonte: Nossa autoria (2023).
Sabemos ainda que ao longo da vida o hipocampo é uma região que pode ser afetada pelos
processos do envelhecimento. Embora tanto no envelhecimento típico como no envelhecimento
atípico exista uma perda de neurônios no hipocampo, nos processos neurodegenerativos, como na
doença de Alzheimer, ocorre a perda acentuada e acelerada dos neurônios na formação hipocampal,
provocando os esquecimentos e a diminuição da capacidade de aprendizagem de novas
informações.
Figura 15. Principais regiões do cérebro que são responsáveis pela expressão dos nossos
comportamentos, pensamentos e emoções
Fonte: Purves et al. (2010).
A amígdala é outra região que faz parte do chamado sistema límbico, assim como o hipocampo, e
que tem participação no armazenamento de nossas memórias com conteúdos emocionais,
especialmente as memórias relacionadas ao medo.
Sua principal função, no entanto, envolve o processamento dos estímulos ameaçadores, sendo
responsável por integrar as informações que chegam ao nosso cérebro e mediar as respostas do
organismo. Exerce um papel primário na avaliação do ambiente, analisando perigos em potencial, ou
seja, dando significado emocional aos estímulos externos. Além disso, a amígdala foi reconhecida
como uma região importante no processamento de faces e sinais sociais, auxiliando na identificação
de determinadas expressões emocionais.
Lesões na amígdala podem causar grandes prejuízos aos indivíduos, como por exemplo a
incapacidade de reconhecer faces ameaçadoras, não confiáveis ou que expressem medo. É comum
que indivíduos com lesão na amígdala apresentem comportamentos impulsivos e de risco, tendo
dificuldade de modular respostas de medo frente a situações potencialmente perigosas. A síndrome
de Kluver e Bucy (Figura 16), por exemplo, é uma condição em que disfunções na amígdala levam a
uma desconexão entre processos sensoriais e emocionais.
Figura 16. Representação ilustrativa dos principais sintomas da síndrome de Kluver e Bucy.
Fonte: Nossa autoria (2023).
O hipotálamo é um importante centro do nosso cérebro que conecta nosso SNC a diferentes outros
sistemas biológicos do corpo, como o sistema endócrino. Embora represente uma parcela muito
pequena do nosso cérebro, menos de 1% do volume total, integra diversos circuitos neuronais e que
regulam funções vitais do organismo.
É a região que regula as respostas do sistema nervoso autônomo por meio do controle das
ativações simpáticas e parassimpáticas. Sabe-se que o organismo procura manter sua constância
(homeostase) equilibrando as variações internas e adequando as respostas às demandas externas.
Os mecanismos responsáveis por tal manutenção estão localizados no hipotálamo, incluindo os
sistemas responsáveis por dar início às cascatas de liberação de hormônios que irão atuar em
diferentes órgãos e sistemas do nosso corpo. O hormônio cortisol, que é liberado a partir da
resposta do organismo a um estímulo estressor, é um exemplo da atividade regulatória que busca
preparar o organismo para responder frente às demandas do ambiente. Para além destas funções, o
hipotálamo participa da regulação da temperatura corporal, do ciclo sono-vigília, da ingestão de
alimentos e água, da diurese e de ritmos circadianos.
O córtex frontal, especificamente a região denominada de pré-frontal, é uma parte importante do
nosso cérebro, sendo uma das últimas a serem completamente formadas durante o curso do
neurodesenvolvimento.
O córtex pré-frontal é comumente subdividido em pequenas porções, especialmente por suas
distintas funções, sendo as sub-regiões mais importantes para o nosso conhecimento:
Cada uma dessas regiões desempenha um papel importante para nosso funcionamento cognitivo,
expressão dos nossos comportamentos e regulação de respostas emocionais e motivacionais.
É na região do córtex pré-frontal que estão localizadas as chamadas Funções Executivas (que
aprofundaremos melhor nos módulos aplicados). Tais funções cerebrais controlam a atenção, as
nossas emoções e os nossos comportamentos direcionados a objetivos e metas. Essas funções
são responsáveis pelo controle cognitivo, pela autorregulação e pela iniciação do comportamento. É
importante destacar que tais funções possuem um desenvolvimento lento e progressivo, com maior
influência no início dos anos pré-escolares e somente com uma completa formação no início da vida
adulta.
Figura 17. Representação ilustrativa do córtex pré-frontal
Fonte: Adaptada de Ferreira (2021).
O córtex pré-frontal dorsolateral está envolvido no planejamento de ações e comportamentos, sendo
responsável pela nossa capacidade de flexibilidade cognitiva, ou seja, por conseguirmos analisar e
ponderar situações a partir de diferentes perspectivas ou, ainda, modificar uma ação ou
comportamento frente a mudanças nas demandas do ambiente. Ele ainda participa do processo de
aquisição de informações, necessário, por exemplo, para que os indivíduos mantenham uma
sequência de informações a fim de adequar respostas para alcançar determinado objetivo. Essa
relação revela a importante participação da porçãodorsolateral na memória de trabalho.
A sub-região do córtex pré-frontal orbitofrontal, por sua vez, possui importante função na
representação de nossas emoções e sentidos e no valor da recompensa para tomada de decisão. É
a região responsável por codificar os valores, avaliando riscos e benefícios frente à necessidade de
uma tomada de decisão. Por possuir conexões com a amígdala, a região também é reconhecida por
sua participação na inibição de impulsos e regulação das respostas emocionais. Está envolvida na
aprendizagem de mudanças nas contingências ambientais, auxiliando a adequar os
comportamentos ao contexto.
A sub-região medial, que compreende o córtex pré-frontal ventromedial, possui uma distinção ainda
não tão bem estabelecida com a sub-região orbitofrontal, porém é reconhecida também por
desempenhar funções de regulação das respostas emocionais e na adequada tomada de decisão.
Revela-se como importante para o automonitoramento das ações ou respostas e para a correção de
erros durante os processos de tomada de decisão, ou seja, para a aprendizagem pela experiência e a
partir do feedback do contexto. Portanto, essa região mostra-se importante para a capacidade
decisória, nos comportamentos perseverativos, e, também, para a interação social, através da
adequação das respostas às normas de conduta social e da capacidade de uso da nossa cognição
social, inclusive sendo sugerida como envolvida na função de avaliação moral.
Phineas Gage era um jovem rapaz que trabalhava na construção de ferrovias no século XIX, em
Vermont. Entre suas tarefas diárias convencionais estava a explosão de rochas a fim de assentar os
trilhos da ferrovia. A tarefa, embora simples, necessitava destreza e atenção para sua execução, pois
o modo de causar tal explosão na época requeria socar pólvora dentro de um buraco com uma barra
de ferro.
Em um fatídico dia, em 1848, ao realizar sua tarefa, Gage, por descuido, acabou criando uma faísca
ao socar a barra de ferro contra a rocha, o que causou uma explosão e arremessou, como um
projétil, a barra de ferro em sua direção. A barra atravessou de baixo para cima o olho esquerdo de
Gage, saindo pela parte superior do seu crânio. O acidente levou à destruição de parte do seu lobo
frontal esquerdo, ainda que Gage não tenha perdido sua consciência.
Gage levou vários meses para se recuperar do acidente, ao menos de forma aparente. Ao se
recuperar, Gage parecia ter se transformado: pessoas próximas a ele tinham dificuldade de o
reconhecer como o “mesmo” Gage.
Gage, que antes era responsável, trabalhador e moderado, agora apresentava-se instável, agressivo,
inadequado e de difícil convívio social. Sua personalidade mudara, dificultando que Gage se
relacionasse e retomasse suas atividades laborais.
Ele viveu mais 12 anos e, ao falecer, seu crânio e a barra de ferro foram preservados na Escola de
Medicina de Harvard. Hanna e Antonio Damásio, em 1994, usaram técnicas modernas para estudar o
crânio e reconstituir as regiões que haviam sido afetadas pelo acidente. A passagem da barra de
ferro causou uma lesão grave e extensa sobre o córtex pré-frontal nos dois hemisférios. Essas
regiões frontais são hoje reconhecidas pela sua participação em funções cognitivas relacionadas ao
planejamento, controle dos impulsos e à adequação de comportamento às normais sociais, o que,
na época, explicava sua significativa e abrupta mudança de personalidade.
Duas outras regiões, por fim, que são merecedoras de destaque se referem às áreas de Broca e
Wernicke. Ambas as regiões foram descobertas a partir de casos clínicos de pacientes que haviam
perdido suas capacidades de expressão ou compreensão da linguagem, sem que isso
necessariamente estivesse implicado em perda de capacidades cognitivas ou motoras para mover
músculos utilizados na fala.
Devido à característica motora da produção da fala, a afasia de Broca passou a ser denominada de
afasia motora. Por outro lado, a afasia de Wernick consiste na capacidade de produção da fala,
embora, por vezes, sem sentido, sugerindo assim déficits na forma como processamos os sons e os
relacionamos com seus significados, passando ela a ser conhecida como afasia sensorial.
Figura 18. Representação ilustrativa de um cérebro humano com as áreas das afasias de Broca e
Wernicke destacadas
Fonte: Bear, Connors e Paradiso (2017).
Conceitos básicos em Neurociência: as funções cognitivas
Na seção anterior, foi apresentado e discutido, de forma geral, um pouco sobre cada uma das
regiões do nosso cérebro responsáveis por mediar processos cognitivos essenciais para o
desenvolvimento das nossas aprendizagens e desempenho escolar. Agora, conheceremos de forma
detalhada mais sobre essas principais funções cognitivas. O estudo da Psicologia Cognitiva, um
campo de estudo que integra também as chamadas Neurociências, nos auxilia na compreensão dos
fenômenos que ocorrem “dentro” do nosso cérebro e da relação que eles possuem com nossos
comportamentos. Busca estudar, por exemplo, como as pessoas percebem, aprendem, sentem,
lembram, criam, planejam e tomam decisões. Todas essas habilidades devem-se às nossas
capacidades cognitivas de sensação e percepção; atenção e memória; resolução de problemas;
linguagem; e planejamento e tomada de decisão. São esses processos ou funções cognitivas que
iremos discutir neste subtópico.
Iniciaremos falando sobre os processos de memória e como eles possibilitam a aquisição das
nossas aprendizagens. Sabemos que as informações que são aprendidas passam por um processo
no qual ocorre a codificação, o armazenamento e, posteriormente, a recuperação deste conteúdo
aprendido. Entende-se que as informações — ou input sensoriais — primeiramente são codificadas,
ou seja, o estímulo ou informação recebidos são processados e transformados em um padrão de
atividade neuronal.
Pensem em uma analogia simples do funcionamento de um computador:
Figura 19. Infográfico da analogia entre o funcionamento do armazenamento de informações por um
computador e pela memória humana
Fonte: Nossa autoria (2023).
O psicólogo Donald Hebb, um dos pioneiros nos estudos sobre as bases de nossa memória, propôs
inicialmente que esta resulta das várias alterações em conexões sinápticas, estando nossas
memórias armazenadas em diferentes regiões do cérebro conforme a especificidade da informação.
Por exemplo: nossas memórias espaciais teriam uma relação com hipocampo; nossas declarativas
dos conhecimentos semânticos e episódicos adquiridos ao longo da vida teriam seu
armazenamento em sub-regiões do lobo temporal; nossas aprendizagens de medo e a memória
emocional teriam uma relação com a amígdala; aquelas memórias e aprendizagens motoras
estariam ligadas ao funcionamento do cerebelo; e a ativação e manipulação das informações em um
determinado momento teria relação com a chamada memória de trabalho, por meio da atividade do
córtex pré-frontal. Estas regiões estariam conectadas formando uma rede neural da memória.
Assim, quando um neurônio responde a determinado estímulo e ativa outro, ocorrem mudanças na
conectividade entre os dois, resultando em um fortalecimento desta ligação. Em situações futuras, o
disparo deste mesmo neurônio aumentará a chance de conduzir a uma resposta do segundo
neurônio. Essa seria uma reconhecida ideia de que neurônios que disparam juntos se tornam mais
conectados.
Outra ideia interessante que nos ajuda a compreender como nossa memória funciona refere-se à
forma pela qual as memórias são reconsolidadas. Karim Nader e Joseph LeDoux propuseram que ao
ativarmos uma informação ou uma memória, teremos que novamente consolidá-la para que esta
seja novamente armazenada. Ou seja, seguindo a analogia anterior do computador, ao abrirmos um
determinado documento ou arquivo salvo, precisaremos salvá-lo novamente. Durante este processo,
a nova versão salva daquele documento ou arquivo será distinta da anteriormente recuperada.
Portanto, quando recuperamos determinadas informações armazenadas, estas serão afetadas e
modificadas pelas informações que estãosendo processadas naquele momento. Isso influenciará
nas características desta nova memória a ser reconsolidada (novamente armazenada), que inclusive
poderá diferir daquela memória original.
Neste sentido, pode-se dizer que a memória se divide em três sistemas, Memória Sensorial;
Memória de Curto Prazo e Memória de Longo Prazo, segundo teoria proposta por Atkinson e
Shiffrin.
Figura 20. Representação dos três tipos de memória
Fonte: Nossa autoria (2023).
Existe um sistema de memória denominado sensorial, o qual processa os estímulos sensoriais que
recebemos do ambiente. Nem todos estes estímulos serão processados pelos demais sistemas, ou
seja, a maior parte destas informações se perde. Algumas informações, no entanto, para as quais
direcionamos nosso foco atencional (aqui vemos a importância da atenção que falaremos mais
adiante para os processos mnemônicos), serão processadas e alcançarão o sistema da memória de
curto prazo.
A memória de curto prazo apresenta como características ser um sistema temporário, limitado em
relação à sua capacidade e consciente. Ela é acessível a nossa consciência, porém o tempo de
duração ou armazenamento é de apenas segundos ou minutos. Aqui é onde as informações
adquirem pela primeira vez um significado. Comumente, usamos de recursos para manter o
desempenho deste sistema de curto prazo a fim de que as informações fiquem disponíveis pelo
maior tempo possível e possam ser adequadamente transferidas e armazenadas na memória de
longo prazo.
Os principais recursos utilizados são os ensaios para manutenção, aqueles nos quais ficamos
mentalmente ou até mesmo verbalmente repetindo as informações para melhorar nossa capacidade
de retenção. Podemos usar essa estratégia de forma simplificada, apenas repetindo a informação;
ou podemos elaborar este ensaio através de organizações e associações destas informações, por
exemplo usando alguma relação lógica, associações a imagens ou até mesmo associações a
possíveis funções para aquelas informações. Um exemplo disto seria associar itens a serem
recordados em uma lista de supermercado a determinadas receitas que necessitam de tais itens
para sua produção. Outra estratégia interessante é o agrupamento das informações em unidades,
como quando ao invés de decorarmos um número de telefone ou a forma pela qual se escreve
determinada palavra utilizando-nos dos itens ou unidades isoladas (número a número ou letra por
letra), organizamos estas informações em blocos ou sílabas.
Figura 21. Representações de estratégias de memorização
Fonte: Nossa autoria (2023).
O último dos três sistemas refere-se à memória de longo prazo, na qual as informações
armazenadas são mantidas por períodos prolongados de tempo, algumas delas supostamente pela
vida toda. Discute-se, inclusive, se tal sistema teria uma capacidade ilimitada de armazenamento
(como se fosse um disco rígido infinito) ou se existe uma limitação desta capacidade.
A memória de longo prazo, diferentemente da memória de curto prazo, não é consciente, porém, ao
ser ativada (recuperada), ela passa a se tornar consciente e pode ser utilizada para atender
determinada demanda do ambiente. Pode-se dizer que este é o processo que ocorre quando se exige
que os alunos apliquem seus conhecimentos (como utilizar do conhecimento adquirido em
determinada matéria) para responderem um exercício ou resolverem um problema matemático ou
uma prova.
Figura 22. Representação de estudantes mobilizando memória de longo prazo para responderem
avaliações em sala de aula
Fonte: Nossa autoria (2023).
Interessante destacar que pesquisas têm indicado que o armazenamento de longo prazo é
potencializado quando o material codificado possui um significado. Em outras palavras, a
codificação semântica é aquela que apresenta melhor recordação posteriormente, sugerindo que
quanto mais aprofundada for a codificação dos conteúdos, melhor eles serão lembrados. Estas
pesquisas normalmente comparam processamento semântico com outras estratégias utilizadas,
como o processamento visual, no qual a estratégia se baseia na recordação pela aparência ou
imagem, e o processamento acústico, estratégia baseada na rima.
A nossa memória de longo prazo pode ser compreendida através de uma divisão que define que os
conteúdos armazenados no longo prazo podem se referir às memórias explícitas ou declarativas e
às memórias implícitas ou não declarativas. Esta divisão é bem importante para que possamos
entender os correlatos neurais, ou seja, as regiões do cérebro envolvidas em cada um dos tipos de
aprendizagem.
A recuperação é um ato importante para que possamos trazer as informações armazenadas na
memória de longo prazo novamente para um estado ativo. Quando lembramos de determinada
informação, podemos fazer isso através de uma recordação livre, ou seja, espontaneamente nos
recordamos de uma informação específica e que deve ser recuperada frente a uma demanda. Ao
realizarmos uma avaliação, por exemplo, pedimos ao aluno que explique determinado conceito
aprendido e que exemplifique ou relacione este conceito a partir de determinado contexto. Esta é
uma situação que requer uma recordação livre das informações sobre aquele determinado conceito
que foram armazenadas durante o processo de aprendizagem. A recordação pode ser facilitada
quando se oferece pistas, ou seja, conteúdos e informações que sirvam como gatilhos para a busca
da informação a ser recuperada.
Outra estratégia de recuperação de informações armazenadas na memória de longo prazo é através
do reconhecimento. O reconhecimento ocorre quando somos apresentados a determinado estímulo
(informação) e precisamos dizer se aquele estímulo é algo a que já fomos expostos, ou seja, se
aquela informação já nos foi apresentada anteriormente — no caso, se fez parte dos conteúdos que
nos foram ensinados. Pode-se fazer o reconhecimento, também, por meio da identificação de um
estímulo em uma lista de alternativas, como ocorre muitas vezes em avaliações objetivas dos
conteúdos aprendidos utilizando-se de questões de múltipla escolha.
Até o momento, compreendemos melhor como as informações que chegam através dos diferentes
estímulos são codificadas, armazenadas e retidas em nosso sistema de memória; porém, uma parte
importante do processo que nos permite aprender e armazenar novos conteúdos refere-se ao
esquecimento. O esquecimento é parte do processo e é através dele que somos capazes de renovar
nossa capacidade de armazenamento. Informações que deixam de ser relevantes ou que não são
mais utilizadas tendem a se enfraquecerem enquanto traço de memória e serem esquecidas. Esse
processo é denominado decomposição.
O esquecimento pode se dar também por uma falha no processo inicial de entrada da informação, a
chamada falha de codificação, ou seja, quando não há um adequado direcionamento do foco
atencional para o material-alvo e, por esta razão, a informação não fica disponível tempo suficiente
para ser codificada pela nossa memória de curto prazo.
Ainda, existem alterações na memória, as chamadas amnésias, que conduzem ao esquecimento e
perda de informações. As amnésias são classificadas em anterógrada e retrógrada.
O modelo da Memória de Trabalho (MT) foi proposto por Baddeley e Hitch inicialmente na década de
1970, com o propósito de substituir o entendimento proposto sobre o funcionamento da memória de
curto prazo. No modelo da MT, discute-se que este sistema não apenas seria responsável por
armazenar temporariamente a informação, como também por processá-la de forma ativa, isto é, por
manipular os conteúdos durante um período limitado de tempo. A ideia da existência de uma MT
operacional representa uma mudança de perspectiva quanto à função do sistema de memória de
curto prazo, passando esta a desempenhar um papel ativo no processamento das informações,
integrando e manipulando um conjunto limitado de informações, como se fosse uma memória
on-line.
A MT, portanto, refere-se à capacidade de manter as informações em um estado ativo para que
possamos desempenhar tarefas aomesmo tempo. Inclui também a capacidade de ativar memórias
do sistema de longo prazo a fim de integrar experiências anteriores com as demandas atuais. Assim,
este sistema de armazenamento retém as informações somente durante a execução de determinada
atividade. Além disso, o sistema inclui o papel do controle atencional como um sistema que
desempenha a função de alocar os recursos atencionais para o adequado funcionamento da MT.
No vídeo a seguir, um psicólogo educacional, professor Peter Doolittle, exemplifica de maneira
objetiva os conceitos relacionados à MT, sugerindo a importância desta função para nossa vida
através da compreensão do que ocorre em cada momento das experiências.
https://youtu.be/UWKvpFZJwcE
Conseguimos compreender, a partir da exposição do professor Peter, como a MT nos possibilita
trabalhar com conteúdos e informações para alcançar nossos objetivos, incluindo o de aprender. Ele
refere como indivíduos com alto desempenho de memória de trabalho conseguem obter melhores
resultados em diferentes contextos, o que inclui habilidades de escrita e raciocínio lógico. O
professor fala também de estratégias que podem melhorar o desempenho da MT, através da
repetição, integração dos novos conhecimentos, estruturação e organização das informações, isto é,
precisamos processar adequadamente as informações para que consigamos aprender. Esta seria a
peça-chave da aprendizagem: se utilizar de estratégias que otimizem e possibilitem nosso melhor
processamento das informações e conteúdos.
https://youtu.be/UWKvpFZJwcE
Em seu modelo atual, a MT divide-se em quatro subcomponentes: Alça Fonológica; Esboço Visuoespacial;
Buffer Episódico; e Executivo Central. Os dois primeiros subsistemas são responsáveis pelo armazenamento e
processamento de informações codificadas verbalmente e visualmente, respectivamente.
Em conjunto, os quatro componentes parecem estar implicados nas nossas atividades cognitivas superiores,
sendo fundamentais para a aquisição das aprendizagens, compreensão da linguagem, leitura, aritmética,
resolução de problemas e produção da consciência.
Discute-se atualmente que a MT talvez seja um dos processos cognitivos mais importantes e que nos permite
responder às várias demandas do ambiente, desempenhando nossas atividades diárias. Sabe-se que a MT
possui uma relação bastante próxima com as medidas de inteligência, sendo um preditor importante do
desempenho escolar e acadêmico, assim como, na vida adulta, do desempenho e sucesso profissional.
Atenção refere-se a outra função cognitiva importante a ser mais bem compreendida, pois possui relação
direta com os processos de aprendizagem e memória. Em poucas palavras, a definição de atenção poderia
ser resumida a nossa capacidade de focar seletivamente em determinados estímulos enquanto somos
capazes de evitar outros (distratores). Estes estímulos se referem a todas as informações que são capturadas
pelos nossos sentidos, nossas memórias armazenadas e outros processos cognitivos. Assim, pode ser
compreendido também como a capacidade que temos de direcionar nossos recursos cognitivos para
processar informações que estão sendo recebidas pelo nosso cérebro.
Figura 23. Representação de uma pessoa concentrada
Fonte: Nossa autoria (2023).
A natureza seletiva da nossa atenção faz com que tenhamos uma capacidade limitada de processamento das
informações captadas pelos nossos sentidos. Pode-se dizer que a atenção funciona como uma espécie de
porta de entrada que se abre para aquelas informações mais importantes que chegam ao nosso cérebro
enquanto fecha-se para informações irrelevantes e que seriam responsáveis por consumir nosso recurso
cognitivo sem maior necessidade. Considerando isso, sabe-se que existem limites para nossos recursos
atencionais. A quantidade de informações que precisamos processar é algo que influencia nossa capacidade
atencional, representando um destes limites.
A capacidade de foco, ou seja, de reduzir o direcionamento dos nossos recursos atencionais para estímulos,
sejam eles internos ou externos, aumenta a probabilidade de emitir respostas rápidas, precisas e adequadas
frente aos estímulos importantes do ambiente. Ainda, os limites do direcionamento dos recursos atencionais
fazem com que tenhamos uma maior capacidade de recordar e aprender a partir de informações para as
quais conseguimos ter sucesso na alocação da nossa atenção, ou seja, daquelas informações nas quais
estamos prestando atenção. Já se sabe também que fatores motivacionais (como interesse específico em
determinado conteúdo ou informação), emocionais (como ansiedade e humor), além da prática em relação a
determinada tarefa que exige nossa atenção são capazes de alterar o desempenho da nossa atenção.
Nos tópicos anteriores entendemos mais a respeito dos processos que nos permitem direcionar, alternar,
manter ou dividir o foco atencional e, também, discutimos a respeito do funcionamento da nossa memória e
como a memória possui relação com a nossa capacidade de aprendizagem. A partir de agora conheceremos
mais sobre uma das mais debatidas funções cognitivas, as chamadas funções executivas.
Diversos processos são referidos como associados ao funcionamento executivo, mas podemos destacar que
os principais incluem:
De certo modo, as funções executivas formam um conjunto de ações deliberadas, isto é, controladas pelo
próprio indivíduo, com objetivo de alterar os resultados futuros. Assim, é através das funções executivas que
somos capazes de perceber o ambiente, responder de forma adequada e adaptativa e antecipar cenários
futuros considerando os possíveis desfechos e consequências.
As funções executivas podem ser vistas como um termo “guarda-chuva” para diferentes processos cognitivos
que atuam de forma conjunta, como por exemplo: atenção alternada e seletiva, memória de trabalho,
flexibilidade cognitiva, controle inibitório, julgamento e tomada de decisão, iniciação, organização,
autorregulação e resolução de problemas.
No geral, estas funções se desenvolvem nos primeiros anos escolares e estendem-se até a vida adulta, ainda
que processos como o controle atencional mature primeiro em comparação às capacidades de flexibilidade
cognitiva ou de estabelecimento de metas. Aprofundaremos algumas dessas funções que possuem direta
relação com o processo de aprendizagem e de desenvolvimento da criança ao longo dos anos escolares.
O controle inibitório envolve a capacidade de resistir ao impulso de alguma ação ou atitude, adequando o
comportamento ao que é esperado para aquela situação ou ao que é necessário. É a resistência ao agir/reagir
por impulso. Pensar antes de agir, resistir às tentações ou distrações e evitar tirar conclusões precipitadas
frente às situações. Envolve também a capacidade de sustentar a atenção no que é importante, apesar das
várias distrações presentes no ambiente. Entende-se que o controle inibitório é fundamental para termos
disciplina frente às demandas e desafios do ambiente, persistência mesmo quando a tarefa é tediosa ou
complexa e para sermos capazes de trabalhar embora a recompensa esteja somente no longo prazo.
Figura 24. Crianças em sala de aula tentando resistir às distrações ao seu redor
Fonte: Nossa autoria (2023).
Em contrapartida, diversos experimentos já foram realizados para avaliar controle inibitório em crianças
pequenas, aproximadamente de 4 anos de idade, revelando que a capacidade de postergar gratificações e
recompensas está relacionada com o melhor desenvolvimento do controle inibitório e, futuramente, com
desempenho acadêmico e de enfrentamento de adversidades. Por exemplo, crianças de 4 anos testadas
através da famosa tarefa do marshmallow que conseguiram esperar e postergar o ganho da recompensa
apresentaram melhor desempenho e sucesso acadêmico na adolescência, além de melhor desempenho em
tarefas de controle inibitório na idade adulta.
Figura 25. Criança olhando atentamente para um marshmallow
Fonte: Nossa autoria (2023).
O desenvolvimento do autocontrole é importante para que a criançaseja capaz de regular não somente suas
respostas atencionais e comportamentais, como também seus pensamentos e sentimentos, auxiliando no
desenvolvimento da autorregulação e da chamada regulação emocional. Por exemplo, o autocontrole auxilia
uma criança em sala de aula a inibir comportamentos inapropriados para o momento, como falar ou gritar
enquanto o professor está passando uma explicação para a turma; ou mesmo reações emocionais
desproporcionais, como se jogar no chão quando está frustrada ou não consegue o que quer.
A flexibilidade cognitiva é a segunda função executiva que se mostra fundamental para o desenvolvimento
das crianças e adolescentes ao longo do período escolar. Refere-se à capacidade de modificar rapidamente e
de maneira adequada perspectivas atendendo às demandas e prioridades do ambiente. De pensar em formas
alternativas de resolver problemas usando o raciocínio. Em resumo, refere-se àquilo que é necessário para
nos adaptarmos ao ambiente, que se encontra em constante mudança.
Figura 26. Representação ilustrativa da função executiva flexibilidade cognitiva
Fonte: Nossa autoria (2023).
A última função a ser destacada (flexibilidade cognitiva) envolve o raciocínio e a resolução de problemas.
Ambos se referem ao processo mental pelo qual informações são utilizadas para se criar conclusões e tomar
decisões. A partir dessa função, somos capazes também de cumprir etapas para buscar alguma meta ou
objetivo, por meio da resolução de problemas ou desafios em potencial.
O TED Talk a seguir apresenta a pesquisadora Sabine Doebel, cientista cognitiva, descrevendo como podemos
compreender o funcionamento das funções executivas no nosso dia a dia. Ela destaca resultados de
experimentos e pesquisas que desenvolve com crianças e o curso do seu desenvolvimento, abordando
possíveis fatores contextuais que afetam o uso dessas funções e de que forma podemos direcionar nossos
esforços executivos para atingir nossos objetivos e romper com maus hábitos.
https://www.youtube.com/watch?v=qAC-5hTK-4c
https://www.youtube.com/watch?v=qAC-5hTK-4c
Como mostrado no vídeo, apesar de existirem tarefas interessantes e que podem ser utilizadas em crianças,
desde cedo, para estimular o desenvolvimento das funções executivas, o simples fato de treinar não
conduzirá necessariamente a um melhor funcionamento executivo na “vida real”. Na tarefa de mudança
dimensional na seleção de cartas, exemplificada no vídeo, é exigido que as crianças separem as cartas
apresentadas de uma determinada maneira (seguindo uma regra específica), como, por exemplo, através da
sua forma. Após separarem e organizarem as cartas de determinada maneira, cria-se um hábito. Pede-se,
então, que as crianças alterem a forma de separação das cartas, como, por exemplo, através da sua cor. Tal
tarefa se mostra extremamente difícil para crianças de 3 a 4 anos. Com o avanço da idade e do
desenvolvimento, é esperado uma melhora no desempenho da tarefa, e os erros por perseveração de
comportamento tendem a diminuir.
Como mostrado no vídeo, apesar de existirem tarefas interessantes e que podem ser utilizadas em crianças,
desde cedo, para estimular o desenvolvimento das funções executivas, o simples fato de treinar não
conduzirá necessariamente a um melhor funcionamento executivo na “vida real”. Na tarefa de mudança
dimensional na seleção de cartas, exemplificada no vídeo, é exigido que as crianças separem as cartas
apresentadas de uma determinada maneira (seguindo uma regra específica), como, por exemplo, através da
sua forma. Após separarem e organizarem as cartas de determinada maneira, cria-se um hábito. Pede-se,
então, que as crianças alterem a forma de separação das cartas, como, por exemplo, através da sua cor. Tal
tarefa se mostra extremamente difícil para crianças de 3 a 4 anos. Com o avanço da idade e do
desenvolvimento, é esperado uma melhora no desempenho da tarefa, e os erros por perseveração de
comportamento tendem a diminuir.
Conceitos básicos em Neurociência: fatores ambientais e estressores e o impacto sobre o
neurodesenvolvimento e a aprendizagem
A influência de fatores ambientais e da exposição a experiências adversas e estressoras durante períodos
iniciais e sensíveis do neurodesenvolvimento, como a infância e a adolescência, vem sendo uma temática
vastamente discutida pela literatura científica internacional. Existe um consenso de que fatores ambientais
são capazes de moldar diversos processos do desenvolvimento do nosso cérebro. As consequências
negativas, por exemplo, da exposição a situações de maus-tratos e violência têm sido observadas em
desfechos comportamentais e cognitivos, como por exemplo nos processos de aprendizagem e memória.
Tais situações também se mostram associadas à manifestação de problemas psicológicos de caráter
emocional ou comportamental, como em casos em que se observa o aparecimento de transtornos mentais já
cedo no desenvolvimento do indivíduo.
Algumas destas manifestações possuem relação com alterações significativas que ocorrem nos processos
de desenvolvimento do cérebro, como na formação e maturação das estruturas cerebrais e de sua
funcionalidade. Mais especificamente, essas alterações afetam regiões importantes do cérebro que se
mostram extremamente responsivas aos efeitos dos diferentes estímulos ambientais. Várias destas regiões
foram anteriormente apresentadas, a exemplo do córtex pré-frontal, do hipocampo, da amígdala e do
hipotálamo.
Modelos teóricos consolidados propõem, por exemplo, que interações entre fatores ambientais e parentais
adversos em combinação com nossa predisposição genética, ao longo de períodos iniciais do
desenvolvimento, seriam responsáveis por conduzir a modificações significativas na forma como nosso
organismo responde ao ambiente e aos estressores no futuro, além de prejudicar o desenvolvimento de
estruturas cerebrais localizadas no córtex pré-frontal e no sistema límbico. Essas alterações estariam
associadas ao desenvolvimento de um comprometimento cognitivo e psicossocial, uma vez que evidências
têm indicado prejuízos de desempenho acadêmico e escolar, baixos níveis de coeficiente de inteligência e
prejuízos em tarefas neuropsicológicas de avaliação de aprendizagem e memória.
A exposição a demandas e desafios ambientais durante a trajetória do desenvolvimento representa um
processo inerente a todos os indivíduos. Em contrapartida, definir exatamente o que pode representar um
estressor em potencial para um indivíduo é algo que se torna um pouco mais complexo. As demandas do
ambiente, supostamente estressoras, podem variar em suas características, tanto em relação à sua duração
quanto à sua intensidade, ou mesmo na própria capacidade do indivíduo em lidar com aquela experiência,
com base em fatores internos e individuais, como seu temperamento e sua personalidade.
A oportunidade de lidar com certas demandas e a aprendizagem subsequente tornam-se fundamentais para o
enfrentamento dos futuros desafios da vida. Por outro lado, se estas demandas e desafios forem além das
capacidades daquele indivíduo, estando este ainda despreparado em seu desenvolvimento para responder e
lidar com elas, os efeitos podem ser negativos e de longo prazo.
Precisamos compreender, portanto, que a infância e a adolescência representam janelas de vulnerabilidade e
de maior responsividade aos estímulos e influências dos ambientes, entre eles o ambiente parental, escolar e
social. Ao mesmo tempo que representam um maior risco para desfechos negativos sobre o
desenvolvimento, tais períodos também podem ser compreendidos, positivamente, como “janelas de
oportunidade”, caso o ambiente em que o indivíduo está inserido seja capaz de proporcionar condições e
estímulos adequados para o seu desenvolvimento.
Sabemos que o estresse pode ter efeitos deletérios sobre o neurodesenvolvimento, acarretando
prejuízos cognitivos duradouros que podem se manifestar somente mais tarde e prejudicar o
desempenho acadêmico. Como destacado, os processos de aprendizagem de leitura, escrita e
matemática,assim como as nossas capacidades de armazenamento e retenção de informações na
memória, podem ser afetados. Tais processos são extremamente sensíveis aos efeitos da liberação
de hormônios, como o cortisol, hormônio liberado frente a qualquer situação que represente um
estressor ou ameaça para os indivíduos em diferentes idades. As mesmas estruturas cerebrais
responsáveis por tais processos estão envolvidas também na regulação da resposta ao estresse,
tendo seu funcionamento alterado por uma demanda excedente às capacidades da criança ou
adolescente.
Discutiremos mais sobre essas relações entre fatores ambientais e estressores e a aprendizagem ao
longo dos próximos módulos, nos quais aprofundaremos os principais fatores estressores em cada
etapa da Educação Básica, bem como de que forma tais fatores influenciam e devem ser
considerados pelos educadores nos processos de ensino-aprendizagem. Este é o olhar que a
Neurociência se preocupa e se propõe a fazer, articulando com o campo da Educação e Pedagogia, a
fim de explorar e avançar a educação para além das demandas de conhecimento e aprendizagem
formal.
https://brasil.elpais.com/brasil/2017/02/17/economia/1487331225_284546.html
https://brasil.elpais.com/brasil/2017/02/17/economia/1487331225_284546.html
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Caro(a) professor(a), no Módulo I nos foram apresentados conceitos básicos das neurociências que nos
auxiliam no entendimento de como os cérebros se desenvolvem, se estruturam e se organizam, a fim de
desempenhar suas mais variadas funções. Você, educador(a), agora tem uma maior compreensão acerca da
constituição e organização do nosso cérebro, bem como dos seus respectivos processos. Reconhece-se, a
partir disso, que tudo isso em conjunto possui implicações nos nossos aprendizados, sentimentos e
comportamentos. Nos aproximarmos desses conhecimentos, conhecendo as estruturas que integram o
Sistema Nervoso Central (SNC), como o neurônio, e os processos pelos quais estes neurônios trocam e
transferem informações, oferece uma base para entender como ocorrem as aprendizagens ao longo do
desenvolvimento.
Além disso, identificamos quais são as principais regiões do nosso cérebro e suas respectivas funções
correlatas que possibilitam direcionar nossas habilidades cognitivas a fim de lidar com as demandas e
desafios do ambiente. Por fim, compreendemos que, ao longo do neurodesenvolvimento,diversos processos
estão ocorrendo, permitindo tanto que ocorra um adequado desenvolvimento dessas estruturas e funções
como também moldando o curso deste desenvolvimento por meio de diversos processos, a exemplo da
neuroplasticidade.
A partir deste segundo módulo e nos módulos seguintes, passaremos a discutir de que forma a neurociência
pode contribuir para entendermos demandas específicas de cada uma das etapas da Educação Básica
(Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio), incluindo o Ensino de Jovens e Adultos (EJA),
construindo uma interlocução entre os conhecimentos sobre o desenvolvimento e funcionamento do cérebro
e as principais questões que surgem e são comuns aos educadores no campo de atuação. Este Módulo II
discutirá inicialmente algumas ideias gerais e equivocadas sobre o desenvolvimento e funcionamento do
cérebro e, posteriormente, como a neurociência pode auxiliar a Educação Infantil, período que compreende o
início do desenvolvimento pós-natal e o primeiro contato da criança com o ambiente escolar.
O que aprendemos de “errado” sobre o funcionamento do cérebro em desenvolvimento
Para começarmos falando de cada uma das etapas da Educação Básica, é importante desmistificarmos
certas ideias comuns sobre o funcionamento do cérebro, as quais sabemos que se encontram disseminadas
entre muitos educadores nas diferentes áreas da formação educacional de crianças, adolescentes e adultos.
Tenho certeza de que você, educador(a), já ouviu ou leu a respeito de alguns destes “mitos”, ou até mesmo
reconhecerá outros comuns às práticas docentes. Estes chamados “mitos” sobre o cérebro podem nos limitar
quando pensamos em explorar as mais variadas potencialidades dos alunos em sala de aula. Por mais que
possam parecer simples, tais prerrogativas se encontram difundidas no campo da educação e têm causado
alguns problemas decorrentes da desinformação. Neste sentido, faz-se importante orientar e situar você,
educador(a), a respeito de certas afirmativas, revelando o que de fato possui uma base científica e
desconstruindo as demais “verdades”.
Considera-se este um número preocupante, tendo em vista que 1 a cada 2 educadores pode embasar suas
ações por meio de ideias errôneas sobre o funcionamento do cérebro. Cabe destacar que este não é um
problema restrito à área da Educação, pois nos dias de hoje, com a conectividade e o fácil acesso às
informações, percebemos diversos prejuízos causados pelas pseudociências (ou também chamadas fake
news) nas práticas profissionais. Torna-se um desafio distinguir essas falsas informações do que é de fato
científico. Para dar conta disso, é importante questionarmos o quanto a formação dos educadores está
próxima do conhecimento científico. Além disso, é importante promovermos discussões e a aproximação
entre pesquisadores/cientistas e educadores, incluindo temas próprios da neurociência na formação de
professores do Ensino Básico brasileiro.
A ideia a seguir é apresentar alguns exemplos “clássicos”, denominados por alguns neurocientistas de
“neuromitos”, ou seja, informações disseminadas que não possuem qualquer embasamento científico e que
se tornam um senso comum.
Apenas para iniciar com um exemplo, ainda hoje se observa a crença popular entre muitos profissionais da
área da Educação de que utilizamos apenas uma pequena porção do nosso cérebro (10% da capacidade
cognitiva) para as aprendizagens. Isso significa que usamos muito pouco do nosso cérebro para construir
nossas aprendizagens, o que pode nos levar a pensar, inclusive, na impossibilidade de explorar um melhor
desenvolvimento cognitivo em crianças que possuem comprometimento e atrasos em seu desenvolvimento
típico. Você provavelmente já se deparou com alguma questão desta natureza no contexto do trabalho com a
Educação Infantil ou com os anos iniciais do Ensino Fundamental.
Interessantemente, o que a neurociência tem nos revelado com o passar dos anos é de que cada vez mais se
reconhece e entende que diversas estruturas cerebrais funcionam em conjunto para determinar nossas
aprendizagens. Essas estruturas estão constantemente respondendo a estímulos por meio de padrões de
atividade neuronal que se reforçam e que consolidam as aprendizagens. Sabe-se que quanto mais intensos e
variados forem esses estímulos, recrutando diferentes áreas do nosso cérebro, mais fortes serão os traços
mnemônicos responsáveis pelas aprendizagens. Outro destaque que vale a pena mencionar aqui é o de que
mesmo quando não estamos engajados em tarefas ou atividades cognitivas, nosso cérebro está funcionando
e processando informações. Existem os chamados estados de repouso (resting state networks), nos quais,
mesmo na ausência de estímulos e tarefas-alvo, áreas específicas do nosso cérebro encontram-se ativas,
apresentando sinais espontâneos de atividade cerebral.
Outra ideia que também se encontra muito disseminada é a de que existem determinados períodos
específicos, chamados janelas de aprendizagem, que, ao se fecharem, não permitem mais o adequado
desenvolvimento de determinadas habilidades. Algumas informações errôneas, inclusive, tendem a afirmar
que o desenvolvimento do cérebro está fixado já aos 3 anos de idade. É importante tratarmos deste ponto
pois essa ideia das janelas de aprendizagem ainda persiste entre educadores.
De fato, atualmente reconhece-se que o cérebro possui propriedades de neuroplasticidade e se sabe que
existe uma relação entre determinadas fases do desenvolvimento e a intensidade da ocorrência destes
processos. Neste sentido, seria possível reconhecer que quanto mais novos forem os cérebros mais
responsivos e plásticos eles serão. Porém, isso não implica na perda das capacidades do cérebro se
modificar e de aprendermos a partir da exposição a estímulos em outras fases ou idades.
Tais informações podem causar certas confusões entre educadores, principalmente aqueles que atuam na
Educação Infantil. Isso porque muitos dos profissionais neste período passam a ter uma excessiva
preocupação com o fechamento e a perda das janelas de aprendizagem. Como consequência, observa-se que
muitos educadores passam a buscar estimular, cada vez mais cedo, determinadas aprendizagens, como, por
exemplo, demandar que crianças pré-escolares aprendam operações matemáticas e evoluam em relação à
aplicação destas operações.
Isso não quer dizer que você, educador(a), não possa trabalhar e estimular tais aprendizagens, inclusive
alcançando bons resultados no que tange à aquisição desses conteúdos; porém, se reconhece que o excesso
de exigência pode se tornar um estressor para a criança no início do seu processo de desenvolvimento e
ingresso no ambiente escolar.
Compreendemos que esse estresse pode ter um efeito danoso sobre o desenvolvimento, incluindo a
manifestação de reações emocionais, comportamentais e cognitivas e a consequente interferência nos
processos de aprendizagens. Deve-se ter cuidado, portanto, ao substituir períodos propícios à estimulação de
brincadeiras, ao desenvolvimento motor e à exploração do ambiente pela exigência de aprendizagens de
conteúdos relacionados a matérias curriculares. Este assunto será mais bem abordado ao longo das
discussões que seguem os módulos aplicados a cada uma das etapas do desenvolvimento escolar.
Figura 1. Estresse causado pela sobrecarga de conteúdos escolares e pela ausência ou redução de estímulos
lúdicos
Fonte: Nossa autoria (2023).
Outro tema que cabe uma introdução inicial refere-se à influência de fatores emocionais e aos diversos
problemas e complicações que estes podem causar nos processos de ensino e aprendizagem. O excesso de
exigência representa um estressor para a criança e pode induzir respostas de ansiedade, irritabilidade e
tristeza. A ansiedade é um sintoma que pode ser identificado em diversas crianças, a partir de uma
dificuldade de adaptação com o meio no qual a criança se encontra inserida, e que pode levar a dificuldades
nos processos de aprendizagem. Por exemplo, sabe-se que a ansiedade interfere diretamente na forma como
as criançasse utilizam de sua memória de trabalho, ou seja, na forma como elas retêm e manipulam as
informações a fim de produzir respostas e alcançar objetivos.
Uma criança em fase pré-escolar, por exemplo, que apresenta dificuldade para aprender habilidades de
matemática pode não apresentar déficit algum para tais capacidades, mas simplesmente estar passando por
questões emocionais — como estresse ou ansiedade — que afetem as funções cognitivas que normalmente
seriam responsáveis pela aplicação de conhecimentos ensinados e adquiridos. Não são incomuns casos de
encaminhamentos, via neurologistas ou escolas, de crianças com suspeita de atraso cognitivo ou déficits de
aprendizagem que, após avaliação detalhada por profissionais da área da neuropsicologia, são descartados
ao revelar-se que questões emocionais e ambientais podem estar favorecendo o aparecimento das
dificuldades das crianças.
Mais um “neuromito” comumente referido é de que a aprendizagem baseada em um único estilo de estímulo
seria a mais adequada. Provavelmente vocês já ouviram falar de pesquisas que sugerem a existência de um
estilo mais adequado de aprendizagem, como através de informações auditivas, visuais, cinestésicas. Em um
referenciado artigo internacional, Krätzig e Arbuthnott (2006) testaram tal hipótese em estudantes por meio
de atividades nas quais os participantes eram convidados a relatar seu estilo preferido de aprendizagem.
Posteriormente, os estudantes eram submetidos à apresentação de conteúdos em todos os estilos e testados
em uma tarefa de retenção de conhecimento.
A pesquisa concluiu que não houve qualquer benefício de uma forma de apresentação sobre as demais,
sugerindo que a ideia comum de um estilo de aprendizagem superior não se confirma. Assim, ao que parece,
o mais indicado para estimular a aprendizagem é se utilizar dos diferentes estilos, apresentando à criança
estímulos variados, seja em estilo ou forma. Isso reduz também esforços adicionais dos educadores, ao
investirem em demasia em um estilo de aprendizagem que não se mostra superior aos demais, os quais
poderiam supostamente facilitar ou reduzir demandas de seu trabalho e esforço.
Figura 2. Atividades que mobilizam diferentes “estilos de aprendizagem”
Fonte: Nossa autoria (2023).
Em conjunto com esta ideia de apresentação de estilo adequado de aprendizagem, notam-se, em muitos
educadores, dúvidas em relação à estimulação de habilidades motoras e de expressão corporal. Evidências
nos indicam que a estimulação de exercícios de coordenação e de habilidades sensório-motoras é capaz de
auxiliar na melhora do desenvolvimento de habilidades de leitura em crianças. Por exemplo, a estimulação de
exercícios aeróbicos, como atividades físicas de intensidade leve a moderada e adequadas à idade da criança,
é favorável para o desenvolvimento do cérebro, sendo capaz de estimular funções cognitivas e habilidades de
aprendizagem.
É preciso que os professores se preocupem em estimular as crianças a beberem água?
Interessante mencionar que não somente a prática de exercício físico, como também práticas e hábitos
nutricionais e de alimentação são discutidos e por vezes disseminados de forma equivocada. As evidências
de fato nos mostram que fatores nutricionais como a desidratação podem causar prejuízos no desempenho
cognitivo. No entanto, existe uma ideia de que crianças devem ser estimuladas a beberem água e de que este
hábito leva a uma melhora do desempenho delas para a aprendizagem. Isso gera uma preocupação excessiva
entre educadores e um cuidado que pode estar gerando um esforço extra e até mesmo um estresse na
relação entre criança e educador. Sendo assim, o reconhecimento destes aspectos deve receber um olhar
atento e global por parte dos educadores, porém sem a necessidade de intervenções mais diretas quando não
houver casos de desidratação ou desnutrição.
Todas as questões levantadas de forma introdutória anteriormente irão permear o cotidiano das crianças e
adolescentes nas diferentes fases do desenvolvimento e serão tema de interesse e debate entre educadores.
Brevemente foram apresentadas algumas ideias comumente distorcidas sobre o funcionamento do cérebro e
o desenvolvimento; provavelmente diversas outras fazem parte e estão presentes nas rotinas dos educadores
brasileiros. Torna-se importante, neste sentido, sempre questionar e procurar por evidências científicas que
fundamentam compreensões sobre o funcionamento do cérebro nas suas diferentes fases do
neurodesenvolvimento. Do mesmo modo, procurar práticas que se encontrem embasadas na ciência e que se
alinhem ao funcionamento do cérebro é a melhor forma de se desviar das falácias sobre o cérebro e a
aprendizagem.
Os enfoques de trabalho na Educação Infantil: a criatividade e o lúdico no processo de desenvolvimento da
criança
A Educação Infantil (EI) passou por várias transformações ao longo dos anos rompendo com paradigmas
anteriores os quais referiam esta etapa da formação e desenvolvimento como resumida aos cuidados básicos
do bebê ou da criança. Entende-se hoje que a EI representa um papel fundamental no desenvolvimento de
diferentes capacidades da criança em seus primeiros anos de vida e que serão base para toda a formação
cognitiva que se dará nos anos escolares seguintes. É na EI que as capacidades cognitivas, emocionais,
sociais e de relacionamento interpessoal, artísticas e criativas começam a ser estimuladas. Nesta fase do
desenvolvimento, portanto, um dos principais enfoques do trabalho dos educadores é direcionado a uma
aprendizagem voltada para a própria criança, estimulando o conhecimento de si e, também, sua individuação
em relação ao mundo.
Como Piaget sustenta em sua teoria, as crianças antes dos 6 anos de idade ainda se encontram em um
estágio pré-operatório, tendo suas capacidades de raciocínio lógico e abstração ainda pouco desenvolvidas;
portanto, elas usam de outros recursos para compreender e adquirir conhecimentos sobre o mundo (PIAGET,
2013; PIAGET; INHELDER, 2003). Práticas educacionais que atendam tais necessidades e procurem facilitar e
estimular essa forma de relação e entendimento de mundo (por exemplo, através do uso da fantasia,
animismo e outros recursos lúdicos) podem auxiliar no desenvolvimento inicial das potencialidades das
crianças. O uso de recursos lúdicos, especificamente, estimula a criança a se desenvolver através do seu
interior e se apresenta como um dos recursos centrais para direcionar as práticas de educadores na EI.
Figura 3. Práticas educacionais que integram o lúdico
Fonte: Nossa autoria (2023).
Assim, segundo propõe Piaget, devemos pensar que o desenvolvimento é o processo central para o
aprendizado. Precisamos permitir um adequado desenvolvimento para que haja aprendizado. Como em suas
próprias palavras: “não existirá aprendizado sem desenvolvimento”.
É através da brincadeira que a criança aprende a se relacionar com o mundo e adquirir conhecimentos sobre
este mundo. Como Vygotsky (1991) refere em sua obra,
“A brincadeira cria para as crianças uma zona de desenvolvimento proximal que não é
outra coisa senão a distância entre o nível de desenvolvimento real, determinado pela capacidade de resolver
independentemente um problema, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da resolução
de um problema sob a orientação de um adulto ou com a colaboração de um companheiro mais capaz.”
(VYGOTSKY, 1984, p. 97).
A criança, desde os primeiros anos de vida, busca conhecer e interagir com o mundo à sua volta, conhecer,
agir sobre a realidade e, a partir das transformações dessa realidade, aprender. Um dos elementos que
estimulam tais comportamentos e aprendizagens na criança é sua motivação. Independentemente da faixa
etária, o que inclui desde crianças pré-escolares até adolescentes, motivação é compreendido como um fator
essencial para o desenvolvimento de aprendizagens.
Regiões e estruturas cerebrais, como as do córtex pré-frontal discutidas no Módulo I, ainda estão em
processo de desenvolvimento e formação, portanto, encontram-seaquém das suas capacidades. As Funções
Executivas (FE), responsáveis por regular nossa capacidade de orientar comportamentos para o futuro
mantendo-os direcionados a um determinado objetivo, ainda não se desenvolveram totalmente nesta fase da
vida. Portanto, uma criança no período de Educação Infantil dificilmente apresentará um comportamento
orientado para uma gratificação de longo prazo, ainda que alguns destes comportamentos possam começar a
aparecer entre 3 e 4 anos de idade. Isso dificulta a criança a direcionar um comportamento movido por um
fator intrínseco, necessitando estímulo e apoio do ambiente externo, a fim de adequar seu comportamento em
busca de objetivos e gratificações.
Figura 4. Representação de um estímulo por motivação extrínseca
Fonte: Nossa autoria (2023).
O desafio neste sentido para vocês educadores(as) passa a ser despertar a curiosidade e estimular as
crianças por meio de pequenas conquistas e gratificações (por exemplo, ganhos e representações simbólicas,
atividades e brincadeiras livres). Assim, a questão que envolve engajamento e motivação passa a fazer parte
da estratégia pedagógica a fim de atrair o foco atencional de crianças pré-escolares para as atividades
propostas em sala de aula. Aqui, cabe ressaltar que a maneira pela qual tais tarefas serão desenvolvidas fica
a critério do educador.
O que se quer dizer com isso? Você, educador(a), tem espaço para criar e propor tais atividades; o que é
importante que se faça presente são as gratificações e pequenas conquistas que a criança irá reconhecer ao
longo do processo. Para além disso, não menos importante, é que você educador(a) seja capaz de
proporcionar um ambiente seguro, estável e capaz de dar suporte emocional para a criança como um fator
adicional, contribuindo desta forma para o processo de aprendizagem e aquisição de conhecimentos. Ou seja,
não se trata apenas da atividade e estímulo propostos, mas também das condições que o educador será
capaz de fornecer para o processo de aprendizagem enquanto um ambiente.
De forma geral, podemos dizer que a educação nos anos iniciais precisa estar voltada à estimulação da
curiosidade e busca pela compreensão de si da criança e da sua relação com o mundo externo, como a sua
relação com colegas (socialização) e educadores (professores e cuidadores). O uso de métodos de
gratificação como comentado anteriormente pode auxiliar práticas pedagógicas e estratégias de ensino,
devendo-se evitar métodos punitivos nos quais a criança recebe um “castigo” por seu não envolvimento ou por
sua não resolução da atividade proposta. Ademais, as gratificações precisam ter um valor subjetivo para
aquela criança, a fim de melhor reforçar o comportamento ou conhecimento aprendido.
Esse assunto foi debatido em uma entrevista do especialista em neuroeducação, Dr. Franscisco Mora, autor
de um livro internacionalmente reconhecido intitulado “Neuroeducación: solo se puede aprender aquello que
se ama" (2017) (em sua tradução para o português, “Neuroeducação: somente se pode aprender aquilo que se
ama”).
https://abrir.link/F0e1I
Dr. Mora argumenta que no campo da Educação ainda há pouco conhecimento acerca do funcionamento do
cérebro. Em entrevista, comenta sobre a época ideal para estimulação do aprendizado de leitura, a partir dos 6
anos, considerando a formação das conexões sinápticas responsáveis por tais habilidades. Não que crianças
menores de 6 anos, na Educação Infantil, não sejam capazes de aprender a ler, porém o custo e sofrimento
para tal aprendizado podem ser desnecessários e representar um estressor, tendo efeitos emocionais e
comportamentais sobre a criança.
https://abrir.link/F0e1I
Além disso, Mora reforça em suas palavras a necessidade da motivação e curiosidade para a aprendizagem.
Adquirir conhecimentos leva a respostas cerebrais de gratificação e prazer e isso é um dos fatores que
impulsionam crianças, desde muito cedo, a aprenderem e que servem para fortalecer a consolidação das
nossas memórias. Entre as estratégias sugeridas pelo Dr. Mora está a presença de elementos provocadores,
eliciadores de curiosidade nas crianças. Para captar a atenção de uma criança, ainda mais em períodos
iniciais do desenvolvimento, quando tais capacidades ainda não estão bem desenvolvidas em nosso cérebro,
não basta esperar que ela mesmo o faça. É preciso tornar o estímulo interessante, capturar sua atenção.
Ainda neste aspecto, é importante considerarmos que aquilo que foi interessante e apresentou resultados
para a educação no passado não necessariamente seguirá sendo eficiente em nível de desenvolvimento de
aprendizagem para as crianças de hoje. Nossas crianças nascem e se desenvolvem sendo expostas a
estímulos completamente diferentes das crianças de gerações passadas. A evolução da tecnologia e da
conectividade e a experiência de um mundo globalizado não afetam somente questões políticas, econômicas
e sociais, mas também afetam diretamente a educação. É nesse novo mundo e contexto que nossas crianças
estão inseridas. Portanto, para iniciarmos qualquer discussão a respeito das novas práticas da Educação
Infantil, devemos nos perguntar:
Figura 5. Representação da diversidade de contextos e estímulos da infância atual
Fonte: Nossa autoria (2023).
Sem uma melhor compreensão destes questionamentos, torna-se difícil entender as demandas e o
funcionamento das crianças de hoje e, mais desafiador ainda, enquadrar tais crianças em modelos clássicos
de educação vigentes há décadas ou séculos. Mais uma vez convidamos vocês, educadores(as), ao desafio
que se coloca perante a Educação Básica.
Para além da aquisição dos conhecimentos formais esperados para cada etapa do Ensino Básico, torna-se
papel do educador: refletir quem são e como se desenvolvem nossas crianças de hoje na Educação Infantil;
pensar o contexto social e econômico nas quais essas crianças estão inseridas; e entender quais
necessidades são atendidas e quais se mostram deficitárias. O que isto significa? O olhar para a criança na EI
não deve se limitar às aprendizagens de conteúdos e conhecimentos adquiridos, mas focar no estado geral da
criança, promovendo o bem-estar e as saúdes física e emocional.
Por outro lado, a fim de atender às demandas dos currículos das diferentes etapas da educação, é importante
que o educador seja capaz de integrar, em sala de aula, com estas crianças, três fatores base para o
desenvolvimento das aprendizagens. São eles: novidade; variedade e integração de estímulos; e desafio. Isso
auxiliará o educador a melhor despertar o interesse e captar a atenção dos seus alunos, contribuindo para
uma maior estimulação do cérebro e para a aquisição de informações e conhecimentos de maneira mais
eficiente.
A atividade lúdica e o desenvolvimento da aprendizagem na Educação Infantil
Na organização da EI, embora se note uma especial preocupação com a articulação do ingresso da criança no
Ensino Fundamental, deve-se pensar e direcionar o olhar cuidadosamente para as necessidades das crianças
durante os seus 6 primeiros anos de vida. Tais necessidades são completamente diferentes das necessidades
de crianças a partir dos 6 anos de idade. Isso provavelmente não deve ser algo novo para a maioria dos
educadores e profissionais que atuam na EI. No entanto, observa-se que muitas vezes tais especificidades
não são adequadamente pensadas e planejadas quando se estruturam as estratégias e práticas educativas,
dificultando assim a criação dos espaços e oportunidades para a aprendizagem e o desenvolvimento da
criança.
Na EI, este planejamento precisa envolver tanto as atividades pedagógicas e que serão propostas durante o
período em que a criança se encontra na escola como atividades realizadas nos diferentes momentos da
rotina dela. Tais momentos mostram-se importantes para a experiência da criança e para sua relação com o
mundo. Quando falamos em olhar para as necessidades da criança, referimo-nos não apenas ao que será
desenvolvido e estimulado por meio das brincadeiras e atividades lúdicas, como também àquilo queenvolve o
cuidado básico da criança.
Quando se pensa a teoria piagetiana, a qual defende a ideia de que durante o “período pré-operatório” as
necessidades das crianças entre 2 e 6 anos de idade são completamente distintas das necessidades das
crianças em outros períodos do desenvolvimento, precisa-se considerar não apenas que isto se refira às
estratégias pedagógicas propostas, como também às práticas de cuidado com a criança. Sabe-se que nesta
fase do desenvolvimento cerebral a forma de pensar das crianças é específica e própria. Ainda não há um
desenvolvimento completo de um pensamento lógico, por meio do uso de operações lógicas, assim como há
uma dependência de orientação do outro para o reconhecimento dos cuidados que envolvem a própria
criança. Isso não implica em dizer que as crianças nesta fase do seu desenvolvimento não estejam usando as
potencialidades do cérebro. Pelo contrário, reconhece-se que crianças pré-escolares utilizam recursos
energéticos cognitivos de forma muito parecida com os adultos. Alguns indicativos, inclusive, sugerem que
alguns cérebros infantis, a partir dos 3 anos de idade, podem chegar a ser mais ativos em comparação com o
cérebro de um adulto. A questão toda envolve como os educadores direcionam e orientam tais padrões de
atividade cerebral para as aprendizagens necessárias e para o adequado desenvolvimento.
O vídeo ilustrativo e didático a seguir apresenta algumas ideias de modelos de interação que proporcionam
uma base saudável para o desenvolvimento.
https://www.youtube.com/watch?v=hMyDFYSkZSU
O uso do cérebro neste período do desenvolvimento, portanto, está direcionado à descoberta e ao uso de
capacidades imagísticas e sensoriais para captar, se orientar e compreender o mundo. É desta forma que os
vários neurônios do cérebro de uma criança respondem aos estímulos. Esse nível de atividade elevado
representa um campo rico para estimulação da criatividade, das experiências dinâmicas e multissensoriais.
Aqui entra a importância das atividades lúdicas para o desenvolvimento do cérebro na EI. O brincar é sem
dúvida a maneira mais adequada de estimular o desenvolvimento de um cérebro, sendo capaz de, ao mesmo
tempo, atender às necessidades e exigências da criança e motivá-la para novas descobertas e aprendizagens.
O brincar compreende, em seu ato, um processo dinâmico, de mudanças constantes e que usa esse mundo
interativo, multissensorial e imaginativo tão convidativo para as crianças. Diferente de quando tentamos
ensinar conteúdos específicos, que tendem a ativar áreas mais pontuais do cérebro, a brincadeira leva a uma
estimulação completa deste cérebro. As estimulações física, motora, sensorial e social estão presentes na
brincadeira. Isso não só promove o desenvolvimento cognitivo das capacidades de representação,
improvisação, significação e socialização, como também atende ao desenvolvimento de demandas
emocionais.
https://www.youtube.com/watch?v=hMyDFYSkZSU
É fundamental que se entenda que o papel do educador no brincar envolve a facilitação e o direcionamento da
atividade lúdica para propostas pedagógicas existentes para cada uma das idades ao longo da EI. Isso
significa acompanhar o processo e as descobertas de cada uma das etapas do desenvolvimento. O ambiente
escolar deve proporcionar uma experiência aberta, guiada, na qual a criança terá espaço para iniciação.
Atividades criativas, espontâneas, imagísticas e que estimulem capacidades sensório-motoras ainda devem
ser a base das práticas para esta fase do desenvolvimento.
O vídeo a seguir traz uma menina de 7 anos de idade, Molly Wright, uma das mais jovens apresentadoras de
talks da plataforma TED, discutindo de que forma a relação que se estabelece, por meio de conversas e
brincadeiras, desde os primeiros anos de vida do bebê e que se estende pela infância é capaz de servir de
base para o desenvolvimento do cérebro e, consequentemente, favorecer as aprendizagens. Ela ilustra três
tipos de brincadeiras que serão mais bem aprofundadas com base nas contribuições da psicologia do
desenvolvimento.
https://www.youtube.com/watch?v=aISXCw0Pi94
A psicologia do desenvolvimento refere três fatores essenciais para a aprendizagem durante os primeiros
anos de vida e que devem fundamentar tais práticas. Esses fatores envolvem habilidades sociais que
precisam ser estimuladas e que servem de base para todo o processo subsequente da educação. As
habilidades sugeridas são a imitação, a atenção compartilhada e a compreensão empática, afinal, as crianças
possuem uma capacidade notável de aprender a partir da observação de modelos, reproduzindo uma
variedade de comportamentos dos pais e educadores.
https://www.youtube.com/watch?v=aISXCw0Pi94
Apesar de reconhecer a importância da preparação da criança para aprendizagens formais futuras, como por
meio da estimulação desde cedo de habilidades de leitura, escrita e matemática, este processo deve ser
gradual, respeitando as necessidades e expressões de cada criança. Conforme discutido, existem várias
outras necessidades que se atravessam no caminho dos educadores durante este período inicial do
desenvolvimento. O risco que se corre em “apressar” tais aprendizagens e deixar tantas outras para trás é o
de falhar no atendimento de necessidades próprias da criança.
Como consequência, o que se percebe é o surgimento de problemas de interesse e engajamento da criança,
sentimentos de ansiedade, irritabilidade e estresse. Além disso, uma vez que a estrutura pedagógica se torna
mais rígida ou direcionada para metas, desempenho e resultados, perde-se a oportunidade de proporcionar
condições para uma aprendizagem focada na resolução de problemas, estimulando a cooperação e as
experiências sociais e emocionais com os colegas e com os próprios educadores.
Outro ponto importante a ser destacado quando falamos em incentivar o lúdico e o brincar relaciona-se às
atividades propostas como tarefas de casa ou extraclasse. O que precisa ser pensado em relação à criação
de tais demandas refere-se ao que é esperado para uma criança nesta faixa etária. O que as crianças
deveriam fazer com seu tempo livre? Esta simples pergunta pode ser extremamente importante para
direcionar tarefas e demandas escolares na EI. Trata-se de uma das perguntas que mais geram debates entre
educadores, pais ou cuidadores.
A rotina da criança e as tarefas de casa, bem como demais atividades fora do ambiente escolar, não devem
restringir o espaço da brincadeira e do lúdico ou, muito menos, limitar os períodos de descanso, levando a
criança a um estado de exaustão constante. Do ponto de vista neuroquímico, para que as aprendizagens
ocorram, é necessário que não haja uma carga intensa de estressores sobre o organismo e que ele possa ter
períodos de descanso. Diversas pesquisas apontam que as horas de sono e descanso são fundamentais não
apenas para recuperar a energia, como também para auxiliar os processos de modificações neurais que estão
ocorrendo no cérebro e que são responsáveis pelas nossas aprendizagens, memórias e pela retenção e
recuperação das informações (retomaremos esta discussão quando falarmos de algumas questões que
envolvem o funcionamento e demandas do Ensino Médio).
Metodologias e práticas pedagógicas na Educação Infantil: um cenário de múltiplas possibilidades
Existe uma diversidade de métodos e práticas pedagógicas pensadas e propostas por teóricos e autores com
diferentes áreas de formação. Em comum, tais abordagens e inspirações teóricas sugerem a EI como um
contexto de possibilidades, com espaço para desenvolvimento de uma aprendizagem criativa e imaginativa,
focada na criança e em suas necessidades e expressões. Neste sentido, será proposta uma reflexão à luz de
alguns teóricos e autores sobre as demandas e especificidades da Educação Infantil. Abordaremos enquanto
práticas e modelos pedagógicos aqueles que se propõem a discorrer sobre como devem ser estimuladas as
interações entre a criança e o adulto, os processos de desenvolvimento das aprendizagens, o contexto e
espaço escolare a relação entre educadores, pais e cuidadores. Cabe destacar que tais debates não se
limitam apenas aos teóricos que serão referenciados aqui, uma vez que muitos outros pensadores da
educação mostram-se influentes no que diz respeito ao desenvolvimento de práticas e estratégias de ensino e
aprendizagem.
A abordagem de Emmi Pikler, pediatra húngara, que se consolidou como referência através de suas práticas
profissionais e trajetória como diretora de um abrigo para bebês no período pós-guerra, é um exemplo
interessante a ser discutido, pois reflete a importância de um olhar atento para a criança. Em sua abordagem,
Pikler propõe que a organização e orientação da criança ao longo dos primeiros anos de vida é essencial para
atender adequadamente às necessidades básicas e para promover o desenvolvimento. Entende-se que este é
um período muito particular, no qual se tem uma centralidade nas relações que se estabelecem entre a
criança e os educadores. Tais relações devem se estabelecer individualmente e de forma estável e segura,
mesmo quando tais movimentos ocorrem dentro de contextos coletivos, como nas escolas de EI.
A importância do vínculo seguro, como sugerido por autores como Freud e Bowlby, é presente na abordagem
pikleriana. A criança, no início do seu desenvolvimento, precisa conhecer a si mesma por meio do olhar atento
e cuidadoso do outro (sejam estes pais, cuidadores ou educadores). É neste processo que a criança aprende
e significa a sua existência, utilizando-se de recursos verbais e não verbais para estabelecer suas relações. O
atendimento de tal reconhecimento seria a base para que a criança passasse a explorar o mundo através de
atividades autônomas, brincando com seu corpo, com objetos e dando os primeiros passos para o processo
que também inclui a interação com outras crianças. Essa exploração de mundo deve ser planejada com
elementos que proporcionem um ambiente seguro e interessante para a criança.
Figura 6. Representações do estabelecimento de relações individuais, que constituem vínculos seguros entre
adulto(a) e criança, através do uso de recursos verbais e não verbais
Fonte: Nossa autoria (2023).
A metodologia é, em sua concepção, uma filosofia de olhar para a criança e acompanhar aquilo que é
essencial e necessário para seu desenvolvimento, compreendendo que a relação entre ela e um responsável é
a base, mas que é fundamental, também, proporcionar momentos de maior autonomia e exploração.
Os pressupostos, apesar de simples, requerem uma preparação e uma ruptura com padrões e práticas
clássicas e enraizadas em nosso sistema de Educação Infantil. Aspectos da estrutura física, da organização
das salas e da rotina precisam ser revistos. O investimento deve ser nos momentos de cuidado e interação
como também em quando a criança demonstra iniciativa e interesse no ambiente, por meio de suas ações e
construções. É ao longo deste processo que se constroem as aprendizagens e significados.
Deve-se estar atento às práticas que não considerem a relação e a construção de confiança entre criança e
educador. Por vezes, o reconhecimento de um bom educador está na sua capacidade de atender a todas as
crianças e de envolvê-las simultaneamente em sua rotina de ensino. No entanto, é justamente nesta prática
que a possibilidade do não cumprimento da função de vinculação ocorre. Este tipo de situação deve ser
construída de modo a proporcionar, aos poucos, transições na dinâmica da criança, a fim de que ela própria
consiga direcionar seu comportamento e se engajar nas atividades da rotina.
Figura 7. Crianças brincando sob supervisão de um adulto, mas sem intervenções desnecessárias
Fonte: Nossa autoria (2023).
O brincar dentro da abordagem de Pikler é uma atividade essencial para o desenvolvimento cognitivo e motor.
Segundo a ideia proposta pela abordagem, este brincar deve ser livre, tendo o educador apenas o papel de
observar e acompanhar o movimento da criança em seu processo. As interferências devem ser as mínimas
possíveis, somente quando necessário. Neste sentido, sugere-se que as crianças não fiquem ociosas, mas em
constante ação e movimento, por iniciativa própria. Aos educadores cabe manter a atenção e possibilitar um
ambiente seguro e com espaço apropriado para que as crianças experimentem as mais variadas sensações.
Como expresso por Falk (2011) em seu livro “Educar os Três Primeiros Anos: a experiência Lóczy”: “a
atividade de movimento e de jogos livres – sem a participação iniciadora ou modificadora do adulto – reforça
as possibilidades especiais de aprendizagem do bebê e da criança pequena que nenhuma outra coisa pode
substituir” (p. 35). Ainda, neste sentido, refere:
Temos podido constatar com frequência que
a observação e a valoração dessa atividade
autônoma (motricidade livre, manipulação,
investigação, iniciativas da criança nas suas
relações com os adultos) induzem ao
respeito no adulto que se encarrega de cuidar
da criança: esse respeito se torna um
componente importante de sua relação
(FALK, 2011, p. 52).
A abordagem pedagógica Waldorf, proposta pelo filósofo austríaco Rudolf Steiner, por sua vez, objetiva o
desenvolvimento físico, espiritual, intelectual e artístico da criança, formando indivíduos livres e moralmente
responsáveis. A metodologia correspondente a esta abordagem é lúdica e inclusiva, estimulando a
aprendizagem por meio das experiências e troca da criança com seus pares. Organiza-se de maneira a formar
crianças livres, sensíveis, criativas e responsáveis, considerando que cada uma tem seu próprio ritmo de
compreensão e aprendizado.
Figura 8. Contação de história na Educação Infantil
Fonte: Nossa autoria (2023).
Vários são os autores e estudiosos do campo da pedagogia que oferecem contribuições no mesmo sentido
da de Steiner. Paulo e Madalena Freire, por exemplo, afirmam que a autonomia é desenvolvida no processo de
aprendizagem em que educador e criança aprendem juntos, seguindo alguns princípios básicos nos quais a
criança é protagonista de sua aprendizagem. Tais princípios são: respeito, liberdade, troca e diálogo.
Ainda que siga propostas semelhantes às discutidas até aqui, faz-se importante destacar que, para Madalena
Freire, a brincadeira deve ser pensada de modo a construir níveis cada vez mais complexos em suas
propostas. Ao educador cabe estar aberto aos questionamentos e desafios que as crianças impõem no ato de
brincar, construindo juntamente com a criança suas descobertas e aprendizagens.
Figura 9. Possibilidades de atividades utilizando a abordagem freiriana
Fonte: Nossa autoria (2023).
Um último importante pensador que trouxe contribuições significativas para o campo da educação de
crianças na EI é Loris Malaguzzi, criador da abordagem Reggio Emilia. Em sua abordagem, ele sugere que
escutar as crianças — por meio da expressão de suas necessidades — e buscar atendê-las a partir do
desenvolvimento de projetos e propostas pedagógicas em sala de aula é o caminho para o desenvolvimento
das aprendizagens. Mais uma vez, nesta abordagem destaca-se a organização e o planejamento dos espaços
de aprendizagem. São neles que as crianças da EI experimentarão o mundo e farão suas descobertas.
Figura 10. Possibilidades de atividades utilizando a abordagem Reggio Emilia
Fonte: Nossa autoria (2023).
Um ambiente rico em estímulos é reconhecidamente capaz de melhor desenvolver o cérebro. Portanto,
considerando-se que os cérebros nos primeiros anos de vida respondem aos diferentes estímulos propostos,
faz-se importante voltar o foco dos educadores na construção de ambientes facilitadores das aprendizagens.
O acompanhamento e os processos de avaliação na Educação Infantil
Discute-se muito a respeito da EI enquanto uma etapa necessária para o preparo da criança para o ingresso
no Ensino Fundamental. Tais ideias acabam tornando engessados alguns currículos e estratégias
pedagógicas na EI e replicando moldes de etapas educacionais subsequentes. Isso por vezes se encontra
implicado tanto no processo formativo como também no acompanhamento e naavaliação dos educadores
frente ao desenvolvimento das aprendizagens da criança.
É comum que escolas se comuniquem com os pais acerca do acompanhamento e desenvolvimento da
criança por meio de documentos, como pareceres, relatórios ou mesmo através de encontros. Muitos destes
documentos derivam de modelos avaliativos baseados em resultados e que acabam reproduzindo uma
avaliação baseada em desempenho, similar à que ocorre no Ensino Fundamental e Médio. A criança avaliada
atinge ou não atinge determinados critérios considerados necessários para o adequado desenvolvimento do
cérebro e de suas funções cognitivas. Entretanto, tais práticas avaliativas no Ensino Infantil devem ser
pensadas com cuidado.
Logo, é sugerido que você educador(a) possa ter tais documentos como uma ferramenta de orientação. Essa
orientação serve tanto para a própria condução do processo formativo da Educação Infantil como para os
pais e cuidadores. Ela é parte do trabalho que está sendo desenvolvido pela escola. Como discutimos no
tópico anterior, ter um enfoque excessivo em produção, desempenho e resultado desconstrói o processo de
aprendizagem: de que modo a criança se desenvolve e sua individualidade neste processo. Além disso, a
exigência do foco na produção pode trazer prejuízos, tornando-se um estressor e uma ferramenta de cobrança
para pais e educadores, direcionando seus esforços para que a criança atinja determinadas metas ou graus
de desempenho.
Neste sentido, entende-se que os pareceres e avaliações devem ser redigidos com atenção e cuidado pelos
educadores.
Como sugere Chokler (2017), o processo de aprendizagem e desenvolvimento da criança se dá pelo
descobrimento e isso só é possível em um espaço seguro e confiável no qual a criança se sinta amparada
cognitivamente, socialmente e emocionalmente. Os modelos educacionais atuais, cada vez mais implicados
no processo de formação da Educação Infantil, são modelos de cobrança e exigência por resultados. Tais
modelos acabam em seu fim indo de encontro às necessidades que devem ser exploradas e desenvolvidas,
como a promoção da sensibilidade e percepção da criança, além de sua autonomia, sua criatividade e sua
ludicidade.
Figura 11. Avaliação da aprendizagem na Educação Infantil
Fonte: Nossa autoria (2023).
O risco para o desenvolvimento saudável do cérebro se dá exatamente a partir do momento em que o
ambiente escolar promove instabilidade, competitividade, pouca tolerância à frustração, excesso de rigidez e
monitoramento, além de uma dependência emocional e cognitiva. Já discutimos que tais fatores são
potenciais desencadeadores de reações emocionais, como tristeza e ansiedade, e que representam
estressores para o neurodesenvolvimento. É neste sentido que devemos revisar e refletir como estão se
dando não só as práticas pedagógicas como também as práticas avaliativas e formativas. O olhar sensível,
cuidadoso e atento para a criança deve integrar tanto o processo de ensino como também a avaliação e o
feedback aos pais e cuidadores.
Tendo em vista a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) (BRASIL, 2018), definem-se alguns critérios para
avaliar e acompanhar os processos de aprendizagem comuns às crianças brasileiras que frequentam a EI.
Embora seja difícil pensar em indicadores de qualidade para esta etapa, recentemente, foi incluída no Sistema
de Avaliação da Educação Básica (Saeb), por meio da Portaria n° 10, de 8 de janeiro de 2021 (BRASIL, 2021), a
proposta de que a EI deve ser avaliada a cada dois anos, com enfoque nos processos.
Ainda que represente um avanço, há diversas lacunas existentes em relação aos indicadores de qualidade no
processo formativo da EI. O desafio passa a ser desenvolver ferramentas que possibilitem avaliar em larga
escala os processos de aprendizagem e desenvolvimento nessa etapa e, ao mesmo tempo, considerar e
respeitar a necessidade da criança, do brincar e das interações.
Interessante destacar nesse contexto o desenvolvimento do Instrumento de Avaliação das Aprendizagens na
Primeira Infância (Inapi), o qual procurou construir um instrumento de avaliação em larga escala para crianças
de 4 a 5 anos (SILVA et al., 2022). No estudo de Silva et al. (2022), foi realizada uma detalhada revisão da
literatura nacional e internacional sobre o tema, explorando o papel da educação na infância, os principais
constructos de aprendizagem e desenvolvimento e, finalmente, os parâmetros de avaliação. O instrumento
encontra-se em processo de desenvolvimento, considerando a criação dos itens e contextos de avaliação
baseados nas interações com as crianças e na identificação das aprendizagens nas diferentes dimensões
referidas pelo instrumento, que serão detalhadas a seguir.
Primeiramente, o Inapi compreende em sua construção os contextos avaliativos que se encontram alinhados
à rotina da criança em seu ambiente de aprendizagem, tais como: dinâmicas de contação de história,
expressões artísticas, representações teatrais, entre outras atividades lúdicas experimentadas na Educação
Infantil (SILVA et al., 2022).
Figura 12. Contextos avaliativos para a Educação Infantil alinhados às orientações do Inapi
Fonte: Nossa autoria (2023).
https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-10-de-8-de-janeiro-de-2021-298322305
No instrumento, considera-se as situações lúdicas típicas deste período pré-escolar e, também, as
aprendizagens fundamentais a serem tidas como marcos do desenvolvimento infantil, sendo este um
instrumento que procura avaliar processos e produtos. Assim, o Inapi considera a aprendizagem como uma
espiral, um processo integrativo e cumulativo que transforma e não apenas adiciona uma aprendizagem à
outra (SILVA et al., 2022). A integração das diferentes áreas do desenvolvimento infantil, a exemplo de áreas
motoras, emocionais, cognitivas e de linguagem, faz-se presente no instrumento. Estas formam as
competências centrais a serem adquiridas na EI e encontram-se alinhadas às propostas da BNCC, como
exposto em seu próprio texto:
Na Educação Infantil, as aprendizagens essenciais compreendem tanto
comportamentos, habilidades e conhecimentos quanto vivências que promovem aprendizagem e
desenvolvimento nos diversos campos de experiências, sempre tomando as interações e a brincadeira como
eixos estruturantes. Essas aprendizagens, portanto, constituem-se como objetivos de aprendizagem e
desenvolvimento (BRASIL, 2018, p. 44).
O Inapi propõe a avaliação de quatro dimensões a serem integradas na aprendizagem:
Todas estas dimensões são sugeridas como relacionadas e fundamentais para o desenvolvimento da criança.
A tabela abaixo, adaptada do artigo de Silva et al. (2022), apresenta um detalhamento das dimensões e
respectivas aprendizagens.
Tabela 1. Dimensões propostas pelo Inapi como fundamentais para o desenvolvimento da criança (e suas
respectivas aprendizagens)
Fonte: Tabela adaptada de Silva et al. (2022).
A proposta de Silva et al. (2022) é que tais dimensões e aprendizagens relacionadas sejam avaliadas por
diferentes parâmetros observáveis e que, a partir disso, defina-se o nível de aprendizado alcançado por cada
criança. Apresenta-se quatro níveis de aprendizagem em espiral organizados por meio de uma escala Likert
de 0 a 4 pontos.
Considera-se a importância de que as aprendizagens tenham sido desenvolvidas e que a criança esteja
preparada para as próximas aprendizagens, mais complexas, que virão a seguir nos anos escolares. Sendo
assim, o Inapi dá indícios de que é possível integrar a concepção de que a criança é ativa no seu processo de
aprendizado ao longo da Educação Infantil com marcos de avaliação e desenvolvimento. Além disso, pode-se
integrar tais avaliações com outros parâmetros, possibilitando uma abordagem sistêmica de avaliação e
desenvolvimento das aprendizagens durante a primeira infância.
Diante do exposto, observa-se que há uma diferença marcada entre discursos com enfoque no processo, no
contínuo e em avaliações qualitativas acerca do desenvolvimento da criança; e discursos, por vezes vigentes,
baseados em resultadose desempenho acadêmico, mesmo na EI. É interessante destacar que tais discursos
procuram fundamentar-se nos conhecimentos neurocientíficos acerca do desenvolvimento do cérebro.
Embora a justificativa possa se fazer verdadeira sob certos aspectos, isto é, de fato os cérebros infantis desde
cedo fornecem uma base rica para estimulação e aprendizagem, incluindo a possibilidade de múltiplas
aprendizagens, incluindo habilidades de leitura, escrita e matemática, tais práticas podem acabar por se
mostrar mais prejudiciais do que benéficas para o desenvolvimento infantil, especialmente quando impostas
de forma rígida ou dissociadas da realidade e necessidade da criança.
Os fatores cognitivos e comportamentais e sua relação com os processos de aprendizagem na Educação
Infantil
Nos tópicos anteriores, professor(a), foram discutidas ideologias e práticas pedagógicas e metodológicas que
levam em consideração as necessidades e o processo do desenvolvimento das crianças durante o período da
EI, incluindo-se aspectos dos processos avaliativos e formativos. No entanto, sabemos que esta fase do
desenvolvimento caracterizada pelo ingresso da criança em creches e pré-escola não deve ser pensada
apenas a partir da perspectiva que envolve os processos de ensino e aprendizagem e avaliações de
desempenho. Denota-se a importância de avaliar como estão se desenvolvendo as demais capacidades
cognitivas da criança, as quais são fundamentais para a formação do repertório comportamental e das
habilidades sociais e emocionais.
A importância do desenvolvimento do autocontrole da criança desde os primeiros anos de vida foi referida e
debatida por um famoso projeto internacional realizado na cidade de Dunedin, na Nova Zelândia (BELSKY et
al., 2016; MOFFITT et al., 2011; SLUTSKE et al., 2012). Trata-se de um estudo longitudinal — de
acompanhamento — dos nascidos na cidade entre os anos de 1972 e 1973. Todos os participantes foram
acompanhados ao longo da trajetória de suas vidas com o objetivo de estabelecer relações entre o adequado
desenvolvimento e os desfechos psicossociais e comportamentais em fases posteriores da vida. Algumas
das publicações podem ser acessadas pelo site do projeto Dunedin.
Fica como sugestão para que aqueles educadores interessados possam explorar tais materiais (ainda que em
língua inglesa) a fim de aprofundarem os conhecimentos acerca desta pesquisa. A seguir, no entanto, serão
detalhados alguns resultados interessantes de serem pensados por vocês, educadores, como parte da
compreensão dos processos de desenvolvimento das crianças. Por exemplo: a forma pela qual se investe e
estimula determinadas funções cognitivas desde cedo pode ser determinante para desfechos em diferentes
contextos na adolescência e da vida adulta.
A princípio, as avaliações eram feitas a cada dois anos, começando na infância, aos 3 anos de idade, e
seguindo assim até os 15 anos. Na sequência, houve acompanhamentos aos 18, 21, 26, 32 e 38 anos de
idade. O estudo foi capaz de sugerir potenciais fatores preditivos na infância que são importantes para
aprendizagens, para a formação e para o sucesso acadêmico e profissional mais tarde na vida, tendo
implicações importantes no campo da Educação.
Figura 13. Representação do acompanhamento por faixa etária de participantes da pesquisa
Fonte: Nossa autoria (2023).
https://dunedinstudy.otago.ac.nz/
Vocês devem lembrar do Módulo I, no qual discutimos os principais componentes das chamadas Funções
Executivas e como esta função cognitiva em específico era fundamental para a adequação e a regulação dos
nossos comportamentos e para o atingimento de metas e objetivos ao longo da vida (sugere-se aqui retomar
o vídeo apresentado no Módulo I da pesquisadora Sabine Doebel).
Crianças que, aos 3 anos de idade, demonstraram falta de autocontrole — o que é possível de ser testado de
diversas maneiras, incluindo tarefas de gratificação tardia como o famoso teste do marshmallow, proposto
por Walter Mischel — eram aquelas que apresentavam, nas idades escolares seguintes, maiores dificuldades
de adequação de sua conduta, tendo mais chance de apresentar comportamentos agressivos e de
impulsividade em sala de aula. Além disso, identificaram-se prejuízos no foco atencional e na persistência
para realizar atividades que exigiam maior esforço em sala de aula, sendo necessário constante reforço e
acompanhamento por parte dos educadores para a conclusão dessas tarefas. Cabe destacar que o
autocontrole apareceu como um fator isolado, uma vez que as análises foram controladas para fatores
intervenientes, como condição socioeconômica, inteligência, sexo ou diagnóstico de Transtorno de Déficit de
Atenção e Hiperatividade (TDAH).
Neste sentido, deve-se refletir sobre a importância de considerar, em atividades e nas metodologias de ensino
propostas na EI, atividades que busquem explorar e desenvolver o autocontrole da criança. As pesquisas de
Dunedin nos revelam como determinados fatores são capazes de moldar o sucesso escolar de crianças e
adolescentes (discutiremos mais sobre as implicações desse estudo para a adolescência no Módulo IV,
referente à etapa do Ensino Médio), inclusive influenciando desfechos na vida adulta. Neste momento, você,
educador(a), já deve ser capaz de parar e refletir, a partir das suas práticas, quantas possibilidades de
estimulação e desenvolvimento das capacidades de autocontrole existem.
Essa é uma reflexão importante a ser feita neste momento do curso, a fim de possibilitar a revisão de práticas
e de buscar por estratégias pedagógicas capazes de incentivar as crianças a utilizarem de seus recursos de
autocontrole. Para isso, você pode inicialmente rever a definição de autocontrole e procurar, em seus planos
de ensino e atividades, de que forma tais capacidades estão sendo desenvolvidas. Caso não sejam
identificadas atividades em potencial para o desenvolvimento de autocontrole, sugere-se a tarefa de revisão
das práticas e inclusão de pequenas atividades que estimulem tal função. Você pode buscar exemplos nos
materiais do curso a fim de construir estratégias capazes de atingir tal finalidade.
Um outro desafio que se impõe frente aos educadores refere-se ao preparo para intervir e manejar em certas
situações no contexto da EI e que podem ter relação com a falta de desenvolvimento de autocontrole. Por
exemplo, é comum que haja situações de brigas, agressões e mordidas entre crianças pré-escolares, o que
pode ser um indicativo importante de dificuldades de autocontrole e inibição de impulsos. Apesar de próprias
da rotina das escolas da EI, estas situações ainda mobilizam educadores e pais no que diz respeito às formas
de manejo e possibilidades de intervenção. Acompanhar e buscar manejar tais casos através de propostas e
atividades coletivas que estimulem o desenvolvimento de capacidades de autocontrole pode representar
práticas interessantes a serem consideradas pelos educadores em sala de aula.
Figura 14. Desenvolvimento do autocontrole na infância
Fonte: Nossa autoria (2023).
https://www.youtube.com/watch?v=OKNu1qjgXaA
Em casos como esses, também se faz necessário conversar com as crianças envolvidas e explicar aquilo que
é ou não permitido em termos de comportamentos, procurando questionar e identificar quais foram os fatores
motivadores (raiva, frustração) e referindo que tais reações (brigar, morder) não são as mais adequadas para
lidar com a situação ocorrida e com os sentimentos despertados. É compreensível também que tal situação
não signifique um problema de relacionamento ou de amizade; nem sempre a ocorrência de um fato assim
significa um ato intencional e de conflito, mas sim algo que remete à falta de autocontrole e de capacidade de
lidar com as próprias emoções (a frustração por ter perdido um brinquedo para a outra criança). Outro
aspecto a ser considerado em situações como a representada é que, em crianças menores, o ato de morder
pode ser uma expressão de algo, um meio de comunicar uma necessidade. Novamente, aqui, voltamos o foco
às necessidades infantis,auxiliando a criança a expressar adequadamente tais necessidades, ser atendida e
ter no ambiente um lugar seguro e com limites claros e bem estabelecidos.
Para finalizar este módulo, é sugerido aos educadores que assistam ao vídeo da Dra. Brenda Fitzgerald, o qual
integra e reforça muitas das discussões e reflexões fomentadas. A mensagem principal do vídeo refere-se à
capacidade dos bebês e crianças de aprenderem.
https://www.youtube.com/watch?v=y8qc8Aa3weE
Os cérebros, segundo a pesquisadora, nascem prontos (preparados) para as aprendizagens. É a partir da
relação que será desenvolvida entre esses cérebros novos e o mundo que os cerca (cuidadores, educadores)
que se darão essas aprendizagens. A linguagem é apontada como um dos principais mecanismos de
desenvolvimento do cérebro por meio de suas conexões neuronais e, consequentemente, de seu papel na
fundação das aprendizagens humanas. Como exemplificado através do experimento da face imóvel, é a partir
da interação, do estímulo e da qualidade do cuidado e acompanhamento que os cérebros se desenvolverão.
Com o ingresso nos anos pré-escolares e escolares, os educadores passam a desempenhar esse importante
papel, portanto, uma mensagem final que deve ser levada é a de que será na qualidade da prática pedagógica
e, principalmente, da relação pela qual esta se dará que se desenvolverão as aprendizagens.
Muito se acredita na influência de diversos fatores externos para as aprendizagens iniciais da vida; porém,
cada vez mais, se percebe que independentemente de outros fatores, a relação estabelecida entre educador e
criança é essencial para o desenvolvimento futuro. São os estímulos, as palavras, a comunicação que
https://www.youtube.com/watch?v=y8qc8Aa3weE
permitirão que a criança interaja com o mundo, processo no qual a Dra. Brenda denominou de “nutrição da
linguagem”. Assim, a linguagem torna-se um caminho para o desenvolvimento dos nossos neurônios e das
aprendizagens humanas.
MATERIAL COMPLEMENTAR
Links nacionais interessantes:
https://brasil.elpais.com/brasil/2017/02/17/economia/1487331225_284546.html#?prm=copy_link
https://superaparaescolas.com.br/a-importancia-dos-jogos-pedagogicos-no-aprendizado/
https://superaparaescolas.com.br/atividades-de-estimulacao-cognitiva-7-exemplos-para-a-educacao-infa
ntil/
https://superaparaescolas.com.br/atividades-extracurriculares-como-inserir-na-escola-exemplos-e-muito-
mais/
Links internacionais interessantes:
https://soeonline.american.edu/blog/brain-based-learning
https://www.uagc.edu/blog/brain-based-strategies-help-learning
https://dunedinstudy.otago.ac.nz
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Educational Attainment Relate to Life-Course Development. Psychological Science, [s.l.], v. 27, n. 7, p. 957-972,
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https://superaparaescolas.com.br/atividades-de-estimulacao-cognitiva-7-exemplos-para-a-educacao-infantil/
https://superaparaescolas.com.br/atividades-de-estimulacao-cognitiva-7-exemplos-para-a-educacao-infantil/
https://superaparaescolas.com.br/atividades-extracurriculares-como-inserir-na-escola-exemplos-e-muito-mais/
https://superaparaescolas.com.br/atividades-extracurriculares-como-inserir-na-escola-exemplos-e-muito-mais/
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http://hdl.handle.net/10183/221705
https://doi.org/10.4322/rbaval202211028
Professor(a), no Módulo II foi discutido de que forma a Neurociência e os estudos do cérebro podem
contribuir para entendermos as demandas específicas da Educação Infantil. Abordou-se algumas
compreensões gerais e inadequadas sobre o cérebro e discutiu-se como informações que carecem de
embasamento científico podem atrapalhar os educadores em suas práticas, levando-os à implementação de
estratégias baseadas em falsas informações disseminadas no senso comum. Ressaltou-se a importância da
aproximação entre profissionais da Educação no período inicial do desenvolvimento e a Neurociência e o
conhecimento científico.
Além disso, foram debatidos os principais enfoques que os educadores devem dar às aprendizagens na
Educação Infantil, especialmente através do uso de recursos lúdicos e da estimulação da criatividade da
criança, considerando também reflexões sobre as ferramentas de avaliação utilizadas. Por fim, abordou-se
fatores cognitivos e comportamentais que se mostram como fortes preditores de sucesso nos processos de
ensino-aprendizagem e no desempenho acadêmico e profissional nos anos posteriores à Educação Infantil.
Este Módulo III dará seguimento às reflexões e discussões aplicadas ao Ensino Fundamental (EF) I e II,
abordando esta etapa escolar que envolve os anos iniciais e todo o processo de alfabetização bem como os
anos finais e a entrada na adolescência. Conforme diretrizes da Base Nacional Comum Curricular (BRASIL,
2018), o conhecimento durante o EF será desenvolvido com enfoque em diferentes áreas do conhecimento,
possibilitando a aquisição de competências e habilidades específicas e relacionadas aos conteúdos,
conceitos e processos, os quais se organizam em forma de unidades temáticas.
A partir disso, pode-se pensar no objetivo pedagógico central dos primeiros anos do Ensino Fundamental, que
é o processo de alfabetização, o qual será discutido em detalhes no tópico seguinte. Os alunos passarão a ser
estimulados e a se apropriarem de processos que envolvem habilidades de escrita e leitura, matemática,
pensamento lógico, entre outras habilidades cognitivas. As aprendizagens anteriores serão base para estas
novas que virão, observando-se uma ampliação das competências e habilidades da criança. Entretanto, isto
não deve significar a abertura de uma lacuna entre as aprendizagens formais necessárias aos anos iniciais do
EF e as experiências e descobertas que a criança está fazendo do chamado “mundo real”, deixando-se esta
última negligenciada em detrimento às exigências curriculares e de formação.
O período que compreende o EF é um período de descoberta e compreensão de como o mundo funciona, o
que representa uma das necessidades centrais da criança em seu desenvolvimento. As próprias Diretrizes
Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental de Nove Anos, presentes na Resolução CNE/CEB nº
7/2010 (BRASIL, 2010a), destacam tal período como sendo um de maior autonomia e movimento da criança
em seu processo de descoberta e de interação com o mundo. Há uma ampla evolução das capacidades
cognitivas associadas à linguagem — com a iniciação e o consequente estabelecimento do uso da leitura e da
escrita —, à matemática e ao raciocínio para a construção do conhecimento e para seu uso nas relações
sociais.
Figura 1. Estudantes do EF significando os processos de geração de energia
Fonte: Nossa autoria (2023).
Sabe-se, no entanto, que a necessidade e a exigência por uma aprendizagem formal e por resultados e
desempenho acadêmico, principalmente aqueles relacionados ao processo de alfabetização, colocam
algumas escolas e educadores em um modelo pedagógico diretivo, focado na alfabetização da criança e no
ensino das operações matemáticas básicas.
É nesse cenário que, muitas vezes, começamos a identificar o aparecimento dos primeiros sintomas
emocionais em resposta aos estressores referentes ao processo de aprendizagem. As novas exigências, a
pressão e o potencial estresse que envolvem o processo de aprender e se alfabetizar podem ter implicações
sérias para o desenvolvimento infantil e, por consequência, para as aprendizagens ao longo deste período.
Discutimos os motivos pelos quais a Neurociência e a Psicologia do Desenvolvimento apoiam a necessidade
da manutenção de um ambiente seguro e aberto à exploração e à descoberta da criança durante a transição
da Educação Infantil para o EF.
A segurança que, anteriormente, no ingresso da Educação Infantil, se referia ao suporte do ambiente e à
permissão para explorar as novas descobertas, agora deve se fazer presente no processo da aquisição das
habilidades de leitura, escrita e matemática.
Modelos de instrução direta que reforçam apenas os resultados possuem um potencial de criar um ambiente
extremamente ansiogênico e prejudicial para a criança desenvolver suas habilidades. Não são incomuns
relatos de crianças estressadas durante essa fase, uma vez que elas sofrem com as exigências escolares e,
também, familiares, principalmente quando não correspondem ao tempo ou à forma de aprender que estão
sendo impostos ou que são esperados para o período do desenvolvimento que se encontra.
Professor(a), relatos de pesquisas internacionais sugerem que crianças que durante o EF sentem-se
estressadas manifestam sintomas de hiperatividade e nervosismo e não demonstram satisfação pela escola,
uma vez que passam a considerá-la um ambiente rígido e exigente. Não é à toa que muitas pessoas mostram
carinho por seus educadores da Educação Infantil e lembram deles como sendo seus “professores favoritos”.
Nem sempre é a relação com os professores que necessariamente influencia tal preferência, mas sim a
relação com o modelo pedagógico e com o ambiente seguro de aprendizagem dos anos iniciais.
Figura 2. Contraste comumente observado na transição entre o Ensino Infantil e o Ensino Fundamental
Fonte: Nossa autoria (2023).
Consideremos a aprendizagem de matemática como um exemplo. Segundo o professor Vitor Haase (2019),
por sua complexidade, a matemática é capaz de eliciar respostas emocionais negativas, o que se associa ao
baixo desempenho e a problemas para aquisição das habilidades e conhecimentos matemáticos. Discute-se,
inclusive, a existência da chamada “ansiedade matemática”, uma espécie de fobia específica, na qual o objeto
fóbico passa a ser a própria matemática. A pressão e exigência pelo resultado da aprendizagem correta das
operações têm efeitos prejudiciais em processos cognitivos necessários para a aprendizagem. Por exemplo, a
ansiedade prejudica processos atencionais e de memória de trabalho, os quais não apenas exercem o
controle voluntário sobre o foco atencional como também são responsáveis por manter e manipular as
informações durante a aprendizagem (FIGUEIRA; FREITAS, 2020).
Em um estudo de revisão sistemática sobre a temática da ansiedade matemática (MOURA-SILVA; OLIVER;
TORRES, 2020), foi referido que alterações na conectividade da amígdala em crianças de 7 a 9 anos estariam
associadas à ansiedade matemática. Como falamos no Módulo I, essa região possui um importante papel no
processamento de emoções negativas, especialmente a ansiedade e o medo. Podemos dizer que a detecção
de um padrão de atividade elevado a partir deestudos de neuroimagem sugere uma contribuição da
Neurociência para a compreensão do porquê as crianças apresentam tanto medo da Matemática neste
período do desenvolvimento.
Ademais, tais imagens corroboram, ainda, com outros padrões descobertos entre crianças, no que se refere à
ativação reduzida de regiões dos córtices pré-frontal dorsolateral e parietal posterior responsáveis pela
memória de trabalho e capacidade de raciocínio. Evidências ainda sugerem que a eficiência das conexões
neuronais entre a amígdala e o córtex pré-frontal, responsáveis por regular estados emocionais negativos,
mostra-se elevada em crianças com ansiedade de matemática. Esses efeitos são específicos para esse tipo
de ansiedade e não mostram qualquer padrão de relação com transtornos gerais de ansiedade na infância ou
com funcionamento cognitivo geral — como em medidas de inteligência ou memória de trabalho.
Figura 3. Representação de uma criança sofrendo por ansiedade matemática e seus padrões cerebrais
Ao que parece, tais dados indicam possíveis regiões e padrões de conectividade associados a respostas
emocionais apresentadas por crianças durante esta etapa do desenvolvimento e que possuem, ainda, relação
com o processo de aprendizagem. Além da matemática, algumas investigações têm elucidado a ansiedade
específica de leitura. O desenvolvimento de habilidades de leitura é sugerido como um dos mais importantes
preditores do desempenho acadêmico futuro da criança. A chamada ansiedade de leitura, assim como a de
matemática, envolve a performance da criança quando ela pensa ou desenvolve atividades que se referem à
leitura. O prejuízo proveniente dessa ansiedade é percebido não somente no desempenho da leitura como
também na capacidade de se concentrar em tarefas e de reter informações na memória de trabalho, no senso
de autoeficácia e nas percepções e crenças a respeito de si mesma.
Um desafio que se impõe para todos os educadores é a identificação de tais manifestações — ansiedade de
matemática ou de leitura — em seus alunos. Existem alguns questionários que têm sido adaptados e
validados por pesquisadores para o contexto brasileiro, como a versão brasileira da Escala de Ansiedade de
Leitura (PICCOLO et al., 2020). Trata-se de um instrumento que pode auxiliar na identificação de reações
emocionais negativas relacionadas ao processo de leitura. Além deste questionário específico para a
identificação de reações de ansiedade relacionadas à leitura, existem questionários que auxiliam na
identificação de reações de ansiedade relacionadas ao processo de aprendizagem de matemática, como por
exemplo o Questionário de Ansiedade de Matemática (WOOD et al., 2012).
Ainda que não seja o papel do educador realizar uma avaliação formal, é sugerido que ele se familiarize com
tais instrumentos como forma de orientação para indicativos de manifestações que podem ser facilmente
observadas em sala de aula. Sinais de dificuldade de aprendizagem de leitura, escrita ou matemática podem
ser melhor avaliados se adequadamente encaminhados. Os educadores são uma importante fonte de
informação, uma vez que participam ativamente do cotidiano da criança.
As implicações da identificação de quadros de ansiedade de leitura e de matemática no início dos anos
escolares nos indicam que crianças, quando se sentem pressionadas e exigidas, passam a responder com
estresse e ansiedade. Tais manifestações frente às aprendizagens de matemática e leitura anteriormente
discutidas podem atrapalhar não só a aquisição dos conteúdos específicos, como também afetar outras
aprendizagens, comprometendo os processos de adaptação e alfabetização. Essas crianças tornam-se mais
propensas a cometerem erros e terem um comprometimento do seu progresso escolar. Nesses casos, a
intervenção dos educadores deve-se concentrar no reforço positivo ao processo e não ao resultado.
Outra estratégia para lidar com a ansiedade frente a novas demandas e aprendizagens é proporcionar que a
sala de aula se torne um ambiente seguro, criativo e aberto ao desenvolvimento das aprendizagens, sem que
se exerça pressão para que isso aconteça.
É neste aspecto relacional que os educadores devem se atentar, de modo a atender adequadamente às
necessidades da criança nesse período do desenvolvimento. Ou seja, é necessário alinhar estratégias
pedagógicas que permitam um ambiente aberto e criativo, estimulem o desenvolvimento de relações
interpessoais e, desse modo, transformem o papel das aprendizagens e relações do lúdico. Neste ambiente,
os processos de brincar, jogar e cooperar podem ser estimulados a cumprirem outros papéis, como os de
integrar e aprender sobre regras, valores e reciprocidade. Assim, ampliam-se as possibilidades de
desenvolvimento de capacidades intelectuais e recursos cognitivos por meio da compreensão de regras,
valores, normas sociais e da reciprocidade.
Além disso, uma rotina escolar consistente e estruturada, com número de alunos adequado para que o
educador seja capaz de se fazer próximo e atender às demandas das crianças, transforma o ambiente escolar
em um local previsível e auxilia na capacidade de manutenção da regulação emocional e do autocontrole. Nos
subtópicos a seguir vamos discutir um pouco de como estratégias de ensino ativas e diversificadas, que
incorporem a estimulação cognitiva e física através de habilidades artísticas, de expressão e de atividade
física podem auxiliar no processo de aprendizagem.
Os primeiros anos do Ensino Fundamental, o processo de alfabetização e os recursos cognitivos do nosso
cérebro
O crescimento do cérebro entre os 6 e 12 anos de idade é marcado por um avanço significativo dos processos
do neurodesenvolvimento. Observa-se o aumento do número de neurônios, com o estabelecimento de
diversas novas conexões, formando e consolidando circuitos neurais cada vez mais complexos. Tais
mudanças contribuem para o desenvolvimento de novas aprendizagens próprias dessa etapa escolar. O
desenvolvimento da leitura e da escrita; a melhor compreensão das relações espaciais entre objetos; e a
retenção e a manipulação de informações na memória de trabalho são alguns dos exemplos de habilidades
que começam a emergir a partir do ingresso da criança no EF.
Professor(a), é nítido que neste período passa a existir entre as crianças uma diferenciação do seu próprio
“eu” com os demais objetos do mundo externo e, consequentemente, há o direcionamento do investimento
dos recursos cognitivos da criança para se relacionar com estes objetos. Espera-se que a criança aprenda a
distinguir suas experiências internas e externas, iniciando um processo de reconhecimento e expressão dos
seus sentimentos de maneira distinta aos períodos anteriores do seu desenvolvimento.
A sala de aula, que anteriormente tinha o propósito de estimular o lúdico por meio de um ambiente seguro e o
mais aberto possível para as descobertas da criança, agora passa a usar deste lúdico e da curiosidade da
criança para direcionar as aprendizagens formais. A inserção no mundo tecnológico e conectado também
assume um papel na promoção das descobertas de mundo, sendo uma ferramenta importante para o
desenvolvimento das aprendizagens. Embora se identifique a necessidade de mudanças e de uma transição
na forma do ensinar, entende-se que tal processo deva ser cuidadoso e capaz de se alinhar às demandas e
necessidades da criança durante este período do desenvolvimento.
Sabe-se que a entrada no EF representa, para algumas escolas, uma ruptura significativa com modelos
pedagógicos da Educação Infantil. O desafio que é o processo de alfabetização por vezes impõe práticas
inadequadas, com enfoque excessivo no desenvolvimento imediato de habilidades de leitura, escrita e
matemática. Passa-se a investir um tempo significativo em sala de aula para tais finalidades, o que incorre no
risco de tornar as práticas pedagógicas extremamente diretivas e em um desinvestimento em outras
habilidades, a exemplo das habilidades musicais, artísticas e expressivas.
Além disso, não é incomum que os planos de ensinoe programas pedagógicos passem a ser roteirizados,
focados no processo de alfabetização, se afastando do mundo real e de interesse da criança. Tais práticas
podem gerar um desinteresse da criança e levar ao aumento de sintomas de ansiedade, angústia e tristeza,
por gerarem um sentimento de incapacidade de acompanhar o roteiro escolar, acentuando as dificuldades
próprias da aprendizagem daquela criança.
Tarefas demasiadamente longas e sem uma clara explicação de todo processo requerido para seu
desenvolvimento e solução podem gerar reações diversas e representar um fator estressor para a criança.
Temos que considerar que nem todas as crianças possuem o mesmo tempo e curso de desenvolvimento.
Aliado a isso, é nesse período de ingresso escolar que há o aparecimento de vários dos Transtornos Globais
do Neurodesenvolvimento, os quais englobam transtornos de aprendizagem, do espectro autista e o
Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). Expostos aos mesmos conteúdos, esses alunos
terão necessidades distintas de alunos com um neurodesenvolvimento típico e, portanto, precisam receber ao
máximo um acompanhamento mais próximo por parte dos educadores e/ou monitores/assistentes de sala de
aula.
Em alguns casos, um transtorno pode ser observado em situações nas quais se percebe que a criança ou o
próprio adolescente (nos anos subsequentes) não é capaz de alcançar as aprendizagens propostas, como ler
ou executar operações matemáticas, ainda que esse estudante possua uma instrução formal e apresente
condições de desenvolvimento típicas para sua idade. Casos como de dislexia e discalculia costumam
apresentar tais características.
Neste sentido, o ambiente onde as aprendizagens irão ocorrer necessita de ajustes de modo a melhor se
adequar aos diferentes cérebros, características e tempos de desenvolvimento. Como comentado, é durante
este período que alguns alunos passam a apresentar dificuldades e atrasos nos processos de aprendizagens.
Por vezes, tais problemas surgem por demandas emocionais ou como resposta a estressores experienciados;
porém, em outras situações, reconhece-se a presença de transtornos do desenvolvimento.
Estimativas sugerem, por exemplo, que mais da metade das crianças não desenvolvem uma adequada
habilidade de leitura ao final do 4º ano do EF. Essa dificuldade pode se dar por conta de transtornos de
aprendizagem persistentes que vão além das dificuldades típicas com leitura, escrita e matemática. Em
alguns casos, tais dificuldades podem também ter relação com os métodos de ensino aplicados pelos
educadores em sala de aula.
A fim de auxiliar e amparar tais alunos, pode ser necessário ajustes do professor na disposição e no modo de
organizar e pensar a sala de aula. Em casos de alunos com dificuldades claras de aprendizagem,
independente da razão mas principalmente quando as dificuldades envolvem problemas atencionais,
distração e hiperatividade, estes alunos devem sentar-se mais próximos ao local onde o educador está e
longe de janelas ou partes da sala de aula que tenham estímulos distratores. Aqui, não estamos buscando um
controle rigoroso e corretivo destes comportamentos, mas sim um modelo estruturado e capaz de orientar e
auxiliar na regulação das capacidades de autocontrole, como já discutido no Módulo II a respeito da
importância do desenvolvimento dessas capacidades.
Alguns estudos referem, neste sentido, uma relação entre determinadas habilidades cognitivas, como
memória de trabalho e motivação e o desempenho de habilidade de matemática, sugerindo que uma média
inferior em parâmetros de avaliação de habilidade de matemática está associada a uma pior performance da
memória de trabalho e uma baixa capacidade de motivação. Estes estudos também mostram que o perfil do
educador pode influenciar tal desempenho, indicando que um educador distante, frio e incapaz de apoiar o
aluno é um fator de risco para o desenvolvimento de sintomas de ansiedade relacionados à aprendizagem.
Portanto, a presença próxima de educadores e monitores/assistentes pode servir como um fator externo
regulador dos comportamentos da criança, tornando-a capaz de suportar questões emocionais que envolvem
o aprender. Além de adaptações comportamentais, essas crianças também precisam de reforço na
apresentação dos conteúdos para aquisição do conhecimento, o que pode envolver adaptações, uma
organização ou planejamento diferente da atividade, bem como do tempo de desenvolvimento.
É em meio a esse cenário de diversidade no que se refere às características e manifestações do
desenvolvimento que os educadores devem estar preparados para fazerem alguns ajustes, seja em sala de
aula ou em sua dinâmica pedagógica.
Os anos finais do Ensino Fundamental e as implicações e mudanças da entrada da adolescência no
desenvolvimento do cérebro
Como tem sido discutido ao longo deste curso, as diferentes etapas que compõem a educação e a formação
de base possuem um caráter preparatório para aquilo que virá a seguir. Nas séries finais do EF não é diferente,
visto que há uma ampliação e um aprofundamento dos conhecimentos e conteúdos que vêm sendo
desenvolvidos nas séries iniciais. Deste modo, espera-se que a — até então, criança —, agora, adolescente
possa fazer uma adequada transição para o Ensino Médio. Entre os educadores que atuam nestes anos
escolares, não é incomum a crença de que se deve atender a um propósito de enquadrar os adolescentes em
um modelo de aprendizagem e rigor acadêmico semelhantes à estrutura curricular do Ensino Médio.
Acredita-se que este é um fator fundamental para uma boa adaptação futura e para uma consequente
diminuição das dificuldades acadêmicas, a exemplo de repetências e baixo desempenho.
No entanto, Professor(a), como iremos discutir nos próximos parágrafos e no seguinte módulo (Módulo IV),
tais práticas podem ter um custo muito grande para o jovem no ingresso da sua adolescência, por conta do
excesso de exigências, da rigidez metodológica e da negligência a aspectos inerentes a esta fase do
desenvolvimento.
Considerando-se que falhas no atendimento dessas necessidades e a não oportunidade de espaços seguros
e de investimento no adolescente podem impactar na saúde e qualidade de vida, faz-se necessário que a
sociedade e as escolas (um dos principais ambientes de experimentação para o adolescente) possam
estimular a promoção de experiências positivas e enriquecedoras para o seu desenvolvimento.
Para iniciarmos uma discussão sobre este período do desenvolvimento, é preciso estabelecer alguns marcos.
Independente do período cronológico estabelecido, a adolescência é marcada por importantes alterações
biopsicossociais que, consequentemente, refletem em mudanças comportamentais, emocionais e cognitivas
do indivíduo.
Para compreender melhor a trajetória do desenvolvimento que abarca a adolescência e as implicações das
mudanças ocorridas ao longo deste período, inicialmente serão apresentadas hipóteses e evidências
provenientes de estudos do campo da Neurociência a respeito do desenvolvimento do cérebro, que destacam
as transformações ocorridas na transição da infância para a adolescência. Entende-se que a entrada na
adolescência representa uma segunda “janela de vulnerabilidade” do desenvolvimento, na qual algumas
estruturas e funções cerebrais ainda não se encontram totalmente formadas e prontas, sendo sensíveis às
influências do ambiente e das modificações hormonais subjacentes a essa fase da vida. Isso porque algumas
regiões cerebrais apresentam um processo maturacional e de refinamento neuronal lento e tardio.
Para exemplificar alguns dos processos que ocorrem nessa fase, podemos destacar:
Todos esses processos visam refinar e finalizar etapas do desenvolvimento cerebral iniciadas desde períodos
gestacionais, perpassando os primeiros anos de vida e toda nossa infância.
As diversas modificações neurais, hormonais (aumento na produção de testosterona e estrogênio) e de
funcionamento cognitivo presentes nesta transição da infância para a adolescência podem ser observadasatravés de mudanças no comportamento, no afeto, nas relações sociais, na motivação e nos interesses dos
adolescentes. São essas alterações hormonais, em conjunto com processos de remodelação cerebral, que
acabam por influenciar padrões de comportamento e respostas emocionais que emergem ao longo deste
período do desenvolvimento.
Nesse sentido, identifica-se, na adolescência, uma tendência à busca por novidades. Dentro de uma
perspectiva adaptativa, tais movimentos representam tendências exploratórias. Como visto anteriormente,
esse padrão de personalidade e comportamento possui múltiplas explicações neurobiológicas, cognitivas e
sociais, permitindo ao jovem: descobrir e experimentar a realidade à sua volta; e assumir escolhas,
identificações e posicionamentos ideológicos, interagindo com o ambiente através dos seus comportamentos
e suas respectivas consequências. Esse movimento é o que dá base para a consolidação da autoimagem do
indivíduo, representando, ao mesmo tempo, causa e efeito das mudanças biológicas que estão acontecendo.
Em contrapartida, algumas dessas transformações podem não ocorrer como esperado e representar desafios
no manejo das condutas e comportamentos do adolescente. Sob uma perspectiva da neurociência e do
desenvolvimento do cérebro, por exemplo, sugere-se que os comportamentos de busca por novidade,
descoberta, exploração e risco na adolescência se devem, em parte, em razão do desequilíbrio na maturação
neural e no consequente desbalanço na forma como processamos as informações, a qual pode ser
compreendida através da hipótese teórica do duplo-processamento.
Este desequilíbrio é próprio do tempo do neurodesenvolvimento que corresponde à adolescência; no entanto,
ele pode se dar de forma mais ou menos acentuada, refletindo nos comportamentos e desfechos observados
na adolescência. O vídeo a seguir se propõe a integrar esses aspectos teóricos discutidos com dados de uma
pesquisa desenvolvida por uma jovem, Kashfia Rahman, na qual se buscou compreender como os
adolescentes respondem e se envolvem em comportamentos de risco, abordando os aspectos relacionados a
essa tendência presente nesta fase do desenvolvimento do cérebro: assumir e querer risco.
https://www.youtube.com/watch?v=VLDwh4ivNf4
As teorias conhecidas que defendem a ideia do duplo-processamento cognitivo procuram
compreender de que forma respostas automáticas e heurísticas da tomada de decisão são próprias da
adolescência, em contraste com estratégias e respostas mais controladas, deliberadas e lógico-dedutivas da
realidade adulta. Essa hipótese é baseada em estudos de neuroimagem que identificam bases neurais para o
processamento de recompensas e para a avaliação de risco em contextos sociais e emocionais nos quais o
adolescente envolve-se.
O processamento cognitivo controlado e deliberado estaria associado a estruturas e circuitos neurais
considerados mais complexos e ainda não totalmente desenvolvidos, a exemplo das diferentes sub-regiões
do córtex pré-frontal, como porções dorsolaterais e ventrolaterais (abordadas no Módulo I) e porções
posteriores do córtex parietal. Por outro lado, o processamento cognitivo automático e heurístico, conhecido
como sistema afetivo, possuiria relação com aquelas regiões pertencentes ao sistema límbico (revisar
conteúdos do Módulo I sobre este sistema), a exemplo da área tegmental ventral, da amígdala e do estriado
ventral, bem como suas conexões com regiões corticais (córtex pré-frontal medial e orbitofrontal e córtex
insular).
Neste contexto, Professor(a), a hipótese do desequilíbrio maturacional envolveria o desbalanço entre essas
duas formas de processamento cognitivo, uma vez que, como já vimos, estruturas pertencentes ao sistema
de recompensa se desenvolvem mais rapidamente e de forma mais completa, precocemente, quando
comparadas a estruturas corticais e frontais do cérebro, subjacentes ao sistema de processamento cognitivo
controlado e deliberado. É justamente essa lacuna que explica a janela de vulnerabilidade que corresponde à
adolescência, interferindo nos processos decisórios, na capacidade de autocontrole, planejamento,
organização e, consequentemente, nas aprendizagens. Além disso, os adolescentes tenderiam a tomar
decisões mais suscetíveis às influências de suas emoções e direcionadas a ganhos imediatos ou à
experiência de prazer e recompensa (Figura 4).
A Figura 4 ilustra didaticamente o desequilíbrio entre as etapas do neurodesenvolvimento que se relacionam
aos modelos de duplo-processamento da informação. Como discutido anteriormente, observa-se um “atraso”
https://www.youtube.com/watch?v=VLDwh4ivNf4
esperado no desenvolvimento e maturação de regiões envolvidas no funcionamento do chamado Sistema 2
(processamento cognitivo controlado e deliberado). Ao mesmo tempo, já existiria um processo melhor
consolidado de desenvolvimento e maturação do chamado Sistema 1 (processamento automático).
Figura 4. Representação do desequilíbrio entre as etapas do neurodesenvolvimento relacionadas aos modelos
de duplo-processamento da informação
Fonte: Criada a partir de Figner et al. (2009).
Para um adolescente, portanto, situações que envolvem ativação emocional, como, por exemplo, excesso de
exigência e pressão para obtenção de resultados e desempenho acadêmico no ambiente de aprendizagem,
performance social na relação com os pares, expectativas e frustrações nas relações íntimas, além de
situações de rejeição são mais desafiadoras no que se refere à capacidade de ponderar e inibir respostas
impulsivas. Situações e ambientes mais seguros, estáveis e que não geram respostas emocionais intensas
tendem a ser mais propícios para que o adolescente desenvolva suas habilidades socioemocionais e se
aproxime mais dos comportamentos e respostas esperadas para um adulto.
Em conjunto, tais características conferem riscos aos processos de aprendizagem e à saúde e bem-estar do
adolescente. É reconhecido um aumento significativo, a partir desta idade, do aparecimento e da
manifestação de problemas relacionados ao humor e à ansiedade, conferindo uma predisposição para
desenvolvimento de transtornos mentais, como depressão e transtornos de ansiedade. Isso implica em
modificações e adequações do papel do educador durante este período do desenvolvimento. Dados de
levantamentos internacionais, populacionais, da estimativa de prevalência de problemas de saúde mental e
desfechos psicossociais na adolescência apresentam dados alarmantes. Estima-se que entre 10% e 20% das
crianças e adolescentes venham a apresentar algum tipo de transtorno psiquiátrico ou problema psicossocial
(FUSAR-POLI, 2019; KIELING et al., 2011), sendo tais problemas apontados como possíveis responsáveis pela
evasão escolar e incapacidade de desempenhar outras atividades próprias desta fase da vida. Faz-se
necessário, assim, pensar em uma abordagem capaz de ir além das aprendizagens formais, pois, de forma
geral, todas as mudanças referidas aqui e dados da literatura internacional sugerem que este seja um período
sensível e que qualquer quebra de estabilidade em relação ao processo anteriormente estabelecido — ao
longo dos anos iniciais — tenha um potencial danoso para o desenvolvimento do indivíduo.
Estratégias e práticas pedagógicas para além do básico: como estimular as diferentes competências e
habilidades dos adolescentes
A relação entre educadores e os jovens adolescentes deve ser pensada para além do processo de
ensino-aprendizagem, estando os educadores preparados para atender também a demandas
socioemocionais, cada vez mais presentes ao longo desta etapa e, também, durante o Ensino Médio. Em
contrapartida, reconhece-se que é a partir dos anos finais do EF que se inicia um processo de maior cobrança
por resultados e desempenho, o que passa a cumprir um papel e ter um valor diferente na prática formativa.
Sendo assim, escolas e educadores devem ter cuidado na forma como são implementados e difundidos os
currículos, agora mais fragmentados; no quão impessoal e distante podem se tornar as relações interpessoaisentre todos os agentes envolvidos no processo de educação; e em quão interessantes e dinâmicos serão os
planos de aula. Nesse momento, é comum que o adolescente precise se adaptar e aprender a se relacionar
com diferentes professores e adultos no ambiente escolar, sendo esse um possível estressor capaz de
interferir nos processos de aprendizagem.
É interessante pensar que nesse período não só os currículos escolares mas também os educadores devem
direcionar sua atenção para práticas que proporcionem, em sala de aula, a estimulação de habilidades
artísticas, expressivas, de comunicação e regulação emocional, para além das estratégias usadas para o
ensino dos conteúdos formais.
Figura 5. Exemplos de práticas que estimulam diferentes competências e habilidades dos adolescentes
Fonte: Nossa autoria (2023).
Se tomarmos por base as contribuições de Piaget, é no final da infância e na transição para a adolescência
que nos tornamos mais aptos a desenvolver a habilidade de raciocínio hipotético-dedutivo, construindo
relações abstratas entre conceitos e desenvolvendo habilidades de julgamento e avaliação para tomada de
decisão futura. Tais ideias encontram-se alicerçadas pelas mudanças anteriormente discutidas que ocorrem
no cérebro durante a adolescência, possibilitando a formação do senso de identidade e a integração de
valores e propósitos pessoais, direcionando-os na busca de uma maior autonomia e individualização em
relação aos pais e cuidadores. Esse processo todo direciona o adolescente a um desenvolvimento mais
saudável e que atenda a suas necessidades, corroborando para maiores níveis de felicidade, bem-estar,
autoestima e comportamentos pró-sociais.
Abaixo ilustra-se uma situação que pode ser do cotidiano de muitos educadores e que exige que eles se
deparem com demandas emocionais que perpassam a vida acadêmica dos adolescentes.
A aluna Daniela, uma adolescente de 13 anos, vem enfrentando dificuldades desde as mudanças que
ocorreram em sua rotina, com o aumento da exigência e das atividades escolares, tendo que assumir
responsabilidades na organização e no planejamento de suas tarefas e, em meio a isso, buscar estabelecer
uma identificação e aceitação com grupos de amizades.
Alguns comportamentos começam a chamar a atenção dos educadores e da coordenação, tais como: faltas
frequentes e ausência em alguns períodos de aula; baixo desempenho acadêmico; irritabilidade; e alguns
comportamentos mais opositores e desobedientes em sala de aula, principalmente na forma como responde
aos educadores e, por vezes, até aos próprios colegas.
Em seu contexto fora da escola, Daniela mora com seus pais e irmão mais novo, de 9 anos de idade. Ambos
os pais trabalham fora de casa em turno integral a fim de manter as finanças em dia e dar condições aos
filhos. Assim, Daniela, para além de suas atividades escolares, ajuda a mãe em casa, especialmente no
cuidado do irmão.
Daniela em conversa relata que gosta da escola, porém se sente sobrecarregada, tendo excesso de exercício
e atividades para além dos períodos escolares. Considera que as demandas da escola estão tornando o
contexto de estudos extremamente chato e solitário e que gostaria de ficar mais tempo com seus amigos,
muitas vezes sendo essa a razão de faltar ou estar ausente em sala de aula.
Considerando-se a vinheta apresentada na página anterior, um olhar rígido e punitivo sobre a aluna, com
enfoque nos seus comportamentos inapropriados e na piora do desempenho recentemente observado,
provavelmente não surtiria efeito a fim de lidar com as questões e necessidades emocionais que estão
aparecendo e interferindo na vida da adolescente.
Em contrapartida, algumas estratégias que permitam que a adolescente reavalie seu momento atual,
reconhecendo quais necessidades não estão sendo supridas — como tempo para lazer, amigos, namoro,
descanso — e, ao mesmo tempo, permitindo que ela compartilhe isso e troque tais experiências com colegas
e educadores, incluindo aspectos relacionados à expressão dos seus sentimentos e emoções, são
fundamentais para que a aluna consiga ressignificar sua experiência, tendo um acolhimento e também
direcionamento para a resolução de problemas.
Trata-se de dinâmicas e estratégias de lidar com grupos, não pedagógicas no sentido literal das
aprendizagens, porém pedagógicas no que se refere às capacidades de resolução de problemas, expressão
das emoções, busca de apoio e orientação, entre outras habilidades importantes de serem desenvolvidas
nessa fase da vida. O propósito de ilustrações como a apresentada acima é incentivar você, educador(a), a
reconhecer situações similares no seu cotidiano, de modo a pensar, alternativamente, em formas mais
adequadas de manejar e intervir em frente a tais demandas.
Essas práticas e intervenções fazem parte da realidade dos educadores. Nesse sentido, pode-se pensar que
determinadas estratégias pedagógicas são passíveis de serem implementadas em sala de aula, indo desde a
psicoeducação e o incentivo a conversas e debates sobre temas que permeiam essa fase do
desenvolvimento até dinâmicas mais aplicadas de grupo.
Equilíbrio entre os tipos de práticas pedagógicas
Para aprendizagens e aquisições de conhecimentos formais, por outro lado, deve-se considerar um balanço
entre práticas e métodos mais passivos de aprendizagem, por meio de aulas expositivas, leituras de textos,
trabalhos escritos e avaliações formais; e métodos ativos, dinâmicos e aplicados a contextos e situações que
reproduzam experiências reais.
O uso excessivo de estratégias apenas expositivas tem sido sugerido como um possível fator desmotivador
para adolescentes no processo de aprendizagem, levando ao desinteresse e à falta de engajamento. Assim,
trabalhar ativamente com os adolescentes de modo a direcioná-los para o uso das novas aprendizagens, por
meio de recursos e com o aproveitamento de suas habilidades e competências tecnológicas, tornará o
ambiente mais atraente e integrativo para o desenvolvimento cognitivo.
A seguir, são apresentadas algumas sugestões de procedimento para coordenar dinâmicas que podem
auxiliar os educadores em momentos experienciais e de trocas entre os adolescentes em sala de aula.
Inicialmente, é importante que todos tenham compreendido os objetivos e o propósito da atividade,
consentindo com a forma que será conduzida a dinâmica. As metas devem ser possíveis de serem
alcançadas considerando as características e faixa etária do grupo. Também é importante estabelecer as
regras e o roteiro da dinâmica neste primeiro momento, ajudando no fortalecimento de um compromisso
entre os adolescentes participantes.
Em caso de dinâmicas que envolvam mais encontros, esses acordos podem ser sempre retomados antes do
início das atividades. No decorrer da atividade, sugere-se que, sempre que possível, a organização da sala
seja disposta em formato circular, diluindo grupos de amigos mais próximos para que haja maior interação. É
indicada a utilização de recursos que sinalizem o revezamento da fala — como o bastão da palavra, a carta
da vez ou qualquer outro tipo de recurso lúdico e visual. Ao final, sugere-se estimular o grupo à realização de
um resumo e feedback do que foi experienciado e discutido no encontro. É importante destacar que essas
práticas e dinâmicas devem sempre ir ao encontro dos interesses dos adolescentes, evitando-se impor temas
ou atividades que não estejam alinhados a uma demanda do grupo.
O uso de recursos de dramatização, os chamados role-plays, também se mostra adequado para trabalho com
adolescentes. Eles podem ser utilizados com a finalidade de promover dinâmicas alinhadas aos conteúdos
formais que estão sendo desenvolvidos. É possível, por exemplo, dividir a turma em dois grupos, tendo um
tema de estudo como foco central de um debate, sendo uma parte da turma responsável por defender e
argumentar sob um ponto de vista, enquanto a outra parte é responsável por adotar uma outra perspectiva ou
por apontar limitações de uma teoria; algo similar ao que acontece em um modelo de júri.
Figura6. Representação de um role-play em sala de aula do Ensino Fundamental
As estratégias de role-play são indicadas também, por exemplo, para situações nas quais se busca um maior
desenvolvimento e treino de habilidades sociais ou de formas de comunicação assertivas e não violentas.
Simular situações e posteriormente refletir sobre a forma mais adequada de expressar sentimentos ou
necessidades e revisar comportamentos adotados é um exemplo de como adotar práticas de dramatização de
modo a incentivar o desenvolvimento de habilidades socioemocionais. Por fim, é importante sempre incentivar
que diferentes cenas e reações sejam reproduzidas, de modo que os participantes possam identificar e
perceber quais foram os tipos de respostas emitidas e suas consequências.
Outro importante fator que se mostra responsável pelo desenvolvimento de aprendizagens é a exposição a
modelos positivos. Seja através da presença do educador, de convidados e outros adultos, ou até mesmo de
outros jovens, é importante que as crianças e adolescentes ao longo do percurso do EF possam adotar
modelos de aprendizagens, especialmente aqueles que se referem ao aprendizado de habilidades
socioemocionais
Algumas estratégias possíveis de serem implementadas em situações de sala de aula referem-se à
integração e ao trabalho conjunto em projetos entre alunos dos anos finais do EF e alunos do Ensino Médio
que possam servir de modelo, proporcionando um espaço enriquecedor de trocas e atividades cooperativas.
Atividades como feiras e mostras acadêmicas de diferentes temáticas ou áreas do conhecimento são bons
exemplos de oportunidade para se incentivar tais práticas.
Figura 7. Exposição de alunos do Ensino Fundamental a modelos positivos
Fonte: Nossa autoria (2023).
Modelos familiares, por meio de pais ou responsáveis atuantes na comunidade, também podem ser usados
como recursos no que se refere ao processo de aprendizagem dos adolescentes e à sua inserção em práticas
sociais e comunitárias. Essa pode ser vista como uma boa oportunidade de aplicar conhecimentos e
conteúdos formais vistos em sala de aula frente a uma realidade ou demanda contextualizadas.
Ao final, cabe aos educadores que estão enfrentando maiores dificuldades em sala de aula — em razão do
desinvestimento e desinteresse do jovem adolescente — refletir sobre os possíveis fatores relacionados a
este fenômeno. A partir dos anos finais do EF, discute-se, por exemplo, a existência de um desinvestimento,
por parte dos educadores, do incentivo a práticas educacionais que utilizem recursos e expressões artística e
lúdica. Observa-se que, durante o avanço dos anos da Educação Básica, a atenção ao desenvolvimento de
habilidades de expressão artística, musical ou cinestésico-corporal diminui consideravelmente. O uso desses
recursos pode estimular e oportunizar um ambiente que valorize a manifestação das vozes dos adolescentes
por diferentes meios.
Figura 8. Estimulação das expressões artística e cinestésico-corporal
Fonte: Nossa autoria (2023).
Em conjunto, todas as estratégias aqui apresentadas, Professor(a), têm como característica se distanciar
daquilo que se considera que os educadores já têm em suas formações. Espera-se com isso promover
práticas que estimulem diferentes competências e habilidades dos adolescentes, de maneira que se torne
mais fácil transitar entre as fases e períodos sensíveis do desenvolvimento. A partir das mudanças da saída
da Educação Infantil, do ingresso no EF, do adolescer e, posteriormente, da transição para o Ensino Médio,
diversos conflitos serão impostos aos nossos estudantes.
Tais conflitos podem estar relacionados aos conteúdos formais, por meio das dificuldades de aprendizagem
de português, matemática, história, ciências, ou através de conflitos que envolvem o contexto escolar e social,
como nos processos de aceitação, pertencimento, influências sociais, culturais e das mídias digitais. Um dos
maiores desafios impostos por esta fase é o de encontrar a própria identidade. Sendo assim, aqui o educador
pode ocupar um importante papel no sentido de não apenas educar e ensinar, mas de orientar, aconselhar e
estimular as descobertas do adolescente.
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Professor(a), as neurociências têm evidenciado, por meio de diferentes perspectivas, que diversos fatores que
perpassam a vida dos adolescentes podem ter uma influência sobre seu desempenho cognitivo e sua
capacidade de aprender. Fatores individuais, da própria personalidade do adolescente, do seu ambiente e
contexto familiar, escolar, além de fatores sociais e econômicos, por exemplo, mostram-se como capazes de
interferir e predizer desfechos acadêmicos e escolares.
No Módulo III, enfatizamos bastante as mudanças próprias da transição entre infância e adolescência, que
continuam a ocorrer durante os anos do Ensino Médio (EM), ou seja, aquilo que está acontecendo em nosso
cérebro ao longo do período que compreende a finalização do Ensino Fundamental e o ingresso no EM.
Sabe-se, no entanto, que a partir do ingresso no EM diversas mudanças dependentes do contexto irão ocorrer,
implicando em transformações significativas no que se refere a metas e objetivos de aprendizagem. Sendo
assim, os educadores passam a ter o desafio de pensar no ensino e nas práticas pedagógicas a partir desta
nova realidade. As relações sociais que permeiam as experiências do adolescente dentro e fora da escola
também farão parte das novas demandas impostas por este período do desenvolvimento.
O Módulo IV, nesse sentido, irá apresentar de que forma este continuado processo de maturação e
refinamento de estruturas e regiões do cérebro impacta os comportamentos e a expressão emocional dos
adolescentes ao longo do EM e, consequentemente, suas aprendizagens. Pensaremos em práticas e
estratégias de ensino que estimulem o potencial e sejam capazes de aproveitar os recursos cognitivos que,
nesta etapa do desenvolvimento, encontram-se melhor consolidados, direcionando a ação dos educadores de
modo a preparar o adolescente para as diferentes realidades que irão enfrentar na vida adulta.
Ainda, discutiremos como determinados marcos ao longo da trajetória do desenvolvimento podem
representar fatores de risco para desfechos clínicos e psicossociais negativos durante a adolescência. Como
discutido ao final do módulo anterior, sabemos que é neste período da adolescência e, muitas vezes, a partir
do ingresso no EM e da necessidade de adaptação a uma nova realidade que tendem a aparecer problemas
emocionais, sociais, criminais e legais. Isso contribui, inclusive, para o enfrentamento de outros problemas
que provocam um maior movimento de evasão e abandono escolar, um dos desfechos comuns ao longo da
adolescência. Nesse contexto, a escola e os educadores podem desempenhar um importante papel,
representando um fator protetivo significativo para os adolescentes em sua trajetória final dos anos
escolares.
O ingresso no Ensino Médio e o continuado processo de maturação e desenvolvimento do cérebro
O período que compreende o ingresso no EM refere-se a uma etapa do neurodesenvolvimento na qual
ocorrem, gradativamente, o refinamento e a remodelação de alterações neurobiológicas que começaram a
partir da transição da infância para a adolescência. Professor(a), o cérebro do adolescente será remodelado
ao passar pelos processos de poda sináptica, que compreendem a eliminação de conexões pouco
estimuladas ou reforçadas e a manutenção e o reforço de conexões estabelecidas. As conexões sinápticas,
agora mais predominantes, passam a ter uma maior eficácia na transmissão e propagação dos impulsos
nervosos, influenciando nas capacidades do adolescente de exercer autocontrole, regulação emocional e
direcionamento dos seus esforços cognitivos para a obtenção de metas e objetivos.
Se considerarmos o cenário de mudanças e o surgimento de potencialidades nesse cérebro — agora
adolescente —, entendemos que uma das principais funções da escola no EM deva ser justamente suportar
— isto é, dar apoio e orientar — o processo de desenvolvimento e o uso desses recursos cognitivos,
direcionando-ospara a busca de metas e objetivos, que serão traçados com os adolescentes. É importante,
neste ponto, aproveitar o maior desenvolvimento das funções executivas e procurar propor estratégias
pedagógicas que favoreçam sua aplicabilidade em contextos reais e não somente em contextos artificiais, de
livros e tarefas acadêmicas de sala de aula.
Lembrem-se que tais capacidades cognitivas estão direcionadas para nossa adaptação, organização,
direcionamento de metas/objetivos e resolução de problemas do mundo real. Deste modo, um ambiente
escolar que limite as potencialidades e a utilização dos recursos cognitivos do adolescente, como por
exemplo quando se exige dele, ao longo do EM, um maior enfoque no desenvolvimento de atividades e
tarefas restritas à memorização e repetição das aprendizagens e conteúdos, proporcionará pouco estímulo e
incentivo para aplicação das capacidades cognitivas de modo a atender demandas futuras da vida real.
O trabalho de educador deve, portanto, ter como objetivo pedagógico nesta etapa do desenvolvimento o
ensino de estratégias que permitam ao adolescente “aprender a aprender”. Ainda, percebe-se na educação a
presença da falsa crença de que os estudantes, principalmente ao chegarem em etapas mais avançadas da
Educação Básica, já desenvolveram ou possuem certas capacidades de estudo, tais como planejamento,
organização no tempo e monitoramento, sendo capazes de direcionar os esforços cognitivos para o estudo e
a aprendizagem dos conteúdos exigidos pelas diferentes disciplinas.
No entanto, nem sempre esta é uma realidade presente em todos os nossos estudantes. A própria falta de
modelos, no passado, capazes de orientar tais comportamentos e estratégias pode influenciar em uma maior
dificuldade nestes aspectos ao longo do EM. Faça uma rápida reflexão e responda:
As perguntas anteriores são importantes para auxiliar os educadores a estabelecerem prioridades que
possam existir dentro dos processos de aprendizagem neste período do desenvolvimento. Por vezes,
estimular os jovens a pensar nas estratégias usadas durante o processo de aprendizagem pode ser tão
fundamental quanto efetivamente transmitir conceitos e conhecimentos.
Sabe-se que a preparação para o vestibular e a aprendizagem dos conteúdos formais é importante nesta
fase, principalmente para aqueles estudantes que já têm definido o seu desejo de se tornarem médicos,
advogados, engenheiros, arquitetos — apenas para citar algumas profissões — e que precisarão prestar
exames de vestibular competitivos no país. O que precisamos ponderar aqui é que talvez esta não seja mais
a realidade única do adolescente.
Dessa forma, deve-se pensar de que forma o EM torna-se capaz de orientar os jovens com outras
inclinações, interesses e aptidões ou, ainda, como que o EM favorece o processo de estimulação e
descoberta para aqueles que ainda não foram capazes de tomar tais decisões. Neste sentido, é importante
questionarmos como você, educador(a), hoje entende e se prepara para auxiliar os adolescentes neste
processo decisório e, também, até que ponto estamos negligenciando as múltiplas questões socioemocionais,
cognitivas e comportamentais que perpassam essa fase do desenvolvimento.
Figura 1. Estudantes em conflito sobre importantes decisões de suas vidas
Fonte: Nossa autoria (2023).
Vocês devem lembrar, por exemplo, do estudo Dunedin, descrito inicialmente no Módulo II, o qual se refere ao
acompanhamento longitudinal de uma coorte de indivíduos, desde o seu nascimento até a vida adulta. Um
dos mais destacados resultados do estudo revelou que o adequado desenvolvimento das capacidades de
autocontrole era uma das principais preditoras de diferentes desfechos ao longo da vida, como o sucesso e
bom desempenho acadêmico, profissional, de saúde e de bem-estar. Muito do enfoque dado na discussão
deste estudo centrou-se no período da infância e dos primeiros anos escolares, porém alguns achados
interessantes também merecem ser destacados aqui, pois se referem à adolescência e impactam os
processos de aprendizagem dos adolescentes a partir dos 13 anos.
Como comentado, a pesquisa procurou acompanhar e descrever vários possíveis desfechos negativos a
partir da identificação de preditores em potencial, como o caso do recurso cognitivo de autocontrole. Entre
crianças que apresentavam, no início do seu desenvolvimento, prejuízos na capacidade de autocontrole,
vários dos desfechos manifestaram-se posteriormente, em etapas subsequentes do desenvolvimento,
principalmente na adolescência.
Esses desfechos negativos relacionavam-se com condutas e comportamentos inadequados, especialmente
nos contextos escolares e sociais, como o uso de substâncias, o envolvimento em problemas legais e
criminais, a evasão escolar etc. A implicação de tais achados para a educação nos leva a pensar na
necessidade de maior investimento e atenção, por parte dos educadores, dedicados ao reconhecimento de
possíveis déficits cognitivos que possam ser identificados a partir da expressão dos comportamentos desde
os primeiros anos escolares e que impactam diretamente os processos de aprendizagem e engajamento
escolar.
Um dos resultados interessantes identificados pelos pesquisadores foi o de que os problemas relacionados ao
não desenvolvimento da habilidade de autocontrole corroboram para o surgimento dos denominados “erros
na adolescência”. Em outras palavras, poderíamos dizer que estes erros se referem às escolhas que os
adolescentes fazem e a seus comportamentos apresentados no contexto educacional e social. Foi observado
que crianças que haviam sido identificadas com baixas habilidades de autocontrole estavam mais propensas
a apresentar escolhas inadequadas quando adolescentes.
Ademais, outro dado interessante trazido para discussão pela pesquisa Dunedin — e que corrobora muito da
realidade da educação brasileira — direciona a atenção para a atuação e satisfação dos educadores desses
adolescentes com baixa capacidade de autocontrole. A pesquisa questionou os diversos professores sobre
sua percepção em relação ao grau de esforço necessário para ensinar e manejar esses adolescentes, isto é,
em que grau os professores consideram desafiador e demandante atender a esses adolescentes, de modo a
fazer com que eles se engajem nas atividades e propostas pedagógicas da turma. Ainda que essas
entrevistas e perguntas não sejam baseadas em nenhum instrumento padronizado e validado para avaliação
do esforço do professor em sala de aula, tal investigação parece ser bastante interessante quando discutimos
fatores relacionados à educação no EM. As questões feitas aos professores abarcavam perguntas do tipo:
No caso de crianças e adolescentes que apresentaram baixo nível de autocontrole, identificou-se uma relação
entre o seu comportamento e uma redução do esforço e da energia dos educadores em sala de aula. Esses
fatores são considerados de risco para o adoecimento e afastamento dos profissionais da educação por
questões de saúde e estresse, gerando uma alta rotatividade entre educadores em diferentes fases da
Educação Básica. Para efeitos de gestão, isso pode influenciar, inclusive, os gastos e custos governamentais
da Educação em outras instâncias.
Uma questão importante que surge, tendo em vista o exposto e os efeitos para adolescentes e educadores
dos chamados “erros cometidos” em razão da falta de habilidades de autocontrole, refere-se ao
desenvolvimento de estratégias de prevenção aliadas aos currículos formais dentro das escolas. Como
trabalhar no sentido de estimular o desenvolvimento de tais capacidades e prevenir problemas futuros dentro
das escolas, a exemplo da evasão escolar ou de distúrbios emocionais e de conduta?
Alguns pontos discutidos no módulo anterior (Módulo III) podem nos auxiliar a pensar em como implementar
novas práticas que possam ser adequadas para o desenvolvimento de diferentes habilidades executivas —
como o próprio autocontrole — entre os adolescentes. Uma das questões abordadas anteriormente referiu-se
ao ambiente escolar e ao risco de uma relaçãoimpessoal entre os educadores e os adolescentes. Tal
qualidade de relação não permite que o adolescente desenvolva modelos saudáveis de referência — que
nem sempre sabemos que existem nos contextos familiares e sociais em que os adolescentes estão
inseridos.
A falta de um modelo de referência que auxilie o adolescente a olhar, ponderar e direcionar seu
comportamento e, do mesmo modo, a reconhecer e lidar com suas ativações emocionais e sentimentos
experienciados no dia a dia escolar implica na criação de um contexto escolar instável. A instabilidade das
relações no ambiente escolar aliada à falta de autocontrole e à desregulação emocional próprias da
adolescência podem interferir nos processos cognitivos necessários para aprendizagem, como, por exemplo,
o raciocínio lógico e complexo, a memória e a tomada de decisão. O resultado é o aparecimento de
comportamentos de risco, impulsivos e prejudiciais à saúde e ao bem-estar do adolescente, incluindo, em
casos mais graves, pensamentos, ideações e aumentos no risco de suicídio.
Um exemplo bastante simples é o trabalho com os adolescentes no que se refere às técnicas de organização,
planejamento e resolução de problemas, práticas que podem ser incluídas em qualquer disciplina e
adequadas às demandas de cada uma. Trata-se de fazer com que o adolescente ativamente ponha em
prática sua capacidade de analisar e refletir sobre sua própria rotina, mapeando todas as suas atividades,
sejam elas escolares, de interesse pessoal, familiar, social ou religioso. A partir disso, organiza-se uma rotina
semanal, dispondo de forma real e exequível todas as tarefas e momentos dessa rotina. Essa estratégia
aparentemente fácil pode ser bastante desafiadora para muitos adolescentes, assim como se observa quando
se propõe tal tarefa para adultos. Porém, quando finalizada, ela permite ao adolescente passar a exercer sua
capacidade autorregulatória e de flexibilidade cognitiva aplicada à própria vida, estimulando habilidades de
controle, planejamento e adequação da rotina conforme as demandas da vida real e escolar.
Figura 2. Ensino de técnicas de organização, planejamento e resolução de problemas
Fonte: Nossa autoria (2023).
Além disso, em um segundo momento, estratégias como esta possibilitam ao adolescente incorporar metas e
objetivos a longo prazo, orientando sua visão para o futuro e tornando-o capaz de compreender como
adequar seu comportamento de modo a persistir e adiar gratificações. Esse é um bom exemplo de como
educadores podem se desprender de modelos e estratégias pedagógicas nos quais o adolescente é passivo
no seu processo de aprendizagem, não participando ativamente da construção ou aplicação do conhecimento
adquirido.
Discutimos muito a respeito da educação focada no estudo, sem desmerecer os conteúdos e aprendizagens
formais. Aprender pela experiência, principalmente quando estamos diante de adolescentes, é sugerida como
uma das práticas mais eficazes.
É necessário repensar o papel da escola de apenas transmitir conhecimentos e exigir prática, memorização,
cópia e repetição. Essa estratégia usa apenas parte dos recursos cognitivos disponíveis, que deveriam ser
mais estimulados a fim de desenvolver competências e habilidades para solução de problemas próximos à
vida adulta.
A adolescência e o tornar-se adulto: as diversas mudanças do olhar da educação para o processo de
término do período escolar das escolas
Professor(a), o final do EM representa o término de um processo de ao menos 12 anos, se considerarmos
apenas o tempo a partir do ingresso no Ensino Fundamental. Ao longo deste período, diversas
aprendizagens, conhecimentos e transformações são esperadas; porém, é no EM, com a finalização do ciclo
escolar, que nos deparamos com o principal desafio do jovem: a saída da escola e a entrada no universo
“adulto”.
Para compreendermos melhor o que este processo representa e para sabermos, enquanto educadores, como
melhor orientar e guiar nossos adolescentes neste caminho, precisamos refletir sobre as mudanças em
alguns paradigmas importantes desta fase de transição. A chamada “geração Z”, ou seja, aqueles nascidos
ao final dos anos 1990 e início dos anos 2000; ou ainda toda a nova geração que atualmente ingressa e cursa
o Ensino Básico, nascidos entre 2010 e 2020, já experienciam uma realidade de mundo completamente
diferente. O que era praticamente necessário para uma trajetória de sucesso pessoal e profissional na vida há
alguns anos atrás, como por exemplo a conclusão do EM e o ingresso na universidade, que asseguravam a
garantia de boa inclusão no mercado de trabalho e em atividades formais, de carteira assinada e com
estabilidade e garantias legais de outrora, já não faz mais parte desta nova geração de estudantes que
cursam ou estão próximos a cursar o EM.
Figura 3. Diferentes perspectivas de vida e carreira profissional entre as gerações Y, Z e alfa
Fonte: Nossa autoria (2023).
Ingressar no Ensino Superior ou mesmo graduar-se, tanto no nível básico quanto no superior, já não é mais
percebido por esta nova geração como um pré-requisito para o sucesso pessoal e profissional. A nova
realidade de mundo, conectada por meio de recursos como plataformas e mídias digitais e sociais e por meio
de um mercado de trabalho dinâmico, informal, autônomo e empreendedor, proporciona uma extensa gama
de possibilidades para os jovens. Isso implica na necessidade do campo da Educação Básica rever suas
práticas e estratégias pedagógicas para que o ensino diante desse contexto não se torne obsoleto e
desmotivador para nossos adolescentes. Como o próprio texto da BNCC (BRASIL, 2018) nos sugere:
Para responder a essa necessidade de recriação da escola, mostra-se imprescindível
reconhecer que as rápidas transformações na dinâmica social contemporânea nacional e internacional, em
grande parte decorrentes do desenvolvimento tecnológico, atingem diretamente as populações jovens e,
portanto, suas demandas de formação (BRASIL, 2018, p. 462).
O objetivo passado de preparar os adolescentes por meio de currículos, disciplinas e conhecimentos a fim de
obterem um bom desempenho e aprovação nos exames, como o Exame Nacional do Ensino Médio ou outras
provas de vestibular das mais diferentes instituições públicas e/ou privadas de ensino superior, não deve ser
visto como papel central formativo no EM, mas sim como parte, também importante, deste processo. Isto
porque estas opções, cada vez mais, deixam de ser apenas a única opção de uma carreira profissional ou de
um caminho pessoal a ser seguido. Esta mudança de paradigma impõe sobre a educação novos desafios.
A preparação passa a ir além dos conteúdos e das aprendizagens formais exigidas em exames de conclusão
do EM ou de ingresso na universidade. Temáticas sociais, econômicas, políticas e tecnológicas devem ser
trabalhadas de modo a contemplar as novas demandas da sociedade. Além disso, o investimento na
formação e no desenvolvimento pessoal passa a ser necessário no processo de preparação para a saída do
EM.
O vídeo sugerido a seguir aborda exatamente esta questão: como o pensamento e as práticas educacionais
baseados em modelos de educação clássicos para esta etapa do desenvolvimento estão descontextualizados
com as necessidades de preparação dos adolescentes para a vida adulta. Na talk do TedxYouth, uma jovem
adolescente compartilha algumas reflexões e preocupações a respeito da forma como os currículos
acadêmicos são pensados e como as práticas educacionais são dirigidas pelos professores para os alunos,
adolescentes.
https://www.youtube.com/watch?v=NGQj7xu2JKI
É interessante destacar que, no vídeo, a aluna menciona uma frase comum de ser escutada nas escolas:
devemos “praticar o que aprendemos na escola em casa, porque se não praticarmos, desaprendemos”
(SAINT-HILAIRE, 2021, tradução nossa). Esse é exatamente um problema enfrentado pelos nossos
adolescentes de hoje: a desconexão existente entre os conhecimentos adquiridos na escola e as
necessidades e demandas da vida do adolescente.
Em sua obra intitulada “AsMelhores Escolas: a prática educacional orientada pelo desenvolvimento humano”
(2008), o autor Thomas Armstrong, doutor em Psicologia, refere que a relação entre educadores e alunos
deveria se estabelecer através da apropriação do papel de “aprendiz-praticante” por parte do aluno e do papel
de “conselheiro” por parte do educador.
Uma das maiores necessidades discutidas por Armstrong seria a do reconhecimento de que os adolescentes
estão diante dos estágios finais para se tornarem adultos e finalizarem os processos do
neurodesenvolvimento, portanto, eles precisam ser amparados por modelos experientes e com competências,
capazes de aconselhá-los e de guiar este processo final da adolescência. Através deste papel de
conselheiros, os educadores serviriam como modelos de formas de pensar, comportar-se, compreender e
responder às emoções e de adequar-se aos diferentes contextos sociais e da realidade da vida adulta. Neste
sentido, esses educadores passariam a favorecer o processo de desenvolvimento de competências e
habilidades para além dos conhecimentos formais adquiridos na formação básica.
https://www.youtube.com/watch?v=NGQj7xu2JKI
Figura 4. Professor como modelo positivo para estudantes
Fonte: Nossa autoria (2023).
Este pensamento do autor não difere daquilo que já vem sendo proposto pela BNCC no que se refere ao
entendimento de que as escolas devem se organizar de modo a acolher a diversidade que faz parte do
período da adolescência. O texto sugere inclusive que seja garantido ao estudante que ele seja protagonista
do processo de aprendizagem, considerando o adolescente um interlocutor legítimo do seu currículo, ensino e
aprendizagem. Isso significa assegurar que a formação esteja alinhada com os projetos de vida dos
adolescentes no que diz respeito a estudo e trabalho, sendo capaz de direcionar as escolhas para estilos de
vida saudáveis, sustentáveis e éticos. Conforme o próprio texto refere:
Para formar esses jovens como sujeitos críticos, criativos, autônomos e
responsáveis, cabe às escolas de Ensino Médio proporcionar experiências e processos que lhes
garantam as aprendizagens necessárias para a leitura da realidade, o enfrentamento dos novos
desafios da contemporaneidade (sociais, econômicos e ambientais) e a tomada de decisões
éticas e fundamentadas. O mundo deve lhes ser apresentado como campo aberto para
investigação e intervenção quanto a seus aspectos políticos, sociais, produtivos, ambientais e
culturais, de modo que se sintam estimulados a equacionar e resolver questões legadas pelas
gerações anteriores – e que se refletem nos contextos atuais –, abrindo-se criativamente para o
novo (BRASIL, 2018, p. 463).
Não se trata de uma mudança estrutural nos currículos do EM, os quais já vêm passando por reformulações e
adequações às novas realidades impostas pelo mundo contemporâneo, mas sim de uma mudança de postura
dos educadores em relação à maneira como as práticas pedagógicas são executadas e, além disso, como
são definidos os parâmetros de avaliação e acompanhamento do processo formativo nesta etapa. Temos
uma estrutura proposta para o EM dividida em áreas do conhecimento (Linguagens e suas Tecnologias,
Matemática, Ciências da Natureza e Ciências Humanas e Sociais Aplicadas) as quais são compostas pelas
diferentes matérias que compõem as grades curriculares. Esta organização normalmente é distribuída em
períodos de aulas segmentadas, de caráter expositivo; atividades de casa; além das demandas preparatórias
para prestar exames, como as provas de Enem e vestibular, que se fazem mais presentes no ano de conclusão
do EM.
Como anteriormente problematizado, tais práticas, se rígidas e demasiadamente estruturadas, pouco se
voltam para aspectos preparatórios de situações e contextos da vida adulta, como o desenvolvimento e a
prática de habilidades de autocontrole, a regulação das emoções no contexto escolar ou, ainda, o aprendizado
de conhecimentos e práticas sobre empreendedorismo e gestão financeira.
Em um estudo de 2014, realizado na cidade de São Paulo, foi identificado que nossos jovens atingem a
maioridade sem um adequado preparo para lidar com exigências econômicas que permeiam a realidade
adulta. O papel da escola neste cenário é fundamental, estimulando diálogos e debates sobre assuntos
financeiros e oportunizando experiências práticas para o desenvolvimento de tomadas de decisão financeiras,
no sentido de promover tais competências e práticas de investimento e poupança.
Incentivar estratégias e promover educação financeira são processos diretamente aliados à estimulação dos
recursos cognitivos, uma vez que auxiliam no controle dos impulsos e na capacidade de adiar gratificações.
Ambos os fatores citados fazem parte do desenvolvimento das funções executivas, sendo eles mais uma
alternativa para estimular o desenvolvimento de habilidades como: autocontrole, planejamento, organização e
tomada de decisão.
O melhor desenvolvimento das funções executivas vem sendo associado a reduções significativas no risco de
desfechos negativos a curto e longo prazo, como o envolvimento em comportamentos impulsivos, a
exposição a riscos e a inabilidade de manejo e gestão financeira. Mesmo que o adolescente ainda não tenha a
real necessidade de gerir finanças ou de tomar decisões sobre movimentações financeiras, tem-se
identificado padrões semelhantes de tomada de decisão e comportamento financeiro entre a adolescência e
idade adulta, o que nos sugere que a possibilidade de desenvolvimento de tais funções cognitivas através de
uma estimulação adequada se mostra essencial para diferentes desfechos de vida na adultez.
Em muitas práticas, ainda se observa um movimento no qual o conhecimento e as conclusões acerca de
determinados conteúdos chegam prontos, sem um adequado questionamento ou pensamento crítico acerca
da sua relação com valores sociais, culturais, éticos e morais. Diversos comportamentos adotados, inclusive,
não são problematizados e discutidos quanto às suas possíveis consequências em médio e longo prazo. É
quase como se a maior parte das aprendizagens fosse recebida como algo “pronto”, uma verdade, sem
debate dos fatos.
A mudança de postura por parte dos educadores e a adoção de práticas alinhadas às aprendizagens e
competências a serem desenvolvidas no EM podem auxiliar os jovens, especialmente aqueles com déficits
nas habilidades de autocontrole e histórico de comportamentos e condutas impulsivas e de risco, a melhor
regularem tais comportamentos. Para isso, no entanto, o ambiente escolar do EM não pode ser visto como
artificial, distanciado do mundo, e como um espaço apenas para a aquisição de conhecimentos formais e
preparatórios.
Existe a necessidade de incentivar a integração entre os diferentes contextos que atravessam o adolescente
— incluindo escola, família e sociedade — sempre que possível. Aqui, sugere-se, inclusive, que gestores e
profissionais da educação possam consultar e discutir as diretrizes mais atuais da BNCC a fim de repensar
algumas práticas aplicadas ao EM (a partir do website da base ou do documento completo produzido pelo
Ministério da Educação).
http://basenacionalcomum.mec.gov.br/a-base
http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf
Neste contexto de transição para a vida adulta e para o desenvolvimento de competências e habilidades a
serem aplicadas em condições reais, a oportunidade de inserção do estudantes nos programas Jovem
Aprendiz aparece como uma estratégia interessante de ser usada a fim de que o adolescente se engaje e
amplie as aprendizagens de sala de aula. Existe um princípio educativo e formativo nesses programas,
capacitando os jovens com conhecimentos e habilidades direcionadas para o mundo real.
Figura 5. Estudante inserido no programa Jovem Aprendiz
Fonte: Nossa autoria (2023).
Os poucos relatos de estudos investigando tais fatores sugerem aspectos positivos na compreensão dos
adolescentes sobre questões financeiras, desenvolvimento de competências e experiências profissionais.
Conclui-seque tais práticas, combinadas às aprendizagens formais, contribuem para o desenvolvimento
profissional e pessoal do adolescente.
Entretanto, apontam-se alguns riscos inerentes ao excesso de atividades com finalidade de trabalho, a
exemplo do comprometimento do processo escolar, aumento do número de faltas e repetências atrelados à
diminuição do tempo dedicado para atividades prazerosas, amigos, relacionamentos e família.
Outra mudança que se impõe de forma mais marcada aos adolescentes durante a transição entre Ensino
Fundamental e Médio refere-se ao uso e à relação estabelecida com as Tecnologias de Informação e
Comunicação (TICs). As transformações geradas pelas TICs, assim como suas implicações, estão presentes
na forma como as pessoas se relacionam, se comunicam, trabalham, produzem, aprendem e, portanto, estão
diretamente associadas à forma como a sociedade funciona.
Como é de se esperar, nossos jovens cada vez mais estabelecem uma relação entre suas culturas e relações
sociais e os recursos digitais, tornando-se necessário incorporar tais ferramentas nas práticas de
ensino-aprendizagem. Reconhecer a importância das TICs e explorar suas potencialidades para realização
das atividades nas diferentes áreas do conhecimento, propondo práticas e interações sociais direcionadas
para a aprendizagem, é essencial para fazer com que o adolescente se envolva e se entenda como
protagonista do seu processo de aprendizagem.
Para lidar com tais demandas próprias da rotina do adolescente, podemos novamente usar de estratégias de
planejamento, organização e resolução de problemas. Além das TICs, o excesso das próprias demandas de
estudo pode induzir a estimulação excessiva e as poucas horas de sono. Por esta razão, repensar tanto as
estratégias e demandas de tarefas de casa para adolescentes, por diversas vezes já atarefados — algo que
podemos conhecer e nos aproximarmos, se considerarmos a postura mais pessoal e de orientação do
professor-educador — como também auxiliar na forma que o adolescente organiza e administra sua rotina
semanal são boas formas de auxiliar na rotina do estudante.
Todas essas demandas impostas sobre o adolescente representam estressores. O estresse já foi discutido
como potencial fator de risco para desfechos psicossociais e de saúde mental negativos. Sabemos que
demandas do ambiente que exigem adaptação do organismo são consideradas estressores. A adolescência,
as novas experiências ao longo do EM, bem como decisões que serão tomadas acerca de escolhas
profissionais e pessoais, com a saída da escola, oferecem bons exemplos das mais diversas demandas
impostas sobre os jovens durante este período do seu desenvolvimento.
Em um estudo simples, pesquisadores procuraram identificar, entre adolescentes, os níveis de estresse frente
às decisões que eles precisam tomar neste momento de vida. Os resultados indicaram que mais de 70% dos
adolescentes se mostram estressados. Um outro estudo, desenvolvido junto a adolescentes de escolas
públicas de um estado brasileiro, revelou que o estresse psicossocial esteve associado ao aumento de
consumo de álcool e uso de drogas, além do aumento de pensamentos e ideações suicidas.
Dentro da perspectiva psicológica, a avaliação que o adolescente faz da situação estressora está diretamente
associada a sua interpretação e crença em relação às suas próprias capacidades de enfrentamento. Muitos
adolescentes não possuem tais habilidades bem desenvolvidas, tornando-se um papel de pais, cuidadores e
educadores estarem atentos e estimularem padrões mais adaptativos de enfrentamento de situações
estressoras. Esse é um exemplo de situação que frequentemente se coloca diante dos educadores e na qual
devemos pensar na atuação do profissional enquanto conselheiro, seguindo o sentido anteriormente discutido
desse papel na formação do adolescente.
Conforme algumas evidências provenientes de estudos com adolescentes que nos inteiram sobre o uso de
estratégias de enfrentamento ao estresse, na maioria dos casos os adolescentes tendem a usar estratégias
de enfrentamento baseadas em comportamentos de fuga e evitação frente aos estressores. O uso de tais
recursos é sugerido como desadaptativo e de risco frente a situações adversas, especialmente quando essas
situações envolvem aspectos emocionais.
É comum o aparecimento de sintomas de estresse em adolescente por meio de comportamentos, tais como:
retraimento e isolamento social; dificuldade de estabelecimento de vínculos e relações sociais; e problemas
de comunicação. Outros sintomas psicológicos ainda podem aparecer combinados, como os sentimentos de
tristeza, desesperança e ansiedade e o aumento da sensibilidade e responsividade das emoções. Crises de
raiva, explosões e choros podem ser expressões comuns aos sintomas psicológicos experienciados pelos
adolescentes. Por vezes tais manifestações aparecem como problemas comuns e do cotidiano da sala de
aula, presentes também nos momentos de interação com os pares, o que nem sempre incita a devida
atenção por parte dos profissionais que acompanham os adolescentes.
Em um estudo conduzido com 160 adolescentes do EM, foi identificada uma relação entre desempenho e
aproveitamento escolar e indicadores de estresse e qualidade do sono. O estudo mostrou diferenças
importantes entre os sexos, tendo adolescentes mulheres apresentado melhor aproveitamento escolar, maior
índice de estresse e pior qualidade de sono quando comparadas aos adolescentes homens, o que indica que
existe uma especificidade na forma como os adolescentes de cada sexo lidam e são afetados pelos
estressores. Alguns autores sugerem que é importante identificar e avaliar o estresse em sala de aula.
Orienta-se, então, que educadores estejam atentos às capacidades de enfrentamento e de manejo de
situações estressoras e das próprias reações emocionais em situações de sala de aula que envolvam:
Por fim, Professor(a), algo importante de se destacar, considerando não somente a educação de adolescentes
no EM, mas também o ensino de jovens e adultos (temática a ser discutida no Módulo V) em etapas
posteriores do desenvolvimento, refere-se à maneira e ao uso das capacidades cognitivas, agora melhor
estruturadas. Viemos discutindo os vários fatores que podem influenciar os processos de ensino e
aprendizagem, tais como: o uso das tecnologias, com seus benefícios e prejuízos em potencial; as questões
emocionais e o excesso de estressores; e hábitos de saúde e qualidade de vida, nos quais se incluem o sono,
a alimentação e o exercício físico. Porém, um aspecto que se destaca e se faz presente na forma como
adolescentes ao final do período escolar e, principalmente, adultos lidam com as demandas do ensino
refere-se ao esforço excessivo e à exposição a múltiplos estímulos ao mesmo tempo, por vezes num curto
espaço de tempo.
Figura 6. Estudante exposto a múltiplos estímulos e estressores
Fonte: Nossa autoria (2023).
Adolescentes — quando se aproximam do final do EM — e adultos tendem a exigir demais das suas
capacidades cognitivas, especialmente dos recursos atencionais e da memória operacional, os quais
sabemos que possuem limites no que se refere às suas capacidades de processamento de informações. É
comum identificarmos práticas nas quais o estudo ocorre de forma a exigir a presença de múltiplos estímulos
concomitantes. A necessidade de consulta a diversos materiais e livros ou sites de pesquisa na internet
coloca o estudante frente a uma variedade de estímulos que nem sempre são adequadamente organizados
de modo a possibilitar um direcionamento do foco de trabalho. Além disso, é comum que os ambientes para o
estudo sejam inadequados, com a presença de estímulos sonoros, visuais e outras distrações. Por mais que
as salas de aula sejam ambientes frequentemente pensados ou melhor preparados e protegidos destas
interferências, muito da prática e do estudo, nessas etapas avançadas da educação, ocorre fora do contexto
escolar.
Neste sentido, é importante que o educador possa também trabalhar com os alunos e orientá-losnas
estratégias de estudo fora de sala de aula, que serão fundamentais para o processo de aprendizagem.
Devemos lembrar que nossos cérebros, ainda que extremamente capazes, funcionam processando
informações por canais sensoriais específicos. Isso implica na competição entre vários estímulos a serem
processados por estes canais, não havendo possibilidade, em algumas situações, de que estímulos venham a
ser processados ao mesmo tempo, o que obriga a alternância dos recursos atencionais.
Mesmo em momentos nos quais estamos utilizando canais diferentes para o processamento de estímulos,
nossa atenção precisa ser dividida, resultando em perdas no processamento das informações. Como já
discutido, apenas o que processamos é aprendido e memorizado, portanto, o excesso de exposição a
conteúdos e informações, tarefas e atividades tende a levar a esforços ineficientes para a aprendizagem.
Figura 7. Estudante em uma rotina organizada/planejada de estudos
Fonte: Nossa autoria (2023).
A aprendizagem é um processo que demanda tempo, exposição, repetição e reforço. É através deste processo
que se estabelecem as associações entre os estímulos e consolidam-se as aprendizagens (tanto em uma
perspectiva neurobiológica como pedagógica).
Os conteúdos e informações precisam ser apresentados mais de uma vez, preferencialmente de maneiras
distintas, o que possibilita reforçar as conexões e ligações existentes em nosso sistema de memória. Assim,
não aprendemos tudo que estudamos do dia para noite e nem por meio de estratégias universais. Ao
educador, cabe o desafio de integrar as contribuições e conhecimentos sobre o funcionamento do cérebro
advindos da Neurociência com as exigências das etapas da educação a fim de melhor auxiliar, no caso de
adolescentes no EM, a se transformarem em agentes ativos e responsáveis por suas aprendizagens e pelas
importantes decisões que hão de ser tomadas a partir do ingresso na vida adulta.
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MALLOY-DINIZ, L. F. et al. (Orgs.). Neuropsicologia: aplicações clínicas. Porto Alegre: Artmed, 2016.
https://youtube.com/watch?v=NGQj7xu2JKI
Professor(a), o Módulo V corresponde à parte final deste curso de formação, que buscou integrar os
conhecimentos advindos da neurociência e do funcionamento do cérebro aos questionamentos atuais a
respeito das práticas pedagógicas na Educação Básica brasileira. Procurou-se, por meio de cada uma das
etapas do ensino, desenvolver discussões, trazendo uma compreensão de como o cérebro se forma e é
capaz de desempenhar suas diferentes funções, bem como refletir sobre práticas e estratégias pedagógicas
em cada uma das fases do desenvolvimento.
Como comentado no início e ao longo do módulo introdutório deste curso de formação (Módulo I), a intenção
da neurociência aplicada à educação é auxiliar no entendimento dos processos que perpassam o
aprendizado ao longo do curso do desenvolvimento, proporcionando conhecimentos de base científica aos
educadores para que estes possam pensar e propor métodos de ensino e aprendizagem mais eficientes e
alinhados ao funcionamento do nosso cérebro.
No caso deste último módulo, em específico, será abordada a Educação de Jovens e Adultos (EJA), a qual
corresponde à formação em um período posterior do desenvolvimento, quando comparado à infância e à
adolescência. Considerando que a EJA compreende indivíduos em diferentes fases da vida, torna-se
necessário conduzir discussões que possibilitem pensar nas oportunidades e desafios impostos para a
aprendizagem dos conteúdos básicos formais na idade adulta.
Uma das particularidades que podemos destacar, de início, a respeito desse período da vida refere-se à
formação do nosso cérebro. Reconhece-se que, a partir da adolescência e com ingresso na fase adulta,
nosso cérebro já percorreu a maior parte de sua trajetória do neurodesenvolvimento, portanto, temos diante
de nós uma estrutura mais bem formada e acabada, com suas conexões e, consequentemente, funções
cognitivas estabelecidas.
Aprendemos ao longo do curso, no entanto, que isso não significa necessariamente dizer que a partir de
então, na fase adulta de nossas vidas, não ocorrem mais transformações e modificações das estruturas e
funções cerebrais, passando o cérebro a ser algo imutável. Sabe-se que processos de modificação
(neuroplasticidade) seguem ocorrendo ao longo da vida e que, consequentemente, novas conexões e
aprendizagens podem ser formadas.
É importante destacarmos, entretanto, que a dinâmica da vida de um adulto difere significativamente da
realidade vivida durante a infância e adolescência e, por esta razão, nem sempre o cérebro se encontra tão
disponível para recuperar aprendizagens deixadas no passado. Em muitos casos, esses alunos da EJA foram
adolescentes que precisaram desde muito cedo trabalhar e ajudar no sustento de suas famílias, deixando a
escola em segundo plano.
Neste novo momento, no entanto, tais alunos estão fazendo um movimento de reingresso, seja por demandas
profissionais, cobrança da sociedade ou desejo pessoal de finalizar a formação básica. Cada aluno passa a
ser único, por meio de sua trajetória, responsabilidades e valores pessoais. Nesse sentido, impõe-se para a
educação um enorme desafio a fim de engajar e motivar esses estudantes jovens e adultos em uma sala de
aula, contexto ao qual não foram habituados ou precisaram evadir em algum momento de suas vidas.
Você, educador(a), deve se lembrar dos questionamentos levantados no módulo anterior a respeito do
processo de desenvolvimento das habilidades de “aprender a aprender”. Pois então, é em face a isso que se
discute que as práticas e metodologias a serem trabalhadas pelos educadores necessitam ser devidamente
adaptadas a essa realidade. Muitos dos alunos da EJA precisaram abandonar ou não tiveram acesso à
educação formal e acabaram desenvolvendo suas aprendizagens em contextos práticos e aplicados e não
teóricos ou de sala de aula. Isto torna o ambiente de sala de aula um ambiente estranho, não familiar, o que
desfavorece a disponibilidade para aprender do aluno jovem ou adulto.
Como sabemos, para que as aprendizagens ocorram é exigido que o aluno consiga processar as informações
apresentadas e, para tal, faz-se necessária a disponibilidade e presença do aluno, a fim de direcionar os
esforços cognitivos e atencionais para o processo de aprendizagem. Percebe-seque nem sempre é possível
tal esforço, considerando as diversas demandas de vida impostas a esses alunos.
Reconhece-se que essa realidade para jovens e adultos compete com esforços e demandas profissionais,
pessoais e familiares, o que inclui as mais diferentes responsabilidades pertencentes a essa etapa da vida.
Nesse sentido, serão discutidas, ao longo deste módulo, as diferenças nos períodos do desenvolvimento e
momentos de vida que fazem parte da realidade dos alunos nesta modalidade de ensino e que devem ser
levadas em consideração pelos educadores. Além disso, será debatido o reconhecimento da persona do
estudante da EJA, a partir de suas necessidades e dos desafios impostos.
A ideia aqui é alinhar essas diferenças e necessidades específicas com o perfil cognitivo de jovens e adultos,
enxergando oportunidades e desafios presentes no ato de aprender bem como as formas que podemos
pensar em endereçar estratégias e transmitir os conhecimentos formais que compõem a estrutura curricular
da EJA. Para isso, temos que olhar e compreender essa parcela da população-alvo, com características
heterogêneas, sendo composta por indivíduos de diferentes idades e vivências. Aqui teremos um olhar para o
funcionamento do cérebro adulto e sua interação em contextos e realidades que atravessam a vida dos
jovens e adultos.
A Educação de Jovens e Adultos: reconhecendo as diferenças e a persona dos alunos jovens e
adultos em sala de aula
O projeto educacional para jovens e adultos reproduz, em parte, o currículo formal proposto pela Educação
Básica, abrangendo conteúdos do Ensino Fundamental e Médio. A ideia por trás desses currículos da
Educação Básica brasileira encontra-se muito atrelada à formação de jovens com conhecimentos e
competências para ingressar e responder às demandas da sociedade (o que foi discutido principalmente no
Módulo IV, que trata do Ensino Médio). São experiências e saberes que vêm sendo construídos ao longo do
desenvolvimento, na infância e adolescência, e que se espera que possam ser aplicados para uma melhor
adaptação à realidade do mundo adulto.
Quando nos deparamos com a EJA, no entanto, temos uma significativa mudança de realidade imposta.
Esses grupos de jovens e adultos são formados por uma diversidade de sujeitos com trajetórias de vida
distintas, pertencendo, muitas vezes, a coletivos e/ou grupos minoritários ou, ainda, representando uma
parcela da população que não teve acesso ou real oportunidade de trilhar o caminho da Educação Básica
pelas mais diferentes razões.
Segundo o modelo de educação de Paulo Freire, coloca-se na educação o objetivo de que o aluno (no caso
de jovens e adultos) seja capaz de ler o mundo à sua volta a partir dos atravessamentos de sua história,
experiência de vida, cultura e demandas da sociedade. Isso, nessa etapa do desenvolvimento, torna a
formação libertadora para além dos próprios conhecimentos formais adquiridos. É nesse sentido que se
coloca diante dos educadores uma das primeiras questões para a educação de jovens e adultos, isto é, a
descoberta de quem são esses alunos e por quais razões ou necessidades eles estão buscando retomar o
processo de aprendizagem formal que foi interrompido em algum momento no passado.
Sabemos que uma das propostas subjacentes, a (re)inserção de jovens e adultos na educação, busca
torná-los mais bem preparados para o mercado de trabalho e para os desafios impostos por uma sociedade
desigual. Além disso, reconhece-se que é essencial romper as diferentes formas de analfabetismo, como o
analfabetismo político, para possibilitar o desenvolvimento de competências que estimulem os jovens e
adultos a problematizarem seus lugares no mundo que os rodeia.
Figura 1. Exemplo de reflexão pedagógica para formação política e social
Fonte: Nossa autoria (2023).
Por esta razão, uma das principais reflexões que se coloca diante dos educadores trata de como auxiliar
nesse processo sem desconsiderar as experiências de vida e a forma pela qual várias aprendizagens foram
consolidadas ao longo da vida destes alunos a fim de darem conta das demandas do ambiente e de sua
realidade. Tudo isso sem que a prática pedagógica coloque o aluno em um lugar de “depositário” e, sim, passe
a considerar a existência de diferentes saberes.
Professor(a), na esteira desta reflexão, faz-se necessário pensar uma prática de ensino implicada que
reconheça as singulares demandas dos jovens e adultos aprendizes. A fim de propor diferentes estratégias
que abarquem tanto a diversidade quanto as identidades e saberes prévios destes alunos, é imperioso o
reconhecimento de que estes sujeitos podem ser protagonistas no seu próprio processo de aprendizagem. A
professora Raianny Araújo compartilha sua trajetória e experiência em processos formativos dentro da EJA no
canal TEDxAltodoMouraED:
https://www.youtube.com/watch?v=WK1TGm5oAuw
Essa TED Talk propõe-se a unir pessoas comprometidas com a transformação social por meio da educação,
compartilhando experiências e questionamentos que visam mudar a realidade do ensino em diferentes
contextos. Ao contar sobre sua experiência, Raianny Araújo destaca o projeto desenvolvido com os alunos da
EJA, denominado “Projetando o futuro”, cujo objetivo era ressignificar o lugar que os estudantes ocupavam no
mundo do trabalho. Tal projeto, após um ano de trabalho, contribuiu para a redução dos índices de evasão
escolar em, aproximadamente, 30%. A professora enfatiza, desta forma, a importância de, a partir da
necessária consideração dos aspectos particulares deste momento de vida dos alunos, poder oferecer um
processo educativo de excelência que considere a capacidade destes sujeitos de aprender e de “não deixá-los
para trás”.
https://www.youtube.com/watch?v=WK1TGm5oAuw
Pensar na EJA, portanto, exige, de antemão, uma revisão dos modelos pedagógicos existentes e aplicados
nas diferentes fases da Educação Básica. Os educadores são desafiados a buscarem metodologias que
possam ser adaptadas a esse público-alvo. O que pode ter sido uma estratégia básica para o ensino e
aprendizagem de determinados conteúdos no passado pode não se apresentar da mesma forma para alunos
da EJA.
Portanto, passa a ser fundamental que os educadores considerem o desenvolvimento de um modelo
pedagógico próprio e capaz de criar um ambiente educacional e formativo que atenda às necessidades de
aprendizagem dos jovens e adultos. O papel do educador é de destacar e estimular a curiosidade dos
educandos, trazendo questionamentos acerca das diferentes realidades e saberes, problematizando as
experiências e exemplos práticos de vida trazidos pelos alunos.
Tal reflexão vai de encontro com certas realidades com as quais nos deparamos no que se refere às práticas
pedagógicas vigentes na EJA. O que se observa em alguns casos, por exemplo, é a manutenção da mesma
lógica da formação básica, agora aplicada a uma outra faixa etária. Se nas demais etapas da educação havia
o propósito de não separar as aprendizagens dos conteúdos formais das realidades de mundo, possibilitando
o preparo da criança e adolescente para o ingresso na vida adulta; na EJA, essa segmentação de realidades
aparece de forma marcada. O jovem e adulto já faz parte da realidade de mundo e, agora, precisa ir em busca
dos conhecimentos e aprendizagens formais que não foram desenvolvidos anteriormente, ao longo da vida,
em um contexto artificial, de laboratório ou sala de aula.
Nesse contexto, nos deparamos com práticas pedagógicas por vezes infantilizadas e que seguem a mesma
lógica de ensino escolar dos anos anteriores da formação básica. É comum observarmos que educadores
tendem a usar termos e metodologias de ensino inadequadas para uma relação com adultos, que podem ter
as mais diferentes idades. O que acontece na prática é uma lógica de reaproveitamento dos conteúdos dos
anos iniciais do Ensino Fundamental, ministrados em um ambiente de aula com jovens e adultos.
Figura 2. Práticas pedagógicas inadequadas para o público da EJA
Fonte: Nossa autoria (2023).
Um exemplo clássico discutidopor vários autores refere-se à necessidade do uso de tarefas de casa ou
atividades extraclasse a fim de complementar e reforçar os conteúdos apresentados em sala de aula. Tais
práticas são propostas interessantes e fundamentais no processo formativo de crianças e adolescentes, de
modo a não só organizar e revisar os conteúdos trabalhados em sala de aula como também desenvolver
habilidades e competências de organização, autonomia e planejamento para realização de tarefas fora do
contexto escolar.
No entanto, frente à realidade de muitos adultos que frequentam a EJA — os quais não tiveram possibilidade
de desenvolver tais competências no passado ou que não apresentam capacidade de organização e
planejamento para executar atividades dentro de suas rotinas —, tais práticas podem se tornar ineficazes e
gerar uma demanda excessiva para os alunos. Isso sem contar que a maior parte dos alunos da EJA tem uma
carga horária de atividade profissional (seja formal ou informal) ou familiar elevada, o que faz com que suas
capacidades e recursos cognitivos estejam comprometidos ao final da jornada de trabalho.
Figura 3. Cotidiano do aluno da EJA e o baixo aproveitamento escolar
Fonte: Nossa autoria (2023).
Dados de investigações feitas com alunos da EJA têm corroborado essa ideia. Alguns estudos referem que
pelo menos 40% dos alunos possuem dificuldade de acompanhar as aulas por conta do trabalho ou ocupação
que exercem. Frequentemente esses alunos relatam que chegam atrasados, que não são capazes de
acompanhar o início da aula e que apresentam excesso de cansaço, tanto físico quanto mental. Ainda, para
cerca de 40% dos alunos também foi referida uma dificuldade de assimilar os conteúdos por conta da falta de
oportunidade e desenvolvimento das capacidades cognitivas na infância e adolescência, ou pelo tempo que
passaram distante de sala de aula. Uma parcela menor, cerca de 20% dos entrevistados pelo estudo, refere
que possuem dificuldade de deslocamento, o que impacta no aproveitamento escolar. Todos esses fatores
afetam a motivação e o engajamento dos alunos pertencentes à EJA. Então, o que devemos nos perguntar,
Professor(a), é: o que e como fazer?
Para termos estas respostas, precisamos retomar alguns conceitos importantes e modelos de práticas de
ensino como aqueles propostos pela Andragogia. Nos princípios andragógicos é referido que educar jovens e
adultos é uma prática de guiar os estudantes ao longo do seu processo de aprendizagem. Os saberes devem
estar disponíveis de modo a serem compartilhados pelo grupo, incluindo os próprios educadores como
sujeitos do processo de aprender e adquirir conhecimentos (como ilustrado na representação da figura
abaixo).
Figura 4. Diferença entre pedagogia e andragogia
Fonte: Adaptada de Formigosa (2021).
A Andragogia é uma prática totalmente voltada para contextos nos quais se colocam, diante dos educadores,
alunos/aprendizes heterogêneos e com trajetórias de vida das mais diversificadas. Segundo as premissas
andragógicas, deve-se ter como parte do processo de desenvolvimento das diferentes aprendizagens:
autonomia, humildade, ação, dúvida, argumentação e experiência de vida. Sendo assim, nessa modalidade de
ensino faz-se necessária a constante atualização e a capacidade de resolução de problemas práticos, de
modo a ser capaz de oferecer um campo de ensino rico e favorável para o desenvolvimento pessoal e
profissional dos jovens e adultos.
Para podermos refletir um pouco a respeito desta prática na qual o estudante é ator de sua aprendizagem,
coloca-se aqui uma Talk interessante da professora de literatura americana da seção internacional do Instituto
Nelson Mandela de Nantes, França, Marie-Hélène Fasquel. No vídeo ela aborda diferentes estratégias, a partir
de sua experiência prática, que podem ser adaptadas para o contexto do educador em sala de aula.
https://www.youtube.com/watch?v=La2iRoLKFfM
Diversos debates permeiam os temas das práticas pedagógicas e andragógicas, pois, de certa forma, se
reconhece, na atualidade, os desafios, em conjunto com uma razoável carência, da formação dos educadores
da EJA. Deve-se considerar os desafios para a manutenção e, até mesmo, para um melhoramento da
qualidade do ensino e preparação dos educadores. Muitos deles possuem uma formação generalista,
pedagógica, o que se mostra insuficiente diante de cenários tão complexos e diversificados.
Para isso, sempre, ao planejar suas práticas, o educador deve ter consigo o seguinte questionamento central,
que deve permear o ato de ensinar na EJA: por que esse jovem ou adulto precisa aprender sobre isso neste
momento da vida?
A partir disso, surge um segundo questionamento: qual a maneira mais adequada de apresentar esses
conteúdos formais a este aluno de modo que isso se torne significativo e útil para ele?
https://www.youtube.com/watch?v=La2iRoLKFfM
Uma das discussões levantadas por vários educadores aqui refere-se à relação da experiência de vida do
aluno, suas vivências e práticas com o que está sendo estudado enquanto matéria curricular. Trata-se de
tornar o conteúdo relevante para o jovem e adulto, de modo que esteja alinhado com suas experiências
passadas ou que possa vir a ser útil em situações futuras. O cérebro de um adulto tende a funcionar a partir
desta lógica, relacionando as informações novas aprendidas com aquilo que é conhecido, do campo da
experiência ou prática. Isso faz com que o conteúdo passe a ter um papel importante, formativo, para o
desenvolvimento daquele aluno e adquira potencial de melhorar sua condição de vida futura.
Figura 5. Significação de conteúdos escolares
Fonte: Nossa autoria (2023).
Outro ponto a ser destacado enquanto característica presente no perfil de alunos jovens e adultos é a
formação de sua personalidade. Alunos adultos tendem a ter um maior direcionamento dos seus
investimentos e esforços pessoais para eles mesmos ou para seus propósitos e valores de vida já
constituídos. Pode-se compreender que isto nos leva a nos tornarmos mais autocentrados e, inclusive,
egoístas durante os processos de aprendizagem. Ou seja, nesse sentido, é preciso que determinado conteúdo
ou aprendizagem tenha significado e aplicabilidade para “minha vida”. Isso de fato representa um desafio a
mais para os educadores, pois requer que as estratégias de ensino e aprendizagem sejam centradas no aluno.
Como comentado anteriormente na situação ilustrada, o uso de exemplos em sala de aula precisa ser
direcionado para o aluno, de forma com que o conteúdo possa ser aplicado em seu contexto de vida. É esse
tipo de movimento e estratégia pedagógica que o educador precisa adotar para favorecer a motivação e o
engajamento do aluno em seu processo de aprendizagem, estimulando o uso e aplicação dos conhecimentos
para além da sala de aula. Uma alternativa é a construção de projetos aplicados, os quais possam ser
implementados (serem utilizados) fora de sala de aula, no contexto de trabalho e rotina dos alunos. Um
cuidado, no entanto, na proposição de tais projetos é que estes devem se encaixar dentro do espaço e do
tempo dos cronogramas e planos de ensino. Como comentado, um dos fatores desmotivadores para alunos
da EJA é a percepção de excesso de demandas para além dos horários de aula, que acabam por tornar o
processo de aprendizado mais exaustivo do que produtivo.
Professor(a), os dois fatores citados anteriormente, motivação e engajamento, também representam
elementos centrais do processo de aprendizagem na EJA. Para isso, você, educador, deve ser capaz de
fornecer um feedback continuado ao longo das tarefas e atividades, tornando o aluno jovem e adulto
dedicado e estimulando nele seu propósito de evolução.
Aqui, temos um ponto central que deve ser considerado por todos os educadores: dar feedback. A pergunta
que fica é: como serei capaz de fazer isso? Um ponto importante que diferencia o reforço positivo causado
pelo feedback direcionado a um jovem ou adulto daquele direcionado aos processos de aprendizagem,
principalmente na infância, refere-se à especificidadedo elogio ou feedback. É necessário que fique claro para
o aluno aquilo que está sendo reforçado, ou seja, que habilidades ou competências foram conquistadas e
estão recebendo destaque. Esse detalhe é importante, pois tem sido sugerido que tal fato pode contribuir para
um maior efeito na motivação e engajamento do indivíduo durante seu processo de aprendizagem.
Figura 6. Especificidade de elogio do(a) docente para estudante
Fonte: Nossa autoria (2023).
Falando em motivação e engajamento, entende-se que também faz-se necessário o uso de práticas e
metodologias ativas e que incentivam o papel participativo do aluno em sua formação, no intuito de aumentar
o engajamento de jovens e adultos.
Inclusive, é possível que essa necessidade seja mais importante na EJA do que em períodos anteriores da
educação. Isso porque para um jovem ou adulto o aproveitamento e valor do seu tempo é algo importante.
Neste mesmo sentido, a postura do educador deve permitir a criação de um ambiente amigável e, se possível,
descontraído de aprendizagem. Aqui, encontra-se espaço para o lúdico e para o uso de humor enquanto
estratégias que são sugeridas como facilitadoras de envolvimento e manutenção da atenção durante o
processo de aprendizagem.
Figura 7. Exemplo de práticas e metodologias ativas na EJA
Fonte: Nossa autoria (2023).
Como mencionado anteriormente, se o momento de aprender for algo entediante, descontextualizado e
extremamente rígido e estruturado, o jovem ou adulto não irá querer estar em sala de aula, pois esse
momento representará para ele um tempo perdido. As práticas pedagógicas lúdicas devem ser elaboradas
considerando a criação de um espaço prazeroso e capaz de estimular recursos cognitivos, tais como: o
raciocínio lógico e abstrato; o planejamento e a resolução de problemas; e a tomada de decisão. Além disso,
por meio de atividades lúdicas se possibilita a apropriação do conhecimento de forma interacional,
articulando aprendizagens de leitura, escrita, matemática, entre outras disciplinas.
Devemos ter a ideia de que, ainda que o aluno educando da EJA tenha o desejo de aprender, ele precisa que
as estratégias ofertadas para sua educação sejam adaptadas a sua realidade. Esses jovens e adultos
possuem um chamado “saber sensível”, pois estão em busca de aprendizagens mas, ao mesmo tempo,
carregam histórias e vivências das quais são atores principais. Ou seja, são capazes de agregar ao ambiente
de sala de aula crenças, culturas, valores já construídos.
Os gestores da educação e profissionais educadores precisam se conscientizar de que sua formação base,
capaz de atender às demandas das outras etapas do desenvolvimento escolar, pode não ser suficiente para
lidar com as demandas advindas da educação de alunos jovens e adultos. Os problemas de abandono e
evasão enfrentados pela EJA parecem ser alguns dos reflexos dessa dificuldade de se adaptar metodologias
de aprendizagem às demandas e necessidades desta população específica (assim como muito se discutiu as
questões de necessidades e demandas de cada etapa do desenvolvimento nos módulos anteriores).
Muito se refere ao uso de projetos aplicados como uma das principais vantagens a fim de aproveitar,
enquanto recurso pedagógico, as experiências individuais de cada aluno. Nesse tipo de recurso, a
aprendizagem passa a ter um significado, sendo possível vislumbrar uma aplicação prática para o
conhecimento. Deste modo, também, é possível que o educador possa se aproximar e conhecer o aluno
através de suas histórias e seu perfil, estabelecendo um ambiente leve de convivência e uma relação de
confiança.
Essa aproximação permite que o educador possa fazer uso da experiência e vivência do jovem ou adulto, a
fim de consolidar um dos pilares do processo de ensino: a exemplificação e aplicação dos conceitos e
conhecimento da realidade. Assim, o professor-mediador passa a ser um facilitador de práticas educativas
que visam a valorização do conhecimento prévio, sendo capaz de transformar tais conhecimentos práticos
em conhecimentos reflexivos, e vice-versa.
As contribuições da neurociência para a Educação de Jovens e Adultos: os desafios da aprendizagem e do
uso das funções cognitivas em sala de aula
Professor(a), considerando os desafios impostos pela especificidade da população-alvo e pela presença da
diversidade e diferença na EJA, compreendemos que o papel do educador nos processos de
ensino-aprendizagem possui um caráter transformador na vida dos alunos. De forma distinta a outros
períodos do desenvolvimento escolar, o envolvimento com os processos de alfabetização, aquisição de
habilidades de leitura, escrita e matemática, entre outros conhecimentos que fazem parte da base curricular,
irá incidir diretamente no cotidiano do jovem e adulto. Acompanhar e observar tais processos é gratificante
tanto para os alunos como para os educadores, pois se refere à conquista de algo que até então havia sido
abandonado em razão das demandas de vida.
Para que as aprendizagens possam ocorrer, no entanto, sabe-se que há necessidade de recrutar e usar dos
múltiplos recursos cognitivos disponíveis e já consolidados na idade adulta. Deve-se reconhecer de início que
alguns destes processos talvez não tenham sido devidamente estimulados e reforçados ao longo da vida,
pois nem sempre houve tempo e oportunidade suficiente para isso na trajetória desses alunos. Por essa
razão, considera-se necessário que os educadores estejam preparados para auxiliar os jovens e adultos no
resgate de algumas tarefas que envolvem desenvolvimento, estimulação e aplicação das suas capacidades
cognitivas. Conhecermos um pouco mais do funcionamento do cérebro nos auxilia a pensar como seremos
capazes de estimular diferentes funções cognitivas de nossos alunos e direcioná-las para a aprendizagem.
Como comentado no tópico anterior, a EJA pode ser vista a partir da finalidade de desenvolver novos
conhecimentos que serão integrados ao repertório de aprendizagens prévias de vida, adquiridas de forma
empírica, pela experiência. Dizer que um jovem ou adulto aprende é afirmar que ele foi capaz de adquirir
conhecimentos formais e orientá-los para a resolução de problemas e tarefas reais utilizando atitudes,
habilidades ou conhecimentos. Assim, considera-se que os alunos se tornam capazes de exibir novos
comportamentos e transformar sua atuação nos diferentes contextos de vida. Para que o ambiente de sala de
aula possa proporcionar tais experiências formativas, entende-se que as estratégias pedagógicas devem estar
alinhadas com a ideia de um sujeito-aprendiz.
Figura 8. Estudantes da EJA enquanto sujeitos-aprendizes
Fonte: Nossa autoria (2023)
Podemos pegar como ponto de partida um dos aspectos já discutidos no tópico anterior, que se refere à
elevada carga e demanda de trabalho e exigência dos recursos cognitivos que perpassa a vida do aluno jovem
ou adulto. Discutimos no Módulo I um pouco mais sobre o funcionamento dos nossos recursos atencionais.
Entendemos que tais recursos não são ilimitados e que o grau de exigência ao longo do dia é capaz de
diminuir sua eficiência. O cansaço e, por consequência, a perda do desempenho do foco atencional
representam um desafio para o aprendizado do aluno. Para que haja uma aprendizagem, é necessário que os
conteúdos possam ser devidamente processados com auxílio de determinadas funções cognitivas que fazem
parte do fluxo de processamento da informação. Para que o adulto mantenha, ao final de uma jornada de
trabalho, o seu foco atencional, é necessário um esforço adicional, por meio da ativação de diferentes
circuitos cerebrais. Com o passar do tempo, rapidamente, essa capacidade de alocação já esgotada tende a
ser perdida e o controle sobre os processos cognitivos diminuem consideravelmente. Isso implica em uma
maior suscetibilidade a distrações ou desvios do foco atencional para outros fins. Ou seja, o aluno na EJA
precisa que o educador seja capaz de usar de recursos adicionais a fim de resgatar e auxiliar na manutenção
do foco atencional para os estímulos de aula.Os educadores precisam estar atentos a esses fatores, de modo a facilitar que suas estratégias de ensino
favoreçam um menor esforço de tais componentes cognitivos. Por exemplo:
Como estudado, as funções executivas referem-se aos processos que permitem ao indivíduo direcionar seus
comportamentos a objetivos, avaliando a eficiência e adequação destes comportamentos ou estratégias, de
modo a resolver os problemas de curto, médio ou longo prazo. Para que as funções executivas se tornem
eficientes no processo de aprendizagem, deve-se buscar o funcionamento integrado de outros processos,
como:
Discute-se muito o papel das funções executivas no desenvolvimento das aprendizagens em etapas
anteriores da vida, como vimos nos Módulos II, III e IV. Entretanto, independente do período da aprendizagem
elas se mostram essenciais e frequentemente exigidas no ambiente escolar. As habilidades de seleção,
organização, elaboração, retenção e transformação da informação são exigidas a todo instante durante os
processos de aprendizagem.
Muito embora tenhamos a visão da aprendizagem como um processo que é contínuo e sequencial, no qual
informações vão sendo adquiridas desde suas formas mais simples até as mais complexas, observa-se que
muitos contextos escolares da EJA tendem a reproduzir práticas de etapas anteriores, nas quais o ensino fica
restrito à exposição dos conteúdos, memorização e raciocínio. As dificuldades de aprendizagem em um
contexto assim podem representar um indicativo de que os métodos de ensino estão estimulando pouco o
desenvolvimento da consciência e controle cognitivo por meio do uso da atenção, memória de trabalho e
funções executivas direcionadas para a tarefa.
Para auxiliar os educadores no manejo e direcionamento dos potenciais cognitivos dos jovens e adultos,
algumas estratégias podem ser incorporadas aos métodos usados em sala de aula. Essas estratégias têm o
objetivo de estimular ainda mais o potencial cognitivo e o uso dos recursos executivos e da memória de
trabalho.
Para estimular a memória e, consequentemente, a aquisição de conteúdo, é sugerido o uso de estratégias de
repetição, ensaio e revisão, para que as informações sejam novamente analisadas e, preferencialmente,
relacionadas a conteúdos práticos, de modo a dar significado para essas aprendizagens. Isso pode ser feito a
partir da recapitulação de conteúdos e informações — como conceitos, definições, modelos matemáticos,
situações problema — dentro de um mesmo tema, porém com um enunciado ou contextualização diferente.
A prática da repetição pode também ser desenvolvida a partir de exercícios de evocação e recuperação dos
conteúdos aprendidos e do que foi compreendido nos encontros anteriores. Uma revisão geral, livre, inicial é
sempre um bom estímulo para a memória dos alunos. A partir disso, então, estimula-se também os processos
de ensaio e revisão, durante os quais existe a possibilidade de se analisar novamente informações;
estabelecer relações entre os conteúdos aprendidos; e, posteriormente, ao longo da apresentação de novos
conteúdos informações, associar também esses novos conteúdos aos antigos. Todo esse processo é capaz
de dar profundidade à aquisição e consolidação das informações aprendidas.
Outro importante método que pode ser utilizado pelos educadores é o de auxiliar os alunos a usarem e
combinarem diferentes estímulos durante o processo de aprendizagem. Por exemplo, a prática — comum
entre alunos em sala de aula — de realizarem cópias escritas pode ser eficiente até certo ponto, pois se sabe
que esse processo permite a combinação de estímulos auditivos, visuais e motores. Ademais, desenvolver
esquemas e figuras com os alunos pode representar outro recurso capaz de integrar caminhos neurais para a
aprendizagem. Esse trabalho pode ser desafiador, uma vez que muitos dos alunos não possuem experiência
no desenvolvimento dessas estratégias em razão da carência de estímulos ao longo da vida. Além disso,
atualmente — em um contexto de ensino onde as Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) se fazem
presente —, torna-se um desafio muito maior adotar hábitos manuais de escrita e elaboração de esquemas e
representações.
Figura 9. Construção de mapa mental: possível estratégia para mobilização de diferentes estímulos e
integração de caminhos neurais para a aprendizagem
Fonte: Nossa autoria (2023).
Discute-se muito o papel das funções executivas no desenvolvimento das aprendizagens em etapas
anteriores da vida, como vimos nos Módulos II, III e IV. Entretanto, independente do período da aprendizagem
elas se mostram essenciais e frequentemente exigidas no ambiente escolar. As habilidades de seleção,
organização, elaboração, retenção e transformação da informação são exigidas a todo instante durante os
processos de aprendizagem.
Por outro lado, percebe-se que frente a dificuldades de retenção da informação e dos conteúdos expostos em
sala de aula, os alunos tendem a apresentar uma maior desmotivação para com o processo de aprendizagem.
Se considerarmos as diferentes estratégias de exposição e retenção de conteúdos, o uso excessivo de aulas
expositivas, nas quais apenas se utiliza de estímulos audiovisuais, mostra-se insuficiente para garantir índices
maiores de recordação a médio e longo prazo.
Alcança-se um nível significativamente maior de retenção quando as estratégias envolvem um movimento
ativo de aprender, aplicar e relacionar os conteúdos, abrindo espaço para a interação e troca entre os alunos.
Em um nível ainda superior de retenção, podemos dizer que os alunos são estimulados não somente a aplicar
os conteúdos mas também, ao mesmo tempo, a compreender tais aplicações de forma a exemplificar o uso
dos conhecimentos frente às mais diversas situações.
Esse processo trata-se da inclusão da “ação” (do pensar, aplicar e resolver) nas propostas e métodos
pedagógicos da EJA. É o princípio da aprendizagem por competência, da aquisição na ação. Sendo os
educadores capazes de fomentar tais práticas, pode-se afirmar que haverá um melhor aproveitamento e
capacidade de retenção dos conhecimentos por parte dos alunos. O sentido dado às aprendizagens será
fundamental para motivar e engajar os alunos, superando as adversidades impostas pelos desafios da
aprendizagem na vida adulta, como por exemplo os desgastes citados anteriormente, referentes aos recursos
cognitivos atencionais e mnemônicos.
Outro enfoque refere-se ao planejamento e organização dos materiais e tarefas a serem executadas. A
importância de orientação, adequada instrução e acompanhamento por parte do educador já foi abordada
anteriormente. Deve-se estimular o aluno de modo a proporcionar uma aprendizagem ativa, reforçando as
mudanças e adaptações de estratégias (flexibilidade cognitiva) bem como a reflexão sobre o uso e efeito de
cada uma delas (automonitoramento).
Os alunos necessitam de constante desafio de modo a ampliar o uso de suas estratégias e, ao mesmo tempo,
serem capazes de desenvolver flexibilidade de cognição e de comportamento para os fins acadêmicos da
aprendizagem. É comum que haja uma dificuldade referente à flexibilidade cognitiva e comportamental em
muitos adultos que não tiveram adequado estímulo ou possibilidade de exercer tais capacidades ao longo dos
períodos anteriores do desenvolvimento.
Por fim, levando em consideração as discussões apresentadas no que se refere aos desafios e possibilidades
da EJA, entende-se o papel do educador como chave para o sucesso dos alunos. Não somente por meio das
estratégias e métodos de ensino, mas também pela forma como estes profissionais serão capazes de
estabelecer vínculo em um ambiente próprio para aprendizagem. Por meio das atitudes e do reconhecimento
das particularidades e expectativas de cada aluno, o educador terá de envolvê-los em seu processo de
aprendizagem. Para que isso seja possível, é necessário romper com ideias existentes de que a EJA se limita
a atender ao propósito de recuperar a escolaridade perdida.
Como exposto ao longo deste módulo, a educação na EJA vai muitoalém dos conteúdos formais a serem
ensinados. É um processo que envolve articulação das experiências de vida, conhecimentos práticos,
diversidade e cultura. Além disso, envolve a capacidade do educador de estimular os recursos cognitivos dos
educandos de modo a serem mais bem aplicados em seus contextos da vida real.
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