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<p>Introdução</p><p>Todos temos uma personalidade e ela nos ajuda a determinar os limites do nosso sucesso e</p><p>das realizações na nossa vida, o que a torna um dos nossos patrimônios mais importantes. O</p><p>modo como agimos é reflexo importante daquilo que chamamos de personalidade e tem</p><p>influência direta nas mais diversas experiências da nossa vida e das pessoas que nos cercam.</p><p>Nesse sentido, notamos que, na mesma situação, as pessoas podem ter reações distintas</p><p>dadas as suas características individuais, o que se traduz na sua personalidade.</p><p>Constantemente, valorizamos as pessoas ao nosso redor em termos do nosso julgamento</p><p>acerca de sua personalidade (“fulano tem personalidade maravilhosa”). Desse modo,</p><p>passamos a selecionar os outros em diversos contextos, como no trabalho, na faculdade, com</p><p>os amigos etc. Entretanto, caracterizar alguém como “maravilhoso” ou “péssimo” é apenas uma</p><p>declaração simplista acerca da personalidade dessa pessoa. Logo, é necessário entender que</p><p>o conceito de personalidade vai além de simples atribuições e esse conceito vem se</p><p>transformando e crescendo em detalhes e complexidade ao longo do tempo. Vamos conhecê-lo</p><p>melhor?</p><p>Como a Psicologia define personalidade</p><p>Apesar de haver várias definições de personalidade, é homogeneamente aceito pelos teóricos</p><p>que traços de personalidade:</p><p>são definidos como padrões relativamente duradouros de pensamentos, sentimentos e</p><p>comportamentos que distinguem os indivíduos uns dos outros</p><p>(ROBERTS; MROCZEC, 2008, p. 31)</p><p>As diferenças individuais estão relacionadas aos traços de personalidade de cada indivíduo,</p><p>além de também influenciarem a constância do comportamento ao longo do tempo. Os traços</p><p>podem ser únicos ou compartilhados por grupos, ainda que seu padrão seja individual e,</p><p>mesmo com a propensão à estabilidade, podem mudar por várias razões, como</p><p>acontecimentos traumáticos, uso de substâncias e engajamento em comportamentos novos.</p><p>Assim, embora cada pessoa possua similaridades com outras, os seus traços se organizam ou</p><p>se manifestam de modo particular, constituindo uma personalidade única.</p><p>É discutido por vários autores que uma boa teoria da personalidade deve considerar alguns</p><p>fatores, como:</p><p>1. Os aspectos dinâmicos da personalidade, englobando os motivos (as numerosas teorias</p><p>da personalidade podem ser confrontadas quanto aos seus conceitos motivacionais</p><p>dinâmicos).</p><p>2. Os blocos estruturantes da personalidade ou as unidades básicas (estrutura</p><p>relaciona-se aos aspectos mais contínuos e estáveis da personalidade, e representa os</p><p>1</p><p>blocos constitutivos da teoria sobre a personalidade).</p><p>3. A natureza e as razões do desenvolvimento desordenado da personalidade.</p><p>4. Como desenvolvemos e nos transformamos em uma pessoa única, com</p><p>particularidades próprias de cada um (os determinantes da personalidade podem ser</p><p>genéticos e ambientais, e ambos são importantes para a formação da nossa</p><p>personalidade).</p><p>5. Como as pessoas mudam e por quais motivos elas, algumas vezes, resistem à</p><p>transformação ou são incapazes de mudar.</p><p>Determinantes da personalidade</p><p>A respeito dos determinantes da personalidade, acredita-se que aspectos genéticos, a</p><p>exemplo de temperamento e inteligência, marcam as principais diferenças entre as</p><p>pessoas, enquanto alguns fatores ambientais, como família, cultura e grupos sociais,</p><p>tendem a tornar as pessoas mais parecidas umas com as outras.</p><p>Podemos dizer que cada indivíduo experimenta sua realidade e interage com outras</p><p>pessoas com base na sua história genética, no seu processo de aprendizagem, nas</p><p>limitações e aptidões que foram herdadas, nas trocas estabelecidas com outras pessoas</p><p>ao longo da vida, nos valores aprendidos com sua cultura e nos diversos outros</p><p>cenários e experiências. Diante de tamanha interação, aumentam as diferenciações entre</p><p>as pessoas ao longo da vida.</p><p>Os fatores genéticos também desempenham uma importante função na determinação da</p><p>personalidade. Eles são geralmente mais relevantes em características como inteligência e</p><p>menos expressivos em relação a crenças e valores, por exemplo. Algumas diferenças surgem</p><p>cedo, são relativamente duradouras e parecem ser dependentes da história de aprendizagem</p><p>da pessoa, de modo a indicar que elas se devem, provavelmente, a características hereditárias</p><p>ou genéticas. Enfim, pode-se dizer que nossos genes desempenham o papel importante de nos</p><p>tornar diferentes como indivíduos e parecidos como humanos (PERVIN; JOHN, 2004).</p><p>Herdabilidade é uma medida estatística expressa em forma de percentual para</p><p>representar a extensão em que fatores genéticos contribuem para variações entre as</p><p>pessoas de uma mesma população. Isso quer dizer que a influência dos genes em um</p><p>traço de personalidade será alta se a herdabilidade também for elevada.</p><p>Quanto aos determinantes ambientais, estes abrangem influências que nos tornam</p><p>muito semelhantes de alguma forma, assim como os acontecimentos da vida que nos</p><p>2</p><p>tornam únicos.A experiência de fazer parte de uma mesma sociedade ou cultura são</p><p>significativas entre os determinantes ambientais da personalidade, visto que a maioria</p><p>das pessoas de uma mesma cultura terá características de personalidade</p><p>compartilhadas. São poucos os aspectos da personalidade de uma pessoa que são</p><p>entendidos sem alusão ao grupo a que pertença essa pessoa.</p><p>Fatores relacionados aos determinantes ambientais, como classe social, determinam o</p><p>status das pessoas, os papéis desempenhados por elas, os seus deveres e privilégios</p><p>desfrutados. Indo além, os fatores associados à classe social influenciam também a</p><p>forma como as pessoas especificam e respondem a determinadas situações. A família</p><p>também é um dos fatores ambientais mais importantes na determinação da</p><p>personalidade, pois cada padrão comportamental de um familiar afeta o</p><p>desenvolvimento da personalidade de uma criança de maneiras consideráveis, isto é:</p><p>● Por meio de uma ação, os familiares exibem situações que produzem alguns</p><p>comportamentos nas crianças;</p><p>● Eles recompensam comportamentos de forma seletiva;</p><p>● Eles servem como modelos de identificação.</p><p>Ressalta-se que essas interações independem do fato dos pais ou demais familiares</p><p>compartilharem com a criança uma herança genética.</p><p>O primeiro passo para se estabelecer que as pessoas realmente diferem em seus</p><p>padrões característicos de pensamento, de sentimento e de comportamento é mostrar</p><p>que essas diferenças são de fato padrões característicos, isto é, que podem ser</p><p>observados repetidamente em uma variedade de situações. Obviamente, ninguém será</p><p>exatamente o mesmo em todas as situações, então o desafio é mostrar que há alguma</p><p>estabilidade.</p><p>A personalidade como elemento estável é, normalmente, definida como ordem de</p><p>classificação e consistência, o que significa que a classificação das pessoas em um</p><p>traço de personalidade permanece semelhante de uma situação para a outra.</p><p>É um desafio mostrar que a personalidade é persistente, ou seja, que ela permanece</p><p>mais ou menos a mesma ao longo do tempo. Trata-se de uma reflexão importante, pois</p><p>se a nossa personalidade muda o tempo todo, então ela também pode ser apenas</p><p>resultado das situações em que nos encontramos e, quando a situação muda (por</p><p>exemplo, quando entramos na faculdade, casamos ou mudamos de emprego), nossa</p><p>"personalidade" também muda.</p><p>3</p><p>Para mostrar que as diferenças entre as pessoas não são apenas resultado das</p><p>diferentes situações nas quais as pessoas se encontram, é importante mostrar que,</p><p>mesmo quando os indivíduos passam por uma mudança de vida importante, a</p><p>personalidade ainda permanecerá relativamente estável.</p><p>As pessoas mudam, mas não de forma drástica (SPECHT; EGLOFF; SCHMUKLE,</p><p>2011).</p><p>Pessoas muito extrovertidas, por exemplo, raramente se tornarão introvertidas e</p><p>vice-versa. No entanto, curiosamente, existem algumas mudanças que quase todos</p><p>nós experimentamos ao longo da vida e que nos levam a sermos mais responsáveis e</p><p>estáveis emocionalmente à medida que envelhecemos.</p><p>Amigos e conhecidos não apresentam personalidades radicalmente diferentes em cada</p><p>novo encontro. Mesmo quando somos pegos</p><p>individuais, que podem determinar a</p><p>operação de diversos sistemas de análise psicológica, a exemplo da</p><p>cognição, da emoção e da motivação. A teoria cognitiva enfatiza padrões</p><p>do desenvolvimento de uma pessoa, bem como de sua adaptação aos</p><p>contextos sociais e biológicos. Tais padrões foram chamados de esquemas</p><p>e podem ser relativamente estáveis ao longo do tempo e conceitualizados</p><p>como componentes básicos da personalidade.</p><p>Dito isso, acredita-se que na terapia cognitiva de Beck a definição da</p><p>personalidade pode se caracterizar pela ideia de que a história evolutiva</p><p>65</p><p>influencia o desenvolvimento de padrões de sentimentos, pensamentos e</p><p>comportamentos, isto é, a personalidade seria resultado da interação entre</p><p>a experiência e as disposições genéticas. A personalidade seria um</p><p>conjunto de esquemas pessoais/individuais que determinam a forma de</p><p>funcionar dos sistemas cognitivos, emocionais e motivacionais em relação</p><p>aos contextos biológicos, ambientais e sociais. Isso findaria por constituir</p><p>os traços da personalidade, a exemplo de “extrovertido”, “introvertido”,</p><p>“dependente”, “calmo”, “agressivo” etc.</p><p>Teoria sociocognitiva da personalidade</p><p>O ser humano é visto pelo psicólogo canadense Albert Bandura (1925-2021)</p><p>como um agente ativo e capaz de autorregulação e autorreflexão, além de</p><p>possuir intencionalidade em suas ações e poder fazer previsões e decidi-las</p><p>antes de se engajar nelas. Não apenas definimos objetivos a serem</p><p>alcançados, mas constantemente avaliamos o quão bem estamos fazendo</p><p>isso.</p><p>A crença que temos a respeito das nossas capacidades para realizarmos</p><p>uma ação pretendida é chamada por Bandura de autoeficácia e é um dos</p><p>conceitos centrais em sua teoria. Assim, nosso comportamento é</p><p>fortemente guiado pela crença que temos em relação a conseguir executar</p><p>com sucesso a ação pretendida, essa crença influencia nossas escolhas,</p><p>66</p><p>esforços, decisões e é fator importante na constituição da nossa</p><p>personalidade.</p><p>A personalidade é então um conjunto de processos e estruturas cognitivas</p><p>associados a pensamentos e percepção, relacionando-se ainda ao</p><p>autorreforço (recompensas ou punições a si mesmo) e à autoeficácia</p><p>(BANDURA, 1977).</p><p>Bandura defende que os fatores mais importantes na constituição da</p><p>personalidade são os sociais e cognitivos. A maioria dos fatores que</p><p>moldam a personalidade são de natureza social, como a aprovação, a</p><p>atenção dada a uma pessoa e a aceitação. Dessa forma, a observação que</p><p>fazemos dos comportamentos dos outros serve como base para</p><p>construirmos uma ideia de como novos comportamentos podem ser</p><p>construídos. Os seres humanos seriam então flexíveis e capazes de</p><p>aprender uma grande variedade de novos repertórios, em grande parte,</p><p>graças à observação.</p><p>A teoria sociocognitiva tenta prever como as pessoas aprendem e moldam</p><p>sua personalidade observando os outros, tidos como modelos.</p><p>A aprendizagem por modelagem se baseia em um modelo, mas diferente</p><p>de mera imitação. Tendemos a aprender com modelos de pessoas que têm</p><p>alto status ou são reconhecidamente competentes em alguma área de</p><p>67</p><p>nosso interesse — pessoas que em nossa percepção mostrem-se</p><p>“superiores” de algum modo.</p><p>É nesse sentido que, desde crianças, seguimos o que fazem os adultos,</p><p>aprendemos a manejar o mundo ao redor com base no que observamos os</p><p>adultos fazendo. Assim, nossos comportamentos aprendidos seriam</p><p>ditados pela atenção que prestamos ao modelo, nossa capacidade de</p><p>retenção e reprodução e nossa motivação para fazê-lo.</p><p>Outro ponto importante na teoria de Bandura é a afirmação de que a</p><p>aprendizagem ocorre também de forma ativa, pela experiência direta que</p><p>nos permite agir sobre o mundo e ter controle sobre nossos</p><p>comportamentos</p><p>Bandura traz como central o conceito de reciprocidade triádica. As ações</p><p>humanas seriam derivadas da interação entre o ambiente, o</p><p>comportamento e a própria pessoa, que é composta pelos componentes</p><p>cognitivos: capacidades de memória, previsão, planejamento e julgamento.</p><p>Assim, podemos escolher os acontecimentos em que prestaremos atenção,</p><p>a valoração que daremos a eles e como utilizaremos as informações e o</p><p>modelo aprendido. O ambiente refere-se ao que é externo à pessoa, os</p><p>fatores que interagem com nossa cognição e com nosso comportamento.</p><p>Por sua vez, o comportamento abrange as ações da própria pessoa. Assim,</p><p>a forma como agimos sofre influência dos três fatores — nenhum deles é</p><p>autônomo e nenhum se sobrepõe a outro (SCHULTZ; SCHULTZ, 2015).</p><p>68</p><p>Relação entre a teoria do processamento de</p><p>informações e a teoria da personalidade tradicional</p><p>Além das teorias citadas até aqui, há abordagens mais recentes, dos</p><p>chamados teóricos do processamento da informação, que propuseram</p><p>explicações sobre o funcionamento da personalidade em que o ser humano</p><p>é entendido como um processador de estímulos que ele apreende do</p><p>ambiente no qual está inserido, formando um conjunto de padrões</p><p>psicológicos (LEAHEY, 2004). A visão dessa teoria contradiz a ideia passiva</p><p>do indivíduo presente em outras abordagens, a exemplo da Psicanálise e da</p><p>teoria da personalidade tradicional.</p><p>Os padrões são englobados, de certa maneira, no cognitivismo, pois este</p><p>defende que nossos pensamentos e outros aspectos mentais influenciam</p><p>nossas ações. A pesquisa desenvolvida com base nessa perspectiva foi</p><p>analisada e aplicada a uma gama de processos mentais. A teoria do</p><p>processamento das informações permite analisar as estruturas cerebrais e</p><p>sua relação com a socialização e a maturação.</p><p>Você acha possível comparar nossa mente a um computador? Os modelos</p><p>que surgiram da abordagem cognitiva são baseados na ideia da mente</p><p>como um computador, eles concebem o cérebro como um hardware das</p><p>69</p><p>nossas funções cognitivas, como linguagem, memória etc., o que poderia</p><p>equivaler a softwares ou programas, por exemplo.</p><p>o processamento de informações se inicia a partir do momento em que há</p><p>recepção dos estímulos. Logo após, codificamos os dados para atribuir</p><p>significados e depois poder combiná-los com o que já há armazenado na</p><p>memória de longo prazo; em seguida, uma resposta é executada. Veja que,</p><p>assim como na linguagem computacional, existe uma entrada e uma saída.</p><p>A Psicologia Cognitiva chamou a atenção para as relações entre máquinas</p><p>e pessoas. Esse é um modelo muito utilizado no conceito de inteligência</p><p>artificial. O conhecimento dos processos cognitivos nos auxilia a</p><p>compreender as fases do processamento de informações, considerando o</p><p>papel fundamental das emoções e da memória para a formação da</p><p>personalidade.</p><p>70</p><p>71</p><p>A teoria de Alfred Adler</p><p>Um dos principais pontos de divergência entre ambos dizia respeito à origem da</p><p>motivação. Segundo Freud, a criança nasce regida pelo princípio do prazer, tendo</p><p>a sexualidade como origem de ações e relações humanas. Para uma</p><p>compreensão mais exata desse conceito, é importante entender a sexualidade</p><p>dentro do contexto psicanalítico.</p><p>72</p><p>Adler, porém, discordava dessa premissa e chamou sua teoria de psicologia</p><p>individual. Ele acreditava nas motivações singulares dos indivíduos, dando</p><p>ênfase à posição percebida por cada pessoa na sociedade, assim como na</p><p>influência das condições sociais para o desenvolvimento.</p><p>O autor ainda via a necessidade de tomar medidas preventivas para evitar</p><p>distúrbios na personalidade. A construção dela, para Adler, advém de como cada</p><p>indivíduo constrói seus ideais e os meios para alcançá-los. Isso cria um estilo de</p><p>vida ao qual se subordinam as emoções e os desejos de cada um.</p><p>Em tal contexto, é claro, a vida familiar tem grande influência, apesar de esse não</p><p>ser o foco da teoria de Adler. Mas torna-se claro que certos fatores, como</p><p>acolhimento, incentivo, descaso ou superproteção dos pais, influenciam o</p><p>desenvolvimento do indivíduo.</p><p>A luta pela superioridade</p><p>Para Alfred Adler, a essência principal da personalidade é a luta pela</p><p>superioridade. Ele explica essa tendência humana a partir dos sentimentos de</p><p>desamparo e de impotência, ambos comuns na infância.</p><p>Esses sentimentos, dependendo do modo como são vivenciados na interação da</p><p>criança com seu entorno, culminam em um complexo de inferioridade que leva à</p><p>luta pela superioridade. Nesse complexo, frustrações comuns assumem</p><p>proporções maiores, fazendo com que o indivíduo se sinta incapaz, acreditando,</p><p>73</p><p>muitas vezes, ser impossível alcançar metas e que, nesse sentido, nem valeria a</p><p>pena tentar.</p><p>A origem da teoria do complexo de inferioridade advém da ideia de inferioridade</p><p>orgânica, primeiro conceito descrito por Adler. De acordo com a teoria da</p><p>inferioridade orgânica, todo mundo nasce com alguma fragilidade física. Tal</p><p>tendência inata seria um ponto de apoio para que o sentimento de incapacidade</p><p>ou doença se enraizasse. Essa fragilidade levaria à tentativa de compensar a</p><p>deficiência em outra área.</p><p>Adler considera que essas enfermidades e – mais importante – as reações</p><p>individuais a elas influenciavam as escolhas individuais. Ao dar ênfase à reação</p><p>das pessoas diante de sua fragilidade, Adler se afasta um pouco da ideia de que</p><p>a origem é sempre uma enfermidade, no plano biológico, afirmando a ideia de</p><p>complexo de inferioridade.</p><p>Esse complexo está mais imerso na dimensão psicológica, uma vez que</p><p>“complexo” diz respeito a um feixe de percepções, memórias, emoções e desejos</p><p>que estão na base de um comportamento. Dessa forma, o complexo de</p><p>inferioridade tem apoio no próprio desamparo infantil e é um alicerce da luta</p><p>pela superioridade.</p><p>O complexo de superioridade funciona como forma de neutralizar a</p><p>inferioridade. Em vez de significar a superação de questões psicológicas, esse</p><p>comportamento traz ainda mais dificuldades de interação e aceitação por parte</p><p>do outro. Ou seja, transformar o complexo de inferioridade em um de</p><p>74</p><p>superioridade era uma saída possível para Adler, mas isso não significa que ele a</p><p>considerasse saudável e funcional.</p><p>Dentro desse contexto, um conceito relacionado, importante para Adler, foi</p><p>chamado de luta pela perfeição. O autor acreditava que mesmo as pessoas que</p><p>não são ligadas neuroticamente a um complexo de inferioridade criam metas</p><p>ficcionais a serem alcançadas. São ideais e objetivos de vida que variam de</p><p>pessoa para pessoa e refletem o que cada um considera perfeição.</p><p>Esse movimento — de tentar eliminar as imperfeições, apegando-se às metas</p><p>projetadas — é visto por Adler como algo positivo. Não se trata de idealizações</p><p>que paralisam o sujeito, tornando-o sempre insatisfeito com a realidade. Ele</p><p>assinala que essas metas não são defensivas (como seria o complexo de</p><p>superioridade), e sim uma expressão da personalidade de cada um. Nesse</p><p>sentido, elas funcionam como fator motivacional. Para Adler, a pessoa saudável</p><p>psiquicamente é aquela que busca a sua superação, mas não como uma</p><p>compensação para o complexo de inferioridade.</p><p>A importância do meio social</p><p>Alfred Adler criou a psicologia individual com ênfase no desenvolvimento</p><p>singular da personalidade. Mas também é uma marca de sua teoria a</p><p>importância dada ao meio social.</p><p>Já o estilo de vida de cada um, conceito cunhado por Adler, é a expressão da</p><p>personalidade, sendo desenvolvido a partir das relações sociais (FRIEDMAN;</p><p>75</p><p>SCHUSTACK, 2003). A interação positiva com o meio também é um indicativo de</p><p>vida saudável e superação do complexo de inferioridade.</p><p>Destacaremos adiante alguns conceitos de Adler que são fundamentais para se</p><p>compreender o papel do meio social na construção da personalidade. São eles:</p><p>ESTILO DE VIDA: Corresponde ao princípio do sistema pelo qual a</p><p>personalidade funciona, marcando a importância da individualidade para</p><p>Adler. É considerado como o todo que comanda as partes. Trata-se do</p><p>princípio que explica a singularidade da pessoa. Cada pessoa tem um estilo</p><p>de vida, não havendo dois iguais. Esse estilo é o único caminho que um</p><p>indivíduo escolhe para buscar seus objetivos.</p><p>ESQUEMA DE APERCEPÇÃO: O esquema de apercepção constitui a</p><p>concepção que cada indivíduo desenvolve de si mesmo e do mundo dentro</p><p>de um estilo de vida. O conceito de mundo de uma pessoa vai determinar</p><p>seu comportamento. Vale lembrar que nossos sentidos muitas vezes não</p><p>percebem fatos, mas apenas as imagens subjetivas deles, como um reflexo</p><p>do mundo externo.</p><p>INTERESSE SOCIAL: A psicologia individual de Adler pressupõe que todo</p><p>comportamento humano é social. A personalidade de cada um se constrói</p><p>a partir da interação com o meio social no qual crescemos. O interesse</p><p>social está associado ao senso de solidariedade, o qual, para o autor, indica</p><p>76</p><p>um desenvolvimento satisfatório do indivíduo, já que dependemos da vida</p><p>em grupo. O sentimento de afinidade com o bem-estar da comunidade</p><p>representa um alto estágio de evolução humana.</p><p>COOPERAÇÃO: A cooperação pode ser compreendida como um estado</p><p>alcançado em consequência da interação social. A solidariedade se</p><p>transformaria em cooperação, o que é considerado por Adler um método de</p><p>sobrevivência da raça humana. Trata-se de uma das mais efetivas formas</p><p>de adaptação ao meio ambiente não apenas no que diz respeito à</p><p>sobrevivência da espécie, mas também ao desenvolvimento humano. Para</p><p>ele, quando o indivíduo pode operar como um membro cooperativo e eficaz</p><p>da sociedade, isso indica uma superação do sentimento de inferioridade,</p><p>pois tal sentimento gera competição em vez de cooperação.</p><p>Friedman e Schustack (2003) observam que talvez a maior contribuição de</p><p>Alfred Adler para a psicologia da personalidade tenha sido sua insistência na</p><p>natureza positiva e orientada para metas da humanidade. Ele nos deixou uma</p><p>imagem de pessoas que lutam para superar suas fraquezas e ter um</p><p>desempenho produtivo.</p><p>A teoria de Karen Horney</p><p>Horney se posicionou de forma crítica sobre a obra de Sigmund Freud, o que</p><p>impulsionou a construção de conceitos fundamentais de sua teoria, apontam</p><p>77</p><p>Hall, Lindzey e Campbell (1999). A primazia do falo, sustentada por Freud na</p><p>teoria do complexo de Édipo, foi rejeitada pela autora, que compreendeu essa</p><p>concepção como uma forma de diminuir as mulheres. Para isso, ela se baseou</p><p>em pressupostos da Psicanálise, reeditando alguns deles à luz de um olhar mais</p><p>voltado para as influências psicossociais e culturais.</p><p>Rejeição da inveja do pênis</p><p>Para compreender a crítica de Horney, é necessário entender esse conceito</p><p>freudiano. Sigmund Freud afirma que as crianças, ao descobrirem a diferença</p><p>anatômica entre os sexos, não percebem dois órgãos genitais diferentes. Sua</p><p>percepção se dá apenas em relação à ausência ou à presença de um mesmo</p><p>órgão, o qual, no caso, é o masculino.</p><p>Freud não se refere ao genital especificamente, e sim à simbolização da</p><p>diferença. O termo “falo” indica que não se trata do pênis, mas de um símbolo</p><p>responsável por organizar os sentimentos das crianças naquele momento.</p><p>Os meninos sentem orgulho por possuir o falo e experimentam o medo de</p><p>perdê-lo, já que percebem que não são todos os seres que o possuem. Já as</p><p>meninas se sentem inferiores por não o possuir e têm um sentimento de</p><p>inferioridade e frustração.</p><p>A teoria de Freud é muito mais complexa, mas, resumindo, a inveja do pênis</p><p>indica um dos caminhos possíveis para a menina ao descobrir em si a ausência</p><p>78</p><p>do falo. O termo utilizado por Freud, de fato, é inveja do “pênis” e não do “falo”,</p><p>embora, nesse contexto, o órgão sexual masculino tenha um caráter simbólico.</p><p>Karen Horney rejeita a ideia de que as mulheres percebiam seus órgãos genitais</p><p>como inferiores. Em suas observações, a autora considera que, muitas vezes,</p><p>elas se sentiam inferiores aos homens, embora considere isso uma</p><p>consequência dos papéis sociais reservados para homens e mulheres no início</p><p>do século XX.</p><p>A definição de masculinidade era associada a certos valores, como valente, livre</p><p>e competente, enquanto a feminilidade se via ligada a outros conceitos, como</p><p>frágil, inferior e submissa. Em um contexto desses, era comum que as mulheres</p><p>se vissem em uma condição subordinada e desejassem, portanto, ocupar um</p><p>espaço considerado masculino.</p><p>A teoria da inveja do pênis, portanto, é criticada por Horney, pois o desejo das</p><p>mulheres estava direcionado para outros interesses, como autonomia, controle e</p><p>liberdade. Dessa forma, se elas realmente se sentiam inferiores, isso se devia ao</p><p>fato de elas serem educadas para assegurar o amor de um homem e de se</p><p>restringirem à esfera privada. Em sua discordância com Freud, Horney foi além e</p><p>postulou que os homens carregavam uma inveja inconsciente da capacidade</p><p>feminina de engravidar e gerar vida (HALL, LINDZEY; CAMPBELL, 1999).</p><p>Ansiedade básica</p><p>79</p><p>Para Karen Horney, Freud deu ênfase à questão biológica ao abordar o</p><p>desenvolvimento primário por meio do princípio do prazer. Ela propõe o conceito</p><p>de ansiedade básica, que é o medo da criança de estar sozinha, desamparada e</p><p>insegura.</p><p>As crianças já se sentem impotentes pelo fato de depender dos adultos, o</p><p>que se prolonga por muito tempo na espécie humana. Além disso, elas</p><p>precisam reprimir qualquer sentimento de hostilidade e irritação pelos</p><p>adultos que vivem ao seu redor, tendo de agradá-los como maneira de</p><p>satisfazer às suas necessidades.</p><p>A ansiedade básica se intensifica quando a criança sofre privações</p><p>excessivas devido a problemas em sua relação com os pais. A falta de</p><p>afeto, de envolvimento, de estabilidade ou de respeito são exemplos de</p><p>privações.</p><p>A ansiedade básica, segundo Horney, pode ser direcionada ao meio externo e ser</p><p>projetada no mundo em geral, o que produziria dificuldades de relacionamento e</p><p>socialização. Nesse caso, os indivíduos desenvolvem um modo primário de</p><p>adaptação ao mundo de acordo com o nível da ansiedade básica e sua resposta</p><p>a esta sensação.</p><p>Alguns acreditam que podem ter mais progresso sendo submissos e adotam o</p><p>estilo passivo; outros, que precisam lutar para sobreviver, adotando, com isso, o</p><p>agressivo. Ainda há aqueles que não se sentem seguros para se envolver</p><p>emocionalmente, preferindo o estilo retraído.</p><p>80</p><p>É importante ressaltar que Karen Horney aceitava a concepção psicanalítica</p><p>segundo a qual as pessoas são impulsionadas por motivos inconscientes que se</p><p>desenvolvem na infância. Entretanto, ela acreditava que esses motivos se</p><p>originavam de conflitos sociais dentro da família e de outros mais amplos dentro</p><p>da sociedade, os quais, por sua vez, se refletiam nas famílias.</p><p>Teoria do self</p><p>Karen Horney definiu o self como “a essência de um próprio ser e seu potencial”,</p><p>informam Hall, Lindzey e Campbell (1999, p. 137). Com isso, ela se aproximava</p><p>do pensamento humanista de Maslow, acreditando que a autorrealização é</p><p>buscada por todas as pessoas.</p><p>Para Horney, se o indivíduo tivesse uma percepção apropriada de si mesmo,</p><p>estaria apto a desenvolver seu potencial e realizar o que desejasse dentro dos</p><p>limites necessários. Para isso, o ambiente deveria ser favorável ao</p><p>desenvolvimento, sem haver negligência ou indiferença.</p><p>A autora definiu dois tipos de self:</p><p>O self real diz respeito à essência da personalidade, cujo desenvolvimento</p><p>pode ser prejudicado por um ambiente de privações.</p><p>O self ideal é o que uma pessoa considera perfeito, funcionando como modelo a</p><p>ser alcançado. Ao descrevê-lo, Horney observa que esse self ainda pode ter duas</p><p>funções:</p><p>81</p><p>● Representar um ideal tirano de perfeição.</p><p>● Servir como um auxiliar para o self real se desenvolver.</p><p>Para diferenciar esses modos de funcionamento do self real, o importante é ter</p><p>consciência de que o self ideal é ideal, e não real. Um ideal pode ajudar o</p><p>aprimoramento ou escravizar o sujeito em uma eterna infelicidade em relação à</p><p>própria realidade.</p><p>Para Horney, a finalidade do psicanalista não seria ajudar alguém a alcançar seu</p><p>self ideal, e sim preparar a pessoa a aceitar seu self real. Nesse caso, o self ideal</p><p>atuaria como um norte para alcançar objetivos viáveis.</p><p>A autora observa que uma pessoa neurótica seria alienada de seu self real, o que</p><p>significa ausência de autoconhecimento e de desenvolvimento das próprias</p><p>potencialidades. As pessoas nessa condição desenvolvem estratégias de</p><p>enfrentamento interpessoal como forma de defesa.</p><p>Estratégias neuróticas de enfrentamento</p><p>Veja a seguir três estratégias neuróticas de enfrentamento, de acordo com Karen</p><p>Horney:</p><p>A primeira dessas estratégias é denominada aproximação. Trata-se de pessoas</p><p>que estão sempre tentando fazer os outros felizes e se assegurando de sua</p><p>aprovação.</p><p>Segundo Karen Horney, essa posição indica uma infância na qual a criança foi</p><p>desvalorizada e cresceu se identificando com um self desprezado. Tais figuras</p><p>não se consideram dignas de amor e se esforçam para fazer os outros</p><p>82</p><p>acreditarem que são merecedoras de afeto. Um exemplo seria a mulher que se</p><p>sujeita a um relacionamento abusivo.</p><p>A segunda estratégia foi denominada expansão. Ao contrário da anterior, o</p><p>indivíduo se identifica com o self idealizado (e não com o self desprezado).</p><p>São pessoas que acreditam na perfeição e lutam para consegui-la,</p><p>esforçando-se por reconhecimento como forma de poder. Na verdade, elas</p><p>buscam reafirmar para si mesmos essa ilusão de perfeição e comportam-se</p><p>muitas vezes como se fossem superiores aos outros.</p><p>A terceira abordagem foi cunhada por Horney de afastamento. Nela, as pessoas</p><p>tentam desviar-se de qualquer investida emocional nas relações interpessoais</p><p>para evitar frustrações. Elas não se identificam totalmente com o self</p><p>desprezado, mas sentem-se incapazes de alcançar o self idealizado.</p><p>Tais pessoas, portanto, não se julgam dignas do amor do outro e nem capazes</p><p>de mudar isso por intermédio de alguma tática. Como consequência, elas se</p><p>escondem atrás de uma aparente independência, experimentando</p><p>constantemente a solidão.</p><p>Horney enfatizou a importância do meio ambiente para um desenvolvimento</p><p>saudável de um self real, sem defesas neuróticas. A estabilidade familiar – um</p><p>entorno afetuoso e gratificante – é fundamental para que o indivíduo tenha a</p><p>83</p><p>necessidade de criar estratégias de enfrentamento e possa ter relações</p><p>produtivas com a sociedade.</p><p>Em sua vida particular, Horney lutou contra os obstáculos impostos pela</p><p>sociedade às realizações das mulheres, pois ela não aceitou a ideia de que a</p><p>natureza feminina as torna inerentemente frágeis e submissas. Da mesma</p><p>forma, examinou as influências da família e da cultura sobre cada indivíduo,</p><p>ressaltando que as pessoas podiam lutar para superar “seus demônios</p><p>inconscientes”</p><p>A teoria de Harry S. Sullivan</p><p>O norte-americano Harry Stack Sullivan (1892-1949) foi um psiquiatra cuja</p><p>contribuição original teve uma grande influência na psiquiatria dinâmica, já</p><p>que criou a teoria interpessoal da psiquiatria com foco na personalidade</p><p>como padrão de situações interpessoais. Para o autor, era fundamental</p><p>levar em conta que o indivíduo está, desde o nascimento, envolvido em um</p><p>ambiente social e que não existe fora dele.</p><p>Sullivan não negava a importância da hereditariedade, mas considerava o</p><p>indivíduo, antes de tudo, fruto das relações sociais. O organismo é</p><p>biológico, mas o homem é uma entidade social (HALL, LINDZEY;</p><p>CAMPBELL, 1999).</p><p>84</p><p>Para ele, a psiquiatria científica precisava levar em conta o estudo das</p><p>relações interpessoais. Nessa perspectiva, a personalidade é vista como</p><p>hipotética, pois depende da interação com o meio para se desenvolver.</p><p>O que poderia ser estudado seria o padrão de processos que caracterizam a</p><p>interação de personalidades. A personalidade é, assim, oriunda de eventos</p><p>interpessoais – e tais eventos constituem o objeto de estudo para a</p><p>compreensão da personalidade.</p><p>A grande contribuição de Sullivan para a teoria da personalidade pode ser</p><p>encontrada em sua teoria do desenvolvimento. Em cada etapa descrita pelo</p><p>autor, observam-se necessidades e formas de relação específicas. A construção</p><p>de um psiquismo saudável diz respeito a como cada fase é vivenciada dentro</p><p>das relações interpessoais.</p><p>A crítica à Modernidade</p><p>Erich Fromm produz uma reflexão sobre o mal-estar existencial predominante na</p><p>modernidade. O domínio do sistema capitalista impulsiona</p><p>a produção de</p><p>massa, o consumismo e a propaganda. Os veículos de comunicação de massa</p><p>dedicam-se à produção de falsas necessidades para que a indústria possa</p><p>saciar, mantendo-se, assim, atuante e competitiva.</p><p>Na Modernidade, segundo Fromm, inaugura-se um período histórico em que as</p><p>necessidades (de prazer, de conforto, de satisfação estética etc.) não surgem do</p><p>85</p><p>íntimo das pessoas, sendo motivadas, na verdade, a partir do seu exterior, ou</p><p>seja, das exigências econômicas e sociais advindas da Industrialização. Esse</p><p>sistema leva a uma despersonalização, alienando o homem em uma rede de</p><p>demandas que não condizem com sua singularidade (FRIEDMAN; SCHUSTACK,</p><p>2003).</p><p>Outra consequência da era industrial, para Fromm, é a falta de</p><p>autoconhecimento. O consumismo vende a ideia de plenitude por intermédio da</p><p>aquisição de produtos, gerando uma sociedade em que as pessoas evitam entrar</p><p>em contato com os próprios sentimentos, sofrimentos e emoções.</p><p>A criação de demandas artificiais e constantes produzem o imediatismo, assim</p><p>como a idealização gerada pela publicidade cria a tendência à competitividade.</p><p>A alienação do homem em uma sociedade industrial o torna estranho a si</p><p>mesmo.</p><p>Já o trabalho mecanizado contribui para a enfraquecimento da potência criativa:</p><p>o homem não se sente mais como o centro de seu mundo, passando a ver si</p><p>mesmo e os outros como coisas que fazem parte de uma engrenagem. Para o</p><p>indivíduo moderno, a liberdade se torna um peso, pois ele perde a sua</p><p>capacidade de fazer escolhas genuínas.</p><p>O homem se torna submisso a qualquer forma de autoridade, incluindo líderes</p><p>totalitaristas, e propenso a uma idolatria religiosa. Para Fromm, a obediência</p><p>cega e o medo da liberdade indicam o empobrecimento da personalidade e</p><p>contribuem para compreender o mal-estar gerado na Modernidade.</p><p>86</p><p>Segundo o autor, para que um homem esteja saudável psiquicamente, é</p><p>necessário que a sociedade também o seja. Nesse sentido, ele preconiza a</p><p>mudança social como fonte de um psiquismo saudável, sendo capaz de se</p><p>desenvolver de forma genuína e criativa.</p><p>Fromm acredita que, para a sociedade recuperar o seu bem-estar natural, perdido</p><p>especialmente no século XX, seria preciso fazer os homens acreditarem que a</p><p>causa e a manutenção de sua doença eram a alienação de si mesmo, a</p><p>ignorância de suas forças potenciais. Nesse contexto, ele crê na construção de</p><p>uma sociedade cooperativa que tivesse a solidariedade como base – e não a</p><p>competitividade.</p><p>87</p><p>Adler não teoriza sobre a necessidade de segurança nem sobre o self real e o</p><p>ideal. A luta pela perfeição, para ele, é um motivador positivo que impulsiona o</p><p>sujeito a obter seus objetivos. Já o interesse social diz respeito ao</p><p>desenvolvimento da solidariedade.</p><p>O caso narrado encaixa-se na teoria do sentimento de inferioridade, o qual, em</p><p>alguns casos, torna-se um complexo do qual a pessoa se defende por meio da</p><p>luta pela superioridade. Nesse caso, trata-se de uma postura defensiva, que</p><p>prejudica o estabelecimento da intimidade.</p><p>A expansão como estratégia de enfrentamento produz um comportamento</p><p>oposto ao de Joana. Nada na narrativa do caso faz menção ao desenvolvimento</p><p>88</p><p>do self. Percebe-se que a criança está sofrendo; então, não se trata de</p><p>adaptação à escola.</p><p>Tal comportamento pode ser explicado pela forma com que a criança passou</p><p>pela fase de ansiedade básica. Essa fase pode gerar um padrão de</p><p>comportamento primitivo no futuro quando a criança sofre privações, como a</p><p>falta de afeto e segurança. Joana está se comportando dessa forma porque não</p><p>desenvolveu a confiança necessária no meio externo e se defende de situações</p><p>novas.</p><p>Para a maioria dos autores, o conceito de personalidade se caracteriza por</p><p>representar um padrão de funcionamento individual que pode combinar um</p><p>grupo de traços específicos com relativa estabilidade. Esses traços, por sua</p><p>vez, são apresentados de forma recorrente e consistente pelas pessoas</p><p>diante das demandas do cotidiano.</p><p>Mas o estudo da personalidade vai além da definição de traços. Ele</p><p>implica o entendimento da dinâmica e dos mecanismos que permitem</p><p>compreender o desenvolvimento de uma estrutura e a sua</p><p>manutenção.</p><p>O inatismo e o ambientalismo revelam diferentes concepções sobre a dimensão</p><p>preponderante para o desenvolvimento e a aprendizagem: a dimensão biológica</p><p>ou a cultural. Essa antítese, que já era objeto de estudo para a Filosofia, se faz</p><p>presente desde as primeiras teorias psicológicas.</p><p>89</p><p>A abordagem inatista não nega, decerto, que as capacidades são desenvolvidas</p><p>na interação. Ela, na verdade, atesta que tais capacidades são herdadas</p><p>geneticamente – e não aprendidas. Ou seja, os indivíduos nascem com seu</p><p>destino predeterminado.</p><p>Segundo essa corrente, os fatores inatos têm mais influência que a experiência</p><p>na determinação das aptidões individuais. O papel do meio social, nesse</p><p>contexto, se restringe a impedir ou permitir que tais aptidões se manifestem.</p><p>Tal abordagem pode ser encontrada, em geral, em diversas teorias do campo da</p><p>Psicologia. O inatismo, dentro dela, coloca ênfase na predisposição para o</p><p>desenvolvimento das habilidades, valorizando o papel da genética para a</p><p>compreensão do comportamento em geral.</p><p>Já a concepção ambientalista tem sua expressão máxima na abordagem</p><p>behaviorista ou comportamentalista, segundo a qual tudo é aprendido por meio</p><p>de condicionamento. O behaviorismo foi estabelecido pelo norte-americano</p><p>John B. Watson (1878-1958), que, querendo desenvolver uma ciência rigorosa,</p><p>repudiou totalmente a introspecção como meio de conhecimento.</p><p>O objeto de estudo, defendia Watson, precisava ser observável e mensurado.</p><p>Essa postura crítica se estendeu à Psicanálise devido à sua ênfase no</p><p>inconsciente (SKINNER, 1974).</p><p>O experimento mais famoso dele foi realizado com o pequeno Albert, gerando</p><p>medo condicionado. Muito discutível do ponto de vista ético nos dias de hoje, ele</p><p>consistiu em apresentar para o menino um ratinho branco e, ao mesmo tempo,</p><p>90</p><p>um estímulo que causasse medo (o barulho alto de um martelo batendo em uma</p><p>chapa de aço).</p><p>Com o pareamento dos estímulos, o menino, depois de um tempo, sente</p><p>medo ao ver o rato mesmo que o barulho não aconteça. Ele associa os dois</p><p>estímulos, estendendo o medo para o rato (que, no início, não causava</p><p>medo à criança). Watson demonstrou com isso que até as emoções são</p><p>aprendidas – e não inatas.</p><p>Burrhus Frederic Skinner (1904-1990) é outro autor de destaque dentro do</p><p>behaviorismo. Para ele, não havia dúvida de que o indivíduo e sua</p><p>personalidade resultavam do histórico de reforçamento recebido na infância</p><p>— as recompensas e punições experimentadas.</p><p>O autor empenhou-se em explicar o comportamento sem alusões à</p><p>fisiologia ou a fatores internos da personalidade. A aprendizagem</p><p>inicialmente se dá por meio de tentativa e erro.</p><p>Graças ao condicionamento operante (formulado, aliás, por Skinner), o</p><p>comportamento é moldado por suas consequências. Um comportamento</p><p>que recebe reforço positivo tende a se repetir e ser aprendido.</p><p>Uma criança come todo o jantar e recebe elogios dos pais. Os elogios</p><p>funcionam como reforço positivo, criando a tendência de que esse</p><p>comportamento seja repetido.</p><p>91</p><p>Na visão ambientalista, a aprendizagem pode ser entendida como o processo</p><p>pelo qual o comportamento é modificado como resultado de uma experiência. A</p><p>principal crítica que se faz à concepção behaviorista é seu determinismo, pois o</p><p>ambiente é protagonista.</p><p>O behaviorismo seria uma concepção de homem como ser passivo frente ao</p><p>ambiente no sentido de ele poder ser manipulado e controlado pela simples</p><p>alteração das situações em que se encontra. Não há interesse em explicar os</p><p>processos por meio dos quais a criança raciocina e a forma com que ela se</p><p>apropria do conhecimento. Tampouco há espaço para abordar a criatividade.</p><p>superego. Freud afirma que todos nós nascemos dominados pelo id,</p><p>estrutura inata que funciona como um reservatório das pulsões.</p><p>O processo de educação impõe ao indivíduo</p><p>a necessidade de recalcar</p><p>parte da sua pulsão sexual e agressiva. Ou seja, para se viver em sociedade,</p><p>é condição que o princípio do prazer ceda ao da realidade.</p><p>O superego funciona como a instância moral, introjetada a partir das leis da</p><p>cultura, enquanto o ego é o mediador entre ego e superego. Pode-se dizer</p><p>que o papel do ego é mediar as tendências primitivas, que são inatas, e as</p><p>normas criadas na cultura, o que seria um processo de fora para dentro.</p><p>Mas essa parte inata da personalidade, cuja força está na base de todas as</p><p>conexões humanas, ao ser recalcada, continua produzindo efeito sobre o</p><p>sujeito na forma de motivações inconscientes. O que caracteriza uma</p><p>92</p><p>pessoa são suas ações, seus sonhos e seus pensamentos mobilizados pelo</p><p>inconsciente.</p><p>Pode-se perceber um enfoque importante dado ao que é inato e ao</p><p>determinismo do comportamento a partir do inconsciente. A cultura</p><p>também se faz presente, já que somos seres sociais e precisamos nos</p><p>adaptar às normas culturais.</p><p>Freud apresenta a vida em sociedade como contrária à natureza do homem,</p><p>porém necessária. Existe a importância da cultura na teoria de Freud, mas</p><p>ele a vê como um mal necessário, que exige do homem a renúncia de boa</p><p>parte de suas pulsões.</p><p>O behaviorismo traz uma crítica à Psicanálise pela ênfase dada a processos</p><p>inconscientes internos que determinam o comportamento de dentro para</p><p>fora.</p><p>Como vimos no item anterior, para o</p><p>behaviorismo, apenas os instintos básicos</p><p>são herdados: todo o resto é adquirido. Até</p><p>preferências e desejos são explicados</p><p>como o resultado do condicionamento.</p><p>93</p><p>Em relação aos teóricos neoanalistas, não</p><p>há dúvidas sobre sua ênfase no ambiente,</p><p>já que eles consideram que o indivíduo é</p><p>fruto do meio.</p><p>Entretanto, percebemos o fio condutor que os agrupa na categoria de</p><p>neoanalistas: todos eles têm a Psicanálise como ponto de partida, mas</p><p>mudam o enfoque das motivações inconscientes para as influências da</p><p>cultura.</p><p>Alfred Adler afirma o interesse social como</p><p>um fator preponderante para um psiquismo</p><p>saudável e ressalta que construímos nossa</p><p>personalidade na interação social.</p><p>A psicologia individual de Adler concentra-se na singularidade de um</p><p>indivíduo e na importância por ele sentida.</p><p>O autor destaca o desamparo infantil, que pode ser a origem de um</p><p>complexo de inferioridade. Como consequência disso, uma postura</p><p>defensiva seria adotada pelo indivíduo, o que tornaria as relações</p><p>interpessoais problemáticas.</p><p>94</p><p>Adler, portanto, acreditava que essa construção defensiva poderia ser</p><p>evitada pela construção de ambientes sociais mais saudáveis. Vemos nas</p><p>propostas teóricas desse autor uma grande importância: a influência do</p><p>entorno na formação e no funcionamento da personalidade.</p><p>Já para Karen Horney, o ambiente é crucial</p><p>para que o self verdadeiro seja construído</p><p>e para a realização das potencialidades de</p><p>cada um.</p><p>Horney, que não concorda com a maneira como a teoria psicanalítica vê as</p><p>mulheres, chama a atenção para a diferença entre as identidades masculina</p><p>e feminina, enfatizando que as mulheres não precisam aceitar o lugar</p><p>passivo reservado para elas na sociedade. Ela também lança luz sobre a</p><p>importância do entorno para o desenvolvimento satisfatório de uma criança</p><p>e a realização de suas potencialidades.</p><p>Harry Stack Sullivan, por sua vez, afirma</p><p>que não será possível tomar o ser humano</p><p>como um objeto de estudo se não</p><p>considerarmos a interação social.</p><p>95</p><p>Ele revolucionou a Psiquiatria ao buscar a influência das relações</p><p>interpessoais para explicar os transtornos.</p><p>Nesse ponto, a Psicanálise lhe foi bastante útil. Ainda assim, Sullivan criou</p><p>a própria teoria do desenvolvimento, direcionando o interesse para as zonas</p><p>primárias de interação. A ênfase é dada na interação com o meio – e não na</p><p>sensação corporal.</p><p>Erich Fromm, por fim, explica a orientação</p><p>de caráter como produto da interação com</p><p>o meio.</p><p>Ele enfatiza a cultura capitalista como o polo de identificação a partir do</p><p>qual os homens teriam se tornado réplicas de um bem de consumo.</p><p>Ele leva de Freud a ideia do desamparo infantil, que torna o indivíduo</p><p>suscetível às influências do meio. Para explicar o movimento humano, ele</p><p>também mostra a influência de seus estudos sociológicos e constrói uma</p><p>crítica à sociedade industrial, que alienou o homem de si mesmo, fazendo</p><p>com que o indivíduo se afastasse dos próprios anseios para se identificar</p><p>com o que é veiculado pela sociedade de consumo.</p><p>96</p><p>A importância do ambiente no</p><p>desenvolvimento de orientações de</p><p>caráter segundo Fromm</p><p>A contribuição de Erich Fromm para a teoria da personalidade envolve a</p><p>descrição de tipos de caráter que se desenvolvem como fruto da interação. O</p><p>termo “orientação de caráter” descreve a forma do indivíduo relacionar-se com o</p><p>mundo, constituindo a base de ajustamento dele à sociedade. Fromm, nesse</p><p>contexto, distingue o caráter individual do social, conforme é possível verificar a</p><p>seguir.</p><p>Caráter individual</p><p>O caráter individual é aquilo que diferencia uma pessoa do resto dos membros</p><p>da mesma cultura. Ele decorre da personalidade dos pais e da forma de</p><p>educação, englobando fatores biológicos, psíquicos e de temperamento. O</p><p>caráter individual revela, portanto, a forma própria com que uma pessoa percebe</p><p>o mundo.</p><p>Caráter social</p><p>O autor considera o caráter social um denominador comum entre as características</p><p>intrínsecas ao indivíduo e à sua cultura. Não se trata de algo fixo e imutável; na verdade,</p><p>ele revela um padrão por meio do qual o indivíduo reage às imposições e às</p><p>oportunidades externas presentes na sociedade.</p><p>De acordo com Friedman e Schustack (2003), Fromm ainda divide as orientações de</p><p>caráter social em produtiva e improdutiva.</p><p>97</p><p>Dentro da configuração improdutiva, estão as seguintes orientações:</p><p>Orientação receptiva</p><p>O indivíduo, alienado de si mesmo, acredita que o único modo de obter o que deseja é</p><p>recebê-lo do mundo externo. Nessa orientação, a pessoa se torna dependente da ajuda</p><p>do outro, diminuindo a participação da própria atividade e esperando que tudo seja feito</p><p>pelos outros.</p><p>Orientação exploradora</p><p>Assim como a receptiva, a premissa básica é a percepção de que a capacidade</p><p>produtiva está no meio externo, e não em si mesmo. Entretanto, na orientação</p><p>exploradora, a pessoa não espera receber coisas dos outros, e sim tomá-las.</p><p>Orientação acumulativa</p><p>Caracteriza-se pela percepção do mundo externo como ameaça. A postura do indivíduo,</p><p>em termos econômicos, é a de acumular o máximo e gastar o mínimo. As relações</p><p>interpessoais são atravessadas pela desconfiança. Enquanto a posse significa</p><p>segurança, a intimidade é prejudicada pela falta de confiança.</p><p>Orientação mercantil</p><p>Trata-se da orientação dominante na cultura moderna. O indivíduo percebe a si mesmo</p><p>como mercadoria. Identificam-se ainda os objetos de consumo tão valorizados no</p><p>sistema capitalista. O sucesso depende de saber vender suas qualidades, de saber</p><p>impressionar. A autoestima, nesse caso, depende do valor que lhe atribuem de fora</p><p>para dentro. Nessa orientação, as pessoas experimentam uma constante sensação de</p><p>vazio, uma vez que seu valor depende totalmente do reconhecimento do outro. Não há</p><p>a percepção de uma característica específica, um traço próprio que o diferencie como</p><p>sujeito; ao contrário, a personalidade vai se adaptando ao meio da mesma forma que a</p><p>98</p><p>produção em massa é adaptada ao mercado. Trata-se de uma orientação em que a</p><p>personalidade precisa estar na moda, tal qual os produtos na sociedade de consumo.</p><p>As pessoas se identificam com os ideais veiculados pela propaganda e tomam para si</p><p>os valores e os moldes propagados como sendo de sucesso.</p><p>Orientação produtiva</p><p>Em contraponto aos diversos tipos de orientação improdutiva, está a orientação</p><p>produtiva do caráter, que se refere à capacidade do homem para a realização de suas</p><p>potencialidades. Ser produtivo, nesse contexto, significa ser frutífero para si mesmo,</p><p>desenvolvendo traços próprios de personalidade e capacidade criativa.</p><p>Não se trata de</p><p>uma concepção mercadológica que embasa a produção em massa voltada para a</p><p>sociedade de consumo.</p><p>O caráter de um indivíduo é a mistura de algumas dessas orientações. Erich</p><p>Fromm considera, entretanto, que uma delas costuma ser a dominante a</p><p>partir da qual o homem adotará uma postura preponderante nas relações</p><p>interpessoais.</p><p>Como a cultura exerce importante influência na constituição do caráter</p><p>social, Fromm observa que as configurações improdutivas são mais</p><p>comuns na sociedade moderna, o que, na verdade, motiva toda a sua crítica</p><p>à sociedade industrial. Os homens modernos são, em sua maioria,</p><p>angustiados, submissos e incapazes de ser livres (FRIEDMAN; SCHUSTACK,</p><p>2003).</p><p>A importância da esfera interpessoal na teoria de Sullivan</p><p>99</p><p>A teoria de Harry Stack Sullivan se baseia, em parte, na teoria de Freud. Cada estágio</p><p>dela, afinal, também é caracterizado por uma zona primária de interação: áreas</p><p>corporais por meio das quais a pessoa canaliza necessidades, como a ansiedade e o</p><p>alívio.</p><p>Entretanto, o enfoque principal de sua teoria é dado ao ambiente. Além disso, as zonas</p><p>primárias têm muito menos importância que as erógenas na teoria de Freud.</p><p>Para Hall, Lindzey e Campbell (1999), Sullivan descreve o desenvolvimento em cinco</p><p>etapas:</p><p>1 - A primeira infância</p><p>A primeira infância, que designa o período que vai do nascimento até o início da</p><p>linguagem, é caracterizada pela necessidade primária de contato corporal, conforto e</p><p>cuidado. As zonas primárias de interação são a oral (principalmente) e a anal. Elas são</p><p>partes privilegiadas do contato corporal com o meio externo, seja na amamentação ou</p><p>na limpeza das excreções. Quando essas necessidades são preenchidas, gerando o</p><p>mínimo de ansiedade, o bebê experimenta um sentimento de bem-estar. Porém, quando</p><p>a ansiedade está presente no cuidador, isso é percebido pela criança, que pode adotar</p><p>uma postura defensiva, de apatia ou desapego como estratégia de segurança em</p><p>relação ao meio externo. Se a ansiedade e a inconsistência são severas, experiências</p><p>intensas de pavor também são vivenciadas pelo bebê.</p><p>2 - A infância</p><p>Ela começa com o início de linguagem, que garante uma comunicação efetiva e</p><p>contínua até o início da escola. Nessa fase, a criança, já conseguindo se diferenciar do</p><p>meio externo, volta-se para os pais como fonte de reconhecimento e aceitação.</p><p>100</p><p>A zona de interação mais comum é a anal, pois localiza-se nessa fase o</p><p>desenvolvimento do controle dos esfíncteres. A principal necessidade da criança é a de</p><p>aprovação, o que auxilia no desenvolvimento dela em várias áreas de aprendizagem,</p><p>como linguagem, autocontrole e comportamento.</p><p>Ela se esforça para agradar os pais – e isso serve como motivação para o esforço de</p><p>aprender. A gratificação dos pais, por outro lado, conduz à autoestima e à percepção</p><p>positiva do eu.</p><p>Entretanto, quando a ansiedade está presente nessa interação, os resultados não são</p><p>positivos para a construção da personalidade: a ansiedade moderada conduz à</p><p>ansiedade crônica, incerteza e insegurança; a extrema, a desistir de um comportamento</p><p>exitoso conhecido em favor de padrões autodestrutivos.</p><p>3 - A era juvenil</p><p>A era juvenil corresponde à faixa etária de 5 a 8 anos. Nesse estágio, o foco</p><p>interpessoal se expande para novos grupos, e são percebidas figuras de autoridade</p><p>externas à família.</p><p>A criança experimenta a oportunidade de troca com amigos na qual pode exibir</p><p>comportamentos proibidos em casa, como falar palavrão, por exemplo. São</p><p>desenvolvidas as capacidades de cooperação e competição, assim como de negociar</p><p>as próprias necessidades com os outros.</p><p>Dessa fase originam-se o interesse social legítimo sem sacrificar os próprios e a</p><p>possibilidade de construir relações saudáveis com os outros ao longo da vida. Porém,</p><p>se essa experiência não for gratificante e gerar ansiedade, padrões de comportamento</p><p>disfuncionais poderão ser estabelecidos como necessidade de controle ou de apatia</p><p>nas relações sociais.</p><p>101</p><p>4 - A pré-adolescência</p><p>A pré-adolescência é localizada entre 8 e 12 anos de idade. Sullivan a considera uma</p><p>fase de extrema importância na qual existe um direcionamento mais consistente dos</p><p>interesses para fora da família. Desenvolvem-se nessa etapa o comportamento de</p><p>camaradagem e as amizades mais profundas, assim como a capacidade de respeitar</p><p>os limites do outro em uma troca verdadeira.</p><p>Se essa fase não for vivida de forma gratificante, as habilidades sociais para o amor, a</p><p>confiança e a colaboração poderão não ser desenvolvidas da forma adequada, gerando</p><p>consequências negativas na interação social ao longo da vida.</p><p>5 - A adolescência</p><p>Na adolescência, que se inicia na puberdade, as necessidades são semelhantes às da</p><p>pré-adolescência com o acréscimo da sexualidade, que aflora nessa fase. Uma nova</p><p>modalidade de relação interpessoal é possibilitada envolvendo a intimidade e a</p><p>sensualidade. As vivências ocorridas nessa fase podem levar à consolidação da</p><p>autoestima ou à ridicularização de si mesmo.</p><p>Se a integração entre afeto, intimidade e sexualidade começar a ser experimentada de</p><p>forma positiva, os anos posteriores da adolescência serão marcados pela expansão de</p><p>valores como a visão consensual de relações interpessoais. Trata-se, dessa forma, de</p><p>um estágio fundamental para a esfera das relações amorosas, que ocupam lugar de</p><p>destaque nas relações interpessoais.</p><p>A teoria do desenvolvimento de Sullivan deixa claro que a personalidade é</p><p>construída a partir da relação com o meio e que depende da qualidade dessas</p><p>relações. Quando ocorrem de forma preponderante, vivências perturbadoras e</p><p>frustrantes podem fazer com que modos primitivos de experimentar o mundo</p><p>persistam sem que a socialização se dê de forma facilitadora. Como Sullivan</p><p>102</p><p>não concebe a possibilidade de crescimento humano fora do contexto social, as</p><p>pessoas que carregam marcas traumáticas em pontos cruciais do</p><p>desenvolvimento apresentarão uma tendência para o adoecimento psíquico.</p><p>Os neoanalistas e o inatismo</p><p>É interessante notar, entretanto, que a maioria dos autores neoanalistas aqui</p><p>estudados não deixa de considerar as tendências inatas que fazem parte do</p><p>movimento humano. Alfred Adler põe ênfase no desamparo infantil para explicar</p><p>o sentimento de inferioridade. Isso seria comum a todos e, dependendo das</p><p>relações com o entorno, poderia culminar no complexo de inferioridade.</p><p>Já Karen Horney fala sobre a tendência para o desenvolvimento saudável, ou</p><p>seja, a realização de potencialidades próprias a cada sujeito. É claro que o</p><p>ambiente é fundamental, facilitando ou dificultando esse desenvolvimento.</p><p>Ainda assim, a autora propõe uma sociedade voltada para isso, a fim de que as</p><p>pessoas não precisem se organizar a partir de estratégias neuróticas de</p><p>enfrentamento.</p><p>Harry S. Sullivan, apesar da ênfase na interação social em cada fase do</p><p>desenvolvimento, fala em necessidades que precisam ser atendidas. Já Erich</p><p>Fromm critica a sociedade construída a partir da era industrial, pois acredita que</p><p>seus valores afastam o homem de sua potência genuína e criativa. O homem,</p><p>defende Fromm, teria um potencial criativo e único impedido pela cultura</p><p>mecanicista.</p><p>103</p><p>Dessa forma, fica evidente que, para discutirmos o construto da personalidade</p><p>com propriedade, precisamos fazer uso de uma abordagem interacionista que</p><p>considere tanto as tendências inatas da pessoa quanto as influências do meio</p><p>social e do entorno.</p><p>Para Freud, o id é uma instância inata que funciona como reservatório da</p><p>pulsão. Para viver em sociedade, é preciso que o indivíduo renuncie a parte</p><p>dessa pulsão (sexual e agressiva), que lhe é inata. Para o behaviorismo,</p><p>tudo é aprendido – até as escolhas pessoais. Desse ponto de vista, a crítica</p><p>à Psicanálise faz sentido. Freud ressalta a importância de se inserir na</p><p>sociedade, mas afirma que esse movimento não é natural para o ser</p><p>humano.</p><p>104</p><p>O teórico que construiu uma crítica à sociedade industrial foi Erich Fromm,</p><p>enquanto Sullivan, que era</p><p>psiquiatra, formulou a teoria do desenvolvimento</p><p>social. Karen Horney não aceitou que as mulheres tivessem de se contentar</p><p>com o papel reservado a elas na sociedade, mas a luta pela superioridade é</p><p>um conceito de Adler. A ansiedade básica, por sua vez, foi conceituado por</p><p>Horney, que enfatizava a importância do entorno e da qualidade das</p><p>relações nesse período, o que, segundo ela, evitaria que as pessoas se</p><p>posicionassem defensivamente com estratégias neuróticas de</p><p>enfrentamento.</p><p>105</p><p>106</p><p>107</p><p>108</p><p>109</p><p>110</p><p>111</p><p>112</p><p>113</p><p>114</p><p>115</p><p>116</p><p>117</p><p>118</p><p>119</p><p>120</p><p>!)</p><p>1) os conceitos de personalidade (variam pq cada pessoa tem uma</p><p>diferente concepção sobre a natureza humana)</p><p>2) 8 estágios erikson</p><p>3) Estágios de sullivan</p><p>4) Adler - inferioridade / luta pela perfeição</p><p>5) Horney - ansiedade básica?</p><p>6) Id ego super ego</p><p>7) Eric frohm</p><p>121</p><p>122</p><p>de surpresa e encontramos um velho</p><p>amigo que há muito tempo não víamos, geralmente, somos capazes de encaixar o</p><p>"novo" e o "velho" eu em um todo coerente e ter a certeza de que, no fundo, a pessoa</p><p>ainda é a mesma. Ou seja, não se presume que a personalidade seja inteiramente</p><p>estável, mas sim, que pode, até certo ponto, sofrer mudanças e continuar mantendo</p><p>determinado padrão.</p><p>Tal visão permite a possibilidade de crescimento de personalidade a longo prazo e</p><p>mudanças ao longo da vida, além de flutuações de curto prazo na personalidade do dia</p><p>a dia.</p><p>A personalidade também é social, visto que atribuímos significado e importância ao</p><p>comportamento quando o utilizamos para inferir características de personalidade</p><p>subjacentes. Quando usamos termos como traços para falar de personalidade,</p><p>estamos falando sobre algo que é derivado de nossa experiência indireta. Por exemplo:</p><p>eu vejo Caio se comportando de determinada forma sempre que é frustrado e minha</p><p>percepção indireta da realidade em conjunto com meu conhecimento social permitem</p><p>com que eu faça inferências e afirme que “Caio é temperamental”.</p><p>● A personalidade refere-se às diferenças entre as pessoas em suas</p><p>características psicológicas, não às diferenças físicas ou biológicas. Por</p><p>exemplo, a tensão pré-menstrual (TPM) pode influenciar o padrão</p><p>comportamental de Joana, porém a TPM não é considerada uma característica</p><p>de sua personalidade, embora possa afetar o humor da Joana e fazer com que</p><p>ela pareça ser uma pessoa mais irritada ou briguenta em certos momentos do</p><p>4</p><p>ciclo menstrual dela.</p><p>● A personalidade, de modo geral, não inclui ou se relaciona a habilidades.</p><p>Personalidade é sobre como as pessoas normalmente são, não o que elas são</p><p>capazes de fazer no seu melhor dia. Por exemplo, o fato de Luiz ser um</p><p>excelente jogador de cartas e ter habilidades que movimentam o jogo não</p><p>significa que tal característica faça parte da sua personalidade.</p><p>● A personalidade não inclui estados como fome, excitação ou humor. O fato de</p><p>Giovanna se sentir feliz ao comer um lanche de fast-food não quer dizer que isso</p><p>faça parte de sua personalidade.</p><p>A estabilidade da Personalidade</p><p>As diferenças entre as pessoas não são apenas resultado das diferentes situações.</p><p>Traços tendem a ser estáveis.</p><p>Elementos fundamentais: aspectos dinâmicos da personalidade (incluindo aspectos</p><p>motivacionais), os blocos estruturantes da personalidade (unidades básicas), a</p><p>natureza e as razões do desenvolvimento desordenado da personalidade, os</p><p>determinantes da personalidade que podem ser genéticos e ambientais e como as</p><p>pessoas mudam e por quais motivos resistem à transformação ou são incapazes de</p><p>mudar.</p><p>5</p><p>Embora não haja uma definição padrão aceita por todos os teóricos da personalidade,</p><p>ela, comumente, é entendida com um padrão de traços relativamente permanentes e</p><p>características únicas que dão certa consistência e individualidade às ações de uma</p><p>pessoa. Os traços auxiliam as diferenças individuais, a consistência ao longo do tempo</p><p>e a estabilidade do comportamento em várias situações. Eles podem ser únicos,</p><p>comuns ou compartilhados entre as pessoas, porém seu padrão é diferente em cada</p><p>pessoa. Já as características dizem respeito às qualidades particulares de uma pessoa,</p><p>como inteligência e temperamento.</p><p>6</p><p>2.</p><p>Aspectos históricos na construção do</p><p>conhecimento em Psicologia</p><p>7</p><p>Em 1957, Hall e Lindzey publicaram um importante livro de Psicologia da</p><p>Personalidade, no qual agruparam as grandes teorias sobre a personalidade a partir de</p><p>suas perspectivas:</p><p>● Psicanalítica</p><p>● Humanista</p><p>● Comportamental</p><p>● Aprendizagem</p><p>Se, por um lado, tais visões mostram distintas concepções acerca da formação e do</p><p>desenvolvimento da personalidade, por outro lado, alguns estudiosos afirmam que</p><p>tantas visões fragmentam o campo.</p><p>Antes mesmo de Allport defender a ideia de pessoa como um objeto de estudo,</p><p>assim como sua personalidade, estudiosos europeus já olhavam o conceito por ótica</p><p>semelhante. Por exemplo, McDougall (1923) afirmava que a personalidade era</p><p>constituída por instintos e sentimentos, dos quais o principal seria a autoestima,</p><p>importante fator na formação do caráter. O próprio Freud contribuiu nessa discussão ao</p><p>trazer o conceito de ego como agente unificador entre as forças conflitantes</p><p>internas (SCHULTZ, D.; SCHULTZ, S, 2015).</p><p>O que motiva um comportamento diferente entre duas pessoas se estiverem</p><p>expostas à mesma situação?</p><p>Freud explicava que os impulsos biológicos ligados à sexualidade forneciam energia e</p><p>motivação para os comportamentos humanos, logo a motivação para tais</p><p>comportamentos estaria ligada a esses impulsos, denominados instintos. Nesse</p><p>sentido, instintos seriam representações mentais de necessidades do corpo, como o</p><p>instinto sexual (SCHULTZ, D.; SCHULTZ, S, 2015).</p><p>A personalidade seria então estruturada em três componentes: id, ego e superego.</p><p>Em cada componente orientado por um princípio, teríamos a atuação do id direcionado</p><p>ao prazer dos instintos biológicos, o ego direcionado à realidade e o superego</p><p>orientado pela moral.</p><p>Exemplo</p><p>8</p><p>Se Beatriz está morrendo de fome, ela percebe porque o id direciona os instintos</p><p>biológicos. Quando sua barriga ronca ela logo pensa em comprar algo para comer, mas</p><p>lembra que está no meio de uma aula importante da faculdade. Assim, seus valores</p><p>morais ditam que seria inapropriado abandonar a aula naquele momento (o superego</p><p>atuando), então, ela aguarda o término da aula ("decisão" do ego).</p><p>Para Freud, a personalidade é constituída à medida que o desenvolvimento</p><p>psicossexual ocorre, este baseado em zonas erógenas a cada fase: oral, anal, fálica e</p><p>genital (SCHULTZ, D.; SCHULTZ, S, 2015).</p><p>Jung rejeitou a visão de Freud da importância primária dos impulsos sexuais</p><p>inconscientes.</p><p>Em vez disso, ele se dedicou ao estudo e à explicação dos impulsos primitivos do</p><p>inconsciente.</p><p>Para Jung, os impulsos primitivos do inconsciente representavam uma força vital mais</p><p>positiva que abrange um impulso inato que motiva a criatividade e a resolução mais</p><p>positiva dos conflitos.</p><p>Além disso, deu mais amplitude ao conceito de libido de Freud, articulando com o que</p><p>denominou Princípio dos Opostos: Todos os aspectos da psique têm seu oposto e</p><p>essa oposição é a responsável por gerar energia psíquica.</p><p>Assim, pelo Princípio da Equivalência, ele explicou que, quando se perde o interesse</p><p>em algo, esse interesse não se perde, apenas é transferido para outra coisa (ou</p><p>pessoa) e o excesso para o inconsciente. Dessa forma, a personalidade seria</p><p>constituída, em parte, pelas características inatas e, em parte, pelo que for aprendido,</p><p>principalmente a partir da meia-idade, sendo seus principais sistemas:</p><p>Ego</p><p>Centro da consciência</p><p>Inconsciente pessoal</p><p>Aquilo que foi esquecido ou reprimido</p><p>Inconsciente coletivo</p><p>O que foi herdado</p><p>9</p><p>Jung observou o que denominou de atitudes mentais opostas (extroversão e</p><p>introversão) e funções psicológicas também opostas (sensação e intuição,</p><p>pensamento e sentimento), as quais interagem e formam a personalidade do indivíduo.</p><p>Além disso, o conceito de arquétipo também é importante na teoria de Jung, que se</p><p>refere a conjuntos de imagens que dão sentido aos complexos mentais, formando o</p><p>conhecimento e o imaginário do inconsciente coletivo (JUNG, 1971).</p><p>Abordagens do ciclo vital e genéticas</p><p>Em oposição às teorias da personalidade da época, que focavam em períodos</p><p>específicos nos quais a personalidade se desenvolve, teóricos que consideram o ciclo</p><p>vital como um todo defendiam que a personalidade se desenvolve ao longo de todo o</p><p>ciclo de vida do indivíduo.</p><p>Seu principal percussor, Erikson, dividiu o desenvolvimento da personalidade em oito</p><p>estágios psicossociais, o que também o distancia do foco em fatores biológicos por</p><p>outras teorias. Para o autor, em cada fase, haveria um conflito com possibilidade de</p><p>adaptação positiva ou negativa, influenciado tanto pela genética como pelo ambiente,</p><p>cujo desfecho é determinante para a constituição da personalidade.</p><p>Os oito estágios são:</p><p>confiança X desconfiança</p><p>vontade autônoma X dúvida</p><p>iniciativa X culpa</p><p>diligência X inferioridade</p><p>coesão da identidade X confusão de papéis</p><p>intimidade X isolamento</p><p>generatividade X estagnação</p><p>integridade do ego X desespero</p><p>Caso a adaptação seja positiva, desenvolvem-se forças básicas também positivas,</p><p>como esperança, vontade, objetividade, competência, fidelidade, amor, cuidado e</p><p>sabedoria (SCHULTZ, D.; SCHULTZ, S., 2015).</p><p>Foi nesse sentido de desenvolvimento ao longo do ciclo vital que Allport consolidou o</p><p>estudo dos aspectos psicológicos do indivíduo. Para o autor, a pessoa era “um todo</p><p>único” e sua personalidade era também individual, ainda que possuísse aspectos</p><p>semelhantes à de outros indivíduos.</p><p>10</p><p>Pautado no estudo dessas singularidades, ele se direciona ao campo da Psicologia da</p><p>Personalidade e faz a famosa publicação conhecida como marco teórico dos estudos</p><p>sobre personalidade.</p><p>Assim, os traços que nos tornam únicos explicam tanto a motivação para</p><p>determinados comportamentos como as diferenças observadas entre indivíduos.</p><p>No mesmo sentido de Allport, Murray defendia o estudo da pessoa e da sua</p><p>personalidade como um todo, mas fugia do conceito de self e se aproximava mais</p><p>dos fatores inconscientes como determinantes da constituição da personalidade da</p><p>pessoa (tal como os psicanalistas da época)</p><p>Havia ainda o estudo da personalidade a partir dos fatores ou traços, cujo percussor foi</p><p>Cattell. Para o autor, a característica predominante da personalidade é a capacidade de</p><p>previsão de comportamentos a partir do seu entendimento (FEIST, J.; FEIST, G.;</p><p>ROBERTS, 2015).</p><p>Exemplo</p><p>Em outras palavras, se Pedro conhece Jéssica (e sua personalidade), ele consegue</p><p>saber como ela vai lidar com situações específicas antes mesmo de presenciá-las.</p><p>Para que essa previsão seja precisa, é necessário que Pedro tenha informações</p><p>quantitativas sobre os traços relacionados à personalidade de Jéssica e de seus níveis,</p><p>assim ele pode pesar e dimensionar as informações e chegar a conclusões.</p><p>Dessa forma, existiriam diversas categorias de traços:</p><p>● Dinâmicos: Que instigam o indivíduo a realizar um plano de ação.</p><p>● De habilidade: Relacionados ao senso de autoeficácia.</p><p>● De temperamento: Associados à velocidade, à reatividade e à energia</p><p>emocional.</p><p>Além de Cattell, outro importante nome no estudo de fatores de personalidade foi</p><p>Eysenck, que cunhou a classificação da personalidade como constituída basicamente</p><p>por três traços amplos (FEIST, J.; FEIST, G.; ROBERTS, 2015):</p><p>● Extroversão-introversão;</p><p>● Neuroticismo-estabilidade emocional;</p><p>● Psicotismo-controle de impulso.</p><p>11</p><p>Como Cattell, Eysenck defendia que tais traços ou fatores estavam presentes na</p><p>personalidade de todos os indivíduos. Para ele, a personalidade era definida pelo nível</p><p>e pela expressão de cada traço, que era singluar.</p><p>Mais tarde, McCrae e Costa (2003) trazem a famosa teoria do big five, oriunda de suas</p><p>pesquisas que identificaram cinco grandes fatores na constituição da personalidade</p><p>humana:</p><p>Neuroticismo</p><p>Extroversão</p><p>Abertura</p><p>Conscienciosidade</p><p>Amabilidade</p><p>Abordagens humanistas e sociais</p><p>As abordagens humanistas em geral focam em entender a constituição da</p><p>personalidade a partir dos interesses e dos valores humanos, criticando as teorias que</p><p>visavam entender apenas o patológico ou o negativo. Os principais precursores</p><p>humanistas foram Maslow e Rogers.</p><p>Segundo Maslow (1998), o homem é motivado por necessidades que se manifestam</p><p>em graus de importância. Para esse autor, as necessidades fisiológicas são as</p><p>necessidades iniciais, seguidas pelas necessidades de segurança, de afiliação e de</p><p>amor, de estima, sendo as de realização pessoal as necessidades finais, que ele ilustra</p><p>em sua famosa pirâmide da hierarquia de necessidades.</p><p>Cada necessidade humana influencia na motivação e na realização do indivíduo, que o</p><p>faz prosseguir para outras necessidades; satisfazê-las leva ao crescimento e ao</p><p>desenvolvimento e à autorrealização, o que denota sua importância na constituição da</p><p>personalidade do indivíduo.</p><p>A autorrealização era temática comum entre os humanistas. Rogers defendia que todas</p><p>as pessoas têm uma necessidade fundamental de autorrealização na qual elas</p><p>percebem seu mais alto potencial, cada uma a sua maneira. Ele propôs que os</p><p>indivíduos desenvolvem uma necessidade de atenção positiva que reflete o desejo de</p><p>ser amado e respeitado e que crescemos dependendo de outras pessoas, uma vez que</p><p>elas nos fornecem essa atenção positiva (FEIST, J.; FEIST, G.; ROBERTS, 2015).</p><p>Foi Rogers quem cunhou o termo terapia centrada na pessoa, justamente por defender</p><p>que a mudança da personalidade de determinado indivíduo só é possível se o processo</p><p>12</p><p>for centrado no interior dele mesmo, tendo o terapeuta o papel de facilitador do</p><p>processo.</p><p>Antecessora da Teoria Social Cognitiva, temos a Teoria da Aprendizagem Social ou a</p><p>Teoria Sociocognitiva de Bandura (1999). Para Bandura os fatores mais importantes</p><p>na constituição da personalidade são os sociais e cognitivos. Para ele, a maioria dos</p><p>fatores que moldam a personalidade são de natureza social, como a aprovação, a</p><p>atenção dada a uma pessoa e a aceitação.</p><p>É com base na observação que fazemos dos comportamentos dos outros que</p><p>construímos uma ideia de como novos comportamentos podem ser construídos.</p><p>Nesse cenário, a Teoria Sociocognitiva tenta prever como as pessoas aprendem e</p><p>moldam sua personalidade observando os outros. Bandura (1999) foi além de seu</p><p>próprio postulado e passou a considerar a personalidade como uma interação entre</p><p>três variáveis, acrescentando, assim, os processos psicológicos individuais aos efeitos</p><p>do ambiente e do comportamento. Para o autor, esses processos estão ligados à</p><p>capacidade do indivíduo de reter imagens na mente e com aspectos relacionados à</p><p>linguagem. Ao adicionar imaginação e linguagem ao estudo da personalidade, Bandura</p><p>colocou sua teoria em destaque.</p><p>Em resumo, para Bandura, personalidade é um conjunto de processos e de estruturas</p><p>cognitivas associados a pensamentos e à percepção, relacionando-se ainda ao</p><p>autorreforço (recompensas ou punições a si mesmo) e à autoeficácia (adequação,</p><p>eficácia ou competência para lidar com a vida).</p><p>Abordagens cognitivas e comportamentais</p><p>As abordagens cognitivas, como o próprio nome já diz, enfatizam o entendimento das</p><p>características da personalidade em associação aos processos cognitivos do indivíduo.</p><p>Necessidades, impulsos, emoções e comportamentos que outras abordagens tomam</p><p>como centro da personalidade, os cognitivistas enxergam como aspectos controlados</p><p>pelos processos cognitivos.</p><p>A formulação geral da Teoria Cognitiva tenta explicar a constituição da personalidade</p><p>em torno de como a dotação inata pode interagir com influências ambientais para</p><p>produzir distinções quantitativas em padrões cognitivos, afetivos e comportamentais,</p><p>considerando cada indivíduo com um perfil de personalidade único.</p><p>13</p><p>George Kelly (1995), importante teórico cognitivista, criou a Teoria dos Construtos</p><p>Pessoais. Com ela, Kelly alegava que nós nunca conhecemos o mundo de forma</p><p>direta, mas apenas por meio de imagens que criamos dele. Dessa forma, ele idealiza o</p><p>ser humano como um cientista que constrói e modifica os seus conhecimentos de</p><p>acordo com a sua experiência.</p><p>Para definir o que é algo, é necessário descobrir o que não é.</p><p>A recorrência de uma situação desempenha um papel importante em sua teoria, dado</p><p>que, para ele, construtos surgem porque refletem coisas que se repetem</p><p>frequentemente em nossa experiência. E essa definição de construtos que nos permite</p><p>prever eventos é fator primordial no desenvolvimento do nosso repertório</p><p>comportamental e de nossa personalidade.</p><p>Para Beck, isso constituiria os “traços” ou os padrões de personalidade (por exemplo,</p><p>extrovertido, tímido, agressivo etc.) que seriam organizações de processos</p><p>esquemáticos (FEIST, J.; FEIST, G.; ROBERTS, 2015).</p><p>Resumindo</p><p>A Teoria da Personalidade, na qual está baseada a perspectiva cognitiva,</p><p>caracteriza-se principalmente pelo padrão do processamento de informações que</p><p>ativam respostas pessoais dos sistemas cognitivo,</p><p>motivacional, afetivo e</p><p>comportamental.</p><p>No âmbito comportamental, remetemos ao foco no comportamento observável e na</p><p>premissa de que conhecemos a personalidade de alguém pela maneira como esse</p><p>alguém se comporta. A frequência de determinado comportamento, por sua vez, estaria</p><p>intimamente relacionada ao que Skinner denominou de “tríplice contingência”:</p><p>● Um antecedente: Situação, contexto etc.</p><p>● Gera um comportamento: Uma ação.</p><p>● Que tem uma consequência: Continuar acontecendo ou não.</p><p>As consequências, como visto na explicação, determinam a recorrência do</p><p>comportamento em situação semelhante. É o que chamamos de reforço ou punição,</p><p>sendo positivos ou negativos. Assim, comportamentos reforçados tendem a voltar a</p><p>acontecer, ao passo que os punidos tendem a diminuir a frequência.</p><p>14</p><p>15</p><p>3.</p><p>Conceitos relacionados à personalidade</p><p>16</p><p>Personalidade</p><p>Para iniciar melhor essa discussão acerca dos conceitos articulados à personalidade, é</p><p>imprescindível trazer mais alguns pontos importantes a respeito do seu conceito.</p><p>A personalidade é entendida por muitos estudiosos como uma construção psicológica</p><p>que faz alusão a um conjunto de características de um indivíduo.</p><p>Gordon Allport (1937) definiu a personalidade como uma organização ativa dos</p><p>sistemas psicofísicos que determinam os modos de pensar, agir e sentir, isto é, a</p><p>individualidade social e pessoal de uma pessoa. A formação da personalidade é um</p><p>processo complexo e único, que ocorre de forma gradual de acordo com cada</p><p>indivíduo. O termo personalidade é comumente utilizado em linguagem de senso</p><p>comum se referindo a um conjunto de atributos (também chamados de “qualidades e</p><p>defeitos”) marcantes de uma pessoa, porém esse conceito não tem bases científicas.</p><p>17</p><p>Os autores Carver e Scheier (2000) se propuseram a conceituar a personalidade de</p><p>acordo com alguns pontos relevantes sobre ela. Para eles, a personalidade é:</p><p>Uma organização interna e dinâmica dos sistemas psicofísicos que criam os padrões</p><p>de comportar-se, de pensar e de sentir característicos de uma pessoa.</p><p>(CARVER; SCHEIER, 2000, p. 26)</p><p>Essa definição evidencia que personalidade é:</p><p>● Uma organização, o que se quer dizer que ela não é um aglomerado com partes</p><p>isoladas;</p><p>● Dinâmica;</p><p>● Um conceito de base psicológica relacionado ao corpo e aos seus processos;</p><p>● Uma força ativa que determina em algum grau a forma de se relacionar com o</p><p>mundo;</p><p>● Mostra-se através de características que são consistentes e recorrentes;</p><p>● Expressa-se por meio de pensamentos, emoções e comportamento.</p><p>Para Asendorpf (2004), outro estudioso da personalidade, esta poderia ser conceituada</p><p>como características individuais contínuas que não são patológicas e que são</p><p>importantes para o comportamento de uma pessoa em uma população. Tal definição</p><p>acrescenta alguns pontos importantes à definição de Carver e Scheier, que são:</p><p>● As diferenças interpessoais são variações normais e frequentes;</p><p>● A personalidade é influenciada pela cultura e por aspectos culturais;</p><p>● Os traços de personalidade permanecem razoavelmente estáveis com o passar</p><p>do tempo.</p><p>São as teorias da personalidade que tem como função explicar, de acordo com uma</p><p>perspectiva científica, o motivo das pessoas agirem como agem. Existem várias</p><p>explicações para a definição de personalidade. No início, ela era entendida como uma</p><p>imagem social que é superficializada, isto é, como uma personalidade evidente que as</p><p>pessoas mostram para o seu meio (a partir de então surgiu a ideia de que as pessoas</p><p>utilizam uma “máscara” nos diversos contextos sociais).</p><p>Uma outra noção acerca da personalidade dizia respeito à personalidade como as</p><p>características mais nítidas e salientes das pessoas. Logo, ela era vista como a</p><p>18</p><p>impressão social que uma pessoa demonstra em sua relação e interação com outras</p><p>pessoas.</p><p>A noção mais usada atualmente conceitua a personalidade como um todo que é</p><p>formado por aspectos físicos e afetivos.</p><p>Self</p><p>De modo geral, self é entendido como aquilo que define a pessoa na sua subjetividade,</p><p>isto é, sua essência e individualidade. O termo self pode ser traduzido para o</p><p>Português como "si" ou "eu", mas, em termos psicológicos, a tradução é pouco usada.</p><p>O termo foi utilizado inicialmente por alguns psicanalistas para indicar a pessoa como</p><p>um lugar de atividade psíquica, isto é, como produto de ações dinâmicas que</p><p>asseguram a totalidade do indivíduo.</p><p>Para alguns psicanalistas, self é uma construção do ego, mas não têm o mesmo</p><p>significado, pois, como veremos mais adiante, o ego é uma das três instâncias do</p><p>aparelho mental, ou seja, uma das subestruturas da personalidade. Nesse sentido,</p><p>muitos psicanalistas preferem referir-se à ideia de "representação de si" ao invés de</p><p>"si", de forma isolada. O termo self foi conceitualizado de forma a compor estruturas,</p><p>entre as quais consta o ego, o id e o superego, indo além, consta a personalidade de</p><p>modo geral.</p><p>19</p><p>20</p><p>Tentando simplificar seu conceito, podemos dizer que a identidade é o conjunto total</p><p>das nossas características ou atributos próprios que nos fazem únicos e diferentes de</p><p>todos os outros seres humanos e animais. Assim, a identidade é o conjunto de</p><p>características físicas, psicológicas, culturais etc. Não há uma identidade sublime ou</p><p>perfeita, mas há uma identidade mais ou menos adaptada ao meio que nos circunda.</p><p>A identidade define quem somos e a nossa missão é única e plena em si mesmo. Não</p><p>iremos encontrar várias pessoas com identidades semelhantes, mas podemos</p><p>encontrar pessoas que partilham uma semelhança física, características de</p><p>personalidade semelhantes, uma mesma cultura, mas jamais uma identidade idêntica.</p><p>21</p><p>Em termos comparativos e simplistas, podemos dizer que a identidade é o conjunto de</p><p>elementos do qual a personalidade faz parte.</p><p>Ego</p><p>O ego é entendido como a faceta que alimenta emoções e pensamentos de interesse</p><p>próprio do ser humano, tomando como base os estímulos dos sentidos que formam</p><p>nossas opiniões, levando-nos a agir contra o que nos contenta e em favor do que nos</p><p>descontenta quando uma ação não condiz com os aspectos morais.</p><p>O termo ego surgiu da Psicanálise, visando explicar como é o funcionamento da mente</p><p>humana, em níveis conscientes, inconscientes e impulsivos. Em termos gerais, o ego é</p><p>considerado por alguns como a "personalidade" de uma pessoa e está relacionado ao</p><p>"caráter" e à maneira como pensamos e agimos.</p><p>O ego nos faz ter padrões e hábitos que nos aprisionam em resultados similares em</p><p>nossas vidas. Se tais desfechos são negativos, teremos também resultados</p><p>desfavoráveis. Por isso, entender o ego é essencial, pois, assim, não dependeremos</p><p>unicamente daquilo que surge do nosso instinto ou do nosso passado.</p><p>Autoconceito</p><p>Autoconceito é a compreensão que temos de nós mesmos e é nisso que é baseada a</p><p>Teoria da Personalidade de Rogers. Conforme seus pressupostos, as pessoas buscam</p><p>convergência, consistência e equilíbrio. Assim, para o Humanismo, o “eu” nada mais é</p><p>do que a nossa personalidade interior e, por isso, o autoconceito inclui elementos</p><p>como:</p><p>● Autoestima, isto é, a forma como a pessoa avalia a si e valoriza suas</p><p>características.</p><p>● Autoimagem, que equivale à forma como as pessoas se veem e se descrevem,</p><p>e que, por sua vez, influencia no que ela pensa, no que sente e em como ela</p><p>age.</p><p>● Eu ideal, que são as ambições quanto às próprias características, ações e</p><p>valores, isto é, o que gostaríamos de ser. Quanto mais próximos estamos do “eu</p><p>ideal”, mais coerentes seremos. Em contrapartida, quando a autoimagem é</p><p>distorcida, resulta-se em incoerência, podendo gerar ansiedade e angústia. Em</p><p>22</p><p>geral, as pessoas tendem a se comportar de acordo com a autoimagem, de</p><p>modo que isso reflita no “eu ideal”.</p><p>O autoconceito diz respeito ao nosso conhecimento pessoal acerca de quem somos,</p><p>de forma a abarcar todos os nossos pensamentos e nossas emoções sobre nós</p><p>mesmos, seja física, pessoal ou socialmente. Ele também inclui nosso entendimento de</p><p>como agimos, de nossas competências e de nossas características particulares. O</p><p>nosso autoconceito é desenvolvido</p><p>de modo mais rápido na primeira infância e na</p><p>adolescência, porém continua a se transformar com o tempo, ao passo que</p><p>aprendemos mais sobre nós mesmos.</p><p>Temperamento</p><p>O temperamento denomina, de acordo com a Psicologia, um aspecto único da</p><p>personalidade: as peculiaridades das pessoas ligadas à forma como agimos,</p><p>principalmente ligadas aos três “As” da personalidade:</p><p>● Afetividade</p><p>● Atenção</p><p>● Atividade</p><p>A conceituação de temperamento é difícil e se confunde por diversas vezes com outros</p><p>conceitos, a exemplo de traços de personalidade.</p><p>Considerando que vários traços de temperamento se relacionam a tendências</p><p>disposicionais da pessoa de experienciar determinadas emoções ou humores de modo</p><p>frequente ou intenso, alguns autores definiram o temperamento com base em tais</p><p>disposições. Todavia, tal conceituação se mostra limitada, pois não inclui traços como</p><p>atenção, hiperatividade e perseverança, vistos como parte do temperamento.</p><p>Buss e Plomin (1984) buscaram especificar de forma mais detalhada essa definição.</p><p>Para os autores, o temperamento é o conjunto de traços de personalidade que são</p><p>observáveis desde os anos iniciais da nossa vida, sendo influenciados pela genética e</p><p>estáveis a longo prazo.</p><p>Tal definição também não é considerada totalmente satisfatória, pois não distingue os</p><p>traços de temperamento de outros traços de personalidade. Além disso, o termo</p><p>também é usado inúmeras vezes em linguagem do senso comum como sinônimo de</p><p>personalidade ou de caráter. Esse uso na linguagem rotineira dificulta de modo</p><p>significativo uma definição clara do termo.</p><p>23</p><p>24</p><p>Considerações finais</p><p>A Psicologia da Personalidade é a área da Psicologia que busca estudar, entender e</p><p>explicar as diferenças e as particularidades humanas que influenciam os</p><p>comportamentos. Seu conceito nem sempre é claro, pois é confundido com termos do</p><p>senso comum e com outros termos da Psicologia. No senso comum, por exemplo, a</p><p>personalidade é usada para descrever características acentuadas de uma pessoa,</p><p>porém o conceito de personalidade vai muito além disso e se relaciona às mudanças</p><p>de atitudes, habilidades, crenças, emoções e também ao modo particular de</p><p>percebermos, pensarmos, sentirmos e nos comportarmos diante das mais variadas</p><p>situações.</p><p>Como vimos, a personalidade constitui-se como fator importante para a compreensão</p><p>humana como um todo. Seu estudo é importante para a Psicologia e também para</p><p>outras áreas, pois somos fascinados por estudar pessoas, bem como seus</p><p>25</p><p>comportamentos, pensamentos e suas emoções. Entender o que está por trás disso é</p><p>importante, visto que nos direciona a entender melhor os fatores relacionados à</p><p>personalidade, além de seu histórico e de outros conceitos articulados que podem nos</p><p>guiar na busca pelo entendimento da personalidade.</p><p>Tema 2: A Avaliação da Personalidade</p><p>Na década de 1930, Gordon Willard Allport teve a ideia de utilizar a</p><p>linguagem como base para a compreensão da personalidade. Isso é</p><p>chamado de hipótese léxica. A hipótese léxica afirma que, se alguma</p><p>coisa é relevante dentro de nossa personalidade, de alguma forma tal</p><p>coisa foi decodificada pela linguagem.</p><p>26</p><p>ABERTURA</p><p>Enfoca a apreciação da arte e da beleza, bem como uma recepção geral à novidade.</p><p>Também pode ser encontrado na literatura científica com o nome de “intelecto” ou</p><p>somente “abertura”.</p><p>27</p><p>CONSCIENCIOSIDADE</p><p>Gira em torno da ideia de organização e perseverança. Também pode ser</p><p>encontrado na literatura com nomes como “realização” e “escrupulosidade”.</p><p>28</p><p>EXTROVERSÃO</p><p>Avalia de onde os indivíduos retiram sua energia. Enquanto os introvertidos</p><p>possuem uma fonte de energia interna (que os possibilita estar muito bem consigo</p><p>mesmos, quase que dispensando a presença de outras pessoas), os extrovertidos</p><p>possuem uma fonte de energia externa.</p><p>29</p><p>AMABILIDADE</p><p>Também recebe os nomes de “concordância” ou “socialização”. Ele gira em torno da</p><p>ideia de confiança, honestidade e conformidade. Indivíduos que são agradáveis</p><p>tendem a ser mais simples e tolerantes por natureza.</p><p>30</p><p>NEUROTICISMO</p><p>Se concentra na experiência das emoções negativas. Indivíduos que caem na categoria</p><p>neurótica tendem a ser mais propensos a mudanças de humor e reatividade emocional.</p><p>Esse fator também tem recebido o nome de “estabilidade emocional”, referindo-se ao polo</p><p>oposto do neuroticismo.</p><p>31</p><p>Myers-Briggs Type Indicator (MBTI)</p><p>Embora o modelo Big Five seja hegemônico e considerado o Estado da Arte em termos de</p><p>teorias de personalidade, não podemos desconsiderar o papel de outros modelos.</p><p>32</p><p>Resumindo, embora haja vasta literatura científica relacionada ao modelo dos</p><p>cinco grandes fatores Big Five, não se trata do único modelo teórico. Outras</p><p>maneiras de compreender a personalidade são complementares ao modelo Big</p><p>Five.</p><p>Ainda assim, cabe ressaltar que análises fatoriais de outras teorias</p><p>frequentemente têm encontrado soluções congruentes com esse modelo. Dessa</p><p>forma, reforçando-se a importância do estudo da personalidade para a</p><p>Psicologia, recomenda-se a compreensão desse modelo, por ser simples,</p><p>parcimonioso, completo e com elevada sustentação empírica.</p><p>33</p><p>ESCALAS DO TIPO LIKERT</p><p>Validade e precisão</p><p>Em Física, os instrumentos de medida devem ser calibrados. Todo o teste</p><p>psicológico, incluindo os de avaliação da personalidade, por serem instrumentos</p><p>de medida, também devem demonstrar ser calibrados. Em Psicologia essa</p><p>calibração é chamada de validade e precisão (PASQUALI, 2004).</p><p>34</p><p>Validade de construto</p><p>A validade de construto pode ser considerada a principal validade que um teste deve</p><p>demonstrar. Isso porque refere-se diretamente ao conceito de validade, ou seja, se o teste</p><p>está medindo aquilo que pretende medir. Em outras palavras, a validade de construto está</p><p>avaliando se os itens desse teste se referem ao traço latente e pode ser feita de diversas</p><p>formas. Uma delas é por meio da avaliação da consistência interna.</p><p>O princípio da consistência interna aponta que, se todos os itens estiverem medindo a</p><p>mesma coisa, no caso personalidade, todos os itens serão correlacionados entre si. A</p><p>avaliação da convergência entre os itens, portanto, é um forte indicador de validade de</p><p>construto. Caso algum item esteja divergindo dos demais, a recomendação é excluí-lo da</p><p>escala.</p><p>A principal maneira de avaliar a validade de construto é por meio de</p><p>análise fatorial. Assim, de acordo com o modelo Big Five, cinco traços</p><p>latentes são necessários para explicar toda a estrutura da</p><p>personalidade.</p><p>35</p><p>Caso aplicássemos uma escala de conscienciosidade em alunos que estão iniciando o semestre</p><p>em alguma faculdade, é possível predizer que pessoas mais conscienciosas terminarão o semestre</p><p>36</p><p>com menor número de faltas do que pessoas com baixa conscienciosidade, caso a escala tenha</p><p>validade preditiva.</p><p>Se essa escala fosse aplicada ao final do semestre, quando já se conhece o número de faltas de</p><p>cada aluno, continuaríamos esperando que pessoas mais conscienciosas tivessem maior</p><p>assiduidade (PASQUALI, 2004). Entretanto, estaríamos avaliando aqui a validade concorrente.</p><p>Validade de conteúdo</p><p>O terceiro tipo de validade é a de conteúdo. Um teste apresenta validade de conteúdo</p><p>quando ele constitui uma amostra representativa de universo finito de comportamentos</p><p>(PASQUALI, 2004). Isso quer dizer que, dentre todos os comportamentos relacionados à</p><p>personalidade, um teste deve pegar uma amostra de suas diferentes facetas.</p><p>Por exemplo, a dimensão neuroticismo pode ser compreendida em seis facetas:</p><p>● Ansiedade;</p><p>● Hostilidade enfurecida;</p><p>● Depressão;</p><p>● Autoconsciência;</p><p>● Impulsividade;</p><p>● Vulnerabilidade.</p><p>Um teste de personalidade que avalie o neuroticismo deve distribuir seus itens de forma</p><p>equitativa entre elas. Não teria validade de conteúdo uma avaliação de neuroticismo focada</p><p>em depressão e ansiedade, ignorando as demais dimensões, por exemplo.</p><p>Assim, fica demonstrada a tríade da validade. Um teste que apresente demonstrações</p><p>empíricas de que atende a esses critérios garante muito mais segurança ao psicólogo que o</p><p>está</p><p>utilizando. Entretanto, não basta um teste demonstrar apenas que é válido. De nada</p><p>adianta medir a personalidade com validade se isso é feito de maneira imprecisa!</p><p>37</p><p>Se um sujeito estiver a um desvio-padrão acima da média, seu escore</p><p>padrão (Z) será = +1. Se um sujeito estiver dois desvios-padrões abaixo da</p><p>média, seu escore Z será = -1. Caso ele esteja na média, teremos Z = 0.</p><p>38</p><p>39</p><p>Para ter condições de uso, um teste psicológico deve demostrar</p><p>evidências empíricas de bom funcionamento. Essas evidências são</p><p>compiladas em um manual e analisadas pela comissão consultiva em</p><p>Avaliação Psicológica, que recorre a pareceristas ad hoc para sua</p><p>avaliação. Somente poderão ser utilizados testes psicológicos</p><p>(CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2020) que constem como</p><p>favoráveis em uma lista organizada pelo Sistema de Avaliação de Testes</p><p>Psicológicos – SATEPSI (disponível para consulta no site da instituição).</p><p>A única exceção a essa regra é o uso para finalidade de pesquisa, que</p><p>não depende de reconhecimento do SATEPSI.</p><p>A maneira mais comum de dividir testes psicológicos é separá-los em</p><p>psicométricos x projetivos. Os psicométricos têm base na teoria da medida. São</p><p>tarefas objetivas e padronizadas ao máximo. Técnicas projetivas, por outro lado,</p><p>40</p><p>não possuem padronização, dando mais liberdade ao respondente e ao</p><p>aplicador para desvendar novos caminhos durante a avaliação psicológica.</p><p>Enquanto técnicas psicométricas focam a quantificação, técnicas projetivas</p><p>baseiam-se em descrições linguísticas. De maneira poética, Pasquali (2004)</p><p>compara o trabalho do psicometrista com o trabalho do fotógrafo, enquanto o</p><p>trabalho do aplicador de testes projetivos é comparado com o trabalho do</p><p>artista.</p><p>Construto personalidade e abordagens psicanalíticas</p><p>Há diversas teorias da personalidade e todas elas procuram unir e sistematizar achados e</p><p>observações, indicar passagens para novas descobertas. Podemos dizer que uma teoria da</p><p>personalidade está em busca de explicar “como”, “o que” e “por que” as pessoas são como</p><p>são e o motivo de agirem de determinado modo.</p><p>Os teóricos visam explicar a estrutura da personalidade, isto é, os componentes</p><p>permanentes e estáveis da personalidade, os quais são representados pelos chamados</p><p>blocos constitutivos da teoria da personalidade (PERVIN; JOHN, 2004). Já o processo está</p><p>relacionado a fatores motivacionais dinâmicos e buscam elucidar o que caracteriza o</p><p>processo que incentiva as ações das pessoas.</p><p>Para responder a algumas das questões relacionadas à estrutura e ao processo da</p><p>personalidade, segundo Cloninger (2003), as teorias precisam seguir alguns critérios, a</p><p>saber:</p><p>● Identificar o processo (aspectos dinâmicos da personalidade, como os motivos).</p><p>41</p><p>● Descobrir a estrutura (unidades básicas da personalidade).</p><p>● Observar os aspectos da psicopatologia (as causas das desordens no</p><p>funcionamento da personalidade).</p><p>● Verificar o desenvolvimento e o crescimento (a forma como as pessoas se</p><p>desenvolvem de modo único).</p><p>● Perceber mudança (o que está por trás da capacidade de mudança).</p><p>Muito importantes para a área até os dias atuais, as formulações de Freud</p><p>enfatizam os impulsos sexuais e de agressão, além do inconsciente e dos conflitos</p><p>que ocorrem na infância, estes os principais fatores que modelam nossa</p><p>personalidade.</p><p>Para Freud (1950), instintos/pulsões são elementos formadores da base da personalidade e</p><p>atuam como forças motivadoras que determinam e impulsionam as ações.</p><p>Os instintos consistem em energia fisiológica que liga as necessidades do corpo aos desejos</p><p>da mente. Os estímulos internos provenientes de instintos, como a sede e a fome, levam as</p><p>pessoas a agir de uma maneira específica.</p><p>Ainda segundo Freud (1950), quando nosso corpo tem necessidade de algo,</p><p>temos a sensação de pressão ou tensão. Dessa maneira, o foco do instinto</p><p>consiste em satisfazer a necessidade para reduzir tal tensão. A teoria de Freud é</p><p>chamada de abordagem homeostática, pois sugere que há algo que nos motiva</p><p>a manter ou recuperar uma situação de equilíbrio fisiológico, a fim de conservar</p><p>o corpo livre de tensão.</p><p>Ainda sobre os instintos, Freud os agrupou em duas categorias: instinto de vida e</p><p>instinto de morte.</p><p>42</p><p>Instinto de vida</p><p>O instinto de vida tem como objetivo a sobrevivência das espécies, de</p><p>modo a satisfazer a necessidade de, por exemplo, água, comida, sexo e</p><p>ar. Ele é orientado para o desenvolvimento e crescimento individual.</p><p>Para Freud, o instinto de vida mais importante para a personalidade é o</p><p>sexo, entendido como pensamentos e comportamentos prazerosos e</p><p>não somente o ato sexual para fins procriativos e restrito à atividade</p><p>genital. Freud via o sexo como motivação básica do ser humano, pois</p><p>estamos sempre em busca de prazer. Sua teoria da personalidade se</p><p>volta para a necessidade que temos de reprimir os nossos desejos</p><p>sexuais.</p><p>Já o instinto de morte é descrito por Freud como o desejo inconsciente de</p><p>morrer. Ele relata o impulso agressivo como um dos componentes do</p><p>instinto de morte, o qual nos direciona a destruir e a matar. Seu conceito de</p><p>instinto de morte não teve uma boa aceitação entre outros estudiosos,</p><p>mesmo entre seus seguidores.</p><p>O nível consciente inclui sensações das quais estamos sempre</p><p>conscientes. Quando você lê uma mensagem de texto no celular, por</p><p>exemplo, está ciente da informação e dos ruídos que estão ao seu redor e</p><p>que podem estar incomodando. Para Freud, o consciente é um aspecto</p><p>limitado da personalidade, pois só temos acesso a uma pequena parte das</p><p>nossas lembranças e pensamentos.</p><p>43</p><p>Entre os níveis da consciência e da inconsciência está o pré-consciente,</p><p>entendido como um depósito de ideias e memórias das quais não estamos</p><p>cientes o tempo todo, mas que podemos acessar facilmente ao trazê-las</p><p>para o consciente. Por exemplo, se ao ler uma mensagem de texto que</p><p>recebeu no celular, você começa a lembrar do assunto da aula do dia</p><p>anterior, estaria trazendo conteúdo do seu pré-consciente para o</p><p>consciente.</p><p>A parte mais importante do iceberg mental para Freud é o inconsciente, o</p><p>foco de sua teoria psicanalítica. O inconsciente tem uma força propulsora</p><p>que está por trás de nossos comportamentos e que não conseguimos</p><p>controlar.</p><p>Id</p><p>O id é entendido como o reservatório da libido e dos instintos. É</p><p>considerado uma estrutura importante da personalidade, pois fornece</p><p>energia para os demais componentes. O id se relaciona à satisfação das</p><p>necessidades corporais e age de acordo com o princípio do prazer, visando</p><p>à redução da tensão e ao aumento do prazer de modo imediato,</p><p>instantâneo. Para Freud, o id é egoísta, primitivo, insistente e impulsivo, não</p><p>tem consciência da realidade.</p><p>Ego</p><p>44</p><p>O ego é o considerando como o responsável pelo controle e pela orientação</p><p>dos instintos, tomando como base o princípio da realidade. De modo geral,</p><p>o ego não impede que o id se manifeste, mas tenta redirecionar a</p><p>satisfação em função das exigências da realidade, entre outros aspectos. O</p><p>ego serve ao id e à realidade, está sempre mediando situações conflitantes</p><p>entre as demandas de ambos. O ego nos mantém trabalhando em um lugar</p><p>de que não gostamos, por exemplo, pois ele enxerga o benefício real da</p><p>situação: pagar contas e prover alimentação.</p><p>Superego</p><p>Já o superego é entendido como um conjunto de normas que assimilamos</p><p>ainda na infância e está relacionado ao que consideramos certo e errado. O</p><p>superego é a base moral da personalidade, a qual adquirimos por volta dos</p><p>6 anos de idade, de acordo com as regras estipuladas por nossos pais ou</p><p>responsáveis. Assim, os castigos e elogios nos ajudam a aprender quais</p><p>comportamentos são considerados bons e quais são considerados maus.</p><p>Freud ainda pontua o superego como a introjeção dos valores dos nossos</p><p>pais e da sociedade na qual vivemos, além de vê-lo como árbitro da</p><p>moralidade, sempre em busca da perfeição moral. Assim, o ego, além de ter</p><p>que negociar com o id e o princípio da realidade, precisa negociar também</p><p>com o superego na hora de satisfazer um</p><p>determinado desejo.</p><p>45</p><p>Em suma, os níveis das instâncias da mente se referem a estruturas da</p><p>nossa personalidade. Desse modo, para Freud, nós somos motivados a</p><p>procurar o prazer e a diminuir a tensão, o que influencia e molda alguns</p><p>aspectos da nossa personalidade, mas procurando responder à</p><p>complexidade da economia e estrutura psíquica que nos caracteriza.</p><p>Construto da personalidade na perspectiva de Jung</p><p>O psiquiatra suíço Carl Gustav Jung (1875-1961) também fez suposições</p><p>sobre a personalidade, defendendo que a mente possui níveis que moldam</p><p>nosso modo de ser e agir, os quais seriam denominados de consciente e</p><p>inconsciente. No entanto, diferentemente de Freud, Jung acreditava que os</p><p>arquétipos que cada pessoa herda de seus ancestrais são uma porção</p><p>muito importante no entendimento da personalidade, o que chamou de</p><p>inconsciente coletivo.</p><p>Para Jung, as imagens do consciente são percebidas pelo ego, e os</p><p>elementos do inconsciente não possuem qualquer relação com o ego. O</p><p>ego teria uma visão mais restritiva: como elemento central da consciência,</p><p>mas não como centro da personalidade. O ego precisaria ser completado</p><p>pelo self, o qual é visto como o centro da personalidade e, em sua</p><p>totalidade, inconsciente. Desse modo, a consciência tem um papel menor</p><p>na psicologia analítica.</p><p>46</p><p>Segundo Jung, o inconsciente pessoal abarca todas as nossas experiências</p><p>reprimidas ou esquecidas. Algumas imagens podem ser lembradas com</p><p>certa facilidade, outras com dificuldade, e há imagens que vão além do</p><p>alcance da consciência. Cabe ressaltar que o conceito de inconsciente</p><p>pessoal para Jung difere da visão de Freud de pré-consciente e inconsciente</p><p>O inconsciente coletivo, ao contrário do inconsciente pessoal, tem raízes no</p><p>passado de toda espécie. Para Jung, os conteúdos do inconsciente coletivo</p><p>são transmitidos de geração em geração como potencial psíquico. As</p><p>imagens antigas que provêm do inconsciente coletivo são chamadas de</p><p>arquétipos e pode-se dizer que consistem em um conjunto de imagens</p><p>associadas e carregadas de emoção. Os arquétipos, assim como os</p><p>instintos, ajudam a moldar a personalidade e são determinantes de modo</p><p>inconsciente.</p><p>Ainda acerca da personalidade, Jung desenvolve o conceito de persona, o</p><p>lado da personalidade que nós apresentamos ao mundo. O termo foi</p><p>escolhido pensando em seu significado: “uma máscara antiga usada por</p><p>atores de teatro”. Jung aponta que cada pessoa projeta um papel, que é dito</p><p>como adequado a determinados ambientes sociais. Assim, espera-se que</p><p>um enfermeiro adote uma postura específica diante de um paciente doente</p><p>hospitalizado, por exemplo.</p><p>47</p><p>Cabe ressaltar que, mesmo que a persona seja considerada um aspecto</p><p>essencial da personalidade humana, não se deve confundir o self com</p><p>nossa face pública, pois, ao nos identificarmos em demasia com nossa</p><p>persona, provavelmente permaneceremos inconscientes de nossa</p><p>individualidade e não conseguiremos atingir a autorrealização.</p><p>Jung criou também o arquétipo da repressão, da escuridão, ao qual deu o</p><p>nome de sombra.</p><p>A sombra representaria as qualidades que tentamos esconder dos outros e</p><p>de nós mesmos. Jung defendia que precisamos conhecer nossa sombra</p><p>para nos sentirmos completos. E só conseguimos isso ao lidar com a</p><p>escuridão que há dentro de nós e que nos leva a alcançar o que chamou de</p><p>conscientização da sombra.</p><p>Mesmo fazendo parte de quem somos e tendo papel fundamental em</p><p>nossa personalidade, a maioria das pessoas nunca chega a se</p><p>conscientizar de suas sombras e tende a se identificar apenas com o lado</p><p>positivo de sua personalidade. Isso pode ser prejudicial em alguma medida,</p><p>pois submeter-se ao poder das sombras pode resultar em vida infeliz, além</p><p>despertar sentimentos de desencorajamento e derrota.</p><p>Para Jung, a dinâmica da personalidade se relaciona com ideias sobre teleologia</p><p>(os eventos presentes são motivados por objetivos em relação ao futuro) e</p><p>48</p><p>causalidade (os eventos presentes têm base em experiências prévias), além de</p><p>regressão e progressão. Isso quer dizer que precisamos nos adaptar ao mundo</p><p>interno (regressão) do mesmo jeito que nos adaptamos ao ambiente externo</p><p>(progressão). Regressão e a progressão são fundamentais para atingirmos o</p><p>crescimento pessoal ou a autorrealização, também conhecida como</p><p>individuação.</p><p>Além da dinâmica da personalidade e dos níveis da mente, Jung reconheceu</p><p>vários tipos psicológicos que são desenvolvidos com base em duas atitudes:</p><p>extroversão e introversão; além de quatro funções: pensamento, sensação,</p><p>sentimento e intuição. Jung defendia que a personalidade de uma pessoa se</p><p>desenvolve em estágios, que somente após os 35 anos de idade uma pessoa</p><p>consegue reunir aspectos da personalidade que a conduzem à autorrealização</p><p>ou à individuação.</p><p>49</p><p>Abordagens humanistas</p><p>As abordagens denominadas humanistas tendem a enfatizar os aspectos ativos, livres e</p><p>criativos do ser humano; enxergam as pessoas como intrinsecamente motivadas a</p><p>crescer e se desenvolver. Em geral, os teóricos humanistas entendem a constituição da</p><p>personalidade com base nos interesses e valores humanos e criticam as teorias que</p><p>visam entender apenas o patológico ou o negativo.</p><p>50</p><p>O meio ambiente é visto pelos humanistas essencialmente como um contexto que</p><p>permite o crescimento e a autorrealização; rejeitam a visão determinista típica dos</p><p>behavioristas, por exemplo.</p><p>Seguindo essa lógica, cada teórico articula sua teoria com conceitos próprios. Assim,</p><p>temos a abordagem centrada na pessoa, de Carl Rogers; a teoria das necessidades, de</p><p>Abraham Maslow; a personologia, de Henry Murray. Vamos descrevê-las nos tópicos a</p><p>seguir.</p><p>Carl Rogers e a abordagem centrada na pessoa</p><p>O psicólogo norte-americano Carl Rogers (1902-1987) destaca o papel da</p><p>experiência subjetiva sobre o ambiente externo e argumenta que a forma</p><p>como situações e eventos são percebidos e interpretados determina o</p><p>comportamento do indivíduo. Ou seja, a pessoa é fator determinante na</p><p>percepção e mesmo na alteração de sua própria dinâmica de</p><p>funcionamento. Rogers denomina sua abordagem psicoterápica como</p><p>centrada no cliente, na qual o terapeuta é mero facilitador. Assim, a</p><p>personalidade de cada indivíduo seria entendida a partir de seu ponto de</p><p>vista e de suas experiências subjetivas (SCHULTZ; SCHULTZ, 2015).</p><p>Pela lógica rogeriana, somos seres dotados de uma natureza</p><p>essencialmente positiva e o núcleo da personalidade humana tenderia à</p><p>saúde e ao bem-estar. Nossas percepções sobre o mundo formam o campo</p><p>experiencial ou fenomenal, constituído tanto por percepções conscientes</p><p>51</p><p>como inconscientes, das quais apenas as conscientes e as capazes de se</p><p>tornar conscientes determinam nosso comportamento.</p><p>Nosso campo fenomenal seria o equivalente a um mundo privado</p><p>inacessível a outras pessoas, mas que, com algum esforço, poderiam</p><p>enxergar o mundo como percebemos e entender o significado que o mundo</p><p>tem para nós. Dessa forma, todos nós podemos fazer um esforço para</p><p>entender o campo fenomenal das outras pessoas.</p><p>Todos nós vivenciamos situações de forma particular, de maneira que, ao</p><p>presenciar a atitude de uma pessoa, podemos sentir compaixão por ela, ao</p><p>passo que outra pessoa na mesma situação pode ter uma resposta mais</p><p>rígida. Interpretamos a realidade de acordo com nossas crenças, valores e</p><p>percepções, o que guia nosso comportamento</p><p>Na teoria de Rogers, o self é parte constituinte do campo fenomenal e</p><p>desempenha um papel particularmente central. É o foco de uma de nossas</p><p>necessidades mais fortes, a autorrealização. No self estão as percepções</p><p>conscientes que formam nosso autoconceito e que surgem logo quando</p><p>somos bebês e começamos a entender que somos independentes do</p><p>ambiente que nos cerca. Essas percepções vão se tornando mais</p><p>complexas, à medida que vamos atribuindo valorações elaboradas sobre</p><p>nós mesmos, passíveis de mudança no decorrer do nosso</p><p>desenvolvimento.</p><p>52</p><p>As pessoas teriam uma necessidade fundamental de autorrealização, em</p><p>que percebem</p><p>seu mais alto potencial, cada uma à sua maneira, em busca</p><p>do que Rogers denomina de self ideal. Seríamos motivados por uma</p><p>tendência inata de realizar, manter e aprimorar o nosso self, desenvolver</p><p>nossas potencialidades biológicas e psíquicas, apesar das adversidades.</p><p>Tal motivação foi denominada por Rogers de tendência atualizante.</p><p>Além disso, haveria uma tendência de desenvolvimento que obedece ao</p><p>progresso do que é mais simples para o mais complexo, chamada por</p><p>Rogers de tendência formativa. Assim, nosso organismo seria um dos</p><p>exemplos mais óbvios das duas tendências, visto que se desenvolve a partir</p><p>de uma única célula (formativa) e tende sempre a ir em direção a</p><p>conclusões e realizações potenciais (atualizante) (ROGERS; KINGET, 1975).</p><p>Somos movidos pela busca por manter a harmonia das nossas percepções,</p><p>evitar percepções muito discrepantes principalmente em relação ao nosso</p><p>self, tentando conciliar sempre que tais percepções destoam entre si. O fato</p><p>de tentar alinhar nossos comportamentos com nosso autoconceito leva ao</p><p>que Rogers nomeou como congruência.</p><p>Joana se considera tímida e fica ansiosa ao precisar falar em público. A</p><p>ansiedade é o sintoma que emerge dada a incongruência entre o self e a</p><p>experiência vivida por Joana no momento. Por isso às vezes fugimos de</p><p>53</p><p>experiências que acreditamos estar incongruentes com nossas percepções</p><p>e nossos valores. A Joana do exemplo citado imagina dar uma desculpa e</p><p>não ir ao evento em que precisaria falar em público. O terapeuta poderia</p><p>auxiliar nesse processo facilitando a remoção dos obstáculos mentais que</p><p>impedem a autorrealização de Joana.</p><p>Para Rogers, removidas as crenças limitadoras em relação ao seu próprio</p><p>potencial, as pessoas ficam livres para atingir o seu potencial</p><p>autorrealizador.</p><p>Abraham Maslow e a teoria das necessidades</p><p>Em consonância com as ideias de Rogers, o psicólogo norte-americano</p><p>Abraham Maslow (1908-1970) também foca sua teoria nos impulsos dos</p><p>indivíduos para atingir seu potencial ou autorrealização e tem seus</p><p>pressupostos baseados na motivação. Para Maslow, o ser humano em sua</p><p>integralidade é constantemente motivado por algum tipo de necessidade.</p><p>Dessa forma, o autor propõe uma hierarquia de cinco necessidades</p><p>conativas inatas que direciona o comportamento humano.</p><p>A hierarquia de necessidades de Maslow organiza-se em uma sequência</p><p>ordenada na qual o indivíduo só é motivado e direcionado à seguinte</p><p>quando a anterior for satisfeita. Dessa forma, não somos impulsionados por</p><p>todas as necessidades ao mesmo tempo, há sempre uma dominando</p><p>54</p><p>nossa personalidade — a depender de quais já tenham sido satisfeitas</p><p>anteriormente, mesmo que parcialmente. Em geral, vemos as necessidades</p><p>a que se refere Maslow representadas ilustrativamente como escada ou</p><p>pirâmide, com as necessidades prioritárias na base</p><p>Segundo Maslow, as necessidades fisiológicas são básicas e intensas,</p><p>envolvem alimentação, água e sexo. Emergem na infância e são</p><p>consideradas como necessidades de deficiência, visto que o fracasso em</p><p>as atender produziria um déficit no indivíduo. Sua importância é facilmente</p><p>observada: basta lembrar de um dia em que você esteve faminto,</p><p>provavelmente nenhuma outra necessidade foi sequer ponderada além de</p><p>saciar a fome. Ao mesmo tempo, após comer e satisfazer tal necessidade,</p><p>você não foi mais impulsionado pelo desejo de comer</p><p>Em seguida, há as necessidades de segurança, relacionadas à segurança</p><p>física, estabilidade, dependência e proteção. Envolve ser livre de forças e</p><p>circunstâncias percebidas como ameaças. Em contraste com as</p><p>necessidades fisiológicas, as de segurança não podem ser excessivamente</p><p>saciadas, dado que existem ameaças que não podem ser controladas,</p><p>como catástrofes naturais ou guerras, por exemplo. Entretanto, tais</p><p>necessidades também têm relação com situações que ocorrem</p><p>comumente na infância e são percebidas como ameaçadoras, como</p><p>55</p><p>animais, pessoas estranhas, escuro, castigo, entre outras, que podem</p><p>permanecer até a vida adulta. Se não são satisfeitas as necessidades de</p><p>segurança, Maslow denomina que o desfecho é a ansiedade básica</p><p>Na adolescência, as necessidades de afiliação e amor ganham força,</p><p>expressas por meio dos relacionamentos e das relações entre os pares.</p><p>Tem sido cada vez mais discutida a dificuldade de satisfação dessa</p><p>necessidade no mundo em que vivemos, marcado pela efemeridade das</p><p>relações. Maslow caracteriza como desajustados emocionalmente aqueles</p><p>que não têm suas necessidades de afiliação e amor satisfeitas.</p><p>Ainda predominante na adolescência, temos a necessidade de estima de si</p><p>mesmo e dos outros, fortemente atrelada à autovalorização e ao</p><p>reconhecimento social, ambos comuns nesse ciclo da vida.</p><p>Já na meia-idade, tende a emergir a necessidade de autorrealização,</p><p>relacionada ao senso de realização pessoal e à reflexão sobre ter atingido</p><p>todo seu potencial. Maslow diz que pessoas que conseguem satisfazer a</p><p>necessidade de autorrealização atingem o ápice do desenvolvimento</p><p>56</p><p>humano, tornam-se livres, independentes, centradas em seus problemas e</p><p>com boa capacidade de resolução, além de possuírem interesse social</p><p>Henry Murray e a personologia</p><p>Em consonância com outros teóricos humanistas, o psicólogo norte-americano Henry</p><p>Murray (1893-1988) enfatiza o comportamento individual como importante no</p><p>entendimento da personalidade. O foco da sua teoria está no indivíduo em toda sua</p><p>complexidade — daí o nome de sua teoria: personologia. Murray também valoriza o meio</p><p>ambiente e suas influências no comportamento.</p><p>Para Murray, a personalidade iria além da descrição do comportamento, englobaria uma</p><p>série de eventos de todo o período vital, cuja função seria integrar os conflitos e as</p><p>limitações, satisfazer as necessidades e levar o sujeito à conquista de metas. Destaca-se</p><p>também em sua teoria a articulação entre os processos fisiológicos e psicológicos, sem a</p><p>qual não há como formar a personalidade.</p><p>Ao considerar que as pessoas são moldadas por seus próprios atributos e necessidades,</p><p>pelo ambiente e pelas experiências tanto passadas como presentes, Murray traz</p><p>discussões que o levam por caminhos diferentes dos trilhados por outros psicólogos</p><p>humanistas e por vezes o aproximam das abordagens psicanalistas. Ainda assim acaba por</p><p>se diferenciar de ambos ao dizer que os complexos infantis afetam inconscientemente o</p><p>desenvolvimento, mas as experiências presentes e as aspirações futuras são</p><p>determinantes na constituição da personalidade do indivíduo (HALL; LINDZEY; CAMPBELL,</p><p>2000).</p><p>A personologia de Murray é estruturada em torno de cinco princípios básicos</p><p>57</p><p>O primeiro princípio marca a influência fisiológica e diz que a personalidade</p><p>é controlada pela fisiologia cerebral, articulada a tudo que é controlado pelo</p><p>cérebro: sentimentos, lembranças conscientes ou inconscientes, valores,</p><p>crenças, temores e atitudes.</p><p>O segundo princípio envolve a constante busca pela redução da tensão</p><p>característica da natureza humana, na qual o estado ideal busca a ação</p><p>direcionada à diminuição da fonte de angústia ou tensão.</p><p>O terceiro princípio enfatiza a importância dos acontecimentos de toda a</p><p>vida na formação e manutenção da personalidade do indivíduo, que</p><p>continua a se desenvolver ao longo dos anos.</p><p>O quarto princípio complementa o terceiro ao enfatizar que a personalidade</p><p>é passível de mudanças e evoluções.</p><p>O quinto princípio ressalta a singularidade do indivíduo ao mesmo tempo</p><p>que reconhece a possibilidade de similaridades.</p><p>Em consonância com Freud, Murray fala da influência do id, ego e superego</p><p>na personalidade. Entretanto, para Murray, o id contém não apenas os</p><p>impulsos inatos, mas também os impulsos aceitáveis para o self e para a</p><p>sociedade. O ego é o regente racional da personalidade, ponderando acerca</p><p>dos impulsos inaceitáveis do id e determinando, conscientemente, a direção</p><p>do comportamento, além de mediar os conflitos entre id e superego. O</p><p>superego internaliza os valores e as normas sociais e culturais,</p><p>pelas quais</p><p>58</p><p>se avaliam a própria conduta e a do outro, influenciadas pelas relações</p><p>sociais estabelecidas durante a vida (HALL; LINDZEY; CAMPBELL, 2000).</p><p>Similar a outros teóricos humanistas, Murray traz a motivação como fator</p><p>importante e utiliza o conceito de necessidades, assim como Rogers e</p><p>Maslow.</p><p>A necessidade na teoria de Murray envolve uma força psicoquímica</p><p>cerebral que organiza e direciona a cognição e a percepção do indivíduo, o</p><p>que, por sua vez, também influencia no comportamento. As necessidades</p><p>podem surgir de processos internos biológicos (como fome ou sede) ou de</p><p>eventos ambientais — sempre que aparecem elevam o nível de tensão no</p><p>organismo, que vai trabalhar para reduzi-lo.</p><p>Diferentemente de Maslow, que desenvolveu a hierarquia das necessidades,</p><p>Murray defende que nem todas as necessidades são sentidas por todos os</p><p>indivíduos, assim como não há uma ordem específica em que precisam ser</p><p>satisfeitas. Entretanto, Maslow e Murray concordam com a existência da</p><p>motivação do indivíduo em direção à satisfação de uma necessidade</p><p>percebida</p><p>59</p><p>A personologia se estrutura em cinco princípios (não quatro), que ressaltam</p><p>a influência fisiológica na personalidade, a busca pela resolução das</p><p>tensões, a importância dos acontecimentos, a possibilidade de mudanças e</p><p>evoluções e a singularidade. Como visto, não há majoritariamente influência</p><p>de fatores sociais ou pouca importância dos fatores fisiológicos, nem o</p><p>engessamento do desenvolvimento apenas na infância. Murray ressalta a</p><p>singularidade ao mesmo tempo que não desconsidera o que nos torna</p><p>similares.</p><p>Abordagens cognitivas</p><p>60</p><p>George Kelly: a teoria dos construtos</p><p>pessoais</p><p>Assim como outros estudiosos da personalidade, o psicólogo, terapeuta e</p><p>educador norte-americano George Alexander Kelly (1905-1967) propôs</p><p>algumas teorias que foram guiadas por sua prática como psicoterapeuta.</p><p>Para Kelly, nós validamos nossos construtos pessoais opondo-nos às</p><p>experiências com o mundo real. Nós somos como cientistas, sempre</p><p>testando novas hipóteses e aceitando os resultados sem negação.</p><p>Segundo Kelly (1955), as pessoas saudáveis conseguem se ajustar a alguns</p><p>acontecimentos rotineiros que outras pessoas não conseguiriam ou</p><p>conseguiriam com certa dificuldade. As pessoas que não são consideradas</p><p>sadias ou saudáveis se apegam demasiadamente a alguns construtos</p><p>pessoais que estão ultrapassados, o que pode interferir em sua visão de um</p><p>mundo confortável ou eficiente.</p><p>Kelly teve um impacto significativo na Psicologia e no estudo da</p><p>personalidade. Sua teoria intitulada teoria dos construtos pessoais</p><p>propiciou um número extenso de trabalhos e investigações científicas, o</p><p>que indica a contribuição de suas ideias para a ciência. Ele foi um dos</p><p>primeiros psicólogos a destacar as disposições cognitivas como esquemas,</p><p>fundamental para a formação das temáticas da cognição social e da</p><p>personalidade.</p><p>61</p><p>Diferentemente de outros autores, Kelly apontou que conceitos como ego,</p><p>impulso, inconsciente, estímulo, reforço e resposta, por exemplo, não eram</p><p>mais interessantes. Seu objetivo era responder como podemos</p><p>compreender a personalidade sem considerar esses e outros conceitos já</p><p>explicados por diversos estudiosos.</p><p>Para Kelly, cada indivíduo elabora um conjunto de construtos cognitivos a</p><p>respeito do ambiente no qual está inserido, isto é, nós podemos interpretar</p><p>e organizar situações e relações sociais com base em um padrão ou</p><p>sistema.</p><p>Somente com base nesses padrões conseguiremos realizar previsões sobre</p><p>nós, sobre outros e sobre diversas situações, de forma a usar essas</p><p>previsões para nos orientar de que maneira agir. Para que seja viável</p><p>entender a personalidade, é preciso conhecer nossos padrões, bem como</p><p>compreender o modo como enxergamos e construímos nosso mundo.</p><p>Assim, para Kelly, nossas interpretações sobre as situações e os eventos</p><p>são mais relevantes do que os acontecimentos em si.</p><p>Saiba mais</p><p>George Kelly ia de encontro às abordagens comportamentais e</p><p>psicanalíticas, pois as via como uma negação da habilidade de nos</p><p>encarregarmos da nossa vida e de tomarmos nossas próprias decisões. Ele</p><p>dizia que para a Psicanálise as pessoas eram passivas, assim como para o</p><p>62</p><p>behaviorismo, teoria na qual as pessoas eram encaradas como</p><p>respondentes passivos aos acontecimentos.</p><p>Para Kelly, nós somos os responsáveis por impulsionar a nós mesmos. Sua</p><p>teoria da personalidade tem uma visão dos seres humanos como cientistas,</p><p>que testam suas teorias como se fossem experimentos de laboratórios. À</p><p>vista disso, ele afirmava que, quando os experimentos sustentavam a teoria,</p><p>esta última era mantida. Quando não a sustentavam, a teoria era modificada</p><p>ou descartada. Na visão de Kelly, os psicólogos estudiosos da</p><p>personalidade deveriam agir da mesma forma. Os psicólogos também são</p><p>cientistas e deveriam formular teorias acerca da personalidade das pessoas</p><p>considerando, prevendo e controlando eventos. A melhor maneira de</p><p>estudar e compreender os aspectos da personalidade de uma pessoa</p><p>consistiria em analisar os seus construtos pessoais.</p><p>Beck fundamentou a terapia cognitiva tomando como base a racionalidade</p><p>teórica de que nossos afetos e comportamentos são bastante influenciados</p><p>e até determinados pela forma como nós estruturamos e atribuímos</p><p>sentidos ao mundo e às situações que vivenciamos (PERVIN; JOHN, 2004).</p><p>Sua teoria cognitiva postula que a personalidade se baseia em uma</p><p>operação coordenada composta por sistemas complexos adaptados e/ou</p><p>selecionados com intuito de garantir a sobrevivência biológica. Esses</p><p>sistemas indicam continuidade por meio do tempo e das experiências</p><p>vivenciadas ao longo da vida, sistemas descritos muitas vezes como</p><p>“transtornos” e “traços” da personalidade. Ressalte-se ainda que essas</p><p>63</p><p>ações coordenadas são monitoradas por estruturas genéticas conhecidas</p><p>por “esquemas”.</p><p>Em linhas gerais, esquemas são estruturas que têm explicações</p><p>conscientes e inconscientes e servem para a sobrevivência humana. Os</p><p>esquemas devem ser “adaptativos a demandas sociais e ambientais</p><p>imediatas por meio da coordenação e de operações de sistemas</p><p>adaptativos” (BECK; ALFORD, 2000, p. 35). Podemos usar a analogia de que</p><p>esses esquemas funcionam como lentes através das quais entendemos a</p><p>realidade. Com base nesse e em outros conceitos importantes da teoria</p><p>cognitiva, Beck conseguiu avançar nas explicações acerca do</p><p>funcionamento da personalidade, bem como de seus aspectos.</p><p>Na teoria cognitiva de Beck, os traços ou atributos de personalidade são</p><p>compreendidos como formas de padrões comportamentais, isto é, como</p><p>estratégias que servem para lidar com situações em que se usa um</p><p>conjunto de esquemas básicos que ajudam a atribuir sentido aos</p><p>acontecimentos, e esses esquemas são constituídos por crenças</p><p>Tais crenças, de acordo com Beck (2005), organizam-se de modo a atribuir</p><p>significados mais amplos e mais complexos, em níveis sucessivos.</p><p>O entendimento dessa organização é muito importante na teoria da</p><p>personalidade, pois revela que a personalidade não é formada somente por</p><p>uma lista de traços, mas considera também a presença de um “todo</p><p>64</p><p>organizado”, que é dinâmico, sensível e adaptativo, além de ser voltado</p><p>para alcançar objetivos.</p><p>Acredita-se que Beck estava muito preocupado com essa informação, pois</p><p>se empenhou em uma formulação que considerasse esse aspecto</p><p>organizador da personalidade. Em seu modelo cognitivo da depressão, os</p><p>esquemas eram entendidos como equivalentes às crenças centrais, e essas</p><p>crenças estavam contidas nos esquemas, de modo a sensibilizar o</p><p>indivíduo perante uma informação.</p><p>Conforme foi apontado por Judite Beck (1997), os esquemas descritos por</p><p>Aaron Beck também eram responsáveis por dar estabilidade ao padrão da</p><p>personalidade. Assim, padrões cognitivos estáveis poderiam formar uma</p><p>base para a regularidade das nossas interpretações das situações.</p><p>Em suma, a definição cognitiva de personalidade para Aaron Beck inclui</p><p>alguns processos esquemáticos</p>