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<p>A todos aqueles que tomaram uma</p><p>decisão ética e corajosa de reelaborar</p><p>(transformar) a sua cultura pessoal e</p><p>profissional, para alcançarmos uma nova</p><p>educação. Uma educação de qualidade e</p><p>que garante o sucesso escolar a todos a</p><p>minha GRATIDÃO.</p><p>As cartas aqui escritas fazem uma</p><p>referência a realidade como eu a vejo...</p><p>Surgem inspiradas nas cartas do</p><p>professor José Francisco Pacheco a</p><p>quem carinhosamente chamo de amigo Zé</p><p>redigidas para os netos, essas cartas</p><p>podem ser lidas no facebook e no</p><p>instagram do professor ou ainda no sítio:</p><p>ecohabitare.com.br/novas-historias-do-</p><p>tempo-da-velha-escola. O Zé passou a ser</p><p>para nós uma referencia da educação.</p><p>http://ecohabitare.com.br/nova-historia-do-tempo-da-velha-escola</p><p>http://ecohabitare.com.br/nova-historia-do-tempo-da-velha-escola</p><p>Moçâmedes, 14 de Março de 2051</p><p>Prezado leitor,</p><p>Albn Bas Tetsu, pseudónimo de Sandelson Sebastião Gonçalves, apresenta-nos,</p><p>finalmente, parte de seus escritos. Na verdade, tal facto é motivo de satisfação, pois</p><p>constitui a prova de seu comprometimento com a educação e, em particular, com a</p><p>aprendizagem dos alunos.</p><p>Ultimamente tem fomentado vários debates sobre o papel do Ministério da</p><p>Educação, o (in)cumprimento das leis que regem o sistema educativo angolano e sobre</p><p>a maneira que os professores leccionam os conteúdos nas mais variadas disciplinas.</p><p>Destes debates, surge a ideia de escrever os textos reflexivos desta obra em forma</p><p>de cartas dirigidas para o seu filho, mostrando os seus pontos de vista.</p><p>Esta obra é um convite para uma reflexão profunda, procurando soluções para</p><p>alcançar uma “nova” perspectiva educacional. Assume-se como contributo para a</p><p>reflexão pedagógica de termos como aula, turma, tempo lectivo e carga horária, desde</p><p>a sua génese à contemporaneidade. Albn Bas Tetsu trás, nos seus textos, uma linguagem</p><p>bastante simples, coloquial e, muitas vezes, sarcástica. Usa argumentos que se podem</p><p>considerar, até certo ponto, “extremistas” para os “pedagogos tradicionais”.</p><p>O autor abre um campo de debates e reflexões em torno da teoria pedagógica.</p><p>Numa de suas cartas, deixa evidente que os textos de sua autoria não são um tratado</p><p>ou teorias indiscutíveis no mundo da pedagogia, mas um desabafo, um extravasar de</p><p>emoções, um apelo à reflexão de todos aqueles que se veem comprometidos com a</p><p>educação de qualidade no país.</p><p>Como afirma o poeta britânico Thomas Elliot, “neste mundo de fugitivos, quem muda</p><p>de direcção[opinião] é visto como fugitivo”. Este livro é daqueles que obriga a “abrir a</p><p>nossa mente” e mudar o rumo da caminhada do nosso pensamento.</p><p>Desejamos, pois, que este livro possa constituir, para cada leitor, uma ajuda e</p><p>encorajamento para a reflexão da actividade docente-educativa.</p><p>Atenciosamente,</p><p>Evaristo Tchongolo</p><p>Moçâmedes, 08 de Fevereiro de 2051</p><p>Amigo Zé Pacheco,</p><p>Espero que estejas bem e como dizes “se não está, há de ficar”, é um enorme</p><p>prazer ser teu amigo, em verdade te digo, é uma honra poder contar com a tua amizade</p><p>e apoio nesta transformação da minha cultura pessoal e profissional.</p><p>Na minha prática profissional sempre senti falta de algo, não me conformava com</p><p>a reprovação de alunos. Até podia ter feito algo para mudar o rumo dos</p><p>acontecimentos mas não sabia como, simplesmente me sentia impotente. Em meio aos</p><p>desastres educacionais fabricados pela máquina burocrática instalada no aparelho do</p><p>estado surgiu uma luz no fim do túnel, esta luz recebia o nome de “metodologias activas”,</p><p>então me especializei no uso de metodologias activas em sala de aula. Pareceu melhorar</p><p>mas aquela luz não era o fim do túnel era a porta de entrada para um abismo</p><p>educacional e um conformismo. Fiquei dois anos a pensar o que é que tinha falhado. A</p><p>resposta me tirou o chão... Os alunos não aprendiam nada em sala de aula, os</p><p>professores não ensinavam nada numa aula.</p><p>Então o que deveria fazer com estas respostas? Fui ao doutor youtube para</p><p>encontrar pessoas que pensavam como eu, pois por cá apenas a Tachinha</p><p>compartilhava da minha descoberta e angustia, faltava-nos sustentação científica e</p><p>prática. Voltando ao doutor youtube escrevi na barra de pesquisa: aula não ensina.</p><p>Apareceu no topo da lista um vídeo de 6 minutos e 7 segundos José Pacheco: “Aula não</p><p>ensina, prova não avalia”, foi “amor ao primeiro vídeo”, continuei meses afio a ver os</p><p>vídeos todos que encontrava, até um dia encontrar o apelo num dos vídeos: “encontra</p><p>um ou mais professores que ainda não morreram, e envia-me um email”. Naquele mesmo</p><p>dia a Tachinha concordou em enviarmos o email, passados dois dias tivemos uma</p><p>resposta, nos estendeste a tua mão para connosco caminhar.</p><p>Embarcamos nesta aventura épica considerada utópica por muitos, respeitando a</p><p>opinião de quem connosco não queria mudar, esta decisão ética mudou a nossa pratica</p><p>profissional para uma práxis que realmente logra o direito a educação, tudo faremos</p><p>para que os alunos aprendam e sejam felizes com o que aprendem, escolas são pessoas</p><p>e pessoas são os seus valores isso entendi. Erguemos uma nova construção social de</p><p>aprendizagem, com suporte nos paradigmas da aprendizagem e da comunicação, tendo</p><p>em conta alguns dispositivos do paradigma da instrução. Comecei a minha</p><p>transformação no Aprender em Comunidade 3ª edição, avançamos com a turma-piloto</p><p>e a documentação necessária para fortalecer e proteger essa nova construção social.</p><p>Devo gratidão ao amigo Zé e a Cláudia Passos por essa transformação.</p><p>Foi difícil a criação da turma-piloto, pois a máquina burocrática do instrucionismo,</p><p>apenas se preocupava cegamente em manter os seus dispositivos, aula, turma, carga</p><p>horaria. Muitos professores juntaram-se a nós, outros tinham o instrucionismo</p><p>enraizado no seu ser e tornava-se missão quase impossível convence-los, mas usando</p><p>da síndrome do vira-lata foi possível convencê-los a partir dos seus vídeos e da</p><p>antropofagia das suas palavras.</p><p>Sei da história do problema com a ditadura e a mulher do director a quem tiveste</p><p>coragem de mandar ir fazer o que era certo... Infelizmente ainda hoje todos os</p><p>directores de escolas em Angola exercem para o partido no poder as mesmas funções</p><p>do director que encontraste nos teus vinte anos. Por cá os directores são nomeados</p><p>pelo partido no poder temos uma ditadura escolar disfarçada em democracia, as</p><p>pessoas se sobrepõem às leis, os decretos e normativos instrucionista vandalizam a lei.</p><p>Os nossos dirigentes não estão preocupados nem um pouco com a educação. Nenhum</p><p>dirigente do mais alto escalão tem o seu filho que fez toda a sua digressão acadêmica</p><p>nas nossas instituições públicas, sinal de que elas servem apenas para os nossos filhos.</p><p>Vivemos em dois mundos num mesmo país, num deles se desconhece a pobreza e</p><p>miséria que se passa no outro e este mundo tem uma educação doentia e maléfica, não</p><p>há qualquer resquício de escrúpulo ou respeito pela vida humana. Esse país é formado</p><p>pela elite... O outro país é onde a pobreza e a miséria imperam, Zé, este país dá dó,</p><p>neste país o ensino e a educação buscam a sobrevivência e nele encontram muita acção</p><p>que esboça uma leve mudança. Neste país sofrido encontramos muitas crianças</p><p>passando dias à fome, outras passam as manhãs e noites nas lixeiras para poderem</p><p>encher as barrigas com resto de comida, mas mesmo assim a solidariedade, o respeito,</p><p>a responsabilidade, o amor coabitam com os cidadãos deste país, embora deva admitir</p><p>que neste país tem os oportunistas que pisam em todos, fingem se importar para</p><p>poderem ascender ao país da elite. E eu luto por este país, onde a água mata a fome</p><p>e é por ele que eu busco uma educação melhor para todos. Este país será o responsável</p><p>pela mudança do outro país, será responsável pela unificação do país.</p><p>Amigo Zé, palavras são insuficientes para o agradecer ou expressar o papel que</p><p>desempenhas nesta mudança de paradigma, apenas posso dizer GRATIDÃO. Que Deus</p><p>ilumine sempre o teu caminho.</p><p>Atenciosamente,</p><p>Albn Bas Tetsu</p> <p>de 2051</p><p>Querido filho,</p><p>Hoje falar-te-ei de um assunto que os vossos dicionários não contemplam e ainda</p><p>bem que assim é. Nos idos de vinte muito se falava da INCLUSÃO, o termo estava em</p><p>voga no circo dos pseudointelectuais, desculpa quis eu dizer no seio dos intelectuais da</p><p>pedagogia, sociologia e psicologia. Quem era eu para me atrever a esboçar a minha</p><p>convicção neste seio de monstruosidades.</p><p>Alguns significados que eram atribuídos para a INCLUSÃO, ressaltava a minha vista</p><p>a seguinte: integração absoluta de pessoas que possuem necessidades especiais ou</p><p>específicas numa sociedade.</p><p>Nas escolas usava-se o termo para dizer que em escolas ditas normais</p><p>encontravam-se crianças com necessidades educativas especiais ou específicas.</p><p>Outros há que tratavam os tais com necessidades educativas especiais ou especificas</p><p>por deficientes.</p><p>O Zé Pacheco diz sempre deficiente são as práticas não são as pessoas... Não</p><p>existem crianças com necessidades educativas especiais ou específicas. Há</p><p>necessidades educativas especiais nos professores, nos gestores escolares. Deficiente</p><p>são as escolas que não apresentam o mínimo de condições de acesso para quem usa</p><p>uma cadeira de rodas, deficiente é a nossa mente que ativa o modo discriminatório</p><p>quando vê alguém diagnosticado com Síndrome de Down, autista, epilético, privado da</p><p>visão ou audição.</p><p>A lei de base nos alerta: Assegurando a inclusão social, a igualdade de oportunidades</p><p>e a equidade, bem como a proibição de qualquer forma de descriminação. A lei é clara</p><p>mais a nossa genialidade de interpretação nos relega a ignorá-la por completo.</p><p>O próprio artigo embora devo-lhe atribuir o reconhecimento por tentar acabar</p><p>com a descriminação, ele se torna discriminatório quando fala de inclusão social. Quem</p><p>deve ser incluído? Quem não faz parte da sociedade que a ela deve ser incluído?</p><p>O problema é que a escola, a sociedade e muitas vezes a família não respeitam a</p><p>diversidade, o direito a diversidade, somos todos diferentes cada um de nós temos as</p><p>nossas necessidades especiais. QUANDO APRENDEREMOS ISSO E RRESPEITAREMOS A</p><p>DIFERENÇA?</p><p>O termo inclusão surgiu em 1994 na Conferencia de Salamanca onde se aprovou</p><p>a “Declaração de Salamanca” que é uma resolução das Nações Unidas que trata dos</p><p>princípios, políticas e prática em educação especial.</p><p>Com isso criou-se as escolas de ensino especial, privando quem era visto como</p><p>diferente da oportunidade de interagir com os outros. APRENDEMOS COM A</p><p>DIFERENÇA, PARA PODERMOS RESPEITÁ-LA... VIVEMOS A DIFERENÇA PARA QUE ELA</p><p>FAÇA PARTE DE NÓS. AMAMOS A DIFERENÇA NA CONVIVÊNCIA... AMAI-VOS UNS AOS</p><p>OUTROS... RESPEITAI-VOS UNS AOS OUTROS.</p><p>Lembro-me que enquanto criança tínhamos amigos diferentes fisicamente a nós,</p><p>e nós nos adaptamos para com eles brincar, éramos felizes, ficamos tristes quando</p><p>todos os ditos normais fomos a mesma escola e os nossos amigos foram a outra</p><p>escola. Sentimos o poder da exclusão em forma de inclusão. O erro não está na palavra,</p><p>o erro está na acção que esta trás.</p><p>Deves estar perplexo e cheio de perguntas, na altura eu também estava. Como</p><p>era possível esta separação, visto que no teu tempo isso não acontece, só há homens,</p><p>todos diferentes uns dos outros, todos respeitados, cada um atendido e valorizado</p><p>segundo a sua diferença, É A DIFERENÇA QUE NOS UNE E NOS FORTALECE, não a</p><p>igualdade. É difícil conviver com quem é como nós, pensa como nós, com quem é o</p><p>nosso reflexo. Já imaginaram uma sociedade assim?</p><p>Os africanos são um povo amável, acolhedor, solidário essas são as nossas raízes.</p><p>Há muito que deixamos as nossas raízes e perdemos a nossa essência.</p><p>As escolas deficientes devem rever as suas práticas, os professores com</p><p>necessidades educativas especiais ou específicas devem ser ajudados. Não importa a</p><p>diferença, todos podemos aprender juntos. Deficientes não são pessoas são práticas.</p><p>Quem tem necessidades especiais é quem descrimina, pois somos todos diferentes,</p><p>tenha sempre isso em conta, filho, a diferença nos faz humanos, a ideia de seleção de</p><p>igualdade nos separa. Termino com a letra da música de Dani Black, Quebra Cabeça:</p><p>“Não deixa que ninguém desmereça aquilo que só você tem. Não deixa que a mente</p><p>se esqueça daquilo que você é. A soma das forças é de suma importância, nenhuma</p><p>peça pode faltar.</p><p>Assim como o sol é claro, todo o ser é raro. E isso nada pode mudar. Entre as</p><p>constelações, dentre mais de bilhões não existe um que seja igual a você. Cada um é um,</p><p>todo um é uma peça do quebra cabeça.”</p><p>Que a palavra de Deus seja uma lâmpada para os teus pés e uma luz para o teu</p><p>caminho.</p><p>Com amor</p><p>O teu pai que muito te ama.</p><p>Moçâmedes, 26 de Fevereiro de 2051</p><p>Querido filho,</p><p>Já lá vão 30 anos desde que o teu pai, falou pela última vez com o professor</p><p>Habacuque, que deixou-nos na sua data de aniversário, por imperativo religiosos este</p><p>não comemorava a mesma, uma data alegre passou a ser catastrófica, para os nossos</p><p>corações, pois se juízo faltava em teu pai, nele existia em abundância, difícil é descrever</p><p>quem era Habacuque. Íntegro, honesto, humilde, conversador, bom ouvinte, conselheiro,</p><p>alegre, não era apenas alegre, ele irradiava alegria, paz, ternura, mansidão. Habacuque</p><p>era um super-herói no meio das angústias que nos assolavam, lá estava ele para minimizar</p><p>os estragos da vida que se tornava débil e sem sentido.</p><p>Aprendemos da pior maneira que não podemos substituir ninguém, ainda mais quando</p><p>se tratava de alguém que era um pedaço querido no nosso universo, uma pedra basilar</p><p>nunca é substituída na sua plenitude.</p><p>Palavras não são suficientes para o homenagear nem tão pouco honrá-lo,</p><p>agradecer a força motriz que ele foi para nós, um modelo excepcional de ser humano.</p><p>Todos nascemos pessoas e com o passar do tempo nos tornamos humanos,</p><p>Habacuque já havia-se tornado humano, e nos passava a sua humanidade, contemplando</p><p>o belo, era pleno em sua dedicação a Jeová, tenho a certeza que Jeová o tem em boa</p><p>conta.</p><p>A caminhada da sala dos professores à secretaria administrativa, naquele gélido</p><p>corredor nunca foram as mesmas, sem a habitual paragem para saudá-lo e trocar</p><p>impressões. O corredor tornava-se ameno e acolhedor com os seus vai e vem.</p><p>A nossa revolução, contrariedade, nada são perante o inimigo inevitável, nenhuma</p><p>manifestação ou tão pouco um acto de coragem extremo debatem contra a morte e</p><p>saem dela vencedora. Os argumentos embelezados de sentido poético, nada são perante</p><p>o destino inevitável.</p><p>O consolo vem por sabermos que nas mãos de Deus ele se encontra, ao seu lado</p><p>e na esperança da ressurreição dos mortos. Pois o homem deve ter uma crença para</p><p>viver esperançoso e reconfortado na promessa de uma vida sem sofrimento e de</p><p>pleno amor. A crença no amor gera uma educação melhor, um ser humano melhor. Que</p><p>a palavra de Deus seja uma lâmpada para os teus pés e uma luz para o teu caminho.</p><p>Com amor</p><p>O teu pai que muito te ama.</p><p>Moçâmedes, 27 de Fevereiro de 2051</p><p>Querido filho,</p><p>Hoje pretendo começar esta missiva, com uma pergunta: Um gestor escolar</p><p>nomeado deve obediência à lei ou a quem o nomeia?</p><p>Óbvio que a resposta racional seria: “Deve obediência a lei e ao que se provar ser</p><p>o correcto”. Mas como nos idos de vinte era uma raridade encontrar coerência no</p><p>discurso e na prática, prestava-se vassalagem a quem nos nomeasse. Este era a própria</p><p>lei, dele nenhum erro provinha.</p><p>Muitos gestores escolares, felizmente não todos, mas muitos gestores escolares</p><p>deviam obediência hierárquica aos seus nomeadores, a lei não era respeitada sob pena</p><p>de serem mal interpretados por quem os nomeou.</p><p>A prática da obediência exacerbada aos superiores hierárquicos tornou-se normal,</p><p>uma anormalidade normal.</p><p>Uma vez alguém me perguntou: Porquê os gestores escolares tendem a se</p><p>perpetuar no poder e a manter uma relação ditatorial com aqueles que deviam apoiá-</p><p>los?</p><p>A resposta carece de análise especializada, a minha resposta como um não</p><p>especialista baseava-se numa simples análise dúbia e desprovida</p> <p>de respaldo… em outras</p><p>palavras ela era apenas sincera.</p><p>Os gestores escolares tinham estatuto e poder, não abdicavam deles, alguns</p><p>gestores éticos, colocavam o bem-estar comum à frente dos seus interesses… outros</p><p>há que encaravam a gestão escolar como rampa de ascensão política. Era difícil</p><p>perceber como pessoas estudadas subvertiam a definição e o objectivo da política. O</p><p>objectivo dela não é ser servido é servir com o envolvimento do povo nas decisões.</p><p>Isso não passava de mera ilusão os gestores escolares ansiavam serem servidos, ai de</p><p>quem não o fizesse!</p><p>Factos insólitos aconteciam nos idos de vinte, directores que retalhavam quem os</p><p>chamava pelo nome próprio, em contextos nada enquadrados com a realidade de</p><p>trabalho. Passa a bola no director! Esposa, o meu director virá aqui em casa! Virá fazer</p><p>uma visita de trabalho? Não. Ele é meu amigo e vamos trocar umas ideias. Outros no</p><p>aconchego do lar ouviam: director o jantar está na mesa!</p><p>Devemos deixar de tratá-los sem desprimor pelos cargos que ostentam fora do</p><p>local de trabalho, separar as águas parece abusivo e excessivo, mas a longo prazo se</p><p>mostra melhor para eles.</p><p>Pois quando saem do cargo já estão habituados a serem tratados como iguais, é</p><p>difícil quando nos habituamos a uma realidade. Perdemos o norte quando esta nos é</p><p>retirada. Saber separar a vida profissional da pessoal é um ato de autonomia e de</p><p>democracia. E este mesmo ato nos livra da cegueira que é o poder e a ganancia.</p><p>Os gestores escolares deviam deixar de ser nomeados e passarem a serem eleitos</p><p>pelo colectivo de funcionários. Quem almeja ser director devia cumprir os requisitos</p><p>estabelecidos por lei, apresentar a sua candidatura e o programa de gestão, os</p><p>funcionários votam no programa, podendo destituir o director caso esse tomasse</p><p>outros rumos na sua gestão. Os programas não devem desvirtuar o papel da escola</p><p>que é garantir o direito a educação e uma educação de qualidade.</p><p>A nomeação causa cegueira e necessidade de agradar quem nos nomeia, esta</p><p>cegueira estava na base das fanfarronices que aconteciam nas escolas, onde o</p><p>director era senhor, a liderança era substituída pela ditadura. Uma das célebres frases</p><p>que indicam que estamos a ser geridos por ditadores é: fazem como eu digo, quem não</p><p>concorda que peça demissão ou transferência.</p><p>Os gestores escolares que apenas viam o poder acima de todos os princípios</p><p>éticos eram cegos por opção, tudo faziam para agradar quem os nomeou, mesmo</p><p>criando um abismo educacional, o importante era cumprir a ordem a risca para agradar</p><p>os superiores hierárquicos e garantir o lugar.</p><p>Muitos sabiam que as políticas educacionais iam contra a lei, o bom senso, a ética</p><p>e contra as suas próprias convicções. Nada faziam, como desculpas usavam a frase:</p><p>o erro vem de cima, nós nada podemos fazer.</p><p>Até podem. Quando deixamos os erros acontecerem, eles tornam-se normais e</p><p>esta normalidade é catastrófica. NÃO VAMOS FAZER, também deve ser dito quando</p><p>acompanhado de bases sólidas. A qualidade da educação e o direito a educação depende</p><p>apenas da vossa decisão ética, espero que esta seja tomada brevemente, ou o abismo</p><p>onde nos encontramos não terá fim. Que a palavra de Deus seja uma lâmpada para os</p><p>teus pés e uma luz para o teu caminho.</p><p>Com amor</p><p>O teu pai que muito te ama.</p><p>Moçâmedes, 28 de Fevereiro de 2051</p><p>Querido filho,</p><p>Nos idos de vinte algumas punições absurdas me tiravam do sério: punir o</p><p>professor por não ter cumprido o mapa de sumários ou por não ter dado as provas</p><p>no tempo determinado.</p><p>No âmbito pedagógico, a avaliação é um processo sistematizado de registo e</p><p>apreciação dos resultados obtidos em relação a um objectivo previamente estabelecido.</p><p>Uma avaliação envolve três processos: constatação, reflexão e acção.</p><p>Quando vamos a um médico somos avaliados, ele constata a partir da nossa</p><p>descrição dos sintomas, pede uma análise específica ou várias análises, estas análises</p><p>são testes, não são provas, as análises não saem do laboratório com uma nota 15 de</p><p>paludismo e 19,5 de febre tifoide, por isso o médico chega à conclusão que a nossa</p><p>doença tem uma média de 17,25, esta média indica que estamos MUITO MAL! Ao contrário</p><p>disto os resultados das análises dão ao médico, bases de reflexão para agir de forma</p><p>correcta no combate à doença. É dada uma receita esta é a acção. Depois vem uma</p><p>nova avaliação de controlo, para saber se a acção teve êxito ou não, se sim, estamos</p><p>curados e nos são dadas recomendações para prevenção... Se não, nova acção é</p><p>engendrada.</p><p>Um professor que avalia o seu aluno quinze vezes em um ano, destas o aluno</p><p>demonstra um aproveitamento negativo, o problema não está no aluno está no</p><p>professor, este não foi capaz de refletir depois de ter constatado o primeiro sinal,</p><p>nem teve a decência de agir sobre o problema... A nota era um indicador da dificuldade</p><p>que o professor tem de ensinar.</p><p>As escolas confundem avaliação com classificação... A avaliação é inclusiva, a</p><p>classificação é um acto de darwinismo escolar.</p><p>Segundo Jussara Hoffmann “A aval iação escolar hoje só faz sentido se tiver o</p><p>intuito de buscar caminhos para melhorar a aprendizagem”.</p><p>O que me espanta e, olha que dificilmente me espanto, é saber que o ministério não</p><p>sabe distinguir avaliação de classificação... Dou-lhes um desconto pois a avaliação é</p><p>compreendida como classificação a mais de 500 anos, a “Didática Magna” de Comenius</p><p>e o “Rati Studiorum (Sistema de Aprendizagem) ” dos padres jesuítas, são as provas</p><p>escritas mais antigas de que as escolas subverteram os princípios avaliativos.</p><p>Quando uma percentagem considerável de alunos é classificado negativamente, o</p><p>ministério tem um ataque de gênios e aumenta ou diminui o número de avaliações</p><p>(entenda-se classificações)... Esses ataques de “pedagorreia” não vão melhorar o sistema</p><p>educativo, não melhoram a qualidade de ensino, nem melhoram as condições de</p><p>aprendizagem dos alunos.</p><p>“Não é a preocupação com o termômetro que fará baixar a temperatura.” Sábias</p><p>palavras de José Pacheco</p><p>Desculpai a falta de sensibilidade e a dureza do meu pensar, mas a falta de respeito</p><p>com a educação neste país e a despreocupação pela qualidade trás, de longe, a sensação</p><p>de que o abismo em que a nossa educação se encontra é um projecto. Muitos tentarão</p><p>defender, então lá vai uma perguntazinha:</p><p>Por que os nossos governantes de altíssimo escalão não matriculam os seus filhos</p><p>nas nossas escolas públicas?</p><p>Perdi o foco, vamos voltar a avaliação: o ministério e os professores</p><p>desenvolveram uma obsessão pela classificação. Há classificações diárias, mensais,</p><p>trimestrais, anuais e agora a nova moda que jazia a muito nos arquivos do ministério os</p><p>“benditos” exames nacionais... Muita preocupação com o termômetro, o problema de</p><p>aprendizagem não está nas malditas classificações, estão no auspicioso e intocável</p><p>sistema de educação e ensino.</p><p>Se a seguir à exaustiva maratona de classificações, os resultados obtidos</p><p>servissem de indicadores para remodelar os planos curriculares, os manuais escolares,</p><p>os métodos, reciclar os professores, mudar de paradigma estaríamos a agir</p><p>pedagogicamente.</p><p>Aqui vai uma historinha:</p><p>“Um professor de uma escola que não é a vossa, pois acredito que isso não</p><p>aconteça em escolas do século XXI, o professor chama o encarregado de educação</p><p>para informá-lo que o aluno está mal e se o encarregado não recorrer ao auxílio de</p><p>um explicador o aluno iria reprovar, visto que este não estava a aprender.</p><p>O encarregado quis saber qual era o objectivo da escola e do professor, esta</p><p>pergunta foi suficiente para o professor chegar a brilhante conclusão que o rapaz</p><p>só está naquela situação por culpa do encarregado... Ele apenas chamou-lhe para o</p><p>aconselhar não para ser questionado.”</p><p>Se os alunos devem aprender na escola com os professores por que as escolas</p><p>e os professores terceirizam o seu dever?</p><p>A resposta é simples, os alunos não aprendem só na escola, aprendem na</p><p>comunidade e em comunidade, sobre</p> <p>isso vos falarei mais para frente.</p><p>Uma avaliação negativa, não exprime o quanto o aluno é medíocre, apenas nos dizem</p><p>o quanto professor é medíocre, pois ele não conseguiu entender as reais necessidades</p><p>do aluno, nem foi capaz de criar argumentos e ambiente para cativá-lo... Por isso meu</p><p>amado colega tenha cuidado quando fores dar uma nota 5 ou 0, essa nota é reflexo</p><p>da dificuldade de ensinar. Quem avalia não dá nota, quem classifica tem a obrigação de</p><p>dar nota.</p><p>“O que caracteriza uma aval iação como formativa é a possibilidade de usar seus</p><p>dados como informações para a reorientação do trabalho pedagógico, tanto por parte</p><p>do aluno como do professor, para garantir a aprendizagem.” Paulo Zargolin</p><p>Uma avaliação é formativa, contínua e sistemática serve-nos de diagnóstico a</p><p>aprendizagem, nos situam sobre como o aluno está e o que o professor deve fazer</p><p>para ele deixar de estar onde está... Se a velocidade do carro do professor for 80</p><p>km/h e a do aluno 60 km/h, não devemos continuar a viagem devemos parar e perceber</p><p>qual o problema do carro do aluno para solucioná-lo e continuarmos a viagem, se não</p><p>temos capacidade de ajudá-los pedimos ajuda ou nos despimos da intelectualidade para</p><p>podermos aprender com os alunos.</p><p>Olha! Que já se provou que nossos alunos têm a capacidade de extrapolar os limites</p><p>de velocidade, nós somos os construtores das estradas... Vamos construir uma</p><p>autoestrada de qualidade ou usar materiais sem qualidade para que depois de três meses</p><p>os enormes buracos apareçam, originando trágicos acidentes... Sobre quem recai o</p><p>peso da avaliação do acidente do aluno que deve ser livre ou do professor que construiu</p><p>uma estrada cheia de buracos e com quebras molas não sinalizados?</p><p>Sei que todos os educadores amam os seus alunos, entenderam que devem avaliar</p><p>e parar de classificar, quem assim não o fizer está no pleno uso dos seus direitos, mas</p><p>que Deus tenha piedade da sua ignorância pedagógica. Que a palavra de Deus seja uma</p><p>lâmpada para os teus pés e uma luz para o teu caminho.</p><p>Com amor</p><p>O teu pai que muito te ama.</p><p>Moçâmedes, 01 de Março de 2051</p><p>Querido filho,</p><p>Que escola tínhamos nos idos de vinte? Zé Pacheco e Rubem Alves se mostravam</p><p>inconformados com a escola que tínhamos, foi bom ter descoberto que eu não era o</p><p>único no mundo que pensava no mito da velha escola que se perpetuava.</p><p>“É mais fácil vencer um mau hábito hoje do que amanhã”. Dizia Confúcio na sua</p><p>imensa sabedoria.</p><p>A educação passou por profundas mudanças, isso mesmo, muitas mudanças</p><p>ocorreram na educação até ao século XIX, de lá para cá, nada mais mudou!</p><p>O processo educativo segue normas e padrões de cada período histórico,</p><p>respondendo às necessidades de cada sociedade. Infelizmente a educação do século XXI,</p><p>ainda responde às necessidades sociais do século XX, numa organização do século XIX.</p><p>A educação aquenta-se sobre bases não científicas, a “política”, ou seja, os</p><p>interesses de quem governa está acima da verdade pedagógica. Os modelos e</p><p>dispositivos que sustentam a velha escola equiparam-se a Zeus, Poseidon, Medusa,</p><p>Afrodite e outros seres mitológicos.</p><p>O que é que a educação tem a ver com a mitologia grega?</p><p>A velha escola e os seus dispositivos mitológicos como: aula, classe, turma, ano</p><p>lectivo, tempo lectivo, prova, carga horária, plano de aula... Vamos abrir aqui um</p><p>parêntese para transcrever ciência:</p><p>“Aprendizagem é o processo pelo qual as competências, habilidades, conhecimentos,</p><p>comportamentos ou valores são adquiridos ou modificados, como resultado de estudo,</p><p>experiência, formação, raciocínio e observação”.</p><p>“O aprendizado não acontece da mesma forma para todo mundo. Cada um obedece</p><p>o seu próprio ritmo de aprend izagem”.</p><p>A indústria evoluiu para o 4.0, a educação estagnou no 1.0... Ao colocarmos um</p><p>cirurgião do século XIX, numa sala cirúrgica do século XXI, este nada poderá fazer...</p><p>Colocando um operário do século XX, numa fábrica de montagem de automóveis do</p><p>século XXI, este nada poderá fazer... Se colocarmos um professor brilhante do século</p><p>XIX e outro do século XX, numa sala de aula do século XXI, eles nos brindarão com</p><p>excelentes aulas! Mas como o que acontece em todas as aulas, nada aprenderemos. O</p><p>cérebro vai reter a informação até a próxima prova e depois dela, esqueceremos.</p><p>Então é seguro afirmar que: numa aula quase nada se aprende.</p><p>Como quase nada se aprende? Você pergunta. E tentas argumentar que</p><p>aprendeste muito nas aulas!</p><p>Devo ter sido brando demais com esta afirmação e os que gostam se apegar aos</p><p>70% ou 80% dos alunos aprovados, os professores que não se importam continuarão</p><p>a deformar pensando nessa percentagem, por isso deixa reformular a minha afirmação</p><p>para encorajar os professores da aula.</p><p>Numa aula nada se aprende. Os fiéis defensores da velha escola (os da old school),</p><p>ou de um construtivismo que nada mais é do que um paliativo da velha escola, estes</p><p>ilustres licenciados, mestres, doutores, Ph.D. e catedráticos da velha escola, vão</p><p>esbravejar e defender com unhas e dentes a velha escola e os seus dispositivos</p><p>pseudopedagógicos... Defenderão o nosso sistema educacional padronizador e nivelador</p><p>que, na verdade, pré-define os resultados, matando a imprevisibilidade do ser imprevisível,</p><p>usando programas curriculares de cumprimento obrigatório, plano de aula onde a</p><p>ciência da diferença de aprendizagem é atropelada sem apelos nem agrados, com o</p><p>sentimento no final do ano lectivo de dever cumprido mesmo com os 30% de analfabetos,</p><p>mais os 50% de analfabetos funcionais. Refugiando-se na velha e desumana desculpa de</p><p>que “não é possível numa turma termos 100% de aproveitamento”.</p><p>Infelizmente, estas tácticas que habitam o modo mecânico de pensar ou modo</p><p>zumbiniano (desculpai o termo) de refletir ainda perduram e a prova disso é que o leitor</p><p>se for do grupo dos obtusos intelectuais, começará a idealizar desculpas, para</p><p>defender, o porquê das aulas, sem a mínima base científica, outros mais disfuncionais</p><p>nutrirão uma raiva pelo autor. Já estou vacinado.</p><p>Vamos contextual izar com ajuda do Zé: No século XVII, a Prússia tinha a necessidade</p><p>de um exército forte, para isso o seu imperador decretou “O ensino militar obrigatório</p><p>aos cinco anos”. As crianças foram confinadas, contra a sua vontade em recintos a</p><p>que deram o nome de escolas.</p><p>A escola nasce de necessidades militares, assente numa rígida disciplina e em um</p><p>regime autoritário, esse modelo se espalhou como uma epidemia que afectou a Europa.</p><p>A França dos iluministas e dos conventos adornou este modelo no século XVIII. A</p><p>Inglaterra da primeira Revolução Industrial, com a necessidade de padronizar o</p><p>processo produtivo deu uma nova forma a este modelo, o modo de arrumação da sala</p><p>de aula, o vazio constitutivo anônimo entre o professor e o aluno, a definição e</p><p>padronização dos conhecimentos que deveriam ser aprendidos, a segmentação que um</p><p>determinado grupo de operários apenas devia saber puxar a alavanca... Isto no século</p><p>XIX.</p><p>A grande explosão de teóricos, que metiam o nariz na pedagogia mesmo não</p><p>passando no “chão da escola”, dando muitos contributos a pedagogia, o nosso modelo</p><p>pedagógico ainda se baseia nesses teóricos do século XX, que foram mal compreendidos.</p><p>Os pioneiros da Escola Nova, muitos deles até hoje relegados ao esquecimento, estudados</p><p>mas nunca aplicados nas escolas, podemos citar Jean-Jacques Rousseau, Heinrich</p><p>Pestalozzi, John Dewey, Freidrich Froebel, Fernando de Azevedo, Lourenço Filho, Cecília</p><p>Meireles, Anísio Teixeira, Maria Montessori, Lauro de Oliveira Lima, Paulo Freire, Darcy</p><p>Ribeiro, Eurípedes Barsanulfo, Nise da Silveira, Florestan Fernandes, Maria Nilde</p><p>Mascellani e muitos outros que foram esquecidos, citados em muitos trabalhos, mas</p><p>nunca aplicados. Ao longo de duzentos anos, milhões de vidas jovens foram destruídas</p><p>pela escola instrucionista, num holocausto educacional, que pedagogos pertencentes ao</p><p>movimento da “Escola Nova” denunciaram. Chamaram a escola da aula, leia bem,</p> <p>a escola</p><p>da aula “invenção do diabo” dando resposta a um artigo de Adolph Ferrière “Escola, a</p><p>Invenção do diabo”, mais não lograram suster esta peste, tornando numa pandemia com</p><p>proporções devastadoras.</p><p>Peço na minha humilde ignorância que alguém me explique com bases científicas o</p><p>porquê da aula, classe, turma, ano lectivo, tempo lectivo, prova, carga horária.</p><p>“Os que escrevem não fazem, os que fazem não escrevem”. Diz José Pacheco</p><p>Para provocar, vou ainda mais longe: Numa escola nada de útil se aprende. Muitos</p><p>estarão a pensar que estou a beirar a maluquice.</p><p>Deixa então repetir, dizendo desde já que me encontro no perfeito uso das minhas</p><p>faculdades mentais.</p><p>Numa escola nada de útil se aprende. Vamos lá então justificar esta afirmação</p><p>com tons de radicalismo. O ilustre leitor sabe responder:</p><p>Qual é a fórmula para calcular a área do trapézio? Qual é a fórmula para calcular</p><p>o vértice da parábola? Quem foi Bula Matadi? Em que ano morreu Napoleão Bonaparte?</p><p>Quantos rios Angola tem? Onde nasce o rio Keve?</p><p>Poderia continuar! O cerne da questão é: conseguiste responder todas as</p><p>questões? Creio que não. E por que não? Todas estas questões fazem parte do</p><p>currículo escolar e todos tivemos aulas. Aprendemos? A resposta é simples. Não</p><p>aprendemos, apenas decoramos para a prova. Mais um pouco de ciência que a velha</p><p>escola ignora.</p><p>“A aprendizagem deve ser signif icativa. Deve ter significado para quem aprende.</p><p>Quem aprende deve querer aprender não ser forçado a aprender”.</p><p>Com essas inutilidades do currículo escolar que o ministério da educação acha que</p><p>deveríamos aprender. Nem mesmo eles sabem! Muitos foram fazer pedagogia por</p><p>terem dificuldades no quadrivium, quando chegam no ministério têm palpitações decretais</p><p>sobre o ensino da Matemática.</p><p>A escola do século XIX já estava em crise, uma crise que se arrasta até hoje, as</p><p>escolas matam a criatividade, valorizam a memorização, padronização, uniformização...</p><p>As escolas formam repetidores, zumbis, seres com crises funcionais. Partindo do</p><p>mesmo modelo de cidadão para todos, quem tem uma mente de fácil formatação óptimo</p><p>recebe no fim do ano lectivo, um muito bom. Aquele criativo, crítico difícil de ser</p><p>formatado recebe no fim do ano um medíocre.</p><p>“Todo mundo é um gênio. Mas se você julgar um peixe por sua habilidade de subir</p><p>uma árvore, ele viverá sua vida inteira acreditando que é burro”. Dizia e bem Albert</p><p>Einstein</p><p>Onde está o espaço para a criatividade se o professor dá resposta a perguntas</p><p>que não lhe foram feitas, planifica a aula não tendo em conta o ritmo diferenciado de</p><p>aprendizagem. Muitos dirão não é possível preparar aula para cada aluno. Então? Deixa</p><p>de preparar a aula.</p><p>Se a escola como ela é não ensina a todos, então ela deve mudar! E a mudança</p><p>não está em mudar o sistema de avaliação ou implementar mais provas, menos provas,</p><p>ter uma 13ª classe, ou ainda capacitar o professor para dar aula melhor. Aulas são</p><p>inúteis.</p><p>Devemos ter uma nova construção social de aprendizagem. Vamos acabar com</p><p>os mitos da velha escola. Aula, classe, turma, ano lectivo, tempo lectivo, prova, carga</p><p>horária não passam de fosseis pedagógicos do século XIX.</p><p>Então, devo deixar de dar au las? Se estiveres preparado para o fazer, deixa de</p><p>dá-la o mais rápido possível... Se não então continua esta é a tua competência e ela deve</p><p>ser valorizada para deixares de dar aulas... Aquele que não quer mudar tem esse direito,</p><p>mas que Deus tenha piedade.</p><p>Por fim uma frase inspiradora de Gandhi “Seja a mudança que você quer ver no</p><p>mundo”.</p><p>Que a palavra de Deus seja uma lâmpada para os teus pés e uma luz para o teu</p><p>caminho.</p><p>Com amor</p><p>O teu pai que muito te ama.</p><p>Moçâmedes, 02 de Março de 2051</p><p>Querido filho,</p><p>Nos idos de vinte as escolas regiam-se pelos princípios legais de: Autonomia das</p><p>instituições, liberdade académica e gestão democrática. Parece uma utopia e era pois</p><p>estes princípios apenas contemplavam o ensino superior, relegando o ensino inferior</p><p>para princípios mais nefastos: Heteronímia das instituições, servidão académica e gestão</p><p>ditatorial. É bem verdade que não era para assim ser mas era e nada se podia fazer</p><p>enquanto os princípios legais não os declararem como de uso geral, não só para o</p><p>ensino superior, devemos começar a prática da autonomia, da liberdade e da boa gestão</p><p>no ensino de base. Então porquê a lei não dá esses mesmos direitos.</p><p>Alguns artigos na Lei de Base do Sistema de Educação e Ensino careciam de</p><p>revisão, muitos deviam ser removidos, como a imposição da estruturação em classes,</p><p>em anos de escolarização, ou o seguimento de um plano curricular deficiente, sobre o</p><p>plano curricular prometo falar-te amanhã.</p><p>A educação básica poderá organizar-se em classes anuais, períodos semestrais,</p><p>ciclos, alternância regular de períodos de estudos, grupos não-classificados, com base</p><p>na idade, na competência e em outros critérios, ou por forma diversa de organização,</p><p>sempre que o interesse do processo de aprendizagem assim o recomendar.</p><p>A escola poderá reclassificar os alunos, inclusive quando se tratar de</p><p>transferências entre estabelecimentos situados no País e no exterior, tendo como base</p><p>os planos curriculares nacionais.</p><p>O calendário escolar deverá adequar-se às peculiaridades locais, inclusive climáticas</p><p>e económicas, a critério do respectivo sistema de ensino, sem com isso reduzir o</p><p>número de horas letivas previsto por Lei.</p><p>Quem ler esses três parágrafos acima perceberá uma preocupação com o</p><p>aprendizado, realmente o artigo 23º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional</p><p>Brasileira nos trás essa preocupação.</p><p>A Lei de base do Sistema de Educação e Ensino Angolana também nos trás</p><p>abordagens que se preocupam com o aprendizado, porem estas são contrapostas por</p><p>outros artigos, Decretos, regulamentos e normas instrucionista que nada têm a ver</p><p>com o aprendizado.</p><p>Não se logra o aprendizado segmentado as escolas em disciplinas, turmas, classes,</p><p>idades, tendo como base a aula… começa a ser cansativo esta repetição já pareço um</p><p>disco riscado, mas é uma posição necessária para que se entenda de uma vez por</p><p>todas que devemos reconfigurar a nossa cultura profissional e pessoal.</p><p>Peço que os políticos deixem os pedagogos sérios tratarem da educação,</p><p>professores que ainda não morreram têm muito a dar para garantir o direito a</p><p>educação na sua plenitude. O teu pai começou a reconfigurar a sua cultura profissional</p><p>e pessoal rumo a uma nova construção social, e comigo muitos outros estavam pois</p><p>ser professor deixou de ser uma vida solitária e passou a ser solidaria… mudamos a</p><p>nossa cultura profissional e pessoal, e o sistema sentiu necessidade extrema de mudar</p><p>connosco, não foi fácil, mas no final foi lindo. Grato sou a todos os professores que</p><p>connosco decidiram fazer essa transição, uma gratidão profunda para o Zé Pacheco</p><p>e a Cláudia Passo, que nos deram a oportunidade de fazer uma educação melhor uma</p><p>educação para todos e por todos. Que a palavra de Deus seja uma lâmpada para os</p><p>teus pés, e uma luz para o teu caminho.</p><p>Com amor</p><p>O teu pai que muito te ama.</p><p>Moçâmedes, 03 de Março de 2051</p><p>Querido filho,</p><p>Os currículos para a Educação Pré-Escolar, o Ensino Primário e o Ensino</p><p>Secundário têm carácter nacional e são de cumprimento obrigatório, devendo propiciar</p><p>o diálogo efectivo entre os saberes locais e universais… Artigo 105º da Lei de Base do</p><p>Sistema de Educação e Ensino.</p><p>O que acontece quando um currículo não propicia o diálogo efectivo entre os</p><p>saberes locais e universais? O que deve ser entendido como saberes locais e universais?</p><p>Serão os ditongos saberes universais? Serão as culturas um saber local? Será que os</p><p>saberes locais dependem dos potenciais educativos existentes em uma localidade? De</p><p>que localidade se tratava do Saco-Mar, do Forte Santa Rita, de Moçâmedes, do Namibe</p><p>ou da região sul? Muitas perguntas se levantavam e poucas respostas se davam.</p><p>Os currículos encontravam-se</p> <p>desatualizados e descontextualizados, as escolas</p><p>nada podiam fazer por se tratar de 80% de iniciativa do executivo, e devo admitir o</p><p>executivo tinha muito com o que se preocupar. Embora eu entedia que a educação</p><p>devia ser uma das primeiras preocupações, mas cada um lá sabe com que se</p><p>preocupar.</p><p>O ministério terceirizava o trabalho de reformulação curricular a especialistas e</p><p>peritos portugueses, se ganhassem um concurso internacional para a reformulação</p><p>curricular, apresentando melhores argumentos que os especialistas e peritos angolanos,</p><p>nada haveria para discutir… em outras palavras nada me aborreceria. Infelizmente não</p><p>era isso que acontecia os especialistas eram escolhidos por conveniência, ou pela nossa</p><p>síndrome do vira-lata, “o que vem de fora é melhor”. Os nossos especialistas se é que</p><p>tínhamos eram renegados a categoria de simples defensores do currículo. Nada contra</p><p>serem portugueses a fazerem a reformulação curricular, mas o que eles entendem</p><p>da realidade local, muitos veem acompanhados de uma arrogância e prepotência</p><p>descomunal, devem estar lembrados do “SABER MAIS”, uma parceria do Ministério da</p><p>Educação e o Instituto Camões que nada de bom trouxe, apenas serviu para se jogar</p><p>dinheiro fora ou para o enriquecimento de alguns. A parceria com a Lusis no Projecto</p><p>RETEP, se os saberes são universais porquê a organização dos cursos e os conteúdos</p><p>programáticos são diferentes dos portugueses. Talvez o nosso Plano Curricular seja</p><p>todo ele local, pois somos um povo “ESPECIAL” e temos as nossas particularidades.</p><p>Os planos portugueses do ensino técnico profissional foram aprovados em 2005,</p><p>então podemos descartar o desfasamento temporal. Muitos gestores escolares</p><p>reclamam da descontextualização dos planos curriculares, mas nada fazem para mudar</p><p>essa triste realidade. Um dos saberes importantes é o APRENDER A DESOBEDECER,</p><p>se o plano curricular não nos satisfaz devemos pô-lo de lado e criar em articulação</p><p>nacional e regional um que atenda as nossas necessidades. E um conselho quando o</p><p>fazerem devem ter em atenção que os saberes fazem parte de um único ser, não</p><p>deve este em momento algum ser dissociado, ou fragmentado em disciplinas. Os saberes</p><p>são interdisciplinares nenhum funciona a par do outro. Devendo propiciar o diálogo</p><p>efectivo entre os saberes locais e universais … os planos curriculares como se</p><p>apresentavam nos idos de vinte estavam fora da lei. Que a palavra de Deus seja uma</p><p>lâmpada para os teus pés, e uma luz para o teu caminho.</p><p>Com amor,</p><p>O teu pai que muito te ama.</p><p>Moçâmedes, 04 de Março de 2051</p><p>Querido filho,</p><p>Nos idos de vinte essa era a educação que nos caracterizava, a classe de</p><p>referência no país nada queria saber da educação, pois nenhum dirigente do mais alto</p><p>escalão colocava o seu filho numa escola pública, os poucos que faziam a sua formação</p><p>no país envergavam para as escolas estrangeiras. Nada tenho a recriminar, talvez se</p><p>tivesse a mesma condição financeira lá estarias, mas o teu pai, como muitos outros,</p><p>não passava de um simples professor, miseravelmente remunerado só não era pior</p><p>porque existiam muitos outros que os salários eram catastroficamente miseráveis e a</p><p>elite no seu pedestal argumentava que o país estava em boas mãos e nada tínhamos</p><p>com que nos preocupar, eu não estava preocupado, estava alarmado, incrédulo com</p><p>os ditos intelectuais que apertavam os impostos, inflacionavam o mercado,</p><p>desvalorizavam a moeda nacional, no mais absurdo intuito de melhorar as suas vidas.</p><p>Dos pobres nada se falava, a fuba e o peixe seco dispararam, não havia como se</p><p>sustentar sem trabalho, sem uma remuneração condigna… isso não os importava pois a</p><p>fartura, a abundância, o excesso nunca foi deficiente nos meandros dos donos do país.</p><p>… A igualdade de oportunidades e a equidade … termos que embelezavam a lei não</p><p>passavam disto, palavras decorativas. Onde está a igualdade quando os seus filhos não</p><p>frequentam as nossas escolas? Onde está a equidade quando são os mesmos a terem</p><p>regalias?</p><p>A educação devia deixar de ser considerada uma área isolada, ela faz parte do</p><p>ser humano. E é indissociável dele. Devia também ser indissociável do estado, devendo</p><p>permitir a colaboração efectiva de todas as áreas pertencentes ao aparelho do</p><p>estado… bem como parte dos seus parceiros sociais, uma escola que forma técnicos</p><p>de Electrónica e telecomunicações, não deve estar apenas na alçada do ministério da</p><p>educação, deve estar assegurado por todos os ministérios e por todas as empresas</p><p>publicas e privadas da área em questão.</p><p>Muito temos que fazer para termos um país justo e livre, onde aja igualdade de</p><p>oportunidade e a equidade, e tudo passa por uma transformação profunda mas</p><p>necessária na nossa própria cultura. E os nossos governantes devem entender de uma</p><p>vez por todas que um país se desenvolve e se solidifica pela educação e não pelo seu</p><p>exército.</p><p>Ainda usamos uma ideologia do tempo da expansão grega e romana: “Si v is pacem,</p><p>para bellum” – Se quer paz, prepara-se para a guerra. Eu digo: “Si vis pacem, hominem</p><p>educare” – Se quer paz, educa o homem.</p><p>Como educar o homem? Não se logra o direito a educação com esta construção</p><p>social, refrataria de necessidades sociais do seculo XIX. Devemos pensar uma nova</p><p>construção social de aprendizagem, que atenda a nossa realidade em que todos possam</p><p>aprender cada um no seu ritmo e que seja respeitado na sua diferença. É possível dar</p><p>uma educação de qualidade e proporcionar o sucesso escolar para todos? Sim. Tanto</p><p>é possível que já está a acontecer um pouco pelo mundo. Um sonho e um anseio do</p><p>professor Zé Pacheco que se torna realidade. E eu estarei aqui para espalhá-lo na paz</p><p>e na cordialidade em todo o território nacional e não o farei sozinho, pois todos os</p><p>projectos humanos são projectos colectivos. Até julho dos idos de vinte priorizei a minha</p><p>transformação pessoal e profissional, reformulei as minhas práticas, arregacei as</p><p>mangas e lutei por essa educação que hoje faz parte do teu dia-a-dia. Espero que me</p><p>contes como ela é. E que tenha se tornado magnífica e um hino a quem nunca se cansou</p><p>de nos apoiar mesmo a distância de um continente, gratidão ao Zé Pacheco e a Cláudia</p><p>Passos. Aos que comigo decidiram caminhar gratidão. Que a palavra de Deus seja uma</p><p>lâmpada para os teus pés, e uma luz para o teu caminho.</p><p>Com amor</p><p>O teu pai que muito te ama.</p><p>Moçâmedes, 5 de Março de 2051</p><p>Querido filho,</p><p>Nos idos de vinte o planeta terra entrava em colapso, terramotos, furacões,</p><p>tsunamis, deslocamento da placa tectónica e muitos outros fenómenos naturais de que</p><p>a ciência não fazia ideia que existiam... O homem começou uma busca frenética por</p><p>novos mundos, até que conseguiu encontrar um novo hospedeiro e lá foi, apenas os de</p><p>sangue azul e verde conseguiram pagar o transporte para o outro planeta, mesmo nos</p><p>instantes finais do planeta terra o capitalismo imperava, parte da humanidade perdeu o</p><p>escrúpulo.</p><p>Nós que ficamos, fomos obrigados a tomar uma decisão ética, olhamos a terra</p><p>não como a nossa casa, mas respeitamo-la como parte da nossa vida, paramos de</p><p>explorar os seus recursos minerais, paramos de poluí-la de forma imatura, na realidade</p><p>paramos de explorar o planeta terra. Aprendemos com as formigas, as abelhas, os</p><p>outros animais que faziam gestão daquilo que a terra lhes dava, mantendo sempre em</p><p>atenção o ciclo da vida.</p><p>Criamos a matriz axiológica dos habitantes da terra e todos fomos responsáveis</p><p>por ela, passamos a cuidar da terra e ela cuidou de nós, a solidariedade, a sensatez</p><p>passaram a ser moedas de troca comerciais, cada família tinha o necessário para viver</p><p>feliz, ninguém possuía mais que os outros... A ganância, o capitalismo, o instrucionismo, a</p><p>corrupção e o poder eram vírus extintos. Os nossos estudiosos postularam a seguinte</p><p>afirmação: “Parte da humanidade que decidiu abandonar o planeta, mesmo pensando</p><p>apenas na sua salvação,</p> <p>foi o responsável da salvação do planeta, por ter levado todas</p><p>as aberrações da caixa de pandora.” E nós compactuávamos com está afirmação,</p><p>encontramos a caixa de pandora e deixamos de lá sair a esperança.</p><p>As escolas que se transformaram em comunidade nos idos de vinte foram as</p><p>responsáveis por esta mudança, elas trabalhavam o ser humano em todas as dimensões.</p><p>Nelas deixávamos de ser pessoas e passávamos a ser humanos. Com esta profunda</p><p>reformulação na nossa cultura chegamos a conclusão que muitos dos dispositivos do</p><p>instrucionismo não eram necessários, aula, turma, horário, prova, exames... passamos a</p><p>ter o dom da escuta, conseguimos escutar o que o outro dizia e despidos de toda a</p><p>ciência que nos caracterizava conseguimos dar respostas as necessidades de todos.</p><p>Os cientistas pararam de criar aberrações para estarem afrentes de uns e de outros,</p><p>começaram a trabalhar eticamente. Todos os professores foram fundamentais,</p><p>deixaram de dar aulas, isso mesmo filho deixaram de dar aulas, passaram a fazer</p><p>tutorias e mediação pedagógica, dispositivos democráticos e autônomos foram</p><p>instalados. A escola passou a ser uma comunidade de pessoas felizes.</p><p>Reelaboramos a nossa cultura pessoal e profissional, criamos uma nova</p><p>construção social de aprendizagem, conseguimos dar o direito a educação a todos e</p><p>uma educação de extrema qualidade. Deixamos de ser pessoas e passamos a ser</p><p>humanos, a conviver e respeitar o outro na sua diferença. Despeço-me deste volume</p><p>de cartas com esta utopia breve, tenho certeza que é para lá que caminhamos,</p><p>removendo do discurso as catástrofes. Que Deus ilumine sempre o seu caminho, e que</p><p>a vida faça de ti um ser humano.</p><p>Com amor,</p><p>O teu pai que muito te ama.</p> <p>Moçâmedes, 09 de Fevereiro de 2051</p><p>Amado filho.</p><p>Decidi escrever cartinhas para que possas entender a realidade em que nos</p><p>encontramos e espero, pois devemos ser esperançosos, que nos dias vindouros leias</p><p>estas cartas envolto em uma realidade muito diferente, do abismo educacional e social</p><p>dos idos de vinte.</p><p>A dez de Fevereiro de 2021 as aulas do ensino primário iriam começar depois de</p><p>onze meses de paragem, mesmo em tempos difíceis, enquanto outros países anunciavam</p><p>o encerramento das escolas para salvaguardar o bem vida, nós em contramão abríamos</p><p>as escolas das aulas em sinal de estabilidade pandêmica.</p><p>Se ao menos as aulas trouxessem melhorias no âmbito social e moral, mudasse o</p><p>rumo caótico em que a nossa sociedade se encontrava, teria todo o gosto em falar</p><p>desta, de ânimo leve e paz de espirito.</p><p>O regresso as aulas apenas lograva suster as estruturas colegiais que ruíam por</p><p>falta do seu bem mais precioso, as propinas. E muitos eram os ricos que deixavam de</p><p>ter mais alguns tostões por terem os seus colégios parados, pois nos idos de vinte as</p><p>escolas eram um negócio de BARÕES, muito diferente do teu tempo onde as escolas</p><p>são públicas e de extrema qualidade.</p><p>O dia dez de fevereiro de 2021 foi o dia em que o teu pai, a tua tia Tachinha e</p><p>muitos outros professores espalhados um pouco pelo mundo, tomaram uma decisão</p><p>ética que mudou gerações de educadores e que mudou a forma como a escola era...</p><p>Professores que pensaram e ousaram fazer diferente, é isso mesmo, fazer diferente</p><p>não falar diferente... Pois nos idos de vinte muitos eram os teóricos com doutoramentos</p><p>em “pedagorreia”, grandes falastrões, mais sobre eles falarei mais tarde... Voltamos a</p><p>falar de professores que amaram os seus alunos de tal forma que mudaram as suas</p><p>raízes pedagógicas, para o bem-estar dos seus alunos... Professores que deixaram de</p><p>ver os alunos como objecto de ensino e passaram a conviver com eles como sujeitos</p><p>de aprendizagem... A partir desta data os alunos realmente aprendiam e eram felizes</p><p>com o que aprendiam.</p><p>Essa jornada não foi fácil, filho, pois o teu pai teve que suplantar várias</p><p>dificuldades, começando por professores que sucumbiram ao velho modelo e não</p><p>imaginavam uma escola sem aulas, lutaram com todas as forças para verem o fracasso</p><p>nos nossos passos, muitos caíram para que outros pudessem chegar ao fim da jornada,</p><p>nos apoiamos na solidariedade dos professores que connosco decidiram mudar.</p><p>E os nossos corações se encheram de orgulho, amor e levamos uma lufada de</p><p>resiliência quando os nossos alunos mostravam evidências reais de aprendizagem.</p><p>Era lindo ver, os alunos aprenderem com ânimo, amor e alegria. Posso dizer-te,</p><p>filho, eles eram mesmo felizes... Mais te falarei numa outra cartinha até lá, que Deus</p><p>guarde sempre os teus passos.</p><p>Com amor</p><p>O teu pai que muito te ama.</p><p>Moçâmedes, 10 de Fevereiro de 2051</p><p>Querido filho,</p><p>Como lhe havia dito na cartinha anterior, foi num dia como hoje nos idos de vinte</p><p>que marcou o início das aulas do ensino primário, muitos pais decidiram não levar os</p><p>seus filhos à escola, os que consentiram com a decisão dos fazedores do país,</p><p>constataram algumas condições forjadas nas escolas, digo forjadas por ter a certeza</p><p>que não aguentariam um mês, depois deste mês será safa-se quem puder.</p><p>A ministra afirmou que os governos provinciais receberam no mínimo 32 milhões</p><p>de kwanzas para que se criasse as condições de biossegurança nas escolas, garantindo</p><p>assim um arranque seguro do ano lectivo para este nível de ensino.</p><p>Voltando ao assunto que realmente importa, falar-te-ei sobre este início de aula...</p><p>engendrado pelos BARÕES das industrias educativas, rios de crianças enfileiradas para</p><p>lavarem e terem acesso ao recinto escolar, a escola continuava a ser considerada</p><p>apenas as paredes, já era altura de dizer a quem de direito que ESCOLAS SÃO PESSOAS</p><p>e a escola da aula do século XIX, deixará de funcionar no século XIX... então por que se</p><p>insistia neste modelo falhado?</p><p>No momento em que te escrevia esta cartinha, algo inusitado aconteceu, recebi a</p><p>notícia que um aluno não havia comparecido durante o I trimestre, por ter feito uma</p><p>operação que mais tarde correu mal, teve a necessidade de refazer a mesma. A</p><p>direcção da escola por iluminação pedagógica decidiu que o aluno devia apenas fazer</p><p>as provas com base nos fascículos (entenda manual de apoio) ... tenho certeza que se</p><p>desse um manual de apoio a direcção da escola para que lessem e fossem submetidos</p><p>a monstruosidade que era uma prova em pleno século XXI, eles reprovariam ou usariam</p><p>dos “decorómetros” para poderem se safar. Nenhum deles tinha aprendido a ser</p><p>autônomo enquanto aluno... o hábito de decorar para a prova tornou-se uma regularidade</p><p>nos nossos dias, até o teu pai já decorou enquanto aluno, para depositar numa prova.</p><p>Paulo Freire nos alertou sobre a bancarização do ensino, simplesmente ignoramos. Nas</p><p>salas de aulas não se aprendia, ou seja, aprendíamos inutilidades, sem aplicação no dia-a-</p><p>dia. Aulas eram inúteis, muitos intelectuais sabiam disso, mas nada faziam por puro</p><p>comodismo.</p><p>Espero que tenhas professores competentes e éticos, professores que estejam</p><p>vivos, pois nos idos de vinte muitos eram os professores que tinham morrido para a</p><p>pedagogia.</p><p>As crianças iam às escolas sem saberem o motivo, posso afirmar que não era</p><p>para aprenderem, pois nada aprendiam nas escolas... vou repetir isso até que alguém</p><p>ouça e queira mudar... muitos afirmavam que as crianças aprendiam na interação social</p><p>e na convivência, ou seja, aprender a conviver, desse pilar poderei por ventura fazer</p><p>alusão numa outra cartinha, nada disso acontecia na “escola das aulas”, as crianças</p><p>tornavam-se reflexos da sociedade, sem valores, violenta, o velho adagio popular perdeu</p><p>veracidade: “CRIANÇA NÃO MENTE”, nos idos de vinte isso era frequente “elas mentiam</p><p>com todos os dentes ”, não quero dizer que as escolas deviam deixar de existir... elas</p><p>deviam mudar. Ela não respondia às necessidades do século XXI, como operar essa</p><p>mudança é assunto de conversa para outras cartinhas, apenas quero que saibas que</p><p>diferente do teu tempo a educação era uma arma governamental, onde muitos sofriam</p><p>e sucumbiam para deleite dos poderosos chefões. Por hoje é tudo, meu amado filho,</p><p>que Deus guie sempre os teus passos.</p><p>Com amor,</p><p>O teu pai que muito te ama.</p><p>Moçâmedes, 11 de fevereiro de 2051</p><p>Querido Filho,</p><p>Quando perdemos alguém que nos é próximo, ficamos a refletir nos nossos actos</p><p>e no sentido da vida. Com o passar do tempo esta dor torna-se suportável pois achamos</p><p>consolo nos braços de Deus e dos que nos são queridos.</p><p>Quando o nefasto acontecimento que leva um ante querido, precede de causas</p><p>naturais, doença ou acidente, a resistência da nossa dor desmorona-se, consolados pelo</p><p>facto de sabermos a causa.</p><p>Quando alguém amado, acarinhado decide pôr fim a sua própria existência, o chão</p><p>desaparece e a pergunta que não conhece resposta, não deixa de ecoar na nossa alma.</p><p>Porquê? Porquê? Porquê? Porquê? Tentamos ser fortes, mas a dor parece sufocar</p><p>a nossa alma, o sentimento de incapacidade toma conta de nós.</p><p>Nos idos de vinte perdemos um tio teu no emanar da sua juventude, as dificuldades</p><p>da vida o levaram a uma solução que só os fracos tomam, mas quem os torna fracos:</p><p>a família? Os amigos? A sociedade? Não seria a escola um lugar onde os fracos</p><p>aprendiam a superar as suas fraquezas? Um lugar onde os alunos são felizes? Quem é</p><p>feliz deixa de ser fraco emocionalmente, e as escolas têm a missão de capacitar para</p><p>a felicidade, de fazer os alunos homens de valores. A depressão é uma doença grave</p><p>e deve ser tratada como tal, não importa se somos AFRICANOS… A depressão nos</p><p>torna emocionalmente fracos.</p><p>Alguns psicólogos afirmam que quem comete suicídio, deseja a vida. Não sei onde</p><p>eles tiram essas teorias que contradizem</p> <p>a prática, provavelmente são teorias</p><p>resultantes dos encontros precedidos pelo inalar de monóxido de carbono resultante</p><p>da queima de canábis, pois quem ama a vida não abdica dela.</p><p>Nos idos de vinte, países como Finlândia, Coreia e Japão eram bem colocados no</p><p>PISA, também eram os primeiros no suicídio juvenil. Logo a educação desses países</p><p>carecia de uma enorme reflexão, os alunos encaravam os estudos como um acto que</p><p>os pressionava e não como uma aventura em busca da felicidade.</p><p>As escolas devem lograr a aprendizagem. Para que uma aprendizagem ocorra,</p><p>deve ser significativa, gerada em um vínculo cognitivo, emocional, afectivo, ético e</p><p>estético. Acontece em uma multiplicidade de espaços, no apropriar-se de cultura, no</p><p>diálogo, na interação com os diferentes, na aprendizagem da cidadania, em contexto de</p><p>liberdade responsável.</p><p>Ter uma escola que realmente fazia o aluno feliz era o nosso desejo, necessidade</p><p>e o nosso sonho. Por isso naqueles dias começamos as turmas-pilotos, dos protótipos</p><p>de comunidade de aprendizagem, deixamos de ser apenas professores competentes e</p><p>passamos a ser éticos.</p><p>Muitos eram os professores que nos idos de vinte amavam os seus alunos, mas</p><p>poucos eram os que passavam este amor à acção, o teu pai tem orgulho de ter sido</p><p>um dos primeiros a fazê-lo.</p><p>Tenho muito orgulho de ser um dos primeiros e não o primeiro, pois éramos muitos</p><p>que amávamos os alunos que passaram a ser sujeitos de aprendizagem, não um amor</p><p>teórico, mas sim um amor efectivo demonstrado a partir de uma praxis. Que Deus te</p><p>proteja e guarde.</p><p>Com amor</p><p>O teu pai que muito te ama.</p><p>Moçâmedes, 12 de Fevereiro de 2051</p><p>Querido filho,</p><p>Estas cartas são o expressar do mais puro pensamento, não são cartilhas, emanam</p><p>da verdadeira liberdade intelectual que me domina ou como diria o Zé Pacheco têm</p><p>origem na minha TPM intelectual, mesmo admitindo que essas são revestidas por certa</p><p>ignorância. Apenas descrevo a realidade da forma que ela se apresenta aos meus olhos,</p><p>posso ter problemas oftalmológicos. Por isso respeito os diferentes pontos de vista.</p><p>Nos idos de vinte o país passava por várias crises: económica, social, existencial,</p><p>religiosa, mas a pior delas era a crise educacional que vivíamos, os nossos governantes</p><p>não se mostravam preocupados com o rumo que o país tomava, o que nos levava a</p><p>pensar e devo dizer-lhe que nem era um pensamento absurdo, que esta crise educacional</p><p>não passava de um projecto engendrado por quem tinha intensões de dominar um povo</p><p>submisso e sem capacidade de reflexão crítica, mas sobre isso abordaremos mais</p><p>tarde.</p><p>Vou contar-lhe uma história que tomei conhecimento a partir da leitura do livro de</p><p>José Pacheco “Reconfigurar a Escola, Transformar a Educação” e farei uma</p><p>adaptação à realidade em que nos encontramos “Custa acreditar”:</p><p>Em um dos seus primeiros discursos, o Presidente da República Francesa afirmou</p><p>que é pela solidariedade e não pela austeridade sem fim que os objectivos do défice</p><p>público serão alcançados. E do discurso passou aos actos. Mandou que fossem leiloados</p><p>os carros oficiais e colocou o produto dessa venda no Fundo da Previdência, auxiliando</p><p>regiões com subúrbios mais carentes. Aboliu o uso do “carro da empresa”, com este</p><p>argumento: se um executivo que ganha 650.000 euros por ano, não se pode dar ao</p><p>luxo de comprar um bom carro com o seu rendimento do trabalho, significa que é</p><p>estúpido ou desonesto. A nação não precisa de nenhuma dessas figuras. Com essa</p><p>medida, 345 milhões de euros foram salvos e transferidos para a criação de institutos</p><p>de pesquisa científica avançada de alta tecnologia, dando emprego a 2.560 jovens</p><p>cientistas desempregados.</p><p>Acabou com o conceito de “paraíso fiscal” e fez publicar um decreto que aumenta</p><p>os impostos das famílias que ganham mais de 5 milhões de euros por ano. Com essa</p><p>receita, deu emprego a quase 60.000 desempregados, entre os quais, 6.900</p><p>professores. Suspendeu o pagamento de 2,3 milhões de euros a igrejas que financiavam</p><p>escolas privadas, e com esse dinheiro apoiou um plano de construção de 4.500 creches</p><p>e 3.700 escolas. Aboliu os subsídios do governo para fundações. Reduziu o salário dos</p><p>deputados e dos altos funcionários que ganham mais de 800.000 euros por ano. Com</p><p>os cerca de 4 milhões economizados, criou um fundo que dá garantias de bem-estar</p><p>para mães solteiras em difíceis condições financeiras e tudo isso sem alterar o</p><p>equilíbrio do orçamento. A inflação não aumentou. A produtividade nacional aumentou.</p><p>No Reino Unido, o Governo cortou no número de motoristas e carros dos</p><p>ministros. Mas em Angola, parece que aumenta o número de motoristas. E a assembleia</p><p>nacional gasta milhões de dólares com carros de luxo para os deputados. Será verdade</p><p>que se gastará milhões de dólares para a construção de um ginásio para os</p><p>parlamentares?</p><p>Na Europa dos ricos, os governos garantem o essencial. Em Angola, investe-se no</p><p>supérfluo. Custa acreditar. A ser verdade, isto não é um país, mas uma anedota, uma</p><p>triste anedota. É um país pequeno quando comparado com E.U.A, Canada, Russia, Brasil</p><p>e onde já não há guerra. Mas — a acreditar no Google — se a Noruega e a Suécia (países</p><p>dos mais ricos da Europa) têm um general cada, Angola sustenta mais de 400 generais.</p><p>Neste país, uma família recebe 24 mil kwanzas trimestrais do Estado no combate</p><p>a pobreza e um idoso para receber a sua reforma deve passar horas nas filas dos</p><p>bancos, prova de um autêntico desrespeito pelos mais velhos que muito deram para o</p><p>país, depois de uma vida de trabalho. Neste jardim plantado à beira-mar, qualquer membro</p><p>do partido no poder que faz parte de uma rara espinha familiar, chega a governante,</p><p>dirigente, gestor inicia o seu acto governativo com um baixo rendimento declarado,</p><p>muitos nem o declaram, e termina o seu mandato já milionário, sem que se perceba se</p><p>lhe saiu a lotaria…</p><p>Desde há décadas, a incompetência, o tráfico de influências, a colonização</p><p>partidária, o nepotismo e a corrupção tomaram as rédeas do poder, num país que se</p><p>diz democrático, mas onde o povo não assume cidadania e a impunidade dos políticos é</p><p>a norma. Mas há quem afirme publicamente não haver políticos corruptos em Angola.</p><p>Um povinho murmurante e apático continua a pagar pelos erros de políticos, que</p><p>deveriam ser civil e criminalmente responsabilizados por servirem os seus interesses e</p><p>não os da sociedade, que os elegeu e sustenta. Mais do que de uma profunda reforma</p><p>estrutural, o nosso país carece de uma reforma moral.</p><p>A nossa imaturidade politica, desinteresse e desrespeito por esse povo vê-se nas</p><p>nossas leis públicas, falo especificamente da nossa Lei de Base do Sistema de Educação</p><p>e Ensino (Lei 17/16 de 07 de Outubro), que foi revista em alguns pontos mas nada de</p><p>interessante, ou seja, nada que faz sentido se acresceu na Lei 32/20 de 12 de Agosto…</p><p>mas sobre isto falarei noutra cartinha. Que Deus ilumine sempre os teus passos.</p><p>Com amor e carinho.</p><p>O teu pai que muito te ama.</p><p>Moçâmedes, 13 de Fevereiro de 2051</p><p>Querido filho,</p><p>Nos idos de vinte, as leis existiam para reger as sociedades, mas muitas delas</p><p>levantavam inúmeras discussões e interpretações… uma lei devia suscitar uma única</p><p>interpretação, esta não devia depender de quem o faz, ou a quem se aplica se para</p><p>pobre ou rico, do partido A ou B, da religião X ou Y. Naqueles tempos não era isso que</p><p>acontecia, as leis funcionavam, para uns e não para outros, serviam de guião teatral</p><p>para distrair a opinião pública, ou serviam de temas para as conversas de bar e</p><p>esquinas.</p><p>Muitos podem discordar de pontos na lei, mas não devem interpretar como os</p><p>convém, e o legislador não deve deixar que isso aconteça… Não deves matar, roubar,</p><p>nem cometer adultério. Estas leis não levantam interpretações e todos concordam com</p><p>elas. O problema não está nas leis mais no homem que a aplica.</p><p>Quero falar-te da lei 17/16 de 07 de outubro, uma lei que só a introdução servia,</p><p>atenção!</p> <p>Muitos outros artigos e pontos também serviam, mas eram contrariados pela</p><p>mesma lei em outro artigo ou ponto… o que fazia da lei controversa e atípica. Uma lei</p><p>que falava de democracia e autonomia, mais determinava como as escolas deviam</p><p>trabalhar, uma daquelas leis que resultam do efeito de substâncias entorpecentes. Nos</p><p>apegaremos ao que há de bom:</p><p>Assim, o sistema de educação e ensino deve reafirmar, entre os seus objectivos,</p><p>a promoção do desenvolvimento humano, com base numa educação e aprendizagem ao</p><p>longo da vida para todos os indivíduos, que permita assegurar o aumento dos níveis de</p><p>qual idade de ensino. Deve igualmente, contribuir de forma mais efectiva para a</p><p>excelência no processo de ensino e aprendizagem, para o empreendedorismo e para o</p><p>desenvolvimento científ ico, técnico e tecnológico de todos os sectores da vida nacional.</p><p>O sistema de educação e ensino deve ainda garantir a reafirmação da formação</p><p>assente nos valores patrióticos, cívicos, morais, éticos e estéticos e a crescente</p><p>dinamização do emprego e da actividade económica, a consolidação da justiça social, do</p><p>humanismo e da democracia plural ista.</p><p>Estes são os anseios introdutórios da lei, podemos ainda acrescer o ponto um do</p><p>artigo segundo:</p><p>A educação é um processo planificado e sistematizado de ensino e aprendizagem,</p><p>que visa preparar de forma integral o individuo para as exigências da vida individual e</p><p>colectiva.</p><p>O que é que o legislador entende por integral? Nada. Provavelmente tenha achado</p><p>o termo jeitoso. Há muito que somos exploradores nos mares desconhecidos da</p><p>inteligência humana, tentamos explorar o desconhecido e descobrir terras onde</p><p>encontramos uma educação integral, mais estamos longe de atingir este rumo com as</p><p>bússolas dadas pelo sistema, pois elas só servem para nos desorientar e apenas apontam</p><p>para a ganância, poder, hegemonia partidária, bajulação, nepotismo, corrupção,</p><p>imoralidade, desrespeito, autossuficiência, dificuldade de reflexão crítica e solução real,</p><p>impaciência com o trabalho duro, lucros fáceis, sem esforço ou dedicação… são muitos</p><p>os desvalores que este sistema de educação e ensino gerava e se gabava de os ter. A</p><p>forma como as escolas se organizam e entendem a aprendizagem deixa por terra</p><p>esses anseios introdutórios da lei.</p><p>Temos vindo a presenciar tal decadência, retraídos nas nossas discussões</p><p>abafadas pelo medo da repressão hierárquica e de perder o emprego que nos leva o</p><p>pão a mesa… mas chegou a hora de dizer basta, não com palavras ou com</p><p>manifestações, mas sim com acções. As turmas-piloto das comunidades de</p><p>aprendizagem trazem consigo a esperança de uma educação humanística e integral, que</p><p>contempla realmente toda a dimensão do ser humano.</p><p>Nós mostramos que a vontade e a resiliência em fazer o que é certo, supera as</p><p>dificuldades impostas pelos sistemas que logram a decadência social e a dependência</p><p>partidária. Que deus ilumine sempre os teus passos.</p><p>Com amor.</p><p>O teu pai que muito te ama.</p><p>Moçâmedes, 14 de Fevereiro de 2051</p><p>Amado Filho,</p><p>Celebramos hoje, o dia de São Valentim, o dia destinado aos eternos namorados, o</p><p>dia em que o teu pai e a tua mãe relembram o verdadeiro amor, não fazemos desta</p><p>data incomum ou especial, pois todos os dias são. Mas elevamos os nossos corações e</p><p>sentimos de um jeito especial o furor das nossas almas.</p><p>Nesta data não podia deixar de escrever-te, pois se de amor se tratava, então do</p><p>seu fruto também devia falar.</p><p>Filho te amo incondicionalmente, de uma forma indiscritível, um sentimento que me</p><p>anima, mas não consigo descrevê-lo, dá-me paz, ânimo, vontade de vencer… e a tua mãe</p><p>não pode e nem faz ciúme deste amor, pois eu amo-a com muito do meu ser, este</p><p>amor é impossível de imaginar, este amor que eu sinto por vós transborda os nossos</p><p>limites e se reflete, na dedicação e afinco que eu tenho para com os meus alunos,</p><p>aqueles que me levaram a aprender a desaprender, para poder aprender com eles,</p><p>muitos eram os alunos por quem eu nutria um carinho especial, o Fernando, a Alcira, a</p><p>Lídia, o Edmilson, o Tchypa, o Cavela, a Jumar, a Melissa, a Patrícia… este amor chegava</p><p>para os 108 alunos que estavam sobre a minha responsabilidade. Mas era impossível</p><p>ensinar todos e aprender com todos, com amor e dedicação. Por isso, a difícil tarefa</p><p>de selecionar 15 tutorados que passariam a fazer parte da minha turma-piloto, tarefa</p><p>esta que ficou a cargo do sorteio, ninguém podia sequer reclamar de injustiça neste</p><p>método, se ele fosse usado para selecionar quem entra na universidade, exigiríamos que</p><p>o estado criasse as condições para todos poderem ter acesso ao ensino superior. E</p><p>as escolas deixariam de basear o seu ensino nos exames de acesso.</p><p>Demos início ao projecto aprender em comunidade, um projecto que unia a teoria</p><p>e a prática, uma práxis funcional, nele os alunos aprendiam com amor, a aprendizagem</p><p>era significativa e integral, como previa o ponto um do artigo segundo. Sobre as</p><p>maravilhas deste projecto te falarei mais tarde. Que Deus esteja sempre presente na</p><p>tua vida.</p><p>Com amor,</p><p>O teu pai que muito te ama.</p><p>Moçâmedes aos, 15 Fevereiro 2051</p><p>Querido filho,</p><p>Numa data anterior a esta nos idos de vinte, um dos teus primos sentiu-se mal,</p><p>depois ficamos a saber que era apenas de saudades da mãe, a cabeça doía-lhe, dei-lhe</p><p>metade de um paracetamol de 500 mg, isto é, dei-lhe 250 mg de paracetamol como me</p><p>recomendou o enfermeiro do pronto-socorro, feito isso ele vomitou, nos foi</p><p>aconselhado a procurar uma unidade hospitalar com mais recursos, lá fomos não direi</p><p>o nome do hospital em respeito a funcionários éticos que lá trabalhavam… nos pediram</p><p>para aguardarmos a nossa vez de sermos atendidos, uma hora depois fomos atendidos</p><p>e a enfermeira pediu-me que fosse comprar uma seringa de 2 cc e uma ampola de</p><p>dipirona, o hospital simplesmente não tinha e todos os pacientes deviam comprar os</p><p>seus medicamentos. Onde vão os meus impostos?</p><p>Não é sobre os meus impostos que quero falar-lhe, mas sim sobre a dualidade de</p><p>realidade existente neste país.</p><p>Vivíamos numa dita democracia, liberdade e autonomia. E ninguém sabia realmente</p><p>o que essas palavras queriam dizer, pois elas apenas serviam para embelezar os</p><p>documentos e discursos políticos, desprovidos de emoção e coração.</p><p>Os dirigentes sabiam o que era o CERTO, muitos não faziam com receio de “molhar</p><p>o pão no gasóleo”, era prática comum os membros incultos do partido no poder</p><p>retalharem por críticas dirigidas ao seu acto governativo ou por fazeres o certo em</p><p>meio ao que é costume ser errado… então a única linguagem que realmente era</p><p>apetecível de ouvir era: sim, senhor óptima ideia . Até os líderes religiosos deixaram-se</p><p>dominar e os que tinham coragem de ir contra as pessoas que aplicavam os sistemas,</p><p>eram realocados para uma área sem cobertura.</p><p>O que mais perplexo me deixava era acompanhar debates cheios de linguagem</p><p>cuidada, rica em latinismo que nada diziam… muitos eram os que viviam na parte do país</p><p>em que a vida era uma maravilha até a Alice, gostaria de lá estar. Estes eram os que</p><p>mais discursos davam, com eloquência, intelectualmente bem dotados, mas lhes faltava</p><p>o mais importante, VALORES.</p><p>As politicas públicas, eram a favor da elite, os que nada tinham pagavam até mesmo</p><p>com a vida que, para muitos, esta nada valia, os impostos aumentavam apenas por se</p><p>achar melhor aumentar, o salário mínimo era vergonhoso, não se sabia quais os critérios</p><p>para o estipularem, talvez seja mesmo para comprar fuba de milho e peixe seco, como</p><p>muitos diziam… até isso tornava-se impossível comprar, a inflação disparava, os preços</p><p>praticados nos mercados formais e informais eram mortais, o poder de compra tinha</p><p>sofrido um golpe de estado e dele nada se ouvia. O país estava em colapso, mas isso</p><p>não importava aos que tinham o poder de mudar o rumo do país, porque volto a repetir</p><p>faltavam VALORES! Os angolanos mantinham a esperança no dia de amanhã, esperança,</p><p>paciência e receio</p> <p>de profundas mudanças faziam parte da nossa génese… Não, não,</p><p>não faziam parte da nossa génese, éramos instruídos assim, pois era para isso que o</p><p>nosso sistema de educação e ensino servia. Mas muitos eram os que conseguiram se</p><p>libertar destas correntes e sobre isso, falar-te-ei numa próxima cartinha. Que Deus</p><p>esteja sempre no teu caminho.</p><p>Com amor,</p><p>O teu pai que muito te ama.</p><p>Moçâmedes, 16 de Fevereiro de 2051</p><p>Querido filho,</p><p>Nos idos de vinte o teu pai falava da boa nova da educação, para despertar</p><p>professores sonhadores, muitos eram os que despertaram, outros mantiveram uma</p><p>crença forte na velha escola… difícil era argumentar contra hábitos e crenças</p><p>enraizadas, principalmente quando a humildade intelectual punha em causa toda a sua</p><p>formação, ninguém era louco o suficiente para admitir que a sua religião escolar estava</p><p>em colapso… encontrei professores calejados, que não se viam numa escola sem a aula,</p><p>turma, disciplinas, classe, prova, horário, todos estes dispositivos da velha escola, muitos</p><p>não encaravam a pedagogia como ciência.</p><p>Como nada sei sobre o tema escola, terei todo o gosto em voltar a falar-te do</p><p>livrinho “Reconfigurar a escola Transformar a educação ”, trago-lhe “boas noticias ”:</p><p>Um especialista afirmava que é o próprio modelo de ensino que promove o</p><p>insucesso: Estamos a preparar os alunos da mesma forma que preparávamos há</p><p>cinquenta ou cem anos, baseando o ensino exclusivamente na capacidade de reproduzir</p><p>conteúdos. Ensinamos tudo a todos da mesma maneira e ao mesmo tempo, o que já não</p><p>faz qualquer sentido.</p><p>Muitos professores eram contra esta afirmação, mas não sabiam justificar com</p><p>acções ou dar cunho científico ao porquê estar contra… apenas estavam em desacordo</p><p>e nada mais.</p><p>Em muitas escolas portuguesas e brasileiras, uma rede de projectos discretamente</p><p>se prefigura, esboçando novas construções sociais de aprendizagem, à semelhança de</p><p>uma Finlândia, que esboçava o abandono do tradicional ensino por disciplinas. No novo</p><p>modelo, que foi aplicado nesse país por volta de 2024, todos os assuntos passaram a</p><p>estar interligados.</p><p>Entretanto, o Ministério da Educação francês lançou uma reforma assente em</p><p>três pilares: flexibilidade, autonomia e interdisciplinaridade. Essa reforma sustenta que</p><p>as escolas devem alterar a sua forma de ensinar, dando mais importância aos trabalhos</p><p>de projecto, aos trabalhos de grupo e proporcionando aos alunos oportunidades de</p><p>procurar relacionar a sua aprendizagem com aspetos práticos do quotidiano, tornando</p><p>as suas aprendizagens úteis, coerentes e significativas. O ministério classificava a sua</p><p>reforma como uma “refundação da escola”.</p><p>Outra grata surpresa veio da Catalunha. Os colégios jesuítas dispensaram aulas e</p><p>testes, eliminaram cursos, exames e horários. Derrubaram as paredes de suas salas de</p><p>aula e criaram grandes espaços de trabalho em equipa, onde se adquire conhecimentos</p><p>através de projectos, com acesso a novas tecnologias. Um alto responsável jesuíta</p><p>afirmou: Em vez de olhar para o diário oficial, olhamos para o rosto das crianças e</p><p>ajudámo-los a desenvolver os seus projectos de vida, para descobrirem os seus talentos.</p><p>Juntamente com a família e a internet, procuramos construir pessoas.</p><p>Cá dentro nascia na desértica província do Namibe um projecto de Comunidade de</p><p>Aprendizagem, com a formação de núcleos de projectos e as turmas-pilotos, e em</p><p>encontros com educadores como José Pacheco, professores iam reelaborando a sua</p><p>prática cultural e profissional, era bonito de se ver.</p><p>São boas as notícias. Por estas e por outras, mantenho a esperança de que o</p><p>Ministério da Educação delas tome conhecimento e faça aquilo que é preciso fazer.</p><p>Que Deus proteja sempre os teus anseios, sejas sereno e coerente nos teus actos.</p><p>Com amor</p><p>O teu pai que tanto te ama.</p><p>Moçâmedes, 17 de Fevereiro de 2051</p><p>Querido filho,</p><p>Nos idos de vinte, a política de contratação pública para o sector da educação</p><p>era: “qualquer um serve, basta ter um diploma”, isso fez com que a educação fosse</p><p>uma tábua de salvação para muitos mercadores e mercenários, que por ironia do</p><p>destino se tornaram o que nunca deveriam ter sido, professores... Essa política afundou</p><p>o sector e contribuiu em grande parte para a desvalorização da profissão docente.</p><p>Quando me refiro a professores abestados, não me refiro a quem não fez uma</p><p>formação média ou superior em ciências da educação, isso valia o que valia... Eu não</p><p>tinha tal formação, mas antes de ter feito o concurso, já era professor, tenho de</p><p>admitir que na altura professava os conteúdos... O facto de não ter feito formação</p><p>de professores fez com que procurasse entender a pedagogia, este entendimento me</p><p>levou a aprender, nessa procura descobri que a pedagogia não se estuda simplesmente,</p><p>sendo sincero ela não se decora, ela não é teórica como o Noé afirma e a conhece,</p><p>ela é uma práxis que todo o professor deve seguir e ir melhorando... Um pedagogo não</p><p>é aquele que conhece a pedagogia ao seu mais ínfimo detalhe, é, pois, aquele que vive e</p><p>respira a pedagogia.</p><p>Professor não é aquele que faz uma formação de professores, professor é</p><p>aquele que ama os seus alunos e não se sente saciado enquanto não passa este amor</p><p>à acção. O professor é aquele que garante o direito a educação.</p><p>Existem mendigos melhores preparados para serem professores e doutores em</p><p>educação que não passam de mendigos intelectuais.</p><p>A educação nos idos de vinte estava repleta de mendigos intelectuais, professores</p><p>que achavam que o sistema e os alunos têm culpa do fracasso escolar, o ministério,</p><p>lar dos mendigos com alto grau académico, achavava que o problema estava na</p><p>capacitação dos professores… e regulamentavam a obrigatoriedade da agregação</p><p>pedagógica, para os professores não professores, parece confuso! Era assim que o</p><p>ministério confundia a minha cabeça.</p><p>Se uma agregação pedagógica lograsse alcançar a qualidade de ensino e</p><p>respeitasse o direito a educação, seria o primeiro defensor, mas nada mais é do que</p><p>um dispositivo de adestramento instrucionista. Já estávamos habituados pois tudo o que</p><p>o ministério pensava não era lógico nem tão pouco coerente. A agregação contemplava</p><p>um sistema falhado… da aula, da prova, a aula era o centro da agregação.</p><p>Peço encarecidamente a alguém de direito que me venha esclarecer, com base a</p><p>teoria de um filósofo da educação, historiador da educação, psicólogo da educação ou</p><p>sociólogo da educação, o que é e o por que de uma aula? Desafiava o Zé.</p><p>“Se a forma como ensinávamos não ensinava a todos, poderíamos cont inuar a</p><p>ensinar da mesma forma? Se dando aula os alunos não aprendiam, eles não aprendiam</p><p>porque dávamos aulas” . Conclusões do Zé.</p><p>Posso afirmar que ninguém escreveu sobre aula ou a defendeu, a não ser os</p><p>professores universitários que citam, citações já citadas por outros… os alunos perdem</p><p>anos de vida a ouvirem um papagaio repetir o que Piaget e Vytgoski falaram.</p><p>Como é possível um professor citar Montessori, Claparede, Dewey, Rousseau,</p><p>Freinet, Steiner, Freire, Lauro, Anísio, Darcy, Nilde, Ramom e muitos outros</p><p>escolanovistas que falam do paradigma da aprendizagem e da comunicação, mas</p><p>continuarem a praticar o instrucionismo dando aulas?</p><p>Uma agregação pedagógica no modo como ela se apresenta é um acto</p><p>antipedagógico e criminoso, ela vai contra a lei. Que Deus esteja sempre contigo.</p><p>Com amor,</p><p>O teu pai que muito te ama.</p><p>Moçâmedes, 18 de Fevereiro de 2051</p><p>Querido filho,</p><p>Nos idos de vinte, estava eu e alguns colegas, Maurício, Lote, Lígia e Claudeth, a</p><p>conversar, quando um professor se aproximou com dois alunos, entregou um</p><p>smartphone ao professor Lote e disse que os alunos durante a aula estavam no</p><p>facebook, o smartphone foi confiscado e só seria entregue no final do ano lectivo.</p><p>Por uma aula que se mostrou aborrecida, os alunos perderam os</p> <p>conteúdos e as</p><p>vantagens que tinham... Tentei interceder a favor dos alunos, porém havia alguns pontos</p><p>do regulamento interno da escola que proibia o uso de dispositivos tecnológicos como:</p><p>smartphone, computadores e tabletes... Apenas podiam ser usados para portar o</p><p>material de apoio ou quando exigido pelo professor, em pleno século XXI, essas</p><p>aberrações educacionais faziam grandes monstros parecerem gatinhos inofensivos.</p><p>Se uma lei ou regulamento se mostra prejudicial e sem sentido, deve ser alterada.</p><p>O que faz a direcção desta escola é punir os alunos, prejudicando assim o trajecto</p><p>escolar dos mesmos, por terem achado algo de útil para fazerem, numa aula aborrecida,</p><p>onde eles nada aprendiam.</p><p>O punir era necessário, um acto que servia de exemplo aos demais... A</p><p>aprendizagem era dispensada e nunca pensada quando comparada com uma boa punição,</p><p>os regulamentos que assim se apresentam estão fora da lei e as escolas não sabiam</p><p>disso, ou no pior cenário elas sabiam e usavam as punições para disciplinar os alunos,</p><p>um acto doentio e de triste memória, próprio de uma ditadura.</p><p>As direcções escolares comandavam as escolas com punhos de aço, não admitiam</p><p>uma crítica ao seu modelo de gestão, o termo “esse não é nosso”... Proferido a quem</p><p>não está de acordo com uma ideia, tal acto tornou-se prática comum. Muitos directores</p><p>eram políticos e encaravam a direcção escolar como uma rampa de lançamento para</p><p>outros patamares políticos. E como todo o bom político segundo a concepção de mentes</p><p>débeis, tinham de ser ditador e mau líder, adulado e bajulado... Estas eram as</p><p>características de um bom político, apenas esqueceram que política é a arte de servir</p><p>a polis, servir e não serem servidos pela polis. Parece assustador, filho, mas estas</p><p>palavras não traduzem nem 0,00000009% das aberrações que acontecem neste</p><p>sistema educacional.</p><p>Urge a necessidade das escolas respeitarem os seus projectos educativos e</p><p>adaptarem os outros regulamentos e normas ao projecto educativo e a lei, uma escola</p><p>onde o medo é um dos factores de disciplina, não diferem em nada de uma instituição</p><p>penitenciária.</p><p>As escolas deformavam vidas e nós nada fazíamos para evitar estes tristes</p><p>acontecimentos... Como promessa é divida, melhores dias virão. Que Deus proteja sempre</p><p>os teus passos.</p><p>Com amor</p><p>O teu pai que muito te ama.</p><p>Moçâmedes, 19 de Fevereiro de 2051</p><p>Querido filho,</p><p>Em meio a tantas aberrações educativas, mais uma, menos uma era indiferente,</p><p>porém as aberrações continuavam a ser geradas, uma mais horrenda que a outra. As</p><p>múmias andantes das lendas egípcias morreriam de pavor das nossas múmias</p><p>pedagógicas.</p><p>Nos idos de vinte com a paragem do ano lectivo 2020, foi decretado que as</p><p>escolas deviam atribuir tarefas e criarem mecanismos para os alunos terem acesso</p><p>ao conteúdo, as tarefas deviam ser corrigidas. Este decreto era uma raridade de</p><p>acertos nos meandros do ministério, Decreto Executivo nº 124/20 e 125/20 de 30 de</p><p>Março... Com isto os trabalhos pedagógicos teriam continuidade, bem visto pelo ministério</p><p>tenho de admitir, se os alunos fossem autônomos e tivessem a capacidade de planificar</p><p>a sua aprendizagem eu concordaria com este decreto... Mas mesmo assim nada de</p><p>monstruoso se previa. Antes do arranque do novo ano lectivo 2020/2021, depois da</p><p>anulação do ano lectivo 2020, um novo decreto foi exarado. Este permitia as escolas,</p><p>entenda-se em parte “colégios”, aplicarem uma prova ou exame baseados nas tarefas,</p><p>vídeo aulas, tele aulas, para que os alunos pudessem aceder se aprovados a classe a</p><p>seguir, isto é, os alunos da 3ª classe submetidos a esta prova podiam transitar para a</p><p>4ª classe e fazê-la em três ou quatro meses e mais tarde mais outro exame ou prova</p><p>levaria o aluno a 5ª classe... O decreto era tão bizarro e sem sentido, aliás, sentido</p><p>tinham os colégios podiam cobrar as propinas do ano lectivo que se tinha anulado,</p><p>devendo apenas comprovar o cumprimento do decreto que falamos um pouquinho</p><p>acima, “deu para entender a jogada!” o ensino passou a ser um mercado onde quem</p><p>vendesse o sonho da aprendizagem sem alterar o instrucionismo, estaria na frente da</p><p>inovação educativa, essa aprendizagem era impossível se atingir.</p><p>Alguns pais responsáveis e éticos não se submeteram a tal barbaridade, eles sabiam</p><p>o real nível de conhecimento dos seus filhos e não os prejudicariam com um fosso</p><p>enorme, embora deva admitir que o fosso já lá está, as escolas nada ensinavam e os</p><p>alunos nada aprendiam, um aluno da 3ª classe quando fosse para a 4ª o cérebro fazia</p><p>o favor de se auto-formatar preparando-se assim para ser exposto a novas profecias,</p><p>professadas por professores... Estes pais não estariam a prejudicar os seus filhos,</p><p>tendo em conta a idade escolar?</p><p>Deixa dizer que esta exclusão segundo a idade estabelecida por lei de acesso a</p><p>determinadas classes, era mais uma das aberrações, sem qualquer justificação</p><p>pedagógica ou científica, o facto de Piaget ter definido as idades e as fases do</p><p>conhecimento, não nos quis dizer que devemos criar turmas se 35 alunos com 12 anos,</p><p>não aprendemos com quem temos a mesma experiência, mas sim com quem nos pode</p><p>transmitir a sua e nós a nossa... Mas como o professor era o centro do processo de</p><p>ensino-... A aprendizagem não fazia parte dela.</p><p>O ministério tem pessoas sérias, responsáveis, intelectualmente bem dotadas, mas</p><p>decretava aberrações a favor da deseducação, os alunos não aprendiam nas aulas</p><p>ditas normais... Podeis imaginar um cenário de aprendizagem efectiva na anormalidade?</p><p>Eu não, os alunos não aprendiam com as vídeo aulas, tela aulas, material de apoio escrito</p><p>ou com as áudio aulas.</p><p>Se perguntarmos se antes de se decretar ou tomar qualquer decisão consultasse</p><p>os parceiros ou a polis... Provavelmente a resposta será um silêncio. Os dirigentes não</p><p>dão justificação aos seus subordinados ou a própria polis. “QUEM MANDA SOU EU.</p><p>QUANDO FORES O CHEFE, PODES FAZER O QUE QUISERES”. Demência!</p><p>Outros pais que deixaram que tal acto acontecesse, ficaram furiosos com os</p><p>resultados negativos... Muitos diziam não esperar isso, mais demência, os que tinham uma</p><p>óptima capacidade de decorar safaram-se... Uma mãe teve a audácia de pedir</p><p>justificação nos seguintes termos: “eu já tinha uma viagem de férias marcada com o</p><p>meu filho, como foi possível ter reprovado?” Tanto era possível que aconteceu. Este</p><p>discurso mostra a irresponsabilidade de muitos pais com o aprendizado do filho e com</p><p>a sociedade, em tempos de pandemia vai viajar em férias, depois teremos que abrir as</p><p>fronteiras porque um irresponsável teve de ir ver como estava Portugal... Estou</p><p>cansado de justificarem o regresso dos mesmos com tantos voos humanitários.</p><p>Algumas aberrações continuarão a acontecer até ao final do ano lectivo e delas</p><p>surgirão também alguns contos com finais felizes, deles falar-te-ei mais tarde. Deus</p><p>seja sempre contigo.</p><p>Com amor</p><p>O teu pai que muito te ama.</p><p>Moçâmedes, 20 de Fevereiro de 2051</p><p>Querido filho,</p><p>Como está a educação por aí? Não responda, estarei aí para ver. Por aqui os</p><p>paliativos do instrucionismo continuam a ser gerados, mais carga horária, mais ou menos</p><p>disciplina, redução do número de alunos para 35 por turma, a exigência do cumprimento</p><p>do plano curricular que não contemplava a evolução tecnológica nem tão pouco a</p><p>humana... mas os dispositivos que realmente deviam ser repensados se mantinham</p><p>arrogantes e presunçosos, nada dava sinais de que eles viriam a ser substituídos eram</p><p>hegemônicos para as múmias pedagógicas, falo de dispositivos fundamentais do</p><p>instrucionismo como: aula, turma, classe, disciplina, matriz curricular, carga horária,</p><p>tempo de aula, provas, exames e outras aberrações carnavalescas.</p><p>Para que entendas que o problema era global, transcrever-te-ei uma carta do</p><p>professor José Pacheco escrita em Serra Branca aos 19 de Fevereiro de 2041, para</p><p>os netos... este homem humilde e inconformado</p> <p>com a escola da aula mudou a vida e a</p><p>relação do teu pai com a educação, trazendo real inovação no modo de pensar e agir</p><p>perante a educação, palavras são insuficientes para descrever o meu apresso e</p><p>elevada admiração. Espero que ele sirva de inspiração e modelo a seguir para os</p><p>professores.</p><p>Aquando de uma dita “reforma curricular”, um dos pontos fortes do debate era</p><p>“o tempo de duração de uma aula”. E, no decurso de um congresso, alguém perguntou</p><p>se eu estava de acordo com a “carga horária” em vigor. Respondi que “carga” era coisa</p><p>de jegue, com o devido respeito pelo colega e pelo jegue.</p><p>O colega voltou à carga. Perguntou-me se aprovava a alteração do tempo de aula</p><p>de cinquenta para noventa minutos. Respondi, perguntando:</p><p>“Cinquenta minutos ou noventa minutos para qual aluno?”</p><p>A loucura normal instituiu os noventas minutos de aula, uma espécie de dose dupla</p><p>de tédio. Alegavam os burocratas que, desse modo, os professores teriam um tempo</p><p>para “dar a matéria teórica” (sic) e outro tempo para “aplicação prática da matéria</p><p>dada” (sic). Assim passou a ser: durante quarenta e cinco minutos, os professores</p><p>mandavam abrir o livro didático na página dezoito e liam o conteúdo do livro; no minuto</p><p>quarenta e seis, mandavam os alunos abrir o manual na página noventa e papagueavam</p><p>a componente prática.</p><p>O colega não sabia que, há mais de cem anos, alguns pesquisadores chegaram à</p><p>conclusão de que o “aluno médio” teria, “em média”, uma capacidade de atenção seguida</p><p>de cerca de cinquenta minutos. Que não era por acaso que as aulas duravam, “em</p><p>média”, esse tempo. Mas que “pesquisas” recentes referiam que as crianças do século</p><p>XXI tinham uma capacidade de “concentração média” (sic) de cerca de seis minutos.</p><p>A duração da aula era uma falsa questão de um debate estéril. O problema consistia</p><p>em ainda haver aula, fosse de cinquenta, fosse de noventa minutos. Expliquei que teríamos</p><p>de ultrapassar um discurso semeado de abstrações (aluno médio, carga horária etc.)</p><p>para falar do aluno concreto. Mas o debate acabou ali, fez-se silêncio, porque aquilo</p><p>que era óbvio não carecia de explicação.</p><p>Li num jornal dos idos de vinte algumas pérolas de ignorância:</p><p>“A experiência afirma que o melhor período para aprender a ler é entre os cinco</p><p>anos e oito meses e os oito anos”.</p><p>“O governo federal pretende unificar em seis anos a idade em que os estudantes</p><p>brasileiros começam a ser alfabetizados. Nenhum aluno poderá ser matriculado, se não</p><p>tiver completado seis anos até fevereiro. Se fizer o seu aniversário, nem que seja um</p><p>dia após o limite estabelecido, terá de continuar a educação infantil”.</p><p>O azar era daquele que nascesse entre o estabelecido “dia derradeiro” e o dia</p><p>seguinte. Alguns estados aceitavam matrículas de crianças que perfizessem seis anos</p><p>até 31 de dezembro, outros estabeleceram o critério do sexto aniversário até 30 de</p><p>junho. Disposições legais fixaram o limite em 30 de março.</p><p>Alguém saberia dizer por quê? Nem eu!</p><p>Tanto tempo se perdia em questões bizantinas! Já não se acreditava ser possível</p><p>deslindar o sexo dos anjos, mas insistia-se em determinar a “idade para aprender a ler”</p><p>ou a “idade para ingressar no primeiro ano”.</p><p>Quando foi matriculado no primeiro ano, o Daniel já sabia ler. Numa visita à sua</p><p>família, vi que ele estava a fazer os “trabalhos de casa”. Consistia em “escrever uma</p><p>frase sobre a ida ao circo”.</p><p>O Daniel já sabia ler, mas estava atrapalhado. Perguntei por que estava nervoso.</p><p>Ele assim respondeu:</p><p>“Eu quero escrever que o que mais gostei foi de ver os palhaços”.</p><p>Por que não escreves essa frase? – Quis eu saber. Ao que o Daniel respondeu:</p><p>“Não escrevo palhaços porque a professora ainda não deu o “lh” aos meninos. Nem o “c</p><p>de cedilha”!!”</p><p>A culpa era do Daniel, que aprendia mais rapidamente do que o ritmo das aulas. O</p><p>culpado era o Daniel, porque não cumpria o calendário estabelecido para… aprender a</p><p>ler.</p><p>Nos idos de vinte existiram muitos Daniel prejudicados por uma sedimentação</p><p>escolar absurda e sem sentido nem lógica. Espero que as palavras do Zé te fortaleçam</p><p>para a mudança. Que Deus te tenha sempre na sua graça infinita.</p><p>Com amor,</p><p>O teu pai que muito te ama.</p><p>Moçâmedes, 21 de Fevereiro de 2051</p><p>Querido filho,</p><p>Hoje quero falar-te sobre o direito a educação, direito esse que vinha garantido</p><p>na Lei de Base do Sistema de Educação e Ensino (Lei nº 17/16 de 07 de Outubro), no</p><p>seu artigo 9º que fala da Universalidade:</p><p>O Sistema de Educação e Ensino tem carácter universal , pelo que, todos os</p><p>indivíduos têm iguais direitos no acesso, na frequência e no sucesso escolar nos</p><p>diversos níveis de ensino, desde que sejam observados os critérios de cada subsistema</p><p>de ensino, assegurando a inclusão social a igualdade de oportunidades e a equidade, bem</p><p>como a proibição de qualquer forma de descriminação.</p><p>Este artigo mostra os pontos fortes da lei, o direito a educação, um direito</p><p>consagrado pela Carta Universal dos Direitos Humanos no seu artigo 26º, o direito a</p><p>educação não é o direito apenas ao acesso, como muitos pensam, achando que basta</p><p>garantir o direito a matricula garantimos o direito a educação, sobre o acesso o mesmo</p><p>artigo espelha, o direito a educação é maior do que o simples acesso à escola, digo</p><p>simples num contexto de cumprimento efectivo deste artigo que é um dos artigos que</p><p>não se cumpre. Nos foquemos no sucesso escolar que é um direito universal. Não nos</p><p>diz que devemos, fazê-los aprovar como acontece em muitas escolas para satisfazer</p><p>as estatísticas.</p><p>Deixa usar uma analogia para que possas entender o que é o direito a educação,</p><p>ou sucesso escolar: Um cirurgião deve fazer 35 cirurgias em dez meses, num ataque</p><p>de vidência, o cirurgião revela aos seus pacientes que dos 35, 20 teriam uma cirurgia</p><p>bem sucedida, 10 ficariam com sequelas para o resto da vida e 5 faleceriam durante</p><p>a cirurgia, então para que se poupe recursos os 5 deixariam de ter a atenção merecida.</p><p>Quais pacientes estariam no grupo dos 20, 10 ou 5? Resposta a esta pergunta o</p><p>cirurgião não tinha... no final do I ou II trimestre já saberemos.</p><p>Algures por aí um engenheiro civil que tinha que apresentar 35 obras terminadas</p><p>até ao final de dez meses, realiza um prognóstico espetacular que das 35 obras, 10</p><p>seriam obras seguras, 10 apresentariam defeitos de construção passados dois anos e</p><p>15 desabariam depois de construídas.</p><p>Esses acontecimentos parecem assustadores, isso não aconteceria porque,</p><p>ressalvadas raras excepções, médicos e engenheiros agem com competência,</p><p>profissionalismo e eticamente. Mas existe um profissional que assim não procede. O</p><p>professor que tem sobre o seu cuidado 35 vidas põe fim a algumas delas, refugiando-</p><p>se nas condições socioculturais e econômicas dos alunos, bem como na má execução</p><p>da lei de base. Será este alguém competente, profissional e ético?</p><p>Muitos são excelentes professores têm uma profissão rodeada de obstáculos,</p><p>mal remunerados, desprestigiados socialmente. O uso de metodologias e espaços</p><p>configurados para responderem às necessidades sociais de há 200, 100 anos atrás; o</p><p>facto de não terem autonomia ou terem dirigentes que recebem ordens superiores; o</p><p>facto do professor ainda se ver no centro do processo de ensino.</p><p>Dentre outros factores, muitos afirmam serem construtivistas, eu pergunto se</p><p>dão aulas, eles respondem com orgulho que sim e bem dadas. Então não são</p><p>construtivistas.</p><p>Outros confundem o aluno no centro, enche o aluno de tarefas, projectos...</p><p>pensando que o excesso de actividades dirigida ao aluno altera o centro do processo.</p><p>Alguns me perguntam em tom de sacarmos e um tanto de ironia: devemos deixar os</p><p>alunos fazerem o que querem?</p><p>Eu respondo que não. Como não eles ripostam, no paradigma da aprendizagem não</p><p>é o aluno o centro do processo? Sim. Mas o aluno não deve fazer o que quer, ele quer</p><p>o que faz. Simples assim diz o amigo Zé.</p><p>O artigo 9º, colocaria as escolas</p> <p>e professores em problemas se a desobediência</p><p>do mesmo resultaria em crime punível pela lei. O artigo não é levado a sério, por nenhum</p><p>dos intervenientes deste circo de horrores. O artigo nos diz que os alunos têm o direito</p><p>a melhor educação e não lhes podemos privar deste direito, o aluno quando reprova</p><p>por N factores este direito lhe é negado, antes de virem com pedras para defenderem</p><p>os motivos que os leva a reprovar lembram, o artigo não nos diz que alguns têm o</p><p>direito ao sucesso escolar, mas sim todos por isso se trata de um direito universal,</p><p>todos os alunos têm direito ao sucesso escolar.</p><p>Se dos 35 alunos apenas um deles reprova, teve o direito ao sucesso escolar? É</p><p>claro que não teve, salvo outras explicações que devam existir neste país das</p><p>explicações tudo é explicável... qualquer explicação a favor da reprovação estaria</p><p>contra o artigo, logo seria contra a lei... as escolas que reprovam alunos estão fora da</p><p>lei, as escolas que aprovam os alunos sem garantir o sucesso escolar e a qualidade do</p><p>ensino estão fora da lei.</p><p>Então como mudar esta realidade e cumprir o artigo 9º da lei nº 17/16 de 07 de</p><p>outubro. Esse é assunto para outras cartinhas. Que Deus seja sempre contigo.</p><p>Com amor,</p><p>O teu pai que muito te ama.</p><p>Moçâmedes, 22 de Fevereiro de 2051</p><p>Querido filho,</p><p>Nos idos de vinte conheci o Zé Pacheco ao assistir palestras TED, fiz o possível</p><p>para o contactar. O contacto levou-nos à amizade e à luta por uma escola melhor, essa</p><p>luta passava, em parte, pela reelaboração da cultura pessoal e profissional. Das</p><p>palestras surgiu a minha paixão pelo intelecto e pela resiliência deste homem, coloco-me</p><p>no seu lugar e te sirvo o mesmo manancial que me foi servido naquela palestra trocando</p><p>o Brasil por Angola:</p><p>Em Angola, para além dos problemas gerais da escola, tem tudo o que precisa, só</p><p>que desperdiça recursos. Temos uma miscigenação que favorece realmente um</p><p>potencial humano, que me comove com quem aprendo, porém, padece de muitos defeitos</p><p>e vou anunciar alguns, sem nomear os defeitos, mas atrevendo-me a sugerir algumas</p><p>linhas de reflexão e acção.</p><p>Angola terá de concretizar aquilo que a UNESCO definiu como os quatro pilares</p><p>da educação: o aprender a conhecer, o aprender a fazer, o aprender a ser e o</p><p>aprender a conviver.</p><p>Porém, quando se pensar que uma escola deve estimular os seus alunos a aprender</p><p>a conhecer, pergunto: Como, se dou respostas antes de escutar pergunta? Como, se</p><p>parto para projectos que desenvolvo, projectando o outro e não deixando que o outro</p><p>projecte conosco? Como, se desenvolvo uma planificação que controla e manipula o</p><p>outro, enquanto que o gesto humano é imprevisível? Como, enquanto aplico provas que</p><p>nada provam? Como, quando transmito conteúdo? Algo impossível, transmitir conteúdo</p><p>em pleno século XXI, valha-me Deus! Já alguém dizia que era impossível ensinar “transmitir</p><p>conteúdo?” já o Caetano de Campos, brasileiro, em 1881, dizia que isso não é possível,</p><p>esse modelo epistemológico faliu.</p><p>Então, o primeiro pilar o aprender a conhecer, leva-nos a compreender porquê</p><p>que há milhões de analfabetos funcionais em Angola.</p><p>Segundo aprender a fazer. Aprender a fazer? Onde? Quando? Onde é que está</p><p>essa práxis das escolas? Os professores que lá estão são capazes de a desenvolver.</p><p>Porém, de um ano para o seguinte, alguém se lembra ou ao fim de cinco anos, do deitar</p><p>tudo por terra e começar tudo de novo, mito do Sísifo. Como se tudo que foi feito</p><p>fosse possível de ser desperdiçado.</p><p>Aprender a ser, onde é que está? Onde é que estão os valores, os princípios? Se</p><p>olhar para a lei de base da educação, está tudo lá. Se olhar para os Planos Curriculares</p><p>Nacionais, vejo cidadania, autonomia, responsabilidade. Como é que se desenvolve</p><p>responsabilidade, numa escola sujeita a uma hierarquia descomunal?</p><p>As escolas não funcionam segundo a lógica da pedagogia; As escolas angolanas</p><p>funcionam segundo a lógica administrativa e burocrática, como se gere uma padaria ou</p><p>uma esquadra de polícia.</p><p>Enquanto for assim, enquanto a pedagogia não tiver primado, onde é que está o</p><p>aprender a ser? Depois temos a corrupção, depois temos toda a violência, depois</p><p>temos...</p><p>Aprender a conviver quarto pilar, onde é que está? Quando o “bullying” impera nas</p><p>escolas? Quando o poder simbólico e as hierarquias impõem as suas regras?</p><p>Quando o neocolonialismo e o neoescravagismo se sucedem? Então Angola padece</p><p>de três grandes síndromes. Primeira, a síndrome da Gabriela. Eu fui sempre assim, serei</p><p>sempre assim, e por aí vai. Segunda, a síndrome do pensamento único. Parece que só</p><p>há um único modo de fazer escola. Terceira, a síndrome do estrangeirismo (vira-lata)</p><p>o que vem de fora é que é bom, o que está cá não presta.</p><p>Quando nós temos... vou falar de vivos! Poderia falar dos “ex-vivos”. Falo de um</p><p>Evaristo, de um Teca, de um Lote, de um Edmir, de um Hélder poderia falar de tantos</p><p>professores maravilhosos, de uma Natacha que trabalha diretamente comigo e outros.</p><p>Angola não precisa de ir lá fora, mas talvez precise de mais irritantes como eu.</p><p>Angola precisa perceber que tem cá dentro todo o potencial humano de que precisa,</p><p>devemos começar a pensar na investigação e pesquisa, devemos importar teóricos</p><p>para deixar de importar. Porém devemos acrescentar três pilares aos quatro pilares</p><p>da UNESCO.</p><p>Quinto pilar, “aprender a desaprender” , não somos responsáveis por aquilo que</p><p>fizeram de nós, mas seremos responsáveis por aquilo que fizermos com aquilo que</p><p>fizeram de nós ─ Jean Paul Sartre. Ou, se quiserem na voz de um grande poeta</p><p>“desaprender 24 horas por dia ensina princípios” Manoel de Barros.</p><p>Sexto pilar, “aprender a desaparecer”. É preciso gerar autonomia, não criar</p><p>dependência. É preciso que os projectos sejam sustentáveis, e por isso, nós podemos</p><p>ter e devemos ter o dom do desapego... o comodismo e conformismo cria vícios</p><p>devastadores, os dirigentes que o digam.</p><p>Sétimo pilar, “aprender a desobedecer”. E, aqui, desobedecer em equipa,</p><p>desobedecer sozinho é suicidar-se, desobedecer porque as leis em Angola no geral são</p><p>boas leis, outras contêm artigos que mais parecem regulamentos e esses devem ser</p><p>revistos, tirando isto, a lei de base do sistema de educação e ensino, os Planos Nacionais</p><p>de Educação e os Projectos Educativos das escolas são excelentes documentos,</p><p>excelentes leis, mas há outras que não. E essas é que impedem os projectos de andarem,</p><p>bem como a interpretação débil dos gestores escolares, a aceitação sem oposição das</p><p>ordens superiores prejudiciais e nocivas.</p><p>Só me restava, filho, fazer um convite aos angolanos para que realmente</p><p>percebam que temos tudo o que precisamos, mas que precisamos de nos organizar, de</p><p>formar equipas, de trabalhar com os gabinetes provinciais de educação, com as</p><p>faculdades, e perceber que o futuro da educação se faz em Angola e no presente...</p><p>devemos e temos de buscar ajuda, aprender com os outros, observar outros países,</p><p>buscar fontes teóricas ricas em humanidade e cientificidade. Nós somos capazes, tenho</p><p>fé que Angola será uma referência educacional. Que Deus te guarde, nos encha de</p><p>força e coragem para esta épica caminhada.</p><p>Com amor</p><p>O teu pai que muito te ama.</p><p>Moçâmedes, 23 de Fevereiro de 2051</p><p>Querido filho,</p><p>Em 1959 Lauro de Oliveira Lima, em uma coletânea de autores escreveu um rico</p><p>texto, deste texto apenas alguns trechos servem para conhecer a sua genialidade:</p><p>Cansou-se de dizer que a mocidade não quer aprender, que a mocidade de hoje é</p><p>refratária do ensino. Que os alunos de hoje são diferentes dos de ontem, jogamos fora</p><p>essa atitude confusa de anal isar o problema de nossa escola com argumentação do</p><p>pseudointelectual de porta de livraria, se a mocidade é diferente, se o nosso ensino não</p><p>produz resultado, se cai no vazio nosso esforço magistral só há uma atitude correcta</p><p>a adoptar: O estudo objectivo do problema, a anál ise das causas, o levantamento das</p><p>hipóteses de solução, a apl</p> <p>icação de medidas novas que atendam a especificidade do</p><p>problema. O mais são choramingueiras de anacrônicas Cassandras, é a atitude de um</p><p>pensamento mágico que espera milagres.</p><p>Se nossa mocidade mudou, se o cl ima social é outro, não vale apena ficar</p><p>lembrando os meus “tempos de serenata”, há uma sociedade nova, um homem novo, um</p><p>país que se industrial iza, que se l iberta do colonialismo, uma educação nova e vigorosa</p><p>baseada em princípios científ icos e atitude experimental, uma mentalidade flexível sem</p><p>tabu, sempre se renovando ao ritmo do progresso vertiginoso, enquanto lançamos os</p><p>olhos para o futuro, vamos anal isando experiências colhidas na jornada.</p><p>Lauro de Oliveira Lima, brasileiro, nascido em 1921 faleceu em 2013, escreveu esse</p><p>texto muito actual nos idos de vinte em 1959, volto a repetir 1959, Lauro foi um gênio</p><p>da pedagogia, aquele que melhor entendeu Piaget, um professor que se prese deve</p><p>conhecê-lo.</p><p>Passados vários anos as desculpas mantinham-se, esses alunos não aprendem, são</p><p>distraídos, vivem em cortiços, não têm condições para continuarem a frequentar a</p><p>escola, o estado não cria as condições para que a aprendizagem ocorra, somos mal</p><p>remunerados e mal tratados, muitos factores que inquietam os professores são</p><p>evidentes, mas não serve de desculpa. Eu digo solenemente perante a África e o mundo</p><p>chega! Chega dessa educação frustrada, chega desta desgovernação, chega, chega...</p><p>vamos fazer como Lauro nos diz: um estudo objectivo do problema, o levantamento</p><p>das hipóteses de solução, a aplicação de novas medidas que atendem a especificidade</p><p>do problema. O problema está identificado, só não vê quem não quer, o sistema em si!</p><p>Como se apresenta, este modelo retrógrado, o encarar o professor como um mero</p><p>instrutor, como um simples dador de aula.</p><p>Se um professor perguntar a um diretor de escola, o que eu devo fazer? Qual</p><p>é a minha função? De certeza a resposta será: dar aula e logo se vê outras atribuições.</p><p>O problema é este modelo assente sobre a aula, turma, carga horária, classe, prova,</p><p>exame. Podemos criar N hipóteses para solucionar o problema de educação, mas se</p><p>todas se basearem em aula, turma... esses dispositivos fulcrais do paradigma da</p><p>instrução, essas hipóteses não passaram disto.</p><p>Se o professor não dá aula o que é que faz? Interage com os seus alunos, cria</p><p>laços afectivos, aprende com os alunos e partilha experiências. Como o professor se</p><p>prepara para esta realidade?</p><p>O primeiro passo é tomar uma decisão ética e aprender a desaprender, para que</p><p>possa aprender. Feito isso, procura por ajuda e nós estamos sempre dispostos para</p><p>ajudar.</p><p>Muitos professores nos idos de vinte ouviram o nosso chamado, foi bonito de se</p><p>ver. Sobre o processo de transformação falar-te-ei em uma próxima carta. Que Deus</p><p>proteja a tua caminhada.</p><p>Com amor</p><p>O teu pai que muito te ama.</p><p>Moçâmedes, 24 de Fevereiro de 2051</p><p>Querido filho,</p><p>Nos idos de vinte, estava sentado na sala dos professores quando o meu kamba</p><p>(amigo) fez-me uma pergunta: porquê os alunos não aprendem? Reconheço a</p><p>intelectualidade e a perspicácia do Paulo Muhongo, já diz o amigo Zé “quem pergunta</p><p>sabe a resposta”, recorrendo a analogia podemos augurar uma resposta conjunta.</p><p>“Um treinador de uma equipa de futebol onze tradicionalíssima, a equipa tem como</p><p>referência nunca mudar o seu sistema de jogo, a equipa conseguiu contratar excelentes</p><p>jogadores mas não conseguiam resultados positivos, o treinador verif icou que os</p><p>jogadores não conseguiam jogar naquele sistema, pois o sistema é usado desde a</p><p>fundação da equipa no século XIX. O treinador deve mudar o sistema arriscando a</p><p>carreira ou pede jogadores do século XIX para jogarem com equipas com jogadores</p><p>do século XXI e sistemas do século XXI?”</p><p>Na lógica doentia dos gestores da equipa, melhor será mudar o treinador e insistir</p><p>no sistema, pois este é um pilar da equipa.</p><p>O que é aprendizagem?</p><p>Na lógica da aprendizagem a pessoa, sujeito aprendente, em autoformação-com-</p><p>outros, produz e partilha conhecimento. O aluno aprende quando é capaz de produzir</p><p>conhecimento e partilhar este conhecimento de livre e espontânea vontade.</p><p>Alguns meses atrás o professor Noé afirmou em tom de bincadeira, é claro, que</p><p>por eu não ser diplomado em pedagogia, poderia martelar todos os livros na cabeça e</p><p>poderia implementar toda prática que quisesse que não saberia pedagogia... Sinto em</p><p>decepcioná-lo não sou pedagogo, não me compete ser apenas o “paidagogo”, não quero</p><p>ser o escravo que conduz a criança. Quero poder construir conhecimento e partilhá-</p><p>lo com os homens, quero ser o escravo que conduz o homem a partilhar o</p><p>conhecimento, eu sou um “antropógogo”.</p><p>As escolas de educação não ensinam pedagogia, ensinam a arte de dar aula, de</p><p>formar turma, classe, de produzir um horário, de dar prova, de transmitir conteúdo,</p><p>de dar tarefas e exercícios... O ensino nas universidades de educação tem como base</p><p>a aula, o instrucionismo acompanhado de um crônico negacionismo.</p><p>Então porquê os alunos não aprendem? O aluno aprende aquilo que lhe interessa, o</p><p>que as escolas ensinam não geram interesse nos alunos, quando eles trabalham em</p><p>projectos do seu interesse, o resultado final é surpreendente. As escolas não se</p><p>interessam pelo interesse dos alunos, elas esforçam o aprendizado.</p><p>O professor Hugo disse uma vez com orgulho, que o professor deve criar</p><p>interesse no aluno. Como se cria interesse quando o próprio professor não se</p><p>interessa pelo aluno? Como criar interesse pela Física quando o professor apenas de</p><p>movimento fala? Quando fala de interacção de corpos mais não interage com o aluno,</p><p>não cria amor, nem laços afectivos. Quando o professor enche a cabeça do aluno</p><p>com Arquimedes sem ter noção que o aluno está de barriga vazia. Como criar interesse</p><p>se os alunos devem estudar as respostas? Quando é que aprendem a fazer perguntas?</p><p>Quem pergunta procura respostas, a procura e a descoberta conduzem ao</p><p>conhecimento, a partilha deste conhecimento conduz ao aprendizado.</p><p>Devemos ter cuidado com as análises feitas em pautas ou em boletins de alunos,</p><p>o aluno que consegue a melhor classificação, ou seja, é o primeiro em um processo de</p><p>darwinismo escolar, não aprende, decora. Repita a mesma prova dois anos depois o</p><p>aluno terá uma nota baixa, o que se encara como aprendizagem não passa de decoração.</p><p>Enquanto o sistema de ensino priorizar o 35-1, 36-1, 40-1 e N-1, onde o professor é</p><p>solitário e visto como dador de aula, devemos ter a consciência e a lucidez para vermos</p><p>que nada de aprendizagem poderá surgir. Continuamos a insistir na robotização dos</p><p>alunos, computarizar o ensino é criar demência, o aluno não pode nem deve ser visto</p><p>como um motor de busca. O que é a Física? A Física é a ciência... o mundo está cansado</p><p>de ter alunos que dão respostas a perguntas feitas por professores. Alguma vez o</p><p>google já interagiu connosco de forma humana? Já criou laços afectivos? Se o</p><p>professor for comparado ao google, o google é um melhor professor. Falta alma,</p><p>paixão, emoção, solidariedade, amor ao google, e o mesmo falta a muitos intervenientes</p><p>no processo de ensino... Talvez já tenhas notado que eu falo sempre em processo de</p><p>ensino e não processo de ensino/aprendizagem, simplesmente porque a aprendizagem</p><p>não se faz presente nas nossas escolas.</p><p>Os alunos não aprendem porque somos professores antiéticos, negamos o direito</p><p>a educação, encaramos a escola como edifício e não como pessoas, nos refugiamos</p><p>nas condições dos alunos, se não têm condições devemos cobrar a quem de direito que</p><p>as crie. Se o aluno não consegue se deslocar ao recinto que chamamos de escola, a</p><p>escola se desloca até ao aluno... Escola são pessoas.</p><p>Dir-te-ei, filho, aprende-se aquilo que se quer, e não o que os outros nos dizem</p><p>para aprendermos, Einstein já dizia que insistir no erro é sinal de demência. Que Deus</p><p>proteja sempre os teus passos.</p><p>Com amor</p><p>O teu pai que muito te ama.</p><p>Moçâmedes, 25 de Fevereiro</p>