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Direito das Coisas (1º semestre, 2008-2009, aulas da Dra. Margarida Costa Andrade) Os direitos reais, ao contrário das obrigações, vêm dizer-nos de que forma se estabelece uma “relação” entre os sujeitos e as coisas, como é que a lei autoriza a sua utilização sem intervenção de qualquer terceiro, como é que os sujeitos se apropriam das coisas. Qual a natureza jurídica dos direitos reais? Há 4 teorias distintas nesta matéria: - 1ª teoria: teoria clássica ou realista – é, cronologicamente, a primeira teoria sobre os direitos reais. Funda-se no direito romano, mas só foi coligida com as escolas dos glosadores e dos comentadores. Segundo esta teoria, os Direitos reais eram poderes directos e imediatos sobre coisas, diferentemente dos direitos de crédito, em que havia a atribuição a um sujeito do poder de exigir de outrem um determinado comportamento positivo e negativo, ou seja, em que o objecto só acede ao titular por mediação de outro indivíduo, o devedor. Ou seja, a teoria clássica analisa os direitos reais numa perspectiva eminentemente fenomenológica – tem em conta a situação de facto e diz-nos o que vê, sendo que vê um sujeito e uma coisa, dizendo portanto que um direito real é um direito do seu titular sobre uma coisa. Na verdade, mesmo quando o objecto do direito de crédito é a prestação de coisa (direito a uma coisa), o que está em causa é a entrega da coisa, ié, a tal mediação. A relação entre sujeito e a coisa é de não intersubjectividade (direito sobre uma coisa), enquanto nos direitos de crédito há uma relação de intersubjectividade. Em que é que se traduz este poder directo e imediato sobre uma coisa? Traduz-se, precisamente, “no poder jurídico e material de retirar directamente todas ou parte das utilidades económicas de uma coisa” (Dr. Mota Pinto). Uma das críticas que se aponta à doutrina clássica é a concepção que esta evidencia quanto aos direitos de crédito: não é certo que o objecto dos direitos de crédito seja a prestação (de coisa ou facto), pois o que subjaz ao interesse do credor é o “bem” que a prestação lhe irá proporcionar. 2ª teoria: teoria personalista ou obrigacional – formulada durante o século XIX (Planiol), tem por base a filosofia Kantiana. Para esta, o direito é um fenómeno social que pressupõe relações entre pessoas, conflitos intersubjectivos, logo, não há relações entre pessoas e coisas. A ideia de uma relação pessoa-coisa é, na verdade, uma boa alegoria, mas não está correcta. Ora, em segundo lugar, nos direitos reais, frente ao titular do direito real está um sujeito e não uma coisa, melhor, não está um sujeito mas sim toda a comunidade jurídica, ié, todos aqueles que convivem com o direito real e que estão obrigados a não actuar contra esse direito. É a chamada obrigação passiva universal ou o dever geral de abstenção. Trata-se de uma obrigação passiva porque se traduz num dever de não ingerência e universal porque recai ou incide sobre toda a comunidade jurídica. De facto, para os personalistas, o poder directo e imediato sobre uma coisa é consequência jurídica do poder de impor aos outros uma abstenção. Noutros termos: é porque do outro lado da relação jurídica existe um dever geral de abstenção, que há, para o titular do direito real, “um monopólio de uso exclusivo da coisa” e, em consequência, o tal poder directo e imediato sobre ela (Dr. Mota Pinto). Tal teoria, diga-se, faz muito sentido: só se coloca esta necessidade de regular os direitos das pessoas sobre as coisas porque há mais que uma pessoa a querer a mesma coisa: se só houvesse uma pessoa, não havia um direito real. Mais uma vez se percepcionam as diferenças relativamente aos direitos de crédito, em que há apenas um sujeito – o devedor - obrigado a um determinado comportamento, ou seja, nestes o dever recai apenas sobre uma pessoa determinada. As concepções atrás expedidas pela doutrina personalista foram continuadas por Demogue, com o “monismo personalista”: este autor defende a chamada “eficácia externa” (ou erga omnes) dos direitos de crédito. Trata-se de uma doutrina que defende que os direitos de crédito, apesar de terem uma eficácia primordial para a contraparte, são susceptíveis de, em certas situações, os seus efeitos se estenderem relativamente a terceiros. A diferença entre direitos reais e direitos de crédito seria, assim, meramente quantitativa, na medida em que obrigados a respeitar o conteúdo de um direito real estão todos os sujeitos, enquanto obrigado à realização de uma prestação – à realização do dever de prestar – está apenas o sujeito passivo da relação obrigacional, o devedor. Assim sendo, teria o credor o direito de exigir uma indemnização de todos aqueles que obstassem ao cumprimento da obrigação pelo devedor. Porém, vários argumentos podem ser contrapostos a esta posição, desde logo argumento de iure condito, como é o art. 406º/2, que fixa o pp da relatividade contratual. Mas, a tentativa de unificar direitos de crédito e direitos reais teve outros desenvolvimentos, com outros autores (Gaudemet e o monismo realista) a afirmarem que o que caracterizava aqueles primeiros era constituirem um “direito sobre o património do devedor”, à semelhança do que sucedia com os direitos sobre coisas (mas estes seriam direitos sobre coisas determinadas). Sustentam estes autores estes argumentos na figura da impugnação pauliana, na qual o direito de crédito gozaria da sequela, uma das notas associadas aos direitos reais. Vários obstáculos podem ser aditados a esta doutrina, uma vez que faltam aos direitos de crédito notas típicas dos direitos reais – como são a sequela e a prevalência, ié, um direito de crédito não prevalece sobre outros direitos de crédito anteriormente constituídos. Além disso, fácil é de ver que a impugnação pauliana não se confunde com o direito de sequela que caracteriza os direitos reais: a impugnação pauliana (art. 610º e ss) traduz-se no poder do credor de impugnar os actos do seu devedor que envolvam diminuição de garantia patrimonial. Já, por exemplo, a reivindicação é o direito que tem o proprietário de ir buscar a coisa ao património de quem abusivamente se apoderou dela, tendo somente de provar a titularidade do direito real. Ora, o mesmo não sucede com a impugnação pauliana, pois nesta o credor tem de provar a titularidade do crédito, estando a impugnação dependente de vários requisitos, designadamente de um prazo (5 anos), ao contrário da acção de reivindicação que goza de imprescritibilidade. Para além disto, como explica o Dr. Mota Pinto, a impugnação pauliana não permite ao credor fazer seus os bens entretanto alienados pelo devedor, mas apenas fazer com que esses bens voltem ao património inicial, com a anulação do acto de transmissão da coisa para terceiro adquirente (art. 616º/4), muito embora o art. 616º/4 afirme expressamente que a impugnação pauliana só aproveita ao credor que a tiver exercido. Como afirma, então, o Dr. Menezes Cordeiro, “só os direitos reais têm sequela”, o que pode ser perspectivado, por exemplo, no caso de um contrato-promessa de comodato: A celebra com B um contrato promessa, pelo qual este último se comprometia a emprestar o automóvel a A. Chegado o momento da celebração do comodato, B alienara o automóvel a C. Ora, ao contrário do que acontece com os direitos reais – veja-se o usufruto – o direito de crédito de que A é titular – direito a exigir uma declaração negocial por parte de B – não segue a coisa, pelo que C não tem de facultar a A a utilização do veículo. Mas expliquemos melhor o direito de sequela: este traduz-se no facto de o direito real seguir a coisa que constitui o seu objecto, ié, de se poder fazer valer seja qual for a situação em que a coisa se encontre e é um corolário da eficácia absoluta dos direitos reais. Concretizando, o titular do direito real pode sempre exercer os poderes inerentes ao seu direito, ainda que a coisa que é objecto do mesmo ingresse no domínio material ou na esfera jurídica de outrem. Sobre o direito de sequela, várias notas há a deixar: primeiro, cumpre ver aquelas situaçõesem que a coisa se encontra numa situação incompatível com o direito real; segundo, aquelas situações em que essa incompatibilidade não existe; terceiro, as excepções à sequela. Assim, a acção de reivindicação é o meio processual que assume o direito de sequela na hipótese de haver incompatibilidade entre a situação da coisa e o direito: A, locatário, vende, sem a autorização do proprietário, ou seja, sem legitimidade, a coisa a C. Nestes casos, pode o proprietário intentar uma acção de reivindicação para recuperar a coisa. Outras vezes, estaremos apenas perante uma situação jurídica susceptível de perturbar o exercício do direito: é o caso do usufrutuário e do credor hipotecário. Imaginemos a seguinte hipótese: A é titular de um direito de usufruto (direito real de gozo) sobre coisa pertencente a B. B aliena a coisa a C. Onde é que aqui se manifesta a sequela? Precisamente no facto do direito real (usufruto) poder ser oposto ao terceiro adquirente para quem a coisa se transmitiu, ou melhor, no facto do usufruto poder ser exercido contra o novo adquirente/proprietário. Para o efeito, basta, processualmente, uma acção de simples apreciação. Imaginemos outra hipótese: A é titular de um direito real de garantia, concretamente de uma hipoteca, sobre coisa de que é proprietário B. Este, entretanto, aliena o imóvel a D. Aqui a sequela traduz-se no facto de A poder fazer valer o seu direito independentemente da transmissão da propriedade. Em primeiro lugar, cumpre ver o que não é excepção à sequela: aqui releva a boa-fé de terceiro adquirente de bens móveis. Isto porque não vigora entre nós, ao contrário do que sucede nos direitos francês e anglossaxónico, o pp do “en fait de meubles possession vaut titre” ou o pp da “posse vale título”. Em que é que se traduz um tal princípio? Significa que um adquirente de bem móvel, que esteja de boa-fé – desconheça os vícios de legitimidade da pessoa que lhe alienou esse bem – o adquire definitivamente, estando protegido contra posterior acção de reivindicação do verdadeiro proprietário. Um regime como este justifica-se pelas necessidades do tráfego. No nosso OJ, o preceito que contraria este pp é o art. 1301º. Diz este que “o que exigir de terceiro coisa por este comprada, de boa-fé, a comerciante que negoceie em coisa do mesmo ou semelhante género é obrigado a restituir o preço que o adquirente tiver dado por ela, mas goza do direito de regresso contra aquele que culposamente deu causa ao prejuízo”. Daqui se deduz que o terceiro adquirente de boa fé corre o risco de a coisa lhe ser exigida pelo legítimo proprietário. Ora, as excepções à sequela situam-se, por maioria de razão, no campo dos bens imóveis e muito por força do instituto do registo, já que, de acordo com o art. 5º CRP, “Os factos sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros depois da data do respectivo registo”. Por exemplo: A vende invalidamente a B, que vende a C, que regista e está de boa –fé. Admite-se – no chamado “efeito lateral do registo” – que C não veja o seu direito prejudicado, verificados certos requisitos (art. 291º), pela posterior acção de reivindicação intentada por A. Outro exemplo: A vende a B, que não regista, e depois a C, que regista. Trata-se, a segunda alienação, de uma venda “a non domino”, mas, não obstante, B não pode invocar a propriedade adquirida contra aquele que adquiriu de um autor comum direito incompatível, pelo que o imóvel pertence a C. Justifica-se uma tal solução pela prioridade do registo: “prior in tempore, potior in jure”. O Direito de preferência ou prevalência: Em que é que se traduz este direito? Traduz-se na prioridade dos direitos reais sobre os direitos de crédito e sobre os direitos reais constituídos posteriormente quando total ou parcialmente incompatíveis com o anterior. Constitui, à semelhança da sequela, uma emanação da eficácia erga omnes dos direitos reais. Existe uma divergência doutrinal sobre se a preferência é uma característica inerente a todos os direitos reais ou apenas aos direitos reais de garantia (Oliveira Ascensão). É o que sucede com a hipoteca, ou melhor, quando se constituem sucessivamente duas hipotecas sobre o mesmo imóvel: aqui a preferência afere-se claramente pois o titular da segunda hipoteca só pode vir a pagar-se depois do titular da primeira ter satifeito o seu crédito. Já quanto aos direitos reais de gozo, a preferência genuina não se faria notar: de facto, se o proprietário dum bem o aliena sucessivamente a duas pessoas, o que há é um direito e um não-direito, ié, uma venda a non domino, nula nos termos do art. 892º. Dr. Mota Pinto considera que mesmo nestas hipóteses não devemos deixar de falar em preferência, que nos diz que prevalece o direito primariamente constituído. Obviamente que, explica ainda o autor, se a prioridade, nos direitos reais de garantia, é a prioridade no exercício do direito, a prioridade, nos direitos reais de gozo vai aferir da própria existência ou inexistência do direito. O direito de preferência, juntamente com a sequela, confere aos direitos reais uma tutela particularmente forte. Inerente a esta tutela reforçada estão hoje os instrumentos que permitem ao credor, para garantir o pagamento da dívida por parte do devedor, adquirir ou reservar para si a titularidade de um direito real. É o que sucede com a venda com reserva de propriedade (art. 409º): trata-se de uma cláusula, usual na compra e venda a prestações, que visa colocar o credor em posição privilegiada, na medida em que este conserva a propriedade do objecto da venda até ao pagamento, pelo devedor, da última prestação. Tem vantagens para o credor porque evita que este, em caso de incumprimento da obrigação, intente acção no sentido de executar o património do devedor, em concorrência com os demais credores. Tem vantagens para o devedor, por outro lado, porque, ao contrário do penhor, não envolve o desapossamento da coisa, pelo que o comprador pode usá-la. É também o caso da alienação fiduciária para um fim de garantia e do leasing: neste último, uma empresa, geralmente um banco, ao invés de emprestar dinheiro ao particular, compra ela mesma o bem, cedendo o uso àquele, e dando-lhe a possibilidade de, pagas certas prestações, a propriedade se transferir directamente para ele. Excepções à preferência: 1) a prioridade do registo; 2) privilégios creditórios imobiliários (art. 750º), independentemente de registo, prevalecem sobre a consignação de rendimentos, a hipoteca e o direito de retenção anteriormente constituídos. O mesmo já não sucede com os privilégios mobiliários especiais, em que se mantém a preferência; 3) direito de retenção (art. 759º/2). Também nos direitos de crédito existe direito de preferência: veja-se o art. 407º. Este preceito determina que “quando, por contratos sucessivos, se constituírem, a favor de pessoas diferentes, mas sobre a mesma coisa, direitos pessoais de gozo entre si, prevalece o direito mais antigo em data”. Por exemplo, veja-se a locação. Se o locador aluga duas vezes a mesma casa a pessoas diferentes para o mesmo período, detém preferência o locatário cujo contrato foi celebrado primeiro. O direito de crédito deste prevalece sobre o direito de crédito do outro. Outra das situações de prevalência nos direitos de crédito são os privilégios mobiliários gerais: trata-se de privilégios creditórios que incidem sobre todos os bens móveis do devedor (art. 736º) – veja-se, por exemplo, os créditos emergentes do contrato de trabalho; não constituem direitos reais de garantia, pois estes têm necessariamente de incidir sobre coisa certa e determinada (princípio da especialidade ou da individualização), mas são uma garantia especial das obrigações. Quem é titular de um privilégio mobiliário geral paga-se preferentemente aos credores comuns, e, na hipótese do titular do crédito e do privilégio ser o Estado e as autarquias locais, prevalece sobre os privilégios mobiliários especiais, que são direitos reais. Inerência A inerência é a síntese dos direitos de sequela e prevalência e traduz-sena ligação íntima da coisa com o seu titular. Por outras palavras, a coisa adere ao seu titular porque não é possível manter um direito real se o seu objecto mudar. Expliquemos com um exemplo: A constitui a favor de B um usufruto sobre o prédio X. Se A e B pretendem transferir o usufruto constituído para o prédio W, a inerência consiste aqui na extinção do usufruto constituído sobre o primeiro prédio e a constituição de um novo usufruto sobre o prédio W. Esta característica de o direito real envolver um poder directo e imediato sobre a coisa para o respectivo titular contrapõe-se à obrigação de todas as pessoas o respeitarem, ou seja, à eficácia absoluta ou erga omnes dos direitos reais /poder do titular exercer o seu direito face a todos os outros. Mas os personalistas vieram dizer que há direitos reais que não são poderes directos e imediatos sobre coisas. Para isso, cumpre ver que tipos de direitos reais existem. Ora, de acordo com o pp da tipicidade ou do numerus clausus, só são direitos reais aqueles que estão previsto na lei (art. 1306º). Ou seja, não é possível constituir direitos reais diferentes dos tipificados na lei nem modificar ou modelar o respectivo conteúdo, salvo nos casos em que a lei excepcionalmente o permita (Propriedade horizontal, usufruto e servidões). Dr. Mota Pinto: o pp do numerus clausus “resulta da impossibilidade em que se encontram os particulares de criar direitos reais de um tipo ou com um conteúdo que não correspondem aos tipos e conteúdos desenhados na lei; não há, assim, liberdade de conformação interna dos direitos reais diversamente do que sucede nos direitos de crédito”. Note-se que, de acordo com este autor, não existe nenhum pp da tipicidade para os negócios com eficácia real - ou seja, os direitos reais podem constituir-se por negócios atípicos ou inominados -; o que existe é uma tipicidade dos modos de constituição dos direitos reais. Nestes casos de excepção, os chamados “tipos abertos”, permite-se ao respectivo titular alguma liberdade na modelação do conteúdo do direito, desde que claro essa liberdade de modelação não desfigure ou descaracterize a tipo de direito real. Podem ser apontadas várias vantagens, mas também várias desvantagens a este sistema de taxatividade (p. 36-37). Há, porém, um argumento que deve ser expressamente expedido: é o facto dos direitos reais terem eficácia erga omnes – deverem ser respeitados por todos - que justifica o pp do numerus clausus, pois a não ser assim, ié, se não se permitisse a sua cognoscibilidade através da tipicidade, cada um poderia estar a violar direitos reais de outrem sem o saber. Isto por um lado. Por outro lado, a eficácia absoluta dos direitos reais impõe restrições à liberdade de acção de todos, e daí que não se permita a livre criação de direitos reais e a livre fixação do seu conteúdo. Ou seja, parece irrazoável que dois particulares, celebrando um contrato a que atribuissem eficácia real, possam limitar a liberdade de todos os restantes membros da comunidade. O problema dos direitos reais, além disso, é uma questão ligada a interesses de ordem pública, sendo por isso necessário que sejam regulados de forma imperativa pela lei. Por último, o Dr. Mota Pinto refere ainda dois argumentos contra um possível pp do numerus apertus: i) o facto dele conduzir a uma proliferação de direitos reais, proliferação essa que seria economicamente desvantajosa por entravar a exploração dos prédios; ii) a comunhão de direitos reais limitados sobre a mesma coisa é fonte de discórdias. Vários autores, mesmo na nossa doutrina – veja-se o Dr. Oliveira de Ascensão – advogavam, não obstante, que deveria valer o pp do numerus apertus de direitos reais, e isto para não haver, como explica o Dr. Mota Pinto, um “desfasamento entre os esquemas legais e vida prática”. Atentamos melhor à formulação do art. 1306º: “Não é permitida a constituição, com carácter real, de restrições ao direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito senão nos casos previstos na lei: toda a restrição resultante de negócio jurídico, que não esteja nestas condições, tem natureza obrigacional”. Bem, quanto a isto, há que distinguir a posição do Dr. Oliveira Ascensão, por um lado, da do Dr. Pires de Lima e Dr. Antunes Varela, por outro. O primeiro autor entende que quando o legislador se refere a “toda a restrição” engloba quer as restrições ao direito de propriedade, quer as restrições a figuras parcelares desse direito e que, por isso, umas e outras são convertíveis num direito de crédito, desde que o direito real que as partes visaram seja compatível com uma estrutura obrigacional. O Dr. Oliveira Ascensão defende, não obstante, que esta é uma solução que, apesar de vigorar de iure constituto, é de lamentar de iure constituendo porque não outorga às partes o benefício da demonstração de que não teriam querido ficar com um mero direito de crédito se tivessem previsto que o negócio não poderia valer como constitutivo de direito real. Já a posição dos segundos Autores é a de atribuir uma consequência jurídica distinta consoante a restrição não legalmente prevista opere sobre o direito de propriedade ou sobre figuras parcelares desse direito: assim, no que toca ao primeiro, a lei presume que as restrições têm natureza obrigacional, salvo se as partes a não quiserem. Estes autores consideram, portanto, que há, no que toca às restrições do direito de propriedade, uma presunção legal e não uma conversão legal; no que toca às segundas, o negócio jurídico é nulo mas não se arreda a possibilidade de o mesmo se converter num direito real legalmente previsto. Face a isto, argumenta o Dr. Justo que o mais razoável seria pensar que, na impossibilidade de as restrições ou figuras parcelares do direito de propriedade se converterem em figuras reais, os negócios em que forem criadas produzirão efeitos obrigacionais, se as partes os não recusarem (Dr. Santos Justo). - Direitos reais de gozo: de acordo com o Dr. Mesquita, “conferem ao titular, sobre a coisa, um direito de uso ou fruição”. De acordo com o Dr. Justo, “os direitos reais conferem ao seu titular o poder ou faculdade de utilizar, total ou parcialmente, a coisa que têm por objecto (uso e habitação) e, por vezes, também de se apropriar (total ou parcialmente) dos frutos produzidos” (usufruto). São direitos que satisfazem a função económica do “ius utendi, ius fruendi et ius abutendi”. Quais são eles? Direito de propriedade (art. 1305º), usufruto (art. 1439º), direito de superfície (art. 1524º), servidões reais (art. 1543º), direito de uso e habitação (art. 1484º), propriedade horizontal (pelo menos para a parte da doutrina que considera que a propriedade horizontal é um direito diferente do direito de propriedade, art. 1414º), direito real de habitação periódica ou time-sharing (DL n.º 275/93, de 5 de Agosto). A generalidade dos direitos reais de gozo – com excepção da propriedade – são direitos reais limitados (“jura in re aliena”), pois oneram e restringem a propriedade e o seu conteúdo não abarca a totalidade dos poderes daquela. O pp da elasticidade traduz-se, assim, no facto de, extintos os direitos reais limitados sobre a coisa, restituir-se a propriedade na totalidade dos seus poderes. - Direitos reais de garantia: estão no livro das obrigações porque são acessórios destas. A sua função económica está conexionada com os direitos de crédito, ao ponto de, desaparecendo este direito, extinguir-se automaticamente o direito real de garantia. Mas tais direitos não são direitos de crédito. Conferem ao credor o direito de se pagar à custa do valor (ou dos rendimentos) de certos bens, com preferência sobre os demais credores do devedor. É o caso do penhor (art. 666º), hipoteca (686º), privilégios creditórios mobiliários especiais e imobiliários (art. 738º e ss) – apenas os privilégios creditórios especiais constituem direitos reais, pois os privilégios gerais incidem sobre todo o património do devedor; como os direitos reais incidem sempre sobre uma coisa certa e determinada (pp da especialidadeou individualização) os PCG não são direitos reais - direito de retenção (art. 754º), consignação de rendimentos (art. 656º). Uma importante diferença existe entre estes dois tipos de direitos: só os direitos reais de gozo e a propriedade podem ser adquiridos por usucapião (art. 1287º). Quanto ao pp da especialidade ou da individualização, este traduz-se no facto de o objecto dos direitos reais dever ser uma coisa certa e determinada, o que, aliás, já resultaria da própria eficácia absoluta dos direitos reais que se traduz num dever geral de abstenção por parte da comunidade jurídica. Por isso, entende-se que não há direitos reais sobre coisas genéricas, ié, definidas apenas por género e quantidade, sendo necessária a especificação dessas coisas. Coisa diversa sucede com os direitos de crédito, pois é possível – veja-se a modalidade das obrigações genéricas – constituir uma obrigação sem que o respectivo objecto esteja determinado. Uma tal circunstância – a de os direitos reais só poderem recair sobre coisa certa e determinada - permite-nos três conclusões: 1)o direito real que incide sobre uma coisa não é o mesmo que tem por objecto outra igual; 2) se a transferência do direito real se reportar a coisa futura ou indeterminada, o direito só se transfere quando for adquirida pelo adquirente ou determinada com conhecimento das partes. Ou seja, não há direito real sobre coisas futuras, até porque não há coisas enquanto elas não existem. 3) se respeitar a frutos naturais ou partes componentes ou integrantes, a transferência só se verifica no momento da colheita ou separação. É o que nos diz o art. 408º. Ainda no que toca ao pp da especialidade, cumpre dizer que não obsta a este princípio o facto de se poderem constituir direitos reais sobre coisas colectivas, pois estas constituem, elas mesmas, uma forma de determinação ou de individualização do objecto. Veja-se o que determina o art. 206º/1: “É havida como coisa composta, ou universalidade de facto, a pluralidade de coisas móveis que, pertencendo à mesma pessoa, têm um destino unitário”. Ou seja, essa pluralidade de coisas móveis é tratada pelo direito como se fosse uma coisa única. O Dr. Mota Pinto, muito embora a lei não faça qualquer destrinça entre elas, distingue entre universalidade de facto e coisa composta. A universalidade de facto é, por exemplo, um rebanho de ovelhas: o tratamento do rebanho como universalidade justifica-se por razões de comodidade, pois assim, por exemplo, para efeitos de acção de reivindicação, poderá ser intentada apenas uma acção relativamente a todo o rebanho e não várias acções de reivindicação relativas a cada animal que o constitua. Outra das características da universalidade reside no carácter homogéneo das coisas que o compõem – todas elas se encontram no mesmo plano - , de tal forma que o valor da universalidade corresponderá ao somatório dos valores de todas as coisas que o compõem. Uma coisa composta é, por exemplo, um estabelecimento comercial. Para muitos efeitos – trespasse, acção de reivindicação ... – a lei toma o estabelecimento como uma coisa única. A coisa composta é, pois, uma coisa unificada pelo direito, distinguindo-se da sua congénere universalidade de facto por as coisas que a compõem serem heterogéneas e pelo seu valor global exceder o somatório do valor dos elementos singulares. A respeito das universalidades (enquanto resultado da união de várias coisas simples que têm um destino unitário não obstante a individualidade económica, ou seja, uma função e valor próprios no comércio, independentemente da agregação em que se encontram) levantaram-se duas teorias – a teoria unitária e a teoria atomista. O art. 408º/1 consagra o pp da consensualidade, ié, diz-nos que podem constituir-se ou transferir-se direitos reais sobre coisa certa e determinada por mero efeito do contrato, sem necessidade de qualquer acto posterior que venha acrescer ao negócio jurídico. Esta é a regra no nosso ordenamento jurídico: os negócios jurídicos que seguem esta regra designam-se, pois, negócios consensuais, contrapondo-se aos negócios reais quanto à constituição, que são aqueles que não se bastam com o consenso entre as partes e cuja perfeição depende, portanto, de um acto material de entrega da coisa (ver nota de rodapé 108, p. 35, SJ). De facto, o nosso sistema está em aberta contradição com o sistema alemão (o sistema do modo), no qual um contrato de compra e venda só tem eficácia obrigacional – o credor tem o direito de exigir do devedor a entrega da coisa – só havendo transferência da propriedade quando haja inscrição do negócio no registo. Note-se que falamos aqui de pp da consensualidade num determinado sentido – no sentido de oposição ao pp da causalidade – e não no sentido do art. 219º, ié, de que por regra a validade dos negócios jurídicos não depende da observância de forma especial, salvo quando a lei o exigir. Neste sentido, opõem-se aos negócios consensuais os negócios formais, ié, aqueles em que a lei exige que a declaração negocial se realize mediante um determinado comportamento declarativo. Mas vejamos as excepções ao pp da consensualidade: o que significam estas excepções? Significa que há situações em que não basta o acordo das partes para haver transferência do direito real. Por exemplo, o comodato é, para a maioria da doutrina, um contrato com eficácia real quanto à constituição, mas não já quanto aos efeitos, pois o comodato não produz efeitos reais mas meramente obrigacionais. Defende, porém, o Dr. Paulo Mota Pinto – na esteira do Dr. Carlos Mota Pinto - que, estando as partes de acordo, o comodato pode constituir-se por mero acordo, independentemente de haver ou não entrega da coisa. Por isso, não havendo cláusula das partes no sentido da eficácia real deste contrato quanto à constituição, ele deve ter-se por vinculativo logo que se verifique o acordo. São excepções ao pp da consensualidade o penhor de coisas (art. 669º), o penhor de créditos (art. 682º) – é necessário, em algumas circunstâncias, a notificação do devedor- a doação de bens móveis (art. 947º/2) – quando não seja feita por escrito, é necessário a entrega da coisa. O registo É também apontada como excepção ao pp da consensualidade o art. 5º do CRPredial. Na verdade, este deverá ser visto, não tanto como uma excepção, mas mais como um desvio à regra da consensualidade. Diz aquele preceito, no n.º 1, que “Os factos sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros depois da data do respectivo registo”. Ou seja, se A vende o imóvel X a B, que não regista, e depois vende a C, que regista, atentando somente ao art. 408º/1 CC, o imóvel pertenceria a B, pois a venda de A a C é uma venda a non domino, e como tal, nula, nos termos do art. 892ºCC. A propósito desta questão, é proveitoso falar do registo. O registo visa dar publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário. De facto, por regra, as coisas móveis não estão sujeitas a registo, muito embora existam excepções (automóveis, aeronaves e navios). Antes facultativo, o registo é hoje obrigatório, mas esta obrigatoriedade em nada altera o disposto no art. 408º CC, ou seja, o registo continua a não ser constitutivo – não é condição de validade do negócio jurídico que inscreve – mas sim meramente declarativo. Ora, o registo respeita a prédios e às aquisições e mutações quando à titularidade destes e não a pessoas. Pode ter vários tipos de eficácia: pode ser um registo definitivo (satisfaz os requisitos legais e é plenamente eficaz) ou provisório, podendo ser provisório por dúvidas – quando algum motivo, que não pode ser fundamento de recusa, impede o conservador de lavrar o registo, convertendo-se este registo em definitivo logo que as dúvidas sejam removidas – ou por natureza – assenta em diversas razões legalmente consideradas, e a sua provisoriedade só pode ser afastada caso ocorra um novo facto. Quais os pp subjacentes ao registo? - PP da instância: o registo efectua-se a pedido dos interessados, salvo casos deregisto oficioso; - PP da legalidade (ver p. 59 SJ) - PP da legitimação (art. 9º/1 CRP); - PP do trato sucessivo: só é possível efectuar-se o registo, se a pessoa de quem se adquiriu o direito for a última inscrita no registo. Ver art. 116º CRP (justificação); - PP da prioridade: “prior in tempore potior in jure” – prevalece o direito primeiramente inscrito (art. 6º/1 CRP), exceptuando-se o disposto no n.º 2 sobre as inscrições hipotecárias. O art. 6º/3 diz-nos ainda que o registo convertido em definitivo conserva a prioridade que tinha enquanto provisório. Ver ainda art. 6º/4 CRP. Quais os efeitos do registo? O registo funda a confiança dos particulares de que o que está registado corresponde à realidade substancial da situação jurídica dos prédios. Nesse sentido, o registo oferece duas presunções ilidíveis: por um lado, a de que o direito existe; por outro, a de que pertence a quem está inscrito como seu titular. Assim, o registo tem um efeito: Enunciativo: é a função do registo que se limita a publicitar a situação jurídica dos bens; apesar de, de um modo geral, ser inóquo quanto a consequências jurídicas, pode relevar, pelo registo da mera posse (art. 2º/1/e), para a aquisição por usucapião. Consolidativo: Se A vende o imóvel W a B, que não regista, e posteriormente o vende a D, que regista, o imóvel pertence a D e não a B. Mas, se B registar, não corre esse risco e daí dizer-se que, nestas hipóteses, o registo tem um efeito consolidativo, porque vem estabilizar ou consolidar a posição de B que assim deixa de poder ser perturbada pelos terceiros para efeitos de registo (art. 5º/4 CRP). Sobre esta questão, levantam-se dois problemas: 1º Problema -Quanto ao conceito de terceiros para efeitos de registo, existe uma querela entre os autores da escola de Lisboa (mas também o Dr. Santos Justo parece aproximar-se desta posição...), que exigem, para que D (adquirente a non domino) possa ficar titular do direito sobre o imóvel, que este tenha adquirido a título oneroso e esteja de boa fé, e a escola de Coimbra, que dispensa aqueles requisitos. O art. 5º/4 do CRP consagra este último entendimento, adoptando um conceito “restrito” (ao nível dos requisitos) de terceiros para efeitos de registo. A par destas posições, alguns autores (Henrique Mesquita, Antunes Varela, Mónica Jardim) defendem o seguinte conceito: “terceiros não são só aqueles que adquiram do mesmo alienante direitos incompatíveis, mas também aqueles cujos direitos, adquiridos ao abrigo da lei, tenham esse alienante como sujeito passivo, ainda que ele não haja intervindo nos actos jurídicos (penhora, arresto, hipoteca judicial) de que tais direitos resultam”. Que situações querem estes autores abarcar? Como explica a Dra. Mónica Jardim, o credor que regista a penhora passa a ser titular de direito real que visa assegurar a satisfação privilegiada do direito de crédito, direito este que pode ser, portanto, equiparado a uma hipoteca. O conflito a solucionar não será portanto entre o direito de crédito do credor B e o direito real não registado do terceiro, mas entre o direito real de garantia gerado pela penhora e o direito real não registado do terceiro. 2º Problema: como conciliar o disposto no art. 5º/1 do CRP (“os factos sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros depois da data do registo”) e o art. 408º/1 CC, que consagra o pp da consensualidade? O problema reside no facto de, aplicando o art. 408º/1, a propriedade (ou outro direito real) se transferir por mero acordo entre as partes, pelo que o direito adquirido deveria ter, a partir deste momento e como qualquer outro direito real, eficácia erga omnes. Por isso, alguns autores concluem pela teoria da eficácia relativa, no sentido de que, antes do registo, o direito real adquirido não teria eficácia erga omnes. Fácil é de ver, no entanto, que esta teoria é de recusar por contrariar tudo o que temos dito sobre os direitos reais. A par desta teoria, podemos ainda salientar outras, como a teoria da eficácia processual do registo, a teoria da reserva de legitimidade para dispor por parte do alienante e a teoria da condição suspensiva (pp. 74 SJ). Aceite entre nós é a teoria da condição resolutiva ex nunc: para esta, o primeiro adquirente adquire um direito real, oponível erga omnes, mas existe uma condição legal do contrato que determina a cessação da produção dos seus efeitos jurídicos se um evento futuro e incerto – o registo por um adquirente posterior – se verificar. Ex nunc (sem efeitos retroactivos) porque o terceiro que adquire a non domino só é titular do direito real a partir do momento em que regista, os efeitos do registo não retroagem à data da alienação. Por isso, quando o art. 5º/1 dispõe que “os factos sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros depois da data do respectivo registo”, estes terceiros não são todos os sujeitos da comunidade jurídica – e nessa medida não surge comprometida a eficácia real do direito adquirido pelo 1º adquirente – mas apenas os sujeitos para efeitos de registo, definidos no art. 5º/4 daquele código. O direito real inicialmente transferido é oponível a toda a comunidade jurídica e só se torna inoponível aos terceiros para efeitos de registo a partir do momento em que estes desencadeiam o evento fututo de cuja não ocorrência está dependente a continuidade do direito do primeiro adquirente. A questão poderia ser mais facilmente resolvida se tomássemos em conta, como preconizam Pires de Lima e Antunes Varela, as excepções ao pp da consensualidade a que se refere o art. 408º: aí teríamos que os direitos reais se transferem por mero efeito do contrato, salvo no que toca aos imóveis e móveis sujeitos a registo, pois nestes o direito real adquirido só produz efeitos relativamente a terceiros a partir do registo. Constitutivo: já vimos que, em regra, o registo é meramente declarativo, ié, não é condição de validade dos negócios pelos quais se transmitem os direitos reais sobre imóveis. Não obstante, existem excepções a esta regra, que são, necessariamente, também excepções ao pp da consensualidade. É o que sucede com a hipoteca, na qual o registo é constitutivo, ou seja, na ausência deste a hipoteca é inexistente (art. 4º/2 CRP e art. 687º CC). Aquisitivo ou atributivo: corresponde àquelas hipóteses em que o registo é atributivo de direitos. Elas são duas: o já referido efeito central do registo – A vende a B, que não regista, A vende a C, que regista; no art. 291º protege-se a posição de um terceiro adquirente a non domino. Por exemplo, A (menor) vende a C um imóvel, que depois o vende a F. Este F, se estiver de boa-fé, se a aquisição for a título oneroso e respeitar a bens imóveis ou móveis sujeitos a registo, se houver registado a sua aquisição e a acção de anulação (ou de declaração de nulidade) do acto de A não for intentada dentro dos três anos subsequentes à conclusão do negócio, vai ver a sua posição protegida. Ora, esta hipótese é uma excepção ao art. 289º, que determina que a declaração de nulidade e a anulação produzem efeitos retroactivos, pelo que, a não haver aquela excepção, o imóvel retornaria à esfera jurídica de A. Há quem não veja aqui uma situação de atribuição de direitos pelo registo; pelo contrário, estaríamos, para alguns autores, perante uma situação de efeito lateral do registo: F não é protegido porque registou, mas ele só será protegido se registar. Também o art. 291º está em aparente contradição com o art. 17º/2 CRP, que determina que “a declaração de nulidade do registo não prejudica os direitos adquiridos a título oneroso por terceiro de boa fé, se o registo dos correspondentes factos for anterior ao registo da acção de nulidade”, ou seja, exige apenas, para que a posição do terceiro seja protegida, que este tenha registado a aquisição antes do registo da acção de anulação ou declaração de nulidade, ié, mesmo que esta seja intentada e registada dentro do prazo de três anos, se o terceiro registar primeiro, é ele o titular do direito real sobre o imóvel. Fácil é de ver –e este é um ponto consensual – que o regime do registo é bem mais vantajoso para a posição do terceiro adquirente. Naturalmente, há quem dê prevalência à lei substantiva (Oliveira Ascensão, Santos Justo) – defendendo a aplicação analógica do prazo do art. 291º ao art. 17º/2 – e quem dê preferência ao regime registal, no sentido de proteger os interesses de certeza do tráfego. Outros autores, por outro lado, argumentam que a nulidade a que se refere o art. 17º/2 é uma nulidade autónoma, que se prende com o próprio registo e não com os vícios substantivos do negócio, pelo que o art. 291º nada teria a ver com aquele preceito, estando restrito aos casos de invalidade do próprio facto registável. Como explica Pinto Duarte, o art. 17º/2 não abrange os casos em que o vício do registo resulta da invalidade do negócio. Contra esta posição pode argumentar-se que no art. 16º CRP estão englobadas causas de nulidade do registo que derivam da nulidade do próprio negócio. O PP da publicidade Relacionado com o princípio da consensualidade, está o pp da publicidade: este traduz-se no facto da constituição e transferência de qualquer direito real revestir notoriedade, ser acessível ao conhecimento geral. Subjaz a este princípio um interesse da comunidade, muito por força do pp da eficácia absoluta dos direitos reais. Como se consegue essa publicidade? Através do formalismo negocial – muito embora o principal interesse deste formalismo seja proteger as partes e não dar a conhecer a situação jurídica dos bens -, da posse – visível, não só nos contratos para cuja perfeição é necessária a entrega da coisa, como porque o possuidor goza da presunção de titularidade do direito – e no registo predial. O registo – que vale tanto para os bens imóveis como para os bens móveis sujeitos a registo – visa dar-nos a situação jurídica dos bens. Direitos reais de aquisição: E quanto aos direitos reais de aquisição? De acordo com o Dr. Mesquita, seriam tão poucos os direitos reais de aquisição que nem sequer valeria a pena integrá-los numa categoria autónoma. Estes conferem ao respectivo titular a faculdade de adquirir, em certos termos, um direito real de gozo sobre uma coisa. Noutros termos, são direitos que garantem, através da atribuição de um direito potestativo, a aquisição futura de um outro direito real. É o caso do direito que o promitente-comprador adquire em caso de contrato promessa com eficácia real ou na hipótese de direito de preferência. O direito real de preferência pode traduzir-se num direito legal de preferência – art. 1091º, 1112º/4, 1409º,1535º, 1555º, 2130º - ou num direito convencional de preferência ao qual as partes hajam atribuído eficácia real (art. 422º). Há quem defenda que, nestes dois casos, o que existe é um direito potestativo que permite ao seu titular substituir-se ao terceiro com quem o obrigado à preferência haja contratado, fazendo seu o respectivo negócio. Veja-se, aliás, que não há nenhum poder directo e imediato sobre a coisa (Dr. Mota Pinto). A posição deste autor é, aliás, esta mesma: não podemos falar verdadeiramente de um direito real de preferência, mas sim de uma “relação obrigacional complexa, integrada por um direito de crédito em relação ao proprietário e por um direito potestativo de aquisição ou constituição de uma relação de proprietário sobre a coisa. No caso do contrato promessa com eficácia real (art. 413º), na eventualidade do promitente vendedor não querer vender o imóvel por o já ter alienado validamente a favor de um terceiro, o promissário tem, para muitos autores, um direito real de aquisição, com eficácia erga omnes, razão pela qual a alienação posterior não afecta a posição do promissário ou promitente-fiel. Esta é a posição do Dr. Almeida Costa, do Dr. Menezes Cordeiro, do Dr. Rui Alarcão e do Dr. Antunes Varela. Mas também aqui há dissidentes: para o Dr. Mesquita, trata-se de um direito de crédito a obter por intermédio do tribunal - o direito à execução específica não pode considerar-se real só porque o negócio, uma vez concluído, opera a transferência ou a constituição de um ius in re – e para o Dr. Calvão da Silva, um direito de crédito com eficácia ampliada por força do registo. Esta é a sistematização seguida pelo Dr. Santos Justo e que, a par das reservas quanto aos direitos reais de aquisição, é também seguida pelo Dr. Mesquita. A sistematização proposta pelo Dr. Mota Pinto é, porém, diversa. Esquematicamente pode exemplificar-se da seguinte forma: Posto isto, qual é então o direito real que, na óptica dos personalistas, não envolve um poder directo e imediato sobre uma coisa? Não se tratando do penhor – que, enquanto contrato com eficácia real quanto à sua constituição envolve sempre a entrega da coisa pelo devedor ao credor, ficando este investido, nessa medida, de um poder directo e imediato sobre ela – trata-se, na verdade, da hipoteca, pois nesta o credor hipotecário não tem um poder directo e imediato sobre a coisa. Mas, note-se, que isto apenas se encararmos estes poderes como poderes materiais ou de facto, pois se os perspectivarmos como poderes jurídicos, então o credor hipotecário tem efectivamente um poder directo e imediato sobre a coisa. Que poder é esse? Precisamente o poder de, na eventualidade de incumprimento pelo devedor, o credor (normalmente um banco) poder intentar uma acção executiva para venda judicial do bem imóvel, ficando a dívida liquidada com o produto dessa venda. Isto para mostrar que estão totalmente proibidos os pactos comissórios (art. 694º), ou seja, “é nula a convenção pela qual o credor fará sua a coisa onerada no caso de o devedor não cumprir”. A última das críticas dirigidas pela teoria personalista à teoria realista consiste no facto de existirem direitos reais que concedem poderes directos e imediatos sobre a coisa, não sendo, porém, este poder directo e imediato o meio de satisfação dos interesses do titular do direito real. É o caso dos direitos reais de garantia, mas não de todos: por exemplo, já vimos que na hipoteca o titular do direito real não exerce, materialmente, um poder directo e imediato sobre a coisa. Falamos, pois, do penhor (art. 669º), para cuja perfeição, como de resto em todos os contratos reais quanto à constituição, é necessária a entrega da coisa. Esta entrega visa obviamente satisfazer o interesse do credor, mas também dar publicidade ao penhor, na medida em que todos os restantes credores ficam a saber que a coisa foi entregue ao credor pignoratício. Na verdade, o credor pignoratício não vai usar a coisa, mas sim conservá-la e, na eventualidade da dívida não ser paga, fazer vendê-la. Concretizando, o interesse do credor pignoratício só vai ser satisfeito quando este fizer vender a coisa, através do tribunal, ou seja, o exercício de um poder directo e imediato sobre a coisa não satisfaz o interesse do credor. Mas também existem críticas quanto à teoria personalista: i) a de que esta sobrevaloriza o momento sancionatório, deixando sem resposta o problema de saber em que consiste o direito real, ié, qual o conteúdo deste, ii) para além de cair no absurdo de postular uma relação jurídica entre o titular de um direito e a generalidade dos homens; iii) a obrigação passiva universal não tem natureza patrimonial e por isso não pode ser contrapartida de um direito real, que é, por natureza, um direito patrimonial; iv) a teoria personalista ignora que o núcleo de qualquer direito real se compõe de poderes sobre coisas. 3ª teoria: a posição eclética. É a posição perfilhada pelo Dr. Mota Pinto – com a qual o Dr. Santos Justo não concorda – e que consiste numa conciliação das teorias clássica e da personalista, mas que, note-se, parte desta, sendo depois delimitada pela primeira. Expliquemos melhor: o direito real tem um lado externo, que é a ligação intersubjectiva ou a eficácia do direito, ié, a obrigação que recai sobre todos os membros de uma comunidade no sentido de respeitarem o exercício de determinados poderes sobre uma coisa. Se não perspectivássemos a estrutura do direito realdesta forma, dificilmente conseguiríamos explicar o direito de reivindicar a coisa; mas um tal “lado” não nos dá a esfera de acção que deve ser respeitada, ou seja, os poderes que podem ser exercidos pelo titular do direito sobre uma concreta coisa. Como explica aquele Autor, “não é pela ligação inter-subjectiva que distinguimos a propriedade do usufruto, da servidão ou do direito de superfície. Ora, é o lado interno que nos dá o contéudo específico de poderes que se podem exercer sobre a coisa, que varia de direito real para direito real, os quais, como sabemos, respeitam o pp do numerus clausus. Assim, de acordo com a teoria eclética ou mista, podemos apontar várias diferenças entre direitos de crédito e direitos reais: Direitos reais Direitos de crédito Eficácia Erga omnes/absoluta Relativa/inter partes Tipo Direitos de exclusão Direitos de colaboração Objecto Coisas (certas e determinadas) Prestações (facto ou coisa) Violação Comportamento positivo Comportamento negativo ou omissão De facto, é no campo da violação que nos apercebemos de outra diferença entre os direitos de crédito e os direitos reais. Os direitos reais impõem um dever geral de abstenção por parte de toda a comunidade, pelo que, por conseguinte, a sua violação envolve um comportamento positivo do sujeito; os direitos de crédito, por seu turno, impõem deveres de prestar (tendencialmente positivos), pelo que a sua violação far-se-á, normalmente, por intermédio de uma omissão. Logo que se verifique a violação de um direito real, o seu titular beneficia de um direito à indemnização, nos termos do art. 483º, e, se for caso disso, do direito à restituição da coisa através de acção de reivindicação (art. 1277º, 1311º). A estes dois mecanismos costuma chamar-se “pretensões reais”: são direitos de crédito como quaisquer outros, mas estão sujeitos a um regime distinto do comum àqueles direitos. Por exemplo, enquanto o lesado, cujo direito absoluto foi violado, goza de um prazo de 3 anos para exercer o seu direito de indemnização; o titular do direito real que se viu privado da coisa pode intentar a acção de reivindicação independentemente de prazo, pois trata-se de um direito imprescritível. Nos direitos reais não há prescrição extintiva. Posição do Dr. Henrique Mesquita: é uma posição sui generis. Para este autor, o direito real é uma relação jurídica entre um sujeito e uma coisa: esta relação jurídica é governada por um estatuto do qual fazem parte tanto poderes como deveres de conteúdo positivo e negativo. Assim, defende este autor que i) o direito real envolve uma relação jurídica entre o sujeito e uma coisa (influência realista); ii) através da ideia do estatuto, o autor chama a atenção para o facto do Direito Real implicar a concessão de poderes, mas também a assunção de deveres, de conteúdo positivo e negativo. Quais as críticas apontadas à tese deste autor? A noção de relação jurídica que este autor acolhe; o facto de incluir obrigações na definição do direito real; para a teoria eclética, os deveres a que está sujeito o titular do DR não fazem parte do conteúdo deste, ou seja, são obrigações como quaisquer outras. Hipóteses de qualificação duvidosa Direito do locatário/arrendatário: de acordo com o Dr. Santos Justo, os direitos reais de gozo têm um traço em comum com os direitos pessoais de gozo, razão pela qual a classificação de alguns destes direitos – concretamente do direito do arrendatário – não é pacífica. Têm em comum um poder que se exerce de modo directo e imediato sobre uma coisa determinada.Veja-se, aliás, o que dispõe o art. 407º sobre a incompatibilidade entre direitos pessoais de gozo – “quando, por contratos sucessivos, se constituírem, a favor de pessoas diferentes, mas sobre a mesma coisa, direitos pessoais de gozo incompatíveis entre si, prevalece o direito mais antigo em data, sem prejuízo das regras próprias do registo”. No entanto, para a generalidade da doutrina, a qualificação do direito do arrendatário oscila entre a doutrina personalista – que antevê o direito do arrendatário como um direito de crédito, o direito de exigir do locador que lhe proporcione o gozo da coisa, ou seja, para esta doutrina as possibilidades de gozo do locatário passariam necessariamente pela cooperação do senhorio – e a doutrina realista – que perspectiva o direito do arrendatário como um direito real de gozo limitado, sustentando a sua posição nas fortíssimas notas típicas de “realidade” manifestadas por este direito. Vejamos os principais argumentos de uma e outra doutrina. Doutrina realista: (Mota Pinto, Oliveira Ascensão, Menezes Cordeiro) Quais são, para esta doutrina, aquelas notas típicas de “realidade” que o direito do arrendatário possuiria? 1) desde logo, o direito de sequela está presente no direito do arrendatário, ou seja, mesmo que a coisa seja alienada pelo proprietário a terceiro, o arrendatário pode continuar a exercer os seus poderes sobre a coisa, o que significa que o seu direito ou posição jurídica tem eficácia relativamente ao novo adquirente (art. 1057º CC). Não vale a pena argumentar contra a existência de sequela, explica o Dr. Mota Pinto, invocando que o que existe é uma cessão da posição contratual (art. 424º) – ou seja, de que a transmissão do direito de propriedade implicaria, da parte do proprietário, a transmissão da posição de locador – pois o novo adquirente torna-se locador independentemente da sua vontade e sem a contribuição da vontade do locatário (devedor). Explica aquele autor que esta subrogação ex lege na posição de locador pelo novo adquirente é expressão do direito de sequela do locatário. 2) Além disso, nos termos do art. 1037º/2 CC, o locatário pode defender a coisa locada contra qualquer terceiro que impeça, perturbe ou ameace o seu exercício, sem necessidade de cooperação do locador, contra quem pode, para além disso, socorrer-se dos meios da tutela possessória. 3) Não há razão para afastar a possibilidade do direito do arrendatário ser adquirido por usucapião (Dr. Mota Pinto, Dr. Henrique Mesquita e Dr. Dias Marques): a jurisprudência (acórdão do STJ, de 1966) está, no entanto, contra esta possibilidade. Vejamos o que diz o art. 1287º CC: “ A posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua actuação:é o que se chama usucapião”. Argumenta o Dr. Mota Pinto que a usucapião serve um interesse social de clarificação das situações, ié, de harmonização da situação de facto com a situação de direito; além disso, se um usufrutuário há mais de 20 anos pode adquirir por usucapião, porque não sucederá o mesmo com o arrendatário? Por último, não parece de repugnar que o arrendatário possa invocar a situação da posse (da posse da qualidade de arrendatário) para que adquira a posição correspondente. 4) Os defensores da doutrina realista defendem que, após a entrega da coisa ao locatário, o locador só fica obrigado a não impedir ou perturbar o exercício do direito de gozo que lhe atribui, à semelhança do que sucede com os outros direitos reais, e o locatário exerce o seu direito de gozo directamente sobre a coisa locada, sem necessidade da cooperação do locador. Pode argumentar-se contra isto que também no comodato o comodatário tem contacto com a coisa e exerce poderes sobre ela, mas neste contrato a sequela e a inerência não se manifestam, ou seja, o comodatário não acompanha a coisa nas suas sucessivas transmissões. 5) O Dr. Mota Pinto não concorda com a argumentação de que o facto de nascerem do contrato de arrendamento deveres positivos especiais do senhorio obsta à sua natureza real, pois no usufruto, ao qual ninguém nega a sua natureza de direito real, também há obrigações a cargo do proprietário; tão pouco o facto de o arrendatário pagar uma renda obsta à sua natureza real, pois também no direito de superfície, que é um direito real, proprietário e superficiário podem haver convencionado umaimportância periódica (art. 1530º). 6) do elemento sistemático, concretamente, do facto do contrato de arrendamento vir previsto no livro das obrigações nada pode induzir-se, pois outros direitos reais, designadamente os direitos reais de garantia e aquisição, também constam deste livro e o carácter real, pelo menos dos primeiros, não é posto em causa. A doutrina personalista (Henrique Mesquita, Santos Justo, Carvalho Fernandes, jurisprudência) O locatário adquire apenas um direito de crédito em relação ao locador – o direito de lhe exigir a entrega da coisa. Mas, note-se, que os poderes atribuídos ao locatário no art. 1037º/ 1 e 2 pressupõem que este já se encontre no uso e fruição da coisa (Dr. Henrique Mesquita). Na eventualidade disto não suceder, e encontrando-se a coisa na posse de um terceiro, o locatário, para obter a respectiva entrega, só terá acção contra o locador e não contra o terceiro; 2) é certo que o caracteriza os direitos reais de gozo é o facto destes, uma vez constituídos, se desligarem da sua matriz e conferirem ao respectivo titular uma posição jurídica que não depende de ninguém. Ora, vários preceitos legais evidenciam que a posição jurídica do locatário está permanentemente ligada ao contrato de locação (arts. 1057º a 1059º, 1047º a 1050º, 1054º a 1056º, 1051º a 1052º). 3) Por outro lado, o locatário não pode proporcionar a outrem o gozo total ou parcial da coisa, salvo se a lei permitir ou o locador autorizar; 4) o argumento sistemático: de facto, se o legislador houvesse perspectivado o direito do arrendatário como um verdadeiro direito real, as estipulações dos arts. 1037º e 1057º seriam inócuas, pois constituíriam a confirmação da regra geral nos direitos reais. É precisamente porque aquele direito é um direito de crédito, ainda que protegido, em alguns aspectos, pela tutela forte dos direitos reais, que o legislador sentiu necessidade de os reconhecer expressamente. Ou seja, para o Dr. Mesquita, o direito do arrendatário é um direito de natureza mista ou dualista, sendo o locatário, para determinados efeitos, titular de uma posição de soberania sobre a coisa, e, para outros, mera contraparte, devedor e credor de obrigações. De facto, considera aquele autor que o legislador dá mais relevo ao carácter obrigacional da locação; 5) Por último, o facto de C, arrendatário, poder exigir uma indemnização de B, terceiro que destruiu a coisa arrendada, não implica necessariamente o carácter real do direito do arrendatário (cuja violação daria origem a responsabilidade civil extracontratual), pois também o comodatário em caso de destruição da coisa pode exigir esta indemnização, e é unânine que não é titular de nenhum direito real. Caso prático 1 Em 30-02-08, A celebrou contrato com B nos termos do qual este poderia colher todas as uvas do terreno daquele. Em 30/04/08, A vendeu esse mesmo prédio a C através de documento particular autenticado. C não permite agora que B recolha as uvas. Pode fazê-lo? Entretanto D, dono de uma sucateira, decidiu depositar no terreno comprado por C três toneladas de sucata, facto contra do qual este pretende reagir. Pode fazê-lo? Imagine agora que A vendeu o mesmo prédio a E em Maio de 2008, tendo E registado o seu direito. Um mês depois E constituiu uma hipoteca a favor de F para garantir um crédito de 100.000 euros. Pretende hoje constituir uma segunda hipoteca sobre o mesmo prédio a favor do credor G, no valor de 250 000 euros. Tendo em conta que o prédio vale 350 000 euros, que já foi celebrado com H um contrato promessa de compra e venda sobre o imóvel, que este entregou um sinal de 5000 euros e que já nele iniciou uma actividade agrícola, aconselha G a aceitar aquela garantia? Quanto à primeira questão, cumpre deixar várias notas: É necessário aferir da natureza do direito de B para com A, ié, saber se se trata de um direito real ou de um direito de crédito. Para o efeito, sabemos que vigora quanto aos direitos reais o pp da taxatividade (art. 1306º), pelo que urge percorrer o leque de direitos reais de gozo – pressupondo, naturalmente, que se trata de um desses direitos – e perceber se o conteúdo do direito de B é coincidente com o conteúdo de algum daqueles direitos. Concluimos negativamente, pelo que há que reconhecer a natureza obrigacional do direito de B, ié, concluimos que este é titular de um direito de crédito. Face a isto, aplica-se a regra da preferência ou prevalência, que é um corolário da eficácia absoluta dos direitos reais: esta traduz-se na prioridade dos direitos reais sobre os direitos de crédito e sobre os direitos reais constituídos posteriormente quando total ou parcialmente incompatíveis com o anterior (“prior in tempore, potior in jure”. Note-se que, de acordo com o art. 1306º, se as partes pretendiam celebrar um contrato com eficácia real, o mesmo é nulo, mas por força da conversão legal é convertido num negócio com natureza obrigacional. Mas a mesma hipótese prática poderia ainda ser solucionada por via do pp da totalidade, que se traduz na capacidade que a propriedade tem de absorver tudo o que nela há, ou, noutros termos, no facto de os direitos reais incidirem sobre a totalidade das coisas que constituem o seu objecto. De facto, as uvas ainda não têm existência autónoma, ou seja, ainda pertencem à vinha (imóvel), pelo que quanto muito B tem um direito de entrar no terreno de A para recolher as uvas, mas nunca um direito real sobre elas, pois até à colheita, sobre a vinha existe apenas um direito real, que pertence a A. É o que nos diz o art. 408º/2, in fine. O princípio da totalidade, válido no que toca à propriedade e ao usufruto (Dr. Mota Pinto), diz-nos que as partes integrantes ou componentes de uma coisa – ié, os elementos que estão materialmente ligados à coisa com carácter de permanência (art. 204º/3) – não podem ser separados desta sem envolver a destruição da própria coisa, e que, portanto, não podem ser objecto de direitos particulares reais – excepto nos termos em que a lei permita a propriedade horizontal (art. 1414º), seguindo um destino unitário. É o caso, por exemplo, das pedras, tijolos, janelas de um prédio, ou da instalação eléctrica ou de gás, o aquecimento central... Note-se, ainda, que aquilo que acresceu, por acessão natural ou industrial (art. 1325º), à coisa, passa a estar contido no direito real que existia sobre esta. Por último, o pp da totalidade repercute-se ainda num aspecto: na nulidade de um “pactum reservati dominii” sobre coisas que se vão tornar partes constituintes de outra coisa. A doutrina por vezes distingue entre partes integrantes (antena parabólicas, os pinheiros, as uvas...) e partes componentes (tijolos, azulejos, pedras...) : as partes componente seriam “coisas que pertencem à estrutura de um prédio que, por isso, não se pode considerar completo sem elas ou é impróprio para o uso a que se destina” ; já as partes integrantes não se ligam à estrutura do prédio, ou seja, este não deixa de estar completo sem elas, mas aumentam a sua utilidade (por exemplo, engenhos de tirar água). Trata-se de uma distinção teórica que, na prática, é muito difícil de sustentar, para além da sua importância ser escassa, uma vez que, a nível da transmissão da propriedade, aplica-se a ambas o art. 408º/2, ou seja, só após a separação é possível a transmissão do direito real sobre as partes componente /integrantes, havendo até lá apenas um direito de crédito, ou, se preferirmos, o direito de exigir a entrega dessas coisas. Coisa distinta dos elementos componentes ou integrantes de uma coisa, são as coisas acessórias ou pertenças (art. 210º). Estas são coisas móveis que, não constituindo partes integrantes, estão afectadas ao serviço ou ornamentação de outra, e que, nessa medida, não estão a ela ligadas materialmente mas apenas funcional ou economicamente. É o caso das alfaias agrícolas e animais afectados à exploração de certo prédio rústico, móveis, adornos e utensílios de um prédio urbano... Estas coisas acessórias, atento o n.º 2 do art. 210º, gozam de autonomia relativamenteà coisa que servem (“ os negócios jurídicos que têm por objecto a coisa principal não abrangem, salvo declaração em contrário, as coisas acessórias”), não valendo, relativamente a elas, a proibição do “pactum reservati dominii”. Outro dos princípios fundamentais subjacente aos Direitos reais é o pp da transmissibilidade: na verdade, sendo os direitos reais direitos de carácter patrimonial, detêm, por regra, as características da alienabilidade e da hereditariedade, ou seja, a ligação entre o titular da coisa e a própria coisa é incindível. Tal só não acontece em 4 espécies de direitos reais: Direito de usufruto: conforme expõe o art. 1443º, o usufruto não pode exceder a vida do usufrutuário, daí a sua tendencial incindibilidade. Não obstante, o usufruto é alienável inter vivos (art. 1444º), mas o direito do adquirente extingue-se pela morte do transmitente ou pelo decurso do prazo pelo qual foi constituído inicialmente. Direito de uso e habitação (art. 1484º): pelas características deste direito – o facto de se tratar de um direito real funcionalizado, pois o seu conteúdo é limitado pela medida das necessidades do titular ou da sua família e pelo facto do titular do direito ter apenas a faculdade de morar na casa – trata-se forçosamente de um direito real instransmissível. Servidões: como define o art. 1543º, a servidão predial é o “encargo imposto num prédio em proveito exclusivamente de outro prédio pertencente a dono diferente”, ou seja, as servidões recaem sobre prédios e não sobre pessoas. Estão, portanto, vedadas – pelo próprio pp da tipicidade – as servidões pessoais. Se, por exemplo, A autoriza B a passear no seu terreno a uma certa hora, B tem apenas um direito de crédito que, como tal, não produz efeitos em relação a terceiros. Isso significa que se A, posteriormente, vender o prédio a C, este não tem de respeitar o direito de crédito de B. Na verdade, a instransmissibilidade das servidões é apenas relativa: traduz-se no facto de elas não serem separáveis dos prédios a cujo proveito se destinam e não serem transmissíveis sem a transmissão do prédio a que respeitam. Não há, no direito de servidão, uma ligação directa com o seu titular – só se tem uma servidão em virtude de se ser dono de um certo prédio (quid intermédio). É o que diz o art. 1545º. Direitos legais de preferência (arts. 1410º, 1117º): o comproprietário de um prédio tem um direito legal de preferência sobre a quota de propriedade do outro. Mas os direitos legais de preferência não podem ser transmitidos isoladamente, pois também aqui não há relação directa entre o direito e o seu titular. Daí constituirem uma outra excepção – do mesmo tipo das servidões – ao pp da transmissibilidade dos direitos reais: é o que o direito de preferência só pode transmitir-se com a transmissão do direito relativamente ao qual a preferência existe. Valor das cláusulas de inalienabilidade: são cláusulas pelas quais se convenciona a intransmissibilidade da propriedade. Se tiverem carácter perpétuo, são inadmissíveis por violarem o estatuto da propriedade; se tiverem carácter temporário, são admitidas, mas não produzem efeitos reais. Isto é assim com excepção das substituições fideicomissárias e da doação com reserva do direito de dispor da coisa. Quanto à questão da alínea a): C é titular de um direito real, direito com eficácia erga omes; um tal direito impõe-se a todos os membros da comunidade jurídica, que estão, portanto, submetidos a um dever geral de abstenção. Ou seja, todos estão obrigados a respeitar o direito de propriedade de C. Desta violação vai resultar uma relação jurídica entre o titular do direito real e o sujeito que o violou, a que se dá o nome de pretensão real. A pretensão real resulta, em regra, da violação de um direito real, mas não tem necessariamente de ser assim. Também estaríamos perante uma pretensão real se, por exemplo, A possuisse ou detivesse ilegitimamente um automóvel pertence a B, se E passasse abusivamente no prédio de F e afirmasse que continuaria a passar... C tem o direito de exigir de D que retire a sucata da sua propriedade e ainda o direito de exigir uma indemnização em sede de responsabilidade civil extracontratual, caso haja danos. Noutros termos, a pretensão real atribui ao titular do direito real o poder de exigir uma determinada prestação (positiva ou negativa), razão pela qual alguns autores defendam a natureza obrigacional destas acções. Em termos judiciais, aquela pretensão assume-se como uma acção negatória, que é aplicada em situações de actos de interferência ou intromissão na coisa, e é imprescritível. Apesar de não vir expressamente referida no CC, o Dr. Henrique Mesquita considera que a mesma decorre da necessidade de tornar efectivo o poder de exclusão inerente à propriedade (art. 1305º). Esta designação justifica-se porque C vai pedir ao tribunal que negue o direito de D em interferir no seu direito. A acção negatória desdobra-se, pois, em quatro pedidos e cumpre três funções: num pedido de declaração de inexistência do direito de D (declarativa), num pedido de que o réu seja condenado a eliminar a situação material que criou (reparadora), num pedido de que D seja condenado a abster-se de, no futuro, voltar a praticar um tal acto de interferência (preventiva) e num pedido de indemnização pelos danos causados. Note-se, porém, que a pretensão real também poderia realizar-se através da acção de reivindicação, caso estivéssemos perante o primeiro daqueles exemplos mencionados. Quanto à alínea b): Se E houver registado a sua aquisição, que é uma aquisição a non domino, passa a ser o legítimo proprietário do imóvel, de acordo com o efeito aquisitivo do registo que assim actua. Por outro lado, nada impede que sejam constituídas duas hipotecas sobre o mesmo prédio: os credores hipotecários far-se-ão pagar de acordo com a ordem cronológica por que foram constituídas as hipotecas. É isso que determina o pp da preferência. Por sua vez, se E não vender o imóvel a H, este ou recorre à execução específica, nos termos do art. 830º, ou exige o sinal em dobro (art. 442º/2), sendo que nesta última hipótese goza do direito de retenção (art. 754º/1/f) da coisa da qual já houve traditio rei. À partida, de acordo com a regra da prevalência, seríamos levados a aconselhar G no sentido da constituição de hipoteca, pois sendo o segundo credor de E, e valendo o crédito de F apenas 100 000 euros, G garantiria a totalidade do seu crédito na hipótese de ter de fazer vender o imóvel em tribunal. Porém, o art. 759º/2 dispõe que o direito de retenção prevalece neste caso sobre a hipoteca ainda que anteriormente constituída. Trata-se de uma excepção à regra da prevalência. A ser assim, G só poderia fazer pagar o seu crédito depois de H e F, pelo que deveria exigir outras garantias de E ou certificar-se de que é um bom pagador. Caso prático II (classificação das coisas) Em Julho de 2008, A vendeu a B uma quinta para nela realizar casamentos e baptizados. Nesse mesmo dia, B vendeu a C uma parte dos pinheiros plantados num dos terrenos pertencentes à quinta, ficando, porém, combinado que apenas os recolheria em Novembro dado que os queria vender como árvores de Natal. Em Agosto de 2008, B doou a D o conjunto das alfaias agrícolas que tinha encontrado no estábulo. No mês seguinte, alienou a favor de E uma antena parabólica por considerar que ela não se coadunava com o estilo rústico que pretendia conservar. Pronuncie-se sobre os negócios celebrados por B, preocupando-se particularmente com a classificação das casas transferidas e com o momento de transmissão do direito de propriedade. Em primeiro lugar, cumpre ver em que consiste uma coisa. Ora, sobre isto, diz-nos o art. 202º que “coisa é tudo aquilo que pode ser objecto de relações jurídicas. A doutrina sempre considerou este conceito excessivamente amplo, até porque podem ser também objecto de relações jurídicas direitos e pessoas. Daí a doutrina propor uma tríade de características para estreitar o conceito de coisa. Assim, as coisas têmautonomia (ou seja, existem em separado), exclusividade (ié, são susceptíveis de apropriação exclusiva) e utilidade (ié, satisfazem necessidades humanas). Trata-se de um critério relativo. Note-se que, nos termos do art. 202º/2, estão fora do comércio as coisas que se encontram no domínio público. A quinta de que nos fala o caso prático é uma coisa em sentido jurídico, concretamente de uma coisa imóvel. O art. 204º contém um elenco taxativo de coisas imóveis. O legislador não adoptou um critério físico de coisas imóveis. Por exemplo, as águas – que, de acordo com esse critério físico, seriam coisas móveis – são, por força do art. 204º/1/b, coisas imóveis. Note-se que as águas só são coisas imóveis se desintegradas por lei ou negócio jurídico dos respectivos prédios, caso contrário são partes integrantes do prédio. O art. 204º/2 diz-nos o que são prédios rústicos e prédios urbanos. Os prédios rústicos são “partes delimitadas do solo e as construções nele existentes que não tenham autonomia económica” e os prédios urbanos são “ edifícios incorporados no solo, com os terrenos que lhe sirvam de logradouro”. Portanto, o edifício é elemento essencial do prédio urbano. Concluimos, pela descrição inclusa nesse preceito, que a quinta é um prédio urbano. Já as coisas móveis são definidas pelo legislador em termos negativos (art. 205º): “são móveis todas as coisas não compreendidas no artigo anterior”, ou seja, são móveis todas as coisas que o legislador, no art. 204º, não haja considerado como imóveis. A respeito da distinção entre coisas fungíveis e infungíveis veja-se o que diz a parte final do art. 207º: a fungibilidade ou infungibilidade da coisa depende da posição que ocupa na relação jurídica, ou seja, trata-se de um conceito relativo. O Dr. Justo considera que é possível aplicar esta classificação também aos bens imóveis. Distinção coisas consumíveis/ não consumíveis (p. 134-135). Coisas divisíveis são coisas corpóreas que se podem seccionar em partes distintas sem alteração da sua substância ou diminuição do seu valor. Já a indivisibilidade de uma coisa pode ser: natural ou real, legal ou negocial. A propósito destas classificações, podemos salientar um outro pp estruturante dos direitos reais – o pp da coisificação: este diz-nos que o direito real deve versar sobre coisas e não sobre pessoas ou bens não coisificáveis. A julgar pelo art. 1302º CC, devemos interpretar este princípio no sentido de abarcar apenas as coisas corpóreas. Nos termos do art. 408º/1, a propriedade da quinta transfere-se por mero efeito do contrato, ié, por mero efeito do acordo entre as partes. O facto de a compra e venda de bens imóveis estar sujeita a uma forma específica – o documento particular autenticado – significa somente que, neste caso, o legislador exige que o acordo entre as partes respeite a forma legalmente prescrita, ou seja, que não seja manifestado de uma qualquer forma. Os pinheiros são coisas imóveis enquanto se mantiverem ligados ao solo (art. 204º/1/c); na verdade, quando uma pessoa vende o terreno onde se encontram os pinheiros, vende também os pinheiros, a não ser que as partes expressamente afastem esta situação mediante a constituição de um direito de superfície. Ou seja, se preferirmos, se as árvores forem vendidas para permanecerem ligadas ao solo (mas sem que este seja também vendido), há que constituir um direito de superfície. Não tendo isso sido previsto, os pinheiros pertencem a B. B e C celebraram um contrato sobre coisa móvel futura – art. 211º- (os pinheiros cortados), pelo que C, enquanto os pinheiros não forem cortados e por força do pp da coisificação, especialidade e totalidade, apenas é titular de um direito de crédito – o direito de ir buscar as árvores. De facto, dizem-nos aqueles princípios que as coisas objecto de direitos reais têm de ser certas e determinadas, o que só acontece, no nosso, caso, no momento da especificação ou da separação das árvores do solo. Assim, C só se tornará proprietário a partir do momento em que as árvores forem cortadas, ou seja, em que haja uma separação física entre as árvores e o terreno (art. 408º/2). Diz-se, por vezes, que o art. 408º/2 é uma excepção ao pp da consensualidade. Diz-nos aquele preceito que “ se a tranferência respeitar a coisa futura ou indeterminada, o direito transmite-se quando a coisa for adquirida pelo alienante ou determinada com conhecimento das partes (...); se, porém, respeitar a frutos naturais ou a partes componentes ou integrantes, a transferência só se verifica no momento da colheita ou da separação”. Na verdade, a regra da transmissão ou constituição de direitos reais por mero efeito do contrato refere-se, fácil é de ver, a coisas certas e determinadas, pois só estas podem ser objecto de direitos reais. Esta regra não é infirmada pelo n.º 2 que determina que, logo que a coisa se torne certa e determinada, há transferência automática do direito real. Permanência dos Direitos reais vs. Transitoriedade dos direitos de crédito Caso prático III (obrigações reais) A, proprietário de uma vivenda, constituiu em favor de B um usufruto. Em Janeiro, um vendaval provocou o desaparecimento de algumas telhas, o que gerou problemas de infiltração. Em Fevereiro, B doou o usufruto a C, seu irmão. Hoje A, zangado com B, exige que C proceda às reparações necessárias, mas este argumenta não estar obrigado a tal despesa uma vez que, ao tempo da deterioração, era B quem usufruía do imóvel. Quid iuris? O usufrutuário tem a obrigação de proceder às benfeitorias necessárias� (art. 216º/3) para a conservação da coisa (art. 1472º), ou seja, está adstrito a um comportamento positivo. Estamos a falar, portanto, de obrigações reais (ou propter rem ou ob rem), que são os vínculos jurídicos aos quais o titular do direito real se encontra adstrito, vínculos esses que têm conteúdo positivo, ou seja, traduzem-se num dare ou num facere. A posição de devedor da obrigação real determina-se pela titularidade do direito real. O obrigado real, titular de um direito real, pode estar obrigado perante o titular de um direito real ou perante o titular de um direito de crédito (ver exemplos Santos Justo, p. 82). Se estiver obrigado perante o titular de um direito real, certo é que este direito real pode ser igual ou diferente ao direito real que sustenta a obrigação real. Por exemplo, quando o comproprietário deseja alienar a sua quota, está obrigado a comunicar aos outros comproprietários a sua intenção, para que estes, se o quiserem e oferecerem igual proposta, exercerem o seu direito de preferência, reconhecido no art. 1409º CC. Ora, este dever de dar conhecimento do desejo de alienar é uma obrigação real, que se traduz num comportamento positivo de facere para com o titular de um direito de propriedade igual àquele que sustenta a mencionada obrigação – o direito real dos comproprietários. Por outro lado, o titular do direito de superfície (superficiário) – que é um direito real – pode convencionar com o proprietário o pagamento de certa quantia. Mais uma vez estamos perante uma obrigação real, que tem conteúdo positivo de dare, à qual o titular de um direito real se encontra adstrito para com outro titular de um direito real, desta feita diferente daquele. Veja-se ainda o direito legal de preferência (art. 1091º) titulado pelo arrendatário em relação ao proprietário, que deseja alienar o imóvel. O proprietário é obrigado real - está adstrito ao cumprimento de uma obrigação de facere – perante o titular de um direito de crédito, o arrendatário. As obrigações reais sofrem desvios face ao regime geral das obrigações pelo facto de serem reais. Desde logo, as obrigações reais estão sujeitas ao pp do numerus clausus: significa isto que as obrigações reais são constituídas por lei, podendo esta impor directamente um determinado comportamento positivo, ou deixar à vontade das partes a submissão ou não a uma obrigação real, que é o que já vimos suceder com o art. 1530º. Note-se que mesmo isto, ié, a faculdade das partes determinarem a sua submissãoou não à obrigação real é uma faculdade permitida pela lei, ié, as partes só o podem fazer porque a lei autoriza expressamente, pelo que não há aqui quebra ao pp da tipicidade. Para além da lei, outra fonte de obrigações reais são as restrições ao direito de propriedade, ou seja, as obrigações reais não são apenas aquelas que a lei expressamente prevê. Por exemplo, imaginemos que A e B têm terrenos contíguos, e que A pretende construir uma vivenda na fronteira com o terreno de B. Pode fazê-lo? Dizemos que sim, nos termos do art. 1344º/1, mas se quiser abrir alguma janela terá de guardar 1,5 m de terreno, nos termos do art. 1360º. Este preceito introduz, portanto, uma restrição ao direito de propriedade e não uma obrigação real, pois estas têm conteúdo positivo e aquela conteúdo negativo – o de não abrir janelas sem guardar 1,5 m de distância. Agora o Sr. B poderá exigir do Sr. A que tape a janela. Esta obrigação é uma obrigação real, com contéudo positivo de facere, que nasceu da violação de uma obrigação de conteúdo negativo ou da violação do estatuto de um direito real. Outro exemplo é o proprietário de prédio construído sem licença, que não procede à sua demolição ordenada por acto administrativo, tendo a Câmara de proceder à mesma. O proprietário terá de pagar à camara as despesas produzidas pela demolição, o que se traduz numa obrigação real, no entender do Dr. Mesquita. Porque é que as obrigações reais são taxativas? Para o Dr. Mesquita�, porque fazem parte do conteúdo do direito real, logo, se estes estão submetidos ao numerus clausus por maioria de razão aquelas também estarão. É a tese realista. Para a outra parte da doutrina, as obrigações reais são taxativas porque seguem a coisa nas suas sucessivas transmissões, ié, são ambulatórias (acompanham o direito real sempre que o seu titular o transmita para outra pessoa) O Dr. Mesquita e o Dr. Carvalho Fernandes contrargumentam da seguinte forma: para a outra parte da doutrina, há obrigações ambulatórias e obrigações não ambulatórias. Como distingui-las? É difícil pois não é possível estabelecer um critério, por isso, caberia ao juiz dizer quais são ou não as obrigações ambulatórias. O Dr. Mesquita, não obstante esta dificuldade, propõe um critério: as obrigações de facere são, em princípio, ambulatórias (prática de actos materiais sobre a coisa), ié, acompanham a coisa para onde quer que ela vá pois são via de regra patentes ou visíveis no estado em que a coisa se encontra; as obrigações de dare são, em princípio, não ambulatórias, ou seja, elas permanecem na esfera jurídica do sujeito que, ao tempo do facto que as gerou, era titular do direito real. Assim, concluimos que o cumprimento da obrigação de reparar o telhado, enquanto obrigação ambulatória, deveria ser exigido a C. Se, ao tempo da transmissão do usufruto para C, a coisa já tivesse sido reparada por A, o obrigado seria B, pois aí para C não seria patente nem visível a necessidade das obras de reparação. Além disso, as obrigações reais não se extinguem por prescrição. Significa isto que enquanto se mantiverem os pressupostos da obrigação, esta mantém-se igualmente, ou seja, o decurso do tempo não implica a extinção da obrigação, a não ser que se constitua, por usucapião, um direito real incompatível com a obrigação real. Por exemplo, no caso já mencionado, surgia para A a obrigação de tapar a janela aberta a menos de 1,5 m do terreno contíguo. Neste caso, decorrido certo período de tempo (mais de 20 anos) pode constituir-se, por usucapião, uma servidão de vistas (art. 1362º), ié, um direito real incompatível com a manutenção da obrigação real. O prazo máximo para a constituição de um direito real por usucapião é 20 anos. Permite-se, então, que A não tape a janela, por extinção da obrigação real que o obrigava a esse comportamento. Por último, as obrigações reais extinguem-se por renúncia liberatória. O que é a renúncia liberatória? É o acto do devedor de uma obrigação real pelo qual este põe o seu direito real à disposição do credor, extinguindo, por conseguinte, a obrigação real, uma vez que esta só recaía sobre aquele sujeito concreto por ele ser titular de um direito real. Por exemplo, o usufrutuário pode renunciar à obrigação de reparações ordinárias na coisa (art. 1472º) se renunciar ao direito real de usufruto. Trata-se, na verdade, de um direito postestativo titulado pelo devedor pelo qual este, mediante certas condições e sem ter de invocar um qualquer motivo (direito discricionário), pode liberar-se de uma obrigação real, sem que o credor desta possa opor-se (art. 1567º/4). A renúncia faz-se sempre a favor do credor “propter rem”, ou seja, do sujeito que tem o poder de exigir o cumprimento da obrigação real, e é uma declaração unilateral receptícia, o que significa o desencadeamento dos efeitos que visa produzir se opera mediante a cognoscibilidade da renúncia para o destinatário, ié, para o tal credor “propter rem”. Há aqui, no entanto, que distinguir duas hipóteses: i) quando o devedor é titular de um direito real limitado e o credor é proprietário (ou comproprietário), a renúncia à obrigação real equivale à aquisição automática da propriedade plena (pp da elasticidade); i) quando o devedor é o próprio titular do direito de propriedade (por exemplo, proprietário do prédio serviente assumiu a obrigação de pagar as despesas com a reparação da servidão), há quem considere que o direito se transmite ao credor por mero efeito da declaração de renúncia; e há quem considere que não, pois a declaração do devedor tem o sentido de uma proposta contratual de transmissão, que necessita de ser aceite pelo credor e de obedecer à forma legalmente exigida. Por exemplo: A é proprietário de dois terrenos separados pelo terreno de B; no terreno mais à esquerda, A possui uma nascente, enquanto no terreno mais à direita cultiva morangos. Para levar a água aos morangos, A constitui por acordo com B uma servidão de aqueduto. No título constitutivo da servidão, estipulou-se que era B quem tinha de pagar as despesas relacionadas com a manutenção da servidão. Entretanto, surgem deteriorações no aqueduto e B deseja libertar-se da obrigação real de reparar o aqueduto. De acordo com o dissémos, B poderia renunciar à obrigação real renunciando ao direito real. Acontece que o direito de B é um direito de propriedade, e não se pode renunciar ao direito de propriedade. Tão pouco o direito de propriedade sobre bens imóveis se extingue por abandono. A aquisição de um direito real sobre imóveis por ocupação também não é possível. Por outro lado, como já referimos, a renúncia nestas hipóteses equivale a uma proposta negocial, que tem, por isso, de ser aceite, não se podendo presumir que o é pelo facto de implicar para A uma vantagem ou um acréscimo do seu património. Face a este problema de fundamentação jurídica da possibilidade de B renunciar à obrigação real, o Dr. Henrique Mesquita propõe o seguinte: ou o Sr A aceita a proposta negocial (gratuita) de B e torna-se proprietário do imóvel, ou não aceita e nesse caso extingue-se a obrigação real e o proprietário continua a ser B. Desta forma considera o Dr. Mesquita que se obtém a conciliação dos interesses de ambas as partes. Note-se que em todo este caso partimos do pressuposto que as partes não chegaram a acordo para a extinção da obrigação real. Próxima da figura das obrigações reais está o ónus real. Este consiste numa relação jurídica que se traduz num encargo ou num peso sobre uma coisa imóvel, encargo esse que consiste na obrigação de efectuar uma prestação periódica, geralmente pecuniária. A obrigação de efectuar esta prestação adere ao imóvel, ié, a transferência do bem importa a transferência da obrigação. Note-se que o ónus real não é o dever de efectuar a prestação, pois este dever é um mero dever de prestar, correlativo de um direito de crédito. O ónus é a situação global que gera essas várias prestações com o decurso do tempo. Distingue-se das obrigações reais porque nestas o titular do direito real só é responsável pelas prestaçõesde conteúdo positivo surgidas para o futuro; ao contrário, o titular do prédio gravado com um ónus real, responde pelas obrigações já vencidas – só com o prédio – e pelas obrigações posteriores – com todo o seu património. Daqui se deduzia que as obrigações reais eram claramente direitos de crédito, enquanto os ónus reais seriam direitos reais. A dúvida que coloca o Dr. Mota Pinto é a de saber se os ónus reais, sendo verdadeiros direitos reais, são direitos reais autónomos ou se, pelas suas características, não serão simples direitos reais de garantia. Para este autor, a sua autonomia só faria sentido se quer pelas obrigações vencidas, quer pelas posteriores o titular do direito real sobre o prédio respondesse com todo o seu património, o que já vimos não suceder. Dra. Margarida Costa Andrade: os ónus reais são obrigações reais acompanhadas de garantias reais (Henrique Mesquita). Do ponto de vista estrutural, são obrigações, mas têm a especificidade de estarem particularmente garantidas. Qual é esta garantia? O credor pode fazer-se pagar pelo valor da coisa e com preferência sobre os demais credores. Esta figura é rara no direito privado. Podemos dar dois exemplos: i) ónus de direito público →IMI; ii) ónus de direito privado: apanágio do cônjuge sobrevivo (art. 2018º CC). Obrigações e ónus reais têm, portanto, para o Dr. Henrique Mesquita um traço em comum, que é o de serem relações obrigacionais não autónomas conexionadas com o ius in re. As obrigações reais não abarcam todas as relações jurídicas conexionadas com os direitos reais. O ónus real não é um direito real de gozo, nem um direito real de garantia, mas antes uma figura que apresenta como elementos essenciais, uma obrigação real e uma garantia imobiliária. Caso prático A é proprietário de um prédio rústico. Em 1970, para fugir ao recrutamento militar, viajou para a Argélia. Regressou em 1974 e instalou-se em Lisboa para se dedicar à actividade política, nunca mais tendo regressado à aldeia onde se localiza o prédio rústico. Em Janeiro de 2007, A decide dedicar-se à agricultura depois de ter perdido as eleições presidenciais. No seu imóvel encontra C, com quem B, que havia cultivado aquele prédio rústico desde 1973, celebrou um contrato de arrendamento em 1987. Pode A reivindicar o prédio? 1º Ponto: O que é uma acção de reivindicação? Na acção de reivindicação, reivindica-se a propriedade e não a posse (art. 1311º). A acção correspondente, para a posse, à acção de reivindicação, é a acção de restituição. Quais os pedidos da acção de reivindicação? 1) que o tribunal reconheça a titularidade do direito; 2) que o tribunal ordene a restituição da coisa; 3) pedido indemnizatório, havendo danos. Quanto tempo têm os proprietários para intentar a acção de reivindicação? A todo o tempo: tal circunstância coincide com o facto do direito de propriedade ser um direito perpétuo, ié, que não se extingue pelo não uso. Contudo, é necessário ter em atenção a usucapião, porque com esta adquire-se originariamente um direiro de propriedade. Ora, quando o autor se dirige ao tribunal com a petição inicial, tem de provar que é proprietário. Como é que se prova o direito de propriedade? 1) Através do registo: o art. 7º CRP dispõe que o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o titular o define. Trata-se de uma presunção ilidível. Note-se, porém, que o registo até há bem pouco tempo tinha natureza facultativa. E através de escritura pública? Concluimos negativamente: a escritura pública apenas prova que as partes fizeram aquelas declarações junto do notário, ou seja, não prova que haja direito, nem prova que o direito é válido. E o notário apenas pode, dentro dos seus poderes, aferir se essas declarações são livres e esclarecidas. 2) Através da posse: funciona a favor do possuidor a presunção da titularidade do direito (art. 1268º). Aliás, de acordo com Ihering, o fundamento da da protecção possessória era, precisamente, o da dificuldade de prova do direito definitivo. Expliquemos melhor esta ideia: sem protecção possessória – designadamente sem esta presunção – a agressão ao direito da propriedade só poderia combater-se através da prova do direito de propriedade. Como se sabe, esta seria as mais das vezes uma “diabolica probatio”, razão pela qual o legislador, atendendo à realidade, ié, atendendo ao facto de que na grande maioria das vezes os possuidores são proprietários, permite que se presuma que estes são proprietários provando que são possuidores (corpus+ animus), sem terem de provar os títulos de propriedade. Ou seja, este autor vê a posse como o sinal visível ou exterior do direito real correspondente. Obviamente que algumas vezes esta presunção pode aproveitar a quem não é proprietário, mas, para além desta ser uma desvantagem necessária ao funcionamento eficaz do instituto, trata-se sempre que um aproveitamento provisório. Outras teorias fundamentam a protecção possessória de modo diverso: veja-se a teoria da defesa da paz pública – para a qual a defesa da posse seria uma forma de evitar que os proprietários recorressem à auto-tutela, causando desordem - e a teoria do valor económico da posse – para a qual a defesa da posse justificar-se-ia autonomamente, pois permite a exploração de coisas que têm valor económico, ideia que interessa à economia geral. Mas entre a presunção de registo e a presunção de posse, qual leva a melhor? A isso responde-nos o art. 1268º/1: dispõe este preceito que o possuidor goza da presunção da titularidade do direito excepto se existir, a favor de outrem, presunção fundada em registo anterior ao início da posse. Ou seja, na hipótese da presunção de titularidade pelo registo ser formada, ou concomitantemente à presunção pela posse, ou posteriormente a esta, prevalece sempre a presunção de titularidade com base na posse. Aquisição originária do direito; 2º Ponto: Imaginando que A não goza da presunção do registo, cumpre ver se goza da presunção de titularidade do direito por via da posse. Mas o que é a posse? Ao longo do estudo deste instituto, foram-se formando duas concepções sobre a posse – a objectivista e a subjectivista – sendo que a adoptada pelo nosso legislador, pela nossa jurisprudência e pela nossa doutrina (salvo Menezes Cordeiro) foi a subjectivista. Para esta, a existência de posse depende da verificação cumulativa de dois elementos: o elemento material ou o corpus e o elemento subjectivo ou animus. Expliquemos cada um deles: - O que é o corpus? Consiste no domínio de facto sobre a coisa, ié, no exercício efectivo de poderes materiais sobre ela ou na possibilidade física desse exercício. Existe corpus quer esses poderes sejam poderes de detenção - alguém guarda a coisa em seu poder, não sendo necessário um permanente contacto físico com a coisa, ou seja, basta que esta esteja virtualmente dentro do âmbito do poder de facto do possuidor – quer sejam poderes de fruição (recolha das vantagens económicas da coisa), sendo que, neste caso, o contacto com a coisa não tem de se verificar em nenhum momento, podendo ser, inclusive, uma posse por intermédio de outrem (art. 1252º, ver n.º 2). Como explica o Dr. Orlando de Carvalho, o corpus é a “imissão desta (coisa) na zona de disponibilidade empírica do sujeito.” - O que é o animus? Consiste na intenção de exercer sobre a coisa, como seu titular, o direito correspondente àquele domínio de facto. Note-se que esta intenção não tem de ser necessariamente um “animus possidendi”, bastando que se traduza num “animus domini”: isto porque pode haver posse fora da propriedade, ou seja, não é necessário que o possuidor se comporte como um proprietário se não for esse o direito correspondente aos actos praticados. Ou seja, posse, para o nosso ordenamento jurídico, é o exercício de poderes de facto sobre uma coisa nos termos do direito real correspondente a esse exercício. Posse e mera detenção são realidades diferentes: são meros detentores aqueles que detêm a coisa por título jurídico(mandatários ou representantes), aqueles que se aproveitam da tolerância do titular do direito (ex, o que passa por um prédio alheio porque o dono deste o tolera), aqueles que exercem poderes de facto sem intenção de agir como beneficiários do direito (art. 1253º). A posse na concepção objectivista (Von Ihering) basta-se ou esgota-se no elemento material. As diferenças entre as concepções conduzem a resultados naturalmente diversos: assim, de acordo com a concepção subjectivista, nem o locatário nem o comodatário são possuidores, na medida em que lhes falta o animus, muito embora eles tenham o domínio de facto sobre a coisa. Por outro lado, quer o locador, quer o indivíduo que faz cultivar a coisa por intermédio de assalariados são possuidores, pois reunem corpus e animus. Daí a importância daquela noção ampla de corpus que explicámos, ou seja, envolvendo quer poderes de detenção, quer poderes de fruição. No entanto, através de normas ad hoc – que representam uma extensão da tutela da posse a detentores precários ou a meros detentores – obtêm-se, nosso sistema, resultados coincidentes com a doutrina subjectivista. São eles: o art. 1037º/2 CC – relativo ao locatário – o art. 1133º/2 CC – relativa ao comodatário, - o art. 1188º/2 CC – relativo ao depositário – e o art. 1125º/2 CC – relativo à parceria pecuária. Para estes valem os meios de defesa da posse. Posto isto, pode o Sr. A gozar da presunção de posse do art. 1268º? Concluimos negativamente porque deixou de haver corpus. Deixa de haver posse quando ambos os elementos que a compõem, ou apenas algum deles, deixa de se verificar. As situações que levam à perda da posse estão elencadas no art. 1267º. São elas: i) o abandono: o abandono supõe a perda daqueles dois elementos. Note-se, porém, que a perda da posse por abandono não se aplica aos direitos reais de natureza perpétua – como a propriedade – ié, aos direitos que não se extinguem pelo não uso. O abandono não se confunde com a perda da coisa, pois naquele a detenção da coisa cessa por acto intencional do possuidor, ou seja, é o titular do direito real que coloca a coisa fora da esfera espacial da sua intervenção; ii) cedência: implica igualmente a perda dos dois elementos (corpus e animus). Trata-se de cedência da posse e não da simples detenção material, ou seja, tem de se verificar da parte do tradens o desejo de se desfazer da sua posse; iii) quando o exercício de poderes de facto deixa de ser possível, como acontece em caso de perda e destruição material. Neste caso, perde-se o corpus; iv) o exercício da posse por outrem, mesmo contra a vontade do antigo possuidor, se a nova posse houver durado mais de um ano. Ou seja, quanto tempo é que é necessário estar sem exercer poderes de facto para se afirmar a perda da posse? Mais de um ano, segundo o art. 1267º/1/d (um ano e um dia). 3º Ponto Ora, se A acaso fosse possuidor, sê-lo-ia nos termos do direito da propriedade, ou seja, actuaria com a intenção de exercer sobre a coisa os poderes de facto correspondentes ao direito de propriedade. Mas a posse é possível relativamente a todos os direitos reais? Qual o objecto da posse? - Quanto aos direitos reais de aquisição: não há posse. Trata-se de direitos que se esgotam ou que se extinguem logo que sejam exercidos e, por consequência, não podem dar origem às situações de carácter duradouro que a posse pressupõe. - Quanto aos direitos reais de gozo: estes são indiscutivelmente susceptíveis de posse, mas esta não apresenta o mesmo conteúdo relativamente a todos eles. Veja-se o caso do usufruto: o que é que significa a posse no usufruto? Significa que se praticam reiteradamente os actos correspondentes ao conteúdo do direito de usufruto. Na posse do usufrutuário, o corpus tem conteúdo semelhante ao direito de propriedade, mas o animus é claramente diferente, pois o possuidor-usufructuário não actua com a intenção de exercer o direito de propriedade. Assim sendo, a posse do usufructuário não permite a aquisição da propriedade por usucapião, mas nada impede que leve à aquisição do usufruto por usucapião. Dentro dos direitos reais de gozo, não são susceptíveis de posse as servidões não aparentes (art. 1293º/a), ié, as que não têm sinais visíveis nem aparentes: isto porque os actos correspondentes ao conteúdo de servidões não aparentes são actos de tolerância do proprietário da coisa, ou seja, o sujeito que os pratica é mero detentor, nos termos do art. 1253º CC. - Quanto aos direitos reais de garantia: vejamos qual a posição do Dr. Mota Pinto – este Autor considera, de iure condito, que o instituto da posse não se pode aplicar aos DRG, utilizando, a contrario sensu, o disposto no art. 670º/a CC. De iure condendo, no entanto, aquele autor considera que não é impossível a posse no penhor ou no direito de retenção, pois nestes o credor da obrigação garantida tem o poder de facto sobre a coisa, ou seja, esta “fica na disponibilidade empírica do retentor ou do credor pignoratício” (Dr. Orlando de Carvalho), mesmo não se presumindo o pacto anticrético. O Dr. Mesquita considera, quanto ao penhor, que o argumento a contrario sensu extraído do art. 670º/a é decisivo: ou seja, se o legislador admitisse a posse no penhor, não seria necessário mencionar que o credor pignoratício tem à sua disposição os meios de defesa da posse. O Dr. Orlando de Carvalho desvaloriza este argumento a contrario sensu, até porque há uma diferença susbtancial entre a formulação do art. 670º/a (relativa ao penhor) e a formulação dos arts. 1037º/2, 1125º/2, 1133º/2, 1188º/2 (“pode” ≠ “direito de usar”); Para outros DRG, como a hipoteca e os privilégios creditórios, não havendo entrega da coisa, não há poderes de facto, logo, não há posse. - Para o dr. Orlando de carvalho: restrição da posse aos DRGozo é errado → poder fáctico ou empírico que a posse implica não é sempre necessariamente um poder de uso ou fruição do bem stricto sensu ≈implica necessariamente uma disponibilidade empírica sobre a coisa, o que não ocorre apenas com os direitos reais de gozo. 4º Ponto Concluimos, portanto, que o Sr. A perdeu a posse em 1971 (art. 1267º/1/d). Perdeu a posse, bem entendido, a partir desta data, mas nada impede que prove a propriedade provando que adquiriu originariamente o direito de propriedade sobre a coisa através da usucapião. A usucapião é uma forma de aquisição originária do direito de propriedade e um dos principais efeitos decorrentes da posse. A verificação da usucapião depende: 1) da posse, bem entendido; 2) do decurso de certo período de tempo, período esse que varia em função de dois vectores: i) da natureza móvel ou imóvel dos bens sobre os quais a posse incide; ii) características que a posse revista; 3) da natureza pública e pacífica da posse; 4) da sua invocação (da usucapião), pois o art. 1292º manda aplicar à usucapião, entre outros, o art. 303º, relativo à prescrição, e que dispõe que esta necessita de ser invocada. Note-se que as restantes características da posse (titulada/não titulada; boa/má fé; inscrita/não inscrita no registo) não são requisitos que a posse tem de apresentar enquanto pressuposto da usucapião, mas influem no prazo necessário à usucapião. 5º Ponto: Admitindo que A adquiriu o direito de propriedade por usucapião, o que é que B e C poderiam fazer? B poderia invocar que adquiriu o direito de propriedade também por intermédio da usucapião. Note-se que quando há conflitos entre um titular do direito e um possuidor, vence sempre o primeiro. Mas se B invoca que adquiriu por usucapião, temos de ver se também em relação a ele se encontram verificados os pressupostos desta forma de aquisição originária do direito de propriedade. Desde logo, B é possuidor? Concluimos afirmativamente, até por C (arrendatário), muito embora tenha poderes de facto sobre a coisa, não tem intenção de exercer sobre ela o direito real correspondente, até porque ele é apenas titular de um direito de crédito. Há quanto tempo se verifica a posse de B? Trata-se de uma posse pacífica e pública? Tratando-se de bens imóveis,o prazo de usucapião é menor se o possuidor estiver de boa-fé e se houver registo, quer do título, quer da mera posse (arts. 1294º e 1296º). Tratando-se de móveis sujeitos a registo, aquele prazo é mais curto se houver boa-fé do possuidor e título de aquisição registada (art. 1298º). O momento da aquisição do direito de propriedade na usucapião é o do início da posse (art. 1317º/c), ou seja, decorrido o período de tempo necessário para a aquisição por usucapião a propriedade retroage ao momento do início da posse, ou seja, desde 1973. Entre a aquisição originária de A e a aquisição originária de B, prevalece a de B. 6º Ponto: capacidade para adquirir a posse ≠ capacidade de adquirir por usucapião; posse → situação de facto; usucapião → efeito jurídico); - Art. 1266º → “Podem adquirir por posse todos os que têm uso da razão, e ainda os que o não têm relativamente às coisas susceptíveis de ocupação” - Para adquirir a posse não é necessário “um especial amadurecimento da vontade”, bastando a capacidade natural para querer e entender suficiente para exercer os poderes de facto sobre a coisa; não é exigida: - é requisito da posse um “animus possidendi” ≈vontade de agir como um titular de um dreal; - capacidade negocial ou capacidade de exercício de direitos - formulação ≈ art. 488º/1, em matéria de imputabilidade do facto ilícito ≈ presumem-se sem capacidade para adquirir a posse os menores de 7 anos e os interditos por anomalia psíquica → presunção ilidível (art. 350º/2 CC); - quanto às coisas susceptíveis de ocupação (dispensa-se o requisito do “uso da razão”: porquê? Simples apreensão como operação jurídica, verificados certos requisitos, é uma forma de aquisição da propriedade; � - requisito do “uso da razão” é igualmente dispensado: na sucessão mortis causa, o caso em que aceitação dos bens da herança se dispense (art. 2050º CC). 7º Ponto: os caracteres da posse - posse autónoma e posse causal: - posse causal: é a posse como expressão ou projecção do direito real existente; como faculdade jurídica secundária do direito subjectivo; - posse autónoma ou formal: é a posse que não tem fundamento num determinado direito real → é esta posse – autónoma – que constitui uma fonte de consequências de direito que não logram imputar-se senão a ela. - ART. 1258º: “A POSSE PODE SER TITULADA OU NÃO TITULADA, DE BOA-FÉ OU DE MÁ-FÉ, PACÍFICA OU VIOLENTA, PÚBLICA OU OCULTA”; - QUANDO É QUE SE AVALIAM ESTES CARACTERES? ( NO MOMENTO DA AQUISIÇÃO DA POSSE (ARTS. 1260º, 1259º, 1261º) ≈ NUANCE QUANTO À POSSE PÚBLICA OU OCULTA; A POSSE TITULADA OU NÃO TITULADA: CARACTERÍSTICA PERMANENTE ≈ INSENSÍVEL A QUALQUER MUTAÇÃO ULTERIOR /FIXA-SE EM DEFINITIVO NO MOMENTO DA AQUISIÇÃO; característica absoluta ≈ vale em relação a quaisquer interessados; O QUE É A POSSE TITULADA? → ART. 1259º: “DIZ-SE TITULADA A POSSE FUNDADA EM QUALQUER MODO LEGÍTIMO DE ADQUIRIR INDEPENDENTEMENTE QUER DO DIREITO DO TRANSMITENTE, QUER DA VALIDADE SUBSTANCIAL DO NJ” DOIS REQUISITOS: REQUISITO POSITIVO: LEGITIMAÇÃO DA POSSE ATRAVÉS DE UM “TITULUS ADQUIRENDI” DO DIREITO EM TERMOS DO QUAL SE POSSUI: TITULUS ADQUIRENDI TEM DE SER ABSTRACTAMENTE IDÓNEO PARA A AQUISIÇÃO DO DIREITO REAL; NÃO TEM DE SER UM TÍTULO VÁLIDO NEM PROCEDENTE; REQUISITO NEGATIVO: SENDO ESSE TÍTULO UM NEGÓCIO JURÍDICO, A NÃO EXISTÊNCIA DE VÍCIOS FORMAIS NESSE MESMO NEGÓCIO (A CONTRARIO SENSU); - CRÍTICAS À FORMULAÇÃO LEGAL: título pelo qual se adquire o direito não é sempre necessariamente o negócio jurídico (contrato real quanto aos efeitos). Pode ser: a ocupação, a acessão, a criação, ou a aquisição do direito pode ainda derivar da lei, como sucede no direito de retenção. - a posse é titulada: independentemente do transmitente ser titular do direito (o que é, em si mesmo, uma causa de invalidade subtancial do negócio jurídico); independentemente da invalidade substancial do negócio jurídico: nota: nem todas as razões de invalidade substancial são indiferentes para a posse ser titulada – - quando essas causas de invalidade obstam mesmo a que haja posse (animus + corpus): 1) simulação absoluta: quando não existe, por detrás do NJ simulado, um NJ dissimulado → neste caso, o declaratário não tem nenhum animus possidendi, ele é mero detentor; 2) na simulação relativa, quando o negócio dissimulado não é um negócio real quoad effectum: por exemplo, A vende simuladamente a B um imóvel; o negócio dissimulado é um contrato de arrendamento ( B, arrendatário, mesmo que exerça poderes de facto sobre a coisa, não tem a intenção de exercer sobre ela o direito correspondente àquele domínio de facto; 3) reserva mental conhecida do declaratário (se se tratar de reserva mental absoluta ou de reserva mental relativa mas na qual o negócio oculto não seja um NJ translativo de direitos reais), pois nesta, o conhecimento efectivo da reserva obsta a que o declaratário accipiens tenha animus possidendi; - quando o negócio (título da aquisição) é inexistente a posse é necessariamente não titulada, mesmo que haja posse (animus + corpus); que casos são esses? Coacção física, contrato sob nome de outrem, declarações não sérias, todos os casos de falta de consciência da declaração. - relevância da distinção entre posse titulada e posse não titulada: arts. 1254º/2: “a posse actual não faz presumir a posse anterior, salvo quando seja titulada; neste caso presume-se que há posse desde a data do título”; art. 1260º/2 e 3: “a posse titulada presume-se de boa-fé, e a não titulada, de má-fé”; art. 1270º/3 prazos da usucapião: art. 1294º, 1296º, 1298º, 1299º, 1300º/2 posse pública e posse oculta (art. 1262º) - característica não permanente ≈ não é insensível a qualquer mutação anterior; ( clandestinidade da posse desaparece se esta vier a exercer-se de modo público; - característica relativa ≈ valem apenas em confronto do anterior possuidor (interessado) e não das pessoas do círculo social onde a posse se localiza - art. 1262º: “posse pública é a que se exerce de modo a poder ser conhecida pelos interessados” ( o que releva é o momento da aquisição e não o exercício ulterior; mas: uma posse, adquirida ocultamente, pode ser exercida de forma pública; - posse é pública de acordo com os padrões da cognoscibilidade → doutrina da impressão do destinatário: a posse é cognoscível se um interessado razoável, medianamente sagaz e diligente, colocado na posição de real interessado, dela tivesse conhecimento. - registo do título aquisitivo não constitui nenhuma presunção de que a posse é pública; - posse oculta: pode resultar da própria natureza da forma da aquisição ou de factos praticados pelo agente para a encobrir; nota: imóveis dificilmente se prestam a posse oculta; posse sob ocultação: A furta a coisa a B (posse oculta), e vende -a a C (posse pública) ( art. 1300º/2; - relevância da distinção: contagem da nova posse (art. 1267º/2) caducidade da acção de manutenção ou de restituição (art. 1282º) prazos da usucapião: art. 1297º e 1300º registo da mera posse (art. 1295º); - posse de boa ou má fé: - característica permanente e absoluta; ver - art. 1260º: “a posse diz-se de boa fé, quando o possuidor ignorava, ao adquiri-la, que lesava o direito de outrem” → conceito puramente psicológico ( prova dificultada: presunção do art. 1260º/2: “a posse titulada presume-se de boa-fé e a não titulada, de má-fé” → existência de título constitui um indício sério de que se julgou adquirir o direito sem prejuízo para outrem; → presunção ilidível (art. 350º/2); presunção do art. 1260º/3: “a posse adquirida por violência é sempre considerada de má-fé, mesmo quando seja titulada” ( presunção juris et de jure; momento para aferir da boa ou má fé da posse é o momento da sua aquisição → alteração superveniente (de boa em má fé) → atribuição de consequências jurídicas: 1) regime dos frutos (art. 1270º); 2) regime dos encargos (art. 1272º); 2) interrupção do prazo da usucapião (art. 323º CC e art. 481º/a CPC) ≈ interrupção inutilizapara a prescrição (no caso para a usucapião) todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo (art. 326º CC); distinção ainda releva: responsabilidade pela perda ou deterioração da coisa (art. 1269º), benfeitorias voluptuárias (art. 1275º), prazos da usucapião (art. 1294º e ss); - Posse pacífica e posse violenta: - característica não permanente e relativa; - art. 1261º/1: “a posse pacífica é a que foi adquirida sem violência” → logo: posse violenta é aquela que foi adquirida com violência → que violência (n.º 2)? coacção física ou coacção moral, nos termos do art. 255º CC; coacção moral → art. 255º → ilicitude da ameaça (empregar meios ilícitos para prosseguir fins ilícitos, empregar meios ilícitos para prosseguir fim lícito, ilicitude resultante da inadequação do meio ao fim) + art. 255º/3: “não constitui coacção moral a ameaça do exercício normal de um direito nem o simples temor reverencial”; coacção física → art. 246º → o declarante é transformado num autómato sendo forçado a dizer ou a escrever o que não quer por força do emprego de uma força física irresistível que o instrumentaliza e leva a adoptar o comportamento (vis absoluta) ou por força de uma coacção parapsicológica -hipnose, condução telepática... – (coacção vis compulsiva) noção de coacção que consta do art. 156º CPenal - interessa o momento da aquisição da posse →posse sob violência: A doa a B, sob coacção física, um terreno, e continua a ameaçá-lo até 2000; em 1998, B vende o prédio a C. C é possuidor e a sua posse foi adquirida pacificamente. A posse de C relativamente a A está, até 2000, sob violência → art. 1300º/2 CC; - violência da posse pode cessar ≈ cessa quando cessar o efeito exercido sobre a vontade da vítima → consequências jurídicas: art. 1267º/2, in fine: “sendo a posse adquirida por violência, só se conta a partir da cessação desta”; art. 1282º art. 1297º: “se a posse tiver sido constituída com violência ou tomada ocultamente, os prazos da usucapião só começam a contar-se desde que cesse a violência (...)”; 1300º/1 - relevância jurídica da distinção: art. 1260º/3, art. 1267º/2 art. 1279º → classificação do esbulho como violento; art. 1282º →caducidade da acção de manutenção ou restituição; art. 1297º e 1300º 7º ponto: mas como é que b adquiriu a posse? Há dois modos de aquisição da posse: - aquisição originária (2 modos) aquisição paulatina da posse (art. 1263º/a): traduz-se na prática reiterada de actos materiais correspondentes ao exercício do direito e dotados de publicidade. Que requisitos? - Prática de actos materiais: não basta que se exerçam poderes jurídicos sobre a coisa. É necessário que sejam actos que revelem inequivocamente a existência de uma ligação de facto entre a pessoa e a coisa. Quanto à natureza e intensidade desses actos, isso depende da natureza do objecto (móvel ou imóvel) e do direito que se obre ele se pretenda exercer. - Prática reiterada: em regra, será necessária uma série de actos; mas pode suceder que um só acto possa evidenciar a posse. Por exemplo, A lavra um terreno ou nele constrói uma casa. O essencial é que os actos aquisitivos se dirijam ao estabelecimento de uma relação duradoura com a coisa, não bastando um contacto fugaz, passageiro. - Com publicidade: ié, de modo a que possam ser conhecidos pelos interessados; a ratio deste requisito prende-se com o facto de se considerar que os actos clandestinos não merecem protecção, uma vez que os interessados em contrariar a posse não têm dela conhecimento. - Correspondente ao exercício do direito; inversão do título da posse por oposição do detentor ao possuidor; por exemplo, A, proprietário e possuidor do imóvel X, dá de arrendamento este mesmo imóvel a B. A dada altura, B deixa de pagar as rendas, invocando que se considera proprietário da coisa. Quid iuris? Esta oposição há-de traduzir-se em actos positivos (materiais ou jurídicos), reveladores de que o detentor quer, a partir da oposição, actuar como se tivesse sobre a coisa o direito real que, até então, considerava pertencente a outrém e praticados na presença ou com o conhecimento daquele a quem se opõe. Exige-se ainda que esta intenção seja comunicada – por via judicial ou extrajudicial – à pessoa em nome de quem possuía; e ainda que esta oposição não seja repelida; por acto de terceiro capaz de transferir a posse; por exemplo, A dá de arrendamento o imóvel X a B. Entretanto, C convence B de que é o verdadeiro proprietário do imóvel e vende-o a este. Para que haja inversão do título de posse, é necessário que, após o acto de 3º, o detentor deixe de agir nesta qualidade e passe a comportar-se como possuidor. Se, por exemplo, B continua a pagar as rendas a A, não há inversão. Trata-se de um modo de aquisição originário porque C não é o verdadeiro proprietário e possuidor; ele apenas diz que é. - aquisição derivada tradição - material: na tradição material, há um acto exterior que traduz a entrega e a recepção (coisas móveis); - simbólica: tudo se passa ao nível da comunicação humana (Menezes Cordeiro), ou seja, não há interferência directa no controlo material da coisa; traditio longa manus: a coisa não é materialmente entregue, mas é colocada à disposição do adquirente possuidor através da sua indicação à distância; traditio brevi manus: há uma conversão do detentor em possuidor por acordo entre o detentor e o anterior possuidor. Por exemplo, A deu em arrendamento o prédio X a B; haverá traditio brevi manus se A celebrar um contrato de compra e venda com B, detentor da coisa. traditio ficta: há a entrega de um símbolo do acordo ou a realização de um acto que simboliza a coisa (por exemplo, entrega da chave) constituto possessório (art. 1263º/c e art. 1264º): a melhor forma de explicar em que consiste o constituto possessório é compará-lo, tal como defende o Dr. Orlando Carvalho, à traditio brevi manu. De facto,nesta, o detentor passa a possuidor; naquele o possuidor passa a detentor, sendo a posse adquirida pelo beneficiário da operação. Isto num primeiro caso, concretamente, na hipótese a que se refere o art. 1264º/1. Na hipótese a que se refere o n.º 2 daquele preceito, sucede que o possuidor transfere o seu direito a outra pessoa, mantendo-se o seu detentor. sucessão mortis causa (art. 1255º): sucede que a posse continua nos sucessores independentemente da apreensão material, ié, considera-se que a lei ficciona não só o corpus, mas também o animus. acessão; No nosso caso, estamos perante uma aquisição originária da posse, por aquisição paulatina. Não há a menor dúvida de que B actua com animus, ié, que actua com a intenção de exercer o direito correspondente aos poderes de facto sobre a coisa. De outro modo, por exemplo, não teria dado de arrendamento o imóvel a C. Sabemos também que se trata necessariamente de uma posse pública, visto que a publicidade da posse é um dos requisitos para que haja aquisição paulatina. Portanto, quando é que na esfera de B se reuniram os requisitos da usucapião? Sabemos que os prazos para a aquisição por usucapião dependem das características da posse. A aquisição paulatina da posse é sempre não titulada, por isso, a posse de B é necessariamente não titulada. E é de boa ou má fé? Diríamos, à partida, que se trataria de uma posse de boa-fé. Sucede, porém, que por força do art. 1260º/2, a posse não titulada presume-se ilidivelmente de má-fé. Em função da boa ou má fé da posse varia o tempo necessário para se adquirir por usucapião (15 anos, se for de boa-fé e 20 anos se for de má-fé – art. 1296º); note-se, porém, que o momento da aquisição da propriedade por usucapião é o momento do início da posse (art. 1317º/c CC). Concluindo: resolução de casos práticos sobre a posse; Identificar os possuidores; Identificar o direito nos termos do qual se possui; Modo de aquisição da posse para cada um dos possuidores; Características da posse; Caso prático Em 2005, A constituiu em benefício de B um direito de usufruto vitalício sobreum prédio rústico. B começou imediatamente a explorá-lo e a efectuou obras no valor de 50 000 euros. Em Dezembro de 2006, A ocupou o prédio e impede B de continuar a exploração, alegando que o contrato de constituição do usufruto não foi celebrado por escritura pública. Pode B reagir? Podia A ter intentado uma acção de reivindicação contra B? Se sim, que direitos assistiriam a B? 1º Ponto: É necessário aferir se B é possuidor: concluimos afirmativamente, ou seja, B tem corpus e animus, ou seja, exerce poderes de facto sobre a coisa com a intenção de se comportar como titular do direito real correspondente àqueles poderes. B adquiriu a posse derivadamente, ié, através de aquisição derivada. Concretamente, através de aquisição derivada por tradição simbólica, longa manus ou traditio ficta. Teríamos agora de nos interrogar sobre as características da posse de B: concluimos que se trata de uma posse não titulada (em virtude do vício de forma), presumida de má-fé, pública e pacífica. Sr. B pode reagir contra o Sr. A? Pode, através das acções de defesa da posse. Note-se que o Sr. B não poderá recorrer à acção de reivindicação, pois esta é uma acção de defesa da propriedade, que pode, nos termos do art. 1315º, ser utilizada para defesa de qualquer outro direito real. Mas não sendo B titular de um qualquer direito real, estar-lhe-ia vedado o recurso à acção de reivindicação. Mas quais os meios de defesa da posse? - meios extrajudiciais de defesa da posse; legítima defesa (art. 337º); acção directa (art. 1277º e 336º); - meios judiciais de defesa da posse (as acções possessórias: o que são as acções possessórias? Processualmente, são acções declarativas de condenação que seguem o processo comum, com algumas especialidades. Têm lugar sempre que haja um facto que viole ou constitua uma ameaça de violação da relação possessória. Este factos pode ser de natureza material ou jurídica, e de curta ou longa duração. Entende-se que só há ameaça ou violação da posse quando certos factos se dirijam à constituição de uma posse contrária à que existia sobre certa coisa. acção de prevenção (art. 1276º): - não há ainda qualquer acto de efectiva perturbação da posse ou de esbulho, mas verificam-se certas circunstâncias emergentes de factos de terceiros, que levam o possuidor a ter justo receio de vir a ser perturbado ou esbulhado. - a ameaça tanto pode consistir em actos como em palavras e os actos tanto podem ter natureza material ou jurídica; - é necessário que se trate de um receio consistente e não vago; - pedido característico: intimar o réu a abster-se a efectivar a tal perturbação da posse; - prazo: 1 ano a partir da ameaça (considera-se que decorrido um ano há perda de interesse); - Prova: prova da posse (basta a prova do corpus por força do disposto no art. 1252º/2 cc); acção de manutenção (art. 1278º): meio adequado para reagir contra actos de turbação e perturbação da posse, sem que, contudo, chegue a haver esbulho. - acto material susceptível de diminuir, alterar ou modificar o gozo ou o modo de exercício do direito possessório; - Aqueles actos de turbação devem revelar uma pretensão possessória contrária ao direito exercido pelo possuidor; - É necessário que o possuidor, não obstante a prática do acto turbativo, conserve a posse; para a aferição deste requisito, é necessário ter em atenção o tipo de poderes de facto que se está a exercer sobre a coisa, correspondentes ao exercício do direito real; - Pedidos feitos na acção: 1) condenação do perturbador no reconhecimento da posse; 2) condenação do perturbador na cessação dos actos; - Prazo (art. 1282º): i) um ano a contar do acto de perturbação; ii) um ano a contar do conhecimento do acto de perturbação, quando este houver sido oculto; - Efeitos da procedência da acção: o tempo por que a perturbação tenha durado não prejudica a contagem da duração da posse, tudo se passando como se não tivesse havido perturbação; o perturbado tem o direito de ser indemnizado de todos os danos que a perturbação lhe tenha causado; acção de restituição (art. 1278º): tem lugar quando o possuidor é esbulhado da sua posse; - violação da posse consiste num acto de esbulho – o possuidor fica privado do exercício ou da possibilidade de exercício dos poderes correspondentes à sua posse; - o esbulho pode ser violento ou não; total ou parcial; - se o esbulhador tiver transmitido a coisa a terceiro – subadquirente da posse – a acção só poderá ser intentada contra aquele se ele tiver tido conhecimento do esbulho; - prazo: um ano a contar do acto de esbulho, caso contrário verifica-se uma das causas de perda da posse em favor de uma nova posse – o esbulhado perde a sua posse em benefício do esbulhador. A procedência da acção depende da posse ter uma duração superior a um ano (regra da anualidade da posse) → a posse com duração inferior não tem a estabilidade suficiente para merecer a tutela jurídica nem deve ser tomada como base para presumir a existência de um direito. Caso contrário – ié, caso a posse não dure há mais de um ano – o possuidor só poderá ser restituído contra quem não tiver melhor posse; - pedido característico: 1) condenação do esbulhador no reconhecimento da posse; 2) condenação do esbulhador na restituição da posse; - Efeitos da procedência da acção: o esbulhado tem o direito de ser indemnizado do prejuízo que haja sofrido em consequência do esbulho; o esbulhado é havido como se nunca tivesse sido esbulhado; a restituição da posse é feita à custa do esbulhador e no local onde o esbulho teve lugar; acção de restituição em caso de esbulho violento (art. 1279º): trata-se de um procedimento cautelar – meio de tutela provisória para assegurar o efeito útil das acções; tem em vista a reconstituição da situação anterior ao esbulho violento, enquanto não se decide, a título definitivo, qual a pessoa a quem a posse deve ser atribuída. embargos de terceiro (art. 395º cpc) No caso, B deveria intentar uma acção de restituição, na medida em que o Sr. A ocupou o prédio impedindo-o de continuar a exploração do mesmo, ou seja, B foi esbulhado. Quem tem legitimidade activa numa acção de restituição? O art. 1281º/2 diz-nos que é o esbulhado e os seus herdeiros; e quem tem legitimidade passiva? Diz-nos a segunda parte do n.º 2 daquele preceito que a acção deve ser intentada contra o esbulhador e respectivos herdeiros, bem como “contra quem esteja na posse na coisa e tenha conhecimento do esbulho”. Qual o prazo para intentar a acção de restituição? Prazo de um ano, nos termos do art. 1282º. Porquê um prazo tão curto? Por três motivos: primeiro, porque o legislador quer ver a situação resolvida o mais rapidamente possível; em segundo lugar, porque decorrido este prazo, o esbulhado perde a sua posse em benefício do esbulhador (art. 1267º/1/d); e por último, porque se o esbulhado não se defender no prazo de um ano, conclui o legislador que ele não está interessado na restituição da posse e, nessa medida, não deve ser tutelada a sua negligência. No nosso caso, concluimos que B não poderia intentar a acção de restituição, uma vez que já tinha decorrido o prazo de um ano. Porém, imaginando que o prazo ainda não tinha decorrido, se acção procedesse teríamos de ter em consideração o art. 1283º: “é havido como nunca perturbado ou esbulhado o que foi mantido na sua posse ou a ela restituído judicialmente”. Isto é importante para efeitos de prazos de usucapião: o prazo para a aquisição por usucapião continua a correr mesmo durante o tempo em que B esteve esbulhado ou privado da sua posse. Além disso, o facto de B ser tido como nunca esbulhado pode ter igualmente efeitos ao nível dos frutos e das benfeitorias. B pode ainda ser indemnizado nos termos do art. 1284º. Podia A intentar uma acção de reivindicação? Respondemos afirmativamente, visto A ser proprietário. Mas note-se que A terá de provar que é titular do direito, prova essa cuja dificuldade aumenta pelo facto de de B gozar, pelo facto de ser possuidor, de uma presunção de titularidade do direito real nostermos do art. 1268º CC. Naturalmente que A terá de provar a propriedade plena, ié, a propriedade não onerada por qualquer direito real de gozo. Se B provasse a aquisição por usucapião do direito de usufruto, A teria a sua propriedade onerada com o direito de usufruto daquele, desde o momento em que a posse que levou à usucapião se iniciou. No nosso caso, B tinha gasto cerca de 50 000 euros em obras no terreno, pelo que seria necessário aplicar o regime das benfeitorias (art. 1273º e 1275º). 2º Ponto: O que é a posse? A posse é um direito real provisório, de acordo com a interpretação do Dr. Mota Pinto: →ver posições do Dr. Orlando de Carvalho e do Dr. Mesquita; - é um direito porque é uma situação jurídica subjectiva que confere um poder sobre uma coisa em face de todos os outros; - É uma situação jurídica negociável, hereditável, registável e susceptível de ser defendida por meios jurídicos; - É um direito provisório: a protecção que a lei confere à posse cessará, se, antes do decurso do período de tempo necessário para se adquirir por usucapião o direito real correspondente, o titular do direito vier reivindicar a coisa 3º Ponto: os efeitos da posse Alguns deles já foram por nós mencionados: - valor probatório da posse ou presunção da titularidade de um direito (art. 1268º); - a usucapião - direitos do possuidor em relação aos frutos; Está de boa-fé: quanto aos frutos naturais: o possuidor faz seus os frutos naturais até ao dia em que souber que está a lesar com a sua posse o direito de outrem, bem como os frutos civis correspondentes ao mesmo período (art. 1270º/1 CC). quanto aos frutos pendentes: possuidor perde-os pois pertencem ao proprietário, mas este terá de indemnizar aquele pelas despesas de cultura, sementes ou matérias-primas e, em geral, pelas despesas de produção, desde que não sejam superiores ao valor dos frutos que vierem a ser colhidos (art. 1270º/2); excepção ao art. 215º cc; quanto aos frutos percipiendos: possuidor não é responsável; estando de má-fé: 1271º O possuidor deve restituir todos os frutos que a coisa produziu até ao termo da posse. Mas, apesar do art. 1271º nada dizer a propósito de uma indemnização, a regra geral do art. 215º dispõe que o possuidor de má fé tem o direito de ser indemnizado pelas despesas de frutificação, desde que não sejam superiores aos valores desses frutos; Quanto aos frutos pendentes, o possuidor perde-os, e não tem direito a indemnização, nos termos do art. 215º/2. Quanto aos frutos percipiendos, o possuidor de má-fé é responsável (art. 1271º, in fine); deve ser pago o valor dos frutos que um proprietário diligente poderia ter obtido. - direitos do possuidor em relação a benfeitorias (art. 1273º) ( tudo depende do tipo de benfeitorias em causa: - Benfeitorias necessárias: o possuidor tem o direito de ser indemnizado, independentemente de estar de boa ou de má fé (art. 1273º/1, 1ª parte); - Benfeitorias úteis: se as benfeitorias tivessem sido úteis, das duas uma – ou elas podem ser levantadas sem prejuízo da coisa, e aí o possuidor tem direito a levantá-las; ou o seu levantamento não pode ser feito sem prejuízo para a coisa, caso em que o possuidor tem o direito de ser indemnizado pelo seu valor nos termos do enriquecimento sem causa (arts. 1273º/1 e 2); - Benfeitorias voluptuárias: o que são as benfeitorias voluptuárias? São aquelas que servem para recreio do benfeitorizante mas que não aumentam o valor da coisa. Se o possuidor estiver de boa-fé, tem o direito de levantar as benfeitorias, desde que não haja prejuízo para a coisa; caso este prejuízo se verifique, não poderá levantá-las nem obter indemnização. Se o possuidor estiver de má fé, perde em todos o caso as benfeitorias voluptuárias que haja feito (art. 1275º). - Contencioso possessório ou acções possessórias; 4º Ponto: O sr. B adquiriu a posse em 2005. Mas haverá já tempo suficiente para a aquisição do direito de usufruto por usucapião? Aparentemente diríamos que não, pois a usucapião depende de quatro requisitos e um deles manifestamente não está cumprido: há posse, esta é pacífica e pública, a usucapião foi invocada, mas ainda não decorreu o período de tempo suficiente a que se referem os arts. 1294º e ss. Porém, poderíamos considerar que B adquirira o direito de usufruto pela usucapião, mas recorrendo à acessão da posse. Ésta é uma faculdade que se traduz no facto de, para efeitos da usucapião, o possuidor juntar a sua posse a posse de possuidor anterior. Quais os requisitos da acessão de posse? 1)As posses têm de ser consecutivas, sendo possível aceder a mais do que uma posse; 2) todas as posses têm de ser adquiridas derivadamente; 3) pode aceder-se a posses de natureza diferente mas a acessão só se dá nos limites da que tiver menor âmbito. Por exemplo: A (possuidor 10 anos nos termos do direito de propriedade) ( B (possuidor 5 anos nos termos do direito de propriedade) ( C (possuidor há 5 anos nos termos do direito de usufruto): aqui, C pode ir buscar o tempo que lhe falta para adquirir por usucapião às posses anteriores, mas, note-se, vai adquirir nos termos do direito de usufruto e não nos termos do direito de propriedade. Caso prático A é possuidor de um imóvel nos termos do direito de propriedade de que é titular. Em 1998, vende simuladamente a B o dito imóvel, por escrito particular, sendo que o negócio que ambos queriam celebrar era um contrato de arrendamento. Em 2005, B doa o imóvel, por escrito particular, a C. C, em 2006, celebra um contrato de comodato com D. Em Janeiro de 2008, C vende a D o imóvel por escrito particular. Quem adquiriu a posse sobre o imóvel e qual o modo de aquisição? 1º Ponto: B é possuidor? Não, a posse implica um corpus e um animus, e B não tem animus, ié, não exerce poderes de facto sobre a coisa nos termos de nenhum direito real, ou seja, não tem a intenção de exercer esses poderes de facto nos termos do direito real correspondente. Assim sendo, B é mero detentor (art. 1253º). Já o Sr. C é possuidor pois tem corpus e tem animus, ou seja, ele exerce poderes de facto sobre imóvel nos termos do direito de propriedade. A questão está em saber como é que C adquiriu a posse: induzimos que a adquiriu derivadamente por intermédio de B. Simplesmente, pelo que acabámos de expor, B não era possuidor. No entanto, B adquiriu a posse do imóvel originariamente por inversão do título da posse. Expliquemos melhor: no momento em que B celebra o contrato de doação com C comporta-se como se fosse possuidor, melhor dizendo, comporta-se como se fosse titular de um direito de propriedade, passando, nesse momento, a ter animus. Note-se que para que haja inversão do título da posse – no nosso caso, por oposição do detentor ao possuidor – é necessário que a mesma seja demonstrada mediante actos inequívocos (materiais ou jurídicos) e ainda que seja comunicada à pessoa em nome de quem se possui (judicial ou extrajudicialmente). Quais as características da posse do Sr. B? É uma posse não titulada, que se presume de má-fé (art. 1260º/2), pública (necessariamente, por força de ter sido adquirida mediante inversão do título da posse) e pacífica. Conforme induzimos, C adquiriu a posse derivadamente por tradição simbólica, longa manus ou ficta. Quais as características da posse de C? É uma posse não titulada, que se presume de má fé, pacífica e pública. E o Sr D? Num primeiro momento, o Sr. D é mero detentor, pois não exerce poderes de facto sobre a coisa nos termos de nenhum direito real. No entanto, a partir do momento em que há contrato de compra e venda, D torna-se possuidor, pois adquire o animus, ou seja, passa a exercer poderes de facto sobre a coisa nos termos do direito de propriedade. A sua posse apresenta as mesmas características que apontámos às posses de B e C. Caso prático: A é proprietário de um prédio urbano, que construiu em 2003. Em Dezembro de 2006, B instalou no prédio vizinnho uma discoteca, que emite para o prédio de A ruídos infernais. Quid iuris se no prédio de A funciona:- uma clínica de saúde; - habitação de A; O art. 1346º vem permitir que o proprietário se oponha às emissões provenientes de um prédio vizinho. - em primeiro lugar: o que se entende por emissões? Para o Dr. H. Mesquita, o mencionado preceito vai permitir a oposição a 2 tipos de emissões: 1) emissões incorpóreas (ruído, luz...); 2) emissões corpóreas mas de tamanho ínfimo (fuligem, fumo...). De outro modo, isto é, constituindo a emissão em coisas corpóreas de grande dimensão, por exemplo, de pedras, o meio de reacção já não o art. 1346º, pois aí o que sucede é uma violação do direito de propriedade, ou seja, a violação da obrigação passiva universal que o titular de um direito real pode opor aos demais membros da comunidade jurídica. - em segundo lugar: Em que condições é que aquela oposição pode ocorrer? Em duas situações: i) na eventualidade dos factos em causa importarem prejuízo substancial para o uso do imóvel; ii) na eventualidade de tais factos resultarem de uso anormal do prédio de que emanam. Daqui se retira que aquelas emissões não são sempre proibidas: só o serão se preencherem uma das condições a que se refere o art. 1346º. Se preferirmos, tais emissões serão, via de regra, lícitas – leia-se, têm de ser suportadas pelo prédio vizinho - , a menos que se subsumam a alguma daquelas hipóteses. Mas o que significa “prejuízo substancial”? Há que atender ao fim a que se destina o prédio vizinho. Não olhamos, portanto, às especiais condições em que se encontra o proprietário, ié, não atendemos ao facto deste ser asmático, ou doente...Trata-se, portanto, de uma apreciação objectiva. O mesmo critério vale para apreciação do que é uma “utilização anormal” do prédio vizinho, ou seja, há que atender ao prédio independentemente do seu titular. No nosso caso, a construção de uma discoteca pode prejudicar a utilização do prédio vizinho enquanto clínica de saúde. Como é que o Sr. A podia reagir? Aqui entramos na questão das acções de defesa da propriedade. Face ao caso sub judice, qual seria o meio adequado para reagir? A acção confessória é desaquada para o efeito: trata-se de uma acção declarativa de simples apreciação, pela qual se pede ao tribunal que reconheça um direito que, por qualquer razão, se tornou duvidoso. Não visa propriamente defender a propriedade, mas antes certificá-la, tornando-a incontroversa. Será uma acção de prevenção do dano? (art. 1347º, 1348º e 1350º) Não, porque o dano já ocorreu. A verdade é que o meio adequado seria uma acção negatória: recorre-se a esta acção sempre que haja um incumprimento destas normas de limitação de direitos reais, ou seja, sempre que o titular do direito real veja a sua esfera jurídica invadida, ou seja perturbado no exercício do seu direito, mas não fique privado da coisa. O fundamento desta acção está na eficácia erga omes do direito real: estes são direitos absolutos, e por isso proporcionam ao respectivo titular uma área reservada, afastando ou excluindo dessa área todas as demais pessoas sobre as quais impende um dever geral de abstenção. Quais os pedidos característicos? Pede-se ao tribunal que declare a inexistência do direito de B a emitir o ruído (função declarativa); e ainda que B seja condenado a abster-se de continuar a manter o mesmo comportamento, bem como a não produzir mais danos para o prédio vizinho (função preventiva); pede-se ainda ao tribunal que condene o terceiro a eliminar a situação material criada que é contrária ao estatuto do direito real (função reparadora). A acção negatória não pressupõe culpa nem dano, mas este existindo, pode ser formulado um pedido indemnizatório. Note-se que em qualquer acção de defesa da propriedade é sempre necessário provar a propriedade (ou por aquisição originária, ou pelo registo ou pela posse, ou ainda pela aquisição derivada, muito embora esta seja uma diabolica probatio). Trata-se de uma acção imprescritível e designa-se negatória porque nega o direito correspondente aos actos praticados por terceiro. - em terceiro lugar: O que é um prédio vizinho? A questão que se coloca é a de saber se o art. 1346º cc apenas protege o prédio que seja contíguo ao prédio de que emanam as emissões: a resposta é negativa. A vizinhança não implica contiguidade. Caso prático: A é proprietário de uma moradia geminada com a de B: B construiu no seu quintal um grelhador cuja chaminé tem abertura apenas para o lado de A. Apesar de A ter pedido a B que alterasse a chaminé, B recusa-se a fazê-lo alegando que tem o direito de emitir fumos para o prédio de A, cujos fumos também recebe. Quid iuris? Entre as duas situações há uma diferença substancial que reside no facto de o grelhador de B ter uma chaminé que assegura que os fumos vão todos para o prédio de A. O Sr. B tem de suportar os fumos emitidos por A, a menos que dessa emissão resulte prejuízo substancial para ele – o que não parece suceder – ou a menos que a emissão daqueles fumos por A corresponda a uma utilização anormal do seu prédio – o que, diga-se, também não parece suceder, muito embora tudo dependa da análise das circunstâncias do caso concreto, como, por exemplo, a zona em que se situa o prédio... B concordou em receber uma quantia mensal para suportar o fumo produzido por A quando queima no seu grelhador lixo do escritório. Entretanto, B vendeu o prédio a C, que se recusa a receber tais emissões. Quid iuris? Aqui a especificidade de que se reveste o caso de B nota-se com toda a intensidade: é que o art. 1346º apenas tem em vista situações de emissões que afectem naturalmente o prédio vizinho. Ora, no nosso caso, a emissão não é natural mas sim intencional. Sr. B não tem o direito de imprimir uma especial direcção aos fumos; mais: essas emissões consistem em violações do direito de propriedade (≈ lançar pedras para o prédio vizinho). Assim, o Sr. A não estava obrigado a receber os fumos emitidos pelo prédio do Sr. B, não por se verificarem os pressupostos do art. 1346º, mas por se verificar uma violação do seu direito de propriedade. Já vimos que as emissões a que se refere o art. 1346º só são ilícitas se preencherem uma das condições constantes desse preceito. No caso, é evidente que a queima de lixo de escritório não corresponde a uma utilização normal do prédio, logo, seria ilícita. Questão diferente é a da licitude do contrato celebrado: concluimos que nada obsta à validade do contrato, pois as normas que no CC regulam as relações de vizinhança não são imperativas, ié, nada impede que as partes as afastem mediante contrato. Vale plenamente a autonomia contratual. Questão diferente é a de saber se estamos perante um direito real: poderíamos inquirir se as partes instituíram por contrato uma servidão predial, definida no art. 1543º como o “encargo imposto num prédio em proveito exclusivo de outro prédio pertencente a dono diferente”. Ou seja, uma servidão é um encargo que recai sobre um prédio que aproveita exclusivamente a outro prédio, sendo os donos de ambos diferentes. Decompõe-se em três elementos: num encargo, ié, numa limitação ao direito de propriedade que incide sobre o prédio serviente; sobre um prédio; em benefício de outro prédio – trata-se de uma ligação entre prédios. Ora, no nosso caso, o encargo não é imposto em proveito do prédio de A, mas sim em proveito do próprio A, proprietário do prédio, ou, no máximo, a favor do escritório de A. Sabendo que vale para os direitos reais o pp do numerus clausus (art. 1306º cc), não constituindo o referido contrato uma servidão, trata-se de um contrato com efeitos meramente obrigacionais, que, por isso, não se impõe a C. Caso prático: A é proprietário do terreno X que confronta a norte com o prédio Y e a Sul com o terreno Z. A decidiu construir uma vivenda sobre o seu terreno. Do lado norte, construiu a 175 cm do prédio Y, e na parede da vivenda fez abrir várias frestas, algumas delas com menos de 180 cm de altura. Do lado sul, construiu a 1 m do terreno Z, abrindo 3 janelas. Tanto o proprietário do prédio Y, como o proprietário do terreno Z pretendem construirvivendas nos respectivos terrenos, mas são confrontados com a oposição de A de que aquelas construções taparão frestas e janelas da vivenda deste. Quid iuris? Esquematicamente: - em primeiro lugar: A é proprietário de todo o terreno, ié, pode construir em todo o terreno. A questão que se coloca é a da possibilidade de A abrir janelas que dão para os terrenos vizinhos. As regras fixadas no art. 1360º visam regular esta situação, sendo a sua ratio a de impedir a devassa dos prédios vizinhos. O que é a devassa? Esta tanto pode conseguir-se pela abertura de frestas, como de janelas. - pode A abrir frestas a menos a 175 cm do prédio vizinho? O legislador (art. 1363º) não impôs nenhuma distância para a abertura de frestas, ao contrário do que determinou para as janelas. Mas impôs uma altura mínima, ié, como dispõe o art. 1363º/2, as frestas devem situar-se a pelo menos 1, 80 m de altura de altura a contar do solo. Há, pois, desde que cumprido este limite, um pp de liberdade de abertura de frestas. Note-se, porém, que, independentemente da altura a que se encontrem do solo, o proprietário do prédio vizinho pode sempre levantar construção que as tape. È isto que nos diz o art. 1363º/1. - e no que diz respeito às janelas? No que toca às janelas, vale o disposto no art. 1360º, que obriga o proprietário do prédio que queira abrir as janelas que “deitem directamente para o prédio vizinho” a guardar 1, 5 m relativamente a este. Esta distância não foi observada pelo Sr. A, que abriu janelas a 1 m do terreno vizinho. Dissémos há pouco que a ratio do art. 1360º era a de impedir a devassa do prédio vizinho e, acrescentamos agora, impedir o lançamento de objectos para o prédio vizinho. Um parecer elaborado pelo Dr. H. Mesquita determinou que uma janela é uma abertura com largura suficiente para alguém se debruçar sobre ela. No art. 1361º constam os prédios para os quais não vale esta restrição: são eles os que estão separados entre si por estrada, caminho, rua ou outra passagem por terreno do domínio público. De facto, não vale impor restrições à abertura de janelas para impedir a devassa dos prédios vizinhos, quando essa devassa pode muito bem ser conseguida a partir do caminho público que separa os dois prédios. O art. 1364º dispõe que vale para as janelas gradadas o que se vale para as frestas e seteiras. Ou seja, as janelas gradadas têm de ser construídas a pelo menos 1, 80 m do solo, mas não necessitam de guardar 1, 5 m relativamente ao prédio vizinho. Também aqui se percebe a posição do legislador: sendo a janela gradada, é impossível ao vizinho debruçar-se sobre ela. Por outro lado, se houver um muro que seja suficientemente alto para impedir a devassa, as janelas podem igualmente ser abertas a menos de 1,5 cm do prédio vizinho. Concluimos, portanto, que em qualquer dos casos, ié, quer no caso das frestas, quer no caso das janelas, os proprietários dos prédios vizinhos podiam sempre construir, a menos que se haja constituído uma servidão de vistas por contrato ou usucapião (art. 1362º). O CC nada dispõe sobre a servidão de vista que permita a manutenção das frestas. Isso não invalida que o Dr. Mesquita defenda que seja possível constituir por usucapião o direito de manter as frestas abertas a menos de 1, 80 cm de altura. Mas este direito adquiridos nestes termos não é suficiente para impedir a construção do prédio vizinho que tape as frestas. E isto por razões óbvias: pois se mesmo quanto às frestas abertas licitamente, entenda-se, a mais de 1,80 m do solo, o legislador permite que o proprietário vizinho levante construção que as tape, por maioria de razão, as frestas abertas ilicitamente também poderão ser tapadas, não obstante o direito constituído sobre elas, se o proprietário levantar construção que produza esse efeito. Direito de propriedade Direitos reais limitados Direito de propriedade Extinção dos direitos reais limitados Credor B Devedor executado: penhora de um prédio Devedor executado aliena o imóvel antes do registo da penhora 3º Adquirente não regista a aquisição ou regista posteriormente Direitos reais (MP) Posse: para o Dr. Mota Pinto, a posse é um direito real provisório; Propriedade De coisas móveis; De coisas imóveis De águas Compropriedade Propriedade horhorizontal Direitos reais limitados Direitos reais de gozo Direitos reais de garantia Direitos reais de aquisição Rejeição da ideia: porquê? Há direitos reais temporários – usufruto (art. 1439º) Há obrigações duradouras = obrigações em que o comportamento debitório se protela no tempo; positivas (por ex, o dever do trabalhador colocar a sua força de trabalho à disposição do empregador); de prestação de facto negativo (dever de não concorrência) Há direitos reais que não se extinguem com o seu não exercício (direitos reais de gozo); mas há outros que sim (direitos reais de garantia); � A lei (art. 216º) distingue entre benfeitorias necessárias – aquelas que têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa – úteis – aquelas que, não sendo indispensáveis para a sua conservação, lhe aumentam todavia o valor – e voluptuárias – que são aquelas que, não sendo indispensáveis para a sua conservação nem para o aumento do seu valor, servem apenas para recreio do benfeitorizante”. Sobre os frutos, ver p. 139-141. � Recordamos que para o Dr. Mesquita o direito real é uma relação jurídica através da qual uma coisa fica directamente subordinada ao domínio de uma pessoa de acordo com um certo estatuto que é fonte de poderes, limites e restrições, mas também de deveres de conteúdo positivo. Em oposição à doutrina do Dr. Mesquita sobre as obrigações reais está a outra parte da doutrina, que as concebe como verdadeiras obrigações, embora em posição de acessoriedade face aos direitos reais. � O que é a ocupação? É um modo de aquisição originária do direito de propriedade, previsto no artigo 1318º. Consiste na apropriação ou tomada de posse de uma coisa que não tem ou deixou de ter dono. Exigem-se alguns requisitos ou elementos: 1) elemento pessoal: ocupante deve ser uma pessoa com capacidade de gozo bastante, muito embora não se exija capacidade de exercício; 2) elemento real: tem de se tratar de uma res nullius (coisas que nunca tiveram dono ou que deixaram de ter), móvel – pois as coisas imóveis sem dono conhecido pertencem ao Estado -, e susceptível de apropriação privada (art. 202º/2 CC); 3) elemento formal: é necessário que haja tomada de posse da coisa. A doutrina diverge neste capítulo sobre se é necessário o animus ocupandi. Considera-se que a exigência deste requisito iria contra a lei portuguesa, que se basta com a capacidade de gozo para que haja ocupação. _1290504736.vsd Prédio Y Terreno X; proprietário A Terreno Z 175 cm; frestas a 180 cm de altura Janelas a 1 m;