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<p>CIÊNCIAS HUMANAS</p><p>E SOCIAIS</p><p>PROFESSOR</p><p>Esp. Pablo Araya Santander</p><p>ACESSE AQUI</p><p>O SEU LIVRO</p><p>NA VERSÃO</p><p>DIGITAL!</p><p>https://apigame.unicesumar.edu.br/qrcode/2178</p><p>EXPEDIENTE</p><p>C397 CENTRO UNIVERSITÁRIO DE MARINGÁ.</p><p>Núcleo de Educação a Distância. SANTANDER, Pablo Araya.</p><p>Ciências Humanas e Sociais.</p><p>Pablo Araya Santander.</p><p>Maringá - PR.: UniCesumar, 2020. Reimpresso 2021.</p><p>216 p.</p><p>“Graduação - EaD”.</p><p>1. Ciências 2. Humanas 3. Sociais. EaD. I. Título.</p><p>FICHA CATALOGRÁFICA</p><p>NEAD - Núcleo de Educação a Distância</p><p>Av. Guedner, 1610, Bloco 4Jd. Aclimação - Cep 87050-900 | Maringá - Paraná</p><p>www.unicesumar.edu.br | 0800 600 6360</p><p>Coordenador(a) de Conteúdo</p><p>Roney de Carvalho Luiz</p><p>Projeto Gráfico e Capa</p><p>Arthur Cantareli, Jhonny Coelho</p><p>e Thayla Guimarães</p><p>Editoração</p><p>Andreza Diniz</p><p>Design Educacional</p><p>Kaio Vinicius Cardoso Gomes</p><p>Revisão Textual</p><p>Monique Coloni Boer</p><p>Ilustração</p><p>André Azevedo</p><p>Fotos</p><p>Shutterstock CDD - 22 ed. 301</p><p>CIP - NBR 12899 - AACR/2</p><p>ISBN 978-85-459-2078-6</p><p>Impresso por:</p><p>Bibliotecário: João Vivaldo de Souza CRB- 9-1679</p><p>Diretoria Executiva Chrystiano Mincoff, James Prestes, Tiago Stachon Diretoria de Design Educacional</p><p>Débora Leite Diretoria de Graduação Kátia Coelho Diretoria de Permanência Leonardo Spaine Diretoria</p><p>de Pós-graduação, Extensão e Formação Acadêmica Bruno Jorge Head de Produção de Conteúdos Celso</p><p>Luiz Braga de Souza Filho Gerência de Produção de Conteúdo Diogo Ribeiro Garcia Gerência de Projetos</p><p>Especiais Daniel Fuverki Hey Supervisão do Núcleo de Produção de Materiais Nádila Toledo Supervisão</p><p>de Projetos Especiais Yasminn Zagonel</p><p>NEAD - NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA</p><p>Reitor Wilson de Matos Silva Vice-Reitor Wilson de Matos Silva Filho Pró-Reitor de Administração Wilson de</p><p>Matos Silva Filho Pró-Reitor Executivo de EAD William Victor Kendrick de Matos Silva Pró-Reitor de Ensino de</p><p>EAD Janes Fidélis Tomelin Presidente da Mantenedora Cláudio Ferdinandi</p><p>DIREÇÃO UNICESUMAR</p><p>BOAS-VINDAS</p><p>Neste mundo globalizado e dinâmico, nós tra-</p><p>balhamos com princípios éticos e profissiona-</p><p>lismo, não somente para oferecer educação de</p><p>qualidade, como, acima de tudo, gerar a con-</p><p>versão integral das pessoas ao conhecimento.</p><p>Baseamo-nos em 4 pilares: intelectual, profis-</p><p>sional, emocional e espiritual.</p><p>Assim, iniciamos a Unicesumar em 1990, com</p><p>dois cursos de graduação e 180 alunos. Hoje,</p><p>temos mais de 100 mil estudantes espalhados</p><p>em todo o Brasil, nos quatro campi presenciais</p><p>(Maringá, Londrina, Curitiba e Ponta Grossa) e</p><p>em mais de 500 polos de educação a distância</p><p>espalhados por todos os estados do Brasil e,</p><p>também, no exterior, com dezenasde cursos</p><p>de graduação e pós-graduação. Por ano, pro-</p><p>duzimos e revisamos 500 livros e distribuímos</p><p>mais de 500 mil exemplares. Somos reconhe-</p><p>cidos pelo MEC como uma instituição de exce-</p><p>lência, com IGC 4 por sete anos consecutivos</p><p>e estamos entre os 10 maiores grupos educa-</p><p>cionais do Brasil.</p><p>A rapidez do mundo moderno exige dos edu-</p><p>cadores soluções inteligentes para as neces-</p><p>sidades de todos. Para continuar relevante, a</p><p>instituição de educação precisa ter, pelo menos,</p><p>três virtudes: inovação, coragem e compromis-</p><p>so com a qualidade. Por isso, desenvolvemos,</p><p>para os cursos de Engenharia, metodologias ati-</p><p>vas, as quais visam reunir o melhor do ensino</p><p>presencial e a distância.</p><p>Reitor</p><p>Wilson de Matos Silva</p><p>Tudo isso para honrarmos a nossa mis-</p><p>são, que é promover a educação de qua-</p><p>lidade nas diferentes áreas do conheci-</p><p>mento, formando profissionais cidadãos</p><p>que contribuam para o desenvolvimento</p><p>de uma sociedade justa e solidária.</p><p>P R O F I S S I O N A LT R A J E T Ó R I A</p><p>Esp. Pablo Araya Santander</p><p>Graduado em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Maringá (UEM/2003) e</p><p>em Teologia pela Faculdade de Teologia de São Paulo da Igreja Presbiteriana Inde-</p><p>pendente do Brasil (Fatipi/2014). Pós-graduado em Educação, Sociedade e Ensino</p><p>Religioso pela Faculdade de Educação São Luís. É professor de Sociologia do Ensi-</p><p>no a Distância do Centro Universitário de Maringá (Unicesumar) e pastor da Igreja</p><p>Presbiteriana Independente do Brasil.</p><p>http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K2736506U0.</p><p>A P R E S E N TA Ç Ã O D A D I S C I P L I N A</p><p>CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS</p><p>É com muita satisfação que apresento a você, caro(a) aluno(a), o livro Ciências Humanas e So-</p><p>ciais, que acompanhará o desenvolvimento da sua formação acadêmica. As Ciências Humanas</p><p>e Sociais são aquelas que estudam o ser humano e a sua relação com a sociedade – seus</p><p>discursos estão interligados.</p><p>Darei enfoque especial, num primeiro momento, às três primeiras unidades do livro. Na área</p><p>das Ciências Humanas, teremos o privilégio de aprofundar-nos na Filosofia e na História. Já</p><p>nas Ciências Sociais, aprenderemos um pouco mais sobre as três principais ciências desse</p><p>saber: Sociologia, Antropologia e Ciência Política.</p><p>Na Filosofia, procuro prepará-lo(a) como um participante ativo na busca pelo saber e pelo</p><p>pensar, apresentando os principais termos, assuntos e pensadores. Para isso, buscaremos</p><p>alcançar o entendimento e a análise dos principais filósofos por meio de uma viagem histórica</p><p>desde o seu início aos nossos dias. Ao contrário dos cursos de Filosofia mais avançados, a lei-</p><p>tura poderá ser relativamente mais simples, o que poderá criar uma boa base para aumentar</p><p>seu conhecimento e seu pensamento crítico diante da nossa realidade.</p><p>Em História, conheceremos as diferentes etapas da nossa trajetória, entenderemos o desen-</p><p>volvimento no decorrer dos tempos e seus principais personagens e eventos, verificaremos</p><p>os métodos e as técnicas do trabalho do historiador, a fim de valorizar a contribuição dessa</p><p>área tão importante para o conhecimento do mundo e a compreensão do presente.</p><p>Com a Sociologia, veremos que toda a ciência serve, fundamentalmente, para resolver proble-</p><p>mas, estes que, em muitos casos, são de natureza social, uma vez que suas causas derivam de</p><p>problemas de organização e funcionamento da sociedade. Portanto, encontraremos, nessa</p><p>disciplina, uma excelente ferramenta que pode apontar soluções práticas para o nosso dia a</p><p>dia por meio da análise metodológica da sociedade em que vivemos.</p><p>D A D I S C I P L I N AA P R E S E N TA Ç Ã O</p><p>A Antropologia é um tema essencial para a sua formação, visto que permite adquirir conheci-</p><p>mentos fundamentais sobre o ser humano: sua evolução, sua interação com o habitat e sua</p><p>organização social e cultural. Da arqueologia pré-histórica à antropologia aplicada, por meio</p><p>do estudo de diferentes civilizações e raças, juntamente com a abordagem do trabalho de</p><p>campo do antropólogo, integraremos o objetivo desta disciplina.</p><p>Descobriremos que a Ciência Política tem, como objetos de estudos, o poder e o Estado. Em</p><p>suma, verifica a distribuição e a organização do poder em uma sociedade. Portanto, veremos</p><p>que a ação do cientista político no contexto social é fundamental, pois orienta no processo</p><p>decisório em relação ao seu desenvolvimento integral, acentuando o espírito humanista,</p><p>progressista e democrático em nossas ações.</p><p>Na quarta unidade, veremos a relação que existe entre as Ciências Humanas e Sociais e a</p><p>Religião. Além disso, saberemos o que Karl Marx, Sigmund Freud, Friedrich Nietzsche e Jean-</p><p>-Paul Sartre pensam sobre o conceito de religião e de Deus.</p><p>Por último, iremos debruçar-nos sobre alguns temas contemporâneos do nosso atual con-</p><p>texto: sociedade do consumo, sociedade líquida, sociedade do cansaço e sociedade hiperco-</p><p>nectada. Esse conjunto de assuntos mostra o quão complexa é a tarefa do pesquisador das</p><p>Ciências Humanas e Sociais em desvendar e descobrir os rumos atuais da sociedade para,</p><p>assim, apontar novos caminhos.</p><p>ÍCONES</p><p>Sabe aquela palavra ou aquele termo que você não conhece? Este ele-</p><p>mento ajudará você a conceituá-la(o) melhor da maneira mais simples.</p><p>conceituando</p><p>No fim da unidade, o tema em estudo aparecerá de forma resumida</p><p>para ajudar você a fixar e a memorizar melhor os conceitos aprendidos.</p><p>quadro-resumo</p><p>Neste</p><p>inútil.</p><p>Não poderíamos, porém, definir o útil de outra maneira?</p><p>Platão definia a Filosofia como um saber verdadeiro que deve ser usado em be-</p><p>nefício dos seres humanos. Já Descartes dizia que a Filosofia é o estudo da sabedo-</p><p>ria, o conhecimento perfeito de todas as coisas que os humanos podem alcançar</p><p>para o uso da vida, a conservação da saúde e a invenção das técnicas e das artes.</p><p>Kant afirmou que a Filosofia é o conhecimento que a razão adquire de si mesma</p><p>para saber o que pode conhecer e o que pode fazer, que possui, como finalidade, a</p><p>felicidade humana. Marx declarou que a Filosofia havia passado muito tempo ape-</p><p>nas contemplando o mundo e que se tratava, agora, de conhecê-lo para transfor-</p><p>má-lo, transformação que traria justiça, abundância e felicidade para todos. Nesse</p><p>mesmo sentido, Merleau-Ponty escreveu que a Filosofia é um despertar para ver</p><p>e mudar nosso mundo. E, assim, Espinosa afirmou que a Filosofia é um caminho</p><p>árduo e difícil, mas que pode ser percorrido por todos, se desejarem a liberdade e a</p><p>felicidade. Qual seria, então, a utilidade da Filosofia?</p><p>Se abandonar a ingenuidade e os preconceitos do senso comum for útil; se não</p><p>se deixar guiar pela submissão às ideias dominantes e aos poderes estabelecidos</p><p>for útil; se buscar compreender a significação do mundo, da cultura, da história for</p><p>útil; se conhecer o sentido das criações humanas nas artes, nas ciências e na política</p><p>for útil; se der a cada um de nós e à nossa sociedade os meios para serem conscien-</p><p>tes de si e de suas ações numa prática que deseja a liberdade e a felicidade para</p><p>todos for útil, então podemos dizer que a Filosofia é o mais útil de todos os saberes</p><p>de que os seres humanos são capazes.</p><p>Fonte: Chauí (2014, p. 29)</p><p>47</p><p>eu recomendo!</p><p>Convite à Filosofia</p><p>Autor: Marilena Chauí</p><p>Editora: Ática</p><p>Sinopse: A partir do princípio de que a vida cotidiana é toda fei-</p><p>ta de crenças silenciosas, da aceitação de evidências que nunca</p><p>questionamos porque nos parecem naturais e óbvias, a autora</p><p>analisa, nesse livro, a Filosofia e sua utilidade como forma de in-</p><p>dicação de um estado de espírito e respeito pelo saber.</p><p>livro</p><p>Filosofando – Introdução à Filosofia</p><p>Autor: : Maria Lúcia de Arruda Aranha e Maria Helena Pires</p><p>Martins</p><p>Editora: Moderna</p><p>Sinopse: A Filosofia trabalha com conceitos. Mas não pense que,</p><p>por isso, ela se distancia da vida. Ao contrário, os problemas fi-</p><p>losóficos surgem do nosso embate com o cotidiano e desenca-</p><p>deiam reflexões cheias de significados que, por sua vez, nos levam a novos ques-</p><p>tionamentos. Por exemplo, na época em que se fala tanto em ética e cidadania,</p><p>estaremos diante de conceitos vazios se não soubermos aguçar a capacidade de</p><p>reflexão crítica e a autonomia do pensar e do agir. Nessa obra de leitura clara e</p><p>instigante, as autoras convidam para o debate não só os alunos em sala de aula,</p><p>mas também todos os que estão dispostos a filosofar.</p><p>livro</p><p>48</p><p>eu recomendo!</p><p>Merlí</p><p>Ano: 2016</p><p>Sinopse: Criada por Héctor Lozano e dirigida por Eduard Cortés, a</p><p>série em catalão tem três temporadas e cumpre muito bem com</p><p>sua premissa: mostrar como a Filosofia pode ser apaixonante e</p><p>divertida, sobretudo quando é conduzida por um professor nada</p><p>convencional em seus métodos de ensino.</p><p>filme</p><p>O Nome da Rosa</p><p>Ano: 1986</p><p>Sinopse: Uma adaptação da obra de Umberto Eco, que retrata</p><p>a Itália no ano 1327. O frei Guilherme de Baskerville recebe a</p><p>missão de investigar a ocorrência de heresias em um mosteiro</p><p>beneditino.</p><p>Comentário: Ótimo filme para apreciar os detalhes históricos da</p><p>época.</p><p>filme</p><p>Canal de vídeos do filósofo e educador Mario Sérgio Cortella, com vários</p><p>vídeos sobre o papel da Filosofia no cotidiano.</p><p>https://www.youtube.com/channel/UCyTS929PXJSUiBEFSzdypgg</p><p>Site da USP com vários links para acesso a conteúdo, artigos e discussões</p><p>de Sociologia.</p><p>http://ensinosociologia.fflch.usp.br/links</p><p>conecte-se</p><p>anotações</p><p>2</p><p>PLANO DE ESTUDO</p><p>A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade: • Pensamento e conceitos intro-</p><p>dutórios de Augusto Comte, Émile Durkheim, Karl Marx e Max Weber • Ciência Política • Antropologia.</p><p>OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM</p><p>• Conhecer os conceitos e os pensamentos de autores clássicos da sociologia: Augusto Comte, Émile</p><p>Durkheim, Karl Marx e Max Weber • Estudar conceitos fundamentais da Ciência Política • Compreender</p><p>conceitos importantes da Antropologia.</p><p>PRINCIPAIS ESCOLAS E</p><p>CONCEITOS DAS</p><p>Ciências Sociais</p><p>PROFESSOR</p><p>Esp. Pablo Araya Santander</p><p>INTRODUÇÃO</p><p>Caro(a) aluno(a), vimos, na Unidade 1, sobre o conceito e a origem da</p><p>Sociologia. Neste segundo momento, abordaremos, em primeiro lugar, a</p><p>figura de Augusto Comte, considerado um dos fundadores desse campo de</p><p>estudos. Posteriormente, dialogaremos sobre os três principais autores da</p><p>Sociologia Clássica, conhecidos carinhosamente como os “três porquinhos”</p><p>da Sociologia: Émile Durkheim, Karl Marx e Max Weber. Inevitavelmente,</p><p>se você decidir caminhar pela carreira acadêmica das Ciências Sociais, será</p><p>imprescindível aprofundar-se nesses autores. Não há como escapar. Eles</p><p>são de suma importância e suas ideias marcaram – e ainda trazem – muitas</p><p>respostas para a nossa realidade, mesmo nos dias de hoje.</p><p>Na verdade, existe amplo consenso na comunidade científica social, que</p><p>acredita que o trabalho intelectual desses pensadores representa o alicerce</p><p>da fase moderna da pesquisa empírica sociológica.</p><p>Brevemente, será abordada sobre a biografia de cada um dos autores</p><p>e suas influências acadêmicas. Em seguida, haverá uma breve menção e</p><p>explicação dos principais desenvolvimentos, mecanismos, conceitos, clas-</p><p>sificações e métodos especificamente elaborados por cada um deles para a</p><p>constituição da Sociologia enquanto ciência: as relações sociais de produ-</p><p>ção marxistas, o fato social durkheimiano e ação social weberiana.</p><p>Posteriormente, serão descritos alguns conceitos-chave da Ciência Po-</p><p>lítica (poder, Estado, democracia e cidadania) e da Antropologia (cultura,</p><p>etnocentrismo, relativismo cultural, cultura de massa e indústria cultural).</p><p>É preciso ressaltar que, de forma alguma, este estudo pretende tornar-se</p><p>um desenvolvimento exaustivo da impressão de cada um desses autores e</p><p>conceitos. A obra de cada um deles é muito ampla, profunda e complexa.</p><p>Contudo, de forma modesta e sintetizada, apenas desejo oferecer-lhe uma</p><p>primeira apresentação comparativa entre eles, pois são fundamentais, tam-</p><p>bém, para o nosso estudo.</p><p>U</p><p>N</p><p>ID</p><p>A</p><p>D</p><p>E</p><p>2</p><p>52</p><p>1</p><p>PENSAMENTO E CONCEITOS</p><p>INTRODUTÓRIOS</p><p>de Augusto Comte,</p><p>Émile Durkheim, Karl</p><p>Marx e Max Weber</p><p>Augusto Comte nasceu em Montpellier, no sul da</p><p>França, em 1798, em um período de crise social,</p><p>profundos abismos e sequelas de períodos anterio-</p><p>res, como a Revolução Industrial (com a invenção</p><p>das máquinas a vapor e as máquinas de costura), a</p><p>Revolução Francesa e a Universidade Napoleônica,</p><p>o rápido avanço das ciências naturais e o regime</p><p>do laissez-faire (expressão em francês, que remete</p><p>ao liberalismo na economia) na esfera econômica,</p><p>transformações que, ao mesmo tempo, levaram à</p><p>secularização e à racionalização do pensamento.</p><p>Figura 1 - Augusto Comte (1798-1857), pensador francês, fundador do Positivismo e da Sociologia</p><p>No decorrer do século XIX, em virtude da Revolução Científica e do Iluminismo,</p><p>surgiu, no contexto europeu, uma corrente epistemológica que tinha como ca-</p><p>racterística exaltar e valorizar o método científico para compreender os eventos</p><p>da natureza. Chamamos tal movimento de Positivismo.</p><p>O fato de acreditar que o método científico poderia trazer a solução para os</p><p>mais diversos problemas da sociedade fez com que Augusto Comte construísse</p><p>a ideia de uma Ciência da Sociedade. Por meio dela, poderiam tentar atravessar</p><p>U</p><p>N</p><p>IC</p><p>ES</p><p>U</p><p>M</p><p>A</p><p>R</p><p>53</p><p>o período turbulento em que se encontravam, aplicando as técnicas da ciência</p><p>para analisar os mecanismos da sociedade.</p><p>Augusto Comte é considerado, portanto,</p><p>o pai da Sociologia. Contudo, ele</p><p>mesmo começou a chamá-la, primeiramente, de Filosofia Positiva ou Física So-</p><p>cial, e, posteriormente, modificou o termo:</p><p>“ Acredito que devo arriscar, desde agora, este termo novo, sociologia,</p><p>exatamente equivalente à minha expressão, já introduzida, de física</p><p>social, a fim de poder designar por um nome único esta parte com-</p><p>plementar da filosofia natural que se relaciona com o estudo posi-</p><p>tivo do conjunto das leis fundamentais apropriadas aos fenômenos</p><p>sociais (COMTE apud MORAES FILHO, 1989, p. 61).</p><p>Comte estava inserido no mundo intelectual num momento em que preocupa-</p><p>ções e estudos sobre a sociedade e os fenômenos sociais estavam em ascensão.</p><p>Graças às suas grandes qualidades analíticas e de síntese, ele criou seu próprio</p><p>sistema filosófico e de política positivista ao aproveitar tudo o que foi proposto</p><p>por outros autores até então.</p><p>Segundo Comte, a anarquia que reinou na Europa depois da grande crise pro-</p><p>vocada pela Revolução Francesa se deu pelo fato de que os povos careciam de um</p><p>sistema universal de princípios. Seria necessário estabelecer, entre a população, a</p><p>harmonia necessária para cimentar uma ordem social comum, na qual os indiví-</p><p>duos pudessem desenvolver pacificamente suas atividades. É por isso que Comte se</p><p>propôs à missão de buscar um remédio, como se a desordem social fosse realmente</p><p>uma enfermidade e, tratou dessa questão de modo que fosse exatamente assim: um</p><p>cientista à procura da cura de uma doença; no caso, uma doença social.</p><p>Ele pensou ter encontrado uma nova Filosofia. As primeiras declarações sobre</p><p>essa nova ciência tornaram-se conhecidas por meio de vários ensaios publicados</p><p>entre 1816 e 1825. Nesse intervalo, ele estruturou uma série de ideias claramente</p><p>sistematizadas em seu famoso curso ensinado em Paris, que contou com a pre-</p><p>sença de intelectuais da época e que foi publicado entre 1830 e 1842, nos seis</p><p>volumes do Curso de Filosofia Positiva. O objetivo dessa nova ciência era:</p><p>1. Proporcionar – ao pensamento das pessoas como seres individuais e úni-</p><p>cos – um sistema de crenças para unificar o espírito coletivo.</p><p>2. Estabelecer um conjunto coordenado de regras sobre crenças comuns de</p><p>determinado sistema a ser analisado.</p><p>U</p><p>N</p><p>ID</p><p>A</p><p>D</p><p>E</p><p>2</p><p>54</p><p>3. Determinar uma organização política, que seria aceita por todos os indi-</p><p>víduos. Ela responderia a todas as aspirações intelectuais e preceitos mo-</p><p>rais. É claro que um sistema de crença só pode ser aceito por todos, se for</p><p>baseado em um tipo de conhecimento incontestável. Por isso, essa nova</p><p>Filosofia Positiva, tenta ser, antes de tudo, uma teoria do conhecimento</p><p>que se recusa a admitir outra realidade que não os fatos e, nada além</p><p>disso. Ela deveria dedicar-se exclusivamente à investigação da realidade,</p><p>rejeitando todo conhecimento a priori e toda especulação metafísica.</p><p>Comte sintetiza essa ideia:</p><p>“ Entendo por Física Social a ciência que tem por objeto próprio o</p><p>estudo dos fenômenos sociais, considerados com o mesmo espírito</p><p>que os fenômenos astronômicos, físicos, químicos e fisiológicos,</p><p>isto é, como submetidos a leis naturais invariáveis, cuja descoberta</p><p>é o objetivo especial de suas pesquisas. Propõe-se, assim, a explicar</p><p>diretamente, com a maior precisão possível, o grande fenômeno do</p><p>desenvolvimento da espécie humana, considerado em todas as suas</p><p>partes essenciais; isto é, a descobrir o encadeamento necessário de</p><p>transformações sucessivas pelo qual o gênero humano, partindo de</p><p>um estado apenas superior ao das sociedades dos grandes macacos,</p><p>foi conduzido gradualmente ao ponto em que se encontra hoje na</p><p>Europa civilizada. O espírito desta ciência consiste, sobretudo, em</p><p>ver, no estudo aprofundado do passado, a verdadeira explicação do</p><p>presente e a manifestação geral do futuro (COMTE, 1989, p. 53).</p><p>Lei dos três estados</p><p>Augusto Comte acreditava que a sociedade passava por fases ou estados e que,</p><p>nesse sentido, atravessaria de um estado mais atrasado ou primitivo para um</p><p>mais avançado, como se houvesse uma linha de progresso entre o início e o final.</p><p>O primeiro estado é o teológico. Aqui, a mente e os pensamentos são guiados</p><p>por conceitos religiosos. É um estado fictício, provisório e preparatório. Nele, a</p><p>mente procura as causas e os princípios das “coisas”, as mais profundas, longínquas</p><p>e inatingíveis. Existem três fases diferentes: fetichismo, no qual coisas são perso-</p><p>nificadas e a elas são atribuídas um poder mágico ou divino; politeísmo, em que</p><p>U</p><p>N</p><p>IC</p><p>ES</p><p>U</p><p>M</p><p>A</p><p>R</p><p>55</p><p>as atividades são removidas das coisas materiais para transferi-las a uma série de</p><p>divindades, cada uma apresentando um grupo de poderes: águas, rios, florestas</p><p>etc.; e monoteísmo, uma fase superior, na qual todos esses poderes divinos são</p><p>reunidos e concentrados em um chamado Deus.</p><p>Nesse estado, a imaginação predomina e corresponde à infância da humanida-</p><p>de. É também a disposição primária da mente, que recai em todas as épocas e apenas</p><p>uma evolução lenta pode fazer com que o espírito humano se separe dessa concep-</p><p>ção para passar para outra. O papel histórico do estado teológico é insubstituível.</p><p>O estado metafísico ou estado abstrato é essencialmente crítico e transitório.</p><p>É um estágio intermediário entre o estado teológico e o positivo. Nele, a busca é</p><p>pelo conhecimento absoluto. A metafísica tenta explicar a natureza dos seres, a sua</p><p>essência e as suas causas. Contudo, para isso, não recorre a agentes sobrenaturais,</p><p>mas a entidades abstratas. A mente, que outrora se preocupava com as questões</p><p>mais distantes, desta vez, aproxima-se cada vez mais das “coisas”. No estado anterior,</p><p>quando tudo se resumia a um conceito de Deus, aqui é a natureza, a grande entidade</p><p>geral que irá substituí-lo. Entretanto, esta unidade é mais fraca, tanto mental quanto</p><p>socialmente. O caráter do estado metafísico é, acima de tudo, crítico e negativo,</p><p>como uma preparação para a transição para o estado positivo; algo como uma</p><p>espécie de crise da puberdade no espírito humano antes de atingir a fase adulta.</p><p>O último é o estado positivo. Ele é real e definitivo. Nele, a imaginação está su-</p><p>bordinada à observação. A mente humana adere às “coisas”. O positivismo busca ape-</p><p>nas os fatos e as suas leis, não as causas ou os princípios das essências ou substâncias;</p><p>atém-se ao que é positivo, àquilo que está posto ou definido: é a filosofia dos dados.</p><p>Renuncia ao que é inútil, tenta conhecer e se fixa apenas nas leis dos fenômenos.</p><p>Figura 2 - Positivismo: ciência, acima de tudo</p><p>U</p><p>N</p><p>ID</p><p>A</p><p>D</p><p>E</p><p>2</p><p>56</p><p>Em síntese, a leis dos três estados do conhecimento busca demonstrar a evolução</p><p>do pensamento humano. Parte das crenças religiosas passa pela metafísica até</p><p>atingir o seu ápice, com a verdade dos fatos, obtida por meio da observação e do</p><p>que é possível provar pelo método científico.</p><p>Estática e Dinâmica Social</p><p>Comte dividiu o objeto de estudo da Sociologia em duas grandes áreas: a</p><p>Estática Social e a Dinâmica social, termos sinônimos de ordem e progres-</p><p>so, respectivamente. É por meio desses dois elementos que o autor pretendia</p><p>compreender as dinâmicas da sociedade.</p><p>A Estática Social, ou teoria das instituições, como a denomina, destaca o</p><p>consentimento universal ou a ordem social em determinado momento. A So-</p><p>ciologia tenta encontrar as leis que regulam essa ordem, que depende de muitos</p><p>fatores, como a raça, o clima, os instintos dos indivíduos, mas, principalmente,</p><p>das ideias, tendo em vista que elas são as promotoras da mudança.</p><p>A sociedade funcionaria como unidade orgânica. Não é exatamente como um</p><p>organismo, mas se parece muito com ele. Os órgãos sociais são as instituições, sendo</p><p>os primordiais: a religião, a família, a educação e a política econômica. Instituições</p><p>são definidas como as menores unidades sociais potencialmente autossuficientes.</p><p>Na sociedade, três tipos diferentes de forças agiriam simultaneamente: a mate-</p><p>rial, a intelectual e a moral. Seriam elas que proporcionariam dinâmica à estrutura</p><p>da sociedade. Essas forças ou esses</p><p>poderes seriam baseados, respectivamente,</p><p>em força, razão e afeição. O poder material se concentraria nos ricos, o poder</p><p>intelectual nos sábios e o poder moral estaria com as mulheres. Os dois últimos se</p><p>combinariam para constituir apenas um poder, que, sob a qualificação espiritual,</p><p>estaria destinado a modificar o poder material.</p><p>A complexidade e a integração da estrutura social são baseadas na divisão do</p><p>trabalho, na qual existem relações de solidariedade, cooperação e subordinação,</p><p>com as variações determinadas pelas diferenças naturais dos indivíduos.</p><p>Em síntese, a Estática Social enfatiza o consentimento universal que as di-</p><p>ferentes partes que formam a ordem social têm entre si. Por isso, é importante</p><p>observar e descobrir as leis que regulam a ordem social, que está correlacio-</p><p>nada com a ordem do intelecto.</p><p>U</p><p>N</p><p>IC</p><p>ES</p><p>U</p><p>M</p><p>A</p><p>R</p><p>57</p><p>Émile Durkheim</p><p>Émile Durkheim, nascido em 1858, na França, também veio de uma família de</p><p>origem judaica e foi filósofo sociólogo e antropólogo. Seu trabalho mais influente</p><p>para a formação da Sociologia diz respeito às regras do método sociológico (1895).</p><p>Regras do Método Sociológico</p><p>Comte, Marx e outros teóricos contemporâneos lançaram as bases para o de-</p><p>senvolvimento da Sociologia, mas em sua época, ela ainda não tinha o status de</p><p>uma disciplina formal nem estava elencada como disciplina nas universidades.</p><p>Ela precisava ganhar um lugar na academia, ao lado das Ciências Naturais. O</p><p>trabalho de Durkheim na França foi um avanço nesse sentido.</p><p>Inspirado no ambiente positivista e no progresso de Auguste Comte, Dur-</p><p>kheim propôs a implementação da abordagem positiva para o estudo racional</p><p>dos fenômenos sociais, abandonando o método especulativo filosófico apoiado</p><p>na imaginação. Desejava analisar os fenômenos sociais a partir da perspectiva</p><p>das leis naturais. Para este pensador, a vontade humana não seria capaz de</p><p>modificar a sociedade porque tem suas próprias leis, que só seriam descobertas</p><p>pela ciência. Apenas por meio do método sociológico seria possível ter uma</p><p>previsão científica e agir sobre ela no futuro.</p><p>Fato Social</p><p>A partir de sua abordagem positivista, ele propôs pensar a Sociologia em termos</p><p>equivalentes à Biologia, na qual procurava estabelecer uma analogia necessária</p><p>entre o vital e o social. O método sociológico deveria, portanto, imitar o biológico,</p><p>fundamentado em pura observação, experimentação e comparação. As diretrizes</p><p>do chamado monismo metodológico estavam presentes nesta perspectiva, o</p><p>qual defendia apenas um modelo científico válido para todas as disciplinas, o das</p><p>Ciências Naturais, que objetivava a constituição de leis ou as afirmações gerais</p><p>de alcance abrangente pela observação e experimentação.</p><p>O próximo passo seria então, o de formular um primeiro programa de pesquisa</p><p>para a Sociologia como disciplina institucionalizada. Durkheim a organizou em três</p><p>U</p><p>N</p><p>ID</p><p>A</p><p>D</p><p>E</p><p>2</p><p>58</p><p>partes principais: a) o debate com autores clássicos e contemporâneos; b) a fixação</p><p>do objeto e método da Sociologia; e 3) sua aplicação prática para resolver as crises</p><p>sociais. Este pensador concebia a Sociologia como uma ciência de dimensão emi-</p><p>nentemente prática, capaz de diagnosticar males sociais e, portanto, de impedi-los</p><p>também, além de propor alternativas para o futuro, sob uma forma rigorosa de</p><p>acesso ao conhecimento, longe da Filosofia Social e de meros achismos metafísicos.</p><p>Como bom empirista que era, Durkheim atribuiu à Sociologia o estudo das</p><p>realidades, isto é, dos fatos sociais, buscando construir uma ciência factualista e</p><p>afastada de ideologias. Acreditava que, para esclarecer os fatos sociais, era neces-</p><p>sário abster-se e despir-se de todos os preconceitos e perspectivas pessoais, para</p><p>não influenciar o resultado final da pesquisa metodológica. A seguir, observe a</p><p>definição do autor sobre fato social:</p><p>“ É fato social toda maneira de fazer, fixada ou não, suscetível de exer-</p><p>cer sobre o indivíduo uma coerção exterior; ou, ainda, toda maneira</p><p>de fazer que é geral na extensão de uma sociedade dada e, ao mesmo</p><p>tempo, possui uma existência própria, independente de suas mani-</p><p>festações individuais (DURKHEIM, 2007, p.13).</p><p>De acordo com a sua definição, para serem considerados fatos sociais, os eventos</p><p>da vida em sociedade deveriam ter, obrigatoriamente, três características: coerção,</p><p>exterioridade e generalidade. Por coerção, podemos entender que todo ser humano,</p><p>para viver em sociedade, precisa respeitar e seguir um conjunto de regras preestabe-</p><p>lecidas impostas pelo grupo social ao qual ele pertence, como se fosse uma pressão</p><p>coercitiva imposta ao indivíduo, mesmo que seja contra a sua vontade. Você não</p><p>pode fazer o que bem quer, não é verdade? Temos, em cada época, por exemplo, uma</p><p>forma própria de vestimenta. Na maio-</p><p>ria dos casos, submetemo-nos ao que</p><p>a moda do momento diz o que deve-</p><p>mos usar. Se não me visto dessa forma,</p><p>sou ridicularizado pelos demais. É um</p><p>tipo de punição por não estar vestido</p><p>como a maioria. Pois bem: quando os</p><p>homens se opõem a certas regras, sur-</p><p>gem as punições sociais para possibili-</p><p>tar a convivência harmoniosa mínima.</p><p>Figura 3 - Apontamentos surgem quando</p><p>não nos submetemos às regras sociais</p><p>U</p><p>N</p><p>IC</p><p>ES</p><p>U</p><p>M</p><p>A</p><p>R</p><p>59</p><p>A exterioridade é a segunda característica do fato social. Nela, constrói-se a</p><p>ideia de que existem realidades que se manifestam fora das consciências indivi-</p><p>duais. Situações que estavam além do pesquisador, que lhe eram impostas desde</p><p>o mundo material, antes de seu nascimento, e próprias da consciência comum</p><p>ou coletiva. Existem, portanto, fatos que não dependem da nossa consciência ou</p><p>atitude individual, simplesmente são exteriores a nós e não temos como interferir</p><p>para que desapareça. Por exemplo: quando nascemos, já temos ao nosso redor</p><p>uma estrutura de dinâmicas sociais que estava ali antes mesmo de nascermos.</p><p>Quando começamos a estudar, toda a estrutura educacional já está formada.</p><p>Entramos na pré-escola, depois seguimos para o ensino fundamental, ensino</p><p>médio, faculdade, especializações e tudo isso já estava funcionando de acordo</p><p>com as suas próprias estruturas. Não há como fugir.</p><p>Na generalidade, nota-se que o fato social precisa ter uma representação cole-</p><p>tiva. Para que seja analisado com a regra do método científico de Durkheim, o fato,</p><p>para ser social, precisa, necessariamente, apresentar uma forte representatividade</p><p>no grupo. Além disso, ele se repete em todos os indivíduos porque lhes é imposto.</p><p>Solidariedade Mecânica e Solidariedade Orgânica</p><p>De acordo com Durkheim, Solidariedade Mecânica e Solidariedade Orgânica</p><p>são conceitos relacionados à divisão do trabalho nas sociedades. Nesse sentido,</p><p>são teorias sobre o modo de como os sistemas de colaboração e cooperação são</p><p>estabelecidos entre os indivíduos de acordo com as necessidades e capacidades</p><p>de cada um. A partir dessa teoria, Durkheim buscou explicar como a divisão do</p><p>trabalho é a principal fonte de solidariedade social nas comunidades.</p><p>A Solidariedade Mecânica é aquela que ocorre em sociedades com pouca</p><p>ou nenhuma divisão no trabalho, nas quais as funções são geralmente as mesmas</p><p>para todas as pessoas, independentemente de seu estado ou de sua condição</p><p>social. Nesse sentido, os vínculos de cooperação e colaboração são estabelecidos</p><p>entre os indivíduos para a realização de tarefas ou o cumprimento de objetivos</p><p>que não demandam capacidades especiais. Por isso, é o tipo mais primitivo de so-</p><p>lidariedade, que normalmente acontece em contextos rurais e familiares, apoiado</p><p>em um sentimento de união, produto do senso de igualdade entre os indivíduos</p><p>e de uma comunidade de crenças e sentimentos.</p><p>U</p><p>N</p><p>ID</p><p>A</p><p>D</p><p>E</p><p>2</p><p>60</p><p>A Solidariedade Orgânica é aquela que acontece nas sociedades que têm</p><p>divisão acentuada do trabalho. Portanto, é característico das sociedades capi-</p><p>talistas modernas, em que os indivíduos se especializam em diferentes tarefas</p><p>e conhecimentos, o que gera uma rede de interdependências na qual todas as</p><p>pessoas precisam dos serviços</p><p>ou conhecimentos dos outros. Nesse sentido, a soli-</p><p>dariedade orgânica estabelece um sistema de relações funcionais, quando os laços</p><p>de cooperação entre os indivíduos são produzidos com base nos conhecimentos</p><p>e nas soluções que cada um pode proporcionar para as necessidades do outro.</p><p>Anomia</p><p>A organização de um grupo social é apresentada com uma grande relevância para</p><p>as Ciências Sociais e, em particular, para a Sociologia. Suas características afetam</p><p>diretamente o modo como os indivíduos desenvolverão suas vidas, as regras que</p><p>terão de respeitar e os costumes que devem continuar para não se sentirem excluídos.</p><p>Muito tem sido escrito em relação à organização da sociedade e à manei-</p><p>ra como afeta a vida dos indivíduos. Durkheim afirmou que a sociedade é a</p><p>responsável por integrar os indivíduos que dela fazem parte e por regular seus</p><p>comportamentos a partir do estabelecimento de certas normas e padrões. O autor</p><p>argumentou que, se a sociedade cumpre isso adequadamente – tanto a comuni-</p><p>dade quanto cada um de seus membros –, alcançará uma ordem estável que lhes</p><p>permitirá desenvolver-se de forma plena. Quando isso não acontece, a sociedade</p><p>cai em uma situação de anomia, ou seja, perde a força para regular e integrar</p><p>indivíduos, e por conta disso, muitas consequências adversas podem ocorrer,</p><p>como o suicídio, amplamente estudado por este autor.</p><p>O trabalho de Durkheim sobre a modernidade, contexto no qual a anomia é</p><p>apresentada, exibe várias posturas. Em alguns casos, o autor considera a moder-</p><p>nidade como uma fonte de riqueza e interdependência, para que os indivíduos</p><p>possam desenvolver-se plenamente. Em outros, ao contrário, considera esse tem-</p><p>po de maneira negativa, pois a diversidade pode gerar angústia e preocupação,</p><p>além de ser marcada pela subjetividade e pela incerteza.</p><p>Durkheim definiu a sociedade como o conjunto de sentimentos, ideias,</p><p>crenças e valores que surgem da organização individual. Segundo o pensador,</p><p>essa sociedade cumpre duas funções: a de integrar os indivíduos entre si e a de</p><p>U</p><p>N</p><p>IC</p><p>ES</p><p>U</p><p>M</p><p>A</p><p>R</p><p>61</p><p>regular as relações entre eles. Quando a segunda não é exercida adequadamente,</p><p>os indivíduos se encontram em uma situação de anomia, o conceito que ocupa</p><p>papel central em seu trabalho.</p><p>O autor fez uma análise da transformação da sociedade como consequência</p><p>da mudança do modelo econômico e produtivo, isto é, da chegada do capitalismo</p><p>e da industrialização. A sociedade da modernidade parece marcada por uma</p><p>grande variedade de interesses, crenças e pensamentos, assim como pela divisão</p><p>do processo produtivo. Nessa perspectiva, a anomia se refere à ausência de um</p><p>conjunto de regras que governam as relações entre as diversas funções sociais, que</p><p>se tornam provenientes da divisão do trabalho e da especialização, características</p><p>da modernidade. Dado que essa transformação foi rápida e profunda, a sociedade</p><p>passa por uma crise de transição devido ao fato de que os padrões tradicionais de</p><p>organização e regulação foram deixados para trás e não houve tempo suficiente</p><p>para outros acordos e regras surgirem com as novas necessidades apresentadas.</p><p>No decorrer da sua obra, o autor argumentou que as duas situações em que</p><p>há sinais claros de anomia estão na esfera econômica e na que advém da situação</p><p>conjugal. Ambas são as que mais contribuem para a taxa de suicídios, segundo</p><p>a teoria durkheimiana. Em relação à primeira área (econômica), a anomia é de-</p><p>rivada, como se argumenta na Divisão Social do Trabalho – livro lançado em</p><p>1893 –, pela mudança acelerada nos sistemas produtivos. As normas, que antes</p><p>serviam para organizar o grupo, tornaram-se obsoletas e não foram substituídas</p><p>por outras capazes de responder adequadamente às novas condições.</p><p>A ausência de regras representa um problema sério (por não haver limites</p><p>para que os indivíduos suponham alcançar qualquer coisa que desejem), o que</p><p>gera alto grau de frustração ante a não realização de suas expectativas.</p><p>Por conseguinte, Durkheim também apontou uma anomia conjugal, que tem</p><p>a ver com o enfraquecimento do casamento, como aconteceu com o restante das</p><p>instituições sociais. Para ele, o casamento é uma fonte de estabilidade, especialmente</p><p>para o homem que, segundo ele, é dominado, desde cedo, por desejos e paixões. Ao</p><p>contrair o casamento, o homem entra em uma instituição que coloca limites em</p><p>suas ações, dá-lhe a estabilidade e a ordem que até aquele momento lhe faltavam.</p><p>Todavia, o casamento tem efeito oposto para a mulher. Esta não é dominada</p><p>pelas paixões características do homem e, portanto, não é necessário que uma</p><p>instituição lhe imponha limites, ao contrário, o casamento é apresentado como</p><p>uma forma de regulamentação excessiva que a faz sentir-se presa e frustrada.</p><p>U</p><p>N</p><p>ID</p><p>A</p><p>D</p><p>E</p><p>2</p><p>62</p><p>Figura 4 - Para Durkheim, o casamento é uma forma de regulamentação</p><p>Se as regras da moral conjugal estão enfraquecidas, conforme têm acontecido</p><p>com a transformação das instituições sociais tradicionais, os deveres pelos quais</p><p>os cônjuges estão sujeitos uns aos outros serão menos respeitados. As paixões</p><p>e os apetites que esta instituição da moralidade regula serão desequilibrados</p><p>devido à falta de regulação. Os envolvidos, incapazes de apaziguar-se, sofrerão</p><p>desencanto e, com isso, a taxa de suicídio aumentará. O homem, acima de tudo,</p><p>deixará de sentir-se satisfeito com a mulher que tem ao seu lado e as paixões que</p><p>tinha, quando solteiro, reaparecerão.</p><p>Como podemos observar, a anomia é, para Durkheim, um mal crônico que se</p><p>caracteriza pela falta de limites às ações individuais, seja porque não existem regras</p><p>que as regulam, seja porque não há forças coletivas capazes de sustentá-las como tal.</p><p>Suicídio</p><p>Durkheim lidou com o suicídio como fato social. Isso quebra a tendência tra-</p><p>dicional de considerá-lo como fenômeno estritamente individual e, portanto,</p><p>apenas como objeto da psicologia ou da moralidade.</p><p>Para chegar a essa conclusão, o autor trabalhou com a taxa anual de suicídio,</p><p>que existe em vários países europeus desde a década de 60 do século XIX. Ao</p><p>analisar essas taxas, notou que estas tendiam a permanecer constantes ou com</p><p>pequenas mudanças durante longos períodos de tempo. Ele também percebeu</p><p>que a taxa de suicídio difere entre países e entre comunidades sociais.</p><p>U</p><p>N</p><p>IC</p><p>ES</p><p>U</p><p>M</p><p>A</p><p>R</p><p>63</p><p>A primeira causa de morte por atos de violência no mundo não são os acidentes de trân-</p><p>sito, os homicídios nem os conflitos armados, mas o suicídio. Esse dado desconcertante</p><p>foi revelado em outubro de 2002, em Bruxelas, numa reunião da Organização Mundial de</p><p>Saúde (OMS) para divulgar as conclusões do Relatório Mundial sobre Violência e Saúde.</p><p>As mortes por suicídio aumentaram 60% nos últimos 45 anos, segundo a OMS. Quase um</p><p>milhão de pessoas se mata todos os anos – em um universo até 20 vezes superior de ten-</p><p>tativas. Na maioria dos países desenvolvidos, a violência autoinfligida é a primeira causa</p><p>de morte não natural. No Brasil, ela ocupa a terceira posição – aqui as taxas de mortalida-</p><p>de por acidentes de trânsito e homicídios estão entre as maiores do mundo.</p><p>Fonte: Christante (2010, p. 33-35).</p><p>explorando Ideias</p><p>Ele dá o exemplo de como havia menos suicídios na comunidade católica, com-</p><p>parados às comunidades protestantes. Contudo, entre os judeus, as taxas eram</p><p>ainda menores do que entre os católicos. A partir disso, deduziu que o suicídio</p><p>é, antes de tudo, um fato social e que as suas causas são sociais e não individuais</p><p>ou puramente psicológicas, como era explicado até aquele momento. Durkheim</p><p>propôs identificar as diferentes causas sociais do suicídio. A partir disso, distin-</p><p>guiu quatro tipos de suicídio, de acordo com os resultados estudados. São eles:</p><p>• Suicídio egoísta: acontece quando os laços sociais são muito fracos. Na</p><p>ausência da integração na sociedade, o suicida realiza sua vontade de</p><p>cometer suicídio pelo sentimento de não pertencimento à sociedade. Seu</p><p>individualismo excessivo, produto da desintegração social, não permite</p><p>que ele se perceba como indivíduo</p><p>social que é.</p><p>• Suicídio altruísta: é exatamente o oposto do tipo egoísta ou individua-</p><p>lista. O suicida se sente “demasiadamente integrado”, pois as relações e os</p><p>laços são muito fortes. Durkheim dá o exemplo de povos primitivos, em</p><p>que os idosos deveriam cometer suicídio (quase que obrigatoriamente)</p><p>quando não podiam mais defender-se sozinhos. Suicidavam-se pelo gru-</p><p>po. Os kamikazes japoneses e os homens-bomba são exemplos desse tipo.</p><p>É também chamado de suicídio heroico.</p><p>• Suicídio anômico: ocorre em sociedades cujas instituições e os vínculos</p><p>de convivência estão em situação de desintegração ou anomia. Esse tipo</p><p>de suicídio ocorre em sociedades em que os limites sociais e naturais são</p><p>mais flexíveis, isto é, quando há falta de regulação social.</p><p>U</p><p>N</p><p>ID</p><p>A</p><p>D</p><p>E</p><p>2</p><p>64</p><p>• Suicídio fatalista acontece quando as regras às quais os indivíduos são</p><p>submetidos são excessivamente opressoras. O indivíduo prefere a pos-</p><p>sibilidade de abandonar a situação em que se encontra. É exatamente o</p><p>oposto do tipo anômico.</p><p>Esses quatro modelos suicidas, na realidade, conforme Durkheim aponta, estão</p><p>relacionados entre si, criando tipos compostos que explicam os diferentes casos.</p><p>Karl Marx</p><p>Karl Marx nasceu em 1818 na Prússia, então rei-</p><p>no alemão, em uma família de origem judaica, de</p><p>classe média alta e educada. Posteriormente, seu</p><p>pai se converteu ao luteranismo. Foi economis-</p><p>ta, filósofo, jurista, jornalista, pensador socialista</p><p>e militante comunista. Ele nunca se considerou</p><p>um sociólogo profissional, embora buscasse</p><p>compreender cientificamente a sociedade e a for-</p><p>ma pela qual a mudança social acontecia. Dois de</p><p>seus trabalhos mais importantes no desenvolvi-</p><p>mento sociológico foram: Contribuição à Crítica</p><p>da Economia Política (1859) e O Capital (1867).</p><p>Marxismo</p><p>Chamamos de marxismo o conjunto de ideias políticas, econômicas e filosóficas</p><p>que nascem com o trabalho de Karl Marx. É uma doutrina ou um corpo ideológico</p><p>que dialoga com as três fontes ideológicas mais avançadas da Europa do século XIX:</p><p>o socialismo francês (Saint-Simon, Fourier, Proudhon), a filosofia clássica alemã</p><p>(Feuerbach, Hegel) e a economia política inglesa (David Ricardo, Adam Smith).</p><p>Friedrich Engels chamou o marxismo ou o comunismo de “socialismo cien-</p><p>tífico”, para diferenciá-lo dos socialismos pequeno-burgueses ditos “moderados”,</p><p>do socialismo utópico francês ou do socialismo anarquista. Hoje, faz parte da</p><p>ideologia dos principais movimentos trabalhistas de todo o mundo.</p><p>Figura 6 - Karl Marx</p><p>U</p><p>N</p><p>IC</p><p>ES</p><p>U</p><p>M</p><p>A</p><p>R</p><p>65</p><p>Marx criticou todos os filósofos antes dele, que se limitaram a apenas inter-</p><p>pretar o mundo, quando deveriam contribuir para sua transformação. No ideário</p><p>comunista, é nítido o fato de que não basta fazer perguntas sobre a realidade</p><p>para entendê-la. É preciso transformá-la. É vital que a classe trabalhadora e, es-</p><p>pecialmente, o aluno e os jovens que começarão a trabalhar, mantenham atitude</p><p>de lutar com espírito internacionalista e tenham a formação política necessária</p><p>para fazer uma crítica contundente ao sistema capitalista.</p><p>O movimento comunista não emergiu de Marx, mas do movimento proletário</p><p>do século XIX. Marx morreu em plena atividade pela busca do seu ideal político. Isso</p><p>significa que devemos considerar todos os outros autores que contribuíram para o</p><p>marxismo – como Engels, Lenin, Trotsky, Rosa de Luxemburgo, Ernesto Guevara</p><p>e Antônio Gramsci). Por isso, o movimento não deve ser aceito como um dogma</p><p>inflexível, mas usado para analisar a realidade em constante transformação. Além</p><p>disso, o marxismo pode ter a sua teoria ressignificada pelas conclusões que a classe</p><p>trabalhadora extrai das suas novas condições materiais de trabalho, dos movimentos</p><p>emancipatórios das mulheres, das raças e das comunidades oprimidas, entre outros.</p><p>Materialismo Histórico</p><p>Karl Marx concebeu a História a partir de uma visão materialista. Isto é, ele con-</p><p>siderou que tanto as relações jurídicas quanto as formas de Estado não poderiam</p><p>ser entendidas por si mesmas ou pela evolução geral do espírito humano, mas</p><p>considerando suas raízes nas condições materiais da existência, isto é, nas forças</p><p>produtivas – os instrumentos tecnológicos de trabalho, as habilidades laborais e,</p><p>principalmente, o sujeito social que exercia o trabalho sobre a natureza e a socie-</p><p>dade – e nas relações sociais de produção – os vínculos sociais que se estabeleciam</p><p>entre os seres humanos para produzir e reproduzir sua vida material e cultural, e</p><p>que, no modo de produção capitalista, expressavam a contradição antagônica entre</p><p>os detentores dos meios de produção e os detentores da força de trabalho.</p><p>Assim, as causas de todas as transformações históricas não foram encontra-</p><p>das nas mudanças no campo das ideias dos seres humanos, nem foram primor-</p><p>dialmente mudanças políticas, mas giraram sempre em torno do poder social</p><p>e econômico das classes. Essas, por sua vez, nasceram e existiram a partir das</p><p>condições materiais em que a sociedade de uma época produziu e mudou o que</p><p>era necessário para o seu sustento.</p><p>U</p><p>N</p><p>ID</p><p>A</p><p>D</p><p>E</p><p>2</p><p>66</p><p>Essas forças produtivas e as relações de produção pertenciam a um cer-</p><p>to modo de produção de determinada época, e se encontravam inseridas na</p><p>estrutura econômica ou na sociedade civil. Todas as outras questões, tanto</p><p>ideológicas (visões de mundo e cultura) quanto políticas (leis, instituições go-</p><p>vernamentais e poder coercitivo), pertenciam ao âmbito da superestrutura</p><p>ideológico-política, que estava condicionada e a serviço das necessidades de</p><p>reprodução da estrutura material econômica.</p><p>Qualquer produto fabricado pelo homem é o resultado da combinação de</p><p>três elementos: o objeto do trabalho que é, direta ou indiretamente, uma maté-</p><p>ria-prima produzida pela natureza; o instrumento de trabalho, que é um meio</p><p>de produção mais ou menos desenvolvido e criado pelo homem (dos primeiros</p><p>tacos de madeira e machados de pedra esculpida às máquinas automáticas mais</p><p>refinadas de hoje); e o sujeito do trabalho, isto é, o trabalhador. Como o trabalho</p><p>é sempre, em última instância, social e não individual, o sujeito do trabalho está</p><p>inevitavelmente embutido nas relações sociais de produção.</p><p>Embora o objeto e o instrumento de trabalho sejam elementos imprescindí-</p><p>veis em toda a produção, as relações sociais de produção não podem ser concebi-</p><p>das de maneira “reificada”, ou seja, não devem ser vistas como se fossem relações</p><p>entre coisas, ou entre homens e coisas. As relações sociais de produção dizem</p><p>respeito às relações entre os homens e somente isso. Elas reúnem o conjunto de</p><p>relações que os homens constroem na produção de sua vida material.</p><p>Cada sociedade de determinado país, em um dado momento, é sempre ca-</p><p>racterizada por um conjunto de relações de produção. Uma sociedade sem este</p><p>conjunto, seria um país sem trabalho ou produção de materiais, isto é, um país</p><p>sem habitantes ou sociedade. Entretanto, cada conjunto de relações sociais de</p><p>produção não implica necessariamente na existência de um modo de produção</p><p>estabilizado, nem a homogeneidade dessas relações.</p><p>Em períodos históricos de profundas transformações sociais, podemos reco-</p><p>nhecer conjuntos de relações de produção que não têm a natureza de um modo</p><p>de produção estabilizado. Um exemplo típico é o período de predominância da</p><p>pequena produção de mercadorias (séculos XV-XVI), em que nem as relações</p><p>entre servos e senhores prevalecem, nem a de capitalistas e produtores assala-</p><p>riados. Prevaleceu, neste momento, a relação dos produtores livres que tinham</p><p>acesso direto aos meios de produção.</p><p>Marx fez uma análise profunda da estrutura e do desenvolvimento do ca-</p><p>pitalismo, oferecendo uma nova teoria da sociedade e mudança social. Como</p><p>intelectual revolucionário, desenvolveu uma busca teórica para fundamentar uma</p><p>U</p><p>N</p><p>IC</p><p>ES</p><p>U</p><p>M</p><p>A</p><p>R</p><p>67</p><p>prática de transformação revolucionária da sociedade, buscando integrar teoria</p><p>e prática. Sua obra se caracteriza como uma ruptura com os escritos filosóficos</p><p>até aquele momento, pois</p><p>se limitaram a apenas interpretar o mundo quando, na</p><p>verdade, ele precisava ser transformado.</p><p>Luta de classes</p><p>No decorrer da história, sempre houve confronto entre as classes. Nas sociedades</p><p>escravistas (Grécia e Roma na Antiguidade), os proprietários livres e os escravos</p><p>tinham uma relação antagônica. No seio da sociedade do Estado feudal, o con-</p><p>fronto foi estabelecido entre nobres e eclesiásticos, por um lado, e servos, por</p><p>outro. Marx não se gabava de ter descoberto o conceito de classes sociais, apenas</p><p>o considerava inserido nas relações de trabalho:</p><p>“ Não me cabe o mérito de ter descoberto a existência das classes na</p><p>sociedade moderna ou a luta entre elas. Muito antes de mim, alguns</p><p>historiadores burgueses tinham exposto o desenvolvimento históri-</p><p>co desta luta de classes e alguns economistas burgueses a anatomia</p><p>econômica das classes. O que eu fiz de novo foi demonstrar: 1) que a</p><p>existência das classes está ligada apenas a determinadas fases históri-</p><p>cas do desenvolvimento da produção, 2) que a luta de classes conduz</p><p>necessariamente à ditadura do proletariado, 3) que esta mesma dita-</p><p>dura constitui tão somente a transição para a abolição de todas as clas-</p><p>ses e para uma sociedade sem classes (MARX; ENGELS, 2016, p 33).</p><p>Figura 8 - Trabalhadores em greve</p><p>U</p><p>N</p><p>ID</p><p>A</p><p>D</p><p>E</p><p>2</p><p>68</p><p>A revolução teria como objetivo alcançar uma sociedade perfeita, na qual não</p><p>haveria exploradores nem explorados. Para isso, a abolição da propriedade priva-</p><p>da, ou seja, a socialização dos meios de produção, será imprescindível, evitando</p><p>a mera substituição dos antigos proprietários por novos.</p><p>Mais-valia</p><p>Em suma, mais-valia significa o excedente de trabalho não pago e que os bur-</p><p>gueses se apropriam. Esse valor poderia ser definido como trabalho não pago ao</p><p>trabalhador, o qual permanece nas mãos do capitalista, que tem, na mais-valia, a</p><p>base da sua acumulação monetária.</p><p>Para entender a noção de mais-valia, devemos levar em conta que cada mer-</p><p>cadoria tem o seu preço correspondente, que está relacionado ao tempo de tra-</p><p>balho necessário para sua produção. A força de trabalho também é considerada</p><p>pelo marxismo como uma mercadoria, cujo valor está ligado ao custo para que</p><p>o trabalhador possa subsistir.</p><p>A apropriação de mais-valia é a exploração pelo capitalismo. De acordo com</p><p>Marx, o capitalista pode aumentar o nível de exploração por meio da maximiza-</p><p>ção da mais-valia absoluta (estender a jornada de trabalho, mantendo o mesmo</p><p>salário) ou da mais-valia relativa (investe em tecnologia para reduzir o tempo</p><p>de produção sem aumentar o salário).</p><p>Este conceito é essencial para compreender as relações sociais na perspectiva</p><p>marxista, gera tensão e oposição entre as classes.</p><p>Max Weber</p><p>Considerado por muitos como um dos fundado-</p><p>res da Sociologia moderna, juntamente com Karl</p><p>Marx e Émile Durkheim, o sociólogo e historia-</p><p>dor alemão Max Weber, nasceu em 21 de abril de</p><p>1864 em Erfurt, Alemanha. Filho de um oficial</p><p>rico e liberal e uma mãe calvinista e religiosa, sua</p><p>vida transitou entre o mundo acadêmico e a polí-</p><p>tica em uma época em que a Alemanha, a Europa Figura 9 - Max Weber</p><p>U</p><p>N</p><p>IC</p><p>ES</p><p>U</p><p>M</p><p>A</p><p>R</p><p>69</p><p>e o mundo todo estavam em plena ebulição: testemunhou o nascimento do Im-</p><p>pério Alemão em 1871 e sua extinção em 1918 após a Primeira Guerra Mundial.</p><p>Do mesmo modo, ele viveu o apogeu da expansão territorial europeia na África</p><p>e na Ásia e a Segunda Revolução Industrial.</p><p>Como um grande observador das inovações de seu tempo, ele concentrou</p><p>seu trabalho em duas mudanças cruciais: o nascimento de estados-nações mo-</p><p>dernos baseados em uma burocracia profissional e a expansão do capitalismo</p><p>ocidental em todo o mundo.</p><p>Weber defendia que a Sociologia não poderia tornar-se uma ciência exata</p><p>comparável à matemática ou à física, uma vez que os princípios nos quais ela se</p><p>baseava eram humanos, portanto suscetíveis de serem subjetivos e não objetivos.</p><p>Da mesma forma, Weber desenvolveria o que mais tarde seria conhecido</p><p>como “individualismo metodológico”, assegurando que apenas indivíduos, igual-</p><p>mente suscetíveis à subjetividade, são agentes ativos. Seu método e o problema</p><p>da modernidade levaram Weber a explorar as relações entre a produtividade</p><p>econômica e o contexto cultural da sociedade.</p><p>Ação social</p><p>De acordo com Weber, ação é entendida como um comportamento humano</p><p>em que o indivíduo, ou indivíduos, que o produzem o estabelecem com um</p><p>sentido subjetivo. Para a Sociologia, a ação social se refere, de maneira geral, a</p><p>uma conduta individual orientada pelas ações do outro, que podem acontecer</p><p>no presente ou no futuro próximo. Ela só se realiza quando há uma intenção de</p><p>relacionamento entre um ser humano e outro. Por exemplo: comprar um carro</p><p>a partir da opinião de outra pessoa.</p><p>Para definir diferentes tipologias de ação social, Weber enfatizou a indisso-</p><p>ciabilidade entre a sociedade e os fatores culturais que a afetam. A metodologia</p><p>para classificar os tipos de ação parte de um princípio que se baseia nas causali-</p><p>dades culturais, que supõem a previsibilidade das ações: 1. A ação racional com</p><p>relação a fins; 2. A ação racional com relação aos valores; 3. A ação afetiva; 4. A</p><p>ação tradicional. Cada tipo de ação ou comportamento emitido pelo indivíduo</p><p>parte de valores, objetivos propostos e valores e meios que ele possui.</p><p>1. A ação racional com relação a fins – agir racionalmente de acordo com</p><p>os fins desejados. Nesta ação, os meios são racionalmente calculados para</p><p>U</p><p>N</p><p>ID</p><p>A</p><p>D</p><p>E</p><p>2</p><p>70</p><p>serem atingidos. Por exemplo: o aluno terá uma prova. Ele usa o estudo</p><p>como meio racional para tirar uma boa nota.</p><p>2. A ação racional com relação aos valores – é uma ação advinda de cren-</p><p>ças em valores individuais adquiridos ao longo da vida e dos contextos</p><p>sociais e culturais vividos. Não é o fim que orientará a ação. Por exemplo:</p><p>minha religião afirma que tenho que casar virgem.</p><p>3. A ação afetiva – determinada por afetos e estados sentimentais atuais.</p><p>Por exemplo: encontro um(a) amigo(a) e o(a) encontro(a) abraçá-lo(a),</p><p>movido pelo sentimento afetivo da saudade.</p><p>4. A ação tradicional – determinada por costume, tradição e hábito forte-</p><p>mente enraizado. Por exemplo: todos os domingos, almoço macarronada,</p><p>porque meus pais sempre fizeram assim.</p><p>A ética protestante e o espírito do capitalismo</p><p>O livro A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo (1904-1905) é uma das</p><p>obras mais conhecidas de Max Weber. Nesse estudo, o autor elaborou a argumen-</p><p>tação de que os valores presentes na religião protestante influenciaram grande-</p><p>mente o desenvolvimento do capitalismo no mundo ocidental.</p><p>É uma característica do pensamento de Max Weber a crítica à concepção</p><p>materialista da história. Para o sociólogo alemão, não são apenas os interesses</p><p>econômicos que determinam a evolução histórica, o movimento das classes e as</p><p>grandes correntes sociais. Os fatores psicológicos e religiosos são muito impor-</p><p>tantes na sociedade e influenciam diretamente a dinâmica social. A partir dessa</p><p>ideia, Weber passou a olhar, na história das religiões, as concepções que favorece-</p><p>ram ou frearam o desenvolvimento do capitalismo, e chegou à conclusão de que</p><p>este é herdeiro do calvinismo e do puritanismo, ou seja, de correntes originadas</p><p>na Reforma Protestante, cujo pensamento predominante era de que a salvação</p><p>viria por meio de uma incessante atividade moral e material.</p><p>Embora o reformador João Calvino tivesse adotado as ideias essenciais de</p><p>Lutero em sua juventude (negação da autoridade papal, livre interpretação da Bí-</p><p>blia e salvação pela fé), logo surgiram discrepâncias doutrinárias, particularmen-</p><p>te no que dizia respeito à predestinação. Na teologia calvinista – que prevaleceria</p><p>com algumas variações em vários países da Europa central, do norte e entre os</p><p>puritanos ingleses, dos quais a emigração e o puritanismo americano prossegui-</p><p>U</p><p>N</p><p>IC</p><p>ES</p><p>U</p><p>M</p><p>A</p><p>R</p><p>71</p><p>ram –, a onisciência divina conhece o destino</p><p>de todo homem. O ser humano é salvo não</p><p>por suas boas obras, mas porque foi escolhido</p><p>por Deus para esse destino. Por conseguinte,</p><p>boas ações são também um comportamento</p><p>previsto por Deus, de modo que os homens</p><p>destinados à salvação também estão destina-</p><p>dos a levar uma vida correta e justa: “A fé sem</p><p>obras é morta” (Tg 2, 14-26) (BÍBLIA, 1969).</p><p>Essa doutrina teve um efeito profunda-</p><p>mente moralizante entre os fiéis, que, de algu-</p><p>ma forma, esforçaram-se para alcançar uma</p><p>integridade moral absoluta,a qual lher permitia supor que estavam entre o grupo</p><p>dos escolhidos para a salvação. O trabalho é supervalorizado como instrumento</p><p>de Deus para dar dignidade humana. A vida boêmia, com gastos, bebidas e pros-</p><p>tituição, é tratada como pecado e, por isso, não deve ser praticada pelos protes-</p><p>tantes. Com isso, conseguem destinar o dinheiro para outro fim ou, até mesmo,</p><p>guardar, o que, para Weber, era sinal de um princípio de acumulação de riquezas.</p><p>Para os calvinistas e puritanos, impulsionados especialmente por dar a todos</p><p>os valores humanos um significado sagrado e obter, a partir daí, a confirmação de</p><p>da escolha para a salvação por meio da fé, o trabalho e sua organização racional</p><p>tornaram-se ordem divina. Na verdade, o trabalho, para o calvinista, é uma fé e</p><p>uma missão que precisa ser executada como planos da vontade celestial. Dedi-</p><p>cado ao trabalho e aos negócios, o homem organiza e racionaliza o trabalho e a</p><p>produção, enriquece a vida humana e interpreta sua vitória comercial da mes-</p><p>ma forma que suas realizações no aperfeiçoamento moral: uma confirmação da</p><p>escolha de Deus, tanto para a própria salvação quanto para toda a sua família.</p><p>O objetivo não é a acumulação de capital nem a satisfação e a alegria que pode</p><p>produzir, mas, sem ser um fim em si mesmo, esse objetivo guia a organização da</p><p>vida. O trabalho do homem de negócios moderno, portanto, tem fundamento re-</p><p>ligioso. A organização e a disputa comercial estão intimamente ligadas a uma visão</p><p>de mundo segundo a qual os melhores, ou seja, os eleitos, organizam-se, produzem</p><p>e enriquecem, enquanto os outros, os não eleitos, perdem fatalmente suas batalhas.</p><p>Com essas conclusões, a vida social e econômica é revelada, na filosofia de</p><p>Weber, como determinada por elementos irracionais e imprevisíveis, e a história</p><p>se manifesta como um processo muito mais complexo do que o descrito pelo</p><p>Figura 11 - João Calvino</p><p>U</p><p>N</p><p>ID</p><p>A</p><p>D</p><p>E</p><p>2</p><p>72</p><p>marxismo, no qual a luta de classes é considerada como a origem e o motor da</p><p>história. Dentre os diversos sistemas econômicos, como o capitalismo, a visão</p><p>da vida e os fatores psicológicos têm importância predominante na vida da</p><p>sociedade. Até o próprio capitalismo pode ser entendido como uma religião –</p><p>a religião da atividade e da vitória – tipicamente ligada à concepção ocidental</p><p>de vida. O seu oposto não seria tanto o espírito proletário e comunista, mas o</p><p>espírito de renúncia e de contemplação.</p><p>Dominação, obediência e legitimidade</p><p>Os três mecanismos utilizados pela autoridade política são: domínio, obediência e</p><p>legitimidade. A submissão não é alcançada por uma violência explícita, mas pela</p><p>adesão dos indivíduos. Ela não pode ser explicada sem recorrer a mecanismos</p><p>como a fascinação pelo poder. A ritualização deste, a aceitação inquestionável</p><p>da sua legitimidade e a persuasão são crenças sem as quais Estado algum pode</p><p>sobreviver e precisam ser amplamente divulgadas.</p><p>A dominação é uma construção social e, por isso, estudar os mecanismos de cria-</p><p>ção de obediência ou de docilidade é essencial em qualquer teoria do poder. A relação</p><p>de forças desiguais (lembre-se que toda a ação social é uma relação social) teria que</p><p>dificultar o estabelecimento de uma ordem social, e, ainda assim, esta existe porque</p><p>mecanismos foram utilizados para torná-la não apenas legítima, mas até mesmo</p><p>desejável para os seres humanos. É, por isso, que a análise das condições da produção</p><p>da crença na legitimidade é um elemento básico no trabalho de Weber, visto que</p><p>demonstra como a dominação gera obediência e a obediência gera legitimidade.</p><p>Para Weber, dominação é</p><p>“ […] um estado de coisas pelo qual uma vontade manifesta (man-</p><p>dato) do dominador ou dos dominadores influi sobre os atos de</p><p>outros (do dominado ou dominados), de tal sorte que em um grau</p><p>socialmente relevante estes atos têm lugar como se os dominados</p><p>tivessem adotado por si mesmos e como máxima de sua ação o</p><p>conteúdo do mandato (obediência) (WEBER, 1994, p. 699).</p><p>U</p><p>N</p><p>IC</p><p>ES</p><p>U</p><p>M</p><p>A</p><p>R</p><p>73</p><p>Há, de acordo com a classificação estabelecida por Weber, três tipos ideais de legiti-</p><p>midade e dominação, sendo que, cada uma, gera seu próprio nível de racionalidade:</p><p>dominação tradicional, dominação carismática e a dominação racional-legal.</p><p>• Dominação tradicional é a aquela que se baseia na crença na santidade</p><p>da tradição e daqueles que dominam em seu nome.</p><p>• Dominação carismática se baseia na crença de que um indivíduo possui</p><p>alguma habilidade ou característica que o faz “especial”.</p><p>• Dominação racional-legal é aquela que ocorre nos Estados modernos.</p><p>É a expressão da racionalização: formal, baseada em procedimentos, pre-</p><p>visível, calculável e burocrática.</p><p>A burocracia é, para Weber, o pilar fundamental do Estado Moderno de direito,</p><p>pois cumpre um papel racional. Se existe um estado de direito, deve haver neces-</p><p>sariamente uma burocracia que dê significado e estrutura organizacional à lei.</p><p>Essa é a figura do burocrata. Se a lei é abstrata, impessoal e igualitária, o burocrata</p><p>deve ser exatamente assim também. O burocrata, separado de todos os interesses</p><p>pessoais, recrutado por um procedimento objetivo baseado na qualificação e no</p><p>mérito, é, portanto, o instrumento efetivo da lei.</p><p>Todos os sistemas organizacionais eficazes são baseados na burocracia: o</p><p>Estado, a empresa e até as Igrejas (o sacerdote não deixa de ser o burocrata da fé).</p><p>Sem burocracia, não há racionalização nem sociedade baseada na lei. Assim, o</p><p>ethos burocrático (racionalidade e impessoalidade) permeia as sociedades mo-</p><p>dernas. A burocratização é a nova servidão, pois é a servidão da lei.</p><p>Desencantamento do mundo</p><p>Com a crescente racionalização, o ser humano moderno deixa de acreditar em</p><p>poderes mágicos e superstições. Com isso, passa a viver em um mundo desen-</p><p>cantado. O que Weber chama de “irracionalidade ética do mundo” vem do an-</p><p>tagonismo dos valores ligados à intuição especulativa e da realidade, tal qual é</p><p>apresentada. O mundo moderno experimenta grande dificuldade em produzir</p><p>novos deuses ou novos valores.</p><p>U</p><p>N</p><p>ID</p><p>A</p><p>D</p><p>E</p><p>2</p><p>74</p><p>O pensador estava convencido de que a racionalidade instrumental de nossa</p><p>era técnica, ou seja, o processo de racionalização que elimina o mistério da exis-</p><p>tência e nos faz sentir capazes de dominar tudo por meio da ciência, não conseguia</p><p>acalmar a ansiedade humana – de encontrar um significado transcendente para a</p><p>vida. Certamente, o avanço do conhecimento científico produziu desencantamen-</p><p>to sistemático do mundo. Todavia, com isso, ele não destruiu o mistério, pois se</p><p>refugiou em outros níveis da realidade, dos quais emerge com força renovada em</p><p>termos de reivindicação moral, segundo a qual a vida deve ter significado superior.</p><p>Sociologia Contemporânea</p><p>Pierre Bourdieu</p><p>Foi um dos sociólogos mais relevantes da segunda metade do século XX. Suas</p><p>ideias são de grande relevância tanto na teoria social quanto na Sociologia empí-</p><p>rica, especialmente na Sociologia da cultura, educação e estilos de vida. Sua teoria</p><p>se destaca como uma tentativa de superar a dualidade tradicional da Sociologia</p><p>entre estruturas sociais e objetivismo, por um lado, contra ação social e subjeti-</p><p>vismo, por outro. Para isso, está equipado com dois novos conceitos, o habitus e</p><p>o campo, além de reinventar o termo capital, já estabelecido.</p><p>De acordo com o sociólogo francês, as pessoas acumulam, lutam e compe-</p><p>tem pela distribuição de diferentes recursos para ter uma posição melhor na</p><p>sociedade. Segundo Michel Foucault, filósofo também francês, existem três tipos</p><p>de capital, cada um deles com uma lógica específica. Podemos</p><p>defini-los como:</p><p>Capital econômico (que se mede e acumula em objetos e dinheiro); Capital</p><p>social (refere-se à influência, capacidade de ativação e mobilização social); e Ca-</p><p>pital cultural (são os conhecimentos e objetos acumulados, que nos permitem</p><p>demonstrar externamente nosso nível cultural).</p><p>De todo o seu trabalho, ele elaborou conceitos controversos que foram ques-</p><p>tionados por seu determinismo. Foucault, por exemplo, sustenta que a escola</p><p>reproduz diferenças familiares, sociais e de classe, porque seleciona e legitima</p><p>aqueles que são culturalmente mais dotados, em virtude da sua origem familiar.</p><p>Nesse sentido, a escola funciona como um mecanismo de mobilidade social,</p><p>mas também de marginalização e discriminação. Tudo isso está relacionado</p><p>U</p><p>N</p><p>IC</p><p>ES</p><p>U</p><p>M</p><p>A</p><p>R</p><p>75</p><p>à afirmação de Bourdieu sobre o status social da classe média, que ele acredita</p><p>ser baseado em recursos extraídos do sistema educacional, portanto, a principal</p><p>capital da classe média é a cultural.</p><p>Para Bourdieu, todos os capitais tendem a converter-se em capital econômico.</p><p>Em contrapartida, o capital social fornece vínculos sociais e prestígio derivado</p><p>do prestígio alheio, o qual gera o sentimento de pertencimento. O capital social</p><p>acumula-se de maneira coletiva, mas de forma altamente seletiva e exclusivista.</p><p>A distribuição dos diferentes tipos de capital resulta na criação dos mapas, em</p><p>que cada indivíduo e cada grupo serão colocados em uma posição diferente em</p><p>relação ao tipo e à quantidade de capital que possuir.</p><p>Algo importante a ser lembrado, em Bourdieu, é que, para ele, não há poder</p><p>global que domine toda a sociedade, porque a sociedade está inserida em uma</p><p>multiplicidade de pequenas lutas de poder em campos diferentes, nos quais os</p><p>capitais são distribuídos de acordo com as suas próprias regras. Além disso, in-</p><p>divíduo não aprende as regras, mas as incorpora. Ele as possui em seu corpo</p><p>pelas práticas cotidianas e habituais. Práticas diárias serão aquelas disposições</p><p>incorporadas à ação, que norteiam nossas decisões e, para Bourdieu, são cha-</p><p>madas de habitus. O habitus é um processo pelo qual a cultura é reproduzida e</p><p>determinados valores e comportamentos são naturalizados.</p><p>Segundo o sociólogo francês em questão, a naturalização do mundo social é</p><p>funcional a uma forma de dominação baseada na violência simbólica exercida</p><p>por quem as recebe, pois são eles quem a internalizaram como característica de</p><p>sua própria identidade. Em suma, pensar na ideia de violência simbólica implica</p><p>necessariamente pensar no fenômeno de dominação nas relações sociais, espe-</p><p>cialmente sua eficácia, seu modo de operação e a base que a torna possível.</p><p>A forma paradigmática da violência simbólica é, para o autor, o fenômeno da</p><p>dominação masculina, que, longe de ser apenas uma violência exercida pelos ho-</p><p>mens sobre as mulheres, é um processo complexo de dominação que afeta os agen-</p><p>tes, independentemente do sexo. Formas e fenômenos de violência e dominação</p><p>simbólicas podem ser encontrados nos mais diversos eventos sociais e culturais: na</p><p>esfera da linguagem, no campo educacional, em múltiplas classificações sociais etc.</p><p>Com a expressão “violência simbólica”, Bourdieu pretende enfatizar a maneira</p><p>como os dominados aceitam sua própria condição de dominação como legítima.</p><p>O poder simbólico não usa violência física, mas violência simbólica. É um poder</p><p>legitimador que desperta o consenso dos dominadores e dos dominados, pois</p><p>supõe a capacidade de impor a visão legítima do mundo social, suas divisões e a</p><p>U</p><p>N</p><p>ID</p><p>A</p><p>D</p><p>E</p><p>2</p><p>76</p><p>capacidade de impor os meios para entender e adaptar-se ao mundo social por</p><p>meio de um senso comum, que disfarça o poder econômico e político, ao contri-</p><p>buir, assim, para a reprodução de atitudes de acordos sociais desiguais.</p><p>Florestan Fernandes</p><p>É uma das figuras intelectuais mais importantes do Brasil no século XX. Seu</p><p>nome está intimamente ligado à institucionalização da Sociologia como disci-</p><p>plina científica no Brasil, especificamente, à tradição acadêmica da Universida-</p><p>de de São Paulo (USP), mas, também, ao pensamento marxista, e à militância</p><p>política. Essas duas facetas de sua trajetória de vida constituem uma fonte de</p><p>tensões centrais, que vão desde o tempo dedicado à cada atividade, passando</p><p>pela coexistência de estruturas interpretativas, à coerência entre teoria e prática.</p><p>Alguns pesquisadores argumentaram que essas duas facetas correspondem a dois</p><p>períodos diferentes de sua carreira, tendo como marco temporal o surgimento</p><p>da ditadura militar em 1964.</p><p>Alguns estudiosos da vida e obra de Florestan analisam essa transição como</p><p>duas grandes etapas de sua biografia, marcadas por uma ruptura epistemoló-</p><p>gica: a fase “acadêmico-reformista” (1945-1968, neste, o ano em que é expulso</p><p>da USP) e a “político-revolucionária” (1968-1986, ano em que é eleito deputado</p><p>federal pelo Partido dos Trabalhadores). Outros, em contrapartida, suscitaram</p><p>uma sensação de continuidade e progressão, na qual os conceitos analíticos são</p><p>esclarecidos ao articular os aspectos acadêmico-universitário e político-militante.</p><p>Em vários escritos, este estudioso deixou testemunho de sua infância e de</p><p>sua formação inicial, que ocorreu durante um tempo de grandes transforma-</p><p>ções para o país: a queda da antiga República, a crescente pressão das massas</p><p>populares urbanas sobre a vida social e a chegada de Getúlio Vargas ao poder.</p><p>Esses depoimentos não apenas permitem conhecer alguns dados de sua tra-</p><p>jetória, mas também observar a construção de um relato autobiográfico em</p><p>uma chave sociológica na qual são constantemente destacados os cruzamentos</p><p>entre a história pessoal e o condicionamento da estrutura social, ponto fun-</p><p>damental de sua perspectiva sociológica.</p><p>Filho de uma imigrante portuguesa, Maria Fernandes, empregada doméstica e</p><p>lavadeira, Florestan perdeu o pai e a irmã com tenra idade e deixou a escola no ter-</p><p>ceiro ano do ensino fundamental para ajudar a mãe. Cresceu nos bairros populares</p><p>U</p><p>N</p><p>IC</p><p>ES</p><p>U</p><p>M</p><p>A</p><p>R</p><p>77</p><p>de São Paulo, mudando de residência constantemente. Trabalhou como engraxate</p><p>e garçom em vários negócios: açougue, padaria, alfaiataria, entre outros. Para ele,</p><p>essa situação de vida constituiu uma marca profunda em sua carreira intelectual.</p><p>Apesar de ter abandonado a escola ainda jovem, Florestan continuou seus</p><p>estudos informalmente; primeiro, com os livros de um amigo de sua mãe, depois</p><p>na biblioteca de sua madrinha. Anos depois, ele conseguiu terminar o ensino</p><p>regular (fez sete anos em três) e entrou na USP em 1941, aos 21 anos, local em</p><p>que sua brilhante carreira decolou. Para dar esse passo importante em sua vida,</p><p>precisou prestar serviço militar, estudar datilografia e enfrentar a dificuldade</p><p>de ter aulas de francês com professores europeus que chegavam à universidade.</p><p>Sua experiência de vida está ligada a, pelo menos, dois aspectos centrais</p><p>de sua perspectiva sociológica: o questionamento das possibilidades de os</p><p>sujeitos sociais serem construtores ativos da história e um posicionamento</p><p>claro a favor dos setores populares.</p><p>Por fim, para entender a perspectiva sociológica de Florestan Fernandes, é ne-</p><p>cessário colocá-la no campo intelectual-acadêmico do período considerado. Du-</p><p>rante a década de 30, ocorreu um importante processo de reformulação do pensa-</p><p>mento social brasileiro, articulado com a nascente institucionalização das Ciências</p><p>Sociais. Nesta fase, são publicados os grandes ensaios de interpretação nacional de</p><p>Gilberto Freyre (1933), Sérgio Buarque de Holanda (1936) e Caio Prado Júnior</p><p>(1942). Tais trabalhos expressam profunda preocupação com a formação histórica</p><p>do Brasil como fonte para explicar seus males e obstáculos contemporâneos para</p><p>a mudança social. Embora a preocupação faça parte da tradição do pensamento</p><p>brasileiro desde o século XIX, essa geração atingiu impacto fundamental na pro-</p><p>dução acadêmica universitária, consolidada nas décadas seguintes.</p><p>Em relação à sua perspectiva sociológica como herança do movimento de</p><p>reforma</p><p>educacional, mas também de professores estrangeiros que chegavam</p><p>à USP, foi fortemente afirmada a possibilidade e a necessidade de adotar uma</p><p>abordagem científica dos problemas sociais. Essa posição tem duas vertentes: por</p><p>um lado, sustenta a importância da reflexão em oposição à tradição do ensaio</p><p>social. Desde os primeiros escritos de Florestan aos trabalhos de seus professores</p><p>e colegas, é possível traçar a exigência da reflexão baseada em dados empíricos</p><p>de instrumentos analíticos precisos, independentemente da qualidade das inter-</p><p>pretações gerais. Por outro, e acima de tudo, essa posição implica uma definição</p><p>política contra o conservadorismo ideológico (católico e militar), que rejeita a</p><p>ciência por estar relacionada a supostos vínculos comunistas. Diante desta ideia,</p><p>U</p><p>N</p><p>ID</p><p>A</p><p>D</p><p>E</p><p>2</p><p>78</p><p>a defesa da “ciência do social” implica no compromisso com um pensamento ra-</p><p>dical comprometido com o entendimento efetivo da realidade brasileira e guiado</p><p>pelas possibilidades de sua transformação.</p><p>Além disso, nessa concepção científica de análise social, Florestan rejeitou</p><p>os estudos culturalistas, que enfatizam as peculiaridades culturais do Brasil</p><p>como fator explicativo. Pelo contrário, com base na influência dos professores</p><p>franceses e, em parte, na ideologia liberal e marxista, seus estudos estão incli-</p><p>nados a uma perspectiva universal e estrutural de análise das relações sociais,</p><p>mas sem nunca abandonar as considerações da especificidade histórica. Essa</p><p>perspectiva permite, por exemplo, revelar os problemas de desigualdade social</p><p>e atraso estrutural da sociedade brasileira.</p><p>Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda e Caio</p><p>Prado Junior</p><p>Em 1933, Gilberto Freyre publicou Casa Grande e Senzala. Influenciado pela</p><p>antropologia cultural americana nas décadas de 30 e 40, Freyre se dedicou à aná-</p><p>lise da formação da sociedade patriarcal, que destaca a colonização portuguesa e</p><p>a presença de negros na formação do Brasil. Seus estudos deram continuidade às</p><p>análises de Nina Rodríguez e Silvio Romero, considerados antecedentes imedia-</p><p>tos da Antropologia e da Sociologia. Diante das posições racistas que levantaram</p><p>a necessidade de um embranquecimento da sociedade, Freyre desenvolveu a tese</p><p>da “democracia racial” do Brasil. Se, por um lado, essa tese apresentou a miscige-</p><p>nação como fator construtivo e positivo, por outro, contribuiu de alguma maneira</p><p>para o mito da ausência de preconceitos raciais no país.</p><p>Em 1936, Sérgio Buarque de Holanda publicou o livro Raízes do Brasil, no</p><p>qual analisou o abismo entre o país ideal, liberal, moderno, europeizante e o país</p><p>real, suas necessidades e singularidades históricas. Formado na Alemanha, este</p><p>estudioso se identificou com o historicismo. No livro, ele manifestou interesse</p><p>nas tensões entre permanência e mudança social, além de dar visibilidade aos</p><p>personagens anônimos da história brasileira.</p><p>Caio Prado Júnior, em contrapartida, publicou, em 1942, sua principal obra,</p><p>a Formação do Brasil Contemporâneo, de estilo marxista, na qual as classes so-</p><p>ciais aparecem pela primeira vez como uma categoria analítica central, mas em</p><p>uma perspectiva que enfatiza as peculiaridades locais do desenvolvimento capi-</p><p>U</p><p>N</p><p>IC</p><p>ES</p><p>U</p><p>M</p><p>A</p><p>R</p><p>79</p><p>talista brasileiro. Esse texto abre uma linha de estudo sobre o caráter da economia</p><p>colonial, seguida e posteriormente enriquecida por outros intelectuais, como</p><p>Florestan Fernandes, Fernando Novais e Celso Furtado.</p><p>Essa geração de intelectuais representou uma espécie de articulação entre</p><p>a tradição ensaística do pensamento social enraizada no século XIX e o esta-</p><p>belecimento de parâmetros científicos e acadêmicos da produção intelectual</p><p>para as próximas décadas.</p><p>De acordo com uma definição clássica, o poder é entendido como o desejo de</p><p>alguém querer que a sua vontade seja aceita e manifesta, independentemente da</p><p>opinião dos demais. Juntamente com o conflito, o poder é um elemento constitu-</p><p>tivo da política. É competitivo, pode ser adquirido, exercido, procurado, mantido</p><p>e até expandido. Por meio dele, é fornecida uma ordem, a qual busca articular as</p><p>diferenças existentes em determinada sociedade.</p><p>“ É a capacidade de agir, de produzir efeitos sobre indivíduos ou grupos</p><p>humanos e, para tanto, é preciso ter a posse de meios que permitam</p><p>alcançar os efeitos desejados. O poder não é um ser, mas uma relação;</p><p>um conjunto de relações por meio das quais indivíduos ou grupos de</p><p>indivíduos interferem na atividade de outros indivíduos na atividade</p><p>de outros indivíduos ou grupos (ARANHA, MARTINS, 2005, p. 256).</p><p>2</p><p>CIÊNCIA</p><p>POLÍTICA</p><p>O PODER MILITAR:</p><p>devido ao controle que</p><p>exercem sobre as forças</p><p>armadas de um país,</p><p>permite a um indivíduo,</p><p>uma instituição ou um</p><p>grupo de homens</p><p>dominar a vontade dos</p><p>cidadãos por medo da</p><p>repressão militar.33</p><p>22</p><p>O PODER POLÍTICO:</p><p>baseado na possibilidade</p><p>de exercer coerção,</p><p>de usar força legal, que é</p><p>equivalente à aplicação</p><p>da própria lei.</p><p>Esse poder político é</p><p>amparado pela burocracia</p><p>e poder estatal.</p><p>O poder político só pode</p><p>ser realmente efetivo se</p><p>incluir o consentimento</p><p>dos governados.44</p><p>U</p><p>N</p><p>ID</p><p>A</p><p>D</p><p>E</p><p>2</p><p>80</p><p>Pode-se dizer que existem diferentes modos de exercer poder, como fé, religião,</p><p>força física, poder psicológico ou mental, o poder do dinheiro ou qualquer outro</p><p>mecanismo que possa influenciar o comportamento humano. É válido reiterar</p><p>que há múltiplas formas de poder resultantes das diferentes funções desempe-</p><p>nhadas por seus detentores na sociedade, por exemplo.</p><p>O conceito de poder é algo abstrato, mas produz efeitos visíveis sobre quem sofre</p><p>suas consequências. A forma de divisão abordada anteriormente se manifesta em</p><p>relações sociais implícitas ou explícitas. No caso das relações implícitas, não somos</p><p>capazes de perceber factualmente como o exercício do poder é manifestado (po-</p><p>der ideológico, por exemplo). Já, nas relações explícitas, vemos claramente a forma</p><p>U</p><p>N</p><p>IC</p><p>ES</p><p>U</p><p>M</p><p>A</p><p>R</p><p>81</p><p>com a qual determinado poder atua (o poder militar, por exemplo). Em todos os</p><p>casos, nota-se que as relações de poder fazem parte da vida cotidiana. No entanto,</p><p>isso não significa que essa situação seja desejável, já que o poder implica em uma</p><p>obrigação por parte do subordinado, que é privado de sua liberdade de escolha.</p><p>O conceito de poder despertou grande interesse das mais variadas ciências</p><p>no decorrer da história. Tem sido investigado, a partir de diferentes áreas do</p><p>mundo do conhecimento, como a Sociologia, a Ciência Política, a Psicologia,</p><p>a História e, claro, a Filosofia.</p><p>Na Sociologia, é um conceito-chave por meio do qual estudamos como um</p><p>grupo social ou um indivíduo pode impor seus interesses. Para a Ciência Polí-</p><p>tica, representa o objeto central de seu estudo, juntamente com a pesquisa das</p><p>relações políticas. A Psicologia, por sua vez, concentra-se na análise das relações</p><p>interpessoais de poder. A História também é responsável por analisá-las a partir</p><p>de seu ponto de vista, focando em quem e como tem sido usado ao longo do</p><p>tempo. Já a Filosofia procura descrever essa complexa ideia para saber quais</p><p>são suas características e seus conceitos por meio da ética e da filosofia política.</p><p>Do ponto de vista filosófico, tanto a ética quanto a filosofia política analisam</p><p>os mecanismos de controle que o poder utiliza, os quais são praticados sobre os</p><p>grupos sociais, bem como as ideologias que permitem exercer e justificar certas</p><p>formas políticas, como o Estado, os partidos, as instituições e os grupos sociais.</p><p>Estado</p><p>A Sociologia do Estado, uma subárea da Sociologia, estuda as relações entre o</p><p>Estado e a sociedade civil. Sob essa perspectiva, por um lado, o Estado represen-</p><p>ta um conjunto de mecanismos e processos que demandam a centralização e a</p><p>descentralização do poder e o surgimento de instituições especializadas em sua</p><p>administração. Por outro, seu objetivo é alcançar o bem comum e a felicidade</p><p>dos cidadãos, bem como uma convivência ordeira. As relações com a sociedade</p><p>civil nem sempre são harmoniosas, embora devam</p><p>ser. Iremos aprofundar-nos</p><p>no conceito de Estado, o que é, quais são seus limites e como é organizado.</p><p>O Estado é uma comunidade estabelecida em determinado território. É es-</p><p>tabelecido por meio de uma ordem legal, a qualcria um corpo de funcionários e</p><p>garante poder legal autônomo. Tenta realizar o bem comum no campo da comu-</p><p>nidade e forma uma unidade política superior, independente e soberana.</p><p>U</p><p>N</p><p>ID</p><p>A</p><p>D</p><p>E</p><p>2</p><p>82</p><p>Por meio de seus governantes, regula a atividade econômica, gerencia os gastos</p><p>públicos e os impostos e determina as políticas tributárias. Além disso, garante a livre</p><p>concorrência e evita abusos na atividade econômica geral. O sucesso das funções eco-</p><p>nômicas do Estado é garantia de prosperidade e desenvolvimento para os cidadãos.</p><p>Vivemos em uma época em que o poder político mostra sua fraqueza diante</p><p>da poderosa concorrência com o mercado financeiro e o poder da mídia. Não é</p><p>de surpreender-se que, em tal situação, a soberania dos diferentes Estados esteja</p><p>ameaçada, pois o espaço da soberania estatal está em crise diante dos novos for-</p><p>matos da globalização. O Estado enfrenta dificuldades especiais quando se trata,</p><p>por exemplo, de controlar, mobilizar, organizar, implementar ou garantir direitos.</p><p>A família foi uma das primeiras estruturas sociais a surgir na história. Mais</p><p>tarde, outras formas diferentes foram desenvolvidas, como o bando, a tribo, o</p><p>clã etc. O termo “Estado” foi introduzido por Maquiavel em seu sentido jurídico</p><p>e político. No entanto, o Estado já existia a partir das culturas egípcia, grega e</p><p>romana. No decorrer da história da humanidade, o conceito de Estado e sua</p><p>classificação mudaram. Apesar de ser estruturado de formas diferentes, duas são</p><p>as formas mais básicas de classificação: unitária e federal.</p><p>Na estrutura unitária, o Estado unitário é uma instituição organizada de tal</p><p>maneira que o poder político se concentra em apenas um centro de decisão. Neste</p><p>tipo de Estado, não há diversidade territorial ou regional. O governo, contudo, pode</p><p>delegar e revogar competências para subunidades territoriais, como municípios ou</p><p>províncias. Pode ser centralizado ou descentralizado. Na estrutura unitária centrali-</p><p>zada, o poder, em sua totalidade, reside na administração central. Já na estrutura uni-</p><p>tária descentralizada, o poder é distribuído em regiões ou comunidades autônomas.</p><p>Na estrutura federal, a organização estatal é composta de diferentes órgãos,</p><p>como estados, associações, grupos, sindicatos etc. Esses organismos se associam, a</p><p>fim de delegar algumas liberdades ou poderes próprios a uma instância superior,</p><p>no caso, o Estado federal ou a federação. Eles mantêm, contudo, certa soberania e</p><p>autonomia, uma vez que algumas competências pertencem exclusivamente a eles.</p><p>Este tipo de sistema também possui duas variantes: confederação de Estados ou</p><p>Estado federal. A primeira é uma comunidade de Estados soberanos, que surge</p><p>como consequência de um processo associativo entre Estados independentes. O</p><p>segundo, por sua vez, é formado por Estados particulares, cujos poderes regionais</p><p>têm autonomia e até soberania para seu funcionamento interno.</p><p>Na história do pensamento político, diferentes teorias sobre a sociedade e o</p><p>Estado foram realizadas. Conceitos como “estado de natureza”, “contrato social”</p><p>U</p><p>N</p><p>IC</p><p>ES</p><p>U</p><p>M</p><p>A</p><p>R</p><p>83</p><p>e “leis naturais” contribuíram com reflexões que nos aproximam da realidade</p><p>social e política dos nossos dias.</p><p>Os primeiros teóricos sobre o Estado foram os autores clássicos Platão e Aris-</p><p>tóteles. Ambos refletiram sobre o modelo político vigente da época, a cidade-es-</p><p>tado ou a pólis, cuja concretização ideal de uma entidade autossuficiente traria</p><p>a satisfação das necessidades da comunidade.</p><p>Para Platão, o homem assina o contrato de cidadania, termo que aparece em</p><p>sua obra República. Pelo contrato de cidadania o ser humano opta por pertencer a</p><p>um Estado e acorda com ele um pacto, pelo qual é obrigado a cumprir as leis, mes-</p><p>mo que sejam injustas. Para entender completamente o significado dessa doutrina,</p><p>é necessário entender que ser homem e ser cidadão é o mesmo para esse filósofo.</p><p>Se a sociedade, para Platão, deriva de um pacto, para Aristóteles é algo na-</p><p>tural, consequência do fato de o ser humano ser naturalmente sociável. E essa</p><p>natureza instintivamente atrai todos os homens para associações políticas. Em</p><p>outras palavras, para esse filósofo, o homem é um “animal político”.</p><p>Dessa forma, o que caracteriza o ser humano não é apenas o fato de viver em</p><p>sociedade, mas também de lidar com as coisas da pólis ou do bem comum, que</p><p>é a atividade nobre por excelência do ser humano. O Estado é, então, uma organi-</p><p>zação política que resulta da associação de indivíduos, famílias e povos. Também</p><p>tem uma origem natural e sua finalidade é resolver as necessidades básicas da vida</p><p>e garantir que os cidadãos possam satisfazê-las. O núcleo original da comunidade</p><p>social ou política é a família, porque o conceito de Estado, para Aristóteles, baseia-se</p><p>na coexistência diária. Pequenas associações de grupos familiares dão origem ao</p><p>surgimento da aldeia e a associação de aldeias dá origem à constituição da cidade.</p><p>Na teoria moderna do Estado, surge um conceito central para a Ciência Po-</p><p>lítica: o contratualismo. Este compreende um conjunto de teorias políticas, que</p><p>veem a origem da sociedade e o fundamento do poder político em um contrato</p><p>social. A organização social e a vida dos membros da sociedade dependem de um</p><p>acordo que permita estabelecer os princípios básicos de convivência: o contrato</p><p>social. O contratualismo moderno, por exemplo, representa uma teoria acerca</p><p>da legitimidade da soberania política. De forma breve, falaremos sobre as três</p><p>teorias clássicas do contratualismo: a teoria absolutista de Hobbes, a teoria liberal</p><p>de Locke e a teoria de soberania de Rousseau.</p><p>Thomas Hobbes é um dos filósofos mais representativos da teoria absolu-</p><p>tista. O Estado estabelece, como resultado de um pacto, o contrato comunitário.</p><p>Em virtude desse acordo, o ser humano cede parte de sua liberdade a uma en-</p><p>U</p><p>N</p><p>ID</p><p>A</p><p>D</p><p>E</p><p>2</p><p>84</p><p>tidade superior, capaz de evitar que o confronto entre os diferentes interesses</p><p>individuais se transforme em um conflito social. Dessa forma, a “guerra de todos</p><p>contra todos” é evitada e precisa ser assim, pois, para Hobbes, o ser humano é</p><p>egoísta e antissocial por natureza – daí deriva a sua famosa frase: “o homem é o</p><p>lobo do homem”. Além disso, tende a satisfazer seus próprios interesses, mesmo</p><p>em detrimento de seus pares.</p><p>Em síntese, o Estado aparece como um poder total e absoluto, que dita as leis</p><p>e a moral. Ela é imposta à vontade dos membros da sociedade, que lhe deram seus</p><p>direitos. O Estado se torna um instrumento necessário que, ao assumir direitos,</p><p>garante a paz e a harmonia entre os indivíduos ao pôr fim ao estado de terror</p><p>antes de sua criação. A sociedade civil, como a organização de todos súditos, está</p><p>sujeita ao poder do Estado.</p><p>John Locke é a referência quando falamos da teoria liberal do Estado. Para</p><p>este filósofo, a sociedade, em sua origem, estava no chamado estado de nature-</p><p>za, que seria o estado no qual os seres humanos desfrutariam de certos direitos</p><p>naturais, como a vida, a liberdade e a propriedade. No entanto, os indivíduos</p><p>violaram essa lei natural ao não observarem estritamente os mandatos de equi-</p><p>dade e justiça. Portanto, s bens que cada pessoa possui nesse estado não estão</p><p>assegurados e a sua segurança é incerta. Para garantir uma vida digna e pacífica, os</p><p>indivíduos cederam seus direitos a um grupo de soberanos, mas tendo em mente</p><p>que tal atribuição não é perpétua ou irrevogável. Locke, então, reconhece o direito</p><p>à rebelião se o soberano não cumprir os limites do acordo. O Estado, que deve</p><p>proteger os direitos de seus representantes, surgiria sob esse contrato de parceria.</p><p>No século XVIII, a figura de Jean-Jacques Rousseau se destacou e sua con-</p><p>tribuição para a teoria do Estado é seu conceito de soberania. De acordo com</p><p>ele, o direito</p><p>elemento, você fará uma pausa para conhecer um pouco</p><p>mais sobre o assunto em estudo e aprenderá novos conceitos.</p><p>explorando Ideias</p><p>Ao longo do livro, você será convidado(a) a refletir, questionar e</p><p>transformar. Aproveite este momento!</p><p>pensando juntos</p><p>Enquanto estuda, você encontrará conteúdos relevantes</p><p>online e aprenderá de maneira interativa usando a tecno-</p><p>logia a seu favor.</p><p>conecte-se</p><p>Quando identificar o ícone de QR-CODE, utilize o aplicativo Unicesumar</p><p>Experience para ter acesso aos conteúdos online. O download do aplicativo</p><p>está disponível nas plataformas: Google Play App Store</p><p>CONTEÚDO</p><p>PROGRAMÁTICO</p><p>UNIDADE 01 UNIDADE 02</p><p>UNIDADE 03</p><p>UNIDADE 05</p><p>UNIDADE 04</p><p>FECHAMENTO</p><p>AS ORIGENS DA</p><p>SOCIOLOGIA,</p><p>ANTROPOLOGIA,</p><p>CIÊNCIA POLÍTICA,</p><p>FILOSOFIA E</p><p>HISTÓRIA</p><p>10</p><p>PRINCIPAIS ESCOLAS</p><p>E CONCEITOS DAS</p><p>CIÊNCIAS SOCIAIS</p><p>50</p><p>104</p><p>PRINCIPAIS ESCOLAS</p><p>E CONCEITOS DAS</p><p>CIÊNCIAS HUMANAS</p><p>– FILOSOFIA E</p><p>HISTÓRIA</p><p>146</p><p>A RELIGIÃO NAS</p><p>CIÊNCIAS</p><p>HUMANAS</p><p>E SOCIAIS</p><p>175</p><p>FORMAS DE</p><p>ORGANIZAÇÃO</p><p>DA SOCIEDADE</p><p>E DILEMAS ATUAIS</p><p>209</p><p>CONCLUSÃO GERAL</p><p>1</p><p>AS ORIGENS DA SOCIOLOGIA,</p><p>ANTROPOLOGIA,</p><p>CIÊNCIA POLÍTICA,</p><p>Filosofia e História</p><p>PLANO DE ESTUDO</p><p>A seguir, apresentam-se as aulas que você estudará nesta unidade: • Origens da Sociologia • Origens</p><p>da Antropologia • Origens da Ciência Política • Origens da Filosofia • Origens da História.</p><p>OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM</p><p>• Conhecer o conceito e as origens da Sociologia • Conhecer o conceito e as origens da Antropologia</p><p>• Conhecer o conceito e as origens da Ciência Política • Conhecer o conceito e as origens da Filosofia</p><p>• Conhecer o conceito e as origens da História.</p><p>PROFESSOR</p><p>Esp. Pablo Araya Santander</p><p>INTRODUÇÃO</p><p>Caro(a) aluno(a), nesta unidade, apresentaremos um panorama das prin-</p><p>cipais disciplinas das Ciências Humanas e Sociais, a saber: Sociologia,</p><p>Antropologia, Ciência Política, Filosofia e História. Buscaremos constan-</p><p>temente destacar a etimologia do nome da disciplina que nos propomos</p><p>a estudar e o histórico do surgimento da ciência, no que concerne aos</p><p>seus principais aspectos – desde a gênese aos dias atuais.</p><p>Na Sociologia, por exemplo, você conseguirá visualizar claramente: o</p><p>que é sociologia, a origem do termo, como ela surgiu enquanto ciência,</p><p>para que serve e a sua importância como disciplina para compreender</p><p>a sociedade em que estamos inseridos. Veremos também, que essa área</p><p>é vital para que consigamos situar-nos como seres humanos no nosso</p><p>contexto histórico tão peculiar.</p><p>Com a Antropologia, veremos a importância de reconhecermos os</p><p>aspectos culturais que nos são transmitidos até os dias de hoje. Veremos</p><p>as várias vertentes dessa vasta ciência que estuda o ser humano nos seus</p><p>mais diversos meios culturais. Na Ciência Política, analisaremos o termo</p><p>política, surgido na Grécia Antiga, o que é e para que serve, além da sua</p><p>evolução até os dias atuais e a sua importância para compreendermos</p><p>as dinâmicas do Estado e das relações de poder existentes dentro dele.</p><p>A Filosofia, caro(a) aluno(a), dispensa apresentações. É a arte de</p><p>pensar. Pensar para quê? Em tempos nebulosos, em que se valoriza o</p><p>pragmatismo a todo custo, em um mundo cada vez mais materialista e</p><p>consumista, por que deveríamos importar-nos com uma disciplina que</p><p>não nos trará retorno financeiro imediato? E, por último, temos a fa-</p><p>migerada História, que nos mostra como a humanidade caminhou em</p><p>tempos longínquos. Precisamos compreender os erros do nosso passado,</p><p>para que não pratiquemos os mesmos no presente.</p><p>Deleite-se, saboreie e aproveite este conteúdo. Se possível, com uma</p><p>boa xícara de café!</p><p>U</p><p>N</p><p>ID</p><p>A</p><p>D</p><p>E</p><p>1</p><p>12</p><p>1</p><p>ORIGENS DA</p><p>SOCIOLOGIA</p><p>Para nortearmos o nosso estudo, precisaremos, em primeiro lugar, deixar bem</p><p>claras as definições sobre o tema que nos propomos a tratar nesta unidade. Os</p><p>seres humanos, desde os primórdios, estabelecem entre si relações sociais que</p><p>fazem parte do seu dia a dia. Essas relações surgem de acordo com as necessida-</p><p>des pontuais de cada contexto e existem para que haja convívio minimamente</p><p>pacífico. Nesse sentido, as interações surgem ora em virtude do comportamento</p><p>do ser humano, ora de acordo com as regras estabelecidas pela sociedade ou pelo</p><p>grupo ao qual pertence. Hoje mesmo, você pode perguntar-se:</p><p>• Leio este livro por que quero ou por obrigação imposta pela sociedade?</p><p>• Estudo Teologia por que gosto ou por pressão exercida pela minha fa-</p><p>mília?</p><p>• Ajo conforme o que penso ou tenho que moldar-me às regras de conduta</p><p>vigentes?</p><p>• Ajo de acordo com os meus pensamentos ou me preocupo muito com o</p><p>que os outros pensam?</p><p>Embora você responda que há prevalência da vontade pessoal em alguma des-</p><p>sas perguntas, normalmente, agimos e pensamos de acordo com as circunstâncias</p><p>sociais atuais. Somos agentes ativos dentro de uma sociedade, a qual possui dinâ-</p><p>mica própria, com regras específicas que devemos respeitar para poder interagir.</p><p>U</p><p>N</p><p>IC</p><p>ES</p><p>U</p><p>M</p><p>A</p><p>R</p><p>13</p><p>Você sabe para que serve o estudo da Sociologia? Acesse o QR Code e descubra!</p><p>conecte-se</p><p>Acordamos cedo, vamos ao trabalho, à escola ou à faculdade, porque, de ante-</p><p>mão, essas instituições já existiam. Isso independe da sua vontade. Caso queira</p><p>adequar-se aos parâmetros atuais da sociedade, será a sua atividade, mesmo que</p><p>você não queira. Por que trabalhar? Por que estudar? Por que o trabalho está assim</p><p>definido para nós? Poderia ser de outra forma? E o estudo? Essa configuração</p><p>da educação como padrão pré-configurado em escolas e universidades é a mais</p><p>adequada para os dias de hoje? Todas essas perguntas e buscas por respostas e</p><p>explicações são objetos de estudo da Sociologia.</p><p>Figura 1 - Crianças indo à escola</p><p>A Sociologia, portanto, é a ciência que estuda o comportamento social das pes-</p><p>soas, dos grupos, e da organização das sociedades. Nessa dinâmica, o sociólogo</p><p>busca compreender o ser humano em seu contexto social específico, suas inter-</p><p>ferências nesse local social e, ao mesmo tempo, verifica e analisa de que forma a</p><p>sociedade, como estrutura dinâmica, influencia e molda o comportamento do</p><p>ser humano. Como essa sociedade não entra em colapso? Como é possível que</p><p>o caos não tome conta da humanidade? Essas são perguntas que o estudioso da</p><p>https://apigame.unicesumar.edu.br/qrcode/2011</p><p>U</p><p>N</p><p>ID</p><p>A</p><p>D</p><p>E</p><p>1</p><p>14</p><p>sociologia precisa saber responder. O autor Alex Inkeles afirma que: “Se quisés-</p><p>semos exigir que o problema básico a que se dirige o sociólogo fosse descrito em</p><p>uma única frase, responderíamos: procura explicar a natureza da ordem social e</p><p>da desordem social” (INKELES, 1974, p. 46).</p><p>O sociólogo busca compreender como os processos e as estruturas da sociedade</p><p>funcionam, a fim de sugerir possíveis alternativas para uma melhor harmonia social.</p><p>Para isso, o profissional da Sociologia deve buscar ferramentas científicas para rea-</p><p>lizar tal análise, conforme Pedro Scuro Neto salienta: “A postura científica, por sua</p><p>vez, engloba a ênfase criativa da ação e dos processos sociais, quando aborda os pro-</p><p>blemas de estabilidade e integração das sociedades modernas” (SCURO, 2004, p. 4).</p><p>Figura 2 - Interação social</p><p>Em suma, temos como objeto do estudo sociológico: o homem na sociedade e</p><p>a sociedade no homem. Esse ser humano só é, de fato, ser humano em sua com-</p><p>pletude diante de outro ser humano, inserido em determinada realidade social,</p><p>como afirma Delson Ferreira:</p><p>“ [...] o ser humano só se faz como tal diante de outro, seu semelhante,</p><p>com o qual estabelece mecanismos diversos de interação constante.</p><p>É essa interação, na origem entre indivíduos no final entre os grupos</p><p>e sociedades inteiras, que define outra das características humanas</p><p>fundamentais: a da vida social” (FERREIRA, 2009, p. 28).</p><p>U</p><p>N</p><p>IC</p><p>ES</p><p>U</p><p>M</p><p>A</p><p>R</p><p>15</p><p>No quadro a seguir, temos uma lista dos tópicos do objeto de estudo sociológico,</p><p>em que muitos autores, de cursos de introdução à Sociologia, concordariam com</p><p>relação ao seu conteúdo:</p><p>UM ESQUEMA GERAL DO OBJETO DE ESTUDO DA SOCIOLOGIA</p><p>I. Análise Sociológica: Cultura Humana e Sociedade; Perspectiva</p><p>de governar não é algo a priori e de origem divina, mas depende</p><p>da vontade geral dos governados. A soberania deixa, assim, de residir em uma</p><p>pessoa e é transferida para toda a comunidade política, que será responsável por</p><p>legitimar a ação de governar. Para Rousseau, o estado da natureza é caracterizado</p><p>pela liberdade, igualdade e bondade.</p><p>O contrato social consiste em um pacto pelo qual os egoísmos individua-</p><p>listas são eliminados por meio da submissão de cada cidadão à vontade geral</p><p>unânime. O modelo político proposto por Rousseau seria a democracia direta. O</p><p>Estado é, para ele, um meio de desenvolvimento moral da humanidade, portanto</p><p>deve tentar alcançar o bem comum. Dessa forma, o pensamento deste estudioso</p><p>influenciou diretamente na superação do modelo absolutista e foi um dos pilares</p><p>U</p><p>N</p><p>IC</p><p>ES</p><p>U</p><p>M</p><p>A</p><p>R</p><p>85</p><p>da doutrina política liberal, em que outros pensadores também deram contribui-</p><p>ções decisivas, como Montesquieu, que formulou o princípio da separação de</p><p>poderes, em virtude do qual seria possível evitar abusos na ação governamental</p><p>e garantir o respeito aos direitos dos que eram governados.</p><p>Os três poderes que Montesquieu formulou são: o poder executivo, pró-</p><p>prio do governo; o poder legislativo, vinculado ao Parlamento; e o poder</p><p>judiciário, ligado aos juízes.</p><p>Cidadania</p><p>As experiências fundamentais da política ocidental vêm de duas realidades políticas</p><p>da antiguidade: a pólis (polis) grega e a república (res publica) romana. Muito do</p><p>nosso vocabulário político surge a partir dessas duas formas ou realidades políticas.</p><p>O conceito de cidadão e cidadania nasceu nesses dois contextos e continua até hoje.</p><p>Para adequarmos historicamente as referências de ambas as experiências</p><p>políticas, devemos retomar a ideia de cidade-estado, que serve tanto para Grécia</p><p>quanto para Roma. Já o conceito de pólis é utilizado apenas na Grécia. A política</p><p>da cidade-estado remonta ao mundo grego, desde meados do século VII a.C. à</p><p>conquista de Alexandre, o Grande, no século IV a.C., e no mundo romano, a partir</p><p>de meados do século V a.C. até a fase da república tardia.</p><p>A cidade-estado é uma realidade política da Antiguidade, o que não ocorre</p><p>novamente na história política do Ocidente. Suas características essenciais eram:</p><p>extensão territorial reduzida, para que seus habitantes se conhecessem; suficiên-</p><p>cia econômica; autarquia; e, especialmente, independência política.</p><p>Nas cidades-estados gregas, o papel ativo do cidadão se tornou realidade pela</p><p>primeira vez na história política do Ocidente, e a República Romana, no que lhe</p><p>diz respeito, também definiu, pela primeira vez, o status legal de um cidadão, que</p><p>consiste no reconhecimento de seus direitos e deveres.</p><p>No decorrer do tempo, esta concepção de cidadania foi gradativamente reformu-</p><p>lada. Hoje, a definição mais usada é a que se refere como uma relação jurídica entre</p><p>o indivíduo e o Estado. A maioria das pessoas no mundo são cidadãs legais de um</p><p>ou outro Estado, o que lhes dá permissão a certos privilégios ou direitos. Ser cidadão</p><p>também impõe algumas obrigações em termos daquilo que é esperado da pessoa</p><p>sujeita à sua jurisdição. Portanto, os cidadãos cumprem certas obrigações para com</p><p>o seu Estado e, em contrapartida, podem esperar a proteção de seus interesses vitais.</p><p>U</p><p>N</p><p>ID</p><p>A</p><p>D</p><p>E</p><p>2</p><p>86</p><p>Hoje em dia, cidadania é muito mais do que uma construção legal e se refere,</p><p>entre outras coisas, ao senso pessoal de pertencimento, por exemplo, ao sentimen-</p><p>to de pertencer a uma comunidade que você pode atuar e influenciar diretamente.</p><p>A dimensão política da cidadania diz respeito aos direitos e às responsabilidades</p><p>em relação ao seu sistema político. Seu desenvolvimento advém do conhecimento</p><p>do sistema político e da promoção de atitudes democráticas e participativas.</p><p>Na relação entre o indivíduo e a sociedade, podemos distinguir quatro dimen-</p><p>sões que correspondem aos quatro subsistemas que se pode reconhecer numa</p><p>sociedade e que são essenciais para a sua existência: a dimensão político-legal,</p><p>a dimensão social, a dimensão cultural e a dimensão econômica.</p><p>A dimensão político-legal da cidadania se refere aos direitos e às responsa-</p><p>bilidades de acordo com o sistema político pré-estabelecido. A social tem a ver</p><p>com o comportamento dos indivíduos em uma sociedade e requer certo grau de</p><p>lealdade e solidariedade. A cultural diz respeito à consciência de um patrimônio</p><p>cultural comum e é desenvolvida por meio do conhecimento deste, da história e</p><p>das competências básicas (competência linguística, leitura e escrita). A dimensão</p><p>econômica se refere à relação do indivíduo com a força de trabalho e o mercado</p><p>consumidor. Supõe o direito ao trabalho e a um nível mínimo de subsistência.</p><p>Essas quatro dimensões de cidadania são alcançadas por meio dos processos de</p><p>socialização que ocorrem na escola, nas famílias, nas organizações civis, nos partidos</p><p>políticos, bem como por meio de associações, meios de comunicação de massa e vi-</p><p>zinhança. Cada pessoa deve ter a possibilidade de exercer todas as quatro dimensões</p><p>de forma equilibrada e equitativa, caso contrário, a cidadania plena não será efetivada</p><p>Tal processo, contudo, não acontece de forma natural. É necessário que te-</p><p>nhamos consciência de que ele se realiza por uma árdua busca de construção,</p><p>principalmente por parte dos cidadãos, conforme afirma Libanio:</p><p>“ A cidadania não é dom natural e muito menos concessão do Estado.</p><p>É conquista construção, exercício cotidiano, papel social. Num país</p><p>como o nosso – que carece dos serviços sociais básicos, tais como</p><p>saúde, educação, saneamento, habitação, emprego, etc. O exercício</p><p>da cidadania consiste fundamentalmente em transformar o direito</p><p>formal a todos esses serviços, garantidos na Constituição, em rea-</p><p>lidades concretas, efetivas na vida do povo (LIBANIO, 1995, p. 42).</p><p>Nesse sentido, se não houver participação, não haverá cidadania, pois apenas ao atuar</p><p>poderemos ver o processo de construção de conquista da cidadania ser transforma-</p><p>U</p><p>N</p><p>IC</p><p>ES</p><p>U</p><p>M</p><p>A</p><p>R</p><p>87</p><p>do. Essa participação, ao mesmo tempo, gera senso de pertencimento e de atuação</p><p>para modificação de uma realidade, além de ser a pedra angular da democracia.</p><p>Democracia</p><p>Etimologicamente, democracia significa “o poder do povo” e tem origem nas pa-</p><p>lavras gregas kratos (poder) e demos (povo). Se analisarmos o significado exato</p><p>do termo, teremos algumas dificuldades, porque ele teve diferentes interpretações</p><p>ao longo da história. Formas absolutamente diferentes de governo se intitularam</p><p>democracia. No entanto, existem elementos comuns que caracterizam esse mo-</p><p>delo: indica uma entidade política, uma forma de Estado e de governo, em que o</p><p>povo escolhe livremente aqueles que governarão.</p><p>A origem da elaboração do conceito de democracia acontece, num primeiro</p><p>momento, na democracia ateniense, que tem, como figura principal, Péricles. Ele</p><p>foi o maior líder político de Atenas na segunda metade do século V a.C. e seu</p><p>sistema político girava em torno da assembleia popular. Além disso, ele definiu</p><p>o sistema de governo como uma democracia, pois o poder não estava nas mãos</p><p>de uma minoria, mas de todo o povo.</p><p>A característica especial da democracia ateniense é que as pessoas participa-</p><p>vam diretamente das decisões, mas somente denominados homens livres pode-</p><p>riam participar da vida política – o que excluía mulheres, escravos, menores de</p><p>idade e estrangeiros. O centro do poder político em Atenas, bem como sua ins-</p><p>tituição mais conhecida e mais identificada com a democracia, foi a Assembleia.</p><p>Esse modelo grego corresponde ao que hoje chamamos de democracia direta. O</p><p>povo, formado por cidadãos, tem soberania e o exerce diretamente.</p><p>Nesse período, merecem destaque filósofos como Aristóteles, que acreditava que</p><p>a única forma possível de governo corresponde ao governo do povo, pelo povo e</p><p>para povo. Em contraste, Platão criticava a democracia ateniense porque, para ele, a</p><p>república deve estar nas mãos de profissionais habilitados, não de cidadãos comuns.</p><p>Na Roma antiga, semelhante à democracia ateniense, as ideias implementadas</p><p>foram as de Aristóteles. O poder foi dividido em várias instituições, baseado na par-</p><p>ticipação dos cidadãos – mas excluindo, também, escravos, mulheres e estrangeiros</p><p>– e estava nas mãos de pessoas ricas e proprietárias de terras, chamados de patrícios.</p><p>Pessoas comuns ou plebeus tiveram pouca influência na vida política. O poder real</p><p>estava no Senado, um conselho de anciãos de origem nobre, que aconselhava os reis.</p><p>U</p><p>N</p><p>ID</p><p>A</p><p>D</p><p>E</p><p>2</p><p>88</p><p>O período medieval não foi nada democrático, no sentido do que estudamos até</p><p>o momento, pelo fato de o poder estar submetido a Deus, ou seja, o poder do povo</p><p>estava nas mãos da Igreja. Com o Renascimento, Deus deixa de ser o centro e dá</p><p>lugar ao ser humano, que, a partir desse momento, renasce e se desenvolve. Durante</p><p>os séculos XV e XVI na Europa é enfatizada, novamente, a importância da participa-</p><p>ção dos cidadãos em interesses políticos, para promover a estabilidade da República,</p><p>deixando para trás a vida passiva e contemplativa defendida pelo cristianismo.</p><p>Nos séculos XVI e XVII, as principais ideias desse período incluíram a defesa</p><p>do indivíduo e suas liberdades. A intervenção do Estado e dos poderes públicos</p><p>estava limitada à vida econômica, política e social. O indivíduo, considerado um</p><p>ser racional por natureza, tinha, então, uma série de direitos que deveriam ser</p><p>respeitados. O poder era dado aos cidadãos, que elegiam seus representantes de</p><p>maneira livre e soberana, e foi dado fim à supremacia da Igreja Católica Romana,</p><p>o que fragmentou a unidade religiosa da Idade Média e promoveu a pluralidade</p><p>e o pensamento livre. É o chamado período do liberalismo.</p><p>Para começar a descrever a democracia do século XVIII, precisamos com-</p><p>preender, primeiramente, o caso dos Estados Unidos. Depois da sua declaração</p><p>de independência em 1776, após amarga batalha contra a Grã-Bretanha, os EUA</p><p>passaram por um processo de aplicação de sua forma democrática de governo,</p><p>que começou com a ratificação de sua constituição em 1787. Pretendia-se criar</p><p>um governo federal único, com um presidente da república, um congresso e um</p><p>senado, em que residiriam os poderes legislativos.</p><p>Em 1789, na França, aconteceu a Revolução Francesa, uma mudança po-</p><p>lítica muito importante, não apenas para a França, mas também para outros</p><p>países que utilizariam os seus preceitos como exemplo. Tal revolução signifi-</p><p>cou o triunfo de um povo oprimido e cansado das injustiças, dos privilégios</p><p>da nobreza feudal e do estado absolutista.</p><p>No século XIX, a democracia se baseava na soberania popular, na liberdade</p><p>e na igualdade social. O novo conceito objetivou superar algumas desigualdades</p><p>e alguns privilégios do velho liberalismo. Nesse período, a figura do proletariado</p><p>emergiu e se identificou como classe. Ocorreu, então, a luta entre o proletariado</p><p>contra a burguesia e o Estado, uma vez que este se recusou a aceitar as exigências</p><p>dessa nova classe e seu direito a ter um papel na vida social e política da sociedade.</p><p>Atualmente, a democracia está situada como forma dominante de governo</p><p>no mundo. Vários eventos aconteceram para que ela se consolidasse: o sufrágio</p><p>universal (incorporação do voto dos pobres e das mulheres), o desaparecimento</p><p>U</p><p>N</p><p>IC</p><p>ES</p><p>U</p><p>M</p><p>A</p><p>R</p><p>89</p><p>Será que vivemos, de fato, em uma democracia, com tudo que nos deveria ser assegurado?</p><p>pensando juntos</p><p>ou o enfraquecimento das monarquias, a queda das ditaduras militares latino-</p><p>-americanas, a descolonização da maior parte da Ásia e da África, o direito de</p><p>voto de minorias raciais nos EUA etc.</p><p>A afirmação da pessoa humana, no contexto democrático atual, a respeito da</p><p>sua individualidade, sua autonomia e a proteção dos direitos individuais surgiram</p><p>em oposição às monarquias absolutas e aos despotismos que, historicamente, não</p><p>observaram nenhum desses limites. Isso significou conceder a todas as pessoas,</p><p>em consideração à sua humanidade e personalidade, direitos e proteções iguais</p><p>e a mesma capacidade de independência de julgamento, tanto em suas vidas</p><p>pessoais quanto em seus julgamentos políticos.</p><p>Quando os cidadãos agem unicamente em favor de seus interesses, suas am-</p><p>bições e seus fins privados com apatia e insatisfação com os limites impostos pela</p><p>responsabilidade, o compromisso com o público, a convivência cívica e as insti-</p><p>tuições democráticas, lidamos com um dos fenômenos sociais mais arriscados e</p><p>mais difíceis de reverter. Para isso, é preciso abordar a construção da cidadania e</p><p>de um mundo público guiado pelos princípios, pelas instituições e pelos direitos</p><p>estabelecidos nas constituições democráticas. O senso coletivo deve prevalecer</p><p>nas mais diversas discussões sobre a vida em sociedade.</p><p>Para a filósofa Hannah Arendt, as sociedades modernas, com as inseguranças</p><p>do mundo do emprego, as pressões por status social, a busca pelo poder e o foco</p><p>pelas necessidades econômicas – em detrimento das políticas e cívicas – geraram</p><p>costumes extremamente individualistas e de alienação da política. Os cidadãos não</p><p>são levados a pensar por si mesmos, ao pensamento crítico e à participação e preocu-</p><p>pação com as consequências de suas ações sobre os direitos dos outros, sobre a vida</p><p>pública e o bem comum. Pelo contrário, os costumes associados a uma sociedade de</p><p>empregados de instituições caracterizadas por hierarquias serão os da obediência a</p><p>crítica à autoridade, da acomodação a qualquer preço e do individualismo egoísta.</p><p>Como podemos notar, há muito que ser desvendado e estudado na democra-</p><p>cia no que tange à participação de nós, como cidadãos, na construção de uma</p><p>sociedade devidamente democrática.</p><p>U</p><p>N</p><p>ID</p><p>A</p><p>D</p><p>E</p><p>2</p><p>90</p><p>3 ANTROPOLOGIA</p><p>Parte da confusão com o conceito de cultura surge quando a palavra é usada</p><p>como expressão e manifestação das artes plásticas ou da música clássica, quando</p><p>se interpreta que as pessoas educadas e conhecedoras das artes e de outras pessoas</p><p>“têm cultura”, assumindo que há um tipo de escada para os “incultos” (carentes de</p><p>cultura). Em contrapartida, também é utilizada para nomear grupos humanos</p><p>não muito conhecidos, como a cultura ianomâmi ou cultura guarani. Muitas</p><p>pessoas se confundem com esse duplo sentido, mas os professores parecem ter</p><p>preferência pelo primeiro significado, pois alguns se reconhecem e são reconhe-</p><p>cidos pelos outros como pessoas “educadas” ou “cultas”.</p><p>Para a Antropologia, cultura é o nome comum que indica uma forma parti-</p><p>cular de vida, de pessoas, de um período ou de um grupo humano. Está ligada à</p><p>apreciação e análise de elementos como valores, costumes, normas, estilos de vida,</p><p>formas ou implementos materiais, organização social etc. Poderíamos dizer que</p><p>ela aprecia o presente ao observar para o passado que lhe deu forma. Qualquer</p><p>um dos elementos da cultura analisada vem das tradições do passado, com seus</p><p>mitos, lendas e costumes de tempos distantes. Assim, o conceito antropológico</p><p>nos permite apreciar variedades de culturas particulares: de determinada região,</p><p>do aldeão, do camponês, de criação, mulheres, jovens, cultura universitária, cul-</p><p>turas étnicas, cultura da educação, cultura religiosa etc.</p><p>U</p><p>N</p><p>IC</p><p>ES</p><p>U</p><p>M</p><p>A</p><p>R</p><p>91</p><p>A primeira definição antropológica de relevância foi a do antropólogo Ed-</p><p>ward Burnett Tylor que, em um parágrafo simples, o primeiro de seu livro, deixou</p><p>uma definição que ainda é utilizada nos dias de hoje:</p><p>“ Tomando em seu amplo sentido etnográfico (cultura) é este todo com-</p><p>plexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou</p><p>qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como</p><p>membro de uma sociedade (TYLOR apud LARAIA, 2006, p. 25).</p><p>A definição de Tylor hoje é considerada vaga e pouco precisa, porque é muito</p><p>aberta, ou seja, faz uma pequena lista do que esse autor considera ser parte da</p><p>cultura (conhecimento, crenças, arte, moral, leis, costumes), o que deixa aberta</p><p>a possibilidade de incluir quaisquer outros elementos quando diz “ou qualquer</p><p>outra capacidade ou hábitos</p><p>adquiridos”. O problema é que, mesmo com a passa-</p><p>gem de todos esses anos desde que Tylor publicou sua famosa definição, não há</p><p>ainda um termo que seja unânime no que diz respeito à cultura para antropólogos</p><p>em todo o mundo, o que nos mostra que esse é um dos termos mais difíceis de</p><p>definir no vocabulário antropológico.</p><p>Franz Boas (2004), antropólogo norte-americano, ressaltou o caráter parti-</p><p>cular de cada cultura no campo da diversidade cultural. Ele desenvolveu uma</p><p>tese que contradiz as teorias do evolucionismo utilizadas em sua época. Cada</p><p>cultura, ele nos dirá, é o resultado de algumas condições naturais e históricas que,</p><p>no entanto, não são determinantes. Para Boas, cultura pode ser definida como a</p><p>totalidade das reações e atividades mentais e físicas que caracterizam o comporta-</p><p>mento dos membros individuais de um grupo social, coletiva e individualmente.</p><p>Ruth Benedict, antropóloga também norte-americana, enfatizou a condição</p><p>seletiva da cultura ao entender que cabe uma escolha entre as inúmeras possibi-</p><p>lidades oferecidas. Assim, cada cultura apresentará um perfil específico e único.</p><p>Foi Benedict quem introduziu o conceito de padrão cultural.</p><p>Alfred Louis Kroeber, discípulo de Franz Boas, afirmou que os fenômenos</p><p>culturais respondem a uma lógica própria, na qual o indivíduo está incapacitado</p><p>de intervir mesmo que esteja fora do alcance de sua vontade: o sujeito por si só</p><p>não constrói o projeto, mas este lhe é dado por meio da herança social.</p><p>Na interpretação de Bronislaw Malinowski, a cultura se constitui em resposta às</p><p>necessidades elementares do ser humano: alimentação e reprodução. Esse antropólo-</p><p>go apontou que a cultura dos seres humanos está inevitavelmente ligada à necessidade.</p><p>U</p><p>N</p><p>ID</p><p>A</p><p>D</p><p>E</p><p>2</p><p>92</p><p>Podemos notar que, além das construções sobre o conceito de cultura, a pró-</p><p>pria cultura é dinâmica. A mudança é um requisito da sua natureza integrada.</p><p>É evidente que tais processos adquirem profundidade especial na transição das</p><p>sociedades tradicionais para as modernas, além de constituírem objeto de estu-</p><p>do de grande importância para as Ciências Sociais devido às repercussões. Em</p><p>qualquer caso, a mudança está implícita na cultura.</p><p>Etnocentrismo e relativismo cultural</p><p>Etnocentrismo significa conferir valor mais alto à própria cultura do que à do</p><p>outro, ao utilizar os próprios padrões culturais para julgar o que é diferente. Em</p><p>suma, considera a própria cultura como superior às demais. Na vida cotidiana, é</p><p>bem perceptível nos juízos de valor daqueles que veem pessoas de outras culturas</p><p>como esquisitas e atrasadas. Há até certo desprezo com relação ao outro, mas essa</p><p>percepção requer reflexão crítica. O etnocentrismo dificulta e impede a com-</p><p>preensão das culturas de outros povos, além de gerar intolerância e preconceito.</p><p>O conceito de etnocentrismo está ligado ao desenvolvimento da teoria antro-</p><p>pológica. Embora pareça estranho que, nos primórdios da Antropologia, a dis-</p><p>cussão sobre esse conceito não tenha aparecido, perceberemos que a ausência da</p><p>maturidade científica reflete o surgimento da noção de etnocentrismo. Pelo fato</p><p>de todo o desenvolvimento teórico antropológico estar no Ocidente, raramente se</p><p>ponderava que a cultura ocidental era vista como superior em relação às demais.</p><p>As culturas não existem isoladamente e nem surgem de forma aleatória.</p><p>Elas têm, em si mesmas, fortes razões para existir, cada uma com a sua pecu-</p><p>liaridade. É importante perceber que é errado tentar entender uma cultura</p><p>ao utilizar padrões de outra cultura.</p><p>A lógica da cultura requer que nós a penetremos, apreendendo os elementos</p><p>que a compõem. Um claro exemplo sobre a análise cultural aconteceu comigo e</p><p>com a minha família quando, em determinado momento, precisei mudar-me para</p><p>uma pequena cidade no interior do Paraná com, mais ou menos, vinte e três mil</p><p>habitantes, e minha família me acompanhou. Nunca havíamos experienciado uma</p><p>dinâmica cultural tão peculiar. O choque cultural, a princípio, fez-me acreditar que</p><p>as culturas que eu tinha vivenciado em cidades maiores era melhor do que aquela</p><p>cultura de cidade pequena, todavia, comecei a perceber que precisava mergulhar</p><p>U</p><p>N</p><p>IC</p><p>ES</p><p>U</p><p>M</p><p>A</p><p>R</p><p>93</p><p>Acesse o QR Code e aprenda um pouco mais sobre Antropologia,</p><p>etnocentrismo e relativismo cultural.</p><p>conecte-se</p><p>e compreendê-la para poder relacionar-me com as pessoas de forma saudável, sa-</p><p>bendo que a cultura delas era diferente, não inferior à da minha família.</p><p>Oposto ao etnocentrismo – e como forma de combatê-lo –, surgiu o conceito</p><p>de relativismo cultural, que consiste em colocar-se no lugar do outro para en-</p><p>tender sua cultura; em adotar os padrões culturais da sociedade que se pretende</p><p>estudar, para entender sua lógica interna. No entanto, devemos entender que esse</p><p>relativismo não deve ser radical. É evidente que as culturas não são iguais e nem</p><p>seus valores precisam ser completamente aceitáveis. A interpretação radical desse</p><p>conceito nos levaria a aceitar práticas culturais inteiramente inaceitáveis, como</p><p>aquelas referentes à submissão incondicional de mulheres ou ao apedrejamento</p><p>até a morte. O relativismo é apenas um princípio que nos guia sobre como en-</p><p>tender outra sociedade. O fato de o antropólogo tornar-se membro da cultura</p><p>que estuda não significa abdicar de sua neutralidade científica.</p><p>Práticas culturais que negam os direitos humanos são repreensíveis sob qual-</p><p>quer ponto de vista. Isso não contradiz o princípio do relativismo cultural, segun-</p><p>do o qual o antropólogo, ou o cientista social em geral, deve tentar colocar-se no</p><p>lugar do estudado para melhor entender sua cultura.</p><p>Por meio do relativismo cultural, o movimento em defesa dos direitos das</p><p>minorias culturais se difundiu em todo o mundo. Também alcançou as mino-</p><p>rias religiosas e, em geral, todos os grupos humanos que possuem suas próprias</p><p>peculiaridades culturais, inclusive fazendo parte dos Estados ditos democráticos.</p><p>Cultura de massa e indústria cultural</p><p>Desde o Renascimento, foi estabelecido, na Europa, a distinção entre cultura</p><p>de elite (arte e cultura das classes altas) e cultura popular (as tradições e expres-</p><p>sões culturais das pessoas comuns, do povo).</p><p>A cultura de elite ou “cultura superior” correspondia à cultura formalizada</p><p>reconhecida como tal, expressa em obras de arte e caracterizada por autoria reco-</p><p>https://apigame.unicesumar.edu.br/qrcode/2012</p><p>U</p><p>N</p><p>ID</p><p>A</p><p>D</p><p>E</p><p>2</p><p>94</p><p>nhecida, refinamento, prestígio social e valor político. As primeiras tecnologias de</p><p>comunicação (pergaminho, papel e impressão) e tecnologias de expressão artística</p><p>apareceram associadas à cultura de elite e contribuíram para moldar a cultura letra-</p><p>da, fundamentalmente baseada na escrita, que caracteriza a história do Ocidente.</p><p>A cultura popular ou “cultura inferior” correspondia às histórias orais, aos</p><p>ritos populares, ao folclore, ao artesanato e à música popular. Constituía-se como</p><p>a expressão de identidade de grupos sociais mais ou menos diferenciados e ti-</p><p>nha estreita relação com a vida cotidiana. Caracterizada pelo anonimato, pela</p><p>espontaneidade, ausência de prestígio social ou valor político, sua natureza era</p><p>essencialmente pragmática e oral. Não havia refinamento ou abstração.</p><p>O desenvolvimento de novas formas de vida urbana e o surgimento da massa</p><p>(populacional) no final do século XIX introduziram importantes mudanças nessa</p><p>dinâmica cultural. Ao mesmo tempo, o surgimento de novos meios de expressão,</p><p>como a fotografia, o cinema, a imprensa, o rádio, a TV e, em nossos dias, a internet,</p><p>deu origem a uma nova esfera cultural, singularizada pela amplitude de seu público</p><p>e pelo surgimento de novos gêneros e temas, e novas mídias e linguagens estéticas.</p><p>Com a industrialização das formas de expressão pelas tecnologias de comuni-</p><p>cação e expressão artística, a forma de cultura do século XIX até os nossos dias foi</p><p>radicalmente transformada. A obra de arte deixou de ser algo singular e passou a</p><p>adquirir valor econômico. Dependendo da reprodutibilidade e do valor econômico</p><p>de seus produtos nas novas condições de mercado, tanto a cultura de elite quanto</p><p>a cultura popular se tornaram acessíveis pela primeira vez a um público de massa.</p><p>A própria dinâmica do mercado, decisiva na estrutura de novas formas de</p><p>vida social, impôs também novas condições aos produtos culturais: a cultura deve</p><p>seduzir e, ao mesmo tempo, proporcionar valor de troca. Nasceu, assim, a ideia da</p><p>cultura de massa como processo de absorção e transformação da cultura de elite</p><p>e da cultura popular nas condições econômicas e sociais da sociedade de massa.</p><p>O fator decisivo dessa transformação é que a cultura, a tecnologia, a indústria e</p><p>o fator econômico são unificados. Com a cultura das massas, nasceu o consumo da</p><p>cultura e o conceito de indústria cultural. Essa mercantilização, juntamente com a</p><p>consequente padronização da esfera cultural, tornou-se fonte frequente de críticas.</p><p>Na sociedade de massas, a cultura se torna valor de identidade social e aspecto</p><p>importante da vida social. Com isso, o Estado começa a intervir na cultura, com</p><p>o objetivo de dar acesso a todos, de forma igualitária, por meio de subsídios,</p><p>U</p><p>N</p><p>IC</p><p>ES</p><p>U</p><p>M</p><p>A</p><p>R</p><p>95</p><p>fundações, políticas de desenvolvimento cultural, entre outros. O papel da mídia,</p><p>nesse contexto, é duplo: como produtores e disseminadores da cultura de massa.</p><p>A cultura de massa foi fortemente criticada nos anos 50 a 70 pelos pensadores</p><p>europeus, especialmente a Escola de Frankfurt e a tradição marxista, que via nela</p><p>uma superestrutura projetada para assegurar a sobrevivência dos mecanismos de</p><p>poder característicos do modo de produção capitalista. O filósofo Louis Althusser</p><p>fala de “ideologia da mídia” e Gramsci de “hegemonia da mídia”.</p><p>Segundo esses dois autores, é quase impossível fugirmos dessa dinâmica de</p><p>olharmos para a cultura como objeto de consumo, mas basta buscarmos cami-</p><p>nhos alternativos de produção cultural e arte que ainda não foram completamen-</p><p>te imersos na mercantilização da cultura.</p><p>Antropologia brasileira</p><p>Darcy Ribeiro</p><p>Nasceu em 26 de outubro de 1922 em Montes Claros, Minas Gerais. Estudou So-</p><p>ciologia e Ciência Política na Universidade de São Paulo (USP). Em 1947, trabalhou</p><p>como pesquisador e etnólogo no Serviço de Proteção aos Indígenas. Chegou a dirigir</p><p>o Departamento de Etnologia de 1952 a 1966. Em 1953, fundou o Museu do Índio</p><p>e dirigiu o Centro de Pesquisa Educacional (Capes) e o Departamento de Pesquisa</p><p>Social da Campanha de Erradicação do Analfabetismo. Em 1961, foi Ministro da</p><p>Educação e Cultura. Fundou a Universidade de Brasília (UnB), onde ocupou a rei-</p><p>toria entre 1962 e 1963, e foi chefe da Casa Civil da Presidência da República. Foi</p><p>exilado para o Uruguai e viajou para o Chile e Peru, ensinando Antropologia. Em</p><p>1976, foi anistiado e voltou ao Brasil. Foi vice-governador do estado do Rio de Ja-</p><p>neiro, deputado e senador da República. Em 1976, retomou o ensino na UnB. Além</p><p>disso, realizou vários trabalhos antropológicos entre grupos indígenas brasileiros.</p><p>Sua autoria inclui inúmeros livros sobre religião, mitologia, línguas indígenas e</p><p>sistemas culturais. Entre seus trabalhos, estão: O Processo Civilizatório (1968), Uni-</p><p>versidade Necessária (1969), As Américas e a Civilização (1970), Os Brasileiros:</p><p>Teoria do Brasil (1972) e O Povo Brasileiro: a Formação e o Sentido do Brasil (1995).</p><p>U</p><p>N</p><p>ID</p><p>A</p><p>D</p><p>E</p><p>2</p><p>96</p><p>Darcy Ribeiro se dedicou aos estudos sobre identidade latino-americana e</p><p>suas pesquisas e publicações se concentraram no processo de civilização e nas</p><p>configurações socioculturais dos povos da América Latina. Seu conhecimento</p><p>sobre povos irmãos o levou a propor novas categorias de interpretação, enfren-</p><p>tando o chamado mundo ocidental.</p><p>De acordo com suas ideias, a América Latina tem identidade própria como</p><p>um povo novo, com a mistura de indígenas, europeus e africanos. Um povo que</p><p>busca a integração em uma grande comunidade de nações com destino comum</p><p>em nível continental. Devido à sua experiência na organização e estruturação da</p><p>UnB, Darcy Ribeiro foi convidado por alguns governos e algumas universidades a</p><p>fazer abordagens estruturais para mudanças no ensino superior. Ele estudou Re-</p><p>formas Universitárias no Peru, na Venezuela, no Uruguai, no México e no Chile.</p><p>Visitou inúmeras universidades e centros de estudos latino-americanos, nos quais</p><p>apontou o caminho intelectual para fortalecer a integração latino-americana. Segun-</p><p>do suas ideias, é necessário criar uma consciência latino-americana para consolidar</p><p>esse novo povo, síntese de várias culturas. É preciso encontrar o autêntico modelo po-</p><p>lítico, socioeconômico e cultural, que emerge da própria realidade latino-americana.</p><p>Ele foi um dos representantes mais importantes da escola evolucionista de</p><p>Antropologia. Suas ideias foram levantadas por meio do estudo do processo de</p><p>civilização, segundo o qual há uma evolução sociocultural, que serve de base para</p><p>estudos sobre o processo de formação étnica e sobre os problemas de desenvol-</p><p>vimento enfrentados pelos povos americanos. Para alcançar profundo conhe-</p><p>cimento dos povos, é essencial conhecer as etapas da evolução sociocultural no</p><p>U</p><p>N</p><p>IC</p><p>ES</p><p>U</p><p>M</p><p>A</p><p>R</p><p>97</p><p>decorrer do tempo em um esquema global e, com as contribuições da Arqueolo-</p><p>gia, Etnologia e História, conseguir localizar qualquer sociedade, extinta ou atual,</p><p>e o seu contínuo desenvolvimento sociocultural.</p><p>Essa teoria civilizadora o levou a estudar o desenvolvimento histórico da Amé-</p><p>rica Latina, desde o mundo antigo ao final do século XX, passando por suas vá-</p><p>rias fases ou estágios, verificando, também, o impacto das revoluções tecnológicas.</p><p>Para interpretar as estruturas políticas, sociais, econômicas, culturais, educacionais</p><p>parciais e as características de países desenvolvidos e subdesenvolvidos – como</p><p>a América Latina –, é preciso entender seu processo civilizacional e o impacto</p><p>das revoluções tecnológicas. Isso também indica que não se pode compreender o</p><p>desenvolvimento de universidades da América Latina nos séculos XIX e XX sem</p><p>interpretar essas instituições de ensino superior no processo de civilização, além de</p><p>sua posição em países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento.</p><p>A evolução sociocultural, concebida como sucessão de processos gerais da</p><p>civilização, possui caráter progressivo, evidente no movimento que levou o ho-</p><p>mem da condição tribal aos contextos macrossociais nacionais modernos. Os</p><p>processos civilizatórios gerais que o compõem também são movimentos evo-</p><p>lutivos por meio dos quais novas formações socioculturais são configuradas.</p><p>Nesses processos, Darcy Ribeiro destacou a presença de povos desenvolvidos e</p><p>subdesenvolvidos do mundo moderno.</p><p>Essas ideias o levaram a refletir sobre a cultura latino-americana, atrasada no</p><p>processo de civilização mundial e dependente dos países com maior desenvolvi-</p><p>mento econômico e cultural, em sua órbita neocolonial.</p><p>U</p><p>N</p><p>ID</p><p>A</p><p>D</p><p>E</p><p>2</p><p>98</p><p>CONSIDERAÇÕES FINAIS</p><p>Nesta unidade, tivemos uma diversidade de temas relacionados às Ciências So-</p><p>ciais, especificamente. Num primeiro momento, aventuramo-nos em conhecer os</p><p>conceitos dos principais autores da Sociologia. Em Augusto Comte, vimos a busca</p><p>incessante por transformar o estudo da sociedade em algo altamente científico. Para</p><p>ele, somente os resultados advindos dos métodos científicos seriam válidos. Foi um</p><p>grande passo na busca por explicações que fugiam das habituais superstições da épo-</p><p>ca, transformando o estudo das dinâmicas sociais numa sólida disciplina acadêmica.</p><p>Por meio de Marx, Weber e Durkheim – os grandes clássicos da Sociologia –,</p><p>verificamos ideias, conceitos, visões sobre o trabalho, as relações sociais e o que</p><p>eles compreendiam dos processos que estavam sendo desenvolvidos em suas</p><p>épocas. Marx, feroz crítico do sistema capitalista, analisou a história da humani-</p><p>dade como uma eterna luta de classes. Os antagonismos, segundo ele, explicam</p><p>os acontecimentos históricos até os seus dias. Weber postulou, por meio de sua</p><p>obra A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, publicado</p><p>em 1905, a ideia</p><p>de que os pressupostos e a doutrina protestante fizeram emergir o capitalismo</p><p>tal qual se instaurou. Em Durkheim, quando estudou acerca da anomia social,</p><p>foi um dos primeiros autores que tratou o suicídio como um fenômeno social.</p><p>Segundo ele, a desesperança com o mundo, proporcionada pela sociedade, faz</p><p>com que as pessoas deem fim à própria vida.</p><p>Na Ciência Política, abordamos quatro ideias essenciais para essa disciplina</p><p>e para nós mesmos nos dias atuais: poder, Estado, democracia e cidadania. Com-</p><p>preender esses conceitos, suas origens e as consequências que trazem para a nossa</p><p>sociedade, faz-nos pensar que vale à pena escrever e estudar esses assuntos, pois</p><p>são vitais para nossa vida em sociedade.</p><p>Na área da Antropologia, estudamos a forma como a cultura se tornou, ao</p><p>longo dos anos, um objeto de consumo para a sociedade de massas. Vimos, tam-</p><p>bém, como é importante analisar a cultura de outros povos de acordo com o</p><p>relativismo cultural, para não nos tornarmos etnocêntricos.</p><p>99</p><p>na prática</p><p>1. Para Émile Durkheim, os fatos sociais constituem modos de ação e representação</p><p>amplamente estendidos dentro de uma sociedade específica, compartilhados pela</p><p>maioria de seus membros. De acordo com o que estudamos nesta unidade, explique</p><p>o que é fato social para Durkheim.</p><p>2. O materialismo histórico vê, no desenvolvimento dos modos de produção de bens</p><p>materiais necessários à existência do homem, a principal força que determina toda</p><p>a sua vida social, condicionando também a transição de um regime social para outro.</p><p>Sem produzir bens materiais, nenhuma sociedade pode existir. A partir desse pen-</p><p>samento, o que é materialismo histórico, de acordo com a definição de Karl Marx?</p><p>3. O pensamento de Max Weber exerceu influência extraordinária em nosso tempo,</p><p>influência esta que abrange o amplo território das Ciências Sociais e também se</p><p>estende aos domínios da Filosofia. Seu trabalho sociológico monumental responde</p><p>à tentativa de superar o desencantamento do mundo e encontrar uma saída para a</p><p>irracionalidade ética que o autor diagnosticou. Por que, segundo Weber, a moderni-</p><p>dade trouxe para o ser humano a ideia de desencantamento do mundo?</p><p>4. A diluição de fronteiras, a perda da soberania, a crise do Estado nacional, o surgi-</p><p>mento de novos movimentos sociais, cidadãos, formas de cidadania e identidades e</p><p>novos atores no cenário internacional (regiões de países, nações sem Estado) fazem</p><p>parte do contexto fluido e mutável que caracteriza a Política nas primeiras décadas</p><p>do século XXI. Conforme o que estudamos nesta unidade, você acredita que a busca</p><p>pela cidadania se dá de forma natural? Explique.</p><p>5. Nas situações em que surgem conflitos entre culturas, as crenças etnocêntricas de</p><p>superioridade geralmente estão ligadas a sentimentos de desconfiança e medo,</p><p>bem como a ações destinadas a limitar o contato com membros do outro grupo e</p><p>a exercer discriminação. Em meio a conflitos culturais violentos, o etnocentrismo é</p><p>acompanhado por xenofobia, discriminação, preconceito, separação física de grupos</p><p>e presença recorrente de estereótipos negativos em relação ao outro. Assim, elabore</p><p>um texto dissertativo no qual conceitue o que é etnocentrismo.</p><p>100</p><p>aprimore-se</p><p>INFRAESTRUTURA E SUPERESTRUTURA EM MARX</p><p>Há diversos conceitos importantes para a compreensão de todo o pensamento de Karl</p><p>Marx. Destacaremos, neste pequeno texto, dois deles: infraestrutura e superestrutura.</p><p>Ao dedicar-se a compreender a organização da sociedade capitalista e sua estru-</p><p>tura social, Marx percebeu que a sociedade poderia ser dividida em infraestrutura</p><p>e superestrutura. Para ele, a infraestrutura se trata das forças de produção, com-</p><p>postas pelo conjunto formado pela matéria-prima, pelos meios de produção e pelos</p><p>próprios trabalhadores (as relações de produção se dão em: empregados-empre-</p><p>gados, patrões-empregados). Trata-se da base econômica da sociedade em que se</p><p>dão, segundo Marx, as relações de trabalho – as marcadas pela exploração da força</p><p>de trabalho no interior do processo de acumulação capitalista. A superestrutura é</p><p>fruto de estratégias dos grupos dominantes para a consolidação e perpetuação de</p><p>seu domínio. Trata-se da estrutura jurídico-política e da estrutura ideológica (Esta-</p><p>do, religião, arte, meios de comunicação etc.).</p><p>Para a consolidação e perpetuação da dominação das classes dominantes, são</p><p>utilizadas estratégias que demandam ora uso da força, ora da ideologia (MARX,</p><p>1993). Um exemplo de um instrumento de uso da força é o Estado, o qual possui o</p><p>uso da força legitimado pela ideologia. Para Marx, o Estado está sempre à serviço da</p><p>classe dominante, buscando manter o status quo.</p><p>Ideologia</p><p>A ideologia é a tática de tornar certas ideias verdadeiras e aceitas pela sociedade, sen-</p><p>do elas criada pela classe dominante de acordo com seus interesses. Como dizia Marx,</p><p>“ As ideias da classe dominante são, em cada época, as ideias dominan-</p><p>tes; isto é, a classe que é a força material dominante da sociedade é,</p><p>ao mesmo tempo, sua força espiritual dominante. A classe que tem</p><p>101</p><p>aprimore-se</p><p>à sua disposição os meios de produção material dispõe também dos</p><p>meios de produção espiritual, de modo que a ela estão submetidos</p><p>aproximadamente ao mesmo tempo os pensamentos daqueles aos</p><p>quais faltam os meios de produção espiritual. As ideias dominantes</p><p>nada mais são que a expressão ideal das relações materiais dominan-</p><p>tes, são as relações materiais dominantes apreendidas como ideias;</p><p>portanto, são a expressão das relações que fazem de uma classe a</p><p>classe dominante, são as ideias de sua dominação (MARX, 1993, p. 72).</p><p>Ideologia e estrutura social</p><p>O uso da força, muitas vezes, deve ser justificado por ideias coletivamente aceitas.</p><p>Por esse motivo, a classe dominante busca produzir e disseminar ideias que legiti-</p><p>mem as ações do Estado em prol de seus interesses. Da mesma forma, a ideologia</p><p>cumpriria o papel de justificar as relações de trabalho e a existência das desigualda-</p><p>des sociais, bem como da exploração do homem sobre o homem.</p><p>Para Karl Marx,</p><p>“ É evidente que eles o fazem em toda a sua extensão, portanto, entre</p><p>outras coisas, que eles dominam também como pensadores, como</p><p>produtores de ideias, que regulam a produção e distribuição das</p><p>ideias de seu tempo; e, por conseguinte, que suas ideias são as ideias</p><p>dominantes da época (MARX, 1993, p. 72).</p><p>Nesse sentido, a superestrutura seria responsável pela manutenção das relações</p><p>sociais existentes na infraestrutura e esta possibilita a sua existência, pois toda a</p><p>riqueza necessária para manter a superestrutura seria, segundo Marx, produzida na</p><p>infraestrutura por meio das nas relações de produção e de troca.</p><p>Fonte: adaptado de Bodart (2019, on-line)².</p><p>102</p><p>eu recomendo!</p><p>Um toque de clássicos: Marx, Durkheim e Weber</p><p>Autor: Tania Quintaneiro</p><p>Editora: UFMG</p><p>Sinopse: Uma excelente síntese das ideias dos três principais au-</p><p>tores da sociologia, com linguagem fácil e acessível, mas profun-</p><p>da e direta.</p><p>livro</p><p>Os Clássicos da Política</p><p>Autor: Francisco W. Weffort</p><p>Editora: Ática</p><p>Sinopse: Para aqueles que desejam conhecer os textos funda-</p><p>mentais da Ciência Política selecionados por professores da Uni-</p><p>versidade de São Paulo, esse livro é uma introdução com as prin-</p><p>cipais teorias dos autores clássicos da Ciência Política.</p><p>livro</p><p>Um conceito Antropológico</p><p>Autor: Roque de Barros Laraia</p><p>Editora: Zahar</p><p>Sinopse: Esse livro tem uma linguagem clara e didática. Além dis-</p><p>so, aborda o conceito de cultura por um viés antropológico, que</p><p>acredito ser o mais profundo em suas análises.</p><p>livro</p><p>103</p><p>eu recomendo!</p><p>House of Cards</p><p>Ano: 2013</p><p>Sinopse: O congressista Francis Underwood e sua mulher, Claire,</p><p>fazem de tudo para conquistar seus objetivos, não importa o que</p><p>aconteça. Um mundo político recheado de ganância, corrupção e</p><p>luxúria na capital Washington.</p><p>Comentário: Série que explicita as relações dos bastidores do po-</p><p>der nos Estados Unidos. Vale a pena assistir.</p><p>filme</p><p>Palestra realizada</p><p>pelo historiador Leandro Karnal no teatro Carlos Urbim na 62ª</p><p>Feira do Livro de Porto Alegre, em 8 de novembro de 2016, com o tema: por que</p><p>os cursos de Filosofia e Sociologia incomodam?</p><p>https://www.youtube.com/watch?v=ssZheBX1CFc</p><p>conecte-se</p><p>3</p><p>PRINCIPAIS ESCOLAS</p><p>E CONCEITOS DAS</p><p>CIÊNCIAS HUMANAS</p><p>– Filosofia e História</p><p>PLANO DE ESTUDO</p><p>A seguir, apresentam-se as aulas que você estudará nesta unidade: • Principais escolas e conceitos das</p><p>Ciências Humanas – Filosofia • Filosofia Contemporânea • Principais escolas e conceitos das Ciências</p><p>Humanas – História (Idade Média, Idade Moderna e Idade Contemporânea).</p><p>OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM</p><p>• Conhecer as principais escolas e conceitos das Ciências Humanas – Filosofia • Compreender a Filosofia</p><p>Contemporânea • Entender as principais escolas e conceitos das Ciências Humanas – História (Idade</p><p>Média, Idade Moderna e Idade Contemporânea).</p><p>PROFESSOR</p><p>Esp. Pablo Araya Santander</p><p>INTRODUÇÃO</p><p>Caro(a) aluno(a), na unidade passada, estudamos as três principais dis-</p><p>ciplinas das Ciências Sociais: Sociologia, Antropologia e Ciência Política.</p><p>Nesta unidade, iremos aprofundar-nos um pouco mais acerca dos temas</p><p>que introduzimos na Unidade 1, contudo, iremos limitar-nos a abordar</p><p>alguns temas relacionados a duas disciplinas das Ciências Humanas: Fi-</p><p>losofia e História. Saliento que os temas propostos serão estudados com</p><p>duas intenções: conduzi-lo(a) para que tenha conhecimento de acordo</p><p>com uma abordagem simples, introdutória e de visão panorâmica sobre as</p><p>duas disciplinas. Não tenho a pretensão de ter aqui um aprofundamento</p><p>dos temas, em virtude da sua enorme complexidade e extensão.</p><p>No estudo da Filosofia, você terá, num primeiro momento, a compreen-</p><p>são da passagem do mito à Filosofia. Como você verá, o desejo dos primeiros</p><p>filósofos era a busca por uma verdade absoluta sobre os fenômenos que acon-</p><p>teciam à sua volta. Os mitos já não davam mais as respostas que eles busca-</p><p>vam. Era preciso mais do que isso. Posteriormente, discutiremos o período</p><p>inicial da história da Filosofia com os filósofos pré-socráticos, passando por</p><p>Sócrates, Platão e Aristóteles. A base de toda a Filosofia se molda nesse início</p><p>do pensamento humano. Nas Filosofias Patrística e Escolástica, encontramos</p><p>a fusão de conceitos da doutrina cristã com a influência dos pensadores</p><p>filosóficos. A Patrística é conhecida como o período dos Pais da Igreja, que</p><p>são primeiros cristãos responsáveis por elaborar, de forma organizada e sis-</p><p>tematizada, as doutrinas do cristianismo. Com isso, constrói-se uma espécie</p><p>de Filosofia da religião cristã. Após um grande salto, veremos, na Filosofia</p><p>Moderna, a ciência do método em René Descartes, grande intelectual dessa</p><p>época, que atuou nas mais diversas áreas do conhecimento. No idealismo</p><p>alemão, veremos a teoria dialética de Hegel (tese, antítese e síntese), utilizada</p><p>até os dias de hoje, inclusive em teses e dissertações acadêmicas.</p><p>Na disciplina de História, você conhecerá os principais acontecimentos</p><p>e características históricas da Idade Média, da Idade Moderna e da nossa</p><p>Idade Contemporânea.</p><p>U</p><p>N</p><p>ID</p><p>A</p><p>D</p><p>E</p><p>3</p><p>106</p><p>1</p><p>PRINCIPAIS ESCOLAS</p><p>E CONCEITOS DAS</p><p>CIÊNCIAS HUMANAS</p><p>– Filosofia</p><p>Do mito à Filosofia: na Unidade 1, abordamos as origens da Filosofia e o que seria o</p><p>pensar ou o refletir filosófico. Agora, partiremos para a discussão sobre o seu surgi-</p><p>mento, em que pese a seguinte questão: a Filosofia teria nascido pela transformação</p><p>e pelo amadurecimento dos relatos míticos ou devido à sua ruptura com os mitos?</p><p>Figura 1 - A Queda de Faetonte (1604), de Peter Paul Rubens</p><p>Definir uma data de início para a Filosofia é tão complicado quanto definir uma</p><p>idade para o universo. Historicamente, o nascimento da Filosofia foi proposto</p><p>por volta do século VI a.C., em Jônia, nas costas da Ásia Menor.</p><p>U</p><p>N</p><p>IC</p><p>ES</p><p>U</p><p>M</p><p>A</p><p>R</p><p>107</p><p>Quando o homem primitivo começou a perguntar-se sobre tudo o que en-</p><p>contrava ao seu redor, ele concentrou sua atenção em fenômenos naturais, como</p><p>a chuva, o trovão, o terremoto e o nascimento de um ser vivo. Observe algumas</p><p>perguntas que poderiam ter surgido nessa época: qual força move os ventos? Por</p><p>que chove? Quem produz terremotos? Quem criou o céu, os animais e as plantas?</p><p>Em muitos povos antigos, essas questões foram respondidas a partir de explica-</p><p>ções que ligavam os seres sobrenaturais às mudanças ocorridas na natureza ou na</p><p>vida dos homens. Essa foi a primeira tentativa de interpretação do mundo e dos seus</p><p>fenômenos. O próprio homem acreditava que sua fortuna ou seu infortúnio eram</p><p>frutos de uma intervenção divina. A essas primeiras explicações chamamos de mitos.</p><p>O mito é uma narrativa sobre a origem das coisas, do homem ou do universo.</p><p>Algumas características sobre esse fenômeno são: utilização de alegorias que</p><p>traduzem as relações existentes no universo ou na vida; tem como protagonistas</p><p>divindades que influenciam o movimento do universo ou a vida dos homens;</p><p>é uma maneira de representação do universo. Tem, por finalidade, explicar a</p><p>realidade e a origem do universo, do homem, da ordem da sociedade, dos ideais</p><p>éticos e morais ou do comportamento</p><p>que os homens devem ter para alcan-</p><p>çar a grandeza. A narração é baseada</p><p>na imaginação, na poesia e na religião</p><p>para dar explicações e propósitos para</p><p>a existência. Eles são classificados em</p><p>mito teogônico (histórias sobre a ori-</p><p>gem dos deuses) e mito cosmológi-</p><p>co (histórias sobre o nascimento do</p><p>mundo e do universo, do cosmos).</p><p>A Filosofia nasce, portanto, da necessidade de o ser humano obter respostas mais</p><p>racionais sobre as questões da vida e o mito começa a não mais satisfazer as in-</p><p>quietudes do homem. Foi necessário um longo tempo de maturação para chegar</p><p>a conclusões convincentes e precisas.</p><p>Em primeiro lugar, ao observar um fenômeno natural, o homem elaborou</p><p>questões sobre quem ou o que o produz. Não tendo os recursos suficientes para</p><p>uma investigação profunda sobre as causas do fenômeno, começou a inventar a</p><p>possibilidade de intervenção de seres sobrenaturais com poder suficiente para</p><p>mover os ventos, a terra ou dar vida aos seres existentes.</p><p>Figura 2 - Hércules e a morte da Hydra</p><p>U</p><p>N</p><p>ID</p><p>A</p><p>D</p><p>E</p><p>3</p><p>108</p><p>Muitos desses seres imaginários são representados com formas e qualidades</p><p>humanas. Assim, em vários mitos, há personalidades responsáveis pela guerra, pelas</p><p>colheitas ou pelos prazeres, como o vinho ou a criação do homem e do universo.</p><p>Diante disso, os mitos proporcionavam certa segurança à vida dos homens,</p><p>uma vez que davam respostas à vida prática no trabalho, à vida moral, à organi-</p><p>zação social, à guerra e ao destino:</p><p>“ “primitivas”, o mito se constitui um discurso de tal força que se en-</p><p>tende por todas as dependências da realidade vivida; não se restrin-</p><p>ge apenas ao âmbito do sagrado (ou seja, da relação entre a pessoa e</p><p>o divino), mas permeia todos os campos da atividade humana. Por</p><p>isso, os modelos de construção mítica do real são de natureza sobre-</p><p>natural, isto é, recorre-se aos deuses para compreender a origem e a</p><p>natureza dos fatos (ARANHA; MARTINS, 2004, p. 72).</p><p>Além disso, o mito serviu para personificar e deificar as forças naturais. Também</p><p>explicava os fenômenos naturais e sociais como desejo de vontade divina, que</p><p>age na vida e na natureza humana.</p><p>Conforme o ser humano passou a compreender o ciclo das estações e o mo-</p><p>vimento das estrelas, as explicações míticas começaram a ser insuficientes. Por</p><p>essa razão, outro tipo de interpretação com explicação racional que respondesse</p><p>às mesmas perguntas era necessário. Os gregos, direcionados pela curiosidade,</p><p>não se contentavam com as explicações míticas, por isso, foi-lhes dada a tarefa</p><p>de procurar um princípio que desse alicerces a todas as coisas. Tal princípio foi</p><p>denominado logos, a explicação que não se baseava em suposições sobrenaturais,</p><p>mas em explicações racionais, alicerçadas em argumentos que fundavam o pen-</p><p>samento filosófico. Assim, a Filosofia se fez necessária para entender o princípio</p><p>que move o mundo de</p><p>um ponto de vista lógico.</p><p>A filosofia inicia quando os elementos míticos são substituídos por elementos</p><p>racionais, lógicos ou naturais nas explicações. Mitos não podem mais ser fontes</p><p>de conhecimento, porque cada povo tem os seus e todos são passíveis de crítica. A</p><p>É possível ainda falarmos em mitos contemporâneos?.</p><p>pensando juntos</p><p>U</p><p>N</p><p>IC</p><p>ES</p><p>U</p><p>M</p><p>A</p><p>R</p><p>109</p><p>ideia de necessidade substitui a arbitrariedade imposta pelo capricho dos deuses,</p><p>descobrindo-se a constância de certas leis.</p><p>Período Pré-Socrático ou cosmológico</p><p>O primeiro período da Filosofia grega é também chamado de período cos-</p><p>mológico, porque se preocupa com a reflexão sobre a natureza e suas mu-</p><p>danças. Além disso, os filósofos dessa época estavam preocupados com a</p><p>origem de todas as coisas (arkhé, arché).</p><p>Os pré-socráticos tentam explicar a realidade existente a partir de algo</p><p>(princípio, arché) que está “dentro das coisas”. Nessa busca, eles não se liberta-</p><p>ram completamente dos elementos míticos. Aos poucos, a explicação mítica</p><p>foi abandonada, substituindo-a por pela racionalidade, embora não seja feita</p><p>imediatamente. Atendendo a essa busca, os filósofos pré-socráticos podem ser</p><p>classificados em: monistas – para os quais há apenas um princípio que explica</p><p>todas as coisas – e pluralistas – que acreditam na diversidade de princípios.</p><p>Tales de Mileto (585 a.C.) é considerado, de acordo com a tradição, o primei-</p><p>ro filósofo da história. Também é tido como um dos</p><p>sete sábios da Grécia por prever um eclipse que pôs</p><p>fim à guerra entre os lídios e medas (28 de maio de</p><p>585 a.C.). Enquanto empresário, mostrou como ficar</p><p>rico ao negociar azeitonas para demonstrar que não</p><p>estava interessado apenas no dinheiro. Enquanto</p><p>matemático, criou o famoso teorema de Tales. Tam-</p><p>bém foi astrônomo e, por fim, filósofo. Todavia, seu</p><p>pensamento ainda mantinha elementos míticos.</p><p>Heráclito de Éfeso (500 aC) afirmou que o universo</p><p>está em contínua evolução, em incessante transforma-</p><p>ção, em movimento contínuo – “tudo flui”. A autoria</p><p>da famosa frase “você não pode se banhar duas vezes</p><p>no mesmo rio” é atribuída a ele.</p><p>Tal evolução ou mudança, contudo, não é irracional</p><p>ou caótica, mas feita de acordo com uma lei ou um</p><p>logos interno. A lei que governa o universo é a luta</p><p>Figura 3 - Tales de Mileto</p><p>Figura 4 - Heráclito</p><p>U</p><p>N</p><p>ID</p><p>A</p><p>D</p><p>E</p><p>3</p><p>110</p><p>dos opostos (dia-noite, inverno-verão, guerra-paz, saciedade-fome). A ordem e a</p><p>harmonia do universo vêm dessa contradição, da luta dos opostos. O cosmos não</p><p>fez nenhum dos deuses ou dos homens, mas foi, é, e sempre será, o fogo vivo. O</p><p>fogo é o princípio material, causa de movimento e mudança. Heráclito, o criador</p><p>da dialética, afirmou que a natureza obedece ao princípio dialético, uma evolução</p><p>contínua de acordo com uma lei que lhe dá ordens.</p><p>A Filosofia de Parmênides de Eleia está estritamente relacionada ao pen-</p><p>samento de Heráclito, porque é a manifestação de sua reação contra ela. Para</p><p>Parmênides, o ser é único, eterno, ilimitado, imutável e imóvel. Em sua visão, a</p><p>mudança não é possível e a existência é eterna.</p><p>Além dos filósofos mencionados, outros mais</p><p>foram muito importantes nesse período: Anaxi-</p><p>mandro de Mileto, Anaxímenes de Mileto, Pitá-</p><p>goras de Samos (teorema de Pitágoras), Xenófo-</p><p>nes de Colofão, Zenão de Eleia, Melisso de Samos,</p><p>Empédocles de Agrimento, Filolau de Crotona,</p><p>Arquitas de Tarento, Anaxágoras de Clazomenas,</p><p>Leucipo de Mileto e Demócrito de Abdera.</p><p>Acadêmicos e filósofos concordam que a figura de Sócrates e, consequentemen-</p><p>te, todo o seu pensamento, pode não ter sido inteiramente seu. Sócrates nunca</p><p>incorporou sua filosofia em um texto e a única coisa escrita sobre ele é produto</p><p>dos seus seguidores, como Platão e Xenofonte.</p><p>Muitos pensadores ousam dizer que Platão chegou a colocar em Sócrates os</p><p>seus próprios pensamentos, especialmente nos últimos livros que escreveu. Por</p><p>isso, é muito difícil discernir entre o que seus discípulos pensaram e o que Sócrates</p><p>realmente defendeu e acreditou. Portanto, não há escolha a não ser tomá-la como</p><p>verdadeira, sempre tendo em mente que, se surgir alguma contradição, é provável</p><p>que ela tenha vindo daqueles que escreveram sobre ele e não do próprio Sócrates.</p><p>O círculo aristocrático agrupado em torno de Sócrates era o centro da luta</p><p>ideológica e política contra a democracia em Atenas. Faziam parte desse círcu-</p><p>lo: Platão, Crítias (que, após a derrota da democracia, liderou os trinta tiranos</p><p>de Atenas), os traidores Alcibíades e Xenofonte. Pouco depois da vitória da</p><p>reação, o poder democrático foi restaurado e Sócrates foi condenado à morte</p><p>por sua atividade antipopular.</p><p>Figura 5 - Sócrates (469-399)</p><p>U</p><p>N</p><p>IC</p><p>ES</p><p>U</p><p>M</p><p>A</p><p>R</p><p>111</p><p>Figura 6 - A Morte de Sócrates, de Jacques Louis David (1787)</p><p>O princípio filosófico essencial de Sócrates era seu método dialético. Sócrates estu-</p><p>dou profundamente temas relacionados à cosmologia e outras variantes que o aju-</p><p>dariam a entender o universo e o mundo em que vivemos. No entanto, sua decepção</p><p>em relação ao método científico aplicado nas ciências naturais, juntamente com</p><p>a grande rejeição às perspectivas relativistas que os sofistas ensinavam na época,</p><p>fizeram-no decidir por procurar o caminho para alcançar as definições universais.</p><p>Para Sócrates, as principais definições não eram questão relativa, então ele</p><p>gerou um método indutivo por meio do qual se poderia chegar ao verdadeiro</p><p>conhecimento do mundo e de seus elementos. Segundo ele, a verdade era a mes-</p><p>ma, independentemente do lugar ou do indivíduo. Dessa forma, ele começou a</p><p>aplicar o que seria chamado de método socrático. Com isso, Sócrates pretendia</p><p>dialogar com amigos e conhecidos, sempre objetivando uma definição universal.</p><p>O método indutivo consistia em duas partes: a ironia, por meio da qual o ho-</p><p>mem percebe sua própria ignorância das coisas, e a maiêutica (parto das ideias),</p><p>caracterizada por perguntas e respostas cada vez mais específicas, até alcançar</p><p>um conhecimento particular.</p><p>Para Sócrates, era extremamente importante que o indivíduo reconhecesse sua</p><p>própria ignorância, pois sem esse passo não haveria espaço para a verdade. Depois</p><p>que a pessoa com quem ele dialogava aceitasse seu desconhecimento sobre um</p><p>assunto, Sócrates se empenhava em fazer perguntas que seu parceiro respondesse</p><p>por conta própria, cada vez mais aprofundadas sobre o tópico em questão.</p><p>U</p><p>N</p><p>ID</p><p>A</p><p>D</p><p>E</p><p>3</p><p>112</p><p>Sócrates usou esse método dialético pelo resto de sua vida. Isso é evidente</p><p>em quase todos os livros de Platão, que apresentam seu professor em conversas</p><p>com diferentes personagens sobre diversos temas que buscava definir. Ele man-</p><p>tinha e divulgava a necessidade de os seres humanos “cuidarem de suas almas”</p><p>em detrimento das prioridades da época, que incluíam preocupar-se com uma</p><p>carreira, a família ou mesmo uma jornada política na cidade.</p><p>O filósofo conseguiu espalhar seu conhecimento entre amigos próximos,</p><p>com a intenção de estimular suas próprias buscas por virtude e sabedoria. Da</p><p>mesma forma, ele acreditava que a verdadeira felicidade vinha do fato de ser</p><p>moralmente correto, isto é, que somente o homem moral poderia realmente viver</p><p>uma vida feliz. Defendia, além disso, a ideia de que havia uma natureza humana</p><p>universal, com valores igualmente universais, que todo homem poderia usar</p><p>como guia para agir moralmente no cotidiano.</p><p>Política</p><p>Para Sócrates, as ideias e as verdadeiras essências das coisas pertencem a um</p><p>mundo que só o homem sábio pode alcançar. Por isso, manteve firmemente uma</p><p>posição, segundo a qual o filósofo era o único homem apto a governar.</p><p>Se Sócrates concordou ou não com a democracia é uma questão controver-</p><p>sa. Embora seja muito claro que Platão criticou essa forma de governo, não é</p><p>certo que Sócrates diria o mesmo. É bem possível que muitas das frases e senten-</p><p>ças de Sócrates sobre a democracia foram apenas o produto criativo de Platão.</p><p>Platão é reconhecido como uma das figuras</p><p>mais importantes da Filosofia ocidental e, até mes-</p><p>mo, práticas religiosas</p><p>devem muito ao seu pensa-</p><p>mento. Ele foi o fundador da Academia, o primei-</p><p>ro instituto de ensino superior da época. Algumas</p><p>das suas contribuições mais importantes à filosofia</p><p>foram: a teoria das ideias, a dialética, a anamnese</p><p>ou a busca metódica pelo conhecimento.</p><p>Figura 7 - Platão (428-347 a.C.)</p><p>U</p><p>N</p><p>IC</p><p>ES</p><p>U</p><p>M</p><p>A</p><p>R</p><p>113</p><p>Aluno de Sócrates e, por sua vez, professor de Aristóteles, que era seu aluno mais</p><p>proeminente na Academia, Platão expressou seus pensamentos na forma de diá-</p><p>logos, ao utilizar elementos dramáticos que facilitaram a leitura e a compreensão</p><p>de suas ideias, recriando e exemplificando situações tratadas com bastante efe-</p><p>tividade. Tal qual Sócrates, ele estabeleceu as bases da Filosofia, da política e das</p><p>ciências ocidentais. Foi considerado um dos primeiros pensadores que conseguiu</p><p>conceber e explorar todo o potencial da Filosofia enquanto prática, ao analisar</p><p>temas dos pontos de vista ético, político, epistemológico e metafísico.</p><p>A educação de Platão era ampla e profunda. Diz-se que ele foi instruído por</p><p>vários personagens nobres de seu tempo. No ano de 407 a.C., quando tinha 20</p><p>anos, conheceu Sócrates. Esse encontro foi absolutamente decisivo, já que este se</p><p>tornou seu professor. Naquela época, Sócrates tinha 63 anos e os ensinamentos</p><p>foram estendidos por oito anos, até a sua morte.</p><p>O pensamento de Platão foi muito influenciado pela Filosofia pitagórica,</p><p>desde os seus primórdios. Para ele, era a alma e não o corpo a verdadeira essência</p><p>do ser. De fato, o corpo era um obstáculo na busca da verdade e na ampla expres-</p><p>são do ser em seu aspecto mais essencial. Acreditava que a alma vinha de uma</p><p>dimensão superior, na qual estaria em contato com a verdade. Em algum mo-</p><p>mento, a alma se rendeu aos prazeres baixos ou inferiores e, como consequência,</p><p>foi forçada a reduzir-se ao mundo conhecido, tornando-se aprisionada no corpo.</p><p>Uma das noções desenvolvidas por Platão foi chamada de teoria das três</p><p>partes da alma. Essas partes eram a alma concupiscente, a alma irascível e a alma</p><p>racional. Platão considerou que esses elementos eram as faculdades da alma.</p><p>A alma irascível estava ligada à capacidade de ordenar os outros, assim como</p><p>à força de vontade. Relacionava-se à força e ao ímpeto e, ao mesmo tempo, com</p><p>ambição e raiva. A alma racional era aquela que Platão considerava a faculdade</p><p>superior entre todas as outras. Relacionava-se à inteligência e à sabedoria e, se-</p><p>gundo Platão, eram os filósofos quem possuíam essa faculdade mais desenvol-</p><p>vida. A alma concupiscente, por sua vez, era a mais inferior de todas as outras e</p><p>estava ligada ao impulso natural de evitar a dor, assim como pela busca do prazer.</p><p>Platão indicou que este elemento promoveu o gosto por bens de natureza mate-</p><p>rial, o que dificultou a busca da verdade e a essência das coisas</p><p>U</p><p>N</p><p>ID</p><p>A</p><p>D</p><p>E</p><p>3</p><p>114</p><p>Mito da caverna</p><p>Esta é a alegoria que melhor explica ou concebe a dualidade que Platão expôs.</p><p>Segundo o mito da caverna, existe uma área ligada a ideias ininteligíveis, e há</p><p>outra claramente associada ao mundo sensorial, que nós experimentamos. Uma</p><p>vida dentro de uma caverna corresponde</p><p>a um mundo sensorial, assim como a vida</p><p>fora da caverna está relacionada ao mundo.</p><p>Para Platão, viver dentro da caverna</p><p>implica em viver na escuridão e na submis-</p><p>são absoluta aos prazeres mundanos. Sair</p><p>da caverna é uma representação de deixar</p><p>para trás a busca pelos prazeres para ir em</p><p>busca do conhecimento. Quanto mais nos</p><p>aproximamos do conhecimento, mais nos</p><p>distanciamos da caverna e mais perto es-</p><p>tamos da verdade.</p><p>Aristóteles (384 322 a.C.)</p><p>Aristóteles elaborou um dos mais profundos e completos sistemas filosóficos da</p><p>Filosofia antiga. Seu pensamento se estendeu a diversas áreas do conhecimento:</p><p>Lógica, Física, Biologia, Psicologia, Metafísica, Ética, Política, Sociologia e Estética.</p><p>Embora tenha começado como discípulo de Platão, logo rompeu com ele e</p><p>construiu seu próprio sistema, que teve grande influência na Filosofia posterior,</p><p>tanto no mundo árabe quanto no mundo cristão. Nesse sentido, a partir do século</p><p>XIII, graças ao trabalho de Tomás de Aquino, o pensamento aristotélico dominou</p><p>o pensamento ocidental, tanto o filosófico quanto o científico, até que, no século</p><p>XVII, Galileu de um lado e Descartes de outro desenvolveram uma nova ciência</p><p>(a física moderna) e uma nova filosofia (o racionalismo).</p><p>Aristóteles negou a existência do mundo das ideias. Para ele, estas não são</p><p>encontradas em um mundo separado, mas nas próprias singularidades e concre-</p><p>tudes, de onde as obtemos por meio da abstração.</p><p>Em nosso mundo, há uma multidão de seres que, de acordo com sua natureza</p><p>Figura 8 - Mito da caverna</p><p>U</p><p>N</p><p>IC</p><p>ES</p><p>U</p><p>M</p><p>A</p><p>R</p><p>115</p><p>ou modo de ser, pertencem a diferentes gêneros e espécies. Entretanto, os seres</p><p>pertencentes à mesma espécie possuem a mesma essência. Para Aristóteles, esta</p><p>é o que torna as coisas o que são. Assim, a essência do cachorro, por exemplo, é o</p><p>que faz com que o cachorro seja cachorro. No mundo, há muitas raças de cachorro</p><p>e há também o cachorro do meu vizinho, os cachorros da polícia etc. Todos eles</p><p>são seres individuais e concretos, mas, ao mesmo tempo, compartilham algo em</p><p>comum – a essência de cachorro.</p><p>Conhecimento</p><p>Aristóteles também negou a existência das almas e do conhecimento inato. Se-</p><p>gundo ele, o entendimento humano é como um papel em branco, sem qualquer</p><p>conteúdo cognitivo. Entretanto, o conhecimento é adquirido por meio dos sen-</p><p>tidos. Ele distinguiu nos seres humanos dois tipos de faculdades: as faculdades</p><p>sensíveis e as faculdades intelectuais.</p><p>As sensíveis são compostas dos sentidos externos: visão, audição, olfato, pala-</p><p>dar e tato e os sentidos internos: senso comum, memória e imaginação. As inte-</p><p>lectuais são constituídas pela compreensão do agente e pelo entendimento do</p><p>paciente. Entendimento do agente é aquele que realiza a abstração das essências,</p><p>enquanto o paciente é quem as recebe.</p><p>Para Aristóteles, os sentidos identificam as singularidades e concretudes por</p><p>meio da sensação, enquanto o entendimento identifica as essências universais</p><p>por meio das ideias. A este respeito, o conhecimento humano autêntico é o co-</p><p>nhecimento intelectual.</p><p>Ética</p><p>Tal qual o restante de sua Filosofia, a ética aristotélica é puramente teleológica.</p><p>De acordo com os princípios filosóficos, partiu da própria natureza humana. De</p><p>lá, o filósofo observou que todos os seres humanos, por natureza (physis), estão</p><p>propícios à felicidade. O problema surge ao determinar em que consiste tal es-</p><p>tado, pois, para alguns, a felicidade está nos negócios, para outros, em riquezas</p><p>ou honras etc. Como descobrir qual é a verdadeira felicidade do ser humano?</p><p>U</p><p>N</p><p>ID</p><p>A</p><p>D</p><p>E</p><p>3</p><p>116</p><p>Teleologia: ciência que se pauta no conceito de finalidade (causas finais) como essencial na</p><p>sistematização das alterações da realidade, ao haver uma causa fundamental que rege, por</p><p>meio de metas, propósitos e objetivos, a humanidade, a natureza, seus seres e fenômenos.</p><p>Fonte: adaptado de Dicio ([2019], on-line)4.</p><p>explorando Ideias</p><p>De acordo com Aristóteles, a felicidade do ser humano tem relação intrínseca</p><p>com o bem próprio e exclusivo do ser humano. Em que consiste o bem? Ao res-</p><p>ponder a essa pergunta, devemos prestar atenção às características da natureza</p><p>humana. O bem próprio do ser humano tem relação essencial com a natureza.</p><p>Aristóteles concluiu que o bem próprio e a felicidade autêntica dos seres humanos</p><p>dependem do correto exercício das referidas faculdades sensíveis e intelectuais.</p><p>Filosofia Patrística e Escolástica</p><p>Filosofia Patrística: a patrística é conhecida com um período do pensamento</p><p>filosófico cristão ocorrido do século II ao VII d.C. Falamos, neste momento, dos</p><p>chamados Pais da Igreja, aqueles cuja tarefa fundamental era escrever obras que</p><p>expusessem a doutrina cristã. Eles são os verdadeiros iniciadores da filosofia</p><p>cristã, ao mesmo tempo em que desenvolveram a estrutura eclesial da fé basea-</p><p>da no cristianismo. Normalmente, dois grupos</p><p>são distinguidos de acordo com</p><p>a linguagem usada para escrever seus trabalhos, embora a diferença entre eles</p><p>ultrapasse a mera linguagem. Esses grupos são:</p><p>1. Pais gregos: aqueles autores que, usando o grego como língua e conceitos</p><p>da Filosofia grega, construíram a estrutura do que seria a filosofia e a</p><p>teologia cristãs. Eles se basearam no pensamento platônico e a influência</p><p>dos gregos deu caráter especulativo aos seus escritos, o que marcou o</p><p>pensamento cristão.</p><p>2. Pais latinos: são os autores que escreveram em latim e, a partir da cultura</p><p>romana, contribuíram para a formação do pensamento cristão. Isso se</p><p>tornou importante em meados do terceiro século, quando o latim su-</p><p>plantou o grego como língua litúrgica oficial da comunidade cristã no</p><p>U</p><p>N</p><p>IC</p><p>ES</p><p>U</p><p>M</p><p>A</p><p>R</p><p>117</p><p>Acesse o QR Code e conheça um pouco mais sobre quem foi Santo Agostinho.</p><p>conecte-se</p><p>Ocidente. Os conteúdos metafísicos que aparecem em seus escritos se</p><p>devem à influência da cultura grega, especificamente o platonismo, que</p><p>já estava presente nas primeiras formulações do pensamento cristão.</p><p>A tarefa que a patrística realizou foi a de iniciar a construção de um pensamento</p><p>cristão a partir do pagão. Essa tarefa começou em Alexandria, com a criação da</p><p>escola catequética cristã Didascalion (Didascalium ou Didaskaleion). Ali, apare-</p><p>ceram as correntes platônicas, estoicas e filonianas, que criaram as condições para</p><p>o desenvolvimento posterior do pensamento cristão. Pode-se dizer que, entre os</p><p>Pais da Igreja, houve uma avaliação positiva sobre a Filosofia como ciência, pois</p><p>passaram a considerá-la capaz de ajudar a entender melhor a fé. Isso fez com que</p><p>surgissem conceitos cristãos a partir da terminologia grega. Assim, os conceitos</p><p>retirados dos gregos assumiram novo significado na estrutura da Filosofia cristã.</p><p>Santo Agostinho</p><p>Santo Agostinho, bispo de Hipona, é con-</p><p>siderado o grande mestre da Idade Média.</p><p>Ele elaborou o primeiro sistema completo</p><p>do pensamento cristão, que nasceu como</p><p>resultado das controvérsias que surgiram</p><p>ao tentar definir a verdadeira doutrina</p><p>cristã. Começou essa tarefa depois da sua</p><p>conversão, em 386 d.C. Em um esforço</p><p>incessante para esclarecer o significado</p><p>correto dos conceitos cristãos, Santo Agos-</p><p>tinho determinou a terminologia da Filo-</p><p>sofia cristã predominante até o século XIII. Figura 9 - Santo Agostinho</p><p>https://apigame.unicesumar.edu.br/qrcode/2013</p><p>U</p><p>N</p><p>ID</p><p>A</p><p>D</p><p>E</p><p>3</p><p>118</p><p>Ele combateu as ideias de três movimentos: o maniqueísmo, que admitia a exis-</p><p>tência de dois princípios originais no mundo em luta permanente, Ormuz (leve,</p><p>bom) e Ariman (escuro, mal), ambos presentes no homem por meio da alma</p><p>corpórea; o donatismo, que defendia a separação total e absoluta da Igreja e do</p><p>Estado. De acordo com ele, os sacerdotes que colaboraram com o Estado per-</p><p>deram sua pureza e não poderiam administrar os sacramentos; e, por último, o</p><p>pelagianismo, que assumia que o homem poderia fazer o bem por si mesmo,</p><p>rejeitando, assim, o pecado original.</p><p>As ideias que Santo Agostinho elaborou como resultado dessas controvérsias</p><p>formam um sistema filosófico que se tornou parte da doutrina oficial da Igreja.</p><p>Ele argumentou que a Filosofia ajudaria a tornar a verdade cristã compreensível,</p><p>seguindo o modelo neoplatônico tanto na busca da verdade quanto na maneira</p><p>de interpretar o conhecimento.</p><p>Livre arbítrio</p><p>O homem nasce com uma vontade debilitada. Essa vontade é entendida como</p><p>livre arbítrio, isto é, a capacidade de escolher livremente. Ela se deteriora no ho-</p><p>mem quando este se inclina mais a favor do mal do que do bem. Para resolver esse</p><p>problema, Santo Agostinho se baseou em uma intervenção externa, derivada da</p><p>redenção, que prometia ajudar o homem a recuperar o seu estado de equilíbrio e</p><p>dar-lhe a possibilidade de tomar decisões. Seria por meio da ajuda da graça que</p><p>o livre-arbítrio se transformaria em liberdade.</p><p>Escatologia da História</p><p>A escatologia é a doutrina que trata daquilo que acontecerá no fim do mundo e</p><p>da humanidade, a fim de explicar o destino do homem como membro de uma</p><p>coletividade. A escatologia patrística buscou encontrar o significado da história</p><p>humana, que deveria estar relacionada à História Sagrada e à visão escatológica</p><p>da Bíblia. Ao levantar a história a partir dessa perspectiva, foi iniciada muito mais</p><p>uma Teologia da História do que uma Filosofia de fato.</p><p>Em seu livro A Cidade de Deus, de 426 d.C., Santo Agostinho descreveu que a</p><p>capacidade humana de seguir ou não os ditames de Deus torna possível falar da</p><p>U</p><p>N</p><p>IC</p><p>ES</p><p>U</p><p>M</p><p>A</p><p>R</p><p>119</p><p>existência de duas cidades. Elas representam a comunidade de homens que segue</p><p>as ordens divinas e a que segue as suas próprias ordens. A primeira é baseada no</p><p>amor de Deus e a segunda no amor próprio.</p><p>O ponto de partida é a luta permanente entre duas tendências – uma positiva e</p><p>outra negativa –, enquanto há, no ser humano, uma luta constante entre as influên-</p><p>cias da carne e do espírito. Santo Agostinho apresentou essa luta como a batalha</p><p>entre duas cidades: a cidade terrena (o Estado) e a cidade celestial (a Igreja). A única</p><p>influência benéfica que Agostinho vê nessa disputa é que ambas as cidades são</p><p>governadas por valores espirituais, que buscam interesses divinos e não terrestres.</p><p>Daí, nasceu a ideia de que o Estado deve levar todos até a cidade celestial,</p><p>pois deve ser regido por interesses espirituais. Essa foi a base da teoria política</p><p>chamada de cesaropapismo, na qual a Igreja é a comunidade formada por cristãos</p><p>fiéis que buscam por Deus e por justiça, e que o Estado deve submeter-se à Igreja.</p><p>Essa teoria serviu para justificar o predomínio temporal da Igreja sobre o Estado.</p><p>Escolástica (século XIII ao XV)</p><p>A palavra escolástica vem do latim schola, que significa escola. No início, o termo</p><p>foi usado para designar o conhecimento cultivado nas escolas medievais e ensina-</p><p>do sob a direção de um professor. Mais tarde, foi usado para designar o material</p><p>ensinado e o método de ensino usado nas escolas. Em seu significado etimológico,</p><p>não expressa nenhuma corrente de pensamento específico, mas de que o ensino, na</p><p>Idade Média, era praticado em escolas monásticas, episcopais ou palatais.</p><p>Escolástica cristã</p><p>O escolasticismo cristão nada mais é do que a especulação teológico-filosófica</p><p>cultivada e desenvolvida nas escolas e universidades medievais. Todos os sistemas</p><p>filosóficos cristãos foram inspirados pelo aristotelismo e pelo agostinismo neopla-</p><p>tônico, nascidos e desenvolvidos à sombra da Teologia nas escolas medievais. Aos</p><p>poucos, alcançaram autonomia no desenvolvimento de uma síntese doutrinária.</p><p>O século XIII é considerado o momento da maturidade da Filosofia Escolás-</p><p>tica. Caracteriza-se por grandes sínteses doutrinais teológico-filosóficas. Nesse</p><p>período, destacaram-se Santo Alberto Magno e São Tomás de Aquino.</p><p>U</p><p>N</p><p>ID</p><p>A</p><p>D</p><p>E</p><p>3</p><p>120</p><p>São Tomás de Aquino começou a estudar Aristóteles, o que o levou a concluir</p><p>que a incompatibilidade entre a Filosofia aristotélica e a fé cristã era falsa. Ele é o</p><p>criador do sistema filosófico cristão que mais influenciou a cultura do Ocidente</p><p>e um dos autores mais importantes no ensino acadêmico da Igreja.</p><p>Ele foi abertamente a favor da autonomia da razão naquilo lhe é própria. Afir-</p><p>mou a capacidade do homem de compreender</p><p>o universo e as suas leis, o que não significa que</p><p>há duas verdades, mas apenas uma, que pode ser</p><p>trilhada por caminhos diferentes. Segundo ele, o</p><p>objetivo final de todo conhecimento é Deus. Nós</p><p>chegamos a ele mediante a revelação, mas tam-</p><p>bém pode ser conhecido por meio da razão.</p><p>Ele se preocupou com a sistematização e expo-</p><p>sição da doutrina cristã sobre Deus. Segundo ele, a</p><p>existência de Deus é o primeiro dado da revelação,</p><p>por isso, ele a tomou como ponto de partida e foi</p><p>essência de todo o seu sistema teológico-filosófico.</p><p>Filosofia Moderna</p><p>René Descartes é considerado o pai da Filosofia Moderna. Sua participação foi</p><p>ativa em diversas áreas: Filosofia, Física, Matemática e Medicina. Suas teorias</p><p>dariam forma ao que passou a ser conhecido como “mecanicismo” e sua obra</p><p>O discurso do método, publicado pela primeira vez em 1637, lançaria as bases</p><p>da pesquisa científica moderna.</p><p>Descartes nasceu em 31 de março de 1596 em</p><p>Turena, França, em uma família pertencente à bai-</p><p>xa nobreza. A morte prematura de sua mãe fez com</p><p>que o jovem fizesse todas as espécies de perguntas</p><p>sobre a vida. Com onze anos, entrou no Collège</p><p>Henri IV de La Flèche, uma escola jesuíta em que</p><p>ele se destacou especialmente graças aos seus pri-</p><p>meiros dons intelectuais e onde aprendeu Física,</p><p>Filosofia Escolástica e Matemática.</p><p>Figura 10 - São Tomás de Aquino</p><p>Figura 11 - René Descartes</p><p>U</p><p>N</p><p>IC</p><p>ES</p><p>U</p><p>M</p><p>A</p><p>R</p><p>121</p><p>Com 18 anos, Descartes entrou na Universidade de Poitiers, na qual estudou</p><p>Direito e Medicina. Depois de completar seus estudos, mudou-se para a Holan-</p><p>da em 1618 e se alistou como voluntário em vários exércitos. Foi uma etapa em</p><p>que demonstrou grande interesse pela guerra, mas desistiu da vida militar e se</p><p>dedicou a viajar pela Europa.</p><p>Utilizou a sua teoria da ciência do método para aplicá-la a todas as ciências</p><p>do universo, o que fez com que a metafísica deixasse de ser o fundamento neces-</p><p>sário para entender o que o rodeava, embora, para ele, Deus não estivesse ausente.</p><p>Descartes também criou as leis da ótica geométrica relacionadas à reflexão e</p><p>à refração. No campo da Matemática, criou a álgebra de polinômios e, junto com</p><p>Fermat, a geometria analítica. Ele também enunciou e simplificou as propriedades</p><p>fundamentais das equações e notações algébricas.</p><p>Empirismo inglês</p><p>Desenvolveu-se na Inglaterra, do século XVI ao XVIII, uma filosofia com pre-</p><p>ceitos claramente definidos. Francis Bacon, David Hume, George Berkeley, John</p><p>Locke e mais uma série de pensadores se opuseram, em certa medida, à Filosofia</p><p>de Descartes, que estudamos anteriormente. Foi também uma resposta histórica</p><p>ao racionalismo, como uma crítica aos conceitos de sua metafísica e sua teoria do</p><p>conhecimento, além de refutar os conceitos metafísicos da Filosofia Escolástica.</p><p>A Filosofia inglesa apresenta duas características que a difere das anterio-</p><p>res: uma preocupação menor com questões estritamente metafísicas (buscando</p><p>interação com a teoria do conhecimento) e a Filosofia do Estado. Nasceu daí o</p><p>Espírito Iluminista, que tentou remover da Filosofia seu desejo de transcendên-</p><p>cia e a busca incessante pelo absoluto. Procurou-se um fundamento diferente,</p><p>estritamente racional, que não fosse essencialmente religioso e que servisse de</p><p>base para a nova concepção do mundo.</p><p>Para construir essa visão exclusivamente racional, é necessário marcar alguns</p><p>limites. A razão não é absolutamente precisa, como afirmam os dogmáticos (a</p><p>Escolástica ou a Filosofia de Descartes), nem é completamente incerta, como os</p><p>céticos radicais afirmavam. Por serem defensores árduos da religião, tentaram</p><p>desacreditar da razão e mostrá-la como algo inútil, fazendo uso do ceticismo e a</p><p>ideia de impor a sua fé de maneira intolerante.</p><p>U</p><p>N</p><p>ID</p><p>A</p><p>D</p><p>E</p><p>3</p><p>122</p><p>Locke</p><p>Locke é o iniciador da teoria do conhecimento propriamente dita, porque se propôs a ana-</p><p>lisar cada uma das formas de conhecimento que possuímos, a origem de nossas ideias e</p><p>dos nossos discursos. Seguindo a trilha aberta por Aristóteles, Locke também distinguiu</p><p>graus de conhecimento, a começar pelas sensações até chegar ao pensamento.</p><p>Para o racionalismo, a fonte do conhecimento verdadeiro é a razão, que opera por si mes-</p><p>ma, sem o auxílio da experiência sensível e controlando-a. Para o empirismo, a fonte de</p><p>todo e qualquer conhecimento é a experiência sensível, responsável pelas ideias da razão</p><p>e controlando o trabalho da própria razão.</p><p>Essas diferenças, porém, não impedem que haja elemento comum a todos os filósofos a</p><p>partir da modernidade, qual seja, tomar o entendimento humano como objeto da inves-</p><p>tigação filosófica.</p><p>Fonte: adaptado de Chauí (2014, p. 167).</p><p>explorando Ideias</p><p>Para os empiristas, a posição com relação à razão é mais humilde, mas é mais</p><p>realista. A razão pode fornecer-nos crenças razoáveis e verdades que têm uma</p><p>possível certeza, portanto são úteis, embora não sejam imutáveis, pois podem mu-</p><p>dar com o tempo, aperfeiçoando-se. Além disso, essa corrente filosófica acreditava</p><p>que a obtenção do conhecimento humano deveria vir por meio da experiência</p><p>de vida pelo uso dos sentidos.</p><p>Idealismo alemão</p><p>Em geral, a palavra idealismo se aplica à doutrina filosófica que define a ideia</p><p>como princípio de conhecimento e, ao mesmo tempo, da realidade. Esta é redu-</p><p>zida ao pensamento, à ideia. Seus principais representantes são: Emmanuel Kant</p><p>e Georg Wilhelm Friedrich Hegel.</p><p>O idealismo alemão de Kant, chamado de idealismo crítico ou transcendental,</p><p>é um idealismo relativo, visto que não exclui totalmente a existência real do ob-</p><p>jeto, apenas priva as formas de conhecimento da realidade objetiva. Kant define</p><p>o idealismo transcendental como aquele que considera os fenômenos em seu</p><p>conjunto como simples representações.</p><p>Na Crítica da Razão Pura, publicada pela primeira vez em 1781, Kant submeteu</p><p>a razão científica à crítica, definindo conceitos prévios para estabelecer o valor e a</p><p>U</p><p>N</p><p>IC</p><p>ES</p><p>U</p><p>M</p><p>A</p><p>R</p><p>123</p><p>A influência da filosofia hegeliana</p><p>Hegel exerceu grande influência no desenvolvimento do pensamento político posterior,</p><p>e seus seguidores se dividiram em dois grupos opostos, denominados esquerda e direita</p><p>hegeliana. Essa cisão foi provocada por uma querela de origem religiosa incitada por Da-</p><p>vid F. Strauss, teólogo e autor de Vida de Jesus, na interpretação do pensamento de Hegel.</p><p>Os da direita são os discípulos conservadores e mantêm a filosofia idealista do mestre; na</p><p>política, defendem o estado prussiano e, na religião, seguem o luteranismo. Os da esquer-</p><p>da transformam a filosofia idealista em materialista; na política, defendem a anarquia ou</p><p>um regime socialista e, na religião, são ateus ou anticristãos. Entre estes estão Feuerbach</p><p>e, posteriormente, Marx e Engels, os quais, ao realizarem a inversão do idealismo hegelia-</p><p>no, assentam as bases do materialismo dialético: “A dialética de Hegel foi colocada com a</p><p>cabeça para cima ou, dizendo melhor, ela que se tinha apoiado exclusivamente sobre sua</p><p>cabeça, foi de novo reposta sobre seus pés.</p><p>Fonte: Aranha (2004).</p><p>explorando Ideias</p><p>possibilidade da ciência. Essa obra está dividida em três partes: Estética Transcen-</p><p>dental, que trata do valor do conhecimento sensível para estabelecer a possibilidade</p><p>da Matemática como ciência; Analítica transcendental, que aborda o valor dos</p><p>conceitos do entendimento para estudar a possibilidade da Física como ciência; e</p><p>a Dialética transcendental, que trata do valor das ideias da razão para estabelecer</p><p>a possibilidade da Metafísica como ciência. Essa é a base do idealismo alemão.</p><p>Hegel, por sua vez, parte da consideração de que</p><p>o princípio supremo, a realidade absoluta, é a ideia. A</p><p>ideia é o começo, o desenvolvimento e o fim de tudo,</p><p>é o ser que constitui a essência de todas as coisas.</p><p>Para Hegel, a Ideia está em perpétuo devir (vir a</p><p>ser). A partir dela, desdobra-se toda a realidade tal</p><p>qual é, ou a ideal. Nesse caso, a dialética é a lei que</p><p>rege todo o processo da realidade e o desdobramento</p><p>da ideia nesse estado é uma exibição dialética.</p><p>A evolução por meio da qual a ideia se desdobra é explicada pelo método dialé-</p><p>tico, que consiste em três fases: tese, antítese e síntese. Na tese, a ideia é posta ou</p><p>afirmada; na antítese, o que foi afirmado é contestado ou limitado; na síntese, a</p><p>ideia e sua limitação são unidas e integradas à totalidade.</p><p>Figura 12 - Hegel</p><p>U</p><p>N</p><p>ID</p><p>A</p><p>D</p><p>E</p><p>3</p><p>124</p><p>2</p><p>FILOSOFIA</p><p>CONTEMPORÂNEA</p><p>Escola de Frankfurt</p><p>Durante os anos da República de Weimar, na Alemanha, às vésperas da chegada</p><p>de Hitler ao poder, um grupo de filósofos fundou o Instituto de Pesquisa Social</p><p>na cidade de Frankfurt, dedicado principalmente ao estudo do marxismo e suas</p><p>repercussões políticas e sociais. Seu trabalho permaneceu para a posteridade</p><p>Sociológica;</p><p>Método Científico na Ciência Social.</p><p>II. Unidades Fundamentais da Vida Social: Atos Sociais e Relações So-</p><p>ciais; A Personalidade do Indivíduo; Grupos (onde se incluem Classe e Etnia);</p><p>Comunidades: Urbanas e Rurais; Associações e Organizações; Populações;</p><p>Sociedade.</p><p>III. Instituições Sociais Básicas: Família e Parentesco; Econômicas; Políticas</p><p>e Jurídicas; Religiosas; Educacionais e Científicas; Diversões e Bem-estar; Esté-</p><p>ticas e Expressivas.</p><p>IV. Processos Sociais Fundamentais: Diferenciação e Estratificação; Coope-</p><p>ração, Acomodação e Assimilação; Conflito Social (Inclui Revolução e Guerra);</p><p>Comunicação (inclui Formação, Expressão e Mudança de Opinião); Socializa-</p><p>ção e Doutrinação; Avaliação Social (o Estudo dos Valores); Controle Social;</p><p>Divergência Social (Crime, Suicídio etc.); Integração Social; Mudança Social.</p><p>Quadro 1 - Objeto de estudo da Sociologia / Fonte: Inkeles (1974, p. 27).</p><p>Como surgiu a Sociologia?</p><p>A Sociologia surge como ciência moderna para responder aos desafios da nova</p><p>formatação dos processos e das estruturas da modernidade. Desde os primórdios,</p><p>os indivíduos interagem por meio de relações que objetivam satisfazer necessida-</p><p>des vitais ou simplesmente de caráter intrínseco aos anseios e às dúvidas sobre si</p><p>mesmos. Essas relações podem surgir diretamente advindas dos próprios indiví-</p><p>duos ou de acordo com as demandas e regras do grupo social em que convivem.</p><p>A Revolução Francesa e a Revolução Industrial trouxeram uma nova confi-</p><p>guração do que se entendia até aquele momento, de como era o funcionamento</p><p>de uma sociedade. A Revolução Industrial, ocorrida na Europa no decorrer dos</p><p>séculos XVIII e XIX, definiu novas formas de economia, sociedade e tecnologia. A</p><p>U</p><p>N</p><p>ID</p><p>A</p><p>D</p><p>E</p><p>1</p><p>16</p><p>progressão da produção em massa gerou alguns dilemas: por um lado, o desenvol-</p><p>vimento tecnológico barateava os custos de produção, o que aumentava a produ-</p><p>tividade e otimizava o processo de armazenamento e transporte de mercadorias.</p><p>Por outro, no âmbito do trabalho desse novo momento, exigia muitas horas dos</p><p>trabalhadores que chegavam a trabalhar acima de 16 horas por dia.</p><p>Figura 3 - Crianças trabalhando em mina de carvão</p><p>Nas cidades, o “progresso” e o desenvolvimento da atividade industrial fizeram surgir</p><p>áreas degradadas e miseráveis. Os dilemas decorrentes dessa fase de intensa urbani-</p><p>zação deram origem à necessidade de repensar os novos rumos das questões sociais.</p><p>As mudanças dessa época foram tão radicais, que somente podem ser com-</p><p>paradas com as que ocorreram no período Neolítico e podem ser resumidas</p><p>como o abandono do modelo agrário de produção e comércio, do trabalho e da</p><p>sociedade, por um modelo urbano, mecanizado e industrializado. A produção</p><p>em larga escala e com abundante uso das máquinas tinha como objetivo reduzir</p><p>o tempo e os custos de produção.</p><p>É importante entender as novas formas de organização que surgiram por</p><p>meio do processo de industrialização, pois, de fato, alterou drasticamente todo</p><p>o contexto social mundial (DIAS, 2010, p. 22-24). Em primeiro lugar, houve a</p><p>substituição progressiva do trabalho humano por máquinas. Com isso, um me-</p><p>U</p><p>N</p><p>IC</p><p>ES</p><p>U</p><p>M</p><p>A</p><p>R</p><p>17</p><p>nor número de trabalhadores conseguiria produzir uma quantidade maior de</p><p>produtos, contrapondo a produção artesanal ou doméstica. A segunda caracte-</p><p>rística é a divisão do trabalho e a necessidade de organização. Progressivamente,</p><p>a especificidade das tarefas na linha de produção passou a aumentar. As tarefas</p><p>repetitivas altamente especializadas tiravam a capacidade de pensamento intelec-</p><p>tual do operário, o que fez com que o acesso de crianças e mulheres ao mercado</p><p>de trabalho fosse facilitado.</p><p>Figura 4 - Crianças trabalhando em mina de carvão em 1911</p><p>Em terceiro lugar, foram realizadas as mudanças culturais no trabalho. Os traba-</p><p>lhadores ainda estavam acostumados com a produção rural e artesanal em am-</p><p>bientes domésticos. Acostumá-los à nova rotina de trabalho da indústria foi um</p><p>dos grandes desafios desse novo momento, então urbano. Em quarto lugar, houve</p><p>a produção de bens em grandes quantidades. Se antes só era produzido aquilo que</p><p>atendesse à demanda local, passou-se, então, a produzir itens em grande quanti-</p><p>dade a preços mais baixos, sem perder a qualidade. Por último, surgem os novos</p><p>papéis sociais: o empresário (industrial) capitalista e o operário. O empresário</p><p>detém os meios de produção e o operário atua com a sua força de trabalho. Para</p><p>o estudioso Karl Marx, a relação interdependente entre esses dois atores da nova</p><p>cena mundial faz parte da essência do sistema capitalista.</p><p>REVOLUÇÃO</p><p>INDUSTRIAL</p><p>MUDANÇAS</p><p>OCORRIDAS</p><p>NOS SÉCULOS</p><p>XVII E XIX</p><p>Substituição progressiva</p><p>do trabalho humano</p><p>por máquinas.</p><p>A divisão do trabalho</p><p>e a necessidade de</p><p>sua coordenação.</p><p>Mudanças culturais</p><p>no trabalho.</p><p>Produção de bens em</p><p>grande quantidade.</p><p>Surgimento de novos</p><p>papéis sociais (operários e</p><p>empresários capitalistas ).</p><p>U</p><p>N</p><p>ID</p><p>A</p><p>D</p><p>E</p><p>1</p><p>18</p><p>Quadro 2 - Revolução Industrial e suas consequências / Fonte: Dias (2010, p. 22).</p><p>O leque de estruturas sociais se tornou muito diversificado. Compreender essa de-</p><p>manda abrangente caracterizou-se como um desafio, como afirma Reinaldo Dias:</p><p>“ Partindo de uma realidade rural, em que as funções e relações so-</p><p>ciais apresentavam pouca complexidade, as sociedades europeias</p><p>(primeiramente a inglesa) se depararam, no século XIX, com es-</p><p>truturas sociais mais complexas, que se desenvolveram em torno</p><p>da nova realidade industrial” (DIAS, 2010, p. 4).</p><p>Para Nelson Dalcio Tomazi, a Sociologia é fruto da Revolução Industrial e “nesse</p><p>sentido é chamada de ‘ciência da crise’ – crise que essa revolução gerou em toda</p><p>a sociedade europeia” (TOMAZI, 1993, p. 1).</p><p>U</p><p>N</p><p>IC</p><p>ES</p><p>U</p><p>M</p><p>A</p><p>R</p><p>19</p><p>2</p><p>ORIGENS DA</p><p>ANTROPOLOGIA</p><p>Em qual imagem você, caro(a) aluno(a), pensa quando ouve falar sobre Antro-</p><p>pologia? O que vem à sua mente com relação à profissão de um antropólogo?</p><p>Alguém que estuda a interação cotidiana de uma tribo, de grupos sociais ou,</p><p>quem sabe, que estuda os fósseis dos hominídeos? Se você pensou nessas duas</p><p>hipóteses, não está tão perdido assim. Contudo, as possibilidades que essa área</p><p>oferece vão muito mais além.</p><p>O significado etimológico da palavra antropologia (antrophos – homem; lo-</p><p>gos – estudo) seria, literalmente, o estudo do homem. Preocupa-se, portanto, em</p><p>estudar o ser humano na sua completude, especialmente sua relação com a cultura.</p><p>De forma sucinta, a Antropologia estuda a realidade humana, assim como</p><p>os seus aspectos biológicos</p><p>e sociais. Poderíamos dizer</p><p>que é uma área que tem a</p><p>função de estudar a nature-</p><p>za, as formas de organização</p><p>social e o passado dos seres</p><p>humanos com um objetivo</p><p>bem específico: estabelecer</p><p>o que significa ser homem</p><p>Figura 5 - Trabalho de investigação arqueológica</p><p>U</p><p>N</p><p>ID</p><p>A</p><p>D</p><p>E</p><p>1</p><p>20</p><p>e mulher em determinados contextos histórico-sociais. Daí, verificamos que a</p><p>Linguística e a Arqueologia estão interligadas à Antropologia.</p><p>Além disso, a Antropologia, enquanto estudo científico, serve para designar a</p><p>ciência que investiga o ser humano de maneira holística (completa, total, inteira),</p><p>combinando, em apenas uma disciplina, metodologias e abordagens das Ciências</p><p>Naturais e das Ciências Humanas e Sociais, assim como da Filosofia. Assim, o</p><p>papel do antropólogo é compreender as dinâmicas dos diversos membros de</p><p>determinada sociedade, o que implica, muitas vezes, tornar-se parte de tradições,</p><p>rituais e costumes da cultura em estudo. A observação e o trabalho de campo</p><p>são as ferramentas metodológicas mais importantes que o antropólogo utiliza</p><p>para compreender quais são os significados compartilhados e qual a dinâmica</p><p>de funcionamento da cultura estudada.</p><p>Na Antropologia, conseguimos identificar três categorias principais. Por um</p><p>lado, temos a Antropologia social e cultural, que estuda os seres humanos como</p><p>personagens coletivos que vivem em sociedade e que, portanto, são produtores de</p><p>cultura, mas, ao mesmo tempo, um produto dela. Nesse caso,</p><p>como uma das análises mais lúcidas dos problemas da sociedade capitalista e</p><p>da cultura do século XX. Max Horkheimer, Theodor Adorno, Walter Benjamin,</p><p>Herbert Marcuse, Leo Löwenthal, Félix Weil, Gershom Scholem, Eric Fromm e</p><p>Friedrich Pollock foram os fundadores do que ficou conhecido como Escola de</p><p>Frankfurt (a cidade de Frankfurt era, então, um dos focos culturais mais ativos</p><p>da Europa), cujo pensamento continuou em uma nova geração, à qual perten-</p><p>cem Jürgen Habermas, Claus Offe e Axel Honneth. Seus críticos os acusaram de</p><p>desenvolver propostas teóricas sem envolvimento na ação prática para desen-</p><p>volvê-las. Nesse sentido, George Lukács afirmou que estavam hospedados em</p><p>um hotel com vista para um abismo vazio.</p><p>Os trabalhos realizados pelos autores que são membros da Escola de Frank-</p><p>furt podem ser considerados como abordagem multidisciplinar ao estudo e à re-</p><p>flexão de teorias e fenômenos sociais. Embora mantivessem uma posição adversa</p><p>sobre as principais correntes de pensamento presentes (que tiveram seu início nos</p><p>U</p><p>N</p><p>IC</p><p>ES</p><p>U</p><p>M</p><p>A</p><p>R</p><p>125</p><p>séculos passados), os pesquisadores se basearam na teoria crítica do marxismo.</p><p>Estavam inclinados ao idealismo e até ao existencialismo para o desenvolvimento</p><p>de seus postulados. Foram altamente influenciados pela Filosofia crítica proposta</p><p>por Kant e tinham a dialética e a contradição como propriedades intelectuais.</p><p>Seu método crítico apareceu como resposta ao fascismo e ao nazismo, mas</p><p>também ao fracasso do marxismo ortodoxo. Esses aspectos, juntamente com a</p><p>incapacidade da classe trabalhadora europeia de combater a hegemonia capitalista,</p><p>tornaram imperativo o fato de repensar o significado de dominação e emancipação,</p><p>colocando os pilares de uma teoria social da ação política em uma base mais sólida.</p><p>De acordo com os teóricos dessa escola, a leitura ortodoxa que o marxismo</p><p>havia recebido havia despido o pensamento de Marx sobre seu verdadeiro potencial</p><p>crítico. Era necessário, portanto, rejeitar algumas suposições doutrinárias típicas</p><p>dessa ortodoxia, como a noção de inevitabilidade histórica, a primazia do modo</p><p>de produção no curso da história e a ideia de que a luta de classes e os mecanismos</p><p>de dominação ocorrem somente nos limites privados do processo de trabalho.</p><p>Consequentemente, a linha de pensamento mantida por esses autores desva-</p><p>loriza a esfera econômica, direcionando a atenção para verificar a forma de como</p><p>a subjetividade é constituída, bem como para a maneira como as esferas culturais</p><p>e a vida cotidiana representam um novo terreno para a dominação.</p><p>A crítica da razão instrumental ocupa lugar importante na teoria crítica. A ra-</p><p>zão instrumental é concebida como herança do Iluminismo, movimento que exa-</p><p>cerbou o racionalismo que atravessa toda a modernidade. A razão desempenhou</p><p>papel progressivo em toda a modernidade, atingindo seu clímax na Filosofia</p><p>histórica de Marx. A partir desse momento, foi despojada de sua dimensão crítica</p><p>e se tornou elemento de legitimidade a serviço da dominação. O Positivismo é</p><p>a expressão mais contundente dessa tendência, desenvolvido como uma síntese</p><p>de várias tradições hegemônicas de pensamento na teoria social ocidental, cuja</p><p>nota comum é o desenvolvimento de modos de pensar metodológicos baseados</p><p>nas ciências naturais e em princípios dogmáticos de observação e quantificação.</p><p>Em sua crítica ao Positivismo, a Escola de Frankfurt demonstrou os mecanis-</p><p>mos de controle ideológico do capitalismo avançado. É uma linha de pensamento</p><p>que reduz a ciência a uma metodologia baseada na descrição, classificação e genera-</p><p>lização de fenômenos sem preocupar-se em distinguir o essencial do não essencial,</p><p>privando-a de todas as dimensões críticas. O cientista burguês fica impotente para</p><p>agir autonomamente, visto que naturaliza o estado das coisas existentes, ao atuar</p><p>como unidade individual e isolada, sem importar-se em questionar a realidade.</p><p>U</p><p>N</p><p>ID</p><p>A</p><p>D</p><p>E</p><p>3</p><p>126</p><p>A teoria crítica também ofereceu novos conceitos que ajudam a analisar o pa-</p><p>pel das instituições como agentes de reprodução cultural e social. De acordo com</p><p>essa linha de pensamento, a sociedade avançada reduz a cultura a mercadorias</p><p>gerenciadas por uma indústria de massa, que lhe confere a função de fechar todos</p><p>os sentidos do homem, tornando-o o meio mais eficaz para encobrir a domina-</p><p>ção. Em geral, a crise cultural do capitalismo avançado pode ser apontada em três</p><p>aspectos. Em primeiro lugar, a arte como tal se tornou impossível, perdendo sua</p><p>autonomia, autenticidade e, portanto, sua essência. Em segundo, a própria cultura,</p><p>tomada em sua totalidade, deixa sua dimensão negativa, desenvolvendo-se como</p><p>obscurecimento e negação total da consciência. Finalmente, a cultura é organi-</p><p>zada como uma instituição superestrutural reduzida à indústria de massa para</p><p>consumo. Ao apontar o elo entre poder e cultura, é revelada a maneira pela qual</p><p>as ideologias dominantes são constituídas por diferentes formações culturais. A</p><p>cultura estabelece, nessa perspectiva, um vínculo particular com a base material</p><p>da sociedade. Isso possibilita compreender problemas, como sua articulação com</p><p>os interesses dos grupos dominantes, sua gênese e os papéis desempenhados na</p><p>constituição das relações de poder e resistência, o que permite a análise de escolas</p><p>e universidades como parte de uma organização mais ampla da sociedade.</p><p>Jürgen Habermas</p><p>O filósofo e sociólogo Jürgen Habermas chegou aos noventa anos (nasceu em 18 de</p><p>junho de 1929) e permanece como um dos intelectuais mais influentes da Alema-</p><p>nha, depois de uma longa carreira como acadêmico e ensaísta, em que contribuiu</p><p>permanentemente para interpretar as notícias políticas de seu país e do mundo.</p><p>Para alguns, Habermas foi a eminência cinzenta da revolta de 1968 na Ale-</p><p>manha; para outros, ele ainda é o último representante da chamada Escola de</p><p>Frankfurt e é praticamente unânime a ideia de que ele é o último filósofo alemão</p><p>cuja influência excedeu os limites do mundo acadêmico. Seu trabalho acompa-</p><p>nha, como comentário permanente, a evolução da Alemanha e do mundo desde</p><p>o pós-guerra, e talvez isso explique o eco que teve em suas obras.</p><p>Em 1956, após breve período como jornalista, Theodor W. Adorno, um dos</p><p>principais representantes da Escola de Frankfurt, convidou-o para trabalhar no</p><p>lendário Instituto de Pesquisa Social, que acabara de voltar a funcionar após fe-</p><p>U</p><p>N</p><p>IC</p><p>ES</p><p>U</p><p>M</p><p>A</p><p>R</p><p>127</p><p>chamento forçado durante a era nazista. A partir daí ele começou a elaborar uma</p><p>série de abordagens para explicar e também renovar a então nova democracia</p><p>alemã. O marxismo permaneceu como ferramenta de análise, como havia sido</p><p>para os fundadores da Escola de Frankfurt, mas deixou de ser, pelo menos para</p><p>ele, uma verdadeira alternativa política.</p><p>Os livros de Jürgen Habermas se multiplicaram com ritmo sistemático e</p><p>avassalador nas últimas quatro décadas, em um dos projetos mais atraentes da</p><p>Filosofia da segunda metade do século XX. É difícil que alguém interessado nos</p><p>problemas da sociedade contemporânea não tenha encontrado suas reflexões</p><p>sobre ética e teoria da ação, Sociologia, Filosofia da Linguagem ou teorias da</p><p>argumentação. A isso, devemos acrescentar suas frequentes intervenções na dis-</p><p>cussão de problemas mais próximos da vida pública. Alguns dos livros de Ha-</p><p>bermas representam marcos na discussão da Filosofia com várias disciplinas da</p><p>análise social e, com menos frequência, estabelecem um diálogo com correntes,</p><p>como a filosofia da língua anglo-saxônica ou as filosofias pós-heideggerianas da</p><p>Alemanha e da França, relativamente longe do ponto de partida de Habermas, a</p><p>teoria crítica da Escola de Frankfurt.</p><p>Esse pensador desperta a desconfiança de filósofos do direito e da política</p><p>(como aconteceu em outros países) porque tenta dar uma visão global, alternativa</p><p>às correntes dominantes nessas disciplinas e do sistema jurídico e político das</p><p>sociedades democráticas a partir de sua teoria da ação comunicativa. Mostra</p><p>como sociedades complexas coordenam</p><p>ações no nível normativo por diferen-</p><p>tes meios (política, direito) e como esses meios são constituídos por uma tensão</p><p>estrutural entre duas características das normas: as normas são impostas, visto</p><p>que são legais e, ao mesmo tempo, valem desde que essa legalidade seja legítima.</p><p>Coordenamos nossas ações dentro de normas positivas e consideramos aceitável</p><p>a sua força em virtude da sua validade.</p><p>A gênese do projeto intelectual de Habermas é a teoria crítica da Escola de</p><p>Frankfurt e, especialmente, seu primeiro programa, quando Horkheimer, nos</p><p>anos 30, abordou as sociedades contemporâneas, concentrando-se na análise de</p><p>suas formas de racionalidade e crítica. Seus primeiros trabalhos, segundo essa</p><p>herança, pretendiam resgatar, em controvérsia com positivismo e hermenêutica</p><p>pós-heideggeriana, uma noção de razão crítica e inseri-la em um projeto polí-</p><p>tico-social emancipatório. Como esse projeto não podia permanecer no campo</p><p>filosófico puro, a reconstrução da razão crítica teve de ser desenvolvida no diálogo</p><p>U</p><p>N</p><p>ID</p><p>A</p><p>D</p><p>E</p><p>3</p><p>128</p><p>com as Ciências Sociais. A análise das formas da possível razão crítica deveria,</p><p>portanto, passar pela reconstrução dos processos sociais como formas de raciona-</p><p>lização. E, de fato, a discussão científico-social abrange grande parte do trabalho</p><p>de Habermas nas décadas de 70 e 80. Contudo, esse diálogo filosófico com as</p><p>teorias e disciplinas sociais contemporâneas o levou a afastar-se de Marx e da</p><p>primeira geração da Escola de Frankfurt. O local da crítica à economia política</p><p>foi ocupado pela teoria dos sistemas (em discussão com Niklas Luhmann), pela</p><p>análise das formas de integração social (seguindo Durkheim) e pela tipologia das</p><p>formas de ação social (seguindo os passos de Weber e Mead).</p><p>Recentemente, tem estudado e escrito sobre Filosofia da Religião, criando,</p><p>assim, um novo conceito adotado por muitos – de uma era pós-secular. Seus</p><p>trabalhos da juventude: Conhecimento e Interesse (1968) e Teoria da ação comu-</p><p>nicativa (1981) continuam a ser lidos e estudados. Além de serem seguidos cons-</p><p>tantemente por estudos e ensaios nos quais há aproximação constante ao mundo</p><p>atual a partir da tradição filosófica alemã.</p><p>Hannah Arendt</p><p>Hannah Arendt foi uma filósofa política alemã, que, mais tarde, tornou-se norte-</p><p>-americana. Teve origem judaica e é considerada uma das mais influentes filósofas</p><p>do século XX. A privação de seus direitos, a perseguição de pessoas de origem</p><p>judaica na Alemanha, em 1933, bem como o breve encarceramento que sofreu</p><p>no mesmo ano contribuíram para sua decisão de emigrar. Sua nacionalidade foi</p><p>retirada, o que a tornou apátrida até obter a cidadania norte-americana.</p><p>Trabalhou como jornalista e professora e publicou importantes obras sobre</p><p>filosofia política, mas não gostava de ser classificada como filósofa. Arendt de-</p><p>fendeu o conceito de pluralismo na esfera política e, graças a isso, desenvolveu o</p><p>conceito de igualdade política entre as pessoas. Criticava a democracia represen-</p><p>tativa e preferia um sistema de conselhos ou formas de democracia direta. Devido</p><p>ao seu pensamento independente, à teoria do totalitarismo, aos seus trabalhos</p><p>sobre filosofia existencial e sua reivindicação pela discussão política, essa pen-</p><p>sadora desempenhou papel central nos debates contemporâneos. Como fonte</p><p>de descrições, empregou, além de documentos filosóficos, políticos e históricos,</p><p>biografias e obras literárias. Seus trabalhos mais importantes são:</p><p>U</p><p>N</p><p>IC</p><p>ES</p><p>U</p><p>M</p><p>A</p><p>R</p><p>129</p><p>A Condição Humana: pensamento baseado no nascimento do indivíduo e</p><p>não na morte, como a de Heidegger. Foi publicado em 1958 e, nele, a pensadora</p><p>se dedicou principalmente à filosofia e desenvolveu a ideia do nascimento, na</p><p>qual inicia a capacidade de fazer um novo começo. O indivíduo tem a tarefa de</p><p>configurar o mundo, em conexão com outras pessoas. Refere-se às condições</p><p>básicas da vida ativa do ser humano, que Arendt delimita: trabalhar, produzir, agir.</p><p>A Vida do Espírito: trabalho desencadeado e inspirado pelas críticas do juízo</p><p>kantiano. Ela planejava estudar em profundidade as três atividades do espírito:</p><p>pensamento, vontade e julgamento, embora sempre ligadas à ação e, portanto,</p><p>sem deixar de pensar em política. Logo, todo o interesse no pensamento deve</p><p>estar centrado na ação, compreendê-la e pensar no que é feito.</p><p>Sobre a Violência: o termo “violência”, em seu sentido mais elementar, refere-</p><p>-se aos danos causados às pessoas por outros seres humanos. As experiências tota-</p><p>litárias do século XX estenderam esse uso da violência a uma escala e intensidade</p><p>sem precedentes na história da humanidade – e é nesse contexto que esse livro</p><p>de Hannah Arendt pode ser enquadrado. Para a Filosofia Política, a violência em</p><p>estudo tem duas faces: a violência organizada do Estado ou a que se rompe à sua</p><p>frente. Isso levou muitos a pensar que a violência é, principalmente, uma forma</p><p>de exercício de poder. A posição inicial da autora em Sobre a Violência consiste</p><p>no estudo aprofundado da violência política em suas encarnações extremas no</p><p>mundo contemporâneo e em sua cuidadosa separação entre violência e poder</p><p>político. Este é o resultado de uma ação cooperativa, enquanto a violência do</p><p>século XX está ligada à ampliação da destruição causada pela tecnologia.</p><p>Michel Foucault</p><p>Historiador, psicólogo, filósofo e teórico social, Michel Foucault foi um dos grandes</p><p>pensadores do século XX, cujas ideias geraram grande impacto e exerceram muita</p><p>influência em todo o ambiente cultural francês da época. Ele foi reconhecido mun-</p><p>dialmente por suas ideias sobre instituições sociais, especialmente prisões, sistema</p><p>de saúde e Psiquiatria, bem como por seus estudos sobre sexualidade humana.</p><p>Nascido em 15 de outubro de 1926 na cidade de Poitiers, França, e sob o nome de</p><p>Paul-Michel Foucault, o pensador francês cresceu em um ambiente formal no qual</p><p>estudos e conhecimentos eram considerados essenciais – seu pai era um renomado ci-</p><p>U</p><p>N</p><p>ID</p><p>A</p><p>D</p><p>E</p><p>3</p><p>130</p><p>rurgião francês. Após histórico acadêmico cheio de altos e baixos, Foucault conseguiu</p><p>entrar na famosa École Normande Supérieure, reconhecida por ser um dos berços dos</p><p>melhores especialistas e pensadores de humanidades da França. Lá, sua permanência</p><p>foi um dos estágios mais difíceis. Depois de sofrer depressão e várias tentativas de</p><p>suicídio, ele ficou nas mãos de um psiquiatra por longo tempo. Durante esse período,</p><p>adquiriu paixão pela Psicologia, o que o levou a formar-se em Psicologia e Filosofia.</p><p>Após várias outras vivências, Foucault retornou à França com a intenção de</p><p>concluir seu doutorado, durante o qual aceitou uma posição no Departamento de</p><p>Filosofia da Universidade Clermont-Ferrand. Durante esse período de sua vida,</p><p>ele se tornou um escritor prolífico, com a maioria de seus textos focados em Psi-</p><p>cologia, Psiquiatria e saúde mental. Enquanto suas publicações subsequentes se</p><p>concentraram em questões relacionadas à política, questões sociais e sexualidade.</p><p>Durante os anos em que se interessou pela corrente estruturalista, Foucault</p><p>foi considerado parte da corrente, tendo o mesmo nível de outros grandes pen-</p><p>sadores, como Jacques Lacan ou Claude Lévi-Strauss. Apesar disso, ele rejeitou</p><p>completamente a ideia de ser considerado defensor do estruturalismo. Embora,</p><p>no início, tenha se concentrado principalmente em questões de saúde mental e</p><p>Psicologia, bem como nas instituições que a controlam, suas contribuições mais</p><p>importantes e reconhecidas estão no campo das Ciências Sociais e política.</p><p>Foucault viveu em um tempo de grandes mudanças e convulsões sociais e, por</p><p>isso, estava muito interessado no presente ao qual ele pertencia, fazendo reflexões</p><p>excepcionais sobre os sistemas e as relações de poder da época. Antes de tudo, é ne-</p><p>cessário especificar que, ao falar sobre poder, esse pensador não se ateve apenas ao</p><p>governo ou às instituições, mas também às relações de poder que ocorrem em todas as</p><p>áreas da sociedade, conhecidas como poder social. Este é constituído por uma signifi-</p><p>cativa</p><p>parcela de pequenas esferas de poder, localizadas abaixo das grandes potências,</p><p>como o governo ou a igreja. Para ele, essas esferas de poder estão em níveis diferentes</p><p>e dependem umas das outras para se manifestar de maneira sutil e disfarçada.</p><p>No entanto, segundo o próprio pensador, o principal obstáculo à realização de</p><p>uma revolução é a manutenção das relações de poder, de acordo com o que acontecia</p><p>na época, o que exigia examinar e analisar essas relações por uma natureza social.</p><p>Em uma de suas publicações mais conhecidas, A Microfísica do Poder (1980),</p><p>Foucault conduziu uma revisão das relações de poder por meio de duas dinâ-</p><p>micas de domínio diferentes: contrato, em que se materializa no poder de tipo</p><p>opressor e jurídico, e se baseia em sua legitimidade; e dominação, que se estabe-</p><p>lece em termos de repressão e submissão.</p><p>U</p><p>N</p><p>IC</p><p>ES</p><p>U</p><p>M</p><p>A</p><p>R</p><p>131</p><p>Foucault insistia no ponto de vista de que o conflito não está apenas no poder</p><p>do governo, mas também em todas as subestruturas com relações de poder que</p><p>o sustentam. Seguindo essa ideia, ele persistia que a análise das relações de poder</p><p>não deve começar pelo poder do governo, que é necessário, então, começar pelas</p><p>subesferas menores de poder, que o alimentam e possibilitam sua manutenção.</p><p>Por fim, Foucault determinou que o principal papel dos pensadores deve estar</p><p>dentro da sociedade, acompanhando-a na luta contra as formas de poder que</p><p>nela existem. Suas principais obras são:</p><p>A História da Loucura (1961): primeiro trabalho relevante de Foucault, no</p><p>qual analisou e revisou o tratamento dado ao conceito de loucura ao longo da</p><p>história ao enfatizar a evolução do tratamento dado ao paciente.</p><p>As Palavras e as Coisas (1966): nesse trabalho, o pensador fez uma reflexão</p><p>sobre como todos os períodos históricos são distinguidos, apresentando uma</p><p>série de condições fundamentais da verdade, que estabelecem o que é aceitável e</p><p>como essas condições evoluem e mudam no decorrer do tempo.</p><p>A Arqueologia do Saber (1969): outra das obras mais relevantes do pensador</p><p>francês, na qual realizou um exame ou uma análise da funcionalidade e do poder</p><p>das frases enquanto unidades básicas de fala.</p><p>Vigiar e Punir (1975): nessa obra, por meio do estudo do direito penal e es-</p><p>pecificamente do regime penitenciário do século XVIII ao século XIX, Foucault</p><p>estudou a presença de relações de poder, tecnologias de controle e a microfísica do</p><p>poder presente em nossa sociedade. Ele desenvolveu duas teses: a primeira é que</p><p>a punição sofreu mutações, o que implica não em sua melhoria ou piora, não sua</p><p>humanização ou racionalidade, como normalmente é afirmado, mas à transforma-</p><p>ção, que responde a mudanças político-econômicas das sociedades ocidentais. Se</p><p>trata, portanto, de um estudo de métodos punitivos ante a economia e a política.</p><p>A segunda baseia-se na afirmação de que há um conjunto de elementos e técnicas</p><p>materiais que servem como armas, canais de comunicação e pontos de apoio às</p><p>relações de poder e de saber, que envolvem os corpos humanos e os dominam,</p><p>tornando-os objeto de conhecimento. A tese é de que as práticas penais não são</p><p>consequências das teorias jurídicas, mas um capítulo da anatomia política.</p><p>História da Sexualidade (1976-1984): o filósofo materializou esse trabalho</p><p>em três volumes diferentes, nos quais o uso da sexualidade é revisto como regi-</p><p>me de poder, bem como o uso de prazeres sexuais ao longo da história. Quando</p><p>Foucault morreu, em 1984, escrevia o quarto volume dessas reflexões, focadas na</p><p>sexualidade e no cristianismo.</p><p>U</p><p>N</p><p>ID</p><p>A</p><p>D</p><p>E</p><p>3</p><p>132</p><p>3</p><p>PRINCIPAIS ESCOLAS</p><p>E CONCEITOS DAS</p><p>CIÊNCIAS HUMANAS</p><p>– HISTÓRIA</p><p>(Idade Média, Idade Moderna</p><p>e Idade Contemporânea)</p><p>Idade Média</p><p>Quando estudamos sobre a Idade Média, falamos de um período histórico que</p><p>vai do século V ao XV. São dez séculos de história, que começou com a queda do</p><p>Império Romano do Ocidente, no ano de 476 d.C., e terminou no final do século</p><p>XV, em 1492, com a descoberta do continente americano.</p><p>Sobre o período medieval, precisamos ater-nos exclusivamente aos eventos e</p><p>acontecimentos que ocorreram na Europa. O motivo é muito simples: as carac-</p><p>terísticas que nos levam a assim denominar um espaço de tempo de 1000 anos</p><p>respondem a características que só aconteceram no continente europeu. Para al-</p><p>guns historiadores, classificar a história em períodos tem caráter eminentemente</p><p>eurocêntrico, como se não houvesse acontecido nada nos demais continentes.</p><p>Mesmo assim, a Idade Média foi uma época histórica que deixou marcas profun-</p><p>das no continente. Foi caracterizado por importantes acontecimentos históricos,</p><p>com grandes mudanças culturais, políticas, religiosas, sociais e econômicas, tor-</p><p>nando-se um dos períodos mais fascinantes da história.</p><p>A passagem da Idade Antiga para a Idade Média não foi algo imediato, mas</p><p>se desenvolveu gradualmente por meio da transição em diversas áreas. Na eco-</p><p>nomia, o modelo de produção escrava foi substituído pelo feudalismo; na so-</p><p>U</p><p>N</p><p>IC</p><p>ES</p><p>U</p><p>M</p><p>A</p><p>R</p><p>133</p><p>O feudalismo é um sistema político, social e econômico definido pela troca de serviços</p><p>e rendas entre o vassalo (servo) e o senhor feudal (suserano); sistema em que a terra e o</p><p>direito eram cedidos ao vassalo em troca de serviços e rendas.</p><p>Fonte: adaptado de Dicio ([2019], on-line)³.</p><p>explorando Ideias</p><p>ciedade, a cidadania romana desapareceu e surgiram os estamentos medievais;</p><p>na política, ocorreu uma decomposição das estruturas centralizadas romanas e</p><p>a dispersão de poder entre os povos bárbaros; e, na cultura, houve a substituição</p><p>da cultura clássica pelo teocentrismo cristão ou muçulmano.</p><p>Tradicionalmente, dividimos o período em duas partes: Alta Idade Média, que</p><p>abrange o período do século IX ao XI. Nesse momento, houve o crescimento do</p><p>feudalismo ou do modo de produção feudal, baseado em uma força de traba-</p><p>lho servil e focada nos senhorios ou domínios senhoriais. Politicamente, é um</p><p>momento de descentralização do poderio, no qual os reis têm pouco poder, se</p><p>comparados aos grandes senhores feudais. A Baixa Idade Média, por sua vez,</p><p>começa no início do século XII e vai até meados do século XV. Foi um momento</p><p>de reabertura, no qual cidades e atividades comerciais lentamente ganharam</p><p>importância novamente e um novo grupo social emergiu: a burguesia. Além</p><p>disso, começaram a desenvolver-se as primeiras transformações que, mais tarde,</p><p>fariam surgir o capitalismo na Idade Moderna.</p><p>A Filosofia, durante a Idade Média, foi uma ciência intimamente relacionada</p><p>à religião, o que tornava difícil sua separação com a Teologia. Entre os temas</p><p>mais discutidos estavam a relação entre fé e razão, liberdade do homem e plano</p><p>divino e a interpretação, a partir desse novo prisma religioso, dos ensinamentos</p><p>de grandes filósofos pré-cristãos, como Platão e Aristóteles.</p><p>Idade Moderna</p><p>A passagem da Idade Média para a Idade Moderna não aconteceu de forma</p><p>abrupta. Não foi uma mudança provocada por uma revolução motivada por</p><p>mudanças radicais na sociedade nem pela monarquia ou pelas propriedades</p><p>U</p><p>N</p><p>ID</p><p>A</p><p>D</p><p>E</p><p>3</p><p>134</p><p>eclesiásticas que dominaram na Idade Média e queriam continuar a exercer o po-</p><p>der; pelo contrário: o passo a caminho da Idade Moderna foi uma lenta e gradual</p><p>transformação, que tomava forma desde os últimos séculos da Alta Idade Média.</p><p>Com isso, novas ideias começaram a aparecer, como o humanismo, a burguesia,</p><p>os estados e as nações, as cidades, as artes e as novas correntes de pensamento.</p><p>O aumento demográfico impulsionou o desenvolvimento de cidades e mo-</p><p>vimentos populacionais (camponeses que migravam para a cidade), o que deu</p><p>origem a novos grupos sociais. Na área urbana, a alta burguesia comercial e</p><p>financeira se tornou um grupo social com grande poder econômico e, além dis-</p><p>so, passou a participar de cargos governamentais e cresceu assustadoramente,</p><p>facilitado pelo crescimento das cidades e pelo aumento do comércio. Embora</p><p>monarcas, clérigos ou nobres ocupassem posições dominantes, seus poderes</p><p>econômicos foram superados, em</p><p>muitos casos, pela alta burguesia.</p><p>Houve profundas mudanças nas ideias e concepções dos homens sobre diver-</p><p>sos temas. Foi a época do desenvolvimento do humanismo, que rejeitava precei-</p><p>tos teológicos e abraçava o</p><p>pensamento crítico, que de-</p><p>fendia o individualismo do</p><p>homem. O Renascimento</p><p>marcou o salto da era me-</p><p>dieval para a era moderna</p><p>e trouxe consigo grandes</p><p>transformações culturais</p><p>não apenas nas artes, mas</p><p>também nas ciências, nas le-</p><p>tras e nas formas de pensar.</p><p>Esse período se caracteriza pela rejeição de muitos dos princípios do conhe-</p><p>cimento medieval e pela admiração da antiguidade greco-romana. Teve como</p><p>objetivo recuperar o conhecimento clássico, no qual buscava uma nova escala</p><p>de valores para o indivíduo. Diante da sociedade medieval, em que tudo girava</p><p>em torno do conceito de Deus, durante o Renascimento, o homem se tornou o</p><p>centro do universo ao utilizar a razão como fonte de conhecimento e ao buscar</p><p>a verdade por meio da reflexão pessoal e da pesquisa.</p><p>Figura 13 - Estátua de Davi, realizada por Michelangelo.</p><p>U</p><p>N</p><p>IC</p><p>ES</p><p>U</p><p>M</p><p>A</p><p>R</p><p>135</p><p>Mecenas: pessoa que patrocina as artes, a ciência ou o ensino.</p><p>Fonte: o autor.</p><p>explorando Ideias</p><p>Trouxe, além disso, como marcas essenciais, a redescoberta das culturas clássicas</p><p>grega e romana, o humanismo e o antropocentrismo. A arte renascentista girava em</p><p>torno do ser humano, mas isso não significa que deixou de ser religiosa. Além da Igre-</p><p>ja, surgiram novos mecenas, como os mercadores ricos e os membros da monarquia.</p><p>Graças ao novo patrocínio, a arte deixou de desempenhar funções exclusivamente</p><p>religiosas e surgiram novos gêneros e temas retratados – como retratos, nudezes,</p><p>paisagens e figuras mitológicas. Na arquitetura, além de igrejas, passaram a ser</p><p>construídos palácios, prefeituras e universidades.</p><p>No âmbito religioso, surgiu, com grande importância, a Reforma Protestante,</p><p>que representou uma cisma gerada na Igreja Católica no século XVI e teve importan-</p><p>tes consequências políticas, econômicas e religiosas,</p><p>levando à criação do Cristianismo Protestante.</p><p>Apesar dos movimentos anteriores com pedi-</p><p>dos de mudança para a Igreja Católica, a Refor-</p><p>ma começou em 1517, quando o monge católico</p><p>alemão Martinho Lutero escreveu suas noventa</p><p>e cinco teses. Ele defendia uma ampla reforma</p><p>da Igreja Católica, que era a autoridade religiosa</p><p>dominante na Europa Ocidental.</p><p>Suas palavras de protesto se concentraram no estado espiritual e material da</p><p>Igreja, especialmente sua vasta riqueza, poder e corrupção generalizada de alguns</p><p>de seus sacerdotes. Essas críticas não eram novas e Lutero não foi o primeiro a</p><p>propor mudanças. Contudo, a então recente invenção da impressão possibilitou</p><p>que as suas palavras se espalhassem rapidamente pela Europa, onde alcançaram</p><p>grande impacto. Uma de suas publicações mais importantes foi uma tradução</p><p>alemã da Bíblia, que permitiu que muitas pessoas a lessem pela primeira vez,</p><p>porque, até então, tinha sido escrita principalmente em latim e só podia ser lida,</p><p>até aquele momento, por padres. A partir daí, pessoas comuns puderam formar</p><p>suas próprias opiniões sobre a fé.</p><p>Figura 14 - Martinho Lutero</p><p>U</p><p>N</p><p>ID</p><p>A</p><p>D</p><p>E</p><p>3</p><p>136</p><p>Lutero tinha a intenção de reformar a Igreja e não de dividi-la. Sua visão do</p><p>cristianismo, no entanto, contrapunha-se aos princípios básicos da Igreja e a au-</p><p>toridade do papa, o que colidia com a hierarquia eclesiástica e, em 1521, o monge</p><p>foi excomungado devido ao crescente movimento protestante pelo Papa Leão X.</p><p>A Reforma foi, sem dúvida, um dos eventos mais importantes da história europeia</p><p>e mundial, que levou à formação de todas as vertentes do protestantismo que existem</p><p>hoje. Também gerou violência entre os dois poderes para a supremacia na Europa</p><p>durante séculos. Em alguns lugares, essas feridas ainda não sararam completamente.</p><p>No campo político, o Absolutismo surgiu como forte sistema de governo.</p><p>Desde o final da Idade Média até o século XVIII, a forma de governo que carac-</p><p>terizou a maioria dos estados europeus foi a monarquia absoluta, na qual o rei</p><p>controlava todos os poderes do Estado e a sua legitimidade era considerada um</p><p>direito divino. O monarca tinha, em suas mãos, os poderes executivo, legislativo</p><p>e judiciário, o comando do exército e das instituições e toda a administração do</p><p>Estado. Além disso, todas as instituições que historicamente foram usadas para</p><p>aconselhar o rei foram desprezadas, como aconteceu com as cortes. Tal sistema</p><p>dependia fundamentalmente da nobreza, que, como grupo dominante, tinha as</p><p>principais posições e privilégios, bem como a propriedade das terras. A burguesia,</p><p>ainda com poder escasso, crescia aos poucos em influência.</p><p>Das monarquias absolutas da Idade Moderna, temos o protótipo mais claro</p><p>em Luís XIV (Rei Sol), rei da França, cujo go-</p><p>verno também serviu de modelo para outros</p><p>soberanos. O monarca francês chegou ao tro-</p><p>no depois de um período de instabilidade em</p><p>seu país e no qual os presidentes do Conselho</p><p>Real tiveram grande peso. Por essa razão, Luís</p><p>XIV subiu ao trono com a firme convicção de</p><p>governar de forma personalística, individua-</p><p>lista, confiando na crença do tempo em que os</p><p>reis governavam por direito divino e recebiam</p><p>seu poder de Deus. Por essa razão, acreditava</p><p>que seu governo deveria ser justo e pessoal.</p><p>Dele vem a frase: “O Estado sou eu”.</p><p>Desde o início do século XV, o crescimento da economia europeia impulsionou</p><p>a recuperação do comércio e aumentou a demanda por alguns bens importados.</p><p>Figura 15 - Rei Luís XIV</p><p>U</p><p>N</p><p>IC</p><p>ES</p><p>U</p><p>M</p><p>A</p><p>R</p><p>137</p><p>A transformação mais notável ocorrida nos séculos XV e XVI foi a expansão</p><p>comercial da Europa, que impulsionou a busca de novos mercados fora de seu</p><p>território, o que resultou em viagens de exploração marítima.</p><p>A burguesia comercial e mercantil das cidades europeias impulsionou a ex-</p><p>pansão marítima. As monarquias, que consolidavam seu poder ao organizarem</p><p>um aparato complexo de governo, também investiram fortemente nesse novo</p><p>comércio para sustentar as crescentes despesas do Estado. As áreas comerciais</p><p>mais importantes foram o Mediterrâneo e o Mar do Norte. A partir daí, as rotas</p><p>comerciais foram expandidas, conectando-as à Europa Oriental, à Ásia e à África.</p><p>Os avanços científicos e as novas técnicas de navegação facilitaram o desenvol-</p><p>vimento de novas expedições, como a de Cristóvão Colombo, em 1492, que am-</p><p>pliou o mundo conhecido. Podemos afirmar, ainda, que esse processo de expan-</p><p>são culminou, no século XIX, com o imperialismo e os processos de colonização.</p><p>Idade Contemporânea</p><p>A Idade Contemporânea é o período atual em que vivemos. Iniciada com a Re-</p><p>volução Francesa, com a queda da Bastilha, em 14 de julho de 1789, essa fase, que</p><p>vem depois da Idade Moderna, é também conhecida como pós-modernidade.</p><p>Nesse intervalo, o mundo passou por profundas transformações sociais, cul-</p><p>turais, políticas e econômicas. É uma fase caracterizada pelo nascimento da in-</p><p>dústria, pelos avanços da pesquisa científica, pelo aprimoramento da tecnologia</p><p>e pela constante evolução dos meios de comunicação e transporte. Seu início foi</p><p>bastante marcado pela Filosofia iluminista e deu origem à Revolução Francesa,</p><p>que enfatizou a importância do uso da razão acima de tudo.</p><p>O desenvolvimento e a consolidação do regime capitalista no Ocidente e,</p><p>consequentemente, as disputas pelas grandes potências europeias pelos territó-</p><p>rios, pelas matérias-primas e pelos mercados consumidores também marcam o</p><p>período. A configuração do poder político burguês também foi acompanhada</p><p>pelo desenvolvimento econômico capitalista, estabelecido como uma forma de</p><p>organização econômica para todos os continentes do mundo.</p><p>Outra característica da época contemporânea é a formação dos Estados</p><p>nacionais e o conceito de nação ou nacionalismo, que buscava preservar a iden-</p><p>tidade de cada país, o que originou inúmeras disputas territoriais na Europa e</p><p>nas zonas coloniais. As duas grandes guerras mundiais que ocorreram no século</p><p>XX tiveram suas origens no nacionalismo.</p><p>U</p><p>N</p><p>ID</p><p>A</p><p>D</p><p>E</p><p>3</p><p>138</p><p>Figura 16 - (a) Saudação nazista a Hitler durante o hino da nação, em 9 de outubro de 1935;</p><p>(b) Soldados na trincheira na Primeira Guerra Mundial</p><p>Observe algumas características que diferem a Idade Contemporânea dos outros</p><p>períodos:</p><p>• A consolidação do capitalismo como sistema econômico.</p><p>• O desenvolvimento industrial.</p><p>• A ascensão política e econômica da burguesia industrial, principalmente nos</p><p>países europeus.</p><p>• A consolidação do regime democrático a partir de meados do século XIX.</p><p>• As disputas entre as grandes potências europeias, que brigavam por mercados</p><p>consumidores, fontes de matéria-prima e conquista de territórios. Originaram</p><p>movimentos conhecidos como Imperialismo e Neocolonialismo.</p><p>• O amplo desenvolvimento tecnológico, principalmente a partir de meados do</p><p>século XX.</p><p>• No início do século XX, os Estados Unidos avançaram como potência mundial.</p><p>• O surgimento da globalização da economia a partir de meados do século XX.</p><p>O grande historiador Eric J. Hobsbawm, falecido em primeiro de outubro de 2012,</p><p>descreveu as principais características dessa fase por meio de quatro obras essen-</p><p>ciais: o primeiro analisa as transformações sociais e políticas que acompanharam a</p><p>transição do Antigo Regime para a Europa burguesa – A Era das Revoluções (1789-</p><p>1848). O segundo livro tem foco na era do esplendor do capitalismo industrial e a</p><p>consolidação da burguesia como classe dominante – A Era do Capital (1848-1875).</p><p>O terceiro estuda o advento do imperialismo e termina com o surgimento de con-</p><p>flitos entre as grandes potências – A Era dos Impérios (1875-1914). Por último, – Era</p><p>dos Extremos (1914-1991) – relata o período das duas grandes guerras até o início</p><p>dos anos noventa, com as suas consequências, crises e incertezas.</p><p>BA</p><p>U</p><p>N</p><p>IC</p><p>ES</p><p>U</p><p>M</p><p>A</p><p>R</p><p>139</p><p>CONSIDERAÇÕES FINAIS</p><p>Caro(a) aluno(a), chegamos ao final de mais uma unidade com um pouco mais</p><p>de conhecimento sobre as Ciências Humanas. Vimos como foi lenta e gradual a</p><p>passagem do mito ao pensamento filosófico: foram séculos de busca do ser hu-</p><p>mano para abandonar os relatos míticos, os quais baseavam-se em divindades ou</p><p>forças sobrenaturais para explicar os fenômenos e acontecimentos da vida. Será</p><p>que isso acontece ainda hoje? Em pleno século XXI, podemos afirmar que cem</p><p>por cento das pessoas se utilizam apenas da razão para explicar os fatos? Será</p><p>que assassinamos o pensamento mítico? Será que os nossos valores são regidos</p><p>apenas pelo pensamento racional? E a religião? Deixo essas questões para que</p><p>você exercite a sua reflexão filosófica.</p><p>Estudamos toda a complexidade do pensamento filosófico, desde a sua ori-</p><p>gem até o idealismo alemão no século XIX. Nos pré-socráticos, verificamos a</p><p>insistência que tinham em afastar-se das explicações mitológicas de sua época,</p><p>buscando os primeiros passos para conseguir as respostas de forma mais racional.</p><p>Em Sócrates, conhecemos o método indutivo, muito divulgado e utilizado por sé-</p><p>culos. Sobre Platão, vimos que o Mito da Caverna é a sua síntese teórica acerca do</p><p>mundo das ideias. Sair da caverna é viver uma vida de pensamento racional e de</p><p>felicidade. Significa fugir da escuridão da ignorância (hoje, poderíamos chamar</p><p>de senso comum?) para um estágio de luz e sabedoria. Você já saiu da caverna?</p><p>Compreendemos, ainda, a importância que a Filosofia escolástica teve no</p><p>pensamento do cristianismo ocidental, tendo como principal representante San-</p><p>to Agostinho. Na verdade, muito do que se encontra hoje na doutrina da igreja</p><p>cristã dos nossos dias é resultado das ideias dessa escola tão distante na questão</p><p>temporal. A Reforma Protestante, iniciada oficialmente por Martinho Lutero</p><p>também foi influenciada por esse movimento escolástico. Posteriormente, vimos</p><p>brevemente diversos períodos históricos até chegarmos à idade contemporânea,</p><p>com os seus desafios e fatos mais importantes que marcam a nossa época.</p><p>140</p><p>na prática</p><p>1. A filosofia surgiu a partir do momento em que o ser humano deixou a escuridão</p><p>primitiva – na qual utilizava mitos para explicar eventos do universo – e começou</p><p>a usar a razão para responder tanto as perguntas antigas quanto as novas que se</p><p>apresentavam. Tendo em vista essa descrição e o conteúdo que estudamos nesta</p><p>unidade, descreva o que é mito.</p><p>2. Sócrates dividiu o conhecimento em duas grandes áreas: a do mundo exterior e a do</p><p>mundo interior. O homem é, em si, um mundo tão profundo e rico quanto o mundo</p><p>da natureza. Os filósofos anteriores, sem exceção, dedicaram-se ao conhecimento do</p><p>mundo físico e, por esse motivo, sempre se perguntavam sobre os últimos elementos</p><p>constitutivos da realidade, a possibilidade de movimento, a formação do universo etc.</p><p>Os sofistas fizeram uma alusão passageira ao homem, colocando-o como critério de</p><p>todo o conhecimento; no entanto, em Sócrates encontramos a preocupação com a</p><p>palavra “retórica” – a arte de persuadir –, não com o próprio homem. Este filósofo foi</p><p>o primeiro dedicado à pesquisa do homem, que abriu um novo campo para a reflexão</p><p>filosófica. Tendo em vista o que aprendemos sobre o pensamento socrático nesta</p><p>unidade, escreva em que consistia o método indutivo de Sócrates.</p><p>141</p><p>na prática</p><p>3. A Patrística é caracterizada pela defesa racional do cristianismo contra os ataques da</p><p>filosofia pagã e pela aceitação de verdades filosóficas que concordam com a revela-</p><p>ção cristã. Sua importância reside no fato de que é a primeira tentativa de unificar a</p><p>religião e a filosofia cristã. Os primeiros pensadores cristãos usaram a Filosofia para</p><p>explicar racionalmente seus dogmas.</p><p>Quem foi o principal filósofo da Patrística? Qual a sua relevância para o período?</p><p>4. Renascimento é o nome dado no século XIX a um amplo movimento cultural que</p><p>ocorreu na Europa Ocidental durante os séculos XV e XVI. Foi um período de tran-</p><p>sição entre a Idade Média e o início da Idade Moderna. Seus principais expoentes</p><p>estão no campo das artes, embora também tenha havido renovação nas Ciências</p><p>Naturais e Humanas. Ao considerar o que foi abordado nesta unidade, quais são as</p><p>características do Renascimento?</p><p>5. O Absolutismo monárquico surgiu como uma evolução no acúmulo do poder das</p><p>monarquias, que aumentou a partir da Alta Idade Média e atingiu seu auge na mo-</p><p>dernidade. Desenvolva um texto dissertativo no qual descreva o que é o Absolutismo.</p><p>142</p><p>aprimore-se</p><p>AS VERDADES DA RAZÃO</p><p>Raciocinar não é algo que aprendemos em solidão, mas algo que inventamos ao nos</p><p>comunicar e nos confrontar com os semelhantes: toda razão é fundamentalmente</p><p>conversação. “Conversar” não é o mesmo que ouvir sermões ou atender a vozes de</p><p>comando. Só se conversa - sobretudo só se discute - entre iguais. O hábito filosófico</p><p>de raciocinar nasceu na Grécia, junto com as instituições da democracia [...] Afinal</p><p>de contas, a disposição a filosofar consiste em decidir-se a tratar os outros como se</p><p>também fossem filósofos: oferecendo-lhes razões, ouvindo a deles e construindo a</p><p>verdade, sempre em dúvida, a partir do encontro entre umas e outras. Em resumo,</p><p>buscando a verdade.</p><p>Essa é justamente a missão da razão cujo uso todos nós compartilhamos. [...]</p><p>Na sociedade democrática, as opiniões de cada um não são fortalezas ou castelos</p><p>para que neles nos encerremos como forma de autoafirmação pessoal: “ter” uma</p><p>opinião não é “ter” uma propriedade que ninguém tem o direito de nos arrebatar.</p><p>Oferecemos nossa opinião aos outros para que a debatam e por sua vez a aceitem</p><p>ou refutem, não simplesmente para que saibam “onde estamos e quem somos”. E é</p><p>claro que nem todas as opiniões são igualmente válidas: valem mais as que têm me-</p><p>lhores argumentos a seu favor e as que melhor resistem à prova de fogo do debate</p><p>com as objeções que lhe sejam colocadas.</p><p>[...] A razão não está situada como um árbitro semidivino acima de nós para re-</p><p>solver nossas disputas; ela funciona dentro de nós e entre nós. Não só temos que</p><p>ser capazes de exercer a razão em nossas argumentações como também – e isso é</p><p>143</p><p>aprimore-se</p><p>muito importante e, talvez, mais difícil ainda – devemos desenvolver a capacidade</p><p>de ser convencidos pelas melhores razões, venham de quem vierem. [...] A partir</p><p>da perspectiva racionalista, a verdade buscada é sempre resultado, não ponto de</p><p>partida: e essa busca inclui a conversação entre iguais, a polêmica, o debate, a con-</p><p>trovérsia. Não como afirmações da própria subjetividade, mas como caminho para</p><p>alcançar uma verdade objetiva por meio das múltiplas subjetividades.</p><p>Fonte: Savater (2001, p. 43-44).</p><p>O MUNDO E A CONSCIÊNCIA</p><p>O dualismo cartesiano e a doutrina da total separação das substâncias levam, no li-</p><p>mite, a um estranhamento da consciência em relação ao mundo. Mas hoje sabemos</p><p>que a consciência não pode ser posta como uma entidade absolutamente autôno-</p><p>ma e separada, a não ser em termos estritamente metodológicos. Por isso somos</p><p>levados a considerar não apenas o problema das relações entre a consciência e o</p><p>mundo, como também a questão, para nós talvez mais premente, da consciência no</p><p>mundo. Pois o progresso e a obtenção da sabedoria através do correto exercício da</p><p>razão são inseparáveis da consideração da história da humanidade, em que Descar-</p><p>tes toca apenas superficialmente.</p><p>Hoje sabemos que todas as realizações humanas, e mesmo a relação do homem</p><p>com aquilo que eventualmente o ultrapassa e o transcende, passam pela mediação</p><p>da história, que é necessariamente o nosso contexto de conhecimento e de ação.</p><p>144</p><p>aprimore-se</p><p>Isso nos leva a procurar saber, principalmente diante do desenvolvimento histórico</p><p>dos últimos tempos, até que ponto o homem é senhor de suas próprias realizações.</p><p>Há elementos para acreditar que, embora os meios que o progresso técnico e cientí-</p><p>fico colocou à disposição dos homens tenham um alcance incalculável, a capacidade</p><p>de servir-se de tais meios para promover os fins mais compatíveis com a felicidade e a</p><p>dignidade humanas é limitada. Para Descartes, a sabedoria deveria aproximar meios</p><p>e fins. Mas ele concebia essa relação sem a mediação significativa do desenvolvimen-</p><p>to histórico que obrigatoriamente aí se interpõe. A experiência nos ensinou que o</p><p>progresso do saber nem sempre caminha junto com o progresso da sabedoria e que</p><p>os homens por vezes parecem ter dificuldades para lidar com os frutos do conheci-</p><p>mento: os produtos da ciência ameaçam voltar-se contra nós. E essa uma perspectiva</p><p>que contraria completamente as mais autênticas aspirações da filosofia cartesiana,</p><p>mas que, ainda assim, se coloca como distorção a ser compreendida a partir do ideal</p><p>de conhecimento como domínio e posse da natureza.</p><p>Desse modo, podemos dizer que a filosofia de Descartes projeta a luz e a som-</p><p>bra. A consciência humana, através do saber e dos produtos desse saber, pode ilu-</p><p>minar o mundo e a vida. Mas, se o progresso do saber não estiver vinculado aos</p><p>parâmetros de autonomia, liberdade, dignidade e felicidade, o futuro do homem</p><p>pode apresentar-se como um horizonte sombrio.</p><p>Entre essas duas faces da herança cartesiana cabe ao homem escolher.</p><p>Fonte: Silva (1993, p. 103-104).</p><p>145</p><p>eu recomendo!</p><p>A República</p><p>Autor: Platão</p><p>Editora: : Lafonte</p><p>Sinopse: A República é a obra mais importante de Platão. Nesse livro,</p><p>o autor aborda diversos dos seus pensamentos políticos, afirmando</p><p>que a República seria o caminho para uma sociedade melhor.</p><p>livro</p><p>A Era das Revoluções</p><p>Autor: Eric J. Hobsbawn</p><p>Editora: Paz e Terra</p><p>Sinopse: Em A Era das Revoluções, Habsbawn (considerado um dos</p><p>melhores historiadores de nosso tempo) realiza um excelente pa-</p><p>norama dos acontecimentos históricos ocorridos entre 1789 e 1848.</p><p>livro</p><p>Tempos Modernos</p><p>Ano: 1936</p><p>Sinopse: um filme que retrata brilhantemente a transição para a</p><p>era industrial. De forma irônica, faz uma crítica aos “avanços” do</p><p>capitalismo.</p><p>filme</p><p>Site com várias entrevistas com pensadores contemporâneos das mais diversas</p><p>áreas.</p><p>https://www.institutocpfl.org.br/cafe-filosofico/</p><p>conecte-se</p><p>4</p><p>A RELIGIÃO NAS</p><p>CIÊNCIAS</p><p>HUMANAS</p><p>e sociais</p><p>PLANO DE ESTUDO</p><p>A seguir, apresentam-se as aulas que você estudará nesta unidade: • Ciências Humanas e Sociais e o</p><p>conceito de religião • Religião: ópio do povo, em Karl Marx • Religião: morte de Deus, em Nietsche •</p><p>Religião: uma projeção, segundo Freud • Religião: existencialismo e liberdade em Sartre.</p><p>OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM</p><p>• Verificar a relação entre as Ciências Sociais e a religião • Compreender o conceito de religião para Karl</p><p>Marx • Estudar a teoria de Friedrich Nietzsche sobre a concepção de Deus • Analisar o conceito de religião</p><p>para Sigmund Freud • Compreender o conceito de Deus na Filosofia existencialista de Jean-Paul Sartre.</p><p>PROFESSOR</p><p>Esp. Pablo Araya Santander</p><p>INTRODUÇÃO</p><p>Olá, caro(a) aluno(a)! Nesta unidade, estudaremos a relação existente entre</p><p>as Ciências Humanas e Sociais diante do conceito de religião e da existência</p><p>de Deus para alguns pensadores. Deve ficar claro que o enfoque dado aos</p><p>fatos que chamamos de transcendentes na abordagem religiosa terão olhar</p><p>altamente ligado à visão da religião como um fenômeno.</p><p>Num primeiro momento, analisaremos o papel e a função da religião</p><p>como um fenômeno social e as suas principais características. Para isso,</p><p>buscaremos a conceituação de um dos maiores especialistas da sociologia</p><p>da religião de todos os tempos: Émile Durkheim. É vital compreendermos</p><p>a forma como esse tema funciona e as suas principais características para</p><p>podermos verificar a sua influência no meio social e como se relaciona com</p><p>os seres humanos na sua individualidade.</p><p>Analisaremos, em seguida, a visão de Karl Marx sobre a religião e a</p><p>sua famosa frase “a religião é o ópio do povo”. Veremos quais são as razões</p><p>para que esse autor tenha percebido a religiosidade como uma droga que</p><p>paralisa o ser humano diante das situações da vida. Em terceiro lugar, veri-</p><p>ficaremos a conceituação de Friedrich Nietzsche acerca do Deus represen-</p><p>tado na modernidade em que ele vivia. Devemos ter cuidado para analisar</p><p>tal questão de forma a não interpretar a teoria desse autor com um viés</p><p>religioso preconceituoso, no qual nos vemos imergidos em nossos dias de</p><p>polarização. Após isso, discorreremos sobre a religião como uma projeção</p><p>ou prospecção dos desejos humanos conforme a teoria de Sigmund Freud.</p><p>Abordaremos, por fim, a filosofia existencialista, em especial, sobre as ideias</p><p>de Jean-Paul Sartre e o que pensava sobre Deus e religião. Veremos que a</p><p>concepção de liberdade é muito importante para esse autor e como ela é vi-</p><p>tal para o entendimento da relação entre o ser humano e a transcendência.</p><p>Desejo-lhe bons estudos!</p><p>U</p><p>N</p><p>ID</p><p>A</p><p>D</p><p>E</p><p>4</p><p>148</p><p>1</p><p>CIÊNCIAS HUMANAS E</p><p>SOCIAIS E O CONCEITO</p><p>DE RELIGIÃO</p><p>As crenças e práticas religiosas não se manifestam apenas como experiências</p><p>íntimas, subjetivas e simbólicas da vida privada das pessoas. O aspecto religioso</p><p>e espiritual habita também na esfera pública e afeta a participação das pessoas</p><p>religiosas nas controvérsias e nos desafios do nosso tempo.</p><p>A religião desempenha papel importante na sociedade, nas políticas dos</p><p>governos e na vida das pessoas. Na concepção de Émile Durkheim, as religiões</p><p>representam um conjunto de sistemas coordenados de crenças e práticas es-</p><p>pecíficas que definem o sagrado, ou seja, prescrevem uma ordem sobre certos</p><p>fenômenos ou elementos cuja existência ocorre em algo transcendental, fora</p><p>da realidade da vida cotidiana.</p><p>Figura 1 - A diversidade religiosa é objeto de estudo das Ciências Sociais</p><p>U</p><p>N</p><p>IC</p><p>ES</p><p>U</p><p>M</p><p>A</p><p>R</p><p>149</p><p>O que é definido como sagrado é, muitas vezes, colocado em um plano ina-</p><p>cessível ou proibido. A partir daí, são geradas crenças e práticas que estão liga-</p><p>das umas às outras, que formam uma comunidade moral única, chamada Igreja,</p><p>caracterizada por ter um conjunto de crenças específicas que são pronunciadas</p><p>por seus líderes e aceitas por seus adeptos.</p><p>Um dos propósitos mais importantes das religiões é regular o relacionamento</p><p>de seus adeptos com o que é definido como sagrado em um contexto espiritual,</p><p>que pode ser representado por um ou vários deuses. As grandes religiões, com</p><p>algumas exceções (como budismo e hinduísmo), são monoteístas. Ao estabele-</p><p>cer o sagrado, as religiões definem, ao mesmo tempo, o que é profano, ou seja,</p><p>delimitam os comportamentos e as práticas que são proibidas em seus códigos e</p><p>suas condutas morais. É, por isso, que a religião, por meio de múltiplas proibições,</p><p>exerce enorme influência sobre o comportamento das pessoas, e, por conseguinte,</p><p>sobre a sociedade. Segundo Durkheim,</p><p>“ Todas as crenças religiosas conhecidas [...] supõe uma classificação</p><p>das coisas [...] em duas classes ou em dois gêneros opostos, designa-</p><p>dos [...] pelas palavras profano e sagrado. A divisão do mundo em</p><p>dois domínios, compreendendo, um tudo o que é sagrado, e outro</p><p>tudo o que é profano, tal é o traço distintivo do traço religioso [...]</p><p>(DURKHEIM,1989, p. 68).</p><p>Em um esforço para organizar os fenômenos que definem a sua manifestação,</p><p>baseiam-se em duas noções fundamentais: crenças e ritos. As crenças são repre-</p><p>sentações que contêm valores morais e são frequentemente associadas a imagens</p><p>místicas ou a seres que existem além deste mundo e da experiência humana. Os</p><p>ritos são modos de ação expressos em cerimônias (às vezes, de grande comple-</p><p>xidade) em que os elementos que formam a base das crenças são consolidados.</p><p>Textos sagrados, muitos dos quais são revisados ao longo do tempo, definem o</p><p>que é estabelecido como crenças e ritos que devem ser usados em ocasiões defi-</p><p>nidas. Por exemplo, na Igreja Católica, uma crença importante é a virgindade de</p><p>Maria, mãe de Jesus. Os ritos de batismo, casamento ou morte são característicos</p><p>de muitas religiões com variantes de acordo com suas respectivas crenças.</p><p>U</p><p>N</p><p>ID</p><p>A</p><p>D</p><p>E</p><p>4</p><p>150</p><p>Figura 2 - Tana Toraja, Indonésia. Homens vestidos tradicionalmente, que dançam no círculo</p><p>ao redor de porcos abatidos e de búfalos para a cerimônia fúnebre</p><p>Da perspectiva de Durkheim, os ritos não são muito diferentes de outras práticas</p><p>morais, exceto pelo objeto a que se dirigem. A natureza especial desse objeto e</p><p>a sua sacralidade são estabelecidas por crenças. Consequentemente, um rito não</p><p>pode ser definido sem referência a uma ou mais crenças. Para Durkheim, estas</p><p>envolvem um sistema de classificação, que demarca e fixa o sagrado e o profano,</p><p>transformando esses dois campos em opostos quase absolutos. De acordo com o</p><p>o autor, todos os ritos religiosos eram sagrados, embora sua sacralidade variasse;</p><p>e alguns ritos eram considerados mais sagrados do que outros em qualquer reli-</p><p>gião. Também notou que esse antagonismo radical é comum a todas as religiões,</p><p>mas as formas de contraste variam. As fronteiras entre os dois campos também</p><p>não poderiam ser absolutamente fechadas, pois as religiões dependem de algum</p><p>contato entre o sagrado e o profano, conforme ele explica:</p><p>“ A coisa sagrada é, por excelência, aquela que o profano não deve,</p><p>não pode impunemente tocar. Certamente, essa interdição não</p><p>poderia desenvolver-se a ponto de tornar impossível toda comu-</p><p>nicação entre os dois mundos; porque se o profano não pudesse</p><p>de nenhuma forma entrar em relação com o sagrado este não ser-</p><p>viria para nada. Mas, além desse relacionamento ser sempre, por si</p><p>mesmo, operação delicada que exige precauções e iniciação mais</p><p>ou menos complicada, ela sequer é possível sem que ele próprio se</p><p>torne sagrado em alguma medida e em algum grau. Os dois gêneros</p><p>não podem se aproximar e conservar ao mesmo tempo sua natureza</p><p>própria (DURKHEIM, 1989 p. 71-72).</p><p>U</p><p>N</p><p>IC</p><p>ES</p><p>U</p><p>M</p><p>A</p><p>R</p><p>151</p><p>A conversão cristã, por exemplo, não faria muito sentido sem essa área de contato,</p><p>sem a possibilidade do que é profano tornar-se sagrado e vice-versa.</p><p>Durkheim assim definiu as crenças e os ritos:</p><p>“ As crenças religiosas são representações que exprimem a natureza</p><p>das coisas sagradas e as relações que têm entre si e com as coisas</p><p>profanas. Os ritos são, afinal, regras de conduta que prescrevem o</p><p>modo como o homem se deve comportar perante as coisas sagradas</p><p>(DURKHEIM, 1989, p. 24).</p><p>Para esse pensador, a formação de uma religião dependia então de um sistema</p><p>para classificar o sagrado e o profano e uma série de ritos ou rituais em torno</p><p>das coisas sagradas. Portanto, a religião seria constituída quando se formasse um</p><p>conjunto ritualístico correspondente a um sistema de classificação do sagrado,</p><p>do sagrado e das crenças próprias.</p><p>O autor francês apontou três dimensões importantes da religião: (1) que esta</p><p>é um fenômeno cultural, porque envolve crenças, valores, normas, rituais, e ceri-</p><p>mônias, que constroem a identidade coletiva de um grupo de pessoas; (2) abarca</p><p>um conjunto de ritos – que inclui costumes, cerimônias e regras para o culto</p><p>religioso –, dos quais os membros de uma comunidade religiosa participam e</p><p>se identificam. Esses ritos estão ligados a crenças; (3) a religião oferece a seus</p><p>membros a confiança de que a vida tem um significado essencial, que os ajuda a</p><p>compreender a totalidade de suas vidas, estabelecendo diferenças entre o sagrado</p><p>e o profano e seus relacionamentos.</p><p>Na definição durkheimiana, a religião é um fenômeno “eminentemente co-</p><p>letivo” e, portanto, sujeito à análise sociológica. O autor afirmou que as religiões,</p><p>particularmente aquelas estabelecidas há muito tempo, como o judaísmo, são</p><p>instituições fundamentalmente sociais, que criam forte consciência coletiva. Para</p><p>o autor, a religião era um fato social. Numerosos sociólogos nos dias de hoje ainda</p><p>utilizam a definição de Durkheim realizada no início do século XX. É ,também,</p><p>a definição mais comum em livros de introdução à sociologia. Isso mostra a im-</p><p>portância do seu clássico As formas elementares da vida religiosa, publicado pela</p><p>primeira vez em 1912, para o entendimento da dinâmica religiosa em nossos dias.</p><p>Outro sociólogo da religião, Max Weber (1864-1920), argumentou que, na rea-</p><p>lidade, é a pessoa, isto é, cada participante, quem cria a religião. Em sua obra A ética</p><p>U</p><p>N</p><p>ID</p><p>A</p><p>D</p><p>E</p><p>4</p><p>152</p><p>Ao acessar o QR Code, você se aprofundará na teoria de Max Weber</p><p>sobre a ética protestante e o espírito capitalista. Vamos lá?</p><p>conecte-se</p><p>protestante e o espírito do capitalismo, publicado pela primeira vez em 1905, essa tese</p><p>é confirmada. Esse autor trabalhou no sentido de mostrar como a doutrina advinda</p><p>da Reforma Protestante impactou o crescimento e o avanço do capitalismo.</p><p>Quando o protestante calvinista trabalha duro e economiza dinheiro em vez</p><p>de gastá-lo, é movido pela ideia de predestinação, pensando que isso garantirá</p><p>a sua salvação. O sucesso no trabalho também pode ser interpretado como um</p><p>sinal de que Deus o escolheu para ser salvo. Isso faz com que ele se sinta mais</p><p>confortável. No entanto, como a ética protestante também exige que o indivíduo</p><p>viva modestamente – sem luxo desnecessário –, o dinheiro ganho, em vez de ser</p><p>gasto, deve ser colocado em contas de poupança ou investido, o que faz com que</p><p>haja aumento do movimento do sistema capitalista.</p><p>Weber acreditava que os princípios do protestantismo alavancaram o desenvol-</p><p>vimento do capitalismo. Segundo ele, a abordagem racional da religião implica</p><p>na sua modificação, perdendo as suas características, tornando-se, aos poucos,</p><p>Figura 3 - A relação entre protestantismo e capitalismo para Max Weber</p><p>https://apigame.unicesumar.edu.br/qrcode/2014</p><p>U</p><p>N</p><p>IC</p><p>ES</p><p>U</p><p>M</p><p>A</p><p>R</p><p>153</p><p>Peter Berger apresenta um diagnóstico da situação das religiões na sociedade ocidental</p><p>moderna, defendendo a tese de que os processos infraestruturais concretos desta so-</p><p>ciedade trouxeram como reflexo a “secularização”. Esta, por sua vez, não impediu, como</p><p>muitos argumentam, o impulso religioso que motivou os homens a aderirem à religião de</p><p>forma intensa, dando base para o que ele caracteriza como “dessecularização”; sendo o</p><p>mundo de hoje, portanto, e com algumas exceções, tão impetuosamente religioso quanto</p><p>antes. O que implica dizer que embora não seja possível determinar com precisão como</p><p>será o futuro dos diversos movimentos</p><p>religiosos, Berger sustenta que não há razão para</p><p>pensar que o mundo do século XXI será menos religioso do que o mundo anterior. Essa</p><p>nova dinâmica levou as religiões a operarem com a lógica de mercado, o que implicou na</p><p>necessidade de adaptação de seus ritos e crenças, de forma a atender a demanda das</p><p>consciências individuais.</p><p>Fonte: Oliveira (2012, p. 7).</p><p>explorando Ideias</p><p>menos importante. Para o capitalismo, isso também funciona quando os prati-</p><p>cantes não são calvinistas. Com o tempo, a razão para economizar deixa de ser</p><p>um esforço para ganhar a salvação, para tornar-se um fim em si mesmo.</p><p>A religião, dessa maneira, transforma a sociedade e, ao mesmo tempo, sua função</p><p>social também é alterada sem que haja intenção para isso. A sociedade mudou, porque</p><p>os fiéis tentaram cumprir as regras da religião. Isso levou Weber a concluir que ações</p><p>individuais são importantes. É, acima de tudo, o ator quem cria e mantém a estrutura,</p><p>sem necessariamente estar consciente ou entendendo o significado do que faz.</p><p>De Durkheim a Weber, todos os sociólogos da religião tiveram que questionar</p><p>se o fator mais importante seria a estrutura em geral da sociedade ou a ação do</p><p>indivíduo. Alguns optaram por um ou outro, enquanto outros tentaram combinar</p><p>as duas ideias contraditórias. Peter Berger argumentou que as pessoas criam a</p><p>religião, o que a torna parte do indivíduo. Isso cria interação entre o indivíduo e</p><p>a religião com influência mútua.</p><p>U</p><p>N</p><p>ID</p><p>A</p><p>D</p><p>E</p><p>4</p><p>154</p><p>2</p><p>RELIGIÃO:</p><p>ÓPIO DO POVO,</p><p>em Karl Marx</p><p>A famosa frase “a religião é o ópio do povo” é considerada a síntese da concepção</p><p>marxista sobre a religião, mas não é uma exclusividade sua. Diversos autores se</p><p>referiram à religião dessa forma antes de Karl Marx.</p><p>A principal base teórica para a crítica da religião feita por Marx foi realizada</p><p>por Ludwig Feuerbach:</p><p>“ Temos de colocar no lugar do amor de deus, o amor dos homens,</p><p>como uma única, verdadeira religião, no lugar da fé em um deus, a fé</p><p>no homem em si, em sua força, a fé em que o destino da humanidade</p><p>não depende de um ser fora ou acima dela, mas dela própria, que o</p><p>único diabo do homem é o próprio homem (NOGARE, 1990, p. 90).</p><p>Marx considera que a experiência religiosa não é algo que realmente exista.</p><p>Apesar de ser de família de origem judia, ele se declara publicamente ateu. Para</p><p>ele, a dimensão humana em relação ao transcendente é inexistente, pois não se</p><p>pode comprovar de forma racional. Contudo, o pensador alemão, em nenhum</p><p>momento da sua teoria filosófica, busca refutar os argumentos da religião como</p><p>um princípio básico ou de suma importância. Não se encontram em seus escri-</p><p>tos, embates utilizando argumentos explícitos que embasem o ateísmo contra</p><p>a crença religiosa, por exemplo. Quando olhamos para a sua filosofia da crítica</p><p>da religião, encontramos a base da sua argumentação, no fato de que a religião</p><p>funciona como um mecanismo de alienação.</p><p>U</p><p>N</p><p>IC</p><p>ES</p><p>U</p><p>M</p><p>A</p><p>R</p><p>155</p><p>Alienação na Sociologia de Karl Marx</p><p>A palavra alienação vem do Latim “alienus”, que significa “de fora”, “pertencente a outro”. A</p><p>alienação é estar alheio aos acontecimentos sociais, ou achar que está fora de sua realidade.</p><p>Karl Marx em sua obra Manuscritos econômico-filosóficos usou o termo para descrever a</p><p>falta de contato e o estranhamento que o trabalhador tinha com o produto que produzia.</p><p>A alienação na sociologia de Marx é descrita também como um momento onde os homens</p><p>perdem-se a si mesmos e a seu trabalho no capitalismo. Para Marx as relações de classe</p><p>eram alienantes, pois o trabalhador assalariado se encontrava em uma posição de barganha</p><p>desigual perante o capitalista (empregador). Dessa forma o capitalista conseguia dominar a</p><p>produção e o trabalhador.</p><p>Fonte: Scott (2006).</p><p>explorando Ideias</p><p>A religião, segundo Marx, precisa ser estudada objetivamente. Isso significa, que, do</p><p>seu ponto de vista, devemos estudar a religião da mesma forma que estudamos qual-</p><p>quer outra manifestação, buscando ver sua relação com outras experiências humanas</p><p>e, especialmente, seu vínculo com as condições econômicas e sociais da sociedade.</p><p>Marx criticou a religião como uma forma de alienação em três sentidos. Em</p><p>primeiro lugar, é uma experiência de algo irreal, que não existe. Ao apoiar-se</p><p>em Feuerbach, Marx considerava que não foi Deus quem criou o homem, mas</p><p>o homem quem criou Deus. A síntese de toda a alienação consiste em afirmar</p><p>que o sujeito realiza uma atividade que o faz perder toda a sua identidade, o seu</p><p>próprio ser. Na alienação, o sujeito se anula. Para ele, é exatamente isso o que</p><p>acontece na religião: o homem pega o que tem de melhor em si mesmo (a vonta-</p><p>de, a inteligência e a bondade) e projeta para fora de si, no âmbito do infinito, do</p><p>além, do inexistente. A religião, pressupõe a existência de um Deus infinito que se</p><p>opõe a uma realidade finita, em que o ser humano também se faz presente. Essa</p><p>perspectiva desvaloriza toda a realidade do homem, em detrimento da realidade</p><p>transcendente ou divina, inventada pelo próprio ser humano.</p><p>Em segundo lugar, a religião é uma alienação porque desvia o homem do</p><p>único reino no qual a salvação e a felicidade são realmente possíveis: o mundo</p><p>humano, o mundo da finitude expresso na vida social e econômica. Ao confortar</p><p>o homem do sofrimento deste mundo ao sugerir que no “outro mundo” haverá</p><p>justiça e felicidade plena, tira a capacidade, energia e determinação para mudar</p><p>as situações sociais, políticas e econômicas que são realmente culpadas pelo seu</p><p>sofrimento. Por isso, a religião é considerada uma ilusão, pois anestesia o ser hu-</p><p>mano, tornando-o imóvel diante da realidade e, assim, é apontada como o “ópio</p><p>do povo”. Leia, a seguir, a passagem em que essa expressão aparece:</p><p>U</p><p>N</p><p>ID</p><p>A</p><p>D</p><p>E</p><p>4</p><p>156</p><p>“ É este o fundamento da crítica irreligiosa: o homem faz a religião, a</p><p>religião não faz o homem. E a religião é de fato a autoconsciência e o</p><p>sentimento de si do homem, que ou não se encontrou ainda ou vol-</p><p>tou a se perder. Mas o Homem não é um ser abstrato, acocorado fora</p><p>do mundo. O homem é o mundo do homem, o Estado, a sociedade.</p><p>Este Estado e esta sociedade produzem a religião, uma consciência</p><p>invertida do mundo, porque eles são um mundo invertido. A religião</p><p>é a teoria geral deste mundo, o seu resumo enciclopédico, a sua</p><p>lógica em forma popular, o seu point d’honneur espiritualista, o seu</p><p>entusiasmo, a sua sanção moral, o seu complemento solene, a sua</p><p>base geral de consolação e de justificação. É a realização fantástica da</p><p>essência humana, porque a essência humana não possui verdadeira</p><p>realidade. Por conseguinte, a luta contra a religião é, indiretamente,</p><p>a luta contra aquele mundo cujo aroma espiritual é a religião.</p><p>A miséria religiosa constitui ao mesmo tempo a expressão da</p><p>miséria real e o protesto contra a miséria real. A religião é o suspiro</p><p>da criatura oprimida, o ânimo de um mundo sem coração e a alma</p><p>de situações sem alma. A religião é o ópio do povo.</p><p>A abolição da religião enquanto felicidade ilusória dos homens</p><p>é a exigência da sua felicidade real. O apelo para que abandonem as</p><p>ilusões a respeito da sua condição é o apelo para abandonarem uma</p><p>condição que precisa de ilusões. A crítica da religião é, pois, o germe</p><p>da crítica do vale de lágrimas, do qual a religião é a auréola.</p><p>A crítica arrancou as flores imaginárias dos grilhões, não para</p><p>que o homem os suporte sem fantasias ou consolo, mas para que</p><p>lance fora os grilhões e a flor viva brote. A crítica da religião liberta</p><p>o homem da ilusão, de modo que pense, atue e configure a sua rea-</p><p>lidade como homem que perdeu as ilusões e reconquistou a razão,</p><p>a fim de que ele gire em torno de si mesmo e, assim, em volta do seu</p><p>verdadeiro sol. A religião é apenas o sol ilusório que gira em volta</p><p>do homem enquanto ele não circula em tomo de si mesmo.</p><p>Consequentemente, a tarefa da história, depois que o outro mundo</p><p>da verdade se desvaneceu, é estabelecer a verdade deste mundo. A tare-</p><p>fa imediata da filosofia, que está a serviço da história,</p><p>é desmascarar a</p><p>auto alienação humana nas suas formas não sagradas, agora que ela foi</p><p>desmascarada na sua forma sagrada. A crítica do céu transforma-se</p><p>deste modo em crítica da terra, a crítica da religião em crítica do direito,</p><p>e a crítica da teologia em crítica da política (MARX, 2005, p. 146-147).</p><p>https://pt.wikipedia.org/wiki/Realidade</p><p>https://pt.wikipedia.org/wiki/Realidade</p><p>https://pt.wikipedia.org/wiki/Realidade</p><p>https://pt.wikipedia.org/wiki/Raz%C3%A3o</p><p>https://pt.wikipedia.org/wiki/Raz%C3%A3o</p><p>U</p><p>N</p><p>IC</p><p>ES</p><p>U</p><p>M</p><p>A</p><p>R</p><p>157</p><p>Considerando o contexto de pobreza, você acha que Deus realmente quis que fosse assim?</p><p>pensando juntos</p><p>O ser humano, em vez de buscar a transformação da sua própria realidade, con-</p><p>forma-se com a situação que lhe foi imposta. É como se dissesse: “Deus quis que</p><p>eu vivesse na pobreza”, “é minha sina ter esses sofrimentos de pobreza e escassez”.</p><p>A religião, segundo Marx, faz com que o sentimento de indignação seja suplan-</p><p>tado por um conformismo em algo que não existe. No contexto turbulento do</p><p>século XIX em que esse autor viveu, os funcionários do clero e os religiosos, como</p><p>parte da classe dominante, utilizavam a religião, segundo ele, como forma de</p><p>manipulação social, e serviu de legitimação para usar o transcendente para esta-</p><p>belecer uma ordem injusta. A religião era uma fonte de alienação e conformismo,</p><p>que precisava ser desmascarada.</p><p>Em terceiro lugar, a crítica mar-</p><p>xista também se estende ao fato de</p><p>que a religião tende a tomar parti-</p><p>do, não pelas classes desfavorecidas,</p><p>mas de acordo com os interesses da</p><p>classe dominante, perpetuando-a</p><p>no poder. Em muitos casos, utili-</p><p>za-se até de justificativas teológicas</p><p>para legitimar o domínio de um</p><p>grupo social sobre outro.</p><p>Marx considerou que a superação da religião era necessária e que deveria passar,</p><p>obrigatoriamente, pela superação do sistema de classes sociais com a instalação</p><p>do comunismo. A diferença em relação ao pensamento de Feuerbach se encontra</p><p>justamente nessa questão. Para este autor, o banimento da religião seria possível por</p><p>meio da simples superação intelectual com a crítica filosófica e racional da religião.</p><p>Marx, contudo, acreditava que seria necessário, fundamentalmente, a modificação</p><p>das condições econômicas que tornaram a religião possível, isto é, o desapareci-</p><p>mento da ordem social criada a partir da existência da propriedade privada. Em</p><p>uma sociedade comunista, não haveria religião porque não existiria a alienação e,</p><p>como explicado anteriormente, a religião surgiu como consequência da alienação.</p><p>Figura 4 - Criança trabalhando em um lixão</p><p>U</p><p>N</p><p>ID</p><p>A</p><p>D</p><p>E</p><p>4</p><p>158</p><p>3</p><p>RELIGIÃO:</p><p>MORTE DE DEUS,</p><p>em Nietzsche</p><p>Uma das frases mais conhecidas na história do pen-</p><p>samento humano é, sem dúvida, a frase “Deus está</p><p>morto” (Gott ist tot, no original alemão), escrito pelo</p><p>filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900) no</p><p>início do Livro Três de A Gaia Ciência (1882).</p><p>É uma frase, que, até hoje, gera discórdia entre mui-</p><p>tos crentes e ateus. Estes últimos tendem a encontrar</p><p>vários argumentos e evidências contra a existência de</p><p>Deus, como o problema do mal e a aparente capacidade</p><p>da ciência natural para dar conta da origem do universo.</p><p>A partir do final da Idade Média, a filosofia ocidental iniciou um longo processo</p><p>de separação da religião e adotou caráter marcadamente crítico com o que tra-</p><p>dicionalmente era dado como verdadeiro. Essa crítica foi exacerbada no século</p><p>XIX, no final do período moderno, o que causou uma crise profunda: nada per-</p><p>manecia alheio à crítica ou à dúvida, nada parecia indubitavelmente verdadeiro.</p><p>Nesse ambiente de crise e incertezas, surgiu a filosofia de Friedrich Nietzsche.</p><p>Com a célebre frase, Nietzsche quer dizer que a ideia de Deus como funda-</p><p>mento de valores éticos e a certeza foram desprezadas, ou seja, é uma ideia cuja</p><p>vida chegou historicamente ao fim. Deus havia sido tomado como a base sobre</p><p>a qual se estabeleciam as verdades que tínhamos como válidas. Quando a base</p><p>Figura 5 - Friedrich Nietzsche</p><p>U</p><p>N</p><p>IC</p><p>ES</p><p>U</p><p>M</p><p>A</p><p>R</p><p>159</p><p>Figura 6 - Ser humano em busca de Deus</p><p>desaparece sob nossos pés, não temos mais a verdade para apoiar-nos e, com isso,</p><p>caímos no niilismo, na desolada percepção de que nada é verdadeiro.</p><p>Constatar que “Deus está morto” é perceber que as ideias absolutas, imutáveis</p><p>e universais não são mais possíveis. As construções metafísica, ética e cultural</p><p>emergidas dessa ontologia que nega a realidade e afirma um “além” entrou em</p><p>colapso. Apenas o vazio permanece, um trono (de Deus) sem ocupante e a per-</p><p>plexidade dos homens que, sem essa orientação, não podem mais viver.</p><p>Essa ideia de Nietzsche aparece em várias versões. A mais conhecida, e uma</p><p>das mais importantes, encontra-se no excerto a seguir, de A Gaia Ciência, livro</p><p>publicado pela primeira vez em 1882:</p><p>“ Não ouviram falar daquele homem louco que em plena manhã</p><p>acendeu uma lanterna e correu ao mercado, e pôs-se a gritar in-</p><p>cessantemente: “Procuro Deus! Procuro Deus!”? – E como lá se</p><p>encontrassem muitos daqueles que não criam em Deus, ele des-</p><p>pertou com isso uma grande gargalhada. Então ele está perdido?</p><p>Perguntou um deles. Ele se perdeu como uma criança? Disse outro.</p><p>Está se escondendo? Ele tem medo de nós? Embarcou num navio?</p><p>Emigrou? – Gritavam e riam uns para os outros. O homem louco</p><p>se lançou para o meio deles e trespassou-os com seu olhar. “Para</p><p>onde foi Deus?”, gritou ele, “já lhes direi! Nós o matamos – vocês</p><p>e eu. Somos todos seus assassinos! Mas como fizemos isso? Como</p><p>conseguimos beber inteiramente o mar? Quem nos deu a esponja</p><p>para apagar o horizonte? […] Não ouvimos o barulho dos coveiros</p><p>a enterrar Deus? Não sentimos o cheiro da putrefação divina? –</p><p>também os deuses apodrecem! Deus está morto! Deus continua</p><p>morto! E nós o matamos! Como nos consolar, a nós, assassinos entre</p><p>os assassinos? O mais forte e mais sagrado que o mundo até então</p><p>possuíra sangrou inteiro sob nossos punhais – quem nos limpará</p><p>este sangue? (NIETZSCHE, fragmento 125, 2001, p.147-148).</p><p>U</p><p>N</p><p>ID</p><p>A</p><p>D</p><p>E</p><p>4</p><p>160</p><p>Para Nietzsche, a morte de Deus representa um estado psicológico que afronta o</p><p>ser humano. Em outro momento, em sua obra Assim falava Zaratrusta, de 1883,</p><p>o autor reafirmou essa ideia:</p><p>“ Suplico-vos, meus irmãos! Permanecei fiéis à terra e não acrediteis</p><p>naqueles que vos falam de esperanças extraterrestres! Envenenado-</p><p>res, eis o que eles são, quer o saibam quer não. Desdenhadores da</p><p>vida é o que eles são, uns moribundos, eles próprios envenenadores,</p><p>eis o que eles são, quer o saibam quer não. Desdenhadores da vida</p><p>é o que eles são, uns moribundos, eles próprios envenenadores, de</p><p>quem a terra está farta: pois desapareçam! Outrora, a ofensa a Deus</p><p>era o maior ultraje, mas Deus morreu e, com ele, morreram também</p><p>esses sacrilégios. Agora, o que há de mais terrível é ultrajar a terra e</p><p>dar mais apreço às entranhas do inescrutável do que ao sentido da</p><p>terra! (NIETZSCHE, 1998, p. 12-13).</p><p>Ao perder progressivamente sua fé em Deus, Nietzsche perdeu o respeito por</p><p>todo o sistema de valores criado pelo cristianismo no Ocidente. Como afirmou</p><p>Ivan Karamazov, personagem de Fiódor Dostoiévski em Os Irmãos Karamazov:</p><p>“Sem Deus tudo seria permitido”. Assim, a morte de Deus é um fato irreversível,</p><p>que traz consigo a perda dos valores que existiam até então. Quando discorreu</p><p>sobre valores, não se referiu apenas a “valores morais” que podem ser substituídos</p><p>por outros, mas ao próprio sentido da vida.</p><p>O filósofo desenvolveu sua crítica da moralidade ocidental em duas obras:</p><p>Além do Bem e do Mal (1886) e A Genealogia da Moral (1887). O método genea-</p><p>lógico permite estudar como os conceitos morais surgiram e foram impostos</p><p>como valores aceitos por todos a partir da força do grupo social que os impõe. A</p><p>crítica da cultura ocidental deve, então, começar pela moral, uma vez que, para</p><p>ele, todas as manifestações filosóficas, científicas e religiosas de um povo não são</p><p>mais do que as manifestações de seu sistema de valores, ou seja, da moral</p><p>desse</p><p>grupo social. O povo expressa, em seus valores, suas qualificações morais, sua</p><p>gana pelo poder, sua atitude para com vida.</p><p>Nietzsche rejeitava o dogmatismo moral, que consiste em acreditar na objeti-</p><p>vidade e subjetividade dos valores morais. Segundo ele, os valores morais não têm</p><p>existência objetiva, mas são, em contrapartida, projeções da nossa subjetividade,</p><p>das nossas paixões, dos nossos sentimentos e interesses.</p><p>U</p><p>N</p><p>IC</p><p>ES</p><p>U</p><p>M</p><p>A</p><p>R</p><p>161</p><p>Outro viés da análise desse pensar filosófico de Nietzsche é o fato de que a</p><p>modernidade criou características que fizeram o ser humano acreditar mais nas</p><p>suas potencialidades individuais (criadas pelo estímulo à utilização da razão) e</p><p>começasse a desapegar-se da necessidade de uma ajuda transcendente vinda da</p><p>religião, especificamente de Deus. A ciência e o uso da razão preconizados pelo</p><p>período iluminista – que antecedeu o contexto de Nietzsche – fizeram com o</p><p>ser humano visse na ciência uma nova religião em que poderia apegar-se, como</p><p>vemos em Martha de Almeida:</p><p>“ Assim, partindo do princípio de que, na modernidade, Deus não pode</p><p>mais servir de pressuposto para a construção de qualquer forma de</p><p>pensamento, o homem moderno substitui a fé em Deus (teologia), pela</p><p>fé no homem (ciência), já que é ele mesmo quem instaura a ciência e</p><p>lhe dá validade, concedendo-lhe estatuto de verdade. Consequente-</p><p>mente, desaparecem os valores absolutos, as essências, os fundamentos</p><p>divinos, os dogmas, dando lugar à ideia de progresso, de qualidade</p><p>de vida, de evolução histórica, de controle e mensuração da vida.</p><p>Assim, ao afirmarmos a morte de Deus estamos também afirmando,</p><p>como o insensato da praça pública, que foi o homem que o matou. Este</p><p>homem, que se coloca no lugar de Deus, é chamado por Nietzsche de</p><p>o último homem. O homem da modernidade que inventou o trabalho</p><p>e a ciência buscando, com isso, controlar a vida e alcançar sua própria</p><p>felicidade, através da sociedade de consumo, desfrutando do conforto</p><p>oferecido pelas coisas materiais. (ALMEIDA, 2009, p. 223).</p><p>Como podemos notar, a famosa frase vista até o momento não significa que</p><p>Nietzsche acreditava que um Deus existia e que havia morrido, mas se trata de</p><p>uma metáfora. O filósofo queria expressar que o Deus cristão não é mais a fonte</p><p>confiável de princípios morais absolutos.</p><p>A perda de uma base absoluta de moralidade leva à crença de que a vida como</p><p>tal não tem significado. Portanto, argumenta Nietzsche, é necessário buscar uma</p><p>base absoluta mais profunda do que os valores e as crenças. A solução, de acordo</p><p>com ele, seria encontrar nossos próprios valores enquanto indivíduos, para gerar</p><p>nosso sistema de valores e, assim, darmos sentido à vida.</p><p>U</p><p>N</p><p>ID</p><p>A</p><p>D</p><p>E</p><p>4</p><p>162</p><p>4</p><p>RELIGIÃO:</p><p>UMA PROJEÇÃO,</p><p>segundo Freud</p><p>A religião foi tema central no pensamento freudiano. Isso é demonstrado por</p><p>meio de duas das suas obras: Totem e Tabu (1913) e Moisés e o Monoteísmo (1938).</p><p>Apesar de ter crescido em uma família religiosa judaica e estudar na sinagoga</p><p>local durante a infância, Sigmund Freud, o pai da psicanálise, dizia-se ateu e</p><p>acreditava que a ideia da existência de Deus era insustentável.</p><p>Não podemos esquecer-nos, contudo, de que a teoria de Freud nasceu em uma</p><p>época em que o Império Austro-Hún-</p><p>garo era o centro de uma corrente pre-</p><p>dominante do pensamento positivista.</p><p>Além do mais, foi um período carac-</p><p>terizado por um grande desenvolvi-</p><p>mento industrial e das Ciências Na-</p><p>turais. O racionalismo e a incessante</p><p>busca pelo afastamento de teorias que</p><p>não poderiam ser comprovadas cien-</p><p>tificamente faziam parte do contexto</p><p>histórico em que Freud se encontrava.</p><p>Ele considerava a religião como uma neurose e que, às vezes, aproxima-se peri-</p><p>gosamente da loucura. Além disso, via a religiosidade como ameaça à liberdade</p><p>Figura 7 - Freud e sua mãe, Amalia Freud, em 1925</p><p>U</p><p>N</p><p>IC</p><p>ES</p><p>U</p><p>M</p><p>A</p><p>R</p><p>163</p><p>e à verdade e, em última análise, à felicidade dos seres humanos. Ele classificou a</p><p>religião como uma neurose obsessiva universal, que funciona com uma ilusão</p><p>que tenta encobrir os desejos mais primitivos dos seres humanos:</p><p>“ Segundo ele, existe uma espécie de compromisso entre pulsão e</p><p>desejo, “isto é, de uma transação ou pacto estabelecido entre a pul-</p><p>são, por um lado, e a proibição da satisfação dessa mesma pulsão,</p><p>por outro”. Entretanto, tal pacto deixa o sujeito alienado e diante do</p><p>recalcamento, tanto o neurótico como o religioso são motivados</p><p>pelas culpas e se escondem mediante cerimoniais.</p><p>O indivíduo neurótico cria uma série de defesas devido às pul-</p><p>sões sexuais que as teme e, da mesma forma, acontece com os reli-</p><p>giosos quanto a seus instintos antissociais e egoístas. Para Sigmund</p><p>Freud, por meio da religião, muitas vezes o humano faz o que ela</p><p>própria proíbe. Deste modo, Freud identifica a religião como uma</p><p>“neurose obsessiva universal” (WERNECK, 2016, on-line)5.</p><p>Partindo desses pressupostos, Deus seria uma projeção de nossos próprios dese-</p><p>jos inconscientes de segurança e proteção. Tal qual a criança sente forte inclinação</p><p>para com o pai ao buscar a força necessária para defendê-la na adversidade, o</p><p>crente também confia sua segurança a um Deus pai que o protege e dissipa os</p><p>medos diante das dificuldades da vida.</p><p>Na teoria psicanalítica, fica claro que a origem da religião se encontra no com-</p><p>plexo infantil de Édipo, pelo qual Deus se apresenta como pai sublimado. É o ser</p><p>humano quem cria a fé em Deus a partir de sua impotência e dos seus medos. O</p><p>peso da ciência diminuirá gradualmente diante da influência da religião. A tarefa</p><p>do homem maduro, do homem da ciência, consiste em deixar de lado a esperança</p><p>em tudo que há no além e concentrar suas forças na vida terrena.</p><p>Para Freud, a força das representações religiosas são realizações dos mais</p><p>antigos e intensos desejos da humanidade. O ser humano projeta na religião os</p><p>mais diversos desejos da condição de um ser desamparado: o desejo de encon-</p><p>trar proteção contra perigos da vida, de obter justiça face à injustiça social, de</p><p>prolongar a vida depois da morte, de uma resposta para as origens e os mistérios</p><p>dos relacionamentos entre o corpo e a alma. A origem da força das representações</p><p>religiosas é a soma da intensidade desses desejos.</p><p>U</p><p>N</p><p>ID</p><p>A</p><p>D</p><p>E</p><p>4</p><p>164</p><p>Freud foi aprovado brilhantemente nos exames de conclusão dos estudos secundários.</p><p>Já se destacava por falar latim, grego, iídiche, alemão, francês, inglês e tinha noções de</p><p>italiano e espanhol. Nesse período, trocou cartas com seu amigo de escola Eduard Silbers-</p><p>tein – cartas riquíssimas que mostram seus interesses, seus ídolos e seus pensamentos</p><p>de jovem. Ingressou na Universidade de Viena em 1873 optando por fazer medicina. Ini-</p><p>ciou os estudos na universidade aos 17 anos buscando, não uma carreira tradicional de</p><p>médico, mas assumindo uma postura filosófico-científica mais próxima do seu perfil de</p><p>homem que buscava conhecimento e tinha profunda curiosidade. Esse perfil o levou a</p><p>aceitar vários desafios e o fez desvendar alguns dos enigmas da humanidade. Por causa</p><p>disso, também pesquisou em várias áreas, o que atrasou sua formação em medicina. Seu</p><p>interesse era a natureza humana e foi influenciado em toda sua formação acadêmica por</p><p>vários intelectuais de sua época.</p><p>Fonte: adaptado de Mednicoff (2008, p. 52).</p><p>explorando Ideias</p><p>U</p><p>N</p><p>IC</p><p>ES</p><p>U</p><p>M</p><p>A</p><p>R</p><p>165</p><p>O existencialismo é uma corrente filosófica e literária que estuda a condição hu-</p><p>mana a partir dos princípios da liberdade e da responsabilidade individuais, os</p><p>quais devem ser analisados como fenômenos independentes de justificativas reli-</p><p>giosas, filosóficas ou racionais, ou seja, independentes de categorias preconcebidas.</p><p>Como corrente de pensamento, o existencialismo teve início no século XIX,</p><p>mas somente na segunda metade do século XX alcançou seu apogeu. O caráter</p><p>heterogêneo dessa linha impede que seja considerada como uma escola unificada.</p><p>No entanto, as tendências que se manifestaram no movimento compartilham</p><p>algumas características. A primeira delas é a</p><p>precisamos especi-</p><p>ficar que, por cultura, entendemos a capacidade de conceber o mundo de forma</p><p>simbólica, aprender e transmitir símbolos ou conceitos a outros seres humanos,</p><p>e transformar o ambiente e a própria personalidade por meio do uso desses sím-</p><p>bolos. Por outro lado, encontramos a Antropologia biológica ou física, que estuda</p><p>a variabilidade biológica de grupos humanos ao longo de sua história, sem levar</p><p>em conta aspectos culturais. A última categoria, mas não menos importante, é a</p><p>Antropologia filosófica, que tenta dar sentido ao ser humano enquanto ser social,</p><p>ao questionar: o que é o homem?</p><p>Veja a conceituação realizada por Marconi e Presotto:</p><p>“ [...] a Antropologia visa ao conhecimento completo do homem, o</p><p>que torna suas expectativas muito mais abrangentes. Dessa forma,</p><p>uma conceituação mais ampla a define como a ciência que estuda o</p><p>homem, suas produções e seu comportamento. O seu interesse está</p><p>no homem como um todo - ser biológico e ser cultural -, preocu-</p><p>pando-se em revelar os fatos da natureza e da cultura. Tenta com-</p><p>preender a existência humana em todos os seus aspectos, no espaço</p><p>e no tempo, partindo do princípio da estrutura biopsíquica. Busca</p><p>também a compreensão das manifestações culturais, do compor-</p><p>tamento e da vida social. (MARCONI e PRESOTTO, 2010, p. 2).</p><p>U</p><p>N</p><p>IC</p><p>ES</p><p>U</p><p>M</p><p>A</p><p>R</p><p>21</p><p>Se pudéssemos adjetivar a Antropologia, definiríamos em três termos: a) Holís-</p><p>tica (integral), pois tenta combinar o estudo de várias disciplinas sobre o ser hu-</p><p>mano, com maior enfoque à própria Antropologia – aqui também o vemos como</p><p>um ser identificado com determinado grupo social; b) Comparativa, no sentido</p><p>de que ela tenta verificar as possíveis semelhanças e diferenças entre culturas</p><p>diferentes, antes de verificar as suas principais características; e c) Progressiva,</p><p>pois tende a verificar a evolução dos seres humanos ao longo da história. Para</p><p>isso, temos que diferenciar a evolução propriamente dita, biológica ou física, que</p><p>se transmite geneticamente e, a progressão cultural, na qual podemos verificar as</p><p>mudanças de comportamento, crenças, linguagens, usos, costumes e rituais que</p><p>se perpetuam por meio do ensino e da aprendizagem.</p><p>Como surgiu a Antropologia?</p><p>A Antropologia surge como uma disciplina independente durante a segunda me-</p><p>tade do século XIX. Um dos fatores que favoreceu a sua aparição foi a propagação</p><p>da teoria evolucionista, que, no campo dos estudos sobre a sociedade, deu origem</p><p>ao evolucionismo social. Entre os principais autores está Herbert Spencer – um dos</p><p>maiores pensadores do seu tempo –, filósofo, psicólogo, sociólogo e naturista, que</p><p>foi a figura mais destacada do evolucionismo filosófico e positivista de sua época.</p><p>Aplicou leis evolucionistas à Filosofia e à sociedade. No entanto, essas aplicações</p><p>darwinistas justificaram a dominação de alguns povos sobre outros, bem como a</p><p>supremacia de uma raça humana sobre outra. Assim como ele, os primeiros antro-</p><p>pólogos pensavam que, tal qual a evolução das espécies de organismos simples para</p><p>os mais complexos, as sociedades e culturas humanas tinham que seguir o mesmo</p><p>processo, para produzir estruturas complexas dentro de sua própria sociedade.</p><p>Figura 6 - Evolução humana</p><p>U</p><p>N</p><p>ID</p><p>A</p><p>D</p><p>E</p><p>1</p><p>22</p><p>Desde o final do século XIX, a abordagem adotada pelos primeiros antropólogos</p><p>foi contestada pelas gerações seguintes. Depois da crítica de Franz Boas à An-</p><p>tropologia Evolutiva do século XIX, a maioria das teorias produzidas por antro-</p><p>pólogos da primeira geração é considerada ultrapassada. Durante o século XIX,</p><p>surgiram, então, várias correntes antropológicas, dentre elas: o culturalismo, nos</p><p>Estados Unidos, no início do século; a etnologia, na França; o funcionalismo</p><p>estrutural, o estruturalismo antropológico e a antropologia marxista.</p><p>Lewis Henry Morgan (1818-1881) também é considerado um dos pais da</p><p>Antropologia Moderna. Ele apresentou avanços no que concerne às relações de</p><p>parentesco (estudou mais de 70 tribos indígenas) que foram fundamentais para</p><p>que determinado grupo fortalecesse os laços internos de pertencimento. Na linha</p><p>das teorias evolucionistas que dominaram completamente o pensamento cientí-</p><p>fico e antropológico do século XIX, seus estudos sobre o comportamento tribal</p><p>levaram-no a propor, em sua obra A Sociedade Primitiva (1877), uma teoria</p><p>da evolução cultural baseada na transição por três etapas: selvageria, barbárie e</p><p>civilização. A presença de certas instituições e técnicas definiriam cada estágio.</p><p>Os evolucionistas se propuseram, portanto, a traçar o caminho seguido pelo</p><p>ser humano desde suas origens, representado por povos “primitivos” – vistos</p><p>como inferiores –, ao estado chamado de “civilização” – visto como superior.</p><p>No final da Segunda Guerra Mundial, grande parte dos países mais pode-</p><p>rosos do mundo já havia conseguido desenvolver uma Antropologia de nível</p><p>profissional, que lhes permitia fortalecer sua identidade como nação. Na verdade,</p><p>a Antropologia Cultural foi utilizada de forma ideológica em muitas situações,</p><p>para justificar ações do colonialismo europeu em face dos conhecimentos que</p><p>tinham sobre determinadas culturas. Esse processo, chamado de ocidentali-</p><p>zação, justificou a dominação e a exploração de culturas tidas como inferiores.</p><p>Para facilitar a nossa compreensão sobre a Antropologia, veremos, no quadro</p><p>a seguir, a principal classificação dessa área de estudos.</p><p>U</p><p>N</p><p>IC</p><p>ES</p><p>U</p><p>M</p><p>A</p><p>R</p><p>23</p><p>Antropologia</p><p>Cultural</p><p>É aquela que considera que as diferenças são causadas</p><p>não pelas características da raça, mas, primordialmente,</p><p>pela cultura. Os antropólogos culturais tendem a espe-</p><p>cializar-se em um campo específico, como economia,</p><p>política ou religião. Seu método de estudo é frequente-</p><p>mente baseado no trabalho de campo, que envolve a</p><p>observação in loco e a descrição da atividade de deter-</p><p>minado grupo social. Temos, aqui, dois conceitos-chave:</p><p>a etnografia, que descreve uma cultura em seu habitat,</p><p>e a etnologia, que consiste na comparação de dois ou</p><p>mais modelos culturais.</p><p>Antropologia</p><p>Linguística</p><p>É a área da Antropologia que estuda a diversidade lin-</p><p>guística em diferentes sociedades humanas em relação a</p><p>determinados contextos culturais.</p><p>Arqueologia</p><p>Os arqueólogos procuram evidências de culturas pas-</p><p>sadas. A recuperação desses vestígios é muito útil para</p><p>biólogos e antropólogos culturais.</p><p>Antropologia</p><p>Aplicada</p><p>Vertente que utiliza as informações obtidas de outras</p><p>especializações antropológicas para resolver problemas</p><p>interculturais em áreas como saúde e desenvolvimento</p><p>econômico, por exemplo.</p><p>Quadro 3 - Divisão clássica da Antropologia / Fonte: o autor.</p><p>Conforme vimos no quadro anterior, a antropologia está em constante diálogo</p><p>com as mais diversas disciplinas. Utiliza conceitos e técnicas que abrangem a</p><p>evolução biológica da espécie humana, os contextos históricos, a sociologia, os</p><p>estudos culturais e até chega a apontar possíveis diagnósticos futuros sobre a</p><p>relação entre o ser humano e a cultura, conforme salientam Marconi e Presotto:</p><p>U</p><p>N</p><p>ID</p><p>A</p><p>D</p><p>E</p><p>1</p><p>24</p><p>“ A Antropologia, embora autônoma, relaciona-se com outras ciên-</p><p>cias, trocando experiências e conhecimentos.</p><p>Como ciência social, oferece e recebe dados teóricos e metodo-</p><p>lógicos da Sociologia, da História, da Psicologia, da Geografia, da</p><p>Economia e da Ciência Política. Como ciência biológica ou natural,</p><p>liga-se à Biologia, à Genética, à Anatomia, à Fisiologia, à Embrio-</p><p>logia, à Medicina. Também a Geologia, a Zoologia, a Botânica, a</p><p>Química e a Física vêm oferecendo indispensável contribuição aos</p><p>estudos antropológicos na busca da compreensão dos problemas</p><p>comuns a todas essas disciplinas.</p><p>A Antropologia, considerada a mais jovem das ciências, teve de</p><p>aguardar o desenvolvimento dos conhecimentos ligados à Geologia,</p><p>à Genética, à Biologia, à Sociologia para que se pudesse desenvolver.</p><p>Pode-se afirmar que, somente após os conhecimentos da célula e</p><p>da evolução terem sido formulados e aplicados ao homem, é que a</p><p>Antropologia se sistematizou</p><p>de que, para o existencialismo, a</p><p>existência humana precede a essência. Isso significa que a reflexão filosófica não</p><p>deve basear-se na formulação de categorias abstratas e transcendentes, como a</p><p>ideia, os deuses, a razão ou a moral, mas com base na própria condição da exis-</p><p>tência humana. Opõe-se ao racionalismo e ao empirismo, centrado na valoriza-</p><p>ção da razão e do conhecimento como princípio transcendente, seja postulado</p><p>como ponto de partida da existência ou como orientação vital. Também se opõe</p><p>à hegemonia da razão como base da reflexão filosófica.</p><p>Ao questionar a hegemonia do pensamento racional, o existencialismo pro-</p><p>põe focar a visão filosófica sobre o próprio sujeito e não sobre categorias abstratas</p><p>ou supraindividuais. Dessa forma, retorna à consideração do sujeito e seu modo</p><p>de existir diante do universo como experiência individual e individualizada. A</p><p>partir disso, formula a sua principal hipótese: se a existência precede a essência,</p><p>5</p><p>RELIGIÃO:</p><p>EXISTENCIALISMO</p><p>E LIBERDADE</p><p>em Sartre</p><p>U</p><p>N</p><p>ID</p><p>A</p><p>D</p><p>E</p><p>4</p><p>166</p><p>Será que a existência de Deus serve apenas para colocar limite nos nossos comportamentos?</p><p>pensando juntos</p><p>então a chave da reflexão está no modo de existência e não em seu fim ou propó-</p><p>sito. Portanto, o ser humano é livre e independente de qualquer categoria abstrata.</p><p>É preciso atentar-se, contudo, para o fato de que, no existencialismo, a liberda-</p><p>de implica na plena consciência de que as decisões e as ações pessoais influenciam</p><p>o ambiente social, o que nos torna corresponsáveis pelo bem e pelo mal infligidos</p><p>aos outros. Não aborda a morte da moral, como Nietzsche havia proclamado,</p><p>mas, entre essas responsabilidades, estaria o combate à injustiça, por exemplo.</p><p>Segundo Jean-Paul Sartre, uma das motivações dos seres humanos para criar</p><p>Deus foi a justificativa de não desejarem exercer a sua liberdade. Diante do vazio</p><p>existencial e das angústias, foi preferível criar um Deus que limitasse as ações para</p><p>que não sofrêssemos as consequências da liberdade criadas por nós mesmos. Ao</p><p>negar Deus, o ser humano poderia, em primeiro lugar, ser livre e não precisaria</p><p>desculpar-se diante das atitudes impostas pelas regras criadas por Ele:</p><p>“ Com efeito, tudo é permitido se Deus não existe, fica o homem, por</p><p>conseguinte, abandonado, já que não encontra em si, nem fora de si,</p><p>uma possibilidade que se apegue. Antes de mais nada, não há descul-</p><p>pas para ele. Se, com efeito, a existência precede a essência, não será</p><p>nunca possível referir uma explicação a uma natureza humana dada</p><p>e imutável; por outras palavras, não há determinismo, o homem é</p><p>livre, o homem é liberdade. Se, por outro lado, Deus não existe, não</p><p>encontramos diante de nós valores ou imposições que nos legitimem</p><p>o comportamento. Assim, não temos nem atrás de nós, nem diante de</p><p>nós, no domínio do luminoso dos valores, justificações ou desculpas.</p><p>Estamos sós e sem desculpas (SARTRE, 1970, p. 227-8).</p><p>Essa é a crítica que faz Sartre com relação a não existência de Deus. Se Ele, de</p><p>fato, não existe, não existiriam regras ou valores objetivos para o procedimento</p><p>da ação humana. De acordo com o filósofo, esses limites e valores simplesmente</p><p>não existem, conforme o texto que transcrevemos. Com isso, o autor nos passa</p><p>a impressão de que a ética ficaria em segundo plano na dinâmica dos relaciona-</p><p>U</p><p>N</p><p>IC</p><p>ES</p><p>U</p><p>M</p><p>A</p><p>R</p><p>167</p><p>mentos em sociedade. Para ele, o ser humano deve ser o criador desses novos va-</p><p>lores, tendo em vista que, sem a presença de Deus, está livre para construir novos</p><p>paradigmas para a sua existência. Em seu livro O existencialismo é um humanismo</p><p>(1946), ele afirma que deveríamos agir pensando no fato de como seria se todos</p><p>agissem de determinada forma. Por isso, o ser humano poderia ser a medida da</p><p>sua própria moral sem precisar recorrer a algo inexistente para nortear a sua vida.</p><p>CONSIDERAÇÕES FINAIS</p><p>Chegamos a mais um final de unidade com o sentimento de que há muito mais</p><p>a dizer sobre todos os assuntos abordados, mas o propósito foi o de realizar</p><p>uma introdução a assuntos muito complexos e densos em seu conteúdo. Há</p><p>uma literatura extensa e variada para cada um dos temas estudados. Contudo,</p><p>ao levar este conhecimento a você, desejei que a superficialidade de meras</p><p>citações sobre os temas não bastasse, então tentei abordar os aspectos mais</p><p>importantes sobre como personalidades marcantes da nossa história mais</p><p>recente se relacionaram com o campo religioso.</p><p>A religião, vista como fenômeno religioso pelos cientistas sociais, têm caracte-</p><p>rísticas bem peculiares e marcantes. As crenças e os ritos são duas características</p><p>que existem, segundo os cientistas, em todas as religiões. Interiormente, é preciso</p><p>acreditar em algo que satisfaça e dê propósito à existência (crença). Quando pratico</p><p>os rituais em que acredito, exteriorizo as práticas das minhas crenças de forma a</p><p>perpetuar essas ações para as próximas gerações. Por isso, a religião não pode ser</p><p>feita com apenas um indivíduo. Ela precisa ter caráter coletivo. Além disso, vimos</p><p>sua importância na dinâmica das mudanças sociais. Weber foi claro em perceber</p><p>que o capitalismo recebeu um grande incentivo do protestantismo para crescer.</p><p>Os quatro autores que vimos – Marx, Nietzsche, Freud e Sartre – viveram</p><p>em épocas marcadas pelo uso da razão e tentaram buscar explicações para os</p><p>principais dilemas humanos. Todos eles foram influenciados por pensamentos</p><p>que viam Deus e o fenômeno religioso como algo criado pelo ser humano para</p><p>satisfazer inquietações e desejos e, assim, aliviar os sofrimentos, as angústias e as</p><p>incertezas da vida. É preciso estudá-los, então, tendo em vista a influência alta-</p><p>mente racional e de desencanto da realidade.</p><p>168</p><p>na prática</p><p>1. Émile Durkheim examinou a religião sem circunscrever a subjetividade de religiosos,</p><p>de crentes ou a do próprio investigador. Apegando-se à neutralidade ética típica da</p><p>Sociologia científica, propôs que o estudo da religião exigisse livrar-se de todas as</p><p>ideias preconcebidas. Dentro do sistema religioso, qual é o significado de crença</p><p>para Durkheim?</p><p>2. Para Karl Marx, a religião implica não apenas a verdadeira miséria da vida humana,</p><p>mas uma forma de protesto contra esta, como se a religião, em certo sentido, de-</p><p>pendesse precisamente da miséria do mundo e da realidade que atormenta a alma</p><p>humana. De acordo com os nossos estudos, por que Marx considera que a religião</p><p>é o ópio do povo?</p><p>3. A imagem de Deus ocupava um lugar na mente dos europeus, uma imagem que</p><p>representava a moralidade e a razão de ser dos seres humanos Esse lugar deveria</p><p>ser ocupado, segundo Nietzsche, para mais do que apenas um homem: é o super-</p><p>-homem quem vem substituir Deus; seus valores e suas ideias guiarão o homem</p><p>a partir de agora. Qual é o sentido da afirmação de Nietzsche quando afirma que</p><p>Deus está morto?</p><p>4. Sigmund Freud, em sua busca por uma resposta à psicogênese da religião, pôs</p><p>grande ênfase na questão do pai. A posição do pai como um todo poderoso e o</p><p>resgate da figura paterna como fonte de proteção contra o desamparo humano</p><p>foram a resposta que ele encontrou às necessidades religiosas. De acordo com a</p><p>teoria psicanalítica, qual é a origem da religião?</p><p>5. As contribuições de Jean-Paul Sartre no campo da Filosofia permitiram maior es-</p><p>clarecimento de certos aspectos do existencialismo, corrente cujo conceito em seu</p><p>auge adquirira tanta amplitude que, como o próprio autor apontou, não significava</p><p>absolutamente nada. De acordo com o que estudamos nesta unidade, o que significa</p><p>a afirmação de Sartre em dizer que a “existência precede a essência”?</p><p>169</p><p>aprimore-se</p><p>NIILISMO</p><p>A corrosão, a desvalorização, a morte do Sentido. A falta de finalidade, de resposta</p><p>ao “porquê”. Os valores tradicionais depreciam-se; princípios e critérios absolutos</p><p>dissolvem-se. A bússola, que outrora nos orientava, apesar das crises, das rupturas,</p><p>das ilusões, da substituição frenética de rotas, explodiu em nossas mãos. A vertigem</p><p>subverte pensamento e ação. Filosofia,</p><p>arte, política, moral; a cultura, a sociedade,</p><p>as crenças, as instituições, tudo é sacudido, posto radicalmente em discussão. A</p><p>superfície, antes congelada, das verdades e dos valores tradicionais está despeda-</p><p>çada e torna-se difícil prosseguir no caminho, avistar um ancoradouro. É o niilismo</p><p>— conceito fundamental, imprescindível para compreender o pensamento filosófico</p><p>dos últimos dois séculos —, signo do nosso tempo, fenômeno ubíquo, complexo,</p><p>multifacetado; ao mesmo tempo, causa, patologia e oportunidade.</p><p>De modo geral, é possível considerar o niilismo um movimento “positivo” —</p><p>quando mediante um labor de crítica e desmascaramento nos revela a abismal</p><p>ausência de cada fundamento, verdade, critério absoluto e universal e, portanto,</p><p>convoca-nos diante da nossa própria liberdade e responsabilidade, agora não mais</p><p>garantidas, nem sufocadas ou controladas por nada. Pode-se considerá-lo também</p><p>um movimento “negativo” — quando a acentuar-se, nessa dinâmica, são os traços</p><p>destruidores e iconoclastas, como os do declínio, do ressentimento, da incapaci-</p><p>dade de avançar, da paralisia, do “tudo-vale” e do perigoso silogismo: se Deus (a</p><p>verdade, o princípio) está morto, então tudo é permitido.</p><p>Mas o que é, propriamente, o niilismo? Qual é a sua trama? Quais são as fibras</p><p>que compõem a história do termo, do conceito e dos seus problemas? De que modo</p><p>se daria o seu ultrapassamento (que não é — atente-se — simples superação dialéti-</p><p>ca, mas sim contramovimento inaudito de sentido)?</p><p>O termo niilismo deriva do latim nihil, nada. Essa origem revela um primeiro sen-</p><p>tido do conceito, que remete a um pensamento fascinado e obcecado pelo nada.</p><p>Seguindo tal perspectiva o niilismo poderia ser encontrado ao longo de toda a his-</p><p>170</p><p>aprimore-se</p><p>tória do pensamento ocidental: do sofista Górgias (c.490-c.388 a.C.) — com as céle-</p><p>bres teses nada é; e se alguma coisa fosse, não poderia ser conhecida; e se fosse</p><p>conhecível, seria inexprimível — à mística e à teologia negativa; do poeta e filósofo</p><p>italiano Giacomo Leopardi (1798-1837) — o nada é o princípio de Deus e de todas as</p><p>coisas — à pergunta fundamental “por que o ser e não, antes, o nada?”; de Wilhelm</p><p>Gottfried Leibniz (1646-1716) e Friedrich Wilhelm Joseph Schelling (1775-1854), ao</p><p>chamado “pessimismo” de Arthur Schopenhauer (1788-1860).</p><p>Na realidade as relações entre o niilismo, o nada e a negação são muito mais radi-</p><p>cais, complexas e profundas do que se possa imaginar. Seja como for, os estudos mais</p><p>importantes sobre o tema separam nitidamente os dois conceitos, pondo de lado o</p><p>nada para se concentrar no niilismo considerado como fenômeno histórico, um evento</p><p>ligado à modernidade e à sua crise. Niilismo no sentido estrito, portanto, tal como</p><p>surgiu na filosofia do século XIX e depois, com uma intensa força contaminadora, es-</p><p>pecialmente no século XX, e cuja análise é orientada por uma série de pressupostos.</p><p>Quando o termo é utilizado pela primeira vez? Quando, e em que contexto, o conceito</p><p>é utilizado filosoficamente? Qual é a razão essencial do aparecimento do niilismo?</p><p>Quando e como o mais inquietante e perturbador de todos os hóspedes, como o de-</p><p>finiu Friedrich Wilhelm Nietzsche (1844-1900), penetrou em nossos lares?</p><p>As primeiras ocorrências do termo remontam à Revolução Francesa quando fo-</p><p>ram definidos como “niilistas” os grupos “que não eram nem a favor nem contra a</p><p>Revolução”. Um membro da Convenção, barão de Cloots, declarou no seu discurso</p><p>de 26 de dezembro de 1793 que “a República dos direitos do homem não é nem teís-</p><p>ta nem ateia, é niilista”. De todo modo, e para além das indicações etimológicas e le-</p><p>xicográficas, o primeiro uso propriamente filosófico do conceito é localizado no final</p><p>do século XVIII — em meio aos debates e às controvérsias que caracterizam a fun-</p><p>dação do idealismo —, mais especificamente na carta, escrita em 1799, de Friedrich</p><p>171</p><p>aprimore-se</p><p>Heinrich Jacobi (1743-1819) a Johann Gottlieb Fichte (1762-1814) na qual o idealismo</p><p>é acusado de ser um niilismo. Filósofos como Friedrich von Schlegel (1772-1829) e</p><p>Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831) intervêm na discussão servindo-se do</p><p>termo. Na Rússia, uma vez transposto do restrito âmbito filosófico e literário para o</p><p>plano social e político, o niilismo passa a designar um movimento de rebelião contra</p><p>a ordem estabelecida, o atraso, o imobilismo da sociedade e os seus valores. É com</p><p>Nietzsche que a reflexão filosófica sobre o niilismo alcança o seu mais alto grau, com</p><p>um pensamento radical que mostra as origens mais remotas do fenômeno, vale</p><p>dizer, o platonismo e o cristianismo, e não só diagnostica a doença do nosso tempo</p><p>como tenta indicar um remédio.</p><p>O século XX, século do niilismo, abre-se com a morte de Nietzsche e com a crise</p><p>de uma Razão que sucumbirá aos horrores de duas guerras mundias, do fascismo</p><p>e do nazismo, do Holocausto e de Auschwitz. O niilismo infiltra-se, encontra a proje-</p><p>tualidade onipotente da ciência e da técnica, impregna a atmosfera cultural de toda</p><p>uma época, transforma-se em uma “categoria” fundamental no laboratório filosófi-</p><p>co contemporâneo. Nesse sentido, entre os momentos mais significativos, podemos</p><p>destacar o confronto entre Martin Heidegger (1889-1976) e Ernst Jünger (1895-1998)</p><p>em torno do “ponto zero” do niilismo e do seu ultrapassamento; o renovado e mais</p><p>intenso interesse pelo pensamento nietzschiano na França (a chamada “Nietzsche-re-</p><p>naissance”), em especial as reflexões de Gilles Deleuze (1925-95); a filosofia desespera-</p><p>da e negativa de Emil Cioran (1911-95); a idéia de niilismo como essência da civilização</p><p>ocidental de Emanuele Severino (n.1929); a desconstrução de Jacques Derrida (1930-</p><p>2004); as reflexões sobre niilismo e sentido de Jean-Luc Nancy (n.1940); e o “pensa-</p><p>mento fraco” e a apologia do niilismo de Gianni Vattimo (n.1936).</p><p>Fonte: Pecoraro (2007, p. 7-10).</p><p>172</p><p>eu recomendo!</p><p>As Formas Elementares da Vida Religiosa</p><p>Autor: Émile Durkheim</p><p>Editora: Martins Fontes</p><p>Sinopse: As Formas Elementares da Vida Religiosa, originalmente</p><p>publicado em 1912, é o primeiro grande estudo da sociologia da</p><p>religião. Nele, Émile Durkheim constrói, a partir do estudo da reli-</p><p>gião aborígene australiana, uma complexa teoria sobre religião e</p><p>o sagrado dentro dos processos de integração social.</p><p>livro</p><p>A Ideologia Alemã</p><p>Autor: Karl Marx e Friedrich Engels</p><p>Editora: Boitempo Editorial</p><p>Sinopse: A Ideologia Alemã é uma obra escrita por Karl Marx e</p><p>Friedrich Engels em Bruxelas entre 1845 e 1846, mas só foi pu-</p><p>blicada em 1932 por David Ryazanov por meio do Instituto Marx-</p><p>-Engels-Lenin em Moscou. Nesse texto, encontramos muitas das</p><p>principais teses do materialismo histórico pela primeira vez no pensamento mar-</p><p>xista. O tema da alienação é desenvolvido, assim como a descrição das formas</p><p>de propriedade ao longo da história: tribal, comunal e feudal. Algumas formas</p><p>do modo de produção capitalista são analisadas como trabalho assalariado e as</p><p>formas tomadas pela ideologia ou consciência social dominante são descritas de</p><p>acordo com a base econômica de determinado período histórico.</p><p>livro</p><p>173</p><p>eu recomendo!</p><p>A Gaia Ciência</p><p>Autor: Friedrich Nietzsche</p><p>Editora: Companhia de Bolso</p><p>Sinopse: A Gaia Ciência é um compêndio de todo o pensamento</p><p>de Nietzsche. Partindo da ideia libertadora de que a vida deixou</p><p>de ser uma obrigação, Nietzsche entra com alegria e leveza nos</p><p>terrenos pantanosos da ciência, da moral e da religião para trazer</p><p>à luz o seu significado. Depois de rejeitar a razão como guia para o conhecimento,</p><p>o filósofo atinge um estado de liberdade de pensamento em que é possível rir</p><p>de si mesmo: é a cerimônia em que o riso encontra sabedoria. Por meio desse</p><p>pensamento lúdico, alguns temas com os quais o filósofo lidará em suas obras</p><p>posteriores são trazidos à luz: a morte de Deus, o amor fati e o eterno retorno,</p><p>bem como o caráter ficcional associado à sua filosofia: Zaratustra.</p><p>livro</p><p>Moisés e monoteísmo,</p><p>compêndio de psicanálise e outros</p><p>textos</p><p>Autor: Friedrich Nietzsche</p><p>Editora: Companhia das Letras</p><p>Sinopse: Freud discute as origens do monoteísmo e oferece suas</p><p>conclusões sobre o que ele entende como as verdadeiras origens</p><p>e o destino de Moisés e seu relacionamento com o povo judeu.</p><p>Freud percebe, em seu ensaio, um paralelismo entre a evolução do povo judeu</p><p>e os casos de neurose individual. O pai da psicanálise sustenta que Moisés não é</p><p>judeu, mas um egípcio que transmite ao povo judeu o monoteísmo do faraó Akhe-</p><p>naton. Os judeus, de acordo com a tese de Freud, assassinam Moisés, abando-</p><p>nando a religião que lhes havia transmitido, esquecendo-se coletivamente desse</p><p>fato após algum tempo. Quando, posteriormente, essa memória reprimida vem à</p><p>tona, o povo judeu e sua religião se originam.</p><p>livro</p><p>174</p><p>eu recomendo!</p><p>O existencialismo é um humanismo</p><p>Autor: Jean-Paul Sartre</p><p>Editora: Vozes de Bolso</p><p>Sinopse: O existencialismo é um humanismo se tornou um clássi-</p><p>co do pensamento ocidental do século XX, especialmente porque</p><p>apresenta um caminho claro e acessível, não só o pensamento</p><p>de Jean-Paul Sartre, mas também as propostas fundamentais do</p><p>existencialismo. Em certo sentido, esse breve texto resume as chaves de toda a</p><p>obra posterior de Sartre, uma vez que o pensador francês sempre permaneceu</p><p>fiel aos princípios básicos delineados nele. O pensamento de Sartre é revelado</p><p>como um instrumento muito útil para enfrentar o presente.</p><p>livro</p><p>Quando Nietzsche Chorou</p><p>Ano: 2007</p><p>Sinopse: Lou Salomé é uma jovem cujo objetivo é ajudar um pro-</p><p>missor filósofo alemão chamado Friedrich Nietzsche (Armand As-</p><p>sante), que mergulha numa profunda depressão espiritual que</p><p>atormenta seus pensamentos. Para isso, ele recorre ao famoso</p><p>médico vienense Josef Breuer (Ben Cross), que terá que tratá-lo</p><p>sem saber que está sendo psicanalisado. Entretanto, tanto o mé-</p><p>dico quanto o filósofo se descobrirão compartilhando a sabedoria que cada um</p><p>conhece, chegando a lançar as bases do que hoje conhecemos como Psicanálise.</p><p>filme</p><p>Como relacionar a alegria e o trágico? A relação entre esses dois elementos é pensa-</p><p>da pelo filósofo Roberto Machado a partir da filosofia trágica de Nietzsche. Para que</p><p>a vida fosse afirmada, seria preciso combater o pessimismo causado pelo niilismo, o</p><p>niilismo passivo. No programa, Roberto apresenta os outros tipos de niilismo e tam-</p><p>bém a resposta encontrada por Nietzsche à passividade e ao pessimismo.</p><p>https://www.youtube.com/watch?v=SKrGcdy6J3g</p><p>conecte-se</p><p>5</p><p>FORMAS DE ORGANIZAÇÃO</p><p>DA SOCIEDADE</p><p>e dilemas atuais</p><p>PLANO DE ESTUDO</p><p>A seguir, apresentam-se as aulas que você estudará nesta unidade: • Sociedade de consumo • Socie-</p><p>dade líquida • Sociedade do cansaço • Sociedade hiperconectada.</p><p>OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM</p><p>• Compreender as características e as percepções da sociedade de consumo • Analisar as contribuições</p><p>de Zygmunt Bauman acerca do panorama da sociedade líquida • Estudar a teoria da sociedade do</p><p>cansaço • Verificar as experiências e teorias sobre a sociedade hiperconectada.</p><p>PROFESSOR</p><p>Esp. Pablo Araya Santander</p><p>INTRODUÇÃO</p><p>Caro(a) aluno(a), seja bem-vindo(a) à última unidade! Aqui, trataremos de</p><p>temas mais contemporâneos e, portanto, mais aptos a serem desvendados</p><p>por estudos futuros. Serão incógnitas e dinâmicas próprias que aparecem</p><p>na sociedade dos nossos dias e que necessitam da nossa especial atenção,</p><p>uma vez que estamos imersas nela. Discutiremos sobre assuntos que pos-</p><p>sibilitam nossos posicionamentos, pois temos propriedade de afirmar ou</p><p>negar o que está ao nosso redor.</p><p>O primeiro deles será o tema da sociedade de consumo. Compreende-</p><p>remos o conceito de consumo de acordo com a perspectiva histórica desde</p><p>a Revolução Industrial aos nossos dias. Aprenderemos a importância de</p><p>percebermos a forma com a qual temos lidado com as nossas reais neces-</p><p>sidades e como a percepção crítica sobre as consequências de um consumo</p><p>desmedido é fundamental. Verificaremos que há uma diferença vital entre</p><p>o consumo em si e o ato desmedido do consumismo.</p><p>Por meio do estudo apurado do sociólogo polonês Zygmunt Bauman</p><p>a respeito da nossa realidade, aprenderemos sobre a chamada sociedade</p><p>líquida, tão teorizada por ele. Em seguida, exploraremos um tema razoa-</p><p>velmente novo no campo das Ciências Humanas e Sociais – com pouca</p><p>pesquisa sobre o assunto até o momento –, a dita sociedade do cansaço.</p><p>Veremos que a nossa sociedade do desempenho e do trabalho excessivo</p><p>tem deixado as pessoas com marcas profundas, não somente de cansaço</p><p>físico, mas de certo esgotamento, por sermos tão exigidos nessa dinâmica</p><p>capitalista tão competitiva.</p><p>Conheceremos ainda os desafios de viver em uma sociedade hiperco-</p><p>nectada, que está inserida em um mundo hiperconectado. Este mundo é</p><p>aquele em que a Internet tem se tornado tão indiscutível quanto a eletri-</p><p>cidade, por exemplo. Veremos a relação objeto-pessoas, pessoas-objetos,</p><p>objetos-objetos e as relações humanas em um contexto no qual a conexão</p><p>nas redes sociais exibe uma aparência de sociabilidade real.</p><p>Desejo-lhe bons estudos!</p><p>U</p><p>N</p><p>IC</p><p>ES</p><p>U</p><p>M</p><p>A</p><p>R</p><p>177</p><p>1</p><p>SOCIEDADE DO</p><p>CONSUMO</p><p>A sociedade de consumo, ou sociedade de consumo de massa, é um termo usado</p><p>em Economia e Sociologia para designar o tipo de sociedade que corresponde</p><p>a um estágio avançado do desenvolvimento industrial capitalista, caracterizado</p><p>pelo consumo maciço de bens e serviços, disponível graças à produção destes. A</p><p>expansão, a aceleração do consumo e a sua posição como articulador das relações</p><p>de convivência social é um fenômeno do século XX. Todo movimento histórico</p><p>ao redor da produção industrial precisa ser analisado para compreendermos de</p><p>que forma a cultura consumista chegou até nós.</p><p>A chamada sociedade de consumo surgiu como resultado da produção em</p><p>massa de bens (ativada pelo taylorismo e fordismo), que revelou que era mais</p><p>fácil fabricar os produtos do que vendê-los. Agora, o esforço daquele que em-</p><p>preendia foi transferido para a comercialização dos itens produzidos por meio</p><p>da publicidade, do marketing, das vendas a prazo, entre outros.</p><p>Edward Taylor (1856-1915), no início do século XX, elaborou uma teoria que</p><p>buscava obter o máximo de rendimento com o mínimo de tempo: o taylorismo.</p><p>Essa otimização e maximização no processo de produção era estudada cientifi-</p><p>camente, de forma a garantir resultados cada vez melhores. Com isso, as linhas de</p><p>produção foram montadas e tornaram o trabalhador muito mais parecido com</p><p>uma máquina do que um ser humano com todas as suas capacidades de abstração</p><p>e pensamento. A ideia era deixar muito nítida a divisão de quem era responsável</p><p>U</p><p>N</p><p>ID</p><p>A</p><p>D</p><p>E</p><p>5</p><p>178</p><p>Keynesianismo: o economista britânico John Maynard Keynes acreditava que a principal</p><p>causa das crises era a baixa demanda, derivada das baixas expectativas dos consumido-</p><p>res. Ele propôs o intervencionismo como mecanismo para estimular a demanda e regular</p><p>a economia em tempos de depressão. Keynes estudou os problemas adjuntos da econo-</p><p>mia, como desemprego, investimento, consumo, produção e poupança. Seus argumentos</p><p>construíram a base da macroeconomia.</p><p>Fonte: o autor.</p><p>explorando Ideias</p><p>pela execução das tarefas e quem deveria ser o ser pensante, que sabia as técnicas</p><p>de como produzir. Taylor desenvolveu o conceito de que, com o controle rígido</p><p>da linha de produção em que os operários se encontravam, fazia deles muito mais</p><p>produtivos. Influenciado pela ideia de Taylor, Henry Ford expandiu o conceito de</p><p>produção em série, principalmente, no que se refere à fabricação de automóveis.</p><p>Até aquele momento, o processo de produção dos carros era praticamente artesa-</p><p>nal. Ford treinava seus fun-</p><p>cionários para que produ-</p><p>zissem e se especializassem</p><p>em apenas uma área da</p><p>linha de montagem. Com</p><p>isso, conseguiu aumentar o</p><p>número de unidades pro-</p><p>duzidas, popularizando e</p><p>facilitando o consumo de</p><p>carros por todo o mundo.</p><p>Figura 1 - Ford 1896, um carro a motor movido à gasolina,</p><p>que seu fabricante, Henry Ford, chamou de Quadriciclo</p><p>Esse tipo</p><p>de produção favorecia, contudo, muito mais o empresário do que os tra-</p><p>balhadores. Ao empresário, é garantido o lucro pelo processo de maximização da</p><p>produção. O trabalhador, por sua vez, deixa de pensar, reproduzindo apenas algo</p><p>que lhe é imposto. Perde, com isso, todo o aproveitamento da sua inventividade</p><p>e capacidade crítica de analisar os processos que estão à sua volta.</p><p>O taylorismo, o fordismo e as políticas keynesianas são as grandes inovações</p><p>econômicas que, juntamente com as contribuições tecnológicas – como eletrici-</p><p>dade, petróleo e motor de combustão interna – da Segunda Revolução Industrial,</p><p>lançaram as bases do capitalismo durante o século XX.</p><p>U</p><p>N</p><p>IC</p><p>ES</p><p>U</p><p>M</p><p>A</p><p>R</p><p>179</p><p>Nos Estados Unidos, o American Way of Life (estilo de vida americano), começou a</p><p>ser divulgado e vendido como exemplo para todo o mundo. Tal modo de vida estava</p><p>baseado no consumo extremo de todos os tipos de artigos como uma das principais</p><p>formas de realização pessoal. O seu auge aconteceu no período que antecedeu a Se-</p><p>gunda Guerra Mundial e se estendeu até meados da Guerra Fria. Valores culturais,</p><p>como o crescimento intelectual ou espiritual, foram deixados em segundo plano.</p><p>A imagem vendida era de uma felicidade exposta, representada, normalmente, por</p><p>uma família feliz, em que a sua realização advinha da possibilidade de consumir e</p><p>ter posses. O exagero e a ostentação de bens também fizeram parte desse cenário.</p><p>Após a Segunda Guerra Mundial, a nova lógica apoiada por técnicas gerenciais,</p><p>pesquisa de mercado e publicidade fez com que a norma de consumo penetrasse em</p><p>todas as áreas da vida. A partir daí o consumo começa a depender da publicidade e</p><p>da promoção de vendas. Conforme já estudamos, o consumo de massa caracteriza-se</p><p>por uma padronização da oferta de produtos para o maior número de pessoas que</p><p>é possível atingir. Esse modelo de consumo organizado a partir da oferta gerou um</p><p>consumidor idealizado, que se sentia homogêneo em relação ao restante da sociedade.</p><p>Entraram em cena, de forma determinante no avanço do consumismo, os</p><p>setores de marketing e publicidade. Esta poderosa indústria da persuasão uti-</p><p>liza elementos sociológicos, psicossociais, cognitivos e culturais, com alto grau</p><p>de tecnologia e profissionalismo para deixar os produtos desejáveis. Colocam</p><p>em movimento as motivações primárias e os instintos dos consumidores. Os</p><p>desejos são racionalizados a fim de culminarem na ação de consumo, mas os</p><p>apresentam como se fossem derivados de uma decisão pessoal e voluntária.</p><p>A partir de 1970 até</p><p>a década de 90, começou</p><p>a Terceira Revolução In-</p><p>dustrial (como alguns</p><p>chamam) ou revolução da</p><p>microeletrônica, da au-</p><p>tomação e da ciência da</p><p>computação, possibilitada</p><p>graças às novas mídias, aos</p><p>robôs e aos computadores.</p><p>Figura 2 - AEG 80 Series - Computador alemão dos anos 70</p><p>no Museu Nacional de Ciência e Tecnologia da Catalunha</p><p>U</p><p>N</p><p>ID</p><p>A</p><p>D</p><p>E</p><p>5</p><p>180</p><p>Nesse período também surgiu o toyotismo, nome que se refere ao novo processo</p><p>de produção encabeçado pela fábrica japonesa Toyota. Trata-se de um conceito de</p><p>produção mais flexível realizado de acordo com a demanda (on demand). A ideia</p><p>básica é que apenas o que o mercado necessita deve ser produzido, assim os custos</p><p>de armazenamento são reduzidos e os riscos de superprodução são evitados.</p><p>Houve grande mudança no deslocamento da mão de obra das fábricas e indús-</p><p>trias em direção ao setor de serviços (escritórios, comércios, transporte etc.). Isso se</p><p>deve à necessidade de manter uma estrutura de comunicação e publicidade mais</p><p>ativa. Nesse panorama histórico iniciado no início do século XX até os dias atuais,</p><p>surge a chamada sociedade pós-industrial, caracterizada por crescimento econô-</p><p>mico que está ligado, sobretudo, à necessidade de conquistar novos mercados (o</p><p>que dá especial importância à propaganda). É uma sociedade que precisa de mais</p><p>consumidores do que de trabalhadores. Surge também a crescente importância das</p><p>indústrias de lazer, que exploram o tempo livre dos cidadãos. Dessa perspectiva</p><p>mercantil e despersonalizada, a tendência é de que os sujeitos deixem de ser vistos</p><p>como indivíduos e se tornem meras funções sociais ou números.</p><p>Aqui, faz-se necessário distinguir os conceitos de consumo e de consumismo.</p><p>Enquanto o consumo é considerado uma ação de consumir ou gastar produtos</p><p>de vários tipos, com a particularidade de serem utilizados para o bem-estar do ser</p><p>humano e satisfazerem suas necessida-</p><p>des imediatas, o consumismo é enten-</p><p>dido como o consumo de produtos que</p><p>não são necessários e são rapidamen-</p><p>te substituíveis por outros igualmente</p><p>desnecessários e de pouca duração.</p><p>Além disso, o consumismo baseia-se</p><p>na produção em massa e na exploração</p><p>irracional dos recursos naturais para</p><p>alcançar a venda massiva de produtos.</p><p>Nota-se que existem algumas características do consumo em nossa sociedade que</p><p>são bem peculiares do nosso tempo. Muitas vezes, tornam-se tão impregnadas na</p><p>cultura que se tornam valores – a ideia de que o ato de consumir traz felicidade</p><p>é uma delas. A publicidade das empresas veiculadas nos meios de comunicação</p><p>tem se encarregado de estabelecer uma correlação simplista e fácil entre consu-</p><p>mo e felicidade. Além disso, estimula-se a ideia de que a felicidade advinda do</p><p>Figura 3 – O consumo como felicidade.</p><p>U</p><p>N</p><p>IC</p><p>ES</p><p>U</p><p>M</p><p>A</p><p>R</p><p>181</p><p>consumo gera realização e satisfação pessoal, como se a atitude de comprar fosse</p><p>capaz de preencher os vazios existenciais.</p><p>Será que esse modelo de consumo realmente nos traz felicidade? É possível,</p><p>pelo menos, ser razoavelmente feliz em uma sociedade de consumo como a nossa?</p><p>Da mesma forma que parece ser relevante analisar a sociedade de consumo a partir</p><p>do prisma das aspirações geradas e dos modelos de vida prometidos, o impacto da</p><p>sociedade de consumo em grande parte do mundo tem sido tão importante que,</p><p>hoje, não é possível entender a ideia de felicidade sem um vínculo com o modelo</p><p>de produção e consumo que nos governa.</p><p>Aristóteles afirmou que a eudemonia (em grego, εὐδαιμονία, eudaimonia) ou</p><p>a plenitude do ser é um exercício virtuoso específico do ser e, até mesmo, o ob-</p><p>jetivo final que perseguimos. Desde então, a preocupação e a busca da felicidade</p><p>têm sido um dos eixos fundamentais em praticamente todas as sociedades, mas</p><p>com variações significativas. Sabemos que a felicidade é um conceito relativo</p><p>fortemente influenciado por fatores culturais, mas a maioria das abordagens teó-</p><p>ricas coincide com o fato de que há necessidades básicas a serem atendidas como</p><p>pré-requisito para alcançá-lo. Isso significa que a felicidade, às vezes, é concebida</p><p>como um estágio mais global e até espiritual do que o bem-estar.</p><p>Do mesmo modo que o bem-estar material parece consistir em satisfazer as</p><p>necessidades materiais, o alcance da felicidade é geralmente apresentado como um</p><p>caminho com necessidades que vão muito além do fisiológico. Portanto, as diferentes</p><p>abordagens adotadas sobre as necessidades humanas desde a Sociologia e a Psicolo-</p><p>gia têm proposto uma série de escalas que tentam abranger o máximo possível todos</p><p>os tipos de fatores que entram em jogo quando se fala na felicidade das pessoas.</p><p>Em muitos estudos sobre felicidade, as relações sociais ocupam um lugar de</p><p>destaque. Manter relações sociais amigáveis, emocionais e amorosas, é considerado</p><p>fundamental pela ciência para alcançar o bem-estar: sabe-se que a presença de entes</p><p>queridos altera positivamente a resposta do cérebro a situações ameaçadoras. Pessoas</p><p>que passaram por uma situação estressante e receberam algum tipo de apoio verbal</p><p>afetuoso tinham quantidades menores de cortisol no corpo – um hormônio relacio-</p><p>nado ao processo ativado diante do estresse –, em relação àquelas que passaram pela</p><p>mesma situação, mas receberam apoio verbal de um estranho ou não receberam.</p><p>O paradigma neoliberal insiste que a competitividade é a chave do cresci-</p><p>mento e que lutar por nossos interesses nos fará felizes. No entanto, os diferentes</p><p>estudos realizados sobre o bem-estar</p><p>mostram como um ingrediente-chave a</p><p>preocupação das pessoas em serem aceitas e valorizadas socialmente. A coopera-</p><p>U</p><p>N</p><p>ID</p><p>A</p><p>D</p><p>E</p><p>5</p><p>182</p><p>ção com os outros ainda oferece mais prazer do que o hedonismo: ser generoso,</p><p>por exemplo, produz a sensação de bem-estar, pois ativa um circuito neuronal</p><p>associado ao prazer e à recompensa, além de ativar diferentes hormônios as-</p><p>sociados à felicidade, como dopamina e ocitocina. Pessoas generosas têm mais</p><p>amizades (de acordo com relatos), dormem melhor e superam mais facilmente</p><p>os obstáculos do que as pessoas egoístas e autocentradas.</p><p>A felicidade é um elemento essencial para compreender o discurso vinculado</p><p>à lógica de consumo, à política, à ideia de empreendedorismo, ao movimento de</p><p>coaching, à prática de negócios e à produção de autoajuda, e, em geral, a uma in-</p><p>dústria crescente e lucrativa, que fornece uma infinidade de bens e serviços com</p><p>a promessa de que os indivíduos saibam como viver de maneira mais completa,</p><p>funcional e saudável, ainda mais se forem estimulados à prática do consumo.</p><p>Hoje, quase nada escapa do círculo vicioso de produção e hiperconsumo que</p><p>se multiplica em si mesmo. Recebemos diária e constantemente um bombardeio</p><p>de impactos de mensagens comerciais; na verdade, somos medidos, muitas vezes,</p><p>como consumidores e classificados como público-alvo. Recebemos uma chuva</p><p>sensorial, mas também cognitiva e emocional, constante e, às vezes, tão discreta</p><p>que mal a notamos. Tudo isso acontece sem estarmos sequer preparados para</p><p>tomar consciência dessa pressão, muito menos para nos defender contra ela,</p><p>proteger menores de idade ou outros grupos sociais e coletivos mais vulneráveis.</p><p>Supõe-se que é natural ou que sempre foi assim, que somos livres para optar e</p><p>temos muita sorte de poder escolher entre tantas ofertas.</p><p>Em sua última fase, o consumo é apresentado como um processo de intensi-</p><p>ficação hedonista do presente pela contínua renovação dos produtos e serviços. A</p><p>estética das sensações imediatas, passageiras e intensas promove as práticas do hi-</p><p>perconsumo. Nesse caso, novas necessidades não são criadas, mas individualizadas</p><p>para o consumo de novos objetos de desejo como melhoradores, carregados de va-</p><p>lores simbólicos muito mais representativos para uma suposição ideal de bem-estar</p><p>individual. Hoje, na sociedade de consumo, não é mais vendido um produto, mas</p><p>uma visão, um conceito, um estilo de vida e, por isso, a construção da identidade</p><p>da marca estará no centro do trabalho de comunicação das empresas.</p><p>Podemos ver, então, que o modelo da sociedade de consumo se caracteriza,</p><p>além de criar falsas necessidades, por oferecer-nos, por meio do consumo, falsas</p><p>satisfações às nossas reais necessidades, oferecendo-nos, na melhor das hipóteses,</p><p>satisfações provisórias. Por isso, deduzimos que o motor dessa espiral consumista</p><p>é a frustração, a insatisfação e, portanto, a infelicidade. Recebemos essas sensações</p><p>U</p><p>N</p><p>IC</p><p>ES</p><p>U</p><p>M</p><p>A</p><p>R</p><p>183</p><p>quando o consumo apenas nos dá momentos efêmeros de satisfação no momento</p><p>da compra ou quando o consumo atua como falsa satisfação de uma insuficiência</p><p>que continua a existir. Esses sentimentos nos fazem continuar a consumir, bus-</p><p>cando uma satisfação que nunca é plenamente realizada.</p><p>As expressões em que a sociedade de consumo se manifesta são tantas e o</p><p>discurso é tão predominante, que podemos dizer que esse modelo se tornou</p><p>parte de nossa cultura, pois atinge todas as áreas de nossa vida, o que permite</p><p>pouquíssimas brechas para críticas ou propostas alternativas. Uma sociedade</p><p>em que o consumo é tão relevante deixa o ser humano passivo e individualista,</p><p>desvalorizando facetas humanas, como a criatividade e a cooperação.</p><p>Temos visto, contudo, de acordo com o andamento da situação, uma outra</p><p>vertente. Não ter o que realmente precisamos produz insatisfação, mas ter mais</p><p>do que o necessário não fornece nenhuma satisfação duradoura, pelo contrário:</p><p>aquilo que é desfeito, imediatamente perde seu valor diante do que é desejado, o</p><p>que faz o consumidor entrar em uma incessante (e, no fundo, muito insatisfatória)</p><p>cadeia de gastos. Existem casos reais de indivíduos que compraram um carro</p><p>para ver se poderiam, assim, sair da depressão em que se encontravam. Contudo,</p><p>passado algum tempo, a alegria da aquisição (que sempre é passageira) se esgotou,</p><p>voltando ao mesmo estágio depressivo anterior.</p><p>Esses comportamentos são uma consequência do profundo impacto psicoló-</p><p>gico das incessantes mensagens publicitárias, que incentivam as pessoas à busca</p><p>pela felicidade e realização pessoal por meio da compra.</p><p>Outro ponto importante a analisar, nessa sociedade consumista, é o fato de</p><p>não termos relação direta com o fabricante do objeto que compramos. Há não</p><p>muito tempo, quando desejávamos comprar um terno, por exemplo, sempre re-</p><p>corríamos a um alfaiate, que tirava as medidas necessárias para a confecção. Com</p><p>isso, mantínhamos certo contato com o profissional contratado, sabíamos da sua</p><p>saúde, da sua família, enfim, do seu bem-estar. Com o crescente processo e apri-</p><p>moramento da confecção de ternos para o consumo em massa, o custo do pro-</p><p>duto caiu muito. O preço realizado pelo trabalho artesanal do alfaiate não ficou</p><p>nada competitivo e, agora, tornou-se uma profissão que está quase em extinção.</p><p>O problema dessa relação de distanciamento é que não nos importamos mais</p><p>com as pessoas e as condições de trabalho em que elas estão para fornecer-nos</p><p>aquele tão desejado produto. Não é raro, em nossos dias, termos o conhecimento</p><p>de que grandes multinacionais se utilizam de mão de obra análoga à escravidão</p><p>em diversos países para aumentar o seu lucro. Inseridos no mundo consumista</p><p>U</p><p>N</p><p>ID</p><p>A</p><p>D</p><p>E</p><p>5</p><p>184</p><p>Este QR Code despertará em você uma nova perspectiva sobre o consumismo</p><p>e sua influência nas relações humanas. Está preparado? Acesse e descubra!</p><p>conecte-se</p><p>em que estamos, não nos preocupamos com essas situações. Queremos apenas</p><p>que o objeto de desejo e de consumo seja adquirido para satisfazer o nosso prazer.</p><p>Podemos verificar também que a cultura consumista afeta a sociedade em diver-</p><p>sos aspectos. Ela é prejudicial ao equilíbrio ecológico em sua totalidade, por exemplo.</p><p>Existem muitos problemas relacionados ao consumo excessivo de recursos naturais</p><p>feito em todo o mundo, bem como o fato de que os processos de produção geram,</p><p>principalmente, poluição. Além disso, ingerimos cada vez mais produtos com agro-</p><p>tóxicos, pelo fato de aumentarem a produção e baratearem os custos.</p><p>No âmbito familiar, aumentamos desnecessariamente nossas despesas ao</p><p>comprarmos produtos que poderíamos evitar ou reduzir. O endividamento das</p><p>famílias nos cartões de crédito e a ampla facilidade de parcelamentos, muitas</p><p>vezes, consomem todo o rendimento dos membros da família.</p><p>Outro mecanismo prejudicial utilizado pelo mercado para induzir ao consu-</p><p>mismo é a chamada obsolescência programada. Trata-se de um sistema artificial</p><p>estabelecido pelos fabricantes para controlar a vida útil dos seus produtos. Ou</p><p>seja, o produtor tem controle sobre a duração de sua mercadoria, normalmente</p><p>para que tenham duração menor do que poderiam ter e estimulem, assim, o</p><p>consumo. Isso foi criado para</p><p>que o consumidor fosse força-</p><p>do a adquirir um produto novo</p><p>igual ou similar. A maioria dos</p><p>produtos é “programada para</p><p>morrer” e, muitas vezes, quando</p><p>esses dispositivos são danifica-</p><p>dos, é mais barato adquirir um</p><p>novo do que consertá-lo.</p><p>Figura 4 - Obsolescência Programada: diversos com-</p><p>putadores sem conserto.</p><p>https://apigame.unicesumar.edu.br/qrcode/2015</p><p>U</p><p>N</p><p>IC</p><p>ES</p><p>U</p><p>M</p><p>A</p><p>R</p><p>185</p><p>A obsolescência programada garante grande demanda, pois as empresas têm</p><p>mais benefícios e oferta contínua, o que influencia o desenvolvimento da economia</p><p>por meio da aquisição desnecessária, de diversos produtos.</p><p>As consequências da obsolescência programada impactam diretamente o meio</p><p>ambiente. Por meio dela, é preciso utilizar uma grande quantidade de recursos</p><p>naturais para produzir constantemente esses itens que substituem</p><p>os obsoletos.</p><p>Nesse caso, é necessário considerar que alguns dos recursos naturais utilizados</p><p>para a fabricação de alguns produtos são muito escassos. Outro ponto é a acumu-</p><p>lação de resíduos. Todos os aparelhos que não são mais usados são descartados e</p><p>a má gestão governamental pode levar a aterros ilegais. Por terem elementos que</p><p>podem contaminar o solo ou a água, é importante que eles sejam adequadamente</p><p>gerenciados e que a vida útil dos dispositivos eletrônicos seja prolongada, a fim</p><p>de reduzir o número de resíduos gerados.</p><p>Há, todavia, um movimento empregado para combater o modo como lida-</p><p>mos com o consumo em nossos dias: o consumerismo. Trata-se de um neolo-</p><p>gismo derivado da palavra inglesa consumerism, que tem como objetivo fazer</p><p>com que as pessoas assumam a perspectiva de um consumo mais responsável. A</p><p>partir disso, as principais razões para levar um consumidor a agir dessa maneira</p><p>podem ser especificadas nos seguintes aspectos:</p><p>• Contribuir ativamente para a realização dos direitos de informação, escolha do</p><p>consumidor e reclamação.</p><p>• Solidariedade e respeito por todas as pessoas envolvidas no processo produtivo</p><p>• Proteger o meio ambiente.</p><p>• Comprar produtos e serviços sustentáveis.</p><p>• Evitar o desperdício e aplicar a regra dos três R’s: reduzir, reutilizar e reciclar.</p><p>• Contribuir para gerar empresas sociais e ambientais.</p><p>• Ter participação mais ativa nas práticas e atividades de responsabilidade social.</p><p>Esse movimento é uma resposta do ser humano ao perceber que o atual quadro</p><p>da atividade do consumo é muito prejudicial aos relacionamentos humanos e ao</p><p>próprio planeta como um todo.</p><p>U</p><p>N</p><p>ID</p><p>A</p><p>D</p><p>E</p><p>5</p><p>186</p><p>2 SOCIEDADE LÍQUIDA</p><p>Quem de nós já não deve ter analisado como as formas de pensar e de ser de</p><p>nossos avós são diferentes de como nós pensamos e agimos, não é mesmo? Pro-</p><p>vavelmente, eles se casaram com apenas uma</p><p>pessoa, viveram na mesma casa por um longo</p><p>tempo e trabalharam na mesma profissão du-</p><p>rante toda a vida. E nós? Como temos vivido?</p><p>No decorrer da história e, principalmente,</p><p>na modernidade, várias instituições e estrutu-</p><p>ras sociais permaneceram intactas e inques-</p><p>tionáveis, nos quais os valores mais relevan-</p><p>tes foram associados à estabilidade, união e</p><p>tradição. Em nossa realidade atual, eles foram</p><p>dissolvidos e deram origem à chamada Mo-</p><p>dernidade Líquida, conceito elaborado pelo</p><p>sociólogo polonês Zygmunt Bauman.</p><p>A filosofia de vida, os valores e o que é considerado ético e moral mudaram</p><p>drasticamente nos últimos anos devido a mudanças políticas e sociais a partir</p><p>da segunda metade do século XX.</p><p>Figura 5 - Zygmunt Bauman</p><p>U</p><p>N</p><p>IC</p><p>ES</p><p>U</p><p>M</p><p>A</p><p>R</p><p>187</p><p>No livro Modernidade Líquida, lançado em 1999, Bauman foi capaz de ex-</p><p>plicar os fenômenos sociais da era moderna e mostrar o que nos diferencia de</p><p>gerações anteriores. A partir de 1999, o autor publicou uma série de obras que</p><p>resumem os seus pontos de vista sobre a realidade social que nos rodeia: Amor Lí-</p><p>quido (2003), Vida Líquida (2005), Medo Líquido (2006) e Tempos Líquidos (2007).</p><p>A realidade líquida consiste em uma ruptura com as instituições e as estru-</p><p>turas estabelecidas. No passado, a vida era projetada especificamente para cada</p><p>pessoa, que deveria seguir os padrões estabelecidos para tomar as decisões na</p><p>sua vida. Na modernidade, o sociólogo afirmou que as pessoas já conseguiram</p><p>livrar-se dos padrões e das estruturas que foram, ao longo do tempo, sendo pré-es-</p><p>tabelecidas e que, agora, cada um tem a capacidade de criar a sua própria medida</p><p>de comportamento para determinar suas decisões e seu estilo de vida.</p><p>Na vida líquida, segundo Bauman, a sociedade está baseada no individualis-</p><p>mo e se tornou algo temporário e instável, que carece de aspectos sólidos. Tudo</p><p>o que temos muda com uma curta data de validade, em comparação com as</p><p>estruturas fixas do passado. Além disso, a individualização faz com que se perca</p><p>a ideia de coletividade, cidadania e bem comum:</p><p>“ o público é colonizado pelo privado; o ‘interesse público’ é reduzido</p><p>à curiosidade sobre as vidas privadas de figuras públicas e a arte da</p><p>exposição pública é reduzida à exposição pública de assuntos pri-</p><p>vados e à confissão pública de sentimentos privados (quanto mais</p><p>íntimos melhor). As ‘questões públicas’ que resistem a essa redução</p><p>tornam-se incompreensíveis (BAUMAN, 2001, p. 18).</p><p>O único interesse do cidadão individualista com relação aos interesses públicos</p><p>é com relação à proteção do seu espaço na sua zona particular. O poder público</p><p>deve garantir as liberdades individuais para que, assim, o ser humano consiga</p><p>desempenhar a sua individualidade com segurança:</p><p>“ As únicas duas coisas úteis que se espera e se deseja do ‘poder pú-</p><p>blico são que ele observe os direitos humanos, isto é, que permita</p><p>que cada um siga seu próprio caminho, e que permita que todos o</p><p>façam em paz –protegendo a segurança de seus corpos e posses,</p><p>trancando criminosos reais ou potenciais nas prisões e mantendo</p><p>as ruas livres de assaltantes, pervertidos, pedintes e todo tipo de</p><p>estranhos constrangedores e maus (BAUMAN, 2001, p. 45).</p><p>U</p><p>N</p><p>ID</p><p>A</p><p>D</p><p>E</p><p>5</p><p>188</p><p>Inúmeras situações que Bauman nos apresentou há vinte anos em Modernidade</p><p>Líquida e as obras seguidas se tornaram realidade em nossos dias. Ele conseguiu,</p><p>com destreza, diagnosticar o funcionamento da sociedade atual e determinar a</p><p>relação das novas gerações com conceitos como amor, trabalho ou educação.</p><p>O relacionamento dos nossos avós, por exemplo, é muito diferente dos rela-</p><p>cionamentos dos tempos líquidos ou pós-modernos. Hoje, há certo medo pelo</p><p>compromisso. O “ficar” por uma noite ou por um momento é um exemplo claro</p><p>desse conceito. O medo da desilusão amorosa e do sofrimento já não valem mais a</p><p>pena e existe a visão de que há muito mais a perder do que a ganhar em uma relação.</p><p>Para Bauman, fica claro que, em nossos dias, há uma fragilidade dos vín-</p><p>culos. Essas relações são as que dão nome ao seu conceito de amor líquido.</p><p>Para ele, o que será renunciado – a liberdade, por exemplo – é a principal razão</p><p>para o medo do compromisso.</p><p>Estabelecer vínculo forte e comprometido não é fácil para muitas pessoas. Além</p><p>disso, há um senso de responsabilidade e sacrifício pessoal que os indivíduos podem</p><p>não estar dispostos a aceitar. É até possível que haja imaturidade pessoal, que im-</p><p>possibilita conceber uma autêntica relação sólida e estável para um projeto futuro.</p><p>O próprio Bauman explicou que muitas das relações de hoje são “cone-</p><p>xões”, em vez de “relacionamentos”. Não falamos apenas da primazia das novas</p><p>tecnologias e das redes sociais, aquelas que nos unem a múltiplas pessoas no</p><p>momento que escolhemos. Esse conceito vai um pouco além. O individualis-</p><p>mo procura apenas atender às necessidades específicas com um começo e um</p><p>fim, daí a ideia de amor líquido. As emoções não podem ser retidas e escapam</p><p>fugazmente das mãos até desaparecerem.</p><p>Figura 6 - Namoro online</p><p>U</p><p>N</p><p>IC</p><p>ES</p><p>U</p><p>M</p><p>A</p><p>R</p><p>189</p><p>Bauman afirmou ainda que o consumismo estabeleceu uma pedagogia perversa,</p><p>na qual o imediatismo da satisfação do desejo e a coisificação das pessoas (trans-</p><p>formá-las em objeto) possibilitam a redução dos laços afetivos à sua forma mais</p><p>depreciativa. O casal se torna uma “mercadoria” que, eventualmente, não satisfaz</p><p>mais as necessidades a curto prazo.</p><p>O autor introduziu, no primeiro capítulo, a distinção entre amor e desejo:</p><p>“ Em sua essência, o desejo é um impulso de destruição. E, embora de</p><p>forma oblíqua, de autodestruição: o desejo é contaminado, desde o</p><p>seu nascimento, pela vontade de morrer. Esse é, porém, seu segredo</p><p>mais bem guardado — sobretudo de si mesmo.</p><p>O amor, por outro lado, é a vontade de cuidar, e de preservar o objeto</p><p>cuidado. Um impulso centrífugo, ao contrário do centrípeto desejo.</p><p>Um impulso de expandir-se, ir além, alcançar o que ‘está lá fora’. In-</p><p>gerir, absorver e assimilar o sujeito no objeto, e não vice-versa, como</p><p>no caso do desejo. Amar é contribuir para o mundo, cada contri-</p><p>buição sendo o traço vivo do eu que ama (BAUMAN,</p><p>2004, p. 24).</p><p>Muitos dos novos amantes pensam a partir da lógica dos consumidores, que</p><p>buscam maximizar sua utilidade, seu prazer e, para isso, as relações superficiais e</p><p>prontas são mais confortáveis. Como mercadoria, podem ser alteradas por outras,</p><p>com a mesma facilidade com que são retiradas de uma prateleira de supermer-</p><p>cado. Isso explica o medo de estabelecer relações duradouras. Em uma análise</p><p>de custo-benefício, é um investimento a longo prazo que causa nervosismo e</p><p>insegurança, pois o resultado final não pode ser conhecido. O casamento e a</p><p>família, instituições tradicionais da sociedade, sentem diretamente o impacto da</p><p>superficialidade amorosa contemporânea. A família se tornou um investimento</p><p>muito arriscado, o que se traduz em menos casamentos e menos filhos.</p><p>Outra característica dessa nova era é a busca e o interesse dos jovens por</p><p>fazer viagens de vários meses ao redor do mundo, com o objetivo de romper</p><p>barreiras e testemunhar realidades diferentes. Em Sociedade Líquida é descrito</p><p>precisamente esse cenário, que convida ao movimento, ao fluxo e à busca de novas</p><p>experiências, mas sem enraizar-se nas localidades. São cidadãos do mundo, mas</p><p>de lugar algum ao mesmo tempo.</p><p>U</p><p>N</p><p>ID</p><p>A</p><p>D</p><p>E</p><p>5</p><p>190</p><p>Figura 7 - Viajar se tornou uma forma de não criar raízes,</p><p>uma das características da sociedade líquida</p><p>Essa filosofia baseada na busca de novas experiências e em ser um cidadão do</p><p>mundo também se reflete no ambiente de trabalho na sociedade líquida. Os</p><p>empregos têm mudado e o mercado atual demanda reformulações dentro das</p><p>empresas em pouco espaço de tempo.</p><p>Em contrapartida, Bauman identificou a necessidade do dinamismo dos</p><p>trabalhadores, e que, por isso, são cada vez mais cobrados para desempenha-</p><p>rem tarefas em diferentes áreas. As empresas estão à procura de pessoas com</p><p>capacidade de se reinventarem e que tenham disponibilidade total, inclusive</p><p>para viajar para outras cidades, se necessário. Por isso, elas precisam dar tudo</p><p>no trabalho, mesmo sabendo que podem ser substituídas a qualquer momento</p><p>se não atenderem às expectativas desejadas.</p><p>Outra importante abordagem na teoria de Bauman é a do consumismo, as-</p><p>sunto que abordamos anteriormente. No seu livro Vida para Consumo (2007),</p><p>o autor afirmou que, nessa realidade líquida, o importante não é conservar os</p><p>objetos, mas renová-los constantemente para satisfazer o espírito consumista.</p><p>Nesse trabalho, podemos notar duas hipóteses: a hipótese geral, que é a tran-</p><p>sição de uma sociedade de produtores (sociedade sólida) para uma sociedade</p><p>de consumidores (sociedade líquida) nos últimos anos; e a hipótese particular,</p><p>que envolve uma reconfiguração da ideia moderna do sujeito cartesiano, que</p><p>apropriadamente racionaliza seu entorno e seus objetos, a uma noção de sujeito</p><p>convertida em um objeto ou produto.</p><p>U</p><p>N</p><p>IC</p><p>ES</p><p>U</p><p>M</p><p>A</p><p>R</p><p>191</p><p>Para verificá-las, o sociólogo elaborou três tipos ideais com base no modelo</p><p>weberiano a partir da justificativa de que os ideais não são descrições da realidade</p><p>social, mas ferramentas para sua análise; são abstrações que tentam capturar a</p><p>singularidade de uma configuração composta por ingredientes que não são de</p><p>todo especiais ou específicos. De acordo com ele, são janelas para entender a ge-</p><p>nealogia da sociedade líquida. O primeiro tipo ideal é o consumismo, concebido</p><p>em sua relação oposta ou extrema com relação ao consumo. O segundo é consti-</p><p>tuído pela dinâmica que envolve a implementação do consumismo na sociedade</p><p>de consumo. O terceiro, por sua vez, é uma consequência dos dois primeiros: o</p><p>estabelecimento de uma cultura de consumo.</p><p>Para desenvolver o primeiro (consumismo), Bauman definiu primeiramente o</p><p>consumo como parte da sobrevivência biológica, como parte inerente da vida huma-</p><p>na, porque é atribuído como essência que não muda no qualitativo, mas no quantita-</p><p>tivo. Só é variável quando as formas e quantidades de acumulação são modificadas.</p><p>Ele chamou a transição do consumo para o consumismo de revolução consumista.</p><p>A centralidade que o consumidor adquire na vida social, ou, na maioria das pessoas,</p><p>no grupo social, ocorre quando seu objetivo passa a ser uma necessidade existencial</p><p>ou imanente a uma necessidade construída para querer ou desejar algo.</p><p>O consumismo é estabelecido como um acordo social, como uma força que</p><p>opera em outras esferas da vida pública, pois se constitui como uma forma de in-</p><p>tegração, estratificação e formação do indivíduo, principalmente porque adquire</p><p>papel preponderante nos processos de autoidentificação de pessoas e coletivida-</p><p>des. Para ser um atributo da sociedade, desprezou o valor mais precioso da socie-</p><p>dade de produtores: o trabalho, pois este desempenhava papel vital na formação</p><p>de instituições sociais. O trabalho outorgava um valor ao indivíduo diante da</p><p>coletividade, pois definia uma identidade baseada na ocupação exercida pelo tra-</p><p>balhador. Atualmente, a lógica do emprego é colocada abaixo do ato de consumir.</p><p>Na sólida fase da modernidade, caracterizada pela dinâmica da produção,</p><p>o indivíduo e a coletividade foram orientados a obter uma segurança que fosse</p><p>resistente ao tempo, que fosse duradoura. De fato, essa era a justificativa para ter</p><p>um pleno emprego: estabilidade.</p><p>Em contraponto, na direção da sociedade de consumidores, ou fase líquida</p><p>da modernidade, percebe-se uma instabilidade de desejos e insaciabilidade das</p><p>U</p><p>N</p><p>ID</p><p>A</p><p>D</p><p>E</p><p>5</p><p>192</p><p>necessidades individuais. Para o autor, os objetivos da vida (identidade, futuro)</p><p>são configurados de maneira diferente e o que tinha valor (trabalho) deixa de ter</p><p>vital importância. No entanto, ele não perdeu de vista o fato de que essas mudan-</p><p>ças têm raízes estruturais, causadas principalmente pelas mudanças das funções</p><p>do papel do Estado, que privatizou e desregulamentou as atividades herdadas</p><p>no período pós-guerra, para serem transferidas para poderosas multinacionais.</p><p>Nesse contexto, entende-se o motivo pelo qual a substantividade do tra-</p><p>balho é alterada pelas pressões econômicas. A força que o mercado adquire</p><p>na órbita do setor público impõe novas formas de produção (distanciadas do</p><p>trabalho) e novos padrões de produtividade e competitividade (que tendem a</p><p>exacerbar os níveis de consumo).</p><p>Portanto, quando o indivíduo vive em constante incerteza sobre seu pos-</p><p>sível acesso ao trabalho, passa de uma identidade baseada no trabalho para</p><p>uma identidade baseada no consumo. Ao perder peso, o valor dos indivíduos</p><p>como seres produtivos na sociedade (trabalhadores, burocratas, profissionais),</p><p>a ênfase passa a estar em outros conceitos, como tempo, liberdade ou felicidade</p><p>enquanto novos objetivos de vida.</p><p>Nesse sentido, já que o elemento que seguirá o curso das sociedades atuais</p><p>será a incerteza, o tempo será caracterizado por sequências, rupturas e des-</p><p>continuidades; será inconsistente e a própria ideia de tempo será quebrada na</p><p>infinidade de momentos eternos.</p><p>Uma vez caracterizado o indivíduo consumista, Bauman desenvolveu o</p><p>segundo tipo ideal (a sociedade de consumo), definida como um conjunto de</p><p>condições de existência sob as quais as chances de a maioria dos homens e das</p><p>mulheres adotar o consumismo antes de qualquer outra cultura são muito altas.</p><p>Esse tipo de sociedade define seus membros com base em sua capacidade de</p><p>consumir, pois gera um ambiente propício para avaliar, orientar e sancionar a</p><p>velocidade de resposta de seus membros na escolha do modo de vida e, assim,</p><p>são definidas as estratégias essenciais para pertencer a ela.</p><p>O poder de compra na sociedade de consumo está relacionado ao desem-</p><p>penho individual, pois consumir significa investir no próprio pertencimento à</p><p>sociedade. Dessa maneira, as pressões sociais gerarão clima de reprodução de um</p><p>sistema que vive de, para e a partir do consumo. Antes de consumir, você precisa</p><p>tornar-se um produto – e é essa transformação que regula a entrada no mundo</p><p>do consumo –, para ter, pelo menos, uma oportunidade razoável de exercer os</p><p>direitos e cumprir as obrigações como consumidor.</p><p>U</p><p>N</p><p>IC</p><p>ES</p><p>U</p><p>M</p><p>A</p><p>R</p><p>193</p><p>O terceiro tipo ideal (cultura consumista) foi desenvolvido com base nas carac-</p><p>terísticas que definem o indivíduo na sociedade de consumo: a liberdade de escolha</p><p>e a liberdade de descartar os indesejados. Esse conceito, que historicamente tem</p><p>sido encarado de maneira filosófica na formação de novas realidades, é concebido,</p><p>agora, na modernidade líquida, como uma liberdade para escolher e consumir.</p><p>Liberdade e tempo andam de mãos dadas na lógica do consumismo. A liber-</p><p>dade de escolha será diretamente proporcional à urgência de decisão. Por esse</p><p>motivo, a cultura consumista sugere viver com intensidade, com o máximo de</p><p>aproveitamento do potencial do momento, porque a fórmula é que você aprenda</p><p>rápido, mas se esqueça com a mesma velocidade.</p><p>A principal consequência do mundo oposto ao sólido cria ansiedade nas</p><p>pessoas, segundo Bauman. A necessidade de reinventar-se no emprego faz com</p><p>que muitos trabalhadores fiquem para trás e não atendam aos requisitos atuais,</p><p>o que gera frustração. Além disso, a necessidade de relacionar-se vai contra a</p><p>falta de compromisso e o medo de perder a liberdade. Na sociedade de hoje,</p><p>não podemos apegar-nos, visto que tudo é mutável e efêmero. Tudo é líquido e a</p><p>possibilidade de perder é mais do que provável.</p><p>U</p><p>N</p><p>ID</p><p>A</p><p>D</p><p>E</p><p>5</p><p>194</p><p>3</p><p>SOCIEDADE DO</p><p>CANSAÇO</p><p>Byung-Chul Han, filósofo sul-coreano, em Sociedade do Cansaço (2010), de-</p><p>senvolveu uma análise sobre as consequências das normas culturais do mer-</p><p>cado neoliberal em nossas vidas.</p><p>Para ele, cada época tem a sua própria doença. A anterior teria sido viral,</p><p>infecciosa, referindo-se a uma ameaça exterior (século XIX, cólera, pandemias</p><p>etc.), e a enfermidade do século XXI seria “neuronal”. O ser que produz também</p><p>é o que, ao mesmo tempo, sofre das doenças causadas por estresse, depressão,</p><p>burnout, entre outras. O surgimento delas não seria de origem externa, mas</p><p>interna, produzidos “por excessos de positividade”. Pouco a pouco e proporcio-</p><p>nalmente ao crescimento do desajuste, o colapso começa a acontecer.</p><p>Figura 8 - Homem moderno sobrecarregado com as demandas do trabalho</p><p>U</p><p>N</p><p>IC</p><p>ES</p><p>U</p><p>M</p><p>A</p><p>R</p><p>195</p><p>A definição mais aceita sobre a síndrome de Burnout se fundamenta na perspectiva so-</p><p>cial-psicológica de Maslach & Jackson, que considera burnout uma reação à tensão emo-</p><p>cional crônica por lidar excessivamente com pessoas. É um construto formado por três</p><p>dimensões relacionadas, mas independentes: a) exaustão emocional, caracterizada por</p><p>falta de energia e entusiasmo, por sensação de esgotamento de recursos, que pode so-</p><p>mar-se ao sentimento de frustração e tensão nos trabalhadores; b) despersonalização,</p><p>definida pelo desenvolvimento de insensibilidade emocional, que faz com que o profissio-</p><p>nal trate os clientes, os colegas e a organização de maneira desumanizada; c) diminuição</p><p>da realização pessoal no trabalho, qualificado por uma tendência do(a) trabalhador(a) em</p><p>avaliar-se de forma negativa, o que o(a) torna infeliz e insatisfeito(a) com seu desenvolvi-</p><p>mento profissional.</p><p>Fonte: adaptado de Carlotto e Palazzo (2006).</p><p>explorando Ideias</p><p>Cada sociedade cria seu “homem invisível”. Nesse caso, o invisível quer dizer o</p><p>normal, aquele que não se destaca, que se confunde com a paisagem. O ser hu-</p><p>mano invisível que temos hoje é o ser humano que vive em estresse e que cumpre</p><p>todas as metas. A mulher e o homem trabalhador, eficazes em todas as dimensões</p><p>em que se propõem a trabalhar não se destacam em meio aos demais, pois todos</p><p>estão à procura dos mesmos objetos e objetivos.</p><p>No entanto, Sociedade do Cansaço se refere ao efeito final de uma sociedade</p><p>performática ou, como diria Byung-Chul Han, de uma sociedade do rendimen-</p><p>to. O filósofo, no primeiro capítulo, tenta explicar sua teoria a partir do mito de</p><p>Prometeu ao afirmar que a águia é um relacionamento consigo mesmo, no qual</p><p>há relação de autoexploração. A dor do fígado, que é indolor, tipifica o cansaço.</p><p>Assim, Prometeu, como sujeito, torna-se vítima de um cansaço infinito. Essa seria</p><p>a figura original da sociedade do cansaço.</p><p>Segundo o autor, a sociedade disciplinar de Foucault, com suas prisões, hospi-</p><p>tais e hospitais psiquiátricos, não corresponde mais à sociedade atual. Uma nova</p><p>sociedade de academias, torres de escritórios, laboratórios genéticos, bancos e</p><p>grandes shopping centers compõem o que ele chama de sociedade do rendimen-</p><p>to. O “sujeito da obediência” anterior foi substituído pelo “sujeito do rendimento”.</p><p>Aquelas velhas muralhas que delimitaram o normal do anormal e toda a negati-</p><p>vidade da dialética que envolvia a sociedade disciplinar caíram. Hoje, a sociedade</p><p>com desempenho positivo substituiu a proibição pelo verbo modal “poder”, com</p><p>seu plural afirmativo “sim, nós podemos”. Motivações, empreendedorismo, pro-</p><p>jetos e iniciativas substituíram a proibição, o mandato ou a lei.</p><p>U</p><p>N</p><p>ID</p><p>A</p><p>D</p><p>E</p><p>5</p><p>196</p><p>O sujeito do rendimento está em guerra consigo mesmo, afirma Byung-Chul. Livre</p><p>de um domínio externo que o obriga a trabalhar ou que o explora, submetido so-</p><p>mente a si mesmo, o sujeito do rendimento é abandonado à liberdade forçada ou à</p><p>livre obrigação de maximizar seu desempenho. O excesso de trabalho se torna mais</p><p>agudo e se torna uma autoexploração. Isso é muito mais eficaz do que a exploração</p><p>vinda de outros, pois é acompanhado por um sentimento de liberdade.</p><p>O excesso de positividade também variou a estrutura e a economia da aten-</p><p>ção. A superabundância de estímulos e informações causou a fragmentação e a</p><p>dispersão da percepção. Essa fragmentação ou atenção multitarefa à qual o sujeito</p><p>contemporâneo está sujeito é uma capacidade que não apenas aparece nos seres</p><p>humanos, explica o autor, mas é amplamente utilizada em animais selvagens. A</p><p>multitarefa é uma técnica vital de sobrevivência na selva: um animal selvagem</p><p>deve sempre estar ciente dos diferentes elementos de seu ambiente para evitar</p><p>ser comido por outros predadores. Isso torna impossível mergulhar na contem-</p><p>plação. A capacidade de atenção profunda e contemplativa, da qual descem as</p><p>grandes realizações da humanidade, é progressivamente substituída por supe-</p><p>ratenção e hiperatividade. A agitação permanente, a supremacia da vida ativa</p><p>amplamente elogiada na sociedade performática não gera nada de novo, reproduz</p><p>e acelera o que já existe. A sociedade da performance, como uma sociedade ativa,</p><p>tem gradualmente se tornado uma sociedade dopada e ainda acrescenta que o</p><p>uso de drogas inteligentes, que permitem operar sem alterações e maximizar</p><p>desempenho, é uma tendência bem argumentada, mesmo por cientistas sérios</p><p>que consideram irresponsável o uso dessas substâncias. O ser humano como um</p><p>todo, não apenas o corpo, tem se tornado uma “máquina de performance”.</p><p>Esse é o estado de nossa sociedade, segundo Byung-Chul Han. As fronteiras</p><p>do próprio corpo, da psique e da moral são constantemente varridas, dirigidas</p><p>pelas possibilidades de pessoas que estão na ativa. É doloroso imaginar como esse</p><p>processo acontece no ser humano em seu mundo de trabalho, justamente em uma</p><p>sociedade em que o trabalho representa a totalidade da vida e existência humanas.</p><p>Essa dinâmica faz parte das concepções do sujeito de nossos tempos. Funciona</p><p>como um mecanismo que mantém o ser humano como um ideal sempre efetivo e</p><p>produtivo, conectado ao imediatismo da tecnologia, sobrecarregado pela dimensão</p><p>da urgência das possibilidades do saber e acesso a tudo sem limites estabelecidos.</p><p>Os perigos advindos desse cansaço não dizem respeito apenas ao indivíduo</p><p>e à sua saúde, mas também afeta toda a dimensão social e afetiva: ele isola e</p><p>divide. A percepção do outro, assim como o autoconhecimento, requer tempo.</p><p>U</p><p>N</p><p>IC</p><p>ES</p><p>U</p><p>M</p><p>A</p><p>R</p><p>197</p><p>Han afirma que o cansaço faz com que as famílias desapareçam, as amizades</p><p>sejam extintas e os relacionamentos amorosos fiquem desgastados. Para o autor,</p><p>o cansaço funciona como uma forma de violência, porque tem a capacidade de</p><p>destruir a vida comunitária e toda a proximidade entre os seres humanos.</p><p>Historicamente, podemos analisar os altos e baixos das grandes civilizações e os</p><p>eventos históricos de grande magnitude, como cataclismos naturais, guerras ou</p><p>mudanças estruturais em sua sociedade.</p><p>A Revolução Tecnológica, derivada do advento da Internet, trouxe mudança</p><p>de paradigma no modo como a sociedade se relaciona interna e externamente.</p><p>Já nasceu a primeira geração em que a Internet é uma extensão da sua própria</p><p>pessoa, o que, sem dúvida, significa que surgem novas formas de socialização.</p><p>Ela consolida a definição de Marshall McLuhan da sociedade da mídia nos</p><p>anos 60, a da “aldeia global” e a da mídia como uma extensão de pessoas. Hoje,</p><p>podemos perceber não somente que a Internet já é uma extensão de nós mes-</p><p>mos, mas que se tornou um processo que se globalizou, o que gerou e ainda gera</p><p>impactos em todo o mundo.</p><p>No cenário mais positivo, até 2020, a sociedade conectada terá trazido progresso</p><p>econômico, social e ambiental significativo para centenas de milhões de pessoas.</p><p>Isso permitirá que todos, tudo e qualquer lugar estejam conectados em tempo real.</p><p>4</p><p>A SOCIEDADE</p><p>HIPERCONECTADA</p><p>U</p><p>N</p><p>ID</p><p>A</p><p>D</p><p>E</p><p>5</p><p>198</p><p>Quais são as implicações e consequências de uma parte crescente da nossa</p><p>sociedade estar interconectada uns aos outros e com acesso a informações ins-</p><p>tantâneas de forma tão natural? Muitos desses efeitos já fazem parte do nosso</p><p>cotidiano e afetam poderosamente muitas áreas: a forma como vivemos, como</p><p>consumimos, como nos comunicamos ou fazemos política.</p><p>As últimas eleições presidenciais foram claras em mostrar o uso da tecnologia</p><p>e das redes sociais para eleger o novo presidente do Brasil. As chamadas fake news</p><p>invadiram os celulares e computadores de todo o país, mostrando a importân-</p><p>cia do uso dessa tecnologia como disseminação de transmissão de conteúdo.</p><p>O presidente eleito conseguiu alavancar a participação na web para convertê-</p><p>-la na tradução moderna do significado de militância política pouco utilizada</p><p>até o momento, mas que, de repente,</p><p>tornou-se simples, atraente, acessível</p><p>e eficaz a qualquer um. Pessoas de</p><p>todas as faixas etárias enviaram aos</p><p>seus amigos vídeos do YouTube com</p><p>as aparições do candidato e defen-</p><p>deram suas posições em discussões</p><p>intermináveis em redes sociais como</p><p>Facebook, Twitter e Instagram.</p><p>Uma nova cultura surge por meio da sociedade hiperconectada. Os seus elementos</p><p>constituintes – indivíduos ou instituições – são unidos por linhas de comunicação</p><p>virtual. Em nossa sociedade atual, estamos todos unidos por uma série de linhas de</p><p>comunicação mais ou menos visíveis, expressas de uma forma ou de outra na rede.</p><p>Uma sociedade hiperconectada parte do pressuposto de que existe acesso à</p><p>Internet quase que a todas as pessoas. Sem dúvidas, a situação ainda não é assim.</p><p>Ainda há divisão digital relativa, na qual segmentos populacionais não podem</p><p>acessar um computador ou uma conexão de banda larga por razões como eco-</p><p>nomia, cultura e território.</p><p>A experiência de viver em uma sociedade assim ainda não é comum para a</p><p>maioria dos usuários da Internet. O perfil do usuário médio da rede geralmente</p><p>é o de uma pessoa que a usa geralmente para tarefas como acessar e-mail, ler</p><p>notícias, pagar contas, visualizar extrato bancário, baixar músicas e filmes, com-</p><p>prar ingressos para shows e procurar algo para resolver problemas domésticos</p><p>Figura 9 - As redes sociais trazem novas</p><p>formas de relacionamento</p><p>U</p><p>N</p><p>IC</p><p>ES</p><p>U</p><p>M</p><p>A</p><p>R</p><p>199</p><p>(como trocar um chuveiro, por exemplo). Se dissermos a esse usuário comum</p><p>que ele vive em uma sociedade hiperconectada é possível que ele se surpreenda</p><p>e, até mesmo, negue que esteja fazendo parte dela.</p><p>A grande questão é que o nível de conectividade começa a atingir níveis</p><p>realmente surpreendentes: é perfeitamente normal que uma pessoa se levante</p><p>pela manhã e acesse o seu celular smartphone antes mesmo de tomar o café da</p><p>manhã, mas isso não acontece apenas na hora de levantar-se. Muitas pessoas</p><p>sentem a necessidade de ver as suas redes sociais a todo o momento, para ver se</p><p>algo mudou, se alguém curtiu ou comentou a foto postada.</p><p>Os adolescentes são os mais afetados nesse processo e podem tornar-se de-</p><p>pendentes do uso do aparelho. Uma nova rotina de vida é gerada: checar as redes</p><p>sociais ou usar por alguns minutos o celular na hora de dormir e no momento</p><p>de levantar-se. Em sala de aula, ao ministrar uma aula de Sociologia no Ensino</p><p>Médio, alunos relatavam para mim que, até mesmo durante o banho, conversa-</p><p>vam e respondiam mensagens de seus “amigos”.</p><p>Ao retomarmos os conceitos de modernidade líquida e sociedade de con-</p><p>sumo de Zygumnt Bauman, podemos verificar que a falta de lealdade à vida</p><p>sólida da modernidade é acompanhada pela ideia de derrotar o tempo. Esse é, em</p><p>grande parte, um dos propósitos mais caros incorporados nos usuários de redes</p><p>sociais. Os internautas tentam informar toda a sua vida privada a vários amigos</p><p>(principalmente virtuais) para serem aceitos nesse espaço virtual. Cada notícia é</p><p>recompensada, especialmente as triviais – que são as mais populares. Os usuários</p><p>divulgam no espaço público virtual todo tipo de informação: desde o almoço a</p><p>atividades diárias e rotineiras, passando pelos comentários até os tópicos em voga</p><p>ou as atividades de lazer locais.</p><p>Como as redes sociais funcionam em tempo real, as informações da manhã</p><p>já estão obsoletas ao meio-dia e o que é publicado à tarde não importa mais à</p><p>noite. O que é necessário é atualizar o perfil praticamente minuto a minuto para</p><p>continuar colhendo comentários e reações e aumentando o número de seguido-</p><p>res. O estresse causado pelos usuários na necessidade de ganhar tempo nas redes</p><p>sociais é evidente quando os protagonistas fazem todo o possível para posicio-</p><p>nar-se como objetos rentáveis e atraentes no mercado virtual. É por isso que há a</p><p>necessidade de fazer upload de fotografias, informar detalhes íntimos e renovar</p><p>informações pessoais o tempo todo.</p><p>U</p><p>N</p><p>ID</p><p>A</p><p>D</p><p>E</p><p>5</p><p>200</p><p>Quais são os elementos positivos e negativos da tecnologia na sua vida?</p><p>pensando juntos</p><p>O sucesso desses espaços de comunicação virtual é que eles exaltam, enraí-</p><p>zam a cultura consumista e transformam o usuário em um objeto de consumo</p><p>tão dispensável quanto os outros. É por isso que o máximo de redes sociais deve</p><p>informar quantos seguidores e comentários você tem em seu perfil, para dizer-lhe</p><p>qual é o seu valor no ciberespaço.</p><p>Essas redes consomem novas informações instantaneamente apenas para</p><p>descartá-las quase que imediatamente. Portanto, seguindo a alegoria, talvez a</p><p>verdadeira paixão das redes sociais seja produzir resíduos no espaço virtual. A</p><p>questão relevante é que os usuários são, de fato, os objetos que podem rapidamen-</p><p>te passar da glória ao esquecimento, a depender de suas habilidades para atender</p><p>às necessidades de outros concorrentes virtuais.</p><p>Uma das grandes promessas da tecnologia, e uma das causas da revolução</p><p>que levou às telecomunicações, foi dar-nos a possibilidade de conectar-nos em</p><p>tempo real com pessoas que estão a distâncias que, sem a ajuda de dispositivos</p><p>tecnológicos, poderíamos levar horas, dias, semanas ou meses para alcançar, co-</p><p>nhecer e estabelecer algum tipo de relacionamento.</p><p>Além disso, a grande promessa da tecnologia que origina a conectividade</p><p>a níveis extraordinários nos garantiu que teríamos muito mais comodidade e</p><p>rapidez para acessar informações, mais tempo para nós mesmos e poderíamos,</p><p>assim, desfrutar mais da vida. Contudo, não é isso que temos visto e presenciado.</p><p>Figura 10 - Conectados com muitos e sozinhos na multidão</p><p>U</p><p>N</p><p>IC</p><p>ES</p><p>U</p><p>M</p><p>A</p><p>R</p><p>201</p><p>A solidão que, de acordo com estudos recentes, tem nos matado, é mais um re-</p><p>sultado de uma sociedade com indivíduos cada vez mais isolados. O isolamento</p><p>é um sintoma do produto das relações da nossa sociedade atual.</p><p>É um fenômeno humano oriundo de uma abordagem relacional na era da</p><p>modernidade. Na Antiguidade, a solidão não aparece, pelo menos da forma como</p><p>vemos hoje, porque foi vivida em comunidade. Não houve divisão</p><p>entre o ser</p><p>individual e o coletivo.</p><p>O “penso logo existo” é uma sentença cartesiana que enaltece o “eu” como o</p><p>único fundamento da realidade. A partir desse momento, desenvolvimento e as</p><p>transformações política, social, cultural, econômica e tecnológica da modernida-</p><p>de ocidental foram construídas, tendo o ser humano como referência.</p><p>Contudo, o sentimento de solidão parece ser contraditório à própria condição</p><p>da existência humana. O relacionamento com outros seres humanos tende a ser o</p><p>motor que nos leva a dar sentido à nossa existência, a criar a linguagem, os afetos</p><p>e os sentimentos. Sentido que, embora possa acontecer por meio do indivíduo</p><p>em si, sempre precisará ser comunicado, conversado e compartilhado.</p><p>Aristóteles acreditava na natureza social do animal humano, muito diferente</p><p>da abordagem moderna do lobo solitário de Thomas Hobbes, que concebia a</p><p>natureza humana como um estado de isolamento violento.</p><p>A solidão está longe de ser uma questão exclusivamente individual. Os sujeitos</p><p>que se sentem isolados vivenciam condições psicossociais que aumentam o estresse:</p><p>situação econômica desfavorável, perda de um ente querido, discussões entre familia-</p><p>res ou amigos, ruptura de um relacionamento e problemas legais ou trabalhistas, as-</p><p>sim como recessões econômicas, instabilidade política ou social no país onde se vive.</p><p>As conexões digitais nos oferecem a ilusão da companhia sem as exigências</p><p>que a amizade real possui. Nossa vida conectada nos permite esconder-nos uns</p><p>dos outros, mesmo ao estarmos conectados. Preferimos enviar mensagens a con-</p><p>versar pessoalmente. Além disso, as novas tecnologias permitem manter uma vida</p><p>social efervescente sem sair de casa.</p><p>Este livro que escrevi, por exemplo, é direcionado para alunos que estudam</p><p>um curso de educação a distância, cuja formação acadêmica se dará, quase cem</p><p>por cento, dependendo do acesso à rede mundial de computadores. O contato</p><p>de sala de aula com outras pessoas será substituído pela presença de uma tela e</p><p>pela interação virtual com outros alunos.</p><p>As redes sociais são ferramentas poderosas, se usadas corretamente. Novas</p><p>tecnologias podem levar-nos mais à integração do que ao isolamento. A chave é</p><p>U</p><p>N</p><p>ID</p><p>A</p><p>D</p><p>E</p><p>5</p><p>202</p><p>manter um equilíbrio e não permitir que os relacionamentos virtuais substituam</p><p>os relacionamentos pessoais. Muitas pessoas reclamam que não conseguem esta-</p><p>belecer relacionamentos próximos, previsíveis e genuinamente recompensadores,</p><p>tanto de amizade quanto de relacionamento amoroso. Isso acontece porque as re-</p><p>lações são cada vez mais mediadas, menos definidas e, consequentemente, muito</p><p>complexas. Os relacionamentos “cara-a-cara” são tão básicos quanto necessários</p><p>e não podem ser substituídos por aqueles que vivem na Internet.</p><p>CONSIDERAÇÕES FINAIS</p><p>A sociedade de consumo aponta um fenômeno que determina o sistema econô-</p><p>mico pelos valores culturais. Essa realidade é uma ideologia ativa que dá sentido à</p><p>vida do indivíduo por meio da aquisição de produtos e experiências organizadas.</p><p>Uma das críticas mais comuns à sociedade de consumo é a que a encara</p><p>como um tipo de sociedade que se rendeu às forças do sistema capitalista e que,</p><p>portanto, seus critérios e bases culturais estão sujeitos às criações disponíveis</p><p>ao alcance do consumidor. Nesse sentido, os consumidores finais perderiam as</p><p>características de serem pessoas humanas e individuais para serem consideradas</p><p>uma massa de consumidores, que pode ser influenciada por meio de técnicas de</p><p>marketing a criar, inclusive, falsas necessidades.</p><p>Em contraste com a modernidade sólida, a modernidade líquida é caracte-</p><p>rizada como uma realidade cultural oposta à estabilidade que existia no período</p><p>anterior. Todo o imaginário de estabilidade política, social e cultural não tem mais</p><p>o sentido ou a razão de ser de que outrora gozavam.</p><p>Na sociedade do cansaço, percebemos que a internalização do mal é uma</p><p>consequência do sistema neoliberal que alcançou algo muito importante: não</p><p>precisa mais exercer a repressão, porque já foi internalizada. O homem moderno</p><p>é seu próprio explorador e vive apenas buscar do sucesso.</p><p>A sociedade hiperconectada, por sua vez, tem contribuído para elevar a qua-</p><p>lidade de vida das pessoas, aperfeiçoar a ciência e o progresso da medicina, di-</p><p>minuir os custos das comunicações e as ferramentas de trabalho. Seus benefícios</p><p>podem ser muitos. Em contrapartida, ainda não se sabe quais serão os efeitos</p><p>negativas. A perda de postos de trabalho devido ao uso de computadores é real,</p><p>a extinção de postos de trabalho operacionais e a reavaliação de trabalhos de</p><p>conhecimento é um fato irreversível.</p><p>203</p><p>na prática</p><p>1. Pode-se dizer que o American Way of Life é uma interpretação da Constituição</p><p>dos Estados Unidos, para a qual todos os seres humanos foram feitos iguais e são</p><p>dotados de certos direitos inalienáveis por seu criador: vida, liberdade e direito de</p><p>buscar a felicidade. No contexto norte-americano, surgiu o chamado estilo de vida</p><p>americano. Em que consistia? De que forma influenciou o aumento do consumismo?</p><p>2. O consumismo iniciou seu desenvolvimento e crescimento ao longo do século XX</p><p>como consequência direta da lógica interna do capitalismo e do surgimento da</p><p>publicidade – ferramentas que incentivam o consumo e geram novas necessida-</p><p>des no consumidor. Isso ocorreu principalmente no chamado mundo ocidental,</p><p>posteriormente estendido a outras áreas, tornando-se popular o termo criado pela</p><p>sociedade de consumo da antropologia social referente ao consumo em massa de</p><p>produtos e serviços. Conforme nossos estudos, explique a diferença entre os termos</p><p>“consumo” e “consumismo”</p><p>3. Zygmunt Bauman explicou como algumas tendências das sociedades do capitalismo</p><p>avançado afetam as relações pessoais. A inclinação ao individualismo mostra as rela-</p><p>ções como um perigo para os valores da autonomia pessoal. Assim, descreva como</p><p>esse autor analisou os relacionamentos humanos na sociedade moderna líquida.</p><p>4. A sociedade de autoexploração e autovigilância precisa ser reconhecida pelo próprio</p><p>sujeito, que deve tornar-se, dessa maneira, o objeto de uma grande máquina que</p><p>ainda está sendo construída. Como o filósofo Byung Chul-Han define a sociedade</p><p>do cansaço?</p><p>5. Atualmente, uma nova categoria apareceu na classificação tipológica da comunica-</p><p>ção humana: a sociedade hiperconectada, que tem a capacidade de estar em lugares</p><p>diferentes, mas, ao mesmo tempo, estar em conjunto, associando-se a redes de</p><p>conexão social novas e complexas. Por que a sociedade hiperconectada tem gerado</p><p>cada vez mais indivíduos solitários?</p><p>204</p><p>aprimore-se</p><p>A obsolescência programada (o fabricante interrompe/programa a vida útil dos</p><p>produtos intencionalmente) aparece pela primeira vez na década de 30 como uma</p><p>solução ao desemprego e à crise econômica que atingiu principalmente os Estados</p><p>Unidos e em seguida vários países do mundo. A crise de 29, que levou os Estados</p><p>Unidos a registrar 25% de desemprego da sua População Economicamente Ativa-</p><p>PEA - teve início na segunda década do século XX, mais precisamente a partir de</p><p>1925, quando a euforia pelo consumo deu lugar à depressão. A crise tem suas bases</p><p>na mecanização que gerou muito desemprego, ou seja, a mudança da composição</p><p>orgânica do capital, preconizada por Karl Marx no século XIX (Marx, 1996), e no au-</p><p>mento da produção, enquanto o salário permanência nos mesmos patamares.</p><p>Houve um aumento da oferta, mas a demanda não acompanhou. Registra-se</p><p>uma crise de superprodução. As indústrias, sem alternativa pela baixa procura de</p><p>seus produtos, diminuem a produção e começam a demitir funcionários, agravando</p><p>ainda mais a crise; com isso, a crise naturalmente chega ao mercado de ações e seus</p><p>reflexos logo são sentidos em todo o mundo. Os Estados Unidos não podiam contar</p><p>com a ajuda de seus parceiros comerciais europeus, devido à recuperação por que</p><p>passavam logo após a Primeira Guerra Mundial. Portanto, sem medir consequên-</p><p>cias, reduz suas compras e empréstimos a países</p><p>e progrediu como ciência do homem.</p><p>Mantém relações interdisciplinares mais íntimas com as ciências</p><p>que centram seu interesse especificamente no estudo do homem e</p><p>que emprestam a ela os dados pesquisados e acumulados em relação</p><p>a todos os aspectos da existência humana: Sociologia, Psicologia,</p><p>Economia Política, Geografia Humana, Direito e História.</p><p>A Antropologia vem firmando-se como ciência do homem que exige,</p><p>cada vez mais, a cooperação entre os seus especialistas e os de outras</p><p>ciências, pois cada série de problemas requer a utilização de métodos</p><p>específicos altamente técnicos (MARCONI; PRESOTTO, p. 10).</p><p>U</p><p>N</p><p>IC</p><p>ES</p><p>U</p><p>M</p><p>A</p><p>R</p><p>25</p><p>3</p><p>ORIGENS DA</p><p>CIÊNCIA POLÍTICA</p><p>O que é política para você? Para que ela serve? Quando você ouve essa palavra,</p><p>quais são os sentimentos invocados em você? São positivos ou negativos? Nor-</p><p>malmente, temos a percepção de que a política deve permanecer distante de nós</p><p>e que somente os nossos governantes podem apropriar-se do termo, pois eles</p><p>seriam, de fato, os políticos em atuação. Nós, enquanto pessoas comuns, não</p><p>deveríamos pensar sobre política, nem sequer pensar sobre como ela funciona.</p><p>Já ouviu a expressão de que “lugar de estudante é em sala de aula e não em mani-</p><p>festações”? Que a escola deveria servir apenas para o estudo e não como possível</p><p>agrupamento de pessoas que “sai por aí” em manifestações?</p><p>Outro sentido que encontramos para a palavra é quando dizemos que “essa</p><p>não é uma política da nossa empresa”, ou “não temos como política a prática dessa</p><p>atividade na nossa escola”. Nesses casos, o termo empregado sugere a forma como</p><p>determinada instituição orienta as suas decisões, como se a política adotada fosse</p><p>um manual de instruções de práticas que podem ou não ser praticadas. Nesse sen-</p><p>tido, as políticas seriam diretrizes para orientar a ação. Serviriam como critérios</p><p>a serem observados na tomada de decisões, sobre um problema que se repete em</p><p>uma organização. Pode ser uma política geral, na qual as regras se aplicam a todos</p><p>os níveis da empresa e tem alto impacto ou criticidade, por exemplo: políticas or-</p><p>çamentárias, políticas de remuneração, política de qualidade, política de segurança</p><p>abrangente, entre outras. Também podem ser políticas específicas, que são as regras</p><p>U</p><p>N</p><p>ID</p><p>A</p><p>D</p><p>E</p><p>1</p><p>26</p><p>que se aplicam a determinados processos, como: política de vendas, política de com-</p><p>pras, política de segurança de computadores, políticas de inventário, entre outros.</p><p>Caro(a) aluno(a), você observou como o termo “política” pode ser utilizado</p><p>para vários significados? Para que fique mais evidente, buscaremos, por meio</p><p>desta reflexão, analisar os diferentes significados e escopos do que se denomina</p><p>por política, seja como uma indagação do conceito e sua interação com outras</p><p>atividades e disciplinas em que o homem está inserido, seja como alcance das</p><p>ideologias e reflexo das suas consequências nos mais variados grupos sociais.</p><p>Como surgiu a Ciência Política?</p><p>A palavra “política” se origina das palavras gregas polis, politeia, política e politiké.</p><p>• Polis: a cidade, o Estado, a área urbana ou urbanizada, o encontro dos</p><p>cidadãos que compõem a cidade.</p><p>• Politeia: o Estado, a Constituição, o regime político, a República, a cida-</p><p>dania (no sentido do direito dos cidadãos).</p><p>• Política: plural neutro de políticos, aquilo que é político e cívico, tudo so-</p><p>bre o Estado, a Constituição, o regime político, a República e a soberania.</p><p>• Politiké (techné): a arte da política.</p><p>Figura 7 - Templo de Parthenon na colina da Acrópole, em Atenas, Grécia</p><p>A Ciência Política, no sentido de dar explicação ordenada e sistematizada do</p><p>Estado, tem sido uma ciência desde a sua criação. Os gregos são os criadores da</p><p>política e da Ciência Política. Para eles, este seria o estudo ou o conhecimento</p><p>da vida comum dos homens, de acordo com a estrutura essencial desta vida, que</p><p>é a constituição da cidade.</p><p>U</p><p>N</p><p>IC</p><p>ES</p><p>U</p><p>M</p><p>A</p><p>R</p><p>27</p><p>O espaço político surge como lugar público no qual a vida política pôde tomar</p><p>forma: a oratória, o espaço comum no qual temas de interesse geral, como ética e</p><p>educação, podiam ser debatidos; era, para o povo grego, o terreno do comum. Na</p><p>verdade, fazer política era participar da vida em comum, uma obrigação de cada</p><p>cidadão para si e para os outros; desistir de fazer política significava renunciar</p><p>ao governo e, portanto, deixar de ser livre.</p><p>A Grécia Antiga é, por assim dizer, a mãe da civilização europeia. Entre os gre-</p><p>gos, Aristóteles não foi apenas o principal promotor do conhecimento científico,</p><p>mas também o autor de uma grande descoberta: que toda ciência tem sua indi-</p><p>vidualidade. Devemos a ele a política, a Ciência Política e a sua situação dentro</p><p>das demais áreas da ciência. Para ele, o ser humano é um ser racional e social. Tal</p><p>divisão ou ambiguidade de significado</p><p>será fundamental para expressar o que</p><p>será justo ou injusto na sociedade, o</p><p>que é valioso ou não entre os homens,</p><p>o que é que é prejudicial ou bom para</p><p>o bem comum. Ele deu origem à ideia</p><p>de que o ser humano é um animal</p><p>político, ou seja, que necessita bus-</p><p>car a convivência com a comunidade,</p><p>pois, sem ela, sente-se só e incompleto.</p><p>Nessa perspectiva, a política, seria uma</p><p>atividade inerente à natureza humana.</p><p>Em Protágoras, Platão considera o</p><p>conceito de política como um co-</p><p>nhecimento concebido em termos de</p><p>propósitos práticos. O filósofo tenta</p><p>definir a essência das virtudes cívicas</p><p>fundamentais que apresentam o co-</p><p>nhecimento do bem como a essência</p><p>de todas as virtudes. Portanto, o filó-</p><p>sofo estaria apto para governar como</p><p>um líder de Estado, já que seria tarefa</p><p>a ser praticada por quem possui o co-</p><p>nhecimento do bem, isto é, o funda- Figura 9 - Estátua de Platão</p><p>Figura 8 - Estátua de Aristóteles</p><p>U</p><p>N</p><p>ID</p><p>A</p><p>D</p><p>E</p><p>1</p><p>28</p><p>mento do princípio que constrói uma sociedade e para o qual toda a existência</p><p>humana deve ser dirigida. Assim, nesse mesmo diálogo, Sócrates é tido como</p><p>mestre da “arte política”, absorvendo em si a tarefa de forjar os homens como</p><p>bons cidadãos; Platão se refere à “técnica política” como busca de uma objetivi-</p><p>dade rigorosa, portanto, um conhecimento não específico das massas, mas um</p><p>conhecimento filosófico supremo.</p><p>Aristóteles e Platão marcaram um pe-</p><p>ríodo específico em que as primeiras ideias</p><p>sobre Ciência Política foram construídas.</p><p>No decorrer da história, houve diversos</p><p>pensadores importantes, que ajudaram</p><p>para que a política encontrasse o seu es-</p><p>paço no campo das Ciências Sociais.</p><p>No século XVI, Maquiavel de destacou</p><p>por dar o panorama da modernidade polí-</p><p>tica. Na segunda metade do mesmo século,</p><p>Jean Bodin abordou sistematicamente os</p><p>chamados fenômenos políticos.</p><p>Thomas Hobbes (1588 - 1679) afirmou</p><p>que o pior inimigo de um homem é outro</p><p>homem, expressando sua concepção de ser</p><p>humano: o homem é o lobo do homem, e</p><p>argumenta que viver com outros homens</p><p>torna-o pior. A partir dessa posição, cons-</p><p>truiu o conceito de política relativo a quem</p><p>detém o poder do governo, entendido como</p><p>meio de manter vantagens e privilégios.</p><p>Figura 11 - Thomas Hobbes</p><p>No contexto do Iluminismo, surgiu Montesquieu, contestando várias teses de</p><p>Aristóteles com o uso detalhado da razão. Com as suas teses, todos esses autores</p><p>mencionados contribuíram para o estabelecimento da temática no longínquo</p><p>século XIX. A partir desse momento, falar de Ciência Política passou a ser mais</p><p>comum no cotidiano. Novos acadêmicos começam a aparecer e a interessar-se</p><p>por essa dinâmica, o que permitiu o seu estabelecimento como ciência autônoma.</p><p>Figura 10 - Estátua de Maquiavel</p><p>U</p><p>N</p><p>IC</p><p>ES</p><p>U</p><p>M</p><p>A</p><p>R</p><p>29</p><p>Alexis de Tocqueville deve ser mencionado com o uso do método de obser-</p><p>vação direta dos fatos. Augusto Comte estabeleceu as bases objetivas do método</p><p>científico. Karl Marx contribuiu com uma nova explicação dos fenômenos do</p><p>poder em geral. Com isso, no final do século XIX, o reconhecimento e a vida</p><p>cotidiana permitiram que a Ciência Política se posicionasse no campo acadêmico.</p><p>Nos Estados Unidos, recebeu maior apoio</p><p>estrangeiros, ocasionando com</p><p>isso uma crise mundial.</p><p>Uma das alternativas para minimizar a crise instalada, veio do presidente eleito</p><p>Franklin Roosevelt (1881-1945), que propôs, já no início do seu mandado em 1933,</p><p>que o Estado passasse a interferir fortemente na economia. O resultado disso foi a</p><p>criação de grandes obras de infraestrutura, salário-desemprego, assistência aos tra-</p><p>balhadores, e concessão de empréstimos. Estas políticas fiscais e monetárias tinham</p><p>sua origem na escola keinesiana e um de seus maiores defensores foi seu criador</p><p>John Maynard Keynes (1883-1946), economista britânico, cujos ideais serviram de in-</p><p>fluência para a macroeconomia moderna. Keynes defendia a intervenção do Estado</p><p>na economia para diminuir a possibilidade das crises cíclicas do sistema capitalista.</p><p>205</p><p>aprimore-se</p><p>O primeiro passo para a obsolescência planejada deu-se em 1924. Um grupo de</p><p>fabricantes de lâmpadas dos Estados Unidos e Europa se reuniram para determinar</p><p>a vida útil das lâmpadas. O cartel S. A. Phoebus determinou que as lâmpadas deve-</p><p>riam ter uma vida útil de 1000 horas, contra as 3000 horas das que estavam sendo</p><p>produzidas na época. As empresas Osram e Philips comandavam a reunião e os fa-</p><p>bricantes que não seguissem a determinação do grupo (cartel) seriam punidos com</p><p>multas (Revista Printer’s, 1928). Portanto, a lâmpada que foi inventada por Thomas</p><p>Edison em 1881 (neste período com 1.500 horas de vida), foi a primeira vítima da</p><p>obsolescência programada.</p><p>A introdução do conceito de obsolescência programada surgiu pela primeira vez</p><p>em 1932 pelo então investidor imobiliário americano Bernard London em seu folheto</p><p>“Ending the Depression Through Planned Obsolescence” - Acabar com a depressão através</p><p>da obsolescência planejada. Plano que não foi posto em prática pelas autoridades da</p><p>época. A teoria de London, consistia em que todos os produtos deveriam ter seu ciclo</p><p>de vida interrompidos (London, 1932), e assim os consumidores voltariam às compras,</p><p>gerando mais procura e, portanto, mais emprego, pondo fim à crise.</p><p>Segundo London (1932), a tecnologia moderna aumentou a produtividade das em-</p><p>presas e consequentemente a qualidade dos produtos, dando uma vida útil maior. As</p><p>pessoas, por estarem assustadas com a depressão, estavam usando tudo o que pos-</p><p>suíam por mais tempo, com isso, prolongando ainda mais a crise. O governo deveria</p><p>estipular um prazo de vida aos produtos na sua criação, e o consumidor, ao adquirir</p><p>o bem, já saberia o prazo de vida, que segundo London, depois do tempo expirado,</p><p>estas mercadorias estariam legalmente “mortas”. As mercadorias obsoletas deveriam</p><p>ser devolvidas para o governo que emitiria um cupom com um valor expresso para</p><p>ajudar na aquisição de outra mercadoria. O vendedor utilizaria o cupom do consumi-</p><p>dor para trocar com impostos devidos ao governo federal. Se sua teoria fosse coloca-</p><p>da em prática, London garantiria que as fábricas não fossem parar de produzir, e as</p><p>rodas das indústrias manteriam em movimento o emprego e a renda da população.</p><p>206</p><p>aprimore-se</p><p>London chegou a propor, inclusive, um imposto (uma multa) sobre as pessoas que</p><p>continuassem a utilizar produtos legalmente fora do prazo de validade (SLADE, 2006,</p><p>p.77). Suas ideias não saíram do papel.</p><p>Já no bloco comunista na do Leste Europeu, a obsolescência programada não</p><p>poderia ser aplicada. Pelo contrário, as indústrias criaram máquinas que chegavam</p><p>a durar 25 anos. O sistema socialista da antiga União das Repúblicas Socialistas So-</p><p>viéticas (URSS) tinha uma outra concepção de produção. Não havia a figura do ca-</p><p>pitalista, e o Estado era dono do modo de produção. Com a falta de recursos, tanto</p><p>matérias-primas quanto tecnológicos, faziam com que a obsolescência não fosse</p><p>desejada, visto que causaria prejuízo para o Estado. Mas do outro lado, no Ocidente</p><p>ela era amada e desejada, muitas vezes até projetada. London (1932) não sabia,</p><p>mas sua ideia de que a vida das mercadorias deveria ser determinada pelos enge-</p><p>nheiros, projetistas, economistas, matemáticos, especialistas em suas áreas, seria</p><p>copiada a partir da década de 50.</p><p>Após a crise de 29, o mundo assiste uma recuperação econômica e social por</p><p>longos dez anos, mas esse período tem fim quando se inicia a Segunda Grande</p><p>Guerra Mundial (1939-1945). Já nos anos 50, resgata-se a obsolescência programa-</p><p>da quando começa a utilizar os meios de comunicação para seduzir o consumidor,</p><p>apresentando novos designs e produtos com novas funções. Desperta no consumi-</p><p>dor o desejo de ter o “novo”, o “moderno”, o produto da moda que a massa crítica ou</p><p>social está utilizando, é a obsolescência percebida, companheira da planejada, cujos</p><p>objetivos são um só: a intensificação do consumo.</p><p>Fonte: Conceição, Conceição e Araújo (2014, p. 91-93).</p><p>207</p><p>eu recomendo!</p><p>Modernidade Líquida</p><p>Autor: Zygmunt Bauman</p><p>Editora: Zahar</p><p>Sinopse: Bauman examina, a partir da Sociologia, cinco noções</p><p>básicas em torno das quais a narrativa da condição humana gira:</p><p>emancipação, individualidade, tempo/espaço, trabalho e comuni-</p><p>dade – conceitos que estão hoje vivos e mortos, ao mesmo tempo.</p><p>livro</p><p>Vida para consumo</p><p>Autor: Zygmunt Bauman</p><p>Editora: Zahar</p><p>Sinopse: Nesse livro, Bauman continua e aprofunda a análise dos</p><p>mecanismos pelos quais a sociedade atual, em sua fase de mo-</p><p>dernidade líquida, condiciona e projeta a vida dos sujeitos, focan-</p><p>do em suas particularidades como consumidores. Com o advento</p><p>da modernidade líquida, a sociedade de produtores é transformada em sociedade</p><p>de consumo. Nessa nova sociedade, os indivíduos são, simultaneamente, os pro-</p><p>motores do produto e o produto que promovem.</p><p>livro</p><p>Sociedade do cansaço</p><p>Autor: Byung-Chul Han</p><p>Editora: Vozes</p><p>Sinopse: A sociedade ocidental está sofrendo uma silenciosa mu-</p><p>dança de paradigma, um excesso de positividade que conduz a</p><p>uma sociedade do cansaço.s são, simultaneamente, os promoto-</p><p>res do produto e o produto que promovem.</p><p>livro</p><p>208</p><p>eu recomendo!</p><p>Minimalismo – Um documentário sobre as coisas importantes</p><p>Ano: 2016</p><p>Sinopse: Diante do excesso de consumismo que prevalece na</p><p>sociedade norte-americana, cresce um estilo de vida que se pro-</p><p>põe a conviver com o que é necessário: o movimento minimalis-</p><p>ta. Essa corrente social, que tem cada vez mais seguidores nos</p><p>Estados Unidos, agora conta com um documentário produzido</p><p>pela Netflix, que expõe suas ideias essenciais. Minimalismo expõe os benefícios</p><p>do “menos é mais” por meio de numerosos testemunhos de pessoas que se de-</p><p>claram contra o atual modelo de sociedade baseado no consumismo e decidiram</p><p>viver para priorizar pessoas a coisas</p><p>filme</p><p>Excelente texto que aborda a situação do nosso país, no qual notamos que a</p><p>maioria da população está envolta no consumo desenfreado. “Pesquisa mostra</p><p>que 76% não praticam consumo consciente no Brasil".</p><p>https://g1.globo.com/natureza/blog/amelia-gonzalez/post/2018/07/25/pesquisa-</p><p>-mostra-que-76-nao-praticam-consumo-consciente-no-brasil.ghtml</p><p>conecte-se</p><p>https://g1.globo.com/natureza/blog/amelia-gonzalez/post/2018/07/25/pesquisa-mostra-que-76-nao-praticam-consumo-consciente-no-brasil.ghtml</p><p>https://g1.globo.com/natureza/blog/amelia-gonzalez/post/2018/07/25/pesquisa-mostra-que-76-nao-praticam-consumo-consciente-no-brasil.ghtml</p><p>209</p><p>conclusão geral</p><p>conclusão geral</p><p>Caro(a) aluno(a), chegamos ao final deste livro com a percepção de que muito ainda</p><p>precisa ser desvendado sobre a relação do ser humano com a sociedade na qual</p><p>está inserido. Percebemos o quão complexo é o saber humano, tanto no que con-</p><p>cerne aos seus dilemas individuais – como angústia, isolamento, desejo por respon-</p><p>der às questões elementares da vida humana, entre outros – quanto da forma como</p><p>tem se organizado para viver socialmente da melhor forma possível.</p><p>A curiosidade do homem o levou a conhecer o seu ambiente natural e social.</p><p>Proporcionalmente ao crescimento do conhecimento, a ciência define seus campos</p><p>de estudo em disciplinas como Economia, Direito,</p><p>e impulso para consolidar-se.</p><p>Multiplicaram-se estudos sobre forças políticas, eleições e questões relacionadas</p><p>à distribuição de poder. É por isso</p><p>que é um dos países em que o maior</p><p>desenvolvimento da disciplina foi</p><p>registrado. Além disso, a presença</p><p>de circunstâncias internacionais,</p><p>favoreceram seu avanço, especial-</p><p>mente no período entre guerras e,</p><p>particularmente, após 1945, com</p><p>a culminação da Segunda Guerra</p><p>Mundial. O reconhecimento e a</p><p>precisão de seu campo de estudo e</p><p>conteúdo começaram a tornar-se</p><p>mais palpáveis após esses eventos.</p><p>Enquanto disciplina, a Ciência Política</p><p>continua em franco desenvolvimento</p><p>e atingiu um nível de maturidade que</p><p>lhe permitiu ter alto grau de autonomia.</p><p>Contudo, enfrenta alguns problemas no</p><p>que diz respeito aos seus métodos de</p><p>pesquisa. Enquanto cientistas políticos</p><p>norte-americanos concentram seus es-</p><p>tudos na elaboração de hipóteses e na</p><p>busca de teorias, os europeus, por sua</p><p>parte, tentam aproximar-se dos fatos e</p><p>obter resultados mais concretos.</p><p>Figura 12 - Soldados em ação – Segunda Guerra</p><p>Mundial / Fonte: Pixabay ([2019], on-line)¹.</p><p>Figura 13 - Capitólio dos Estados Unidos</p><p>U</p><p>N</p><p>ID</p><p>A</p><p>D</p><p>E</p><p>1</p><p>30</p><p>Agora, a disciplina está na busca de abordagens que permitam integrar ambas</p><p>as perspectivas e, assim, obter melhores resultados. Muitos dos métodos e abor-</p><p>dagens que ainda existem devem ser modernizados e adaptados às demandas</p><p>do presente, a fim de serem mais eficientes e obterem maior credibilidade nos</p><p>resultados que são lançados.</p><p>Em síntese, a Ciência Política se desenvolve e se aprimora como ciência e estuda</p><p>os aspectos das relações existentes no Estado, as suas instituições e a sua relação</p><p>com os seres humanos as quais fazem parte de sua composição. Seu objeto de es-</p><p>tudo principal é o Estado, entendido como a instituição que governa os indivíduos</p><p>e que compõem um grupo social em um território específico, sobre o qual é seu</p><p>dever legislar, extrair e distribuir recursos. Desse significado, surge o poder estatal,</p><p>que defende e mantém uma ideologia própria, conforme visto nas atuais disputas</p><p>políticas. Portanto, o objeto da Ciência Política, em suma e de forma abrangente,</p><p>seria o estudo do Estado e das relações de poder; estuda a teoria e a prática da</p><p>política, desde sua doutrina às manifestações individuais. Os sistemas de compor-</p><p>tamento da sociedade em relação à política, a influência disso na sociedade e as</p><p>interações entre atores políticos e indivíduos também são analisados por cientistas</p><p>políticos ou graduados em Ciência Política. Seu trabalho baseia-se na observação</p><p>e na compreensão correspondente de atos e manifestações políticas, para formular</p><p>princípios e regras comuns a essa disciplina e seu funcionamento. Para isso, inte-</p><p>rage com outras disciplinas, a maioria pertencente ao campo das Ciências Sociais.</p><p>Se você gostou dessa disciplina e pensa em atuar na área, aqui vão algumas</p><p>dicas com relação à sua atividade: o pensamento crítico é apresentado como a</p><p>habilidade fundamental que os profissionais devem ter, bem como uma capa-</p><p>cidade desenvolvida da observação e da percepção para entender os diferentes</p><p>fenômenos políticos enfrentados. Logo, suas funções podem ser exercidas no</p><p>campo diplomático e na própria política (assessoria de vereadores, deputados,</p><p>senadores), trabalhando em conjunto com governos e órgãos oficiais, mas tam-</p><p>bém em consultoria ou assessoria a diferentes empresas. Além disso, a carreira</p><p>acadêmica como cientista político conta, no Brasil, com várias universidades</p><p>conceituadas, com longo histórico de atividades.</p><p>É uma carreira vasta no que se refere aos campos de atuação, uma vez que</p><p>várias organizações internacionais estão constantemente à procura de pessoal</p><p>treinado para realizar tarefas de consultoria no exterior. Além disso, diplomatas</p><p>e investigadores políticos cumprem a maioria de suas funções em outros países.</p><p>U</p><p>N</p><p>IC</p><p>ES</p><p>U</p><p>M</p><p>A</p><p>R</p><p>31</p><p>4</p><p>ORIGENS DA</p><p>FILOSOFIA</p><p>As novas formas de comunicação, publicidade e marketing geraram, nos últimos</p><p>anos, novas oportunidades de emprego para graduados em Ciência Política. Assim,</p><p>aqueles que inicialmente se limitaram a ensinar ou trabalhar em agências governa-</p><p>mentais, atualmente trabalham como assessores discursivos de várias autoridades</p><p>ou associações políticas, e até mesmo, como assessores de imagem e campanha.</p><p>A Filosofia não é apenas uma área específica destinada apenas a pensadores</p><p>extraordinários e excêntricos, como normalmente pensamos. Podemos todos</p><p>filosofar quando, por exemplo, estamos imersos nas nossas tarefas cotidianas, e</p><p>fazemos perguntas a nós mesmos sobre a vida e sobre o universo.</p><p>Somos curiosos por natureza. Desejamos sempre encontrar o sentido do que</p><p>está à nossa volta e queremos que, de alguma forma, os questionamentos sejam</p><p>solucionados por meio do nosso raciocínio. É natural, portanto, querer saber sobre</p><p>o mundo que nos rodeia e qual o nosso papel no contexto que nos encontramos.</p><p>Ao mesmo tempo, temos uma capacidade intelectual tremenda que nos per-</p><p>mite, além de questionarmos, racionalizarmos possíveis respostas e, mesmo sem</p><p>perceber, quando praticamos essa dinâmica, praticamos também a Filosofia. Esta</p><p>consiste muito mais no processo de tentar encontrar respostas a perguntas</p><p>imprescindíveis, mediante a razão, sem aceitar as normas ou os conceitos tradi-</p><p>cionais pré-concebidos, do que no fato de encontrar as respostas.</p><p>U</p><p>N</p><p>ID</p><p>A</p><p>D</p><p>E</p><p>1</p><p>32</p><p>Não se pode pensar em nenhum homem que não seja também filósofo, que não pense,</p><p>precisamente porque o pensar é próprio do homem como tal.</p><p>(Antonio Gramsci).</p><p>pensando juntos</p><p>De acordo com o que discutimos, temos a impressão de que a Filosofia seria</p><p>utilizada, portanto, somente no campo das ideias, sem nenhuma relação com</p><p>aspectos práticos do nosso cotidiano, como se a função do filósofo fosse a de ape-</p><p>nas especular sobre questões teóricas longe da nossa realidade material. Muitos</p><p>afirmam nos nossos tempos: “Filosofia não serve para nada”, “Filosofia não gera</p><p>renda para o país”, “do que adianta pensar e nada fazer”. Continuariam a dizer,</p><p>ainda, que o melhor seria cultivar disciplinas e atividades que tenham impacto</p><p>real na sociedade em que vivemos e que esqueçamos toda ciência ou disciplina</p><p>como a Filosofia, a sociologia e a antropologia, que não geram riqueza para o</p><p>país e para a sociedade. É como se a Filosofia tivesse a capacidade de somente</p><p>atrapalhar a vida prática das pessoas, pois ela aponta questões que nos auxiliam.</p><p>Figura 14 - Pensar: inquietação e reflexão filosófica</p><p>Na verdade, a Filosofia nos alerta de que existem determinados aspectos da nossa</p><p>vida, que são muito importantes para a nossa existência e que precisam vir à tona</p><p>para pensarmos sobre eles. Por exemplo, a todo o momento, perguntamo-nos: “que</p><p>horas são?”. Parece uma pergunta simples, mas é um questionamento profundo que</p><p>não paramos para pensar que se trata de uma questão temporal. Na realidade, o</p><p>tempo é uma das questões mais antigas e cruciais do pensamento filosófico. Contu-</p><p>do, ficamos preocupados apenas com a nossa relação com o tempo, no aqui e agora,</p><p>como se as horas do nosso relógio fossem a única preocupação que poderíamos ter.</p><p>U</p><p>N</p><p>IC</p><p>ES</p><p>U</p><p>M</p><p>A</p><p>R</p><p>33</p><p>Muitos filósofos tentaram decifrar a</p><p>questão do espaço-tempo, no decorrer</p><p>dos séculos. Os primeiros filósofos acredi-</p><p>tavam que o tempo só se limitava na dire-</p><p>ção do passado. Já os pensadores da idade</p><p>média, contestaram essa ideia, afirmando</p><p>que existia um “finitismo temporal”, onde</p><p>o passado teria um tempo limitado.</p><p>Durante toda a história da Filosofia não tivemos uma resposta clara e inequívoca</p><p>acerca da pergunta sobre o tempo e lidamos com esse fato como se não houves-</p><p>se importância alguma. Pense comigo: se nos atentarmos e pensarmos sobre o</p><p>tempo e o papel que temos nele, daremos muito mais importância e sentido para</p><p>a forma de vida que levamos. Elencaremos prioridades e atitudes que nos farão</p><p>aproveitar todos os momentos da vida de forma mais intensa. Conflitos e atritos</p><p>que tínhamos</p><p>como importantes, deixam de ser, pois agora, pensando filosofica-</p><p>mente, compreendo que existem coisas mais relevantes e que preciso me atentar</p><p>a elas. Coisas pequenas ficam para trás.</p><p>Isso tudo nos mostra que agimos em nosso dia a dia, de forma instantânea e</p><p>que, se formos analisar a fundo, deixamos muitas questões importantes de lado.</p><p>Outra questão acerca dessa introspecção sobre a importância da Filosofia, é que</p><p>existem algumas questões que são intrínsecas aos seres humanos: qual o sentido</p><p>da vida? Onde me encaixo, como pessoa, dentro uma sociedade tão dinâmica e</p><p>consumista? Será possível sobreviver numa sociedade se não sei como agir nela? É</p><p>mais importante ter um conhecimento acerca do mundo ou de mim mesmo? Essas</p><p>perguntas nos mostram que, pensar filosoficamente demanda tempo para raciocinar</p><p>e, ao mesmo tempo, gera em nós sentido e propósito de vida quando encontrados.</p><p>Não encontrar respostas ou não entender algo gera em nós um sentimento de</p><p>insatisfação e, até mesmo, tristeza. Diante de uma dor muito intensa, por exemplo,</p><p>a primeira pergunta que nos vem à mente é: Por quê? Por que isso aconteceu comi-</p><p>go? Por que isso aconteceu neste exato momento da minha vida? E justamente, um</p><p>dos alívios para a dor do sofrimento, é conhecer a verdade, ou o porquê daquilo ter</p><p>acontecido. Ao nos encontrarmos com a verdade, há satisfação e contentamento, pois</p><p>localizamos a resposta necessária para enfrentar aquela dor. Quando conseguimos</p><p>explicar o motivo do nosso sofrimento a alguém, conseguimos nos sentir recon-</p><p>fortados, pois, de alguma forma, damos sentido e significado àquilo que passamos</p><p>Figura 15 - Que horas são?</p><p>U</p><p>N</p><p>ID</p><p>A</p><p>D</p><p>E</p><p>1</p><p>34</p><p>Figura 16 - O pensar e o questionar fazem parte de nós</p><p>É muito nítido que, para essa demanda tão humana do saber, são demandados</p><p>diferentes graus e níveis de conhecimento. Você pode sentir-se satisfeito com</p><p>pouco, mas também pode tentar saber o máximo que puder. Esse anseio é muito</p><p>necessário em nosso tempo, pois existem questões que são muito complexas, e</p><p>não conseguiremos administrá-las com abordagens parciais ou superficiais, visto</p><p>que os problemas não são resolvidos assim; pelo contrário, são agravados.</p><p>É impossível separar a teoria filosófica das questões práticas da vida. Note que</p><p>toda proposta ou pensamento filosófico advém de uma demanda que pretende</p><p>responder a alguns problemas morais e sociais de determinada cultura, de seres</p><p>humanos de alguma época e que se encontram cheios de incertezas e ansiedades.</p><p>Não surgem do acaso. Primeiro, manifestam-se as questões da vida e, por meio</p><p>delas, o nosso pensar filosófico é acionado para compreendermos essa demanda.</p><p>Constatamos então, que a Filosofia é um desafio que exigirá de nós um espíri-</p><p>to questionador e crítico acerca da nossa realidade. Ao mesmo tempo, incentiva-</p><p>-nos pela busca da verdade para que, assim, consigamos livrar-nos de amarras que</p><p>nos foram transmitidas, a fim de criarmos nosso próprio ponto de vista sobre o</p><p>assunto. Normalmente, é peculiar daqueles que possuem o espírito questionador</p><p>o desejo de ser autêntico, de escapar do engano, da farsa, da superficialidade e</p><p>também, de adquirir a capacidade de enfrentar desafios sem render-se facilmente.</p><p>Espero que essa pequena introdução da disciplina gere em você o mesmo desejo</p><p>de sempre buscar a verdade com ousadia, e que se sinta atraído pela aspiração do</p><p>conhecimento de forma crítica e racional.</p><p>U</p><p>N</p><p>IC</p><p>ES</p><p>U</p><p>M</p><p>A</p><p>R</p><p>35</p><p>Como surgiu a Filosofia?</p><p>É sempre salutar, quando começamos a estudar determinada ciência, que bus-</p><p>quemos o seu significado etimológico. A palavra “filosofia” vem de duas raízes</p><p>gregas: philos, que deriva de philia e significa amizade ou amante, e sophia, que</p><p>significa sabedoria e, por isso, usualmente traduzimos o termo por amor ao co-</p><p>nhecimento ou amizade pela sabedoria. Com isso, podemos dizer que Filosofia</p><p>significa o ato de respeitar, admirar, desejar a sabedoria ou o conhecimento.</p><p>Em latim, sabedoria se expressa com o termo sapientia, que vem do sapere, que</p><p>significa, em sentido amplo, conhecimento. Aquele que é sábio é o bom conhecedor,</p><p>aquele que julga corretamente, porque domina os assuntos que estudou. Em sentido</p><p>estrito, sapere se refere ao bom gosto, com paladar apurado. Portanto, quem exerce</p><p>conhecimento filosófico, geralmente tem “paladar” habituado à busca pela verdade.</p><p>O termo “sábio” também tem histórico na Filosofia. Conta a história que foi Pitá-</p><p>goras quem começou a usar a palavra “filósofo”, quando questionado sobre qual era</p><p>a sua atividade. Ele respondeu que não era um apreciador da arte, mas que era me-</p><p>ramente um filósofo; para tornar-se melhor compreendido, ele fez uma comparação</p><p>com as Festas Olímpicas, dizendo que alguns vieram para competir, outros para fazer</p><p>negócios e outros apenas pelo prazer de ver o espetáculo – estes seriam os filósofos.</p><p>Considera-se que a Filosofia tenha nascido na Grécia, especificamente, nas</p><p>colônias jônicas da Ásia Menor, no século VI a.C., a partir do momento em</p><p>que os pensadores começam a questionar os motivos pelos quais os problemas</p><p>que a natureza apresentava acontecerem por meio de reflexões racionais. Esse</p><p>processo, de explicar racionalmente a origem do mundo, assim como a sua</p><p>ordem, é chamado de cosmologia.</p><p>Figura 17 - Vista da Acrópole ao pôr do sol, Atenas, Grécia</p><p>U</p><p>N</p><p>ID</p><p>A</p><p>D</p><p>E</p><p>1</p><p>36</p><p>Baseados na nossa tradição ocidental, sabemos que os gregos foram os primeiros</p><p>que desejaram abandonar as explicações tradicionais e conservadoras dos fenô-</p><p>menos que ocorriam à sua volta, apoiadas nos mitos e divindades, para dar lugar</p><p>às explicações da natureza, do ser humano e da realidade que viviam, por meio</p><p>do uso exclusivo da razão. Podemos perceber que a capacidade de questionar</p><p>racionalmente tudo que nos rodeia deu origem ao pensamento filosófico.</p><p>De acordo com Marilena Chauí, os historiadores costumam dividir a história</p><p>da sociedade grega em quatro períodos ou fases:</p><p>“ 1. a da Grécia homérica, correspondente aos 400 anos narrados pelo</p><p>poeta Homero, em seus dois grandes poemas, Ilíada e Odisséia;</p><p>2. a da Grécia arcaica ou dos sete sábios, do século VII ao século V</p><p>antes de Cristo, quando os gregos criam cidades como Atenas, Es-</p><p>parta, Tebas, Megara, Samos, etc., e predomina a economia urbana,</p><p>baseada no artesanato e no comércio;</p><p>3. a da Grécia clássica, nos séculos V e IV antes de Cristo, quando a</p><p>democracia se desenvolve, a vida intelectual e artística entra no apo-</p><p>geu e Atenas domina a Grécia com seu império comercial e militar;</p><p>4. e, finalmente, a época helenística, a partir do final do século IV</p><p>antes de Cristo, quando a Grécia passa para o poderio do império</p><p>de Alexandre da Macedônia, e, depois, para as mãos do Império</p><p>Romano, terminando a história de sua existência independente</p><p>(CHAUÍ, 2005, p. 39).</p><p>O período do surgimento da Filosofia teria acontecido na Grécia Antiga, alcan-</p><p>çando o seu apogeu na Grécia Clássica, e foi durante o período helenístico que</p><p>se expandiu para as mais diversas regiões fora da Grécia. Em cada momento da</p><p>história, a Filosofia adquiriu determinadas características, conforme o contexto</p><p>em que estava inserida. Questões e problemáticas surgiram e, assim, o pensamen-</p><p>to filosófico passou a proporcionar amplo diálogo com a cultura e a sociedade,</p><p>sugerindo apontamentos, respostas e diferentes perguntas para aquele momento.</p><p>Os saberes, os questionamentos e as respostas desenvolvidas em determina-</p><p>da época servem para que os futuros filósofos tenham um campo de partida e</p><p>prossigam, seja para dar novo significado, seja para criticar algum assunto. Na</p><p>próxima unidade iremos aprofundar-nos em cada um desses períodos com os</p><p>seus respectivos pensadores. De forma sintetizada, na tabela a seguir seguem as</p><p>principais fases da Filosofia na história:</p><p>U</p><p>N</p><p>IC</p><p>ES</p><p>U</p><p>M</p><p>A</p><p>R</p><p>37</p><p>Filosofia Antiga (do séc. VI a.C. ao séc. VI d.C.)</p><p>• Período socrático (final do séc. V e todo o séc. IV a.C.)</p><p>• Período sistemático (final do séc. IV ao final do séc. III a.C.)</p><p>• Período helenístico</p><p>(final do séc. III a.C. ao séc. VI d.C.)</p><p>Filosofia Patrística (do séc. I ao séc. VII d.C.)</p><p>Filosofia Medieval (do séc. VII d.C. ao séc. XIV d.C.)</p><p>Filosofia da Renascença (do século XIV d.C ao século XVI d.C.)</p><p>Filosofia Moderna (do séc. XVII d.C. a meados do séc. XVIII d.C.)</p><p>Filosofia da Ilustração ou Iluminismo (meados do séc. XVIII ao começo do séc. XIX)</p><p>Quadro 4 - Fases da Filosofia / Fonte: o autor.</p><p>O que é História? Para que serve? Os primeiros historiadores gregos, como He-</p><p>ródoto, afirmavam que nós, como seres humanos, diferenciamo-nos das demais</p><p>espécies pela curiosidade em saber o que aconteceu antes de nós. Mota (2005)</p><p>aponta que, para o escritor e lexicógrafo brasileiro Aurélio Buarque de Holanda,</p><p>História é a “narração metódica dos fatos notáveis ocorridos na vida dos povos,</p><p>em particular, e na vida da humanidade, em geral”. Para Sérgio Buarque de Holan-</p><p>da, historiador e sociólogo, “[...] a história é o estudo do que os homens do passa-</p><p>do fizeram, da maneira pela qual viviam, das ideias que tinham” (MOTA, 2005).</p><p>A etimologia da palavra “história” é de origem grega e significa investigação,</p><p>testemunha ou, ainda, procurar por algo. Poderíamos dizer que História é o con-</p><p>5</p><p>ORIGENS DA</p><p>HISTÓRIA</p><p>U</p><p>N</p><p>ID</p><p>A</p><p>D</p><p>E</p><p>1</p><p>38</p><p>junto de eventos realizados pelo homem no passado. Não é apenas o conjunto de</p><p>acontecimentos do passado, porque isso incluiria tudo o que aconteceu no planeta</p><p>desde a sua origem. A História, portanto, tem como protagonista o ser humano. A</p><p>professora Selma Fonseca, tem uma definição bastante didática para o nosso estudo:</p><p>“ A história busca compreender as diversas maneiras como homens</p><p>e mulheres viveram e pensaram suas vidas e a de suas sociedades,</p><p>através do tempo e do espaço. Ela permite que as experiências sociais</p><p>sejam vistas como um constante processo de transformação; um</p><p>processo que assume formas muito diferenciadas e que é produto</p><p>das ações dos próprios homens. O estudo da história é fundamental</p><p>para perceber o movimento e a diversidade, possibilitando compa-</p><p>rações entre grupos e sociedades nos diversos tempos e espaços. Por</p><p>isso, a história ensina a ter respeito pela diferença, contribuindo para</p><p>o entendimento do mundo em que vivemos e também do mundo</p><p>em que gostaríamos de viver (FONSECA, 2003, p. 40).</p><p>Vários historiadores refletiram, desde o início, a respeito de uma definição sobre</p><p>si mesma. No entanto, a partir do século XIX, aumentou consideravelmente o</p><p>debate sobre como fazer ou desenvolver os caminhos da História e quais são as</p><p>maneiras de transformá-la em uma ciência como as demais.</p><p>A História é também a ciência que estuda os fatos do passado e dialoga in-</p><p>tensamente com os mesmos métodos de análise científica das Ciências Sociais</p><p>(Sociologia, Antropologia e Ciência Política). Não é uma ciência exata, como</p><p>Matemática, Física, ou Química, porque, devido ao seu objeto de estudo, as inter-</p><p>pretações dos historiadores sobre determinado acontecimento dependem, entre</p><p>outros aspectos, da subjetividade de análise de cada um deles. Além disso, nem</p><p>todas as hipóteses podem, de fato, acontecer. Nesse sentido, o intuito da História</p><p>é encontrar uma explicação objetiva e uma lógica possível a partir dos dados</p><p>conhecidos sobre o passado ou um evento concreto deste.</p><p>Em determinadas épocas, existiram diferentes métodos para estudar essa área.</p><p>Desde os primeiros historiadores gregos e romanos, os quais dedicavam-se a des-</p><p>crever tudo o que observavam, ouviam ou liam sobre um lugar ou uma cidade em</p><p>particular, todos tiveram o seu próprio método para analisar os acontecimentos.</p><p>U</p><p>N</p><p>IC</p><p>ES</p><p>U</p><p>M</p><p>A</p><p>R</p><p>39</p><p>O Iluminismo caracterizou-se como um movimento filosófico, político e cultural desen-</p><p>volvido na Europa durante o século XVIII, que defendia, acima de tudo, o uso da razão, o</p><p>conhecimento e a educação como base do progresso social. Propunha uma reorganiza-</p><p>ção profunda da sociedade baseada em princípios racionais.</p><p>Fonte: o autor.</p><p>explorando Ideias</p><p>O conjunto de técnicas e métodos para fazer História é chamado de histo-</p><p>riografia. Homens e mulheres de cada época elaboraram sua própria visão desse</p><p>campo de estudos. A historiografia tem como objetivo refletir sobre a própria</p><p>história da disciplina; não estuda apenas sobre os fatos do passado, mas busca</p><p>compreender a maneira como foram interpretados.</p><p>Como surgiu a História?</p><p>Anteriormente ao século XIX, a História tinha caráter moralizante e exemplificador,</p><p>com a intenção clara de perpetuar na memória as notórias personagens e os gran-</p><p>des eventos. Durante séculos, pensou-se que o que deveriam ser lembrados eram</p><p>os feitos e as ações dos Estados e das civilizações mais importantes, a vida e a obra</p><p>dos reis e governantes, as guerras e os tratados, as instituições e as lutas pelo poder.</p><p>A História se escrevia por meio da coletânea de bons relatos e passou a acreditar</p><p>que o seu nascimento fora possível por meio de grandes personagens. O relato e a</p><p>história literária criaram uma História que não tinha, portanto, rigor intelectual. Tal</p><p>concepção experimentou uma mudança notável a partir do período do Iluminismo.</p><p>No início do século XIX, a História teve muita aceitação como disciplina, por</p><p>assim dizer. Ao mesmo tempo, novos métodos permitiram iniciar as investigações</p><p>de forma mais profunda: arqueologia, filologia e egiptologia, além do surgimento</p><p>das primeiras campanhas de escavação. Nessa mesma época, começaram a apa-</p><p>recer as primeiras compilações de fontes históricas e as primeiras grandes obras.</p><p>U</p><p>N</p><p>ID</p><p>A</p><p>D</p><p>E</p><p>1</p><p>40</p><p>Um povo que não conhece a sua história está condenado a repeti-la.</p><p>(Edmund Burke)</p><p>pensando juntos</p><p>Contudo, no âmbito da organização das universidades, a História adquiriu signi-</p><p>ficado diferente, sendo chamada de Ciência Histórica. Isso representou a separa-</p><p>ção definitiva entre o discurso científico daquele meramente literário.</p><p>Você ainda deve perguntar-se: para que estudar História? Essa disciplina,</p><p>enquanto relato dos acontecimentos do passado, é algo que todos devemos co-</p><p>nhecer. Seria muito difícil entender quem somos como indivíduos sem saber-</p><p>mos quem são e o que fizeram nossos pais, mães, avôs e avós. Da mesma forma,</p><p>como coletividade, conhecer nosso passado nos ajuda a entender melhor o nosso</p><p>presente. Somente se compreendermos adequadamente o que acontece agora,</p><p>poderemos projetar algo melhor para o nosso futuro.</p><p>A História prepara os jovens para o mundo em que vivem. É bem verdade que,</p><p>para entrar no mundo do trabalho, os alunos não precisarão demonstrar conhe-</p><p>cimento histórico. Contudo se não o tiverem, não terão visão crítica da sociedade</p><p>em que vivem. Apesar disso, essa disciplina fornece a você, aluno(a), os elementos</p><p>necessários para entender o presente, uma vez que busca compreender tudo o</p><p>que é humano como um todo e, tal qual a ciência social, é a mais próxima da vida</p><p>cotidiana, por isso, pode explicar as engrenagens da sociedade. Essa área tem</p><p>função claramente pedagógica, requer aprendizado ativo e crítico e serve para</p><p>adquirir hábitos e técnicas de estudo e trabalho. Cito a seguir alguns elementos</p><p>que possibilitam melhor compreensão histórica:</p><p>Figura 18 - Hieróglifo egípcio</p><p>U</p><p>N</p><p>IC</p><p>ES</p><p>U</p><p>M</p><p>A</p><p>R</p><p>41</p><p>Assim como as demais disciplinas que vimos até o momento, a História também</p><p>mantém vínculo estreito com várias outras ciências, por exemplo, quando os his-</p><p>toriadores precisam pesquisar, localizar ou coletar informações, sendo necessária</p><p>uma colaboração – é o caso da Pré-História. Como não há fontes escritas, todas</p><p>as informações são fornecidas por outras fontes, como: a Arqueologia, que presta</p><p>toda a informação obtida em um campo; a Paleontologia, a qual fornece dados</p><p>sobre os restos e, a fauna e a flora associados a esse local, as quais ajudam a</p><p>datar ou a conhecer a dieta desses</p><p>habitantes; a Antropologia auxilia</p><p>com estudos comparativos e, gra-</p><p>ças a eles, podemos compreender</p><p>a organização social; a Geografia,</p><p>a Sociologia, a Filosofia ou a Car-</p><p>tografia: outras ciências que ajuda-</p><p>rão o historiador</p><p>em sua intenção</p><p>de ser o mais objetivo possível ao</p><p>explicar os fatos do passado.</p><p>Figura 20 - Livros antigos e manuscritos</p><p>são fontes imprescindíveis</p><p>U</p><p>N</p><p>ID</p><p>A</p><p>D</p><p>E</p><p>1</p><p>42</p><p>Embora as diferentes civilizações que existiram na história do mundo (maias ou</p><p>incas, egípcios ou assírios, gregos ou romanos, chineses ou indianos) tenham con-</p><p>tado o tempo de maneira diferente, os historiadores, como cientistas, não tiveram</p><p>escolha, senão concordar em dividi-la de maneira mais ou menos consensual e</p><p>universal em períodos históricos. Observe no quadro a seguir.</p><p>Período Datação</p><p>Pré-História</p><p>De: a origem do homem (4 milhões de anos).</p><p>Até: o aparecimento da escrita (4.000 a.C.).</p><p>Idade Antiga</p><p>De: o aparecimento da escrita (5.000/4.000 a.C.)</p><p>Até: a queda do Império Romano do Ocidente (476 d.C.).</p><p>Idade Média</p><p>De: a queda do Império Romano do Ocidente (476 d.C.).</p><p>Até: a queda do Império Romano do Oriente (1453).</p><p>Idade Moderna</p><p>De: a queda do Império Romano do Oriente (1453).</p><p>Até: a Revolução Francesa (1789).</p><p>Idade</p><p>Contemporânea</p><p>De: a Revolução Francesa (1789).</p><p>Até a atualidade.</p><p>Quadro 5 - Períodos Históricos / Fonte: o autor.</p><p>Os historiadores chegaram a um consenso para medir o tempo histórico. Cada</p><p>período tem características em comum com outros – certo tipo de organização</p><p>social, política, econômica e determinado estilo de produção artística e cultural.</p><p>Quando um desses aspectos muda significativamente, falamos de uma época ou</p><p>de um período histórico diferente.</p><p>Apesar de essa divisão ser bastante difundida, não significa que não apre-</p><p>sente problemas e críticas. Alguns dos mais importantes são: a) na Pré-História,</p><p>falta-nos a informação de longos períodos históricos nos quais não sabemos</p><p>exatamente como a humanidade evoluiu; b) essa divisão da história se baseia, em</p><p>muito, na evolução da civilização europeia; c) as datas que separam uma idade</p><p>da outra não podem levar em conta que os processos históricos não terminam</p><p>ou começam de maneira abrupta. Portanto, há elementos de um período que</p><p>sobrevivem e passam para o próximo, e características do novo período que co-</p><p>meçam a aparecer no anterior.</p><p>U</p><p>N</p><p>IC</p><p>ES</p><p>U</p><p>M</p><p>A</p><p>R</p><p>43</p><p>CONSIDERAÇÕES FINAIS</p><p>Caro(a) aluno(a), chegamos ao final desta primeira unidade depois de eviden-</p><p>ciarmos a importância de cada uma das cinco disciplinas que nos propomos a</p><p>estudar. Vimos que a Sociologia, a Antropologia, a Ciência Política, a Filosofia e</p><p>a História dialogam entre si em diversos momentos, demonstrando que não há,</p><p>em cada uma delas, autonomia por completo. Ao contrário, verificamos que há</p><p>entrelaçamento de conhecimentos que são, a todo momento, compartilhados.</p><p>Com o surgimento da Sociologia, analisamos o quão importante é perce-</p><p>bermos a nossa realidade enquanto seres humanos que necessitam de vínculos</p><p>com outros, para que a sociedade desenvolva a sua dinâmica. A interação entre</p><p>os seres humanos e a relação com a sociedade e as suas instituições fazem parte</p><p>do objeto de estudo do sociólogo.</p><p>Na Antropologia, a cultura é analisada na sua completude e, mesmo assim,</p><p>a cada momento, vemos que novos caminhos se abrem, devido à interação</p><p>constante do ser humano com o meio em que se encontra. Como ciência, foi</p><p>utilizada de forma a justificar a superioridade europeia para sentir-se no direito</p><p>de colonizar determinados territórios.</p><p>Com a Ciência Política, vimos que devemos ficar atentos ao discurso de</p><p>que a política é uma área específica de certos atores da sociedade. Desde a sua</p><p>origem, na Grécia Antiga, o termo sempre teve como premissa a participação</p><p>das pessoas na vida comunitária.</p><p>De acordo com o estudo apresentado na Filosofia, percebemos que o pen-</p><p>samento de muitas pessoas que acreditam que essa disciplina não serve para</p><p>nada deve ser analisado com mais cuidado. O pensar sobre a nossa existência,</p><p>por exemplo, é vital para compreendermos muitos dilemas pessoais que nos</p><p>dão sentido e razão para vivermos com dignidade.</p><p>Na História, lidamos com o fato de que precisamos atentar-nos ao nosso</p><p>passado, conhecê-lo e interpretá-lo, para dar significado ao nosso presente e</p><p>elaborar hipóteses para o nosso futuro.</p><p>44</p><p>na prática</p><p>1. Leia o trecho a seguir, extraído de O que é Sociologia, de Carlos Benedito Martins, e</p><p>discorra sucintamente sobre o conceito de Sociologia.</p><p>Podemos entender a sociologia como uma das manifestações do pensamento</p><p>moderno. A evolução do pensamento científico, que vinha se constituindo desde</p><p>Copérnico, passa a cobrir, com a sociologia, uma nova área do conhecimento</p><p>ainda não incorporada ao saber científico, ou seja, o mundo social. Surge pos-</p><p>teriormente à constituição das ciências naturais e de diversas ciências sociais. A</p><p>sua formação constitui um acontecimento complexo para o qual concorrem uma</p><p>constelação de circunstâncias, históricas e intelectuais, e determinadas inten-</p><p>ções práticas. O seu surgimento ocorre num contexto histórico específico, que</p><p>coincide com os derradeiros momentos da desagregação da sociedade feudal e</p><p>da consolidação da civilização capitalista. A sua criação não é obra de um único</p><p>filósofo ou cientista, mas representa o resultado da elaboração de um conjunto</p><p>de pensadores que se empenharam em compreender as novas situações de</p><p>existência que estavam em curso.</p><p>2. Tanto o etnocentrismo quanto o relativismo cultural são posições e atitudes que</p><p>afetam a construção social da imagem do outro. Ambos constituem visões sobre</p><p>a alteridade, muito comum na história da humanidade, da qual o conhecimento</p><p>científico não está separado. O etnocentrismo é uma visão que, ao julgar os modos</p><p>de vida e o pensamento de outras pessoas, usa a perspectiva do observador como</p><p>um padrão do que é apropriado, avançado ou civilizado. Tendo em vista o conteúdo</p><p>que estudamos nesta unidade, explique em qual fase da história a Antropologia foi</p><p>utilizada para justificar a exploração de um povo pelo outro.</p><p>3. A ciência política se originou da filosofia política, um ramo da Filosofia especializado</p><p>em relacionamentos entre indivíduos e sociedade. Contudo, hoje, é independente</p><p>de sua antecessora e considerada uma ciência relativamente recente, cujo verda-</p><p>deiro desenvolvimento ocorreu no século XX, após a Segunda Guerra Mundial. Seu</p><p>papel é lidar com as relações de obediência e dominação que ocorrem dentro da</p><p>organização política, a fim de construir um método objetivo para entender a origem</p><p>e o funcionamento social dessas estruturas. De acordo com o que estudamos nesta</p><p>unidade, discorra sobre o objeto de estudo da ciência política.</p><p>45</p><p>na prática</p><p>4. No sexto século antes de Cristo, circunstâncias sociais e culturais trouxeram os</p><p>primeiros filósofos da Grécia Antiga. Esses pensadores buscavam um princípio fun-</p><p>damental que explicava o universo, racionalizando a concepção religiosa que antes</p><p>estava implícita em mitos e textos sagrados. A partir disso, desenvolva um texto</p><p>dissertativo sobre o que é necessário para realizar a reflexão filosófica.</p><p>5. A História é uma ciência social cujo campo de estudos é o passado dos seres huma-</p><p>nos, mas nem todo passado é conhecido e estudado. Os historiadores seleciona-</p><p>ram fatos que, por várias razões, são considerados importantes e dignos de serem</p><p>conhecidos como fatos históricos. Os pesquisadores organizaram e sistematizaram</p><p>esse conhecimento cronologicamente, para ordená-los. Tal conhecimento é o que</p><p>é estudado no atual decorrer da história universal. Assim, escreva um texto disser-</p><p>tativo, no qual você deve evidenciar a importância do estudo da História.</p><p>46</p><p>aprimore-se</p><p>Inútil? Útil? O primeiro ensinamento filosófico é perguntar: O que é o útil? Para que</p><p>e para quem algo é útil? O que é o inútil? Por que e para quem algo é inútil? O senso</p><p>comum de nossa sociedade considera útil o que dá prestígio, poder, fama e riqueza.</p><p>Julga o útil pelos resultados visíveis das coisas e das ações, identificando utilidade</p><p>e a famosa expressão “levar vantagem em tudo”. Desse ponto de vista, a Filosofia é</p><p>inteiramente inútil e defende o direito de ser</p>