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<p>CAP Í T U LO 5 3</p><p>Fígado</p><p>Vikas Dudeja</p><p>Yuman Fong</p><p>SUMÁRIO</p><p>Perspectivas Históricas</p><p>Anatomia e Fisiologia</p><p>Hipertensão Portal</p><p>Doenças Infecciosas</p><p>Neoplasias</p><p>Hemobilia</p><p>Hepatite Viral e o Cirurgião</p><p>Perspectivas históricas</p><p>A anatomia da superfície do fígado foi descrita há 2.000 anos a. C. pelos antigos babilônios. Até mesmo Hipócrates</p><p>entendeu e descreveu a gravidade da lesão hepática. Em 1654, Francis Glisson foi o primeiro médico a descrever a anatomia</p><p>essencial dos vasos sanguíneos do fígado com precisão. As primeiras cirurgias neste órgão são descritas como ressecções</p><p>rudimentares do fígado eviscerado a partir de um trauma penetrante. O primeiro caso documentado de hepatectomia</p><p>parcial é atribuído a Berta, em 1716, que ressecou uma parte do fígado de um paciente que se apunhalou.</p><p>No final do século XIX, as primeiras gastrectomias e colecistectomias foram realizadas na Europa. Naquela época, a</p><p>cirurgia no fígado era considerada perigosa e até mesmo impossível. Em 1897, Elliot, em sua descrição sobre a cirurgia</p><p>hepática por trauma, disse que o fígado era “tão friável, tão repleto de vasos, que se tornava impossível de ser suturado e</p><p>que parecia inviável suturar grandes feridas hepáticas”. Os cirurgiões europeus iniciaram a experimentação de técnicas de</p><p>operação eletiva do fígado em animais no final do século XIX. O crédito da primeira ressecção eletiva do fígado é uma</p><p>questão controversa e muitos cirurgiões têm sido referenciados, mas certamente ocorreu durante esse período.</p><p>O início do século XX testemunhou pequenos, porém significativos, avanços com relação à operação do fígado. As</p><p>técnicas para sutura de grandes vasos hepáticos e o cautério para pequenos vasos foram utilizados e publicados. O avanço</p><p>mais significativo da época provavelmente foi o de J. Hogarth Pringle, que, em 1908, descreveu a compressão digital dos</p><p>vasos hilares para controlar o sangramento hepático decorrente de lesões traumáticas. A era moderna da cirurgia hepática</p><p>iniciou com o melhor conhecimento da anatomia do fígado e da sua ressecção anatômica. A primeira ressecção anatômica</p><p>do fígado foi atribuída a Lortat‑Jacob, que realizou uma hepatectomia “direita” em 1952 na França. Pack, de Nova York, e</p><p>Qua�elbaum, da Geórgia, realizaram uma operação similar no ano seguinte, e era improvável que tivessem algum</p><p>conhecimento sobre o relato de Lortat‑Jacob. Descrições da anatomia segmentar do fígado feitas por Couinaud, Woodsmith</p><p>e Goldburne em 1957 contribuíram de forma inequívoca para a evolução da moderna cirurgia hepática.</p><p>Apesar desses avanços, nas décadas de 1950 a 1980 a cirurgia hepática era marcada por altas taxas de morbimortalidade</p><p>operatória. Índices de mortalidade superiores a 20% eram comuns e geralmente estavam relacionados com hemorragia</p><p>maciça. Muitos cirurgiões relutaram em realizar a cirurgia hepática em decorrência destes resultados, e é compreensível que</p><p>muitos médicos tenham se sentido inseguros em encaminhar os pacientes para uma hepatectomia. Com o apoio dos</p><p>pacientes e suas famílias, bem como pela persistência dos cirurgiões, a cirurgia hepática passou a ser realizada. Não é</p><p>possível listar aqui todos eles, mas cirurgiões como Blumgart, Bismuth, Longmire, Fortner, Schwar蘡, Starzl e Ton merecem</p><p>ser referenciados.</p><p>Os avanços na anestesia, nos cuidados intensivos, na antibioticoterapia e nas técnicas radiológicas intervencionistas</p><p>também contribuíram para a segurança da cirurgia hepática. Atualmente, a hepatectomia total com transplante de fígado,</p><p>bem como a hepatectomia parcial de doadores vivos, já se tornou rotina em centros transplantadores. As hepatectomias</p><p>parciais para as mais diversas indicações são realizadas em centros especializados em todo o mundo, com índices de</p><p>mortalidade de 5% ou menos. A hepatectomia parcial em fígados normais é atualmente realizada com taxas de mortalidade</p><p>de 1% a 2%.</p><p>A cirurgia hepática aberta é realizada com segurança e a sua livre utilização no tratamento de uma ampla variedade de</p><p>doenças é agora uma realidade. Além disso, as abordagens minimamente invasivas para a cirurgia hepática foram</p><p>desenvolvidas e agora estão sendo realizadas em números cada vez mais significativos. A curva de aprendizado permanece</p><p>íngreme, entretanto, e as indicações para esta técnica ainda estão sendo cuidadosamente definidas. O uso de robótica na</p><p>cirurgia hepática pode ajudar na abordagem dos problemas com a curva de aprendizagem da laparoscopia. A inclusão da</p><p>robótica oferece sutura e articulação avançadas que se aproximam da cirurgia aberta, o que permite que uma maior</p><p>proporção de casos seja realizada de forma minimamente invasiva na totalidade.1 O papel da robótica na cirurgia hepática</p><p>está evoluindo rápido. As técnicas de termoablação para tratar tumores hepáticos, incluindo a ablação por radiofrequência e</p><p>micro‑ondas, cresceram exponencialmente em popularidade. Por fim, as técnicas para aprimorar a segurança da ressecção</p><p>hepática adicional, como a embolização da veia porta para induzir a hipertrofia pré‑operatória do futuro fígado</p><p>remanescente (FFR), foram desenvolvidas e agora estão sendo amplamente utilizadas.</p><p>Anatomia e fisiologia</p><p>Anatomia</p><p>Anatomia Macroscópica</p><p>O conhecimento acurado da anatomia do fígado é um requisito imprescindível para a realização de cirurgias no fígado ou</p><p>na árvore biliar. Durante as últimas décadas tem‑se prestado mais atenção na anatomia hepática complexa, além de se</p><p>estarem observando os mínimos detalhes da superfície do fígado. As contribuições anatômicas de Couinaud (ver adiante),</p><p>com a descrição segmentar do fígado, deveriam ser adotadas e estudadas pelos que desejam aprender a cirurgia hepática.</p><p>Descrição geral e topografia</p><p>O fígado é um órgão sólido cuja massa corporal (1.200 a 1.600 g) ocupa quase inteiramente o quadrante superior direito do</p><p>abdome. A margem costal coincide com a borda inferior do fígado e sua superfície superior é coberta pelo diafragma.</p><p>Grande parte do fígado direito e a maior parte do fígado esquerdo estão envolvidas pela caixa torácica. Na superfície</p><p>posterior, situa‑se a veia cava inferior (VCI). Uma parte do fígado se estende para o lado esquerdo do abdome. O fígado é</p><p>revestido pelo peritônio, exceto no leito da vesícula biliar, na porta hepatis e na face posterior do fígado de cada lado da VCI,</p><p>em duas áreas em forma de cunha. A região do fígado à direita da VCI é chamada de área desnuda do fígado. As</p><p>duplicações peritoneais sobre a superfície do fígado são denominadas ligamentos. As duplicações peritoneais</p><p>diafragmáticas constituem o ligamento coronariano, cujas bordas laterais em cada lado formam os ligamentos triangulares</p><p>direito e esquerdo. Do centro do ligamento coronariano emerge o ligamento falciforme, que se estende anteriormente como</p><p>uma fina membrana que liga a superfície do fígado ao diafragma, à parede abdominal e ao umbigo.</p><p>O ligamento redondo (veia umbilical obliterada) corre pela borda inferior do ligamento falciforme do umbigo até a</p><p>cicatriz umbilical, a qual situa‑se na superfície inferior da porção esquerda do fígado e contém o pedículo portal esquerdo.</p><p>Nas primeiras descrições da anatomia hepática, o ligamento falciforme – o marcador de superfície mais evidente do fígado,</p><p>foi usado como o divisor dos lobos direito e esquerdos do fígado, no entanto esta descrição é incorreta e de pouca utilidade</p><p>para o cirurgião hepatobiliar (ver adiante mais detalhes da anatomia segmentar). Sobre a superfície posterior da porção</p><p>esquerda do fígado, partindo do ramo esquerdo da veia porta no hilo hepático em direção à veia hepática esquerda e à VCI,</p><p>está o ligamento venoso (seio venoso obliterado), que também corre em um sulco (Fig. 53‑1). Os sangues venoso portal e</p><p>arterial hepático</p><p>110 dias após a administração de heme radioativa marcada, sendo consistente com o</p><p>tempo de vida dos glóbulos vermelhos. Inicialmente, a heme é desdobrada em biliverdina, de cor esverdeada, pela heme</p><p>oxigenase e, depois, transformada em bilirrubina, de cor alaranjada, pela biliverdina redutase.</p><p>A bilirrubina circulante está ligada à albumina que protege muitos órgãos dos efeitos potencialmente tóxicos deste</p><p>composto. O complexo bilirrubina‑albumina penetra no sangue sinusoidal hepático, onde entra no espaço de Disse por</p><p>grandes fenestrações sinusoidais. A bilirrubina é dissociada neste espaço. A bilirrubina livre é então confinada no</p><p>hepatócito, onde é conjugada a ácido glicurônico. Depois, a bilirrubina conjugada é secretada de uma forma dependente de</p><p>energia na bile canalicular, vencendo um elevado gradiente de concentração. Em seguida a bilirrubina é secretada com a</p><p>bile no trato gastrointestinal. No trato gastrointestinal, a bilirrubina é desconjugada pelas bactérias intestinais para um</p><p>grupo de compostos conhecido como urobilinogênios. Mais tarde, estes urobilinogênios são oxidados e reabsorvidos na</p><p>circulação entero‑hepática e secretados na bile. Um pequeno percentual do urobilinogênio reabsorvido é excretado na urina.</p><p>Este urobilinogênio oxidado é responsável por compostos coloridos que contribuem para a cor amarela da urina e marrom</p><p>das fezes.</p><p>Há muito tempo que a bilirrubina tem sido considerada um composto tóxico e é o agente responsável pela encefalopatia</p><p>neonatal e pelo dano coclear secundário a grave hiperbilirrubinemia (kernicterus) não conjugada. A ligação da bilirrubina à</p><p>albumina protege os tecidos da exposição à bilirrubina, no entanto os locais de ligação podem ser saturados pela grande</p><p>quantidade de bilirrubina ou modificados por agentes de ligação (p. ex., vários fármacos). O mecanismo da toxicidade da</p><p>bilirrubina parece estar relacionado com seus efeitos. A bilirrubina livre pode desfazer a fosforilação oxidativa e inibir a</p><p>ATPase, o metabolismo da glicose e um amplo espectro de atividade da proteína cinase.</p><p>As derivações portossistêmicas que ocorrem na cirrose e na hipertensão portal diminuem a depuração hepática inicial da</p><p>bilirrubina, resultando em um pequeno aumento da hiperbilirrubinemia não conjugada. Vários distúrbios podem resultar</p><p>em uma hiperbilirrubinemia sérica não conjugada, incluindo hiperbilirrubinemia neonatal, uma elevação da bilirrubina</p><p>decorrente de síndromes hemolíticas e deficiências enzimáticas, como as síndromes hereditárias de Crigler‑Najjar e Gilbert.</p><p>Os distúrbios da hiperbilirrubinemia sérica não conjugada incluem as colestases e as síndromes de Rotor e Dubin‑Johnson.</p><p>Metabolismo dos Carboidratos</p><p>O fígado é o centro do metabolismo dos carboidratos porque é o maior regulador do armazenamento e da distribuição de</p><p>glicose para os tecidos periféricos e, em particular, para os tecidos dependentes de glicose, como o cérebro e os eritrócitos.</p><p>Tanto o fígado quanto os músculos são capazes de armazenar glicose na forma de glicogênio, mas apenas o fígado é capaz</p><p>de desdobrar o glicogênio para produzir glicose para a circulação sistêmica. O glicogênio que é quebrado só pode ser usado</p><p>no músculo, portanto não é uma fonte de glicose sistemicamente circulante.</p><p>Depois da alimentação, o carboidrato absorvido pelos intestinos (principalmente a glicose) circula sistemicamente.</p><p>Carboidratos que chegam ao fígado são rapidamente convertidos em glicogênio para armazenamento. O fígado contém até</p><p>65 g do glicogênio por quilograma de tecido hepático. O excesso de carboidrato é convertido em ácidos graxos e</p><p>armazenado no tecido adiposo. No estado pós‑ ‑absortivo, não existe mais glicose sistêmica oriunda diretamente do tubo</p><p>digestório e o fígado torna‑se fonte primária de glicose circulante pela degradação de glicogênio. Isto é fundamental para o</p><p>cérebro e os eritrócitos que necessitam da glicose para o seu próprio metabolismo. No estado pós‑absortivo, a maioria dos</p><p>tecidos passa a necessitar dos ácidos graxos derivados do tecido adiposo como seu principal combustível. Um músculo</p><p>altamente ativo pode esgotar o seu próprio glicogênio e depender da glicose derivada do fígado como substrato no estado</p><p>pós‑absortivo. Após 48 horas de jejum, o glicogênio hepático esgota‑se e o fígado passa da degradação de glicogênio para a</p><p>gliconeogênese. O substrato para a gliconeogênese hepática vem, principalmente, dos aminoácidos (principalmente a</p><p>alanina) derivados da degradação muscular, mas também do glicerol derivado da degradação do tecido adiposo. Durante o</p><p>jejum prolongado, os ácidos graxos da degradação do tecido adiposo são β‑oxidados no fígado, que libera corpos cetônicos</p><p>que depois se tornam o principal combustível para o cérebro.</p><p>A transição dentro e fora destes vários estados metabólicos e a regulação do metabolismo dos carboidratos são</p><p>influenciadas principalmente pela concentração de glicose no sangue sinusoidal e nos hormônios (p. ex., insulina,</p><p>catecolaminas, glucagon). No estado de jejum, durante o metabolismo anaeróbico, é produzido lactato, sobretudo pelo</p><p>músculo. O fígado utiliza este lactato, que é convertido em piruvato e penetra nas vias gliconeogênicas para produzir</p><p>glicose, o que é conhecido como o ciclo de Cori.</p><p>Nas doenças do fígado, são comuns os distúrbios do metabolismo do carboidrato. Os cirróticos frequentemente mostram</p><p>tolerância anormal à glicose. Seu mecanismo não está completamente esclarecido, mas provavelmente relaciona‑se com</p><p>resistência à insulina. Esse fenômeno não é causado pelo desvio de glicose sanguínea para fora do fígado. A hipoglicemia é</p><p>uma entidade incomum na doença hepática crônica devido à resiliência notável do fígado e sua função metabólica. Somente</p><p>com a perda maciça de hepatócitos na falência hepática fulminante é que a gliconeogênese fracassa e, então, sobrevém a</p><p>hipoglicemia.</p><p>Metabolismo Lipídico</p><p>Os ácidos graxos são sintetizados no fígado no decorrer dos estados de excesso de glicose, quando se excedeu a capacidade</p><p>do fígado para armazenar glicogênio. Os adipócitos têm uma capacidade limitada para sintetizar os ácidos graxos, portanto</p><p>o fígado é a fonte predominante de ácidos graxos sintetizados, embora sejam amplamente armazenados no tecido adiposo.</p><p>Durante a lipólise, ácidos graxos livres são transportados para o fígado, onde são metabolizados. Os ácidos graxos no</p><p>fígado sofrem esterificação com glicerol para formar triglicerídios para armazenamento ou transporte, ou sofrem β‑</p><p>oxidação, gerando energia na forma de ATP e corpos cetônicos. Em geral, este processo é regulado pelo estado nutricional,</p><p>com o jejum favorecendo a oxidação e o estado pós‑prandial, a esterificação.</p><p>Existe um ciclo constante de ácidos graxos entre o fígado e o tecido adiposo que está sob um delicado equilíbrio, o qual</p><p>pode ser facilmente alterado, resultando em infiltração gordurosa do fígado. Alguns fatores influenciam este equilíbrio; por</p><p>exemplo, a captação hepática de ácidos graxos é uma função das concentrações plasmáticas. Embora não haja um limite à</p><p>capacidade do fígado para esterificar os ácidos graxos, sua habilidade para dispor ou degradar os ácidos graxos é limitada,</p><p>assim como sua capacidade de secretar os triglicerídeos na forma de lipoproteínas. As condições de aumento dos ácidos</p><p>graxos circulantes, portanto, podem facilmente substituir a capacidade do fígado para lidar com elas, resultando em</p><p>acúmulo gorduroso neste órgão. Isso é conhecido como esteatose ou, quando associada à inflamação crônica nos casos mais</p><p>avançados, esteato‑hepatite. Algumas condições têm sido associadas à esteatose hepática, como diabetes, uso de esteroides,</p><p>fome, obesidade e quimioterapia citotóxica intensa. O fígado gorduroso associado ao consumo de álcool tem inúmeras</p><p>causas, estando relacionado</p><p>com aumento da lipólise, reduzida oxigenação e elevação da esterificação dos ácidos graxos</p><p>hepáticos, podendo também estar associado a fome relativa no alcoolismo crônico.</p><p>Metabolismo das Proteínas</p><p>O fígado também é fundamental para o metabolismo de proteínas e está envolvido na síntese e no catabolismo de proteínas</p><p>em energia ou formas de armazenamento, na administração do excesso de aminoácidos e na eliminação de nitrogênio. A</p><p>proteína ingerida é quebrada em aminoácidos que circulam por todo o corpo, que são usados como blocos de construção de</p><p>proteínas, enzimas e hormônios. O excesso de aminoácidos não utilizados nos tecidos periféricos é geralmente</p><p>administrado pelo fígado, onde é oxidado para liberar energia (produzindo 50% das necessidades energéticas do fígado) ou</p><p>convertido em glicose, corpos cetônicos ou gorduras. Quando os aminoácidos são catabolizados para a produção de energia</p><p>por todo o corpo, há produção de amônia, glutamina, glutamato e aspartato. Estes produtos são essencialmente</p><p>processados no fígado, onde o nitrogênio é convertido em ureia pelo ciclo da ureia e esta é então excretada na urina. Assim,</p><p>o fígado é fundamental para o equilíbrio do nitrogênio corporal e o metabolismo dos aminoácidos.</p><p>Como o fígado pode catabolizar grande parte dos aminoácidos produzindo energia ou outras formas de energia</p><p>estocável, como a glicose e gorduras, uma importante exceção são os aminoácidos de cadeia ramificada, os quais não</p><p>podem ser catabolizados no fígado e são em grande parte metabolizados pelo tecido muscular. Foi postulado que isso pode</p><p>atuar como uma rede de segurança que ajuda a poupar o fígado de algumas das necessidades do metabolismo de proteínas</p><p>e aminoácidos.</p><p>O fígado também é o principal local de síntese para muitas proteínas envolvidas em funções abrangentes e importantes</p><p>como coagulação, transporte, ligação de cobre e ferro e inibição da protease. Estas proteínas incluem ceruloplasmina,</p><p>armazenamento de ferro e de proteínas de ligação e α1‑antitripsina. A albumina é produzida exclusivamente no fígado e é</p><p>uma proteína predominante da seroaglutinação. A insuficiência hepática ou as alterações genéticas específicas podem</p><p>resultar na modificação das quantidades e da função destas proteínas, com efeitos patológicos variados.</p><p>O fígado também é responsável pela chamada resposta da fase aguda, que é uma replicação sintetizada pela proteína</p><p>resultante de um trauma e/ou infecção. Seus objetivos são impedir o dano ao órgão, manter a função hepática vital e</p><p>controlar os mecanismos de defesa. Esta resposta é estimulada pelas citocinas pró‑inflamatórias, como a interleucina‑1 (IL‑</p><p>1), a IL‑6 e o fator de necrose tumoral (TNF), os quais induzem a expressão gênica das proteínas dessa fase aguda no fígado.</p><p>Algumas das proteínas da falência hepática aguda são α1‑ α2‑ e β‑globulina, bem como soro amiloide A e proteína C reativa.</p><p>Uma parte igualmente importante desta resposta é a sua consequência. As citocinas anti‑inflamatórias, como as</p><p>antagonistas dos receptores IL‑1, IL‑4 e IL‑10, parecem desempenhar importante papel. A resposta da fase aguda ocorre no</p><p>período de 24 a 48 horas, mas, no contexto de lesão contínua, esse período pode se alongar.</p><p>Metabolismo das Vitaminas</p><p>Junto com o intestino, o fígado é responsável pelo metabolismo das vitaminas lipossolúveis A, D, E e K, as quais são obtidas</p><p>de forma exógena e absorvidas no intestino. Sua absorção intestinal adequada é extremamente dependente da</p><p>micelarização apropriada do ácido graxo, que requer a presença de ácidos biliares.</p><p>A vitamina A é da família retinoide e está envolvida na visão normal, no desenvolvimento do embrião e na regulação do</p><p>gene no adulto. O armazenamento de vitamina A acontece exclusivamente no fígado e ocorre nas células hepáticas</p><p>estreladas. O excesso de ingestão de vitamina A pode resultar em toxicidade hepática. A vitamina D está envolvida na</p><p>homeostase do cálcio e do fósforo. Uma das etapas de ativação de vitamina D (25‑hidroxilação) ocorre no fígado. A</p><p>vitamina E é um poderoso antioxidante e protege as membranas contra a peroxidação lipídica e a formação de radicais</p><p>livres. Finalmente, a vitamina K é um importante cofator translacional na γ‑carboxilação e na síntese hepática dos fatores II,</p><p>VII, IX e X, bem como as proteínas C reativa e S, chamadas de cofatores da vitamina K. As síndromes colestáticas podem</p><p>resultar de uma inadequada absorção destas vitaminas secundária à reduzida micelarização no intestino. As síndromes de</p><p>deficiência de vitamina associadas a doenças ósseas metabólicas (deficiência de vitamina D), distúrbios neurológicos</p><p>(deficiência de vitamina E) e coagulopatia (deficiência de vitamina K) podem ocorrer subsequentemente.</p><p>O fígado também está envolvido na captação, no armazenamento e no metabolismo de várias vitaminas hidrossolúveis,</p><p>incluindo tiamina, riboflavina, vitamina B6, vitamina B12, ácido fólico, biotina e ácido pantotênico. O fígado é responsável</p><p>pela conversão de algumas destas vitaminas hidrossolúveis em coenzimas, transformando algumas em metabólitos e</p><p>usando outras para circulação entero‑hepática (p. ex., vitamina B12).</p><p>Coagulação</p><p>O fígado responde pela síntese de quase todos os fatores de coagulação identificados, bem como de muitos dos</p><p>componentes do sistema fibrinolítico e várias proteínas regulatórias plasmáticas de coagulação e fibrinólise. Conforme</p><p>assinalado, o fígado é fundamental para a absorção da vitamina K, pois sintetiza os fatores de coagulação dependentes</p><p>desta vitamina e contém a enzima que os ativa. Além disso, o sistema reticuloendotelial do fígado remove os fatores de</p><p>coagulação ativados, os complexos ativados dos sistemas de coagulação e fibrinolítico e os produtos finais da degradação</p><p>da fibrina. As doenças do fígado são frequentemente associadas a trombocitopenia, anormalidades qualitativas plaquetárias</p><p>e deficiência de vitamina K com modulação alterada de fatores de coagulação da vitamina K dependente e da coagulação</p><p>intravascular disseminada (CID). Não é surpreendente, porém, que a doença do fígado esteja fortemente associada aos</p><p>distúrbios da coagulação, que são um desafio constante.</p><p>A varfarina, um dos anticoagulantes mais utilizados na prática médica, atua no fígado bloqueando a ativação dos fatores</p><p>II, VII, IX e X dependentes da vitamina K. O fator VII tem a meia‑vida mais curta entre os fatores de coagulação, e sua</p><p>deficiência é manifestada, clinicamente, como a alteração do tempo de protrombina (TP) ou razão normalizada</p><p>internacional (INR). Os pacientes com disfunções hepáticas complexas têm um TP anormal.</p><p>Metabolismo de Fármacos e Toxinas (Xenobióticos)</p><p>O corpo humano é exposto a uma enorme quantidade de substâncias químicas estranhas durante toda a vida, e isto</p><p>representa um desafio à nossa capacidade de se desintoxicar e eliminar estas substâncias potencialmente lesivas. Muitas</p><p>destas substâncias não são incorporadas ao metabolismo celular, sendo conhecidas como xenobióticos. O fígado</p><p>desempenha um papel fundamental no controle destas substâncias, mediante um enorme e complexo número de enzimas e</p><p>vias de reação que são cada vez mais reconhecidas à medida que novas substâncias são descobertas.</p><p>De modo geral, as reações hepáticas aos xenobióticos são classificadas em fase I e II. As reações da fase I, por meio da</p><p>oxidação, da redução e da hidrólise, aumentam a polaridade e, consequentemente, a solubilidade da água dos compostos.</p><p>Em contrapartida, isto permite uma excreção mais fácil. As reações da fase I nem sempre desintoxicam e podem, na</p><p>verdade, criar metabólitos tóxicos. Reações de fase I ocorrem no citocromo P450 (CYP) do sistema. Reações da fase II</p><p>geralmente</p><p>atuam para criar um subproduto menos tóxico ou menos ativo. Normalmente, isto ocorre mediante as reações</p><p>de transferase, nas quais um composto é muitas vezes acoplado a um conjugado, tornando os xenobióticos menos inócuos.</p><p>Regeneração</p><p>O fígado apresenta a exclusiva capacidade de ajustar o seu volume às necessidades corporais, o que é clinicamente</p><p>observado em sua regeneração depois da hepatectomia parcial ou de uma lesão tóxica. Isso também é observado no</p><p>transplante de fígado, em que o tamanho do fígado do doador se ajusta ao novo hospedeiro. Esta qualidade é conservada</p><p>de forma evolutiva em virtude das funções cruciais do fígado e ao fato de que esta é a primeira linha da exposição para os</p><p>agentes tóxicos ingeridos.</p><p>A regeneração do fígado é uma resposta hiperplásica de todos os tipos de células hepáticas nas quais a anatomia</p><p>microscópica funcional do fígado é mantida. A maioria das informações que temos sobre a resposta regenerativa do fígado</p><p>baseia‑se em trabalhos experimentais em roedores. Em geral, os hepatócitos quiescentes penetram rapidamente no ciclo</p><p>celular após a hepatectomia parcial. A síntese máxima de DNA do hepatócito ocorre de 24 a 36 horas após a hepatectomia</p><p>parcial, e a síntese máxima de DNA dos outros tipos de célula ocorre 48 a 72 horas depois. A maior parte do aumento da</p><p>massa hepática em ratos é observada três dias após a hepatectomia parcial e geralmente é quase completa depois de sete</p><p>dias.</p><p>No final da década de 1960, foi reconhecido que fatores circulantes eram os responsáveis, em parte, pela resposta</p><p>regenerativa; muitas pesquisas se concentraram no controle genético e humoral da regeneração hepática. Os principais</p><p>fatores circulantes identificados (especialmente a partir de estudos com roedores) são o fator de crescimento do hepatócito,</p><p>o fator de crescimento epidérmico, os fatores transformadores de crescimento, a insulina, go lucagon, bem como as citocinas</p><p>do TNF‑α, da IL‑1 e da IL‑6. Estes fatores, quando introduzidos em um hospedeiro normal, não resultam em crescimento</p><p>hepático, indicando que os hepatócitos devem ser preparados de alguma forma antes de responder a estes fatores de</p><p>crescimento. O notável progresso na compreensão da regeneração hepática é resultado do desenvolvimento de melhores</p><p>técnicas biológicas moleculares e genéticas. Centenas de genes envolvidos em todas as fases de regeneração foram</p><p>identificados por técnicas de ordenação do RNA. Além disso, inúmeras vias dependentes de citocina e independentes de</p><p>fator de crescimento já foram definidas, no entanto uma descrição completa está além do escopo deste capítulo e muitas</p><p>dúvidas ainda permanecem.</p><p>Evoluções Futuras</p><p>O estudo do fígado e da sua fisiologia continua sendo um campo extraordinariamente excitante. Assim como os campos da</p><p>biologia molecular e da manipulação genética desabrocharam, o mesmo aconteceu com o campo da hepatologia. Em</p><p>virtude da carência de alternativas ao transplante para pacientes em estágios terminais de falência do fígado, a engenharia</p><p>dos tecidos e as tentativas para se produzir suporte funcional hepático exógeno continuam sendo investigadas. A</p><p>reestruturação populacional do fígado com células transplantadas – os hepatócitos ou progenitoras hepáticas e células‑</p><p>tronco – pode também oferecer opções futuras para os pacientes com insuficiência hepática. Embora a identificação de</p><p>marcadores específicos confiáveis para células‑tronco hepáticas tenha sido imprecisa, os conceitos dos progenitores e</p><p>células‑tronco do fígado, assim como sua utilidade potencial para repopulação hepática, ganharam aceitação, tornando isso</p><p>uma área excitante da pesquisa. As comparações genéticas em curso sobre fígados normais e doentes utilizando novas</p><p>técnicas de biologia molecular e celular fornecerão pistas sobre a regulação genética de doenças hepáticas. Grandes avanços</p><p>foram feitos quanto à efetividade da terapia do gene, e muitos grupos continuam a estudar as estratégias da terapia do gene</p><p>direcionada ao fígado para o tratamento dos distúrbios adquiridos e hereditários. Estudos de biologia molecular em</p><p>andamento estão pesquisando a regulação do ciclo celular hepático, com implicações para a hepatocarcinogênese. Estudos</p><p>de pesquisa sobre a patogênese da fibrose hepática e, talvez mais excitante, como reverter este processo estão em</p><p>andamento e provavelmente resultarão em avanços significativos no futuro.</p><p>Avaliação da Função do Fígado</p><p>Uma enorme variedade de testes está disponível para avaliar as doenças hepáticas. A triagem de doença hepática, a</p><p>avaliação da função hepática, o diagnóstico dos distúrbios específicos e o prognóstico são fundamentais no tratamento da</p><p>doença hepática. Para o cirurgião, a avaliação da função hepática e a estimativa da capacidade de um resíduo hepático ser</p><p>suficiente após a ressecção do fígado também são de evidente importância. Infelizmente, a maioria das avaliações da doença</p><p>hepática é grosseira e carece de sensibilidade, especificidade e precisão. Dividimos estes testes de função hepática em três</p><p>categorias – triagem de rotina, testes diagnósticos e quantitativos específicos.</p><p>Exames de Triagem de Rotina</p><p>Exames de sangue são frequentemente utilizados para determinar se há doença no sistema hepatobiliar. Em geral, os</p><p>exames padrão (testes) da função hepática (TFHs) não são testes de função e nem sempre são específicos para a doença</p><p>hepática, no entanto são valiosos como uma ferramenta de triagem geral que pode fornecer indicações básicas para</p><p>reconhecer a presença de indícios de doença e funções hepáticas sobre a causa dessa doença. Os níveis de bilirrubina total,</p><p>bilirrubina direta (conjugada) e bilirrubina indireta (desconjugada) podem ser afetados por uma gama de processos que</p><p>estão relacionados com o metabolismo da bilirrubina. A hiperbilirrubinemia desconjugada pode ser um reflexo de aumento</p><p>da produção de bilirrubina (p. ex., hemólise), efeitos das drogas, distúrbios enzimáticos hereditários e icterícia fisiológica do</p><p>recém‑nascido. Geralmente, a hiperbilirrubinemia conjugada é um resultado da colestase ou da obstrução biliar mecânica,</p><p>mas também pode ser vista em alguns distúrbios hereditários ou na doença hepatocelular.</p><p>As transaminases alanina aminotransferase (ALT) e a aspartato aminotransferase (AST) são os marcadores séricos mais</p><p>comuns da necrose hepatocelular, mostrando a fuga destas enzimas intracelulares para circulação no dano ao hepatócito. A</p><p>AST é encontrada em outros órgãos, como coração, músculo e rim, mas a ALT é específica do fígado; no entanto o grau de</p><p>elevação desses níveis de enzima nunca mostrou ter valor prognóstico. A fosfatase alcalina (FA) aparece no fígado, nos</p><p>ductos biliares, nos ossos, nos intestinos, na placenta, nos rins e nos leucócitos. As determinações de isoenzimas podem ser</p><p>úteis, às vezes, para distinguir a origem de uma FA elevada. Elevações dos níveis de FA nas doenças hepatobiliares são</p><p>secundárias a colestase ou obstrução biliar e causadas por aumento da produção desta enzima. O nível de FA também pode</p><p>estar aumentado na doença maligna do fígado. A gama‑glutamil transpeptidase (GGT) é uma enzima encontrada em</p><p>muitos órgãos além do fígado, como rins, vesículas seminais, baço, pâncreas, coração e cérebro. Seu nível pode ser elevado</p><p>em doenças que afetam qualquer um desses tecidos. Ela é alterada pelo consumo de álcool e está elevada na obstrução</p><p>biliar. Assim, é também um marcador não específico da hepatopatia, mas pode ser útil para determinar se um nível elevado</p><p>de FA é decorrente de doença hepática. A nucleotidase também é encontrada em uma ampla variedade de órgãos além do</p><p>fígado, mas níveis elevados são bastante específicos para a doença hepática. Como a GGT, ela pode</p><p>ser útil para determinar</p><p>se um nível elevado de FA é secundário à doença hepática.</p><p>A albumina é sintetizada exclusivamente no fígado, de modo que pode ser usada como uma medida geral da função</p><p>hepática. Como a desnutrição crônica e a lesão/inflamação aguda podem diminuir a síntese de albumina, estes fatores</p><p>devem ser levados em consideração na avaliação de um baixo nível de albumina sérica. Tendo em vista a notável</p><p>capacidade de síntese proteica do fígado, a hipoalbuminemia é um marcador de doença hepática grave, entretanto</p><p>apresenta pouquíssima sensibilidade, e grandes regressões da função hepática são necessárias para serem refletidas nos</p><p>níveis de albumina. Em geral, é mais útil na doença hepática crônica.</p><p>Os fatores de coagulação são amplamente sintetizados no fígado, e as anormalidades da coagulação podem ser um</p><p>marcador da síntese da disfunção hepática. As medidas dos fatores específicos de coagulação, como o V e o VII, foram</p><p>usadas para avaliar a função hepática na população transplantada. O TP e a INR são os melhores testes para medir os</p><p>efeitos da doença hepática na coagulação, e o TP prolongado ou a INR elevada são, em geral, marcadores da doença</p><p>hepática crônica avançada. A doença hepática também pode afetar a coagulação por meio da coagulação intravascular e da</p><p>má absorção de vitamina K.</p><p>Testes Diagnósticos Específicos</p><p>Uma vez que os testes de triagem, aliados às observações clínicas, tenham indicado doença do fígado, os testes específicos</p><p>podem ser utilizados para ajudar a elucidar a etiologia e orientar o tratamento, caso necessário. Os estudos sorológicos para</p><p>hepatite são importantes para determinar a presença de hepatite viral. Os anticorpos autoimunes são usados para</p><p>diagnosticar a cirrose biliar primária (antimitocondrial), a colangite esclerosante primária (antineutrofílica) e a hepatite</p><p>autoimune. Os níveis de α1‑antitripsina e ceruloplasmina auxiliam no diagnóstico de deficiência de α1‑antitripsina e doença</p><p>de Wilson, respectivamente. Os marcadores tumorais, como AFP e antígeno carcinoembrionário CEA podem ajudar no</p><p>diagnóstico e no acompanhamento dos tumores primários e metastáticos do fígado.</p><p>Em geral, os testes funcionais hepáticos discutidos nesta seção são rotineiros, inespecíficos e de pouco ou nenhum valor</p><p>prognóstico. Muitas tentativas foram feitas para a formulação de testes dinâmicos e quantitativos da função hepática com</p><p>base na capacidade do fígado para remover várias substâncias administradas de forma exógena. Apesar dos muitos anos de</p><p>pesquisa, ainda não se tem certeza se estes testes de função hepática são melhores que os sistemas de escores derivados dos</p><p>testes simples de sangue e das observações clínicas. Por exemplo, o teste respiratório de aminopirina tem como base a</p><p>liberação de CYP de aminopirina radiomarcada. Um teste respiratório mensurando o CO2radiomarcado, como resultado da</p><p>degradação da aminopirina, é realizado após a administração, em um tempo determinado. Os resultados dependem</p><p>fundamentalmente da massa hepática funcional, que costuma não se esgotar até a doença hepática em seu estágio final.</p><p>Existem resultados de estudos comparando o teste respiratório de aminopirina com a função hepática padrão e a</p><p>classificação de sistemas; seu principal valor parece ser o prognóstico na doença hepática crônica, mas claramente não é um</p><p>teste efetivo para detectar a disfunção hepática subclínica.</p><p>Substâncias como a antipirina e a cafeína podem avaliar a função hepática de uma maneira similar, com resultados</p><p>equivalentes. O exame de depuração da lidocaína fornece informações similares ao teste da aminopirina porque tem como</p><p>base sua depuração pelo teste de CYP hepático. A depuração da lidocaína é dependente do fluxo sanguíneo e de um</p><p>complexo processo de distribuição, mas a mensuração de um de seus metabólitos, a monoetilglicinaexilidida, simplificou</p><p>enormemente o teste. Esse exame mostrou ter algum valor prognóstico na população de transplantados. O teste de</p><p>eliminação de galactose se baseia no papel do fígado na fosforilação da galactose e na sua conversão em glicose. A taxa na</p><p>qual a galactose é eliminada da corrente sanguínea pode ser uma medida da função hepática. Os problemas relacionados</p><p>com este teste são o fato de que as enzimas envolvidas são geneticamente heterogêneas, além da ocorrência de um</p><p>considerável metabolismo extra‑hepático. Além disso, várias amostras de sangue são necessárias, o que torna o teste</p><p>desconfortável. O valor deste teste está na possibilidade de avaliar o prognóstico dos pacientes com doença hepática</p><p>crônica, melhor do que uma triagem. O verde de indocianina é um corante eliminado pelo fígado por um processo mediado</p><p>por um carreador e excretado na bile. Este corante é rapidamente captado na corrente sanguínea e não é metabolizado. Este</p><p>foi o único teste que mostrou ter algum significado prognóstico em paciente cirróticos submetidos à ressecção do fígado,</p><p>embora ainda não haja estudos universais comprobatórios sobre o mesmo e tampouco uma aceitação universal.</p><p>Testes Quantitativos</p><p>Finalmente, foi proposta uma enorme quantidade de sistemas de escores com base na observação clínica e nos testes</p><p>sanguíneos padrão. O sistema mais usado é a modificação de Pugh dos escores de Child (Tabela 53‑2). Embora todos estes</p><p>sistemas estejam longe de serem perfeitos e não sejam universalmente aceitos, o escore de Child‑Pugh é o mais utilizado em</p><p>pacientes cirróticos que necessitam de cirurgia hepática. As taxas de mortalidade e sobrevida após a hepatectomia mostram</p><p>uma correlação com este escore, mas nem sempre estão relacionadas com a falência do fígado. Pacientes Child‑Pugh classes</p><p>B e C apresentam maior mortalidade após hepatectomia parcial que os Child‑Pugh classe A, que podem suportar uma</p><p>hepatectomia alargada.1,2 A presença de hipertensão portal tem se mostrado um preditor de resultados ruins após uma</p><p>hepatectomia parcial. A presença de hipertensão portal em pacientes cirróticos geralmente se manifesta como</p><p>trombocitopenia, esplenomegalia e observação de varizes intra‑abdominais em exames de imagem ou endoscopia. As</p><p>melhores evidências de hipertensão portal são a medida dos níveis pressóricos por encunhamento pelas veias supra‑</p><p>hepáticas e a obtenção de uma pressão superior a 10 mmHg, cujos resultados mostraram estar fortemente correlacionados</p><p>com insuficiência hepática pós‑operatória.</p><p>Tabela 532</p><p>Classificação de ChildPugh</p><p>FATOR</p><p>N° DE PONTOS</p><p>1 2 3</p><p>Bilirrubina (mg/dL) 3</p><p>Albumina (g/dL) > 3,5 2,8‑3,5 6</p><p>Ascite Nenhum Leve Moderada</p><p>Encefalopatia Nenhum Mínimo Avançada</p><p>Classe A, 56 pontos; Classe B, 79 pontos; Classe C, 1015 pontos.</p><p>Hipertensão portal</p><p>A cirrose, que é o resultado final de uma resposta de cicatrização iniciada por lesão hepática crônica, caracteriza‑se pelo</p><p>desenvolvimento de septos fibrosos rodeando os nódulos hepatocelulares em regeneração. A cirrose está associada ao</p><p>desenvolvimento de deficits de síntese e de hipertensão portal. Ainda não existe tratamento eficaz para os cirróticos e, como</p><p>resultado, o tratamento tem se concentrado no controle da hipertensão portal resultante e suas complicações. O principal</p><p>desafio para o hepatólogo e o cirurgião que está tratando dos pacientes com doença hepática terminal e cirrose é determinar</p><p>quando o tratamento definitivo (p. ex., transplante de fígado), em vez de tratamento paliativo (p. ex., intervenções para</p><p>prevenir hemorragia varicosa recorrente), deve ser utilizado.</p><p>Definição</p><p>A hipertensão porta é definida por uma pressão portal superior a 5 mmHg, entretanto</p><p>pressões mais elevadas são</p><p>necessárias para iniciar a estimulação para o desenvolvimento da circulação colateral portossistêmica (8 a 10 mmHg). Os</p><p>vasos colaterais geralmente se desenvolvem onde as circulações venosas portal e sistêmicas estão em estreita</p><p>proximidade (Fig. 53‑18). A rede colateral composta pelas veias gástricas curtas e coronarianas drena para a veia ázigos e é</p><p>clinicamente a mais importante, pois é responsável pela formação de varizes esofagogástricas; no entanto outros locais, nos</p><p>quais se inclui a veia umbilical recanalizada por intermédio da veia porta esquerda para o sistema venoso epigástrico</p><p>(cabeça de medusa), os vasos colaterais retroperitoneais e o plexo venoso hemorroidário, fazem parte do conjunto de</p><p>possibilidades que podem compor o sistema varicoso. Além de vasos colaterais extra‑hepáticos, uma fração significativa do</p><p>fluxo venoso portal atravessa os shunts anatômicos e fisiológicos (p. ex., capilarização dos sinusoides hepáticos) intra‑</p><p>hepáticos. À medida que a perfusão portal hepática diminui, o fluxo arterial hepático geralmente aumenta (resposta de</p><p>tampão).2</p><p>FIGURA 5318 Vias colaterais portossistêmicas se desenvolvem onde os sistemas venosos portais sistêmicos</p><p>e venosos estão em aposição bem próxima. (De Rikkers LF: Portal hypertension. In Miller TA, editor: Physiologic basis of</p><p>modern surgical care, St Louis, 1988, Mosby, pp 417–428.)</p><p>Fisiopatologia</p><p>A hipertensão portal geralmente ocorre em virtude da maior resistência ao afluxo venoso portal de localização pré‑hepática,</p><p>intra ou pós‑hepática. Vários fatores podem contribuir para isso, incluindo maior resistência passiva secundária à fibrose e</p><p>nódulos regenerativos; aumento da resistência vascular hepática causada por vasoconstrição ativa, norepinefrina,</p><p>endotelina e outros vasoconstritores humorais; aumento do fluxo venoso portal secundário para a hiperdinâmica circulação</p><p>sistêmica e hiperemia esplâncnica. O último é um contribuinte importante para a manutenção da hipertensão portal com o</p><p>desenvolvimento sistêmico das colaterais. Infelizmente, as causas exatas permanecem desconhecidas, mas os hormônios</p><p>esplâncnicos, a diminuição da sensibilidade da vasculatura esplâncnica às catecolaminas e o aumento da produção de óxido</p><p>nitroso e prostaciclina podem estar envolvidos. É possível que a compreensão da fisiopatologia da hipertensão portal tenha</p><p>implicações terapêuticas, pois estes fatores podem representar alvos para o tratamento.</p><p>A causa mais comum de hipertensão portal pré‑hepática é a trombose da veia porta, responsável por aproximadamente</p><p>50% dos casos de hipertensão portal em crianças. Quando a veia porta é trombosada na ausência de doença hepática, vasos</p><p>colaterais portal hepatopetal (para o fígado) se desenvolvem para restaurar a perfusão portal. Esta combinação é</p><p>denominada degeneração cavernomatosa da veia porta. A trombose da veia esplênica isolada (hipertensão portal esquerda)</p><p>é geralmente secundária a pancreatites e/ou neoplasia. O resultado é a hipertensão venosa gastroesplênica, com a veia</p><p>mesentérica superior e a pressão portal venosa normais. A veia gastroepiploica esquerda torna‑se o maior vaso colateral das</p><p>varizes gástricas, que se desenvolvem em vez de varizes esofagianas. É importante reconhecer essa variante de hipertensão</p><p>portal porque ela é facilmente revertida pela esplenectomia isolada.</p><p>O local de resistência aumentada na hipertensão portal intra‑hepática pode ser nos níveis pré‑sinusoidal, sinusoidal ou</p><p>pós‑sinusoidal. Frequentemente, mais de um nível pode estar envolvido. A causa mais comum de hipertensão pré‑</p><p>sinusoidal intra‑hepática é a esquistossomose. Além disso, muitas causas de cirrose alcoólica podem resultar em</p><p>hipertensão portal pré‑sinusoidal. Por outro lado, a, cirrose alcoólica – que é a causa mais comum de hipertensão portal nos</p><p>Estados Unidos – geralmente provoca aumento da resistência no nível de fluxo portal sinusoidal (secundária à deposição de</p><p>colágeno no espaço de Disse) e pós‑sinusoidal (secundária à regeneração de nódulos distorcidos das pequenas veias</p><p>hepáticas).</p><p>As causas pós‑hepáticas ou pós‑sinusoidais da hipertensão portal são raras e incluem síndrome de Budd‑Chiari</p><p>(trombose da veia hepática), pericardite constritiva e insuficiência cardíaca. Raramente o aumento do fluxo venoso portal</p><p>sozinho, secundário à esplenomegalia volumosa (p. ex., hipertensão portal idiopática), ou uma fístula arteriovenosa</p><p>esplâncnica causam hipertensão portal.</p><p>Avaliação da Doença Hepática Crônica e Hipertensão Portal</p><p>Os principais aspectos da avaliação de um paciente com suspeita de doença hepática crônica ou complicações de</p><p>hipertensão portal são os seguintes: o diagnóstico da doença hepática subjacente; a estimativa da reserva funcional hepática;</p><p>a definição da anatomia venosa portal; a avaliação hemodinâmica hepática; e a identificação do local de hemorragia</p><p>gastrointestinal superior, se presente. Essas categorias diagnósticas assumem diferentes graus de importância, dependendo</p><p>da situação clínica. Por exemplo, a estimativa da reserva funcional hepática é útil para determinar o risco associado à</p><p>intervenção terapêutica e está indicado tratamento definitivo (p. ex., transplante hepático) ou tratamento paliativo (p. ex.,</p><p>ligadura endoscópica de varizes ou um procedimento de shunt).</p><p>Hemorragia Varicosa</p><p>O sangramento das varizes esofagogástricas é a única complicação da hipertensão portal mais ameaçadora à vida, sendo</p><p>responsável por aproximadamente um terço de todas os óbitos de pacientes com cirrose. Aproximadamente 50% destas</p><p>mortes são causados por sangramento incontrolável. O risco de óbito por sangramento está principalmente relacionado com</p><p>a reserva funcional hepática subjacente. Os pacientes com obstrução venosa portal extra‑hepática e função hepática normal</p><p>raramente morrem por varizes hemorrágicas, enquanto aqueles com cirrose descompensada (p. ex., a classe de Child‑Pugh</p><p>C) podem alcançar uma taxa de mortalidade superior a 50%. Uma vez controlado, o risco de ressangramento das varizes</p><p>ocorre nos primeiros dias após o início da hemorragia, possibilidade esta que diminui rapidamente entre esse período e a</p><p>sexta semana. Subsequentemente, o risco retorna à taxa pré‑hemorrágica.</p><p>Tratamento</p><p>Em um paciente com hemorragia gastrointestinal alta são instituidas medidas gerais, como assegurar a via aérea</p><p>(especialmente no paciente encefalopático) e um acesso adequado (dois acessos venosos de grande calibre), infusão de</p><p>líquidos, tipagem e prova cruzada de sangue, além de transfusão cuidadosa de sangue e hemoderivados. O tratamento para</p><p>hipertensão portal e sangramento varicoso evoluiu ao longo do tempo e agora inclui um espectro de modalidades no qual</p><p>terapias sequenciais são frequentemente necessárias.3,4 Para os pacientes com hemorragia aguda e hipertensão portal, os</p><p>tratamentos não cirúrgico são geralmente de primeira linha, uma vez que estes pacientes têm risco cirúrgico elevado em</p><p>decorrência da função hepática descompensada. A abordagem endoscópica (p. ex., esclerose ou ligadura) tem se tornado a</p><p>base do tratamento não cirúrgico da hemorragia aguda porque o sangramento pode ser controlado em mais de 85% dos</p><p>pacientes. Isto permite um controle clínico para a resolução de ascite e encefalopatia e a melhora da função hepática e da</p><p>nutrição antes de o tratamento definitivo para a prevenção de sangramento recorrente ser instituído. A farmacoterapia pode</p><p>também ser adotada e vários estudos têm sugerido que ela talvez seja tão eficaz quanto a abordagem endoscópica. O</p><p>tamponamento com balão, que é raramente usado, pode salvar vidas de pacientes com hemorragia exsanguinante quando</p><p>outros métodos conservadores não forem bem‑sucedidos. Um shunt portossistêmico</p><p>intra‑hepática transjugular (TIPS) é</p><p>outra opção de tratamento na qual uma conexão é criada percutaneamente no fígado, entre a porta e a circulação sistêmica,</p><p>para reduzir a pressão portal de pacientes com complicações relacionadas com a hipertensão portal. O TIPS</p><p>substitui shunts cirúrgicos para tratar a hemorragia digestiva alta aguda quando a farmacoterapia e o tratamento</p><p>endoscópico não conseguem controlar o sangramento. Como resultado, a intervenção cirúrgica de emergência na maioria</p><p>dos centros é reservada para pacientes selecionados que não são candidatos a TIPS.</p><p>Endoscopia</p><p>Cerca de 80% a 90% dos episódios de sangramento varicoso são controlados de forma bem‑sucedida com medidas</p><p>endoscópicas. A escleroterapia e a laqueação elástica são as duas principais opções disponíveis para o controle de</p><p>hemorragia variceal aguda. Os dados sugerem que a laqueação elástica é melhor do que a escleroterapia no controle inicial</p><p>da hemorragia e que está associada a menos complicações. A literatura também sugere que a escleroterapia, mas não a</p><p>laqueação elástica, pode aumentar as pressões portais. Assim, nesse momento, a laqueação elástica é a modalidade de</p><p>escolha para o controle inicial do sangramento varicoso. A escleroterapia endoscópica pode ser usada se a tecnologia para a</p><p>laqueação elástica não estiver disponível. A endoscopia precoce, preferencialmente dentro de 12 horas desde a chegada ao</p><p>hospital, como uma tentativa de controle de hemorragia é recomendada. Os pacientes devem iniciar fármacos vasoativos, e</p><p>a endoscopia com laqueação elástica é realizada após reanimação inicial.</p><p>Farmacoterapia</p><p>A farmacoterapia funciona mediante a redução do fluxo de sangue nas varizes, o que, por sua vez, diminui a pressão das</p><p>varizes. A terapia médica deve ser iniciada no começo do sangramento varicoso. Considerando que as infecções são comuns</p><p>em pacientes com sangramento varicoso, a antibioticoterapia profilática deve ser iniciada. Isso mostrou reduzir a taxa de</p><p>infecção em mais de 50%, diminuir o ressangramento e melhorar a sobrevida. Estudos randomizados mostraram também</p><p>que a somatostatina e seu análogo octreotida de mais longa ação são tão eficazes quanto o tratamento endoscópico para</p><p>controle da hemorragia digestiva varicosa aguda. Devido aos efeitos colaterais mínimos e à facilidade de administração, a</p><p>octreotida agora é comumente usada como complemento à terapia endoscópica. Na verdade, a combinação de terapia</p><p>endoscópica e octreotida é mais eficaz no controle do sangramento que a octreotida isoladamente, sendo o tratamento de</p><p>escolha para a maioria dos pacientes. Em casos graves de hemorragia, a vasopressina pode ser usada para reduzir o fluxo</p><p>sanguíneo esplâncnico, entretanto, devido aos efeitos adversos sistêmicos da vasopressina, a nitroglicerina deve ser</p><p>infundida simultaneamente e então monitorada, tendo‑se em vista o controle da pressão arterial.</p><p>Tamponamento de varizes</p><p>Alguns estudos controlados mostraram que o tamponamento com balão é tão eficaz quanto a farmacoterapia e a terapia</p><p>endoscópica para controlar a hemorragia digestiva aguda alta. As principais vantagens do tamponamento das varizes</p><p>usando o balão de Sengstaken‑Blakemore são a imediata cessação do sangramento em mais de 85% dos pacientes e a</p><p>disponibilidade difundida desse dispositivo (Fig. 53‑19); no entanto, também existem desvantagens significativas do</p><p>tamponamento com balão, incluindo hemorragia recorrente frequente em até 50% dos pacientes após o esvaziamento do</p><p>balão, desconforto considerável para o paciente e uma alta incidência de complicações graves quando usado incorretamente</p><p>por um profissional da saúde inexperiente.</p><p>Fabiana Carvalho</p><p>Fabiana Carvalho</p><p>Fabiana Carvalho</p><p>Fabiana Carvalho</p><p>FIGURA 5319 Sonda de SengstakenBlakemore modificada. Observe a sonda nasogástrica acessória para</p><p>aspiração de secreções, presa com fita, acima do balão esofágico e os dois grampos para evitar a</p><p>descompressão inadvertida do balão gástrico. (De Rikkers LF: Portal hypertension. In Goldsmith H, editor: Practice of</p><p>surgery, Philadelphia, 1981, Harper & Row, pp 1–37.)</p><p>Abordagens intervencionistas</p><p>Na maioria das instituições, o TIPS tornou‑se o tratamento de escolha para as hemorragias varicosas agudas quando a</p><p>farmacoterapia e o tratamento endoscópico falham. Com o TIPS, um shunt laterolateral porto‑cava é estabelecido. O TIPS é</p><p>capaz de controlar a hemorragia em quase todos os pacientes, no entanto está associado a risco de encefalopatia. Além</p><p>disso, no caso de disfunção do shunt, existe risco de hemorragia recorrente. O uso de stents cobertos com</p><p>propiltetrafluoroetileno (PTFE) foi um grande passo à frente. Os stents com PTFE têm uma taxa de patência ao longo do</p><p>tempo mais elevada e taxas de mortalidade reduzidas.5 O uso de TIPS em pacientes com falência multiorgânica ou naqueles</p><p>com doença hepática descompensada está associado a elevada mortalidade em 30 dias. Nesses pacientes, o uso precoce do</p><p>TIPS, em vez de somente depois da falha de outras terapias, pode estar associado a melhores resultados.</p><p>Abordagens cirúrgicas</p><p>Os procedimentos cirúrgicos são geralmente reservados para as situações às quais o TIPS não está indicado ou está</p><p>indisponível. A seleção da cirurgia de emergência apropriada deve ser guiada principalmente pela experiência do cirurgião.</p><p>Embora as terapias não cirúrgicas sejam eficazes na maioria dos pacientes com hemorragia varicosa aguda, uma cirurgia de</p><p>emergência deve ser prontamente realizada quando medidas menos invasivas não conseguirem controlar a hemorragia ou</p><p>não estiverem indicadas. As situações mais comuns que necessitam de cirurgia de urgência ou emergência são falhas do</p><p>tratamento endoscópico, fracasso da terapia endoscópica em longo prazo, hemorragia por varizes gástricas ou gastropatia</p><p>portal hipertensiva e insucesso na colocação do TIPS.</p><p>A transecção esofágica com um grampeador é rápida e relativamente simples, mas as taxas de ressangramento após esse</p><p>procedimento são elevadas. Além disso, há pouca evidência de que as taxas de mortalidade sejam menores do que depois</p><p>da descompressão portal.</p><p>Uma cirurgia de shunt comumente realizada em situações de emergência é o shunt porto‑cava, porque é rápida e</p><p>efetivamente descomprime a circulação venosa portal. Resultados impressionantes foram obtidos por Orloff et al.,6 mas não</p><p>por outros, quando um shunt porto‑cava de emergência foi utilizado como terapia de rotina para hemorragia varicosa</p><p>aguda. Em pacientes que não estão ativamente sangrando no momento da cirurgia e naqueles nos quais o sangramento está</p><p>temporariamente controlado pela farmacoterapia ou tamponamento com balão, uma cirurgia mais complexa, como</p><p>o shunt esplenorrenal distal, pode ser apropriada. A principal desvantagem da cirurgia de emergência é que as taxas de</p><p>mortalidade excedem 25% na maioria das séries relatadas. A mortalidade pós‑operatória precoce geralmente está</p><p>relacionada com o status da reserva funcional hepática, e não com o tipo de cirurgia de emergência selecionado.</p><p>Prevenção da Hemorragia Varicosa Recorrente</p><p>Depois que um paciente tem sangramento de varizes, a probabilidade de um episódio subsequente ultrapassa os 70%.</p><p>Tendo em vista que a maioria dos pacientes com hemorragia varicosa tem doença hepática crônica, os desafios do</p><p>tratamento em longo prazo são a prevenção de hemorragia recorrente e a manutenção de uma função hepática satisfatória.</p><p>As opções disponíveis para o tratamento definitivo incluem farmacoterapia, repetição do tratamento endoscópico, TIPS,</p><p>cirurgias de shunts (p. ex., não seletiva, seletiva, parcial), os vários procedimentos não shunts e transplante de fígado. O</p><p>esquema de tratamento mais eficaz geralmente</p><p>requer duas ou mais destas terapias na sequência. Na maioria dos centros, o</p><p>tratamento inicial consiste em farmacoterapia ou terapia endoscópica com descompressão portal por meio de TIPS ou</p><p>um shunt cirúrgico reservado para o fracasso do tratamento de primeira linha. O transplante hepático é utilizado para</p><p>pacientes com doença hepática em estágio final.</p><p>Farmacoterapia</p><p>Uma metanálise de estudos controlados com beta‑adrenérgico não seletivo tem demonstrado que esse tratamento diminui</p><p>significativamente a probabilidade de hemorragia recorrente e mostra uma tendência de redução da mortalidade.7 A</p><p>combinação de betabloqueadores e nitrato de ação prolongada (p. ex., mononitrato de 5‑isossorbida) mostrou ser mais</p><p>eficaz do que a ligadura varicosa.8 A terapia de associação é também mais eficaz do que o betabloqueador isoladamente. A</p><p>farmacoterapia em longo prazo deve ser utilizada apenas em pacientes complacentes e que são observados cuidadosamente</p><p>por seu médico.</p><p>Terapia endoscópica</p><p>Vários ensaios controlados e uma metanálise comparando escleroterapia endoscópica com as ligaduras varicosas têm</p><p>mostrado uma vantagem significativa com esta última técnica. As complicações são menos frequentes após a ligadura das</p><p>varizes e menos sessões de tratamento são necessárias para erradicá‑las (Fig. 53‑20). Também as taxas de ressangramento e</p><p>mortalidade parecem ser menores após a ligadura varicosa. A combinação de ligadura de varizes e farmacoterapia com</p><p>betabloqueadores não seletivos é mais eficaz que a ligadura varicosa isolada.9 Esse resultado foi confirmado em uma</p><p>metanálise que incluiu dados de 17 ensaios controlados randomizados,10 na qual uma combinação de betabloqueadores</p><p>com tratamento endoscópico reduziu de modo significativo as taxas de ressangramento em 6, 12 e 24 meses. Além disso, a</p><p>mortalidade em 24 meses foi consideravelmente mais baixa para o grupo com tratamento combinado. Assim, nesse</p><p>momento, a terapia combinada deve ser recomendada como tratamento de primeira linha para a profilaxia secundária do</p><p>sangramento varicoso.</p><p>FIGURA 5320 Ligadura endoscópica de varizes esofágicas. A, A variz é atraída para o ligador pela sucção. B,</p><p>O anel O é aplicado. (De Turcotte JG, Roger SE, Eckhauser FE: Portal hypertension. In Greenfield LJ, Mulholland MW, Oldham</p><p>KT, editors: Surgery: Scientific principles and practice, Philadelphia, 1993, JB Lippincott, p 899.)</p><p>Vários estudos controlados comparando a terapia endoscópica crônica com o tratamento clínico convencional foram</p><p>realizados. Ainda que poucos pacientes que receberam tratamento endoscópico, além do tratamento médico, tenham</p><p>experimentado ressangramentos em todas as investigações, a taxa de recorrência foi de aproximadamente 50% naqueles sob</p><p>a terapia endoscópica. O ressangramento é mais frequente no primeiro o ano após o episódio inicial. A taxa de</p><p>ressangramento diminui em cerca de 15% anualmente. Embora um único episódio de hemorragia recorrente não signifique</p><p>fracasso da terapia, a hemorragia descontrolada, os vários episódios de ressangramentos volumosos, a hemorragia de</p><p>varizes gástricas e a gastropatia hipertensiva implicam a necessidade da substituição da terapia endoscópica por outra</p><p>modalidade de tratamento. Ocorre fracasso do tratamento endoscópico secundário a ressangramentos em até um terço dos</p><p>pacientes. Assim, a terapia endoscópica é uma abordagem inicial racional para muitos pacientes que apresentam</p><p>sangramento de varizes esofágicas, mas o tratamento subsequente com TIPS, uma cirurgia de não derivação (shunt), um</p><p>procedimento de shunt ou mesmo um transplante de fígado devem ser indicados para uma porcentagem significativa de</p><p>pacientes. Por causa das suas taxas de falha relativamente elevadas, uma sessão de terapia endoscópica repetida não deve</p><p>ser adotada para pacientes que não dispõem de possibilidade de atendimento rápido por viverem a longa distância de uma</p><p>assistência médica avançada.</p><p>Terapia intervencionista</p><p>O TIPS está sendo cada vez mais utilizado como um tratamento definitivo para os pacientes que sangram em virtude da</p><p>hipertensão portal (Fig. 53‑21). A principal limitação do TIPS, entretanto, é uma alta incidência (até 50%) de estenose ou</p><p>trombose do shunt no primeiro ano. A estenose do shunt geralmente é secundária à hiperplasia neointimal, sendo mais</p><p>frequente que a trombose e podendo ser resolvida por dilatação do TIPS com balão ou, em alguns casos, pela realização de</p><p>um shunt secundário. A oclusão total de shunt ocorre em 10% a 15% dos pacientes. A estenose e a trombose do shunt são</p><p>muitas vezes seguidas por hemorragia hipertensiva portal recorrente. A estenose e a oclusão do TIPS tornaram‑se menos</p><p>frequentes com o uso de stents cobertos com PTFE.</p><p>FIGURA 5321 Colocação de um shunt portossistêmico intrahepático transjugular. A VCI é acessada pela veia</p><p>jugular interna direita. Se a veia jugular interna direita não for viável, a veia jugular interna esquerda também</p><p>pode ser usada. Por este acesso um cateter 5F é colocado na veia hepática direita e dirigido para um ramo</p><p>periférico. A venografia hepática em cunha é então realizada com gás CO2 para opacificar o sistema venoso</p><p>portal. Utilizando a imagem com venograma hepático como guia, uma agulha é avançada pela parede da veia</p><p>hepática direita e dirigida de forma anteroinferior para acessar a VP direita. Uma vez que a veia porta está</p><p>canalizada, é injetado CO2no trato parenquimatoso para excluir a transgressão do ducto biliar ou da artéria</p><p>hepática. Assim que se confirma a colocação adequada, a endoprótese do TIPS é colocada, o que cria</p><p>um shunt entre a veia porta e a veia hepática, diminuindo, assim, a resistência e descomprimindo as varizes.</p><p>Os TIPS foram comparados com estudos de terapia endoscópica sequencial em 11 estudos aleatórios controlados. Menor</p><p>número de pacientes ressangra após o TIPS (19%) quando em comparação com o tratamento endoscópico (47%), mas a</p><p>encefalopatia foi significativamente mais comum em pacientes com TIPS (34%). As disfunções do TIPS foram observadas</p><p>em 50% dos pacientes. A principal vantagem do TIPS é ser uma abordagem não cirúrgica. Assim, parece ser a terapia ideal</p><p>quando é necessária descompressão portal apenas em curto prazo. Os candidatos a transplante hepático que não obtiveram</p><p>êxito na terapia endoscópica ou farmacológica, portanto, são adequados para o TIPS seguidos de transplante quando um</p><p>órgão doador se torna disponível. Como resultado, o paciente é protegido contra a possibilidade de sangramento nesse</p><p>ínterim, e o procedimento de transplante pode ser facilitado pela menor pressão portal. Outro grupo de pacientes nos quais</p><p>o TIPS pode ser vantajoso inclui aqueles com descompensação funcional hepática avançada que provavelmente não</p><p>sobreviveriam tempo suficiente sem o aporte do TIPS. Como funciona do mesmo modo que um shunt portossistêmica</p><p>laterolateral, o TIPS também é eficaz para o tratamento da ascite clinicamente intratável.</p><p>Tratamento cirúrgico</p><p>As derivações portossistêmicas são seguramente o meio mais eficaz de prevenção das hemorragias recorrentes em pacientes</p><p>com hipertensão portal. Esses procedimentos são eficazes porque descomprimem o sistema venoso portal em diferentes</p><p>níveis de intensidade por derivação do fluxo portal para a menor pressão do sistema venoso sistêmico. O desvio do sangue</p><p>portal, entretanto, que contém hormônios hepatotrópicos, nutrientes e toxinas cerebrais, também é responsável por</p><p>consequências adversas das operações de derivações – ou seja, encefalopatia portossistêmica e insuficiência hepática</p><p>exacerbada. As derivações portossistêmicas podem ser classificadas como não seletivas, seletivas ou parciais, conforme</p><p>descomprimem completamente, compartimentalizam ou descomprimem</p><p>parcialmente a circulação venosa portal. Além da</p><p>descompressão varicosa, shunts seletivo e parcial portossistêmicos também têm o objetivo de preservar a perfusão portal</p><p>hepática e, portanto, prevenir ou minimizar as consequências adversas desses procedimentos.</p><p>Shunts não seletivos</p><p>As derivações não seletivas usualmente utilizadas para desviar completamente o fluxo portal são o shunt porto‑cava</p><p>terminolateral (fístula de Eck), o shunt porto‑cava laterolateral, os shunts de interposição porto‑cava calibrado e</p><p>o shunt esplenorrenal convencional (Fig. 53‑22). A derivação porto‑cava terminolateral é o protótipo de shunts não seletivos,</p><p>sendo o único procedimento de derivação que tem sido comparado com o tratamento clínico convencional em estudos</p><p>randomizados controlados. A Figura 53‑23 mostra dados da sobrevida de quatro estudos controlados da derivação porto‑</p><p>cava terapêutico realizada em pacientes com hemorragia varicosa prévia. As causas mais comuns de êxito letal em pacientes</p><p>tratados clinicamente e derivados foram ressangramento e aceleração de insuficiência hepática, respectivamente. Embora</p><p>não se possa mostrar uma vantagem da sobrevida para pacientes com shunt, todos estes estudos tinham um viés cruzado</p><p>em favor dos pacientes tratados clinicamente, vários dos quais receberam um shunt quando apresentaram a hemorragia</p><p>varicosa recorrente intratável. Além disso, quase todos os pacientes do estudo eram portadores de cirrose alcoólica,</p><p>portanto esses resultados não necessariamente se aplicam a outras causas de hipertensão portal. Outros achados</p><p>importantes desses estudos randomizados incluem controle de sangramento em pacientes derivados, ressangramento</p><p>varicoso em mais de 70% dos pacientes tratados clinicamente e encefalopatia espontânea, muitas vezes grave em 20% a 40%</p><p>dos pacientes com derivação.Todas as demais derivações não seletivas assinaladas na Figura 53‑22 mantêm a continuidade</p><p>da veia porta, ou seja, conectam a veia porta e os sistemas venosos sistêmicos de forma laterolateral; portanto esses</p><p>procedimentos descomprimem a circulação venosa esplâncnica e a rede sinusoidal intra‑hepática. Como o fígado e os</p><p>intestinos são importantes colaboradores para a formação da ascite, os shunts portossistêmicos laterolaterais são os</p><p>procedimentos de derivação mais eficazes para aliviar a ascite, bem como para prevenir sangramento varicoso recorrente.</p><p>Quando se desvia completamente o fluxo portal, no entanto, como no shunt porto‑cava terminolateral, shunts laterolaterais</p><p>também aceleram a insuficiência hepática e levam à encefalopatia pós‑shunt com elevada frequência.</p><p>FIGURA 5322 Shunts não seletivos desviam completamente o fluxo sanguíneo portal para fora do fígado. (De</p><p>Rikkers LF: Portal hypertension. In Moody FG, Carey LC, Scott Jones RS, et al, editors: Surgical treatment of digestive disease,</p><p>Chicago, 1986, Year Book Medical, pp 409–424.)</p><p>FIGURA 5323 Dados de sobrevida cumulativa de quatro estudos controlados do shunt porto</p><p>cava versus tratamento clínico convencional. (De Boyer TD: Portal hypertension and its complications: Bleeding esophageal</p><p>varices, ascites, and spontaneous bacterial peritonitis. In Zakim D, Boyer TD, editors: Hepatology: A textbook of liver disease,</p><p>Philadelphia, 1982, WB Saunders, pp 464–499.)</p><p>O shunt esplenorrenal convencional consiste na anastomose da porção proximal da veia esplênica proximal com a veia</p><p>renal. A esplenectomia também é realizada. Por ser de menor calibre do que a porção distal, este tipo de derivação é mais</p><p>sujeito a trombose. Embora em uma série inicial tenha sido observado que a encefalopatia pós‑shunt era menos comum após</p><p>o shunt esplenorrenal convencional do que após o shunt porto‑cava, análises subsequentes sugeriram que esta reduzida</p><p>frequência de encefalopatia estaria provavelmente relacionada com a restauração da perfusão hepática portal após</p><p>trombose do shunt, desenvolvida em muitos pacientes. Um shunt esplenorrenal convencional de calibre suficiente para</p><p>permanecer patente se dilata de forma gradual e eventualmente proporciona uma descompressão portal completa pela</p><p>derivação do fluxo portal. Uma suposta vantagem do procedimento é que o hiperesplenismo é eliminado pela</p><p>esplenectomia. A trombocitopenia e a leucopenia que acompanham a hipertensão portal, no entanto, raramente são de</p><p>importância clínica, tornando a esplenectomia um processo desnecessário para a maioria dos pacientes.</p><p>Em resumo, os shunts não seletivos efetivamente descomprimem as varizes. Por causa da derivação completa do fluxo</p><p>portal, entretanto, elas são complicadas por frequente encefalopatia pós‑operatória e insuficiência hepática progressiva.</p><p>Os shunts laterolaterais não seletivos efetivamente aliviam a ascite e previnem a hemorragia varicosa. Atualmente</p><p>os shunts não seletivos são raramente indicados. O TIPS, também um shunt não seletivo, é a terapia de escolha para a</p><p>maioria das situações nas quais os shunts não seletivos eram usados anteriormente (p. ex., pacientes com sangramento de</p><p>varizes e ascite clinicamente intratável). Geralmente um shunt não seletivo é realizado apenas quando não se pode utilizar o</p><p>TIPS ou quando há uma tentativa fracassada de sua utilização.</p><p>Shunts seletivos</p><p>As deficiências clínicas e hemodinâmicas de shunts não seletivos estimularam o desenvolvimento do conceito de</p><p>descompressão seletiva das varizes. Em 1967, Warren et al. introduziram o shunt esplenorrenal distal. No ano seguinte,</p><p>Inokuchi et al. relataram seus resultados iniciais com o shunt de veia gástrica esquerda com a cava, que consiste na</p><p>interposição de um enxerto entre a veia gástrica (coronária estomáquica) esquerda e a VCI que atua direta e seletivamente</p><p>na descompressão das varizes esofagogástricas. Apenas a minoria dos pacientes com hipertensão portal, no entanto, tem</p><p>anatomia apropriada para esta operação; a experiência com ela tem sido limitada ao Japão, e estudos não controlados têm</p><p>sido realizados.</p><p>O shunt esplenorrenal distal consiste na anastomose da extremidade distal da veia esplênica à veia renal esquerda e na</p><p>ligadura de todos os vasos colaterais (p. ex., veias coronária e gastroepiploica),��que conectam a veia mesentérica superior</p><p>aos componentes gastroesplênicos da circulação venosa esplâncnica (Fig. 53‑24). Isso resulta na separação da circulação</p><p>venosa portal em um circuito venoso descomprimido gastroesplênico e alta pressão no sistema venoso mesentérico superior</p><p>que continua para perfundir o fígado. Embora o procedimento seja tecnicamente difícil, pode ser empregado com eficiência</p><p>por cirurgiões bem treinados que têm domínio dos princípios da cirurgia vascular.</p><p>FIGURA 5324 Shunt esplenorrenal distal fornece seletiva descompressão de varizes das veias gástricas</p><p>curtas, baço e veia esplênica para a veia renal esquerda. Perfusão portal hepática é mantida pela interrupção das</p><p>veias umbilical, coronária, gastroepiploica e quaisquer outros colaterais proeminentes. (De Salam AA: Distal</p><p>splenorenal shunts: Hemodynamics of total versus selective shunting. In Baker RJ, Fischer JE, editors: Mastery of surgery, ed 4,</p><p>Philadelphia, 2001, Lippincott Williams & Wilkins, pp 1357–1366.)</p><p>Nem todos os pacientes são candidatos ao shunt esplenorrenal distal. Devido às hipertensões sinusoidal e mesentérica</p><p>serem conservadas e importantes vias linfáticas seccionadas durante a dissecção da veia renal esquerda,</p><p>o shunt esplenorrenal distal tende a agravar a ascite, em vez de aliviá‑la. Assim, pacientes com ascite clinicamente</p><p>intratáveis não devem ser submetidos a esse procedimento; no entanto a maior parte dos pacientes que desenvolvem ascite</p><p>transitória após o controle de uma hemorragia varicosa é candidata</p><p>a uma derivação seletiva. Outra contraindicação para</p><p>um shunt esplenorrenal distal é a esplenectomia prévia. O diâmetro de veia esplênica inferior a 7 mm é uma contraindicação</p><p>relativa ao procedimento, porque a incidência de trombose da derivação é alta quando se usa uma veia de pequeno</p><p>diâmetro. Embora a descompressão varicosa seletiva seja um conceito fisiológico seguro, o shunt esplenorrenal distal</p><p>permanece controversa após uma vasta experiência clínica de quase 40 anos.</p><p>Embora o shunt esplenorrenal distal proporcione a conservação do fluxo portal em mais de 85% dos pacientes durante o</p><p>pós‑ ‑operatório precoce, o sistema venoso mesentérico de alta pressão gradualmente cria colaterais para o shunt de baixa</p><p>pressão, resultando em perda do aporte portal em aproximadamente 50% dos pacientes por ano. O grau e a duração da</p><p>preservação do fluxo portal dependem da causa da hipertensão portal e dos detalhes técnicos da operação (à medida que as</p><p>circulações mesentérica e gastroesplênica venosa são desconectadas). Embora o fluxo portal seja mantido na maioria dos</p><p>pacientes com cirrose alcoólica e hipertensão portal não cirrótica (p. ex., trombose da veia porta), o aporte sanguíneo portal</p><p>estabelece rapidamente colaterais com o shunt em pacientes com cirrose alcoólica.</p><p>A modificação do shunt esplenorrenal distal em consequência de ligadura proposital ou acidental da veia coronária</p><p>resulta na perda precoce do fluxo portal. Mesmo quando todos os vasos colaterais importantes são ligados, o fluxo portal</p><p>pode ser gradualmente desviado por meio de uma rede colateral pancreática (sifão pancreático). Essa via pode ser</p><p>desconectada por toda a extensão da veia esplênica com o pâncreas, ou seja, a desconexão esplenopancreática, que resulta</p><p>em melhor preservação da perfusão portal hepática, especialmente em pacientes com cirrose alcoólica. Esta abordagem do</p><p>procedimento, no entanto, torna‑o tecnicamente mais difícil, além de apresentar uma desvantagem significativa em uma era</p><p>em que menos shunts estão sendo realizados por causa do aumento do uso de terapia endoscópica, TIPS e transplante de</p><p>fígado.</p><p>Seis das sete comparações controladas de shunt esplenorrenal distal para derivações não seletivas incluíram pacientes</p><p>cirróticos predominantemente alcoólicos. Nenhum desses estudos mostrou uma vantagem para qualquer procedimento em</p><p>relação à sobrevida em longo prazo. Três dos estudos encontraram uma frequência menor de encefalopatia após</p><p>o shunt esplenorrenal distal, enquanto outros não mostraram diferenças na incidência desta complicação pós‑operatória. Em</p><p>contrapartida com a sobrevida, a encefalopatia é um ponto subjetivo que foi avaliado com vários métodos nos ensaios.</p><p>Outro ponto importante, comparando‑se os tratamentos para hemorragia varicosa, foi a eficácia com que o sangramento</p><p>recorrente foi impedido. Em quase todas as séries não controladas e controladas do shunt esplenorrenal distal, esse</p><p>procedimento foi equivalente a shunts não seletivos na prevenção de hemorragia recorrente. Principalmente por causa</p><p>desses resultados inconsistentes de estudos controlados, não há consenso sobre qual procedimento de shunt é superior em</p><p>pacientes com cirrose alcoólica. Quanto à qualidade de vida (p. ex., taxa de encefalopatia inferior), os resultados foram</p><p>melhores no grupo de derivação esplenorrenal distal em três dos estudos, e parece haver uma vantagem na descompressão</p><p>seletiva das varizes, mesmo nesta população.</p><p>Consideravelmente, menos dados estão disponíveis sobre derivação seletiva na hipertensão portal não cirrótica e na</p><p>cirrose alcoólica. Como a perfusão portal hepática após o shunt esplenorrenal distal é mais bem preservada nessas</p><p>categorias de doença, poder‑se‑iam esperar resultados mais animadores. Um único estudo controlado em pacientes com</p><p>esquistossomose (hipertensão portal pré‑sinusoidal) mostrou uma frequência menor de encefalopatia</p><p>após shunt esplenorrenal distal do que depois de um shunt esplenorrenal convencional (não seletivo). Outra grande série da</p><p>Emory University mostrou que o shunt esplenorrenal distal está mais fortemente associado a melhor sobrevida em</p><p>pacientes com cirrose não alcoólica do que naqueles com cirrose alcoólica; no entanto isso não foi um achado consistente em</p><p>todos os centros em que foram realizadas derivações esplenorrenais distais.</p><p>Vários estudos controlados também têm comparado o shunt esplenorrenal distal com a terapia endoscópica sequencial.</p><p>Nessas investigações, as hemorragias recorrentes foram mais efetivamente eliminadas pela derivação seletiva do que pela</p><p>escleroterapia, no entanto a perfusão portal hepática manteve‑se em uma fração significativamente maior nos pacientes</p><p>submetidos à escleroterapia. Apesar dessa vantagem hemodinâmica, as taxas de encefalopatia foram semelhantes após as</p><p>duas terapias.</p><p>Dois estudos norte‑americanos foram diferentes em relação ao efeito destes tratamentos na sobrevida em longo prazo.</p><p>Para um terço do insucesso, a escleroterapia com intervenção cirúrgica resultou em sobrevida significativamente melhor do</p><p>que o de shunt seletivo isolado, enquanto 85% das falhas na escleroterapia poderiam ser salvos por cirurgia. Em contraste,</p><p>uma investigação semelhante conduzida em uma área esparsamente populosa (planícies montanhosas do oeste) mostrou</p><p>uma sobrevida superior após a shunt esplenorrenal distal. Apenas 31% das escleroterapias malsucedidas poderiam ser</p><p>resolvidos por cirurgia neste estudo. Os resultados de sobrevida destes dois estudos sugerem que a terapia endoscópica é</p><p>um tratamento inicial racional para pacientes com sangramento de varizes se o insucesso da escleroterapia for reconhecido</p><p>e estes pacientes forem prontamente submetidos ao TIPS ou cirurgia; entretanto os pacientes que vivem em áreas remotas</p><p>são menos suscetíveis à recuperação por cirurgia de shunt quando o tratamento endoscópico falha, portanto uma derivação</p><p>seletiva pode ser a terapia inicial mais aconselhável para esses pacientes.</p><p>Em uma comparação não randomizada do TIPS, o shunt esplenorrenal distal teve menores taxas de sangramento</p><p>recorrente, encefalopatia e trombose de shunt. A ascite foi menos prevalente após TIPS. Um estudo multicêntrico aleatório</p><p>comparando TIPS e shunt esplenorrenal distal para o tratamento eletivo de sangramento de varizes em pacientes cirróticos</p><p>com bom risco mostrou resultados no geral equivalentes para estes dois procedimentos. As taxas de ressangramento não</p><p>foram significativamente diferentes entre o shunt esplenorrenal distal (6%) e o TIPS (11%), mas isso representa a menor taxa</p><p>de ressangramento publicada após o uso do TIPS. Isto foi provavelmente secundário à vigilância meticulosa da patência do</p><p>TIPS por ultrassonografia e angiografia. Reintervenção frequente em pacientes com TIPS (82% em comparação com 11% dos</p><p>pacientes de shunt esplenorrenal distal) foi necessária para se obterem esses resultados. Neste estudo, a sobrevida e a</p><p>encefalopatia pós‑shunt foram semelhantes depois dos dois procedimentos.</p><p>Shunts parciais</p><p>Os objetivos dos shunts parciais e seletivos são os mesmos: descompressão eficaz de varizes, preservação da perfusão portal</p><p>hepática e manutenção de alguma hipertensão portal residual. As tentativas iniciais de derivação parcial consistiam na</p><p>anastomose veia a veia de pequeno calibre. Em geral, essas são trombosadas ou dilatadas com o tempo e, assim, tornam‑</p><p>se shunts não seletivos.</p><p>Mais recentemente, foi descrita uma interposição de shunt porto‑cava de pequeno diâmetro usando um enxerto de</p><p>politetrafluoretileno combinado com ligadura da veia coronária e outros vasos colaterais (Fig. 53‑25). Quando a prótese tem</p><p>10 mm ou menos de diâmetro, a perfusão portal hepática é preservada na maioria dos pacientes, pelo menos durante o</p><p>período pós‑operatório precoce. A experiência com essa prótese com shunt de pequeno diâmetro é que menos de 15%</p><p>dos shunts trombosaram, e a maioria tem sido realizada com êxito por técnicas radiológicas intervencionistas. Um pequeno</p><p>ensaio aleatório prospectivo de shunts com interposição parcial porto‑cava (8 mm de diâmetro) não seletivos (16 mm de</p><p>diâmetro) mostrou uma frequência menor de encefalopatia após o shunt parcial, mas a sobrevida foi similar após ambos os</p><p>tipos de shunts. Em outro estudo clínico controlado, o shunt de interposição de pequeno diâmetro foi assinalado com uma</p><p>taxa de insucesso menor que a do TIPS.</p><p>FIGURA 5325 Uma interposição de shunt portocava de pequeno diâmetro (8 a 10 mm) parcialmente</p><p>descomprime o sistema venoso portal e pode preservar a perfusão portal hepática. (De Sarfeh IJ, Rypins EB, Mason</p><p>GR: A systematic appraisal of portacaval Hgraft diameters: Clinical and hemodynamic perspectives. Ann Surg 204:356–363, 1986.)</p><p>Transplante hepático</p><p>O transplante de fígado não é um tratamento para sangramento varicoso, mas deve ser considerado para todos os pacientes</p><p>que apresentam insuficiência hepática terminal, acompanhada ou não por sangramento. O transplante em pacientes que</p><p>sangraram secundariamente à hipertensão portal é a única terapia que lida com a doença hepática subjacente, além de</p><p>fornecer a descompressão portal confiável. Devido a fatores econômicos e um suprimento limitado de doadores de órgãos,</p><p>o transplante de fígado não está disponível para todos os pacientes. Além disso, o transplante não é indicado para algumas</p><p>das causas mais comuns de sangramento varicoso, como a esquistossomose (função hepática normal) e o alcoolismo ativo</p><p>(recusa).</p><p>Há evidências acumuladas de que sangramentos varicosos com reserva funcional hepática compensada (Child‑Pugh</p><p>classes A e B + ) são inicialmente mais beneficiados por estratégias de não transplante. Os tratamentos farmacológico e</p><p>endoscópico devem ser condiderados de primeira linha para esses pacientes. Para aqueles que não respondem ao</p><p>tratamento de primeira linha, pode ser realizada uma derivação cirúrgica ou TIPS, as quais também podem ser aplicadas</p><p>sob circunstâncias em que o tratamento farmacológico ou endoscópico seria arriscado, como em pacientes com varizes</p><p>gástricas e geograficamente afastados de atendimento terciário.</p><p>Os pacientes com sangramento de varizes candidatos a transplante incluem cirróticos alcoólicos e abstinentes com reserva</p><p>funcional hepática limitada (Child‑Pugh classes B e C) ou qualidade de vida ruim secundária a doença (p. ex., encefalopatia,</p><p>fadiga, dor óssea). Nesses pacientes, a hemorragia aguda deve ser tratada com terapia endoscópica, farmacoterapia e</p><p>ativação imediata da candidatura a um transplante. Se a farmacoterapia e o tratamento endoscópico forem ineficazes, o</p><p>TIPS deve ser inserido como uma ponte de curto prazo para o transplante.</p><p>Se um procedimento de não transplantação (p. ex., shunt cirúrgico ou TIPS) for realizado inicialmente, esses pacientes</p><p>devem ser cuidadosamente avaliados em intervalos regulares de seis a 12 meses. O transplante hepático deve ser</p><p>considerado quando outras complicações da cirrose se desenvolvem ou quando a descompensação hepática funcional é</p><p>evidente clinicamente ou por avaliação cuidadosa com TFHs quantitativas.</p><p>Algoritmo para o Tratamento da Hemorragia Varicosa</p><p>Um algoritmo para tratamento definitivo da hemorragia varicosa é mostrado na Figura 53‑26. Os pacientes são inicialmente</p><p>agrupados de acordo com sua candidatura ao transplante. Essa decisão é baseada em uma série de fatores, incluindo a</p><p>causa da hipertensão portal, a abstinência de alcoólicos cirróticos, a presença ou ausência de outras doenças e a idade</p><p>fisiológica, em vez de cronológica. Os candidatos a transplante com função hepática descompensada ou qualidade de vida</p><p>ruim secundária a doença hepática devem ser submetidos a transplante assim que possível.</p><p>FIGURA 5326 Algoritmo para terapia definitiva de hemorragia varicosa (Ver texto para detalhes).(Adaptada de</p><p>Rikkers LF: Portal hypertension. In Levine BA, Copeland E, Howard R, et al, editors: Current practice of surgery (vol 3), New York,</p><p>1995, Churchill Livingstone.)</p><p>A maioria dos candidatos a transplante e não transplante futuro deve passar por tratamento endoscópico inicial ou</p><p>farmacoterapia, a menos que apresente sangramento de varizes gástricas ou gastropatia hipertensiva portal ou viva em uma</p><p>área geográfica distante e com acesso limitado ao atendimento terciário de emergência. Os pacientes que vivem em locais</p><p>distantes e aqueles cujas terapias endoscópica e medicamentosa foram malsucedidas devem receber um shunt seletivo ou</p><p>TIPS. Um estudo controlado aleatório mostrou que esses procedimentos são eficazes se for feito um cuidadoso</p><p>acompanhamento de TIPS patentes.</p><p>Até que os avanços na tecnologia do TIPS sejam totalmente alcançados, é provável que o shunt esplenorrenal distal</p><p>permaneça como uma solução em longo prazo mais durável e uma alternativa razoável para o insucesso do TIPS.</p><p>Entretanto o TIPS tem sido uma alternativa bastante utilizada, posto que restam alguns poucos cirurgiões com experiência</p><p>nas cirurgias de shunts; portanto, é provável que os shunts cirúrgicos venham a desempenhar um papel ainda menor no</p><p>tratamento do sangramento varicoso futuro. Os pacientes com ascite clinicamente intratável, além de sangramento varicoso,</p><p>são mais bem tratados com o TIPS quando medidas menos invasivas não conseguem controlar o sangramento. Se o TIPS</p><p>eventualmente falhar, um shunt laterolateral convencional pode então ser executado se o paciente tiver função hepática</p><p>razoável e não for um candidato ao transplante. Por outro lado, o TIPS é claramente indicado para pacientes com insucesso</p><p>no tratamento endoscópico que podem necessitar de transplante em um futuro próximo e para candidatos acometidos de</p><p>deterioração funcional hepática avançada. Os candidatos ao transplante futuro devem ser cuidadosamente monitorados</p><p>para que se submetam ao transplante no momento apropriado antes de se tornarem pacientes com riscos cirúrgicos</p><p>elevados.</p><p>O algoritmo do tratamento para sangramento varicoso mudou consideravelmente desde a década de 1970, quando a</p><p>terapia endoscópica, o transplante de fígado e o TIPS tornaram‑se disponíveis para estes pacientes. As operações sem</p><p>transplantes agora são menos frequentemente necessárias, os resultados da sobrevida são melhores, porque os pacientes de</p><p>alto risco cirúrgico são tratados por outros meios, e a cirurgia de emergência foi praticamente eliminada.</p><p>Doenças infecciosas</p><p>Abscesso Piogênico</p><p>Epidemiologia</p><p>Ochsner e DeBakey, em seu clássico artigo sobre abscesso piogênico do fígado em 1938, descreveram 47 casos e revisaram a literatura mundial. Esta</p><p>foi a maior experiência naquela época e a primeira tentativa séria de estudo desta doença. Naquele tempo, o abscesso piogênico do fígado era</p><p>principalmente uma doença que acometia pessoas na faixa etária entre 20 e 30 anos e resultante da apendicite aguda. Com as marcantes</p><p>modificações no atendimento médico desde então, e notadamente a utilização de antibióticos eficazes, o tratamento de efeito imediato para as</p><p>doenças inflamatórias agudas aliadas ao envelhecimento da população se alterou, e o espectro desta doença mudou. O abscesso hepático piogênico</p><p>é observado agora principalmente em pacientes de 50 a 60 anos e mais frequentemente está relacionado com doença do trato biliar ou é</p><p>criptogênico em sua natureza.</p><p>A incidência de abscesso piogênico do fígado permaneceu semelhante, no entanto. Em 1938, Ochsner e DeBakey registraram uma incidência de</p><p>hospitalizações</p><p>penetram no fígado pelo hilo e se distribuem por todo o fígado como uma unidade única do pedículo‑</p><p>portal, que também inclui um ducto biliar. Esta unidade é revestida por um folheto peritoneal que tem origem no hilo</p><p>hepático. A drenagem venosa ocorre pelas veias hepáticas direitas, médias e esquerdas, que drenam diretamente para a VCI</p><p>supra‑hepática.</p><p>FIGURA 531 A, Historicamente, o fígado foi dividido em lobos direito e esquerdo pela marcação externa do</p><p>ligamento falciforme. Sobre a superfície inferior do ligamento falciforme, o ligamento redondo pode ser visto</p><p>entrando na fissura umbilical. B, Superfície posterior e inferior do fígado. O fígado envolve a veia cava inferior</p><p>(VCI) posteriormente em uma ranhura. O lúmen das três maiores veias hepáticas (VHE, VHM, VHD) e a veia</p><p>adrenal direita podem ser vistos diretamente entrando na VCI. A área nua, limitada pelos ligamentos triangulares</p><p>direito e esquerdo, é ilustrada. À esquerda da VCI encontrase o lobo caudado, que é limitado em seu lado</p><p>esquerdo por uma fissura contendo o ligamento venoso. O omento menor termina junto à borda do ligamento</p><p>venoso e, assim, o lobo caudado achase dentro do omento menor, e o restante do fígado localizase no</p><p>compartimento supracólico. Uma camada de tecido fibroso pode ser vista ligando o lobo direito ao lobo caudado,</p><p>posteriormente à VCI, circundandoa. Este ligamento de tecido deve ser seccionado no lado direito, quando o</p><p>fígado direito for isolado da VCI. (De Blumgart LH, Hann LE: Surgical and radiologic anatomy of the liver and biliary tract. In</p><p>Blumgart LH, Fong Y, editors: Surgery of the liver and biliary tract, London, 2000, WB Saunders, pp 3–34.)</p><p>Desenvolvimento normal/embriologia</p><p>O fígado em desenvolvimento compartilha uma origem comum com a árvore biliar e o pâncreas. Durante a embriogênese,</p><p>os sinais são transmitidos do mesênquima cardíaco e do septo transverso. As moléculas que regulam esse fenômeno (p. ex.,</p><p>fator de crescimento dos fibroblastos, proteína morfogenética do osso, Wnt) começaram a ser elucidadas. O primórdio do</p><p>fígado começa a se formar na terceira semana de desenvolvimento como uma excrescência do epitélio endodérmico,</p><p>conhecida como divertículo hepático ou broto hepático. A conexão entre o divertículo hepático e o futuro duodeno contrai‑</p><p>se para formar o ducto biliar, e uma evaginação do ducto biliar forma a vesícula biliar e o ducto cístico. As células hepáticas</p><p>desenvolvem cordões e misturam‑se com as veias vitelinas e umbilicais para formar os sinusoides hepáticos.</p><p>Simultaneamente, as células hematopoiéticas, as células de Kupffer e o tecido conjuntivo formam‑se a partir do mesoderma</p><p>do septo transverso. O mesoderma do septo transverso conecta o fígado à parede abdominal ventral e ao intestino anterior.</p><p>Como o fígado cresce na cavidade abdominal, estas estruturas são alongadas até formarem finas membranas que se</p><p>transformam nos ligamentos falciforme e hepatogástrico. O mesoderma sobre a superfície do fígado em desenvolvimento</p><p>diferencia‑se em peritônio visceral, exceto na parte superior, onde é mantido o contato entre o fígado e o mesoderma</p><p>(futuro diafragma), formando uma área nua, desprovida de peritônio visceral (Fig. 53‑2).</p><p>FIGURA 532 Um embrião de aproximadamente 36 dias é mostrado. As extensões do septo transverso podem</p><p>ser vistas desenvolvendose à medida que o fígado se protrai na cavidade abdominal, alongandose e formando o</p><p>omento menor e o ligamento falciforme. O fígado está completamente envolvido pelo peritônio visceral, exceto</p><p>por uma pequena porção próxima ao diafragma, conhecida como área nua. (De Sadler TW: Langman’s medical</p><p>embryology, ed 5, Baltimore, 1985, Williams & Wilkins.)</p><p>O fígado primitivo desempenha um importante papel na circulação fetal. As veias vitelinas levam sangue do saco vitelino</p><p>ao seio venoso e, por fim, formam uma rede de veias em torno do tubo digestório anterior (futuro duodeno) que drena para</p><p>os sinusoides hepáticos em desenvolvimento. Estas veias vitelinas se fundem para formar as veias porta, mesentérica</p><p>superior e esplênica. O seio venoso, que desemboca no coração fetal, transforma‑se no canal hepatocardíaco e, depois, nas</p><p>veias hepáticas e na VCI supra‑hepática. As veias umbilicais, que são paralelas desde o início, levam o sangue oxigenado até</p><p>o feto. No início, as veias umbilicais drenam para os seios venosos, no entanto, depois de cinco semanas, começam a drenar</p><p>para os sinusoides hepáticos. A veia umbilical direita desaparece e a veia umbilical esquerda passa a drenar diretamente no</p><p>canal hepatocardíaco, ultrapassando os sinusoides hepáticos pelo ducto venoso. No fígado do adulto, o resquício da veia</p><p>umbilical esquerda transforma‑se no ligamento redondo, que se estende pelo ligamento falciforme na intimidade da cicatriz</p><p>umbilical, e o restante do ducto venoso transforma‑se no ligamento venoso na inserção do omento menor, sob o lobo</p><p>esquerdo do fígado (Fig. 53‑3).</p><p>FIGURA 533 A, Desenvolvimento das veias umbilical e vitelínicas de um embrião de 5 semanas. Os</p><p>sinusoides hepáticos desenvolveramse e, embora existam canais que os perpassem, as veias vitelínicas e</p><p>umbilical estão começando a drenar para eles. B, No segundo mês, as veias vitelínicas drenam diretamente para</p><p>os sinusoides hepáticos. Os ductos venosos se formaram e recebem sangue oxigenado da veia umbilical</p><p>esquerda, perpassam os sinusoides hepáticos e entram diretamente no canal hepatocardíaco. C, Por volta do</p><p>terceiro mês, as veias vitelínicas formam o sistema porta (veias esplênica, mesentérica superior e porta). A veia</p><p>umbilical direita desapareceu, e a veia umbilical esquerda (futuro ligamento redondo) drena para os sinusoides</p><p>venosos, perpassando os sinusoides hepáticos. Note o desenvolvimento da veia cava inferior e das veias</p><p>hepáticas. (De Sadler TW: Langman’s medical embryology, ed 5, Baltimore, 1985, Williams & Wilkins.)</p><p>O fígado do adulto é um sistema complexo de numerosos tipos celulares, incluindo hepatócitos, colangiócitos, células</p><p>neuroendócrinas, precursores hepáticos (conhecidos como células ovais), células mesenquimais miofibroblásticas</p><p>(conhecidas como células estreladas e miofibroblastos portais), macrófagos residentes (conhecidos como células de Kupffer)</p><p>e células endoteliais vasculares.</p><p>Anatomia Funcional</p><p>Historicamente, o fígado era dividido em lobos direito e esquerdo, determinados pelos ramos das veias porta e artérias</p><p>hepáticas. Essa descrição não somente era supersimplificada, como também era anatomicamente incorreta em relação ao</p><p>suprimento sanguíneo hepático. Nossa compreensão da anatomia funcional do fígado tornou‑se mais sofisticada.</p><p>A anatomia funcional do fígado (Figs. 53‑4 e 53‑5) é constituída por oito segmentos, cada um deles fornecido por uma</p><p>única tríade portal (também chamada de pedículo) composta por veia porta, artéria hepática e ducto biliar. Estes segmentos</p><p>são classificados em quatro setores separados por cissuras contendo as tr��s principais veias hepáticas. Os quatro setores são</p><p>ainda mais organizados em fígado direito e esquerdo. Os termos fígado direito e fígado esquerdo são preferíveis a lobo</p><p>direito e lobo esquerdo porque não há uma marca externa que permita a identificação do fígado direito e do fígado esquerdo.</p><p>Este sistema, originalmente descrito em 1957 por Woodsmith e Goldburne e por Couinaud, define a anatomia hepática,</p><p>porque é mais relevante para a operação do fígado. A anatomia funcional é mais frequentemente vista como imagens</p><p>transversais (Fig. 53‑6).</p><p>FIGURA 534 Demonstração esquemática da anatomia segmentar do fígado. Cada segmento recebe seu</p><p>próprio pedículo portal (tríade formada por veia porta, artéria hepática e ducto biliar). Os oito segmentos estão</p><p>ilustrados e os quatro setores, divididos pelas três veias hepáticas principais que correm nos sulcos, são</p><p>mostrados. A fissura umbilical (não uma cissura)</p><p>de 8/100.000, enquanto, em 1975, Piീ� e Zuidema registraram 13/100.000 hospitalizações. Estudos de duas grandes séries de</p><p>necropsia, um de 1901 e outro de 1960, relataram incidências similares de abscesso hepático piogênico, 0,45% e 0,59%, respectivamente. Estudos</p><p>mais recentes, da década de 1980 até os dias atuais, sugeriram pequenos, porém significativos, aumentos na incidência de abscesso hepático</p><p>piogênico, atingindo a ordem de 22/100.000 hospitalizações.11 Estes números podem estar diminuindo segundo dados recentes, o que pode refletir</p><p>uma melhora na qualidade das técnicas de imagem, além de sua maior disponibilidade, propiciando a utilização com mais frequência. As práticas</p><p>de admissão hospitalar também afetam esses números. Um estudo demográfico recente nos Estados Unidos calculou uma incidência anual de</p><p>3,6 casos/100.000 habitantes.12 Não há diferença significativa de gênero, etnia ou geográfica na frequência da doença; a relação homem‑mulher é de</p><p>aproximadamente 1,5 para 1; e as comorbidades associadas ao abscesso piogênico são cirrose, diabetes, insuficiência renal crônica e um histórico de</p><p>malignidade.</p><p>Patogênese</p><p>O fígado está provavelmente exposto a cargas bacterianas venosas portais regularmente e, em geral, as elimina sem problemas. O desenvolvimento</p><p>de um abscesso hepático ocorre quando o inóculo da bactéria, independentemente da rota de exposição, excede a capacidade do fígado de eliminá‑</p><p>la, o que resulta em invasão tecidual, infiltração de neutrófilos e formação de um abscesso organizado. As rotas potenciais de exposição hepática às</p><p>bactérias são árvore biliar, veia porta, artéria hepática, extensão direta de um nicho nas proximidades de infecção e trauma. Um resumo da</p><p>contribuição relativa destas rotas para a formação do abscesso hepático encontra‑se na Tabela 53‑3.</p><p>Tabela 533</p><p>Abscessos Piogênicos Atribuíveis a Causas Específicas</p><p>ANO DO</p><p>RELATÓRIO</p><p>N° DE</p><p>PACIENTES</p><p>CAUSA (%)</p><p>VEIA</p><p>PORTA</p><p>ARTÉRIA</p><p>HEPÁTICA</p><p>ÁRVORE</p><p>BILIAR</p><p>EXTENSÃO</p><p>DIRETA TRAUMA CRIPTOGÊNICA</p><p>1927‑1938 (um</p><p>estudo* )</p><p>622 42 – – 17 4 20</p><p>1945‑1982</p><p>(oito</p><p>estudos)</p><p>521 17 9 38 10 4 16</p><p>1970‑1999</p><p>(oito</p><p>estudos)</p><p>1.264 5 3 38 1 2 43</p><p>* Ochsner A, DeBakey M, Murray S: Pyogenic abscess of the liver. Am J Surg 40:292–319, 1938. Este é o estudo clássico de Ochsner DeBakey que revisou 286 casos</p><p>anteriormente relatados e 47 novos casos.</p><p>Atualmente, as infecções da árvore biliar são a causa mais comum de abscesso hepático. A obstrução biliar resulta na estase da bile, com o</p><p>potencial para colonização bacteriana, infecção e ascensão para o fígado, processo conhecido como colangite supurativa ascendente. A natureza da</p><p>obstrução biliar está mais relacionada com doença litiásica ou malignidade. Na Ásia, os cálculos intra‑hepáticos e as colangites (colangite piogênica</p><p>recorrente [CRP]; ver adiante) são causas comuns, enquanto no Ocidente a obstrução maligna tornou a causa mais predominante. Outros fatores</p><p>associados a maior risco incluem doença de Caroli, ascaridíase biliar e cirurgia do trato biliar. Os pontos comuns entre todas as causas de abscesso</p><p>hepático a partir da árvore biliar são a obstrução e a presença de bactérias no trato biliar. Além disso, a anastomose biliar‑entérica prévia também</p><p>tem sido associada à formação dos abscessos hepáticos, provavelmente por causa da livre exposição da árvore biliar aos microrganismos entéricos.</p><p>O sistema venoso portal drena o trato gastrointestinal, e, assim, qualquer doença infecciosa neste segmento pode resultar na infecção ascendente</p><p>da veia porta (pileflebite), com a exposição do fígado a grande quantidade de bactérias. Historicamente, a apendicite não tratada foi considerada a</p><p>causa mais comum do abscesso hepático, mas, com o advento dos antibióticos e o desenvolvimento do tratamento efetivo e imediato das infecções</p><p>abdominais agudas, as infecções provenientes da veia porta para o fígado tornaram‑se menos comuns. As causas mais usuais de pileflebite são</p><p>diverticulite, apendicite, pancreatite, doença inflamatória do tubo digestório, doença inflamatória pélvica, víscera oca perfurada ou a onfalite no</p><p>recém‑nascido. O abscesso hepático também tem sido associado à neoplasia colorretal. Em um estudo de caso‑controle de Taiwan, a incidência dos</p><p>cânceres gastrointestinais aumentou quatro vezes entre pacientes com abscesso piogênico do fígado em comparação com os controles.13</p><p>Qualquer infecção sistêmica (p. ex., endocardite, pneumonia, osteomielite) pode resultar em bacteremia e na infecção do fígado via artéria</p><p>hepática. A formação de microabscessos múltiplos é uma descoberta relativamente comum na necropsia de pacientes com sepse, mas estes</p><p>pacientes não costumam ser incluídos na análise do abscesso piogênico do fígado. O abscesso hepático a partir das infecções sistêmicas também</p><p>pode refletir uma resposta imune alterada, como as que ocorrem em pacientes com doença maligna, síndrome da deficiência imunoadquirida ou</p><p>distúrbios da função granulocítica. As crianças com doença granulomatosa são particularmente suscetíveis.</p><p>O abscesso hepático pode ser o resultado da extensão direta de um processo infeccioso. Os exemplos comuns incluem colecistite supurativa,</p><p>abscesso subfrênico, abscesso perinefrético e até a fístula biliar para o intestino.</p><p>Os traumas penetrantes ou contusos podem resultar em hematoma hepático ou em áreas de necrose hepática que podem evoluir posteriormente</p><p>para um abscesso. A bactéria pode ter sido introduzida a partir do trauma ou a área afetada pode ser a fonte da bacteremia sistêmica. Os abscessos</p><p>hepáticos associados ao trauma podem se apresentar de forma retardada até várias semanas após a lesão. Outros mecanismos de necrose hepática</p><p>iatrogênica, como a embolização da artéria hepática ou, mais recentemente, os procedimentos ablativos térmicos, podem complicar e contribuir</p><p>para a formação de abscessos. Esta é uma complicação incomum destes procedimentos, sendo observada com mais frequência quando há</p><p>anastomose bilioentérica prévia.</p><p>Na maioria das vezes, não se encontra uma causa para o abscesso hepático. Os abscessos criptogênicos predominam em muitas séries e são mais</p><p>comuns em alguns relatos de casos. As possíveis explicações para um abscesso hepático criptogênico são as patologias abdominais não</p><p>diagnosticadas, processo infeccioso já resolvido no momento da apresentação e fatores do hospedeiro, como diabetes ou neoplasias malignas,</p><p>tornando o fígado mais suscetível a bacteremia transitória da artéria hepática ou da veia porta. Quanto a pacientes com abscessos hepáticos</p><p>criptogênicos que fizeram tomografia computadorizada (TC) e ultrassonografia (US), tem sido defendida a necessidade de ser realizada uma</p><p>pesquisa cuidadosa de sua causa. Em séries que avaliam a colonoscopia e a colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE) em pacientes</p><p>com abscesso criptogênico, o resultado tem sido não significativo e frequentemente só se torna positivo em pacientes com algum achado objetivo</p><p>que pudesse ter sugerido uma anormalidade subclínica (p. ex., bilirrubina levemente elevada). Em geral, estes pacientes deveriam se submeter a</p><p>uma meticulosa anamnese e a um exame físico detalhado acompanhados de exames laboratoriais minuciosos à procura de anormalidades no trato</p><p>intestinal ou na árvore biliar. Além do mais, os procedimentos invasivos e/ou estudos de imagem devem ter como base suspeitas clínicas</p><p>levantadas por esta investigação.</p><p>Patologia e Microbiologia</p><p>A maioria dos abscessos hepáticos envolve o hemifígado direito, sendo esta topografia responsável por cerca de 75% dos casos. A explicação para</p><p>isto não é conhecida, mas tem sido cogitada a possibilidade da existência de um fluxo sanguíneo laminar preferencial para o lado direito. O fígado</p><p>esquerdo está envolvido em aproximadamente 20% dos casos, enquanto o lobo caudado</p><p>apenas raramente é envolvido (5%). O comprometimento</p><p>bilobar com abscessos múltiplos é raro. Cerca de 50% dos abscessos hepáticos são solitários. O tamanho dos abscessos hepáticos pode variar de</p><p>menos de 1 mm a 3 ou 4 cm de diâmetro, podendo ser multiloculados ou uma cavidade única. Na exploração abdominal, esses abscessos aparecem</p><p>escurecidos na superfície do fígado e são flutuantes à palpação, embora as lesões mais profundas possam não ser visíveis e difíceis de serem</p><p>percebidas. A inflamação contígua pode causar aderência nas estruturas locais.</p><p>Os estudos de microbiologia dos abscessos hepáticos tiveram resultados variáveis, por uma série de razões. Nas primeiras séries, os abscessos</p><p>estéreis eram comumente registrados, mas é provável que refletissem técnicas de cultura inadequadas, enquanto nas séries modernas muito poucos</p><p>abscessos são pesquisados antes da administração de antibióticos. Além disso, a heterogeneidade das vias de infecção faz com que a microbiologia</p><p>seja variada. Os abscessos decorrentes da pileflebite ou da colangite tendem a ser polimicrobianos, com uma elevada predominância de Gram‑</p><p>negativos. As infecções sistêmicas, por outro lado, geralmente causam infecção com um único organismo.</p><p>Embora a taxa de esterilidade registrada por Ochsner em 1938 tenha sido de cerca de 50%, séries dos anos de 1990 registram abscessos estéreis</p><p>em 10% a 20% dos casos. Muitos abscessos hepáticos são polimicrobianos e respondem por cerca de 40% dos casos. Tem sido sugerido que os</p><p>abscessos solitários são mais suscetíveis de serem polimicrobianos. Os organismos anaeróbicos estão envolvidos em cerca de 40% a 60% dos casos.</p><p>Os microrganismos mais comuns são a Escherichia coli e a Klebsiella pneumoniae, além de Staphylococcus aureus, Enterococcus sp., Streptococcus</p><p>viridans e Bacteroides spp. Muitas vezes a Klebsiella está associada a abscessos com formação de gás. Os Enterococcus e Streptococcus viridans são</p><p>geralmente encontrados nos abscessos polimicrobianos, enquanto as infecções estafilocócicas são causadas por um único organismo. Os organismos</p><p>mais raramente encontrados (</p><p>de</p><p>abscesso hepático é de 95% a 100%. A TC e a US são úteis no diagnóstico de outras patologias intra‑abdominais, como doença biliar (US) ou</p><p>distúrbios inflamatórios, como apendicite e diverticulite (TC). A ressonância magnética (RM) pode ser útil para identificar a causa de muitas massas</p><p>hepáticas e proceder à avaliação das alterações patológicas da árvore biliar, mas não parece ter alguma vantagem sobre a TC no que tange ao</p><p>diagnóstico de abscesso hepático.</p><p>Diagnóstico Diferencial</p><p>Distinguir o abscesso piogênico de outras doenças infecciosas císticas do fígado, como abscesso amebiano ou cisto equinocócico, é importante por</p><p>causa das diferenças no tratamento. O abscesso piogênico (ver adiante) é tratado com antibióticos e drenagem. O abscesso amebiano é tratado</p><p>principalmente com antibióticos, enquanto os cistos equinocócicos muitas vezes necessitam de intervenção cirúrgica. Na maioria das vezes, os</p><p>cistos equinocócicos podem ser diagnosticados pela história e pelos achados radiológicos característicos (ver adiante). O quadro clínico dos</p><p>abscessos amebiano e piogênico é praticamente idêntico, com algumas exceções perceptíveis fundamentais para a distinção de ambos (Tabela 53‑</p><p>5). Os abscessos amebianos geralmente ocorrem em jovens homens hispânicos, enquanto o abscesso piogênico tende a ocorrer em pacientes com 50</p><p>a 60 anos de idade, sem predominância de sexo ou raça. A febre é comum em ambos, mas os calafrios e os sintomas de uma bacteremia grave são</p><p>mais comuns no abscesso piogênico. Os testes sorológicos para anticorpos Entamoeba histolytica estão quase sempre presentes nos abscessos</p><p>amebianos, mas são incomuns em pacientes com abscesso piogênico. Um estudo comparou 471 pacientes com abscesso amebiano e 106 pacientes</p><p>com abscesso piogênico com idade superior a 50 anos, e também detectou problemas pulmonares no exame físico, além de múltiplos abscessos com</p><p>titulação sorológica baixa nos abscessos amebianos, como preditores independentes de abscesso piogênico. Ocasionalmente, para diferenciar as</p><p>duas patologias torna‑se necessário que se faça uma aspiração ou uma prova terapêutica com antibióticos. Infelizmente, a aspiração só diagnostica</p><p>o abscesso amebiano em 10% a 20% dos casos.14</p><p>Tabela 535</p><p>Características de Abscessos Hepáticos Amebianos Versus Abscessos Piogênicos</p><p>CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS ABSCESSO AMEBIANO ABSCESSO PIOGÊNICO</p><p>Idade 20‑40 anos > 50 anos</p><p>Razão homem‑mulher ≥ 10:1 1.5:1</p><p>Solitário versus múltiplo 80% solitários* 50% solitários</p><p>Localização Geralmente fígado direito Geralmente fígado direito</p><p>Viagem para área endêmica Sim Não</p><p>Diabetes Incomuns (≈2%) Mais comuns (≈27%)</p><p>Uso de álcool Comum Comum</p><p>Icterícia Incomum Comum</p><p>Bilirrubina elevada Incomum Comum</p><p>Fosfatase alcalina elevada Comum Comum</p><p>Hemocultura positiva Não Comum</p><p>Sorologia amebiana positiva Sim Não</p><p>* Em abscesso amebiano agudo, 50% são solitários.</p><p>Tratamento</p><p>Antes da utilização dos antibióticos e do uso de rotina dos procedimentos de drenagem, o abscesso piogênico hepático não tratado era sempre fatal.</p><p>Somente com a clássica revisão de Ochsner e DeBakey, em 1938, foi que a rotina da drenagem cirúrgica passou a ser empregada e foram observadas</p><p>reduções significativas na mortalidade. A drenagem cirúrgica aberta de abscessos piogênicos foi o único tratamento (com a adição de antibióticos</p><p>eventualmente) para abscesso hepático até a década de 1980. Desde então, as técnicas de drenagem percutânea invasivas diminuíram e cederam</p><p>lugar ao tratamento com antibióticos intravenosos (IV). Geralmente a laparotomia é reservada para os casos de insucesso da drenagem percutânea.</p><p>Uma vez suspeitado o diagnóstico de abscesso hepático piogênico, deve‑se, imediatamente, iniciar a administração de antibióticos de largo</p><p>espectro por via intravenosa a fim de controlar a bacteremia progressiva e suas complicações associadas. As amostras de sangue e do abscesso a</p><p>partir de aspiração devem ser enviadas para culturas aeróbicas e anaeróbicas. Em pacientes imunossuprimidos, as culturas micobacterianas e</p><p>fúngicas do aspirado devem ser consideradas. Os pacientes que estão em risco para infecções amebianas devem colher amostras de sangue para</p><p>sorologia amebiana. Até que as culturas identifiquem especificamente o microrganismo agressor, antibióticos de amplo espectro, cobrindo</p><p>organismos Gram‑negativos, Gram‑positivos e anaeróbicos, devem ser utilizados. São recomendadas combinações como ampicilina,</p><p>aminoglicosídeos e metronidazol ou cefalosporina de terceira geração com metronidazol. A duração do tratamento antibiótico não é muito definida</p><p>e deve ser individualizada de acordo com o sucesso do procedimento de drenagem. Os antibióticos devem ser continuados enquanto houver</p><p>evidência de infecção como febre, calafrios ou leucocitose. As recomendações costumam ser de duas semanas ou mais de tratamento.</p><p>A drenagem percutânea para abscessos hepáticos piogênicos foi descrita primeiramente em 1953, mas não ganhou ampla aceitação até a década</p><p>de 1980, com o desenvolvimento dos exames de imagem de alta definição e a experiência com técnicas radiológicas intervencionistas. Nos últimos</p><p>25 anos, a drenagem percutânea por cateter se tornou o tratamento de escolha para a maioria dos pacientes (Fig. 53‑28). As taxas de sucesso</p><p>abrangem 66% a 90%.11,13 As vantagens óbvias são a simplicidade do tratamento (em geral executado na hora do diagnóstico radiológico) e o fato</p><p>de se evitarem a anestesia geral e a laparotomia. As contraindicações relativas à drenagem percutânea por cateter incluem presença de ascite,</p><p>coagulopatia ou proximidade com estruturas vitais. A drenagem percutânea de abscessos múltiplos geralmente é a que proporciona maior taxa de</p><p>insucesso, mas a maioria dos relatos mostra um alto índice de sucesso para abordagens percutâneas, reservando a cirurgia para os insucessos. Um</p><p>estudo retrospectivo comparando a drenagem cirúrgica com a percutânea de abscessos volumosos (> 5 cm) mostrou melhor taxa de sucesso com a</p><p>drenagem cirúrgica. Apesar disso, dois terços dos tratamentos percutâneos foram bem‑sucedidos, e as taxas gerais de morbidade e mortalidade</p><p>foram semelhantes. Não se dispõe de uma comparação prospectiva randomizada entre as terapias percutânea e cirúrgica para os abscessos</p><p>hepáticos, no entanto algumas séries têm sugerido que, na maioria dos casos, há taxas similares de sucesso e mortalidade. As séries modernas</p><p>tentando comparar estas duas técnicas retrospectivamente devem ser interpretadas com cautela, porque a maioria dos pacientes tratados</p><p>cirurgicamente não obteve sucesso com as técnicas menos invasivas. A cirurgia deve ser reservada para os pacientes que necessitam de tratamento</p><p>cirúrgico da doença primária (p. ex., apendicite) ou para aqueles que não obtiveram sucesso com as técnicas percutâneas. Deve‑se notar que os</p><p>procedimentos de drenagem laparoscópica foram relatados com algum sucesso e isso pode ser considerado uma opção razoável para ser utilizada</p><p>em casos selecionados.11</p><p>FIGURA 5328 A, TC demonstra abscesso hepático multiloculado no fígado direito. B, TC no momento da drenagem percutânea. C, Estudo</p><p>com contraste por meio do cateter de drenagem demonstra aspecto típico irregular loculado, como também comunicação com a árvore</p><p>biliar. D, TC de acompanhamento três meses após tratamento demonstra resolução completa do abscesso. (De Brown KT, Getrajdman GI:</p><p>Interventional radiologic techniques in the liver and biliary tract. In Blumgart LH, Fong Y, editors: Surgery of the liver and biliary tract, London, 2000, WB Saunders, pp</p><p>575–594.)</p><p>A aspiração percutânea sem a colocação de um dreno foi pesquisada por vários grupos. As taxas de sucesso são, geralmente, de 60% a 90% e são</p><p>um pouco semelhantes às da drenagem percutânea por cateter.15 A maioria dos pacientes, entretanto,</p><p>necessita de mais de uma aspiração e 25%, de</p><p>três ou mais intervenções. Um estudo randomizado avaliou a aspiração percutânea versus a drenagem percutânea por cateter. As taxas de sucesso</p><p>foram de 60% no grupo de aspiração e 100% no grupo de cateter. Todos, exceto um paciente no grupo de aspiração, fizeram apenas uma aspiração.</p><p>Outro estudo clínico randomizado de 64 pacientes comparou a aspiração exclusiva com drenagem por cateter. Houve resultados semelhantes em</p><p>termos de taxa de sucesso de tratamento, internação hospitalar, duração da antibioticoterapia e mortalidade. No grupo com aspiração exclusiva,</p><p>40% necessitaram de duas aspirações e 20%, de três aspirações. Em geral, a drenagem por cateter permanece o tratamento de escolha, embora um</p><p>estudo de uma única aspiração seja razoável e deva ser considerado.</p><p>Alguns pesquisadores têm relatado sucesso com antibióticos isoladamente. A maioria destes pacientes, entretanto, teve uma aspiração</p><p>diagnóstica e, assim, pelo menos uma drenagem parcial. Além disso, outras séries relataram que o tratamento antibiótico sem drenagem acarreta</p><p>uma mortalidade proibitivamente alta (59% a 100%). Em pacientes que não são candidatos à cirurgia ou que se recusam a qualquer procedimento</p><p>invasivo, é razoável uma tentativa com tratamento antibiótico; entretanto isto não é recomendado em outras situações.</p><p>Eventualmente, a ressecção do fígado é necessária no abscesso hepático. Isto pode acontecer em decorrência de uma malignidade hepática</p><p>infectada, hepatolitíase ou estenose biliar intra‑hepática. Se a destruição hepática decorrente da infecção for grave, alguns pacientes poderão se</p><p>beneficiar com a ressecção.</p><p>Resultados</p><p>A taxa de mortalidade por abscesso hepático piogênico diminuiu substancialmente nos últimos 70 anos. Antes do uso rotineiro da drenagem</p><p>cirúrgica, os abscessos piogênicos eram sempre fatais. Com o uso rotineiro da drenagem cirúrgica e a utilização de antibióticos IV, a mortalidade foi</p><p>reduzida para aproximadamente 50%, um resultado que permaneceu relativamente constante de 1945 até o início de 1980. Desde então a</p><p>mortalidade tem sido reduzida para 10% a 20% e a série da década de 1990 mostrou uma taxa de mortalidade abaixo de 10%.15 Uma série mais</p><p>recente do Memorial Sloan‑Keീ�ering Cancer Center (MSKCC) relatou uma mortalidade de 3%. Vários estudos analisaram fatores preditivos de</p><p>mau prognóstico em pacientes com abscesso hepático piogênico. Malignidade, fatores a ela associados (icterícia, resultados de TFH</p><p>acentuadamente elevados) e sinais de sepse parecem ser um marcador consistente de mau prognóstico. Sinais de doença crônica, como</p><p>hipoalbuminemia, também estão frequentemente associados a um resultado desfavorável. Finalmente, sinais de infecção grave, como leucocitose</p><p>exacerbada, pontuações Acute Physiology and Chronic Health Evaluation II (APACHE II) elevadas, ruptura abscesso, bacteremia e choque também</p><p>estão associados a altos índices de mortalidade.</p><p>Abscesso Amebiano</p><p>Epidemiologia</p><p>A amebíase é certamente uma doença dos países tropicais e em desenvolvimento, mas é também um problema significativo nos países</p><p>desenvolvidos, por causa da imigração e das viagens internacionais. A E. histolytica é endêmica no México, na Índia, na África e em algumas regiões</p><p>das Américas Central e do Sul. Em 1995, a Organização Mundial da Saúde (OMS) estimou que 40 a 50 milhões de pessoas no mundo sofrem de</p><p>colite amebiana ou abscesso amebiano do fígado, resultando em 40.000 a 100.000 mortes por ano.14 Antes disso, as estimativas de amebíase não</p><p>eram confiáveis porque a E. histolytica (forma patogênica) não era diferenciada da Entamoeba dispar (forma não patogênica). Pensava‑se que</p><p>homossexuais do sexo masculino com diarreia abrigavam E. histolytica, mas, na verdade, descobriu‑se serem infectados com E. dispar, que não</p><p>requer tratamento. Estudos epidemiológicos abordando especificamente infecções de E. histolytica estimaram que cerca de 55% das pessoas em</p><p>regiões endêmicas são infectadas, embora menos de 50% sejam sintomáticos.</p><p>Ao contrário dos abscessos hepáticos piogênicos, os pacientes com abscessos amebianos do fígado tendem a ser homens de origem latina, entre</p><p>20 e 40 anos de idade, com um histórico de viagem a (ou originários de) uma área endêmica. Condições de vida como a pobreza e as aglomerações</p><p>populacionais estão associadas a taxas mais elevadas da infecção. Uma predominância de sexo masculino superior a 10:1 tem sido registrada em</p><p>quase todos os estudos. Devido a razões incertas, as mulheres que menstruam apresentam baixa incidência de amebíase e a gravidez parece</p><p>eliminar esta resistência. É comum o relato de que o consumo frequente de álcool pode tornar o fígado mais suscetível à infecção amebiana. A</p><p>imunidade diminuída do hospedeiro também parece ter uma certa participação neste problema. Pacientes com abscesso hepático amebiano sem</p><p>histórico de viagem para uma área endêmica têm imunossupressão associada, como infecção pelo HIV, desnutrição, infecção crônica ou uso crônico</p><p>de esteroide.16</p><p>Patogênese</p><p>A E. histolytica é um protozoário e existe como um trofozoíto ou um cisto. Todas as demais espécies no gênero Entamoeba são consideradas não</p><p>patogênicas e nem todas as linhagens da E. histolytica são consideradas virulentas. A ingestão de cistos de E. histolytica por meio de um ciclo fecal‑</p><p>oral é a causa da amebíase. Os humanos são os principais hospedeiros e a maior fonte de infecção é o contato humano com um portador do cisto.</p><p>Legumes e água contaminada também são vias de infecção humana. Uma vez ingeridos, os cistos não são degradados no estômago e passam para</p><p>os intestinos, onde o trofozoíto é liberado e passa para o cólon. No cólon, o trofozoíto pode invadir a mucosa e provocar a doença.</p><p>Acredita‑se que os trofozoítos atingem o fígado pelo sistema venoso portal. Não há evidências de que os trofozoítos passem pelos linfáticos.</p><p>Conforme sugerido por seu nome, trofozoítos de E. histolytica podem desagregar ou destruir os tecidos por meio de um conjunto complexo de</p><p>eventos, incluindo aderência celular, ativação celular e subsequente liberação de enzimas, resultando em necrose. O principal mecanismo talvez seja</p><p>a hidrólise celular enzimática. Os abscessos amebianos do fígado são formados por uma necrose hepática progressiva e localizada, resultando em</p><p>uma cavidade contendo detritos proteináceos acelulares cercados por um halo de trofozoítos amebianos invasivos. O início de um abscesso</p><p>hepático amebiano está associado a um acúmulo de leucócitos polimorfonucleares, que depois são desintegrados pelos trofozoítos.</p><p>Os anticorpos antiamebianos desenvolvem‑se rapidamente em pacientes com doença invasiva ou abscesso hepático amebiano. Os anticorpos de</p><p>imunoglobulina secretória A (IgA) mostraram inibir a adesão ao epitélio colônico in vitro, no entanto o desenvolvimento destes anticorpos não</p><p>impede a progressão da doença. De forma curiosa, crianças que não apresentam IgG antiamebiana têm resistência inata à infecção invasiva,</p><p>sugerindo uma resposta alternativa imunomediada. Atualmente aceita‑se que haja uma resposta mediada pelas células T helper como o principal</p><p>mecanismo de resistência.</p><p>Patologia</p><p>O abscesso amebiano hepático é essencialmente o resultado da necrose de liquefação do fígado, produzindo uma cavidade cheia de sangue e tecido</p><p>hepático liquefeito. O aspecto deste fluido é normalmente descrito como molho de anchova e é inodoro, a menos que haja infecção bacteriana</p><p>secundária. A necrose hepática progressiva continua até atingir a cápsula de Glisson e ser bloqueada, uma vez que a cápsula é resistente à hidrólise</p><p>pela ameba. Assim, os abscessos amebianos tendem a se localizar sob a cápsula do fígado. Devido à elevada resistência da cápsula de Glisson, a</p><p>cavidade é envolvida</p><p>pela tríade portal, protegida por esta bainha peritoneal. Inicialmente, a cavidade formada é mal definida, com nenhuma</p><p>resposta fibrosa real em torno de suas bordas; entretanto um abscesso crônico pode desenvolver uma cápsula fibrosa até se calcificar. Como os</p><p>piogênicos, os abscessos amebianos tendem a ocorrer principalmente no lado direito do fígado.</p><p>Apresentação Clínica</p><p>Cerca de 80% dos pacientes com abscesso amebiano do fígado apresentam sintomas que duram desde alguns dias a quatro semanas. A</p><p>permanência dos sintomas é de cerca de 10 dias. Os sinais e queixas clínicas que aparecem estão resumidos na Tabela 53‑6. O quadro clínico usual é</p><p>um paciente na faixa etária entre 20 e 40 anos de idade, com história de ter estado em alguma área endêmica e que aparece com febre, calafrios,</p><p>anorexia, dor no quadrante superior direito e à palpação e hepatomegalia. Usualmente a dor abdominal é constante, fastidiosa e localizada no</p><p>quadrante superior direito. Embora alguns estudos relatem números mais elevados, aproximadamente 25% dos pacientes têm diarreia, a despeito</p><p>da infecção colônica obrigatória. O abscesso hepático sincrônico é encontrado em um terço dos pacientes com colite amebiana ativa. A icterícia,</p><p>consequente a um volumoso abscesso comprimindo a árvore biliar, não é tão rara quanto antes se aceitava, e calcula‑se que cerca de 22% dos</p><p>pacientes apresentem esta característica em nível mundial. Perda de peso e mialgias podem ocorrer quando os sintomas já perduram por semanas.</p><p>Dor no ombro direito ou pleurítica também pode ocorrer se houver irritação do hemidiafragma direito. Os sintomas e a dor à palpação podem estar</p><p>localizados no epigástrio ou no lado esquerdo se o abscesso estiver na porção esquerda do fígado. A ruptura para o peritônio com peritonite ocorre</p><p>raramente e, quando sobrevém, em geral decorre de abscesso do lado esquerdo. Há relatos de casos raros de ruptura para o espaço pleural,</p><p>pericárdio e outros órgãos intra‑abdominais.</p><p>Tabela 536</p><p>Sinais, Sintomas e Achados Laboratoriais no Abscesso Hepático Amebiano*</p><p>PARÂMETRO MÉDIA FAIXA N° DE CASOS REVISTOS</p><p>Sinais e Sintomas</p><p>Dor abdominal (%) 92 73‑100 1.701</p><p>Febre (%) 90 72‑100 2.192</p><p>Sensibilidade abdominal (%) 78 40‑100 1.424</p><p>Hepatomegalia (%) 62 20‑100 1.539</p><p>Anorexia (%) 47 28‑89 499</p><p>Perda de peso (%) 39 11‑83 871</p><p>Diarreia (%) 23 12‑40 1.426</p><p>Icterícia (%) 22 5‑50 1.630</p><p>Testes Laboratoriais</p><p>Cistos nas fezes, trofozoítas (%) 12 4‑30 4.908</p><p>Amebas no aspirado do cisto (%) 42 30‑76 1.402</p><p>Hemoglobina (g/dL) 12,1 10,2‑12,8 229</p><p>Fosfatase alcalina (% > 120 U/L) 76 65‑91 589</p><p>Bilirrubina total (g/dL) 1,4 0,8‑2,4 509</p><p>Albumina (g/dL) 2,8 2,3‑3,4 404</p><p>AST (× limite superior ao normal) 1,7 1,0‑2,5 459</p><p>* Em uma extensa revisão da literatura.</p><p>Os pacientes que se apresentam de forma aguda (sintomas 2 semanas) diferem clinicamente</p><p>entre si. As apresentações agudas são geralmente mais graves, com febre elevada, calafrio e dor abdominal significativa. Na apresentação aguda,</p><p>50% dos pacientes têm lesões múltiplas, enquanto na apresentação crônica mais de 80% têm uma lesão à direita. Um curso mais complicado tende a</p><p>seguir a apresentação aguda, mas a resposta à terapia é semelhante em ambos os grupos.</p><p>As anormalidades laboratoriais são comuns nos abscessos amebianos (Tabela 53‑6). Nos casos típicos, os pacientes têm uma leucocitose sem</p><p>eosinofilia. A anemia é comum. Anormalidades leves dos resultados TFH, incluindo os níveis de albumina, TP‑INR, FA, AST e bilirrubina, são</p><p>típicas. O mais comum é um nível elevado de TP‑INR. Como mais de 70% dos pacientes com abscesso hepático amebiano não têm ameba</p><p>detectável em suas fezes, a avaliação laboratorial mais útil é o estudo dos anticorpos antiamebianos circulantes, que estão presentes em 90% a 95%</p><p>dos pacientes. Muitos testes sorológicos foram criados ao longo dos anos. Um teste indireto de hemaglutinina foi amplamente usado no passado e</p><p>tem uma sensibilidade de 90%. Este teste foi reposto pelos imunoensaios enzimáticos, que detectam a presença de anticorpos contra o parasita e são</p><p>simples, rapidamente realizados e baratos. Um imunoensaio enzimático tem uma sensibilidade reportada de 99% e uma especificidade superior a</p><p>90% nos pacientes com abscesso hepático. Infelizmente, a presença de anticorpos pode refletir uma infecção prévia e a interpretação pode ser difícil</p><p>em áreas endêmicas. Os estudos em curso concentram‑se na identificação de antígenos específicos para E. histolytica, na tentativa de identificar</p><p>infecção aguda. Os kits de detecção de antígeno foram avaliados em áreas endêmicas e conseguem detectar o antígeno de lecitina da E. histolytica no</p><p>soro e pus do abscesso hepático; além disso, em pequenos estudos, mostraram ter elevada sensibilidade. A sensibilidade, no entanto, pode diminuir</p><p>se o teste for realizado após tratamento com metronidazol.17</p><p>Os exames de imagem são fundamentais para o diagnóstico do abscesso amebiano do fígado. Radiografias simples de tórax são anormais em</p><p>aproximadamente 50% dos casos, em geral mostrando m diafragma direito elevado, derrame pleural ou atelectasia. A US abdominal tem um índice</p><p>de precisão de cerca de 90% quando combinada com história e quadro clínico característicos. Os achados típicos da US abdominal são uma lesão</p><p>arredondada próxima à cápsula do fígado (ver comentários anteriores) sem ecos significativos nas bordas, interpretados como parede de abscesso.</p><p>O conteúdo da cavidade é, em geral, hipoecoico e heterogêneo (Fig. 53‑29). Os dados da US são assinalados em 40% a 70% dos casos. A TC</p><p>abdominal é provavelmente mais sensível que a US, sendo útil na diferenciação entre abscessos amebiano e piogênico, com o realce da borda</p><p>circunferencial (Fig. 53‑30). A TC também pode ser útil na identificação de cistos simples e tumores necróticos. A RM do fígado não mostra uma</p><p>nítida vantagem sobre a TC ou a US nos casos típicos, mas pode ser útil na diferenciação das lesões atípicas. Os estudos da medicina nuclear, como</p><p>a cintilografia com gálio ou a varredura com tecnécio99m podem ajudar na diferenciação entre abscessos piogênicos e amebianos, porque estes</p><p>últimos normalmente não contêm leucócitos e, portanto, não aparecem nestas varreduras.18</p><p>FIGURA 5329 Ultrassonografia típica de um abscesso hepático amebiano. Observe a localização periférica, o formato arredondado com</p><p>discreta borda e os ecos internos. (De Thomas PG, Ravindra KV: Amebiasis and biliary infection. In Blumgart LH, Fong Y, editors: Surgery of the liver and</p><p>biliary tract, London, 2000, WB Saunders, pp 1147–1166.)</p><p>FIGURA 5330 Imagem de TC de abscesso amebiano. A lesão apresenta localização periférica e é arredondada. A borda não exibe realce,</p><p>mas há edema periférico (setas pretas). Observe a extensão para o espaço intercostal (seta branca).</p><p>Quando a conduta anteriormente descrita ainda não é definitiva e o diagnóstico incerto persiste, duas opções devem ser consideradas. Primeiro,</p><p>pode ser utilizado um teste terapêutico com fármacos antiamebianos. Caso ocorra uma melhora rápida, isso confirma o diagnóstico. Em situações</p><p>em que a sorologia amebiana é inconclusiva e um teste terapêutico dos antibióticos é considerado inadequado ou falhou em aliviar os sintomas, a</p><p>segunda opção, uma aspiração diagnóstica, deve ser considerada. Um abscesso piogênico teria bactérias e leucócitos, enquanto um abscesso</p><p>amebiano conteria o chamado típico molho de anchova. As culturas do abscesso amebiano geralmente são negativas e não contêm leucócitos. Em</p><p>pacientes nos quais a doença neoplásica ou hidática compõe o diagnóstico diferencial, a aspiração não deve ser realizada.</p><p>Diagnóstico Diferencial</p><p>O diagnóstico diferencial de um abscesso amebiano do fígado pode ser abrangente e inclui doenças como hepatite viral, doença equinocócica,</p><p>colangite, colecistite e até outras patologias abdominais inflamatórias, como a apendicite. As lesões malignas do fígado também podem ter</p><p>manifestações similares, em situações atípicas. Eventualmente, as doenças pulmonares primárias devem ser consideradas. Em geral, a distinção</p><p>mais importante a ser feita é entre o abscesso piogênico e o amebiano. Os elementos essenciais deste problema estão resumidos na Tabela 53‑5 e na</p><p>seção anterior sobre abscesso piogênico.</p><p>Tratamento</p><p>O principal tratamento para abscesso amebiano é metronidazol (750 mg por via oral, três vezes ao dia por 10 dias), que é curativo em mais de 90%</p><p>dos pacientes. Em geral, a melhora clínica ocorre em três dias. Outros nitroimidazóis (secnidazol, tinidazol) também são eficazes e muito utilizados</p><p>fora dos Estados Unidos. Se a resposta ao metronidazol for baixa ou se o fármaco não for tolerado, outros agentes podem ser empregados. A</p><p>emetina é eficaz contra a amebíase invasiva (principalmente no fígado), mas requer injeções intramusculares e produz graves efeitos colaterais</p><p>cardíacos. Uma opção mais atraente é a cloroquina, mas é um agente menos eficaz. Após o tratamento do abscesso do fígado, recomenda‑se que os</p><p>agentes luminais sejam administrados para tratar o estado de portador. Os agentes luminais eficazes para a amebíase incluem o iodoquinol, a</p><p>paramomicina e o fluorato de diloxanida.</p><p>A aspiração terapêutica por agulha dos abscessos amebianos tem sido sugerida, no entanto uma revisão sistemática da Cochrane não admite</p><p>qualquer benefício de aspiração terapêutica em conjunto com o tratamento com metronidazol sobre o com metronidazol isolado para acelerar a</p><p>resolução clínica ou radiológica dos abscessos amebianos.19 Em geral, a aspiração é recomendada em caso de diagnóstico ainda não confirmado</p><p>(ver texto anterior), falta de resposta à terapia com metronidazol no intervalo de três a cinco dias e/ou abscessos considerados de alto risco de</p><p>ruptura. Os abscessos maiores que 5 cm de diâmetro e no fígado esquerdo parecem estar afeitos a um maior risco de ruptura, devendo a aspiração</p><p>ser considerada.</p><p>Resultados</p><p>Embora o abscesso hepático amebiano geralmente responda rapidamente ao tratamento clínico, existem complicações incomuns que devem ser</p><p>consideradas. A complicação mais frequente do abscesso amebiano é a ruptura para o peritônio, a cavidade pleural ou o pericárdio. O tamanho do</p><p>abscesso parece ser o mais importante fator de risco para a ruptura, e a sua incidência geral varia de 3% a 17%. A maioria das rupturas para o</p><p>peritônio tende a ser contida pelo diafragma, pela parede abdominal ou pelo omento, mas a ruptura pode fistulizar para uma víscera oca. Uma</p><p>ruptura peritoneal costuma se manifestar em forma de dor abdominal, peritonite e/ou uma massa ou distensão generalizada. No passado,</p><p>defendia‑se a prática da laparotomia para este tipo de complicação, mas, atualmente, muitos casos são tratados com sucesso pela drenagem</p><p>percutânea. A laparotomia está indicada para casos de diagnóstico duvidoso, perfuração de víscera oca e fistulização, resultando em hemorragia ou</p><p>sepse e fracasso da terapia conservadora. A ruptura para o espaço pleural costuma resultar em um volumoso e rápido derrame, que colaba o</p><p>pulmão comprometido. O tratamento consiste na toracocentese, entretanto, se há uma infecção bacteriana secundária, podem ser necessárias</p><p>abordagens cirúrgicas mais agressivas. A ruptura pode ocorrer para os brônquios e, em geral, melhora com drenagem postural e broncodilatadores.</p><p>Raramente, um abscesso do lado esquerdo pode romper para o pericárdio, podendo se apresentar como um derrame pericárdico assintomático ou</p><p>mesmo um tamponamento. Isso deve ser tratado com aspiração ou drenagem mediante uma janela pericárdica. Outras complicações incluem a</p><p>compressão da árvore biliar ou da VCI por abscessos volumosos e o desenvolvimento de um abscesso cerebral.</p><p>A taxa de mortalidade para todos os pacientes com abscesso amebiano do fígado é de 5% e não parece ser afetada pela inclusão da aspiração na</p><p>associação à terapia com metronidazol ou na cronicidade dos sintomas. Quando um abscesso se rompe, a taxa de mortalidade é de 6% até 50%. Os</p><p>fatores independentemente associados ao mau prognóstico têm níveis elevados de bilirrubina sérica (> 3,5 mg/dL), encefalopatia, hipoalbuminemia</p><p>(</p><p>bacteriana de um cisto hidático pode</p><p>ocorrer e manifestar‑se como um abscesso piogênico. A ruptura do cisto para a árvore biliar ou para a árvore brônquica ou a ruptura para peritônio</p><p>livre, cavidades pleural ou pericárdica pode ocorrer. As rupturas em peritônio livre podem resultar em equinococose disseminada ou uma reação</p><p>anafilática potencialmente fatal. Nos casos de diagnósticos duvidosos, uma bateria de testes sorológicos está disponível para avaliar a resposta a</p><p>anticorpos, mas todos são marcados por baixas sensibilidade e especificidade.</p><p>A US é geralmente utilizada no mundo inteiro para o diagnóstico de equinococose devido a sua disponibilidade, preço e acurácia. Vários</p><p>achados ultrassonográficos podem ser diagnósticos e dependem do estágio do cisto no momento do exame. Um cisto hidático simples é bem</p><p>delimitado, com sinais de germinação na membrana cística, podendo conter areia hidática hiperecogênica de flutuação livre. Uma aparência em</p><p>roseta é observada quando os cistos piogênicos estão presentes. O cisto pode ser preenchido por uma massa amorfa que pode levar a um</p><p>diagnóstico equivocado. As calcificações na parede do cisto são bastante sugestivas de doença hidática e podem ser úteis no diagnóstico (Fig. 53‑</p><p>31). Achados similares são detectados na TC e RM. Estes exames também podem avaliar a doença extra‑hepática e mostraram relações anatômicas</p><p>hepáticas detalhadas com o cisto. Nos pacientes com suspeita de comprometimento biliar, pode ser necessária a CPRE ou a colangiografia trans‑</p><p>hepática percutânea.</p><p>FIGURA 5331 Ultrassonografia demonstra características típicas de cisto hidático em estágios variados. A, Cisto hidático simples com</p><p>“areia hidática”. B, “Cistosfilhos e avôs” e aspecto típico de roseta. C, Cisto hidático preenchido por massa amorfa dando um aspecto sólido</p><p>ou semissólido. D, Cisto calcificado com aspecto de “casca de ovo”. (De Thomas PG, Ravindra KV: Amebiasis and biliary infection. In Blumgart LH,</p><p>Fong Y, editors: Surgery of the liver and biliary tract, London, 2000, WB Saunders, pp 1147–1166.)</p><p>Embora o tratamento dos cistos hidáticos seja primariamente cirúrgico, opções alternativas estão em evolução.23 Em geral, a maioria dos cistos</p><p>deveria ser tratada, mas, em pacientes idosos com cistos pequenos, assintomáticos e calcificados, a conduta conservadora é adequada. No preparo</p><p>para uma cirurgia, os corticosteroides pré‑operatórios têm sido recomendados, mas não são aceitos universalmente. O anestesiologista deve dispor</p><p>de epinefrina e corticosteroides disponíveis em caso de uma reação anafilática. Muitas cirurgia têm sido realizadas, e geralmente o abdome está</p><p>completamente protegido, o fígado é mobilizado e o cisto é exposto. A proteção do abdome é importante porque pode ocorrer ruptura, resultando</p><p>em anafilaxia e implante difuso. Em geral, o cisto é aspirado por meio de um sistema de sucção fechada e lavado com agente escolicida como a</p><p>solução salina hipertônica. Em seguida o cisto é curetado e, posteriormente, seguido por várias possibilidades, como excisão (ou pericistectomia),</p><p>procedimentos de marsupialização, deixando o cisto aberto, drenagem do cisto, omentoplastia e a ressecção hepática parcial. A pericistectomia total</p><p>e/ou hepatectomia parcial formal também podem ser realizadas sem adentrar o cisto (Fig. 53‑32).As abordagens cirúrgicas (drenagem e evacuação)</p><p>conservadoras e radicais (ressecção) parecem ser igualmente eficazes no controle da doença, embora um estudo prospectivo nunca tenha sido</p><p>realizado. Quando a comunicação com o ducto biliar é diagnosticada no pré ou no ato operatório, deve ser meticulosamente examinada. Em geral,</p><p>uma sutura simples é suficiente, todavia maiores reparos biliares mediante abordagens do ducto biliar comum podem ser necessários. As técnicas</p><p>laparoscópicas para drenagem e curetagem dos cistos têm sido relatadas em várias séries, com resultados animadores. Os índices de recorrência</p><p>após o tratamento cirúrgico giram em torno de 1% a 20%, mas em geral são 5% ou menos em centros experientes.</p><p>FIGURA 5332 A, Cisto hidático periférico do fígado esquerdo. B, Amostra intacta após pericistectomia. Observe que o pericisto inteiro foi</p><p>removido. (De Milicevic MN: Hydatid disease. In Blumgart LH, Fong Y, editors: Surgery of the liver and biliary tract, London, 2000, WB Saunders, pp 1167–1204.)</p><p>No passado, a aspiração dos cistos hidáticos era contraindicada devido ao risco de ruptura e disseminação descontrolada, no entanto a aspiração</p><p>percutânea e a injeção de agentes escolicidas têm sido relatadas com bastante sucesso em pacientes cuidadosamente selecionados.24 Esta técnica é</p><p>conhecida como PAIR (punção, aspiração, injeção e reaspiração) e tem sido mais aceita em algumas instituições. Dois estudos randomizados, um</p><p>comparando cirurgia e PAIR (= 50) e outro comparando PAIR e tratamento medicamentoso, mostraram taxas de sucesso similares. Estes estudos</p><p>têm amostragens pequenas e apresentam problemas metodológicos significativos para se chegar a conclusões definitivas.25 Embora a intervenção</p><p>cirúrgica permaneça como o tratamento de escolha, estudos prospectivos adicionais são claramente necessários para avaliar esta técnica</p><p>interessante e potencialmente útil. O tratamento da equinococose com albendazol ou mebendazol é eficaz na redução de cistos em muitos pacientes</p><p>com E. granulosus, mas o desaparecimento do cisto ocorre em menos de 50% dos pacientes. O tratamento pré‑operatório pode diminuir o risco de</p><p>disseminação e é uma prática razoável e segura.15 A terapia sem ressecção definitiva ou drenagem deve ser considerada apenas para doença</p><p>amplamente disseminada ou candidatos cirúrgicos fracos.</p><p>Colangite Piogênica Recorrente</p><p>A CPR é uma síndrome de ataques repetidos de colangite secundária a cálculos biliares e estenoses que comprometem os ductos intra e extra‑</p><p>hepáticos. A condição tem muitas denominações, mas habitualmente é conhecida como colangio‑hepatite oriental ou hepatolitíase. A doença é</p><p>quase exclusiva de asiáticos, no entanto também é encontrada em imigrantes asiáticos em todo o mundo. Homens e mulheres são igualmente</p><p>afetados e, historicamente, a doença acomete em uma idade precoce (20 a 40 anos) em pacientes das classes socioeconômicas mais baixas.26</p><p>A etiologia da CPR é desconhecida, mas está relacionada com a infecção recorrente dos ductos biliares com bactérias do tubo digestório.</p><p>Finalmente, os cálculos e estenoses desenvolvem‑se na árvore biliar, mas não se sabe o que ocorre primeiro. Os cálculos são de bilirrubinato e em</p><p>alguns pacientes nenhum cálculo é encontrado, apenas lama biliar. Foi observada uma associação entre CPR e infecção por Clonorchis</p><p>sinensis e Ascaris lumbricoides, mas jamais se provou uma verdadeira relação causal.27</p><p>Estenoses podem ser detectadas em qualquer lugar da árvore biliar, mas geralmente envolvem os ductos intra‑hepáticos principais e, mais</p><p>frequentemente, o ducto hepático esquerdo. A vesícula biliar só é comprometida em cerca de 20% dos casos. A cirrose e a insuficiência hepática são</p><p>observadas somente em doença de longa evolução, em geral após várias cirurgias. Outras complicações incluem fístula coledocoduodenal e</p><p>pancreatite aguda decorrentes de cálculos no ducto biliar comum. Tem sido observado um aumento na incidência de colangiocarcinoma, mas é</p><p>difícil provar uma relação causal.</p><p>O paciente típico com CPR é jovem, asiático, pertencente a uma classe socioeconômica baixa e apresenta‑se com surtos repetidos de colangite. Os</p><p>sintomas e as manifestações são os mesmos da colangite: febre, dor abdominal no quadrante superior direito e icterícia. A obstrução biliar quase</p><p>sempre é parcial, portanto a icterícia acentuada e o prurido não são comuns. Em geral, há leucocitose e os resultados alterados dos TFHs são</p><p>compatíveis com obstrução biliar.</p><p>A avaliação da distribuição anatômica da doença é fundamental para a formulação de um plano terapêutico</p><p>consistente. A combinação de US, TC, colangiografia direta e RM é, na maioria das vezes, necessária para uma avaliação completa destes pacientes.</p><p>A colangiografia retrógrada realizada endoscopicamente e/ou direta por via trans‑hepática muitas vezes é fundamental. A colangiopancreatografia</p><p>por ressonância magnética pode combinar a imagem em corte seccional e a colangiografia em um exame não invasivo, podendo substituir a</p><p>colangiografia direta.</p><p>Nas manifestações agudas, a maioria dos pacientes melhora com a conduta conservadora, dando tempo para os exames radiológicos e para o</p><p>planejamento de uma cirurgia definitiva, que é o tratamento de escolha. Se a intervenção for necessária durante a fase aguda, ela deve focar numa</p><p>adequada descompressão da árvore biliar mediante a exploração do ducto biliar comum ou da papilotomia endoscópica com colocação de</p><p>um stent. Embora abordagens não cirúrgicas, como litotomia colangioscópica trans‑hepática percutânea, tenham sido desenvolvidas, o tratamento</p><p>cirúrgico permanece como preferencial. A litotomia colangioscópica trans‑hepática percutânea geralmente é utilizada em pacientes com risco</p><p>cirúrgico elevado e naqueles nos quais o tratamento cirúrgico não foi bem‑sucedido. Taxas de resolução dos cálculos são elevadas (> 80%) e</p><p>necessárias para um resultado bem‑sucedido em longo prazo. Infelizmente, a recorrência de cálculos é comum e está relacionada com a presença de</p><p>estenoses biliares.28</p><p>Na cirurgia definitiva, o objetivo é retirar os cálculos da árvore biliar e derivar ou proceder à estricturoplastia para expandir as</p><p>estenoses.29 Muitos casos requerem apenas uma exploração do ducto biliar comum, com ou sem hepatojejunostomia. Em casos complicados,</p><p>providencia‑se um acesso permanente à árvore biliar para procedimentos radiológicos intervencionistas pelo alongamento da extremidade da alça</p><p>de hepaticojejunostomia em Y de Roux até a pele ou espaço subcutâneo, o que tem sido uma abordagem bem‑sucedida (Fig. 53‑33). Outros</p><p>procedimentos potencialmente necessários incluem a estricturoplastia e a hepatectomia parcial. Esta última é considerada para pacientes com</p><p>estenoses intra‑hepáticas, atrofia hepática, abscesso hepático ou suspeita de colangiocarcinoma.30</p><p>FIGURA 5333 A, Colangiografia de um paciente com colangite piogênica recorrente e uma estenose do ducto hepático comum (seta</p><p>preta). Há vários cálculos no interior dos ductos esquerdos dilatados (setas brancas). B, Uma hepatojejunostomia para o ducto do segmento</p><p>III (pontas de seta) foi realizada, e um coledocoscópio flexível é mostrado passando através da anastomose nos ductos periféricos</p><p>esquerdos. Todos os cálculos foram retirados. (De Fan ST, Wong J: Recurrent pyogenic cholangitis. In Blumgart LH, Fong Y, editors: Surgery of the liver and</p><p>biliary tract, London, 2000, WB Saunders, pp 1205–1225.)</p><p>Em uma grande série da Ásia, onde a hepatectomia é liberalmente aplicada, as taxas de mortalidade cirúrgica são de 1%. Além disso, com o</p><p>tratamento agressivo, há uma taxa de liberação de cálculos de 100%. Os resultados em longo prazo são excelentes, com taxas de recorrência de</p><p>litíase inferiores a 5%. A sobrevida em longo prazo está relacionada principalmente com presença de colangiocarcinoma, que é encontrado em cerca</p><p>de 10% dos casos. Os pacientes particularmente complicados podem ter uma taxa maior de recorrência dos sintomas.</p><p>Neoplasias</p><p>Neoplasias Benignas Sólidas</p><p>Estima‑se que os nódulos benignos do fígado estejam presentes em cerca de 10% a 20% da população em países desenvolvidos. Com o</p><p>uso crescente dos exames radiológicos que progridem rapidamente, estas entidades têm sido encontradas com mais frequência. É fundamental que</p><p>haja familiaridade com os aspectos clínicos, a evolução, as características das imagens e as indicações cirúrgicas para estes tumores. Muitas lesões</p><p>benignas podem ser corretamente identificadas pelos modernos exames por imagem, como TC, US e RM. Em alguns casos, a investigação dos</p><p>marcadores tumorais séricos (AFP, CEA) e de um tumor primário no caso de suspeita de metástase deve ser realizada. A ressecção pode ser</p><p>necessária para um diagnóstico definitivo. As técnicas laparoscópicas para avaliação, biópsia ou ressecção tornaram‑se, também, uma importante</p><p>ferramenta diagnóstica.31,32</p><p>Adenoma Hepático</p><p>O adenoma hepático (AH) é uma proliferação benigna relativamente rara dos hepatócitos no contexto de um fígado normal. Ele é encontrado</p><p>predominantemente em mulheres jovens (com idade entre 20 a 40 anos) e está geralmente associado ao uso de hormônios esteroides por longo</p><p>prazo, como os anticoncepcionais orais (ACO). O uso de hormônio anabólico masculino pode também predispor ao desenvolvimento de AH. A</p><p>relação homem‑mulher é de aproximadamente 11:1. Os AHs são geralmente únicos, mas lesões múltiplas têm sido relatadas em 12% a 30% dos</p><p>casos. Curiosamente, os casos com múltiplos adenomas não estão associados ao uso de contraceptivo oral e não têm uma predominância tão</p><p>elevada em mulheres. Histologicamente, o AH é composto de cordões de hepatócitos benignos contendo grande quantidade de glicogênio e</p><p>gordura. Os dúctulos biliares não são observados histologicamente e a arquitetura normal do fígado está ausente nessas lesões. A hemorragia e a</p><p>necrose são comumente encontradas.33 Com base nos estudos de correlação da patologia molecular detalhada, um grupo francês propôs</p><p>recentemente uma classificação patológica molecular na qual os adenomas se classificam em mutado com β‑catenina, com HNF1A mutado,</p><p>inflamatório e não especificado de outra forma.34,35 Os estudos moleculares também identificaram assinaturas genéticas com um risco mais elevado</p><p>de transformação maligna. Especificamente, o risco mais elevado de transformação maligna é observado no AH com ativação de β‑catenina.35,36 Os</p><p>pacientes com AH apresentam sintomas em cerca de 50% a 75% dos casos. A dor abdominal no quadrante superior direito é comum e pode estar</p><p>relacionada com hemorragia no tumor ou com sintomas locais compressivos. O exame físico geralmente é normal e os marcadores tumorais são</p><p>normais. Podem ocorrer graves manifestações, como ruptura em peritônio livre e sangramento. A imagem tende a ser característica e evita a</p><p>necessidade de diagnóstico tecidual na maior parte do tempo.37‑39 Devido à hemorragia intratumoral, a necrose e o componente lipídico do AH</p><p>tendem a ser heterogêneos na TC. Na TC com contraste, o AH tende a apresentar melhora periférica com progressão centrípeta. As RMs do AH</p><p>também têm características radiológicas específicas, incluindo uma massa heterogênea bem demarcada contendo gordura ou hemorragia. Apesar</p><p>da imagem de alta qualidade, a ressecção pode, por vezes, ser necessária para assegurar um diagnóstico em casos difíceis. De forma intrigante,</p><p>estudos vêm elucidando a correlação entre os subtipos moleculares descritos e as características imaginológicas.40</p><p>Os dois grandes riscos do AH são a ruptura com hemorragia intraperitoneal potencialmente fatal e a transformação maligna. A quantificação do</p><p>risco de ruptura é difícil, mas foi estimada em 30% a 50%, com todas as instâncias de ruptura espontânea ocorrendo em lesões com 5 cm ou</p><p>mais.39 Embora existam numerosos registros de transformação de AH em carcinoma hepatocelular (CHC), o verdadeiro risco de transformação é</p><p>provavelmente baixo. Os adenomas hepáticos com ativação da β‑catenina devem ser considerados para intervenção cirúrgica precoce, uma vez que</p><p>a transformação maligna ocorre com mais frequência neste subtipo.36,41</p><p>Pacientes que apresentam hemorragia aguda necessitam de cuidados emergenciais. Se possível,</p><p>a embolização da artéria hepática constitui uma</p><p>manobra temporária útil. Uma vez estabilizados e adequadamente recuperados, são necessárias laparotomia e ressecção do nódulo. As massas</p><p>sintomáticas devem ser ressecadas da mesma forma. As pacientes com AH assintomático decorrente de contraceptivos orais podem ser observadas</p><p>após a interrupção do uso de pílulas, embora a progressão e a ruptura tenham sido observadas nesta situação. O comportamento do AH durante a</p><p>gravidez é imprevisível, sendo geralmente recomendada a ressecção antes de uma gravidez programada. Em geral, o cirurgião deve comparar os</p><p>riscos da conduta expectante, estudos em série por imagem e medidas de AFP com os riscos da ressecção. A ressecção geralmente é recomendada</p><p>por causa da baixa mortalidade em mãos experientes e dos riscos da observação. As condições da margem não são importantes nestas ressecções,</p><p>podendo ser realizadas ressecções limitadas. O tratamento da adenomatose é controverso, mas grandes lesões provavelmente devem ser ressecadas</p><p>devido ao risco de ruptura, enquanto o risco de malignidade é baixo nas lesões inferiores a 5 cm.42 Ocasionalmente, o transplante de fígado é</p><p>necessário para formas agressivas de adenomatose.43,44</p><p>Hiperplasia Nodular Focal</p><p>A hiperplasia nodular focal (HNF) é o segundo tumor benigno do fígado mais comum após o hemangioma e é predominantemente encontrada em</p><p>mulheres jovens.39 É caracterizada por uma mácula fibrosa central com septos irradiados, embora nenhuma mácula central seja observada em</p><p>aproximadamente 15% dos casos (Fig. 53‑34).Microscopicamente, a HNF contém cordões de hepatócitos de aparência benigna e segmentados por</p><p>múltiplos septos fibrosos originários da mácula central. A vascularidade hepática típica não é observada, porém um epitélio biliar atípico é</p><p>encontrado disseminado por toda a lesão. Em geral a mácula central contém uma grande artéria que se estende em pequenos ramos dispostos em</p><p>um padrão radial. A etiologia da HNF não é conhecida e a teoria mais aceita é que estaria relacionada com o desenvolvimento de uma malformação</p><p>vascular. Os hormônios femininos e os agentes contraceptivos orais têm sido implicados no desenvolvimento e crescimento da HNF, mas a</p><p>associação é frágil e difícil de ser provada.</p><p>FIGURA 5334 Corte transversal de uma hiperplasia nodular focal ressecada. Note a cicatriz central bem definida. (De Hugh TJ, Poston GJ:</p><p>Benign liver tumors and masses. In Blumgart LH, Fong Y [eds]: Surgery of the liver and biliary tract, London, 2000, WB Saunders, pp 1397–1422.)</p><p>A maioria dos pacientes com HNF se apresenta como um achado incidental na laparotomia ou, mais comumente, em estudos de imagem. Se os</p><p>sintomas forem observados, quase sempre se apresentam como dores abdominais imprecisas, de modo que têm sido descritos vários sintomas não</p><p>específicos. Muitas vezes é difícil atribuir estes sintomas relatados à presença da HNF, portanto outras possíveis causas devem ser investigadas. O</p><p>exame físico geral é irrelevante e anormalidades leves da função hepática podem ser detectadas. Os níveis de AFP sérica estão normais.</p><p>Com os progressos dos exames de imagens hepatobiliares, a maioria dos casos de HNF tem sido diagnosticada radiologicamente com razoável</p><p>segurança. A TC contrastada e a RM tornaram‑se métodos seguros de diagnóstico da HNF.45 A HNF normalmente mostra hipervascularização na</p><p>fase arterial na TC ou RM com cicatriz central que não melhora. A marcação desaparece com o tempo e a lesão torna‑se isointensa com o</p><p>parênquima hepático nas fases portal e diferida. Quando não se observa uma mácula central, entretanto, o diagnóstico radiológico torna‑se difícil</p><p>para se diferenciar um adenoma celular hepático (ACH) de um nódulo maligno, especialmente CHC fibrolamelar, sendo que algumas vezes é</p><p>praticamente impossível. Ocasionalmente, torna‑se necessária a confirmação histológica, e a ressecção é recomendada para o diagnóstico definitivo.</p><p>A aspiração por agulha fina para o diagnóstico de HNF tem sido sugerida, mas muitas vezes não é esclarecedora.</p><p>A maioria dos tumores na HNF são benignos e de natureza indolente. A ruptura, o sangramento e o infarto são extremamente raros e a</p><p>degeneração maligna da HNF jamais foi assinalada. O tratamento da HNF depende de um diagnóstico correto e dos sintomas. Os pacientes</p><p>assintomáticos com características radiológicas típicas não exigem tratamento.39 Se o diagnóstico for impreciso, a ressecção pode ser necessária para</p><p>a confirmação histológica. Os pacientes sintomáticos devem ser meticulosamente investigados quanto à possibilidade de outra doença com o</p><p>objetivo de esclarecer os sintomas. A observação cuidadosa dos pacientes com HNF sintomática por meio de exames de imagem em série é razoável</p><p>porque os sintomas melhoram em um número significativo de casos. Os pacientes com HNF sintomática persistente ou que apresentem uma massa</p><p>crescente devem ser considerados para ressecção. Como a HNF é um diagnóstico de doença benigna, a ressecção deve ser realizada com taxa</p><p>mínima de morbimortalidade.46</p><p>Hemangioma</p><p>Tumor benigno mais comum do fígado,39 o hemangioma ocorre em mulheres mais do que em homens (proporção 3:1) e em uma média de idade de</p><p>aproximadamente 45 anos. Os hemangiomas capilares pequenos não têm importância clínica, enquanto os volumosos hemangiomas cavernosos</p><p>despertam a atenção do cirurgião hepático (Fig. 53‑35). Os hemangiomas cavernosos estão associados à HNF e são considerados malformações</p><p>vasculares congênitas. O crescimento do hemangioma é por ectasia, em vez de neoplasia. São normalmente solitários, com menos de 5 cm de</p><p>diâmetro e ocorrem com igual incidência nos hemifígados direito e esquerdo. As lesões maiores que 5 cm são arbitrariamente chamadas</p><p>hemangiomas gigantes. A involução ou trombose dos hemangiomas pode resultar em massas fibróticas densas difíceis de serem diferenciadas de</p><p>tumores malignos. Microscopicamente, são revestidos por endotélios, com espaços preenchidos de sangue separados por finos septos fibrosos.47,48</p><p>FIGURA 5335 A e B, Imagens de TC de um grande hemangioma cavernoso mostrando o deslocamento das veias hepáticas esquerda e</p><p>média e compressão da veia porta esquerda. O nódulo era sintomático e foi necessária uma hepatectomia direita estendida para que fosse</p><p>removido.</p><p>Geralmente, os hemangiomas são assintomáticos e encontrados incidentalmente em exames de imagem. Grandes nódulos compressivos podem</p><p>causar leves sintomas abdominais superiores. Os sintomas atribuídos a um hemangioma do fígado demandam uma investigação em relação a outra</p><p>doença, porque em cerca da metade dos casos será encontrada outra causa para os sintomas. Uma rápida expansão ou trombose aguda pode</p><p>ocasionalmente causar sintomas. A ruptura espontânea dos hemangiomas do fígado é muito rara. Uma síndrome com associação de</p><p>trombocitopenia e coagulopatia de consumo, conhecida como síndrome de Kasabach‑Merriീ�, é rara, porém bem‑definida.</p><p>Os TFHs e os marcadores tumorais usualmente são normais nos hemangiomas hepáticos. A investigação radiológica pode esclarecer o</p><p>diagnóstico na maioria dos casos. A TC e a RM em geral são suficientes se for observado um típico padrão de preenchimento nodular</p><p>periférico.45,47 Exames de eritrócitos marcados por isótopos radioativos são testes precisos, mas raramente serão necessários se TC e RM de alta</p><p>definição estiverem disponíveis. A biópsia percutânea de um hemangioma suspeito é potencialmente perigosa e inexata, portanto não é</p><p>recomendada.</p><p>A história natural do hemangioma hepático é geralmente benigna, e parece que a maior parte permanece estável por muito tempo, com baixo</p><p>risco de ruptura ou hemorragia.39 O crescimento e o aparecimento dos sintomas realmente ocorrem, porém</p><p>eventualmente requerem ressecção.</p><p>Não há registro de degeneração maligna de hemangioma hepático. Um paciente assintomático com o diagnóstico confirmado pode ficar em</p><p>simples observação.39 Os pacientes sintomáticos devem ser submetidos a uma avaliação global em busca de explicações alternativas para os</p><p>sintomas, mas são elegíveis para ressecção caso nenhuma outra causa seja encontrada. A ruptura, a mudança de tamanho e o desenvolvimento da</p><p>síndrome de Kasabach‑Merriീ� são indicações para ressecção. Em raros casos de diagnóstico impreciso, a ressecção pode ser necessária para se</p><p>elaborar um diagnóstico definitivo. A ressecção dos hemangiomas hepáticos deve ser realizada com o mínimo de morbimortalidade. A ressecção é</p><p>realizada com mais frequência pela enucleação com controle do fluxo arterial, mas as ressecções anatômicas têm sido defendidas por alguns</p><p>cirurgiões. A cirurgia em hemangioma central volumoso pode ser associada à morbidade significativa.</p><p>Os hemangiomas hepáticos em crianças são comuns, sendo responsáveis por aproximadamente 12% de todos os tumores hepáticos na</p><p>infância.49 São geralmente multifocais e podem comprometer outros órgãos. Hemangiomas volumosos em crianças podem resultar em insuficiência</p><p>cardíaca congestiva secundária ao shunt arteriovenoso. Os hemangiomas infantis sintomáticos não tratados estão associados a alta mortalidade. Por</p><p>outro lado, quase todos os pequenos hemangiomas capilares têm resolução espontânea. O hemangioma infantil sintomático pode ser tratado com</p><p>embolização terapêutica; o tratamento médico deve ser iniciado para o controle da insuficiência cardíaca congestiva. Os agentes quimioterápicos e a</p><p>irradiação têm sido utilizados, mas a experiência é limitada. A ressecção pode ser necessária para as lesões sintomáticas e/ou casos de ruptura.</p><p>Outros Tumores Benignos</p><p>Embora existam outros tumores hepáticos benignos, a maioria dos tumores sólidos benignos do fígado é composta por AH, HNFs ou hemangioma;</p><p>entretanto estes são raros e podem ser difíceis de diferenciar da malignidade. Os nódulos macrorregenerativos ou hiperplasia adenomatosa são</p><p>nódulos simples ou múltiplos, bem delimitados, corados pela bile, abaulados e que ocorrem primariamente em pacientes com doença crônica do</p><p>fígado. Essas lesões têm potencial maligno e podem ser difíceis de distinguir do CHC. Hiperplasia regenerativa nodular é um processo benigno</p><p>micronodular difuso (geralmente 10 a 20 casos/100.000) é encontrada no sudeste da Ásia e na África tropical. A incidência mais baixa (1 a</p><p>3 casos/100.000) é observada na Austrália, América do Norte e Europa. Em áreas de acometimento elevado, os índices são variáveis. Por exemplo,</p><p>Taiwan tem uma incidência de 150 casos/100.000 e Singapura, de 28 casos/100.000. Evidências epidemiológicas sugerem que o CHC está em grande</p><p>parte relacionado com fatores ambientais; a incidência de CHC em imigrantes eventualmente envolve a população local após várias gerações. Uma</p><p>exceção a esta observação é que os brancos que vivem nas áreas de grande prevalência tendem a ter uma baixa incidência de CHC, o que</p><p>provavelmente está relacionado com a continuação do estilo de vida e dos fatores ambientais de seu país de origem. É provável que a variação e a</p><p>taxa de incidência entre imigrantes estejam relacionadas com a proporção ao número de VHB. Um aumento significativo no percentual de CHC nos</p><p>Estados Unidos e em outros países ocidentais tem sido observado nos últimos 35 anos, no entanto dados recentes sugerem que pelo menos nos</p><p>Estados Unidos a epidemia pode ter atingido o pico, uma vez que as taxas de incidência se estabilizaram nos últimos anos.50,51 A explicação para o</p><p>aumento observado durante as últimas décadas não é compreendida, mas o surgimento da infecção com o vírus de hepatite C (VHC) e de padrões</p><p>de imigração foi sugerido.52‑54 O risco de CHC aumenta ainda mais em pacientes obesos e naqueles com doença hepática gordurosa não alcoólica e</p><p>esteato‑hepatite não alcoólica.55 Visto que a obesidade e suas complicações estão aumentando em uma proporção epidêmica no mundo ocidental, a</p><p>obesidade como causa de CHC está se tornando mais importante. Dados recentes também sugerem que abordar os fatores ambientais pode levar à</p><p>redução da incidência de CHC. Em Taiwan, o tratamento das hepatites crônicas B e C sob a conduta de um programa nacional de terapia para</p><p>hepatite viral conseguiu a redução da incidência e da mortalidade por CHC.56</p><p>O CHC é duas a oito vezes mais comum em homens do que em mulheres em áreas de baixa e alta incidências. Embora os hormônios sexuais</p><p>possam desempenhar um pequeno papel no desenvolvimento do CHC, a maior incidência em homens provavelmente está relacionada com altas</p><p>taxas dos fatores de riscos associados, como infecção por VHB, cirrose, fumo, consumo excessivo de álcool e a elevada síntese de DNA hepático na</p><p>cirrose. Em geral, a incidência de CHC aumenta com a idade, mas observou‑se a tendência para desenvolver CHC mais cedo, em áreas de</p><p>incidência elevada. Por exemplo, em Moçambique, 50% dos pacientes com CHC tinham idade inferior aos 30 anos, o que poderia estar relacionado</p><p>com a possibilidade de se contrair a infecção em diferentes faixas etárias e a história natural da hepatite B e infecções pela C.</p><p>Fatores causais</p><p>Foram observadas numerosas associações entre infecções virais hepáticas, exposições ambientais,</p><p>contém o pedículo portal esquerdo. (De Blumgart LH, Hann LE:</p><p>Surgical and radiologic anatomy of the liver and biliary tract. In Blumgart LH, Fong Y, editors: Surgery of the liver and biliary tract,</p><p>London, 2000, WB Saunders, pp 3–34.)</p><p>FIGURA 535 Anatomia segmentar do fígado.</p><p>A, Como vista em laparotomia na posição anatômica B, Na posição ex vivo. (De Blumgart LH, Hann LE: Surgical and</p><p>radiologic anatomy of the liver and biliary tract. In Blumgart LH, Fong Y, editors: Surgery of the liver and biliary tract, London, 2000,</p><p>WB Saunders, pp 3–34.)</p><p>FIGURA 536 Anatomia segmentar do fígado é demonstrada em três níveis nas imagens de TC contrastadas. A,</p><p>No nível das veias hepáticas, o segmento 1 é visto posteriormente “abraçando” a veia cava. O segmento 2 é</p><p>separado do segmento IVA pela veia hepática esquerda. O segmento 4A é separado do segmento 8 pela veia</p><p>hepática média, e o segmento 8 é separado do segmento 7 pela veia hepática direita. B, No nível da bifurcação da</p><p>veia porta, o segmento 3 é visto, já que se fixa inferiormente em sua posição anatômica e é separado do</p><p>segmento 4B pela fissura umbilical. Observe que o segmento 2 não é visto neste nível. Ramos terminais da veia</p><p>hepática média separam o segmento 4B do segmento 5, e ramos terminais da veia hepática direita separam o</p><p>segmento 5 do segmento 6. Observe que os segmentos 4A, 8, e 7 não são vistos neste nível. O segmento 1 é</p><p>visto posterior à veia porta e “envolvendo” a veia cava. C, Abaixo da bifurcação portal, podem ser vistas as</p><p>pontas inferiores dos segmentos 3 e 4B. Os ramos terminais da veia hepática média e a vesícula biliar marcam</p><p>a separação do segmento 4B do segmento 5. Segmentos 5 e 6 são separados pelos ramos distais da veia</p><p>hepática direita. Observe como o fígado direito localizase bem inferior em relação ao fígado esquerdo. A</p><p>anatomia segmentar do fígado é demonstrada em três níveis nas imagens de TC contrastada.</p><p>A cissura principal contém a veia hepática média, que corre na direção anteroposterior da fossa da vesícula biliar para o</p><p>lado esquerdo da veia cava e divide o fígado em hemifígados direito e esquerdo. A linha da cissura principal também é</p><p>conhecida como linha de Cantlie. O fígado direito é dividido em segmentos anteriores (segmentos 5 e 8) e posteriores</p><p>(segmentos 6 e 7) pela cissura direita, que contém a veia hepática direita. O pedículo portal direito é composto por artéria</p><p>hepática direita, veia porta e ducto biliar e se divide em pedículos anteriores direitos e posteriores direitos, que suprem os</p><p>segmentos do setor anterior e posterior.</p><p>O fígado esquerdo tem uma cissura visível ao longo de sua superfície inferior, chamada de cissura umbilical, na qual o</p><p>ligamento redondo (contendo o remanescente da veia umbilical) penetra. O ligamento falciforme é contíguo à cicatriz</p><p>umbilical e ao ligamento redondo. A cicatriz umbilical não é uma cissura e não contém a veia hepática; ela envolve o</p><p>pedículo portal esquerdo, que acomoda a veia porta esquerda, a artéria hepática e o ducto biliar. Este pedículo corre nessa</p><p>cissura e se ramifica para perfundir o fígado esquerdo, o qual é dividido em segmentos anteriores (segmentos 3 e 4) e</p><p>segmento posterior (segmento 2, o único setor composto por um único segmento) pela cissura esquerda. A cissura esquerda</p><p>corre posteriormente ao ligamento redondo e contém a veia hepática esquerda.</p><p>No hilo hepático, a tríade portal direita tem um pequeno curso extra‑hepático de aproximadamente 1 a 1,5 cm, antes de</p><p>penetrar no parênquima e ramificar‑se nos ramos segmentares anterior e posterior. A tríade portal esquerda, entretanto, tem</p><p>um longo curso extra‑hepático de até 3 a 4 cm e corre em sentido transversal ao longo da base do segmento 4 em uma</p><p>bainha peritoneal que constitui a extremidade superior do omento menor. Esse tecido conjuntivo é conhecido como placa</p><p>hilar (Fig. 53‑7). A continuação da tríade portal esquerda corre anterior e inferiormente na cissura umbilical e dá ramos aos</p><p>segmentos 2 e 3 e ramos recorrentes ao segmento 4.</p><p>FIGURA 537 O sistema de placas está ilustrado: a placa cística entre a vesícula biliar e o fígado (A); a placa</p><p>hilar na confluência biliar na base do segmento IV (B); e a placa umbilical acima da porção umbilical da veia</p><p>porta (C). As setas mostram o plano de dissecção da placa cística para colecistectomia e a placa hilar para</p><p>exposição da confluência do ducto hepático e o ducto hepático principal esquerdo. (De Blumgart LH, Hann LE: Surgical</p><p>and radiologic anatomy of the liver and biliary tract. In Blumgart LH, Fong Y, editors: Surgery of the liver and biliary tract, London,</p><p>2000, WB Saunders, pp 3–34.)</p><p>O lobo caudado (segmento 1) é a porção dorsal do fígado. Ele envolve a VCI com sua superfície posterior e localiza‑se</p><p>posteriormente à tríade portal esquerda, na parte inferior, e às veias hepáticas esquerda e média, na parte superior. A</p><p>superfície principal do lobo caudado fica à esquerda da VCI, mas, na parte inferior, ela passa entre a VCI e a tríade portal</p><p>esquerda e funde‑se ao fígado direito (segmentos 6 e 7). Esta parte do lobo caudado é conhecida como a porção direita ou</p><p>processo caudado. A porção esquerda do lobo caudado localiza‑se na bursa do omento menor e é coberta na parte anterior</p><p>pelo ligamento gastro‑hepático (omento menor), que a separa dos segmentos 2 e 3 na parte anterior. O ligamento gastro‑</p><p>hepático prende‑se ao ligamento venoso (remanescente do seio venoso) ao longo da borda esquerda da tríade portal</p><p>esquerda (Fig. 53‑8).</p><p>FIGURA 538 A anatomia do lobo caudado (segmento I) é mostrada. A, Vista em corte transversal, a maior</p><p>parte do caudado está à esquerda da veia cava inferior (VCI) e localizase posterior ao omento menor, que separa</p><p>o caudado dos segmentos II e III. A terminação do omento menor no ligamento venoso é demonstrada. O</p><p>caudado cursa para a direita, insinuandose entre a VCI e a veia porta esquerda (VPE), onde ele se une ao fígado</p><p>direito. Observe a proximidade da veia hepática média (VHM) com estas estruturas. B, Os segmentos II e III</p><p>foram rodados para a direita do paciente, expondo o lado esquerdo do caudado. VHE, veia hepática esquerda; VP,</p><p>veia porta. (De Blumgart LH, Hann LE: Surgical and radiologic anatomy of the liver and biliary tract. In Blumgart LH, Fong Y,</p><p>editors:Surgery of the liver and biliary tract, London, 2000, WB Saunders, pp 3–34.)</p><p>O influxo vascular e a drenagem biliar para o lóbulo caudado provêm dos sistemas direito e esquerdo. O lado direito do</p><p>lóbulo caudado, o processo caudado, em grande parte deriva seu suprimento venoso portal da veia porta direita ou da</p><p>bifurcação da veia porta principal. A porção esquerda do lóbulo caudado deriva seu influxo venoso portal da veia porta</p><p>principal esquerda. Em geral, o suprimento arterial e a drenagem biliar da porção direita se fazem pelo sistema setorial</p><p>posterior direito, e o da porção esquerda se processa pelos principais vasos esquerdos. A drenagem venosa hepática do</p><p>lóbulo caudado é singular porque um número de pequenas veias posteriores drena diretamente na VCI.</p><p>A borda posterior do lado esquerdo do lóbulo caudado termina em um componente fibroso que se prende ao pilar direito</p><p>do diafragma e caminha, posteriormente, atrás da VCI e liga‑se ao segmento 7 do fígado direito. Em até 50% das pessoas,</p><p>este componente fibroso é composto parcial ou completamente pelo parênquima hepático. Assim, o tecido hepático pode</p><p>envolver completamente a VCI. Essa estrutura é conhecida como ligamento da veia cava e é importante reconhecê‑la</p><p>quando mobilizamos o fígado direito ou o lóbulo caudado para afastá‑los da veia cava.</p><p>Raramente são encontradas variações anatômicas no fígado. A ausência completa do fígado esquerdo já foi assinalada,</p><p>assim como também já se descreveu uma língua de tecido que se estende além da parte inferior do fígado direito (lobo de</p><p>Riedel). Além disso, foram observados raros casos</p><p>consumo de álcool, fumo, doenças metabólicas</p><p>genéticas, cirrose, uso de ACO e desenvolvimento do CHC. Em geral, 75% a 80% dos casos de CHC estão relacionados com VHB (50% a 55%) ou</p><p>infecções VHC (25% a 30%). Também está claro, de acordo com pesquisas, que o desenvolvimento do CHC é um processo complexo de várias</p><p>etapas e que envolve diferentes fatores de risco.54,57</p><p>Depois de muitos anos de pesquisa, estabeleceu‑se uma evidente associação entre a infecção persistente por VHB e o desenvolvimento do</p><p>CHC.58 Em estudo, observou‑se uma incidência cinco a 100 vezes maior de CHC em indivíduos infectados pelo VHB em comparação com os não</p><p>infectados. Outra evidência inclui as seguintes observações: as áreas geográficas com elevados índices de infecção por VHB também têm altos</p><p>índices de CHC; a infecção por VHB precede o aparecimento de CHC; a sequência da infecção por VHB para cirrose e para o CHC está bem</p><p>documentada e o genoma do VHB é encontrado no genoma do CHC. O VHB não apresenta oncogenes conhecidos, mas a mutagênese insercional</p><p>em hepatócitos pode ser um fator que contribui para o desenvolvimento do CHC. Outro mecanismo proposto está relacionado com a cirrose e a</p><p>inflamação hepática crônica, que está presente em 60% a 90% dos pacientes com infecção por VHB e CHC. A cirrose não é um pré‑requisito para o</p><p>desenvolvimento do CHC relacionado com o VHB. O risco de CHC não está simplesmente relacionado com a presença do VHB, mas requer uma</p><p>infecção crônica (i.e., antígeno de superfície de hepatite B cronicamente positivo). Há uma possibilidade maior de infecção persistente (estado de</p><p>portador) quando esta é adquirida no nascimento ou na primeira infância. A agregação familiar de CHC está provavelmente relacionada com a</p><p>transmissão precoce e vertical do vírus e com o estabelecimento do estado de portador crônico.</p><p>Descobriu‑se que a hepatite C é uma das principais causas de doença hepática crônica no Japão, Europa e Estados Unidos, onde existe um índice</p><p>relativamente baixo de infecção pelo VHB. Os anticorpos contra o VHC são encontrados em 76% dos pacientes com CHC no Japão e na Europa e</p><p>em 36% nos Estados Unidos. A infecção por VHB e VHC é fator de risco independente para o desenvolvimento do CHC, mas pode agir</p><p>sinergicamente quando um indivíduo está infectado por ambos os vírus. Embora a história natural da infecção pelo VHC não esteja completamente</p><p>esclarecida, ela parece ser uma infecção crônica, com um curso benigno inicial; no entanto pode ocorrer o desenvolvimento final de cirrose e CHC.</p><p>Os estudos sobre as taxas de progressão para cirrose têm estipulado um tempo médio de 30 anos, mas estas taxas variam de menos de 20 a 50 anos.</p><p>Os fatores associados a progressão mais rápida incluem sexo masculino, uso crônico de álcool e idade mais avançada no momento da infecção. O</p><p>VHC é um vírus RNA que não se integra no genoma do hospedeiro e, portanto, a patogenia do CHC relacionada com o VHC pode ser devida à</p><p>inflamação crônica e à cirrose, e não à carcinogênese diretamente.59,60</p><p>A verdadeira relação entre a cirrose e o CHC é muito difícil de se confirmar, e sugestões causais continuam sendo especuladas. A cirrose não é</p><p>requisito para o desenvolvimento de CHC, nem o CHC é um resultado inevitável da cirrose. A relação entre cirrose e CHC complica‑se ainda mais</p><p>pelo fato de que eles têm associações comuns. Além disso, algumas associações (p. ex., a infecção por VHB, a hemocromatose) estão relacionadas</p><p>com o alto risco de CHC, enquanto as demais (p. ex., o álcool, a cirrose biliar primária) estão relacionadas com baixo risco de CHC. Trabalhos com</p><p>fígados cirróticos com taxas elevadas de replicação de DNA estão associados ao desenvolvimento de CHC.</p><p>O consumo crônico do álcool e do fumo está associado ao risco elevado de CHC, podendo existir um efeito sinérgico com a infecção por VHB e</p><p>VHC. O álcool causa cirrose, mas nunca se demonstrou que haja atividade diretamente carcinogênica nos hepatócitos. Assim, o álcool</p><p>provavelmente age como um cocarcinógeno. O tabagismo tem estado associado ao desenvolvimento de CHC, mas a evidência não é consistente e o</p><p>risco de contribuição, independentemente da hepatite viral, é provavelmente pequeno. A aflatoxina produzida pela espécie Aspergillus é uma</p><p>poderosa hepatotoxina. Com a exposição crônica, a aflatoxina age como um carcinógeno e aumenta o risco de CHC. O fungo agressor cresce em</p><p>grãos, amendoins e produtos alimentícios em regiões tropicais e subtropicais. A ingestão de alimentos contaminados resulta na exposição à</p><p>aflatoxina. Nos Estados Unidos, os níveis de aflatoxina em alimentos potencialmente comprometidos são controlados.</p><p>Outras substâncias químicas também têm sido implicadas como carcinógenos relacionados com CHC, incluindo nitritos, hidrocarbonetos,</p><p>solventes, pesticidas e cloreto de vinila. O Thorotrast® (dióxido de tório coloidal), um meio angiográfico usado nos anos 1930, emite altos níveis de</p><p>irradiação de longa duração e tem sido responsabilizado por fibrose hepática, angiossarcoma, colangiossarcoma e CHC. As associações com</p><p>doenças hepáticas metabólicas hereditárias, como a hemocromatose hereditária, a deficiência de α1‑antitripsina e a doença de Wilson, também</p><p>foram incluídas como fatores de risco para CHC. As associações com a utilização de hormônios, agentes contraceptivos orais e esteroides</p><p>anabolizantes, também têm sido sugeridas, porém sem muita ênfase, e estão provavelmente relacionadas com adenoma e CHC bem diferenciado.</p><p>Várias pesquisas têm procurado relações do CHC com diabetes, obesidade e síndrome metabólica.55,61‑63</p><p>Quadro clínico</p><p>Na maioria das vezes, os pacientes com CHC são homens com 50 a 60 anos de idade com queixas de dor abdominal no quadrante superior direito,</p><p>perda de peso e massa palpável. Em países onde o VHB é endêmico, as apresentações em idades mais jovens são comuns e provavelmente estão</p><p>relacionadas com a infecção na infância. Infelizmente, nas populações não rastreadas, o CHC tende a iniciar os sintomas em um estágio avançado,</p><p>sem pródromos. A manifestação nos estágios avançados é sempre com leve dor abdominal no quadrante superior direito que às vezes se irradia</p><p>para o ombro direito. Os sintomas não específicos de malignidade avançada, como anorexia, náuseas, letargia e perda de peso, são comuns. Outra</p><p>manifestação habitual do CHC é a descompensação hepática em um paciente com cirrose inicial identificada ou até em pacientes sem cirrose</p><p>previamente conhecida.</p><p>O CHC pode se apresentar como uma ruptura, com início súbito de dor abdominal seguida por choque hipovolêmico secundário a sangramento</p><p>intraperitoneal. Outras manifestações raras incluem oclusão da veia hepática (síndrome de Budd‑Chiari), icterícia obstrutiva, hemobilia ou febre de</p><p>origem desconhecida. Menos de 1% dos casos de CHC apresenta‑se com síndrome paraneoplástica, que pode ser hipercalcemia, hipoglicemia e</p><p>eritrocitose. Pequenos tumores descobertos por acaso estão se tornando manifestação mais comuns devido ao conhecimento dos fatores de risco</p><p>específicos, programas de rastreamento e uso crescente de exames de imagem abdominais de alta resolução.</p><p>Diagnóstico</p><p>A investigação radiológica é parte fundamental no diagnóstico de CHC. No passado, o rastreamento do fígado com radioisótopos e a angiografia</p><p>eram métodos comuns de diagnóstico, mas a US, a TC e a RM substituíram totalmente estes exames. A US desempenha um papel significativo no</p><p>rastreamento e na detecção precoce do CHC, mas, em geral, o diagnóstico definitivo e o planejamento do tratamento contam com a TC ou a RM. A</p><p>TC com meio de contraste e os protocolos por RM que têm como objetivo o diagnóstico do CHC aproveitam a hipervascularidade destes tumores e</p><p>tanto a imagem quanto os padrões de intensificação pelo contraste são fundamentais.64,65 A TC e a RM também avaliam a extensão da doença em</p><p>termos</p><p>de metástases peritoneais, metástases ganglionares e a extensão do comprometimento vascular e biliar. A detecção de trombos moles e/ou</p><p>tumorais no sistema venoso hepático ou portal também é importante e pode ser feita com qualquer uma dessas modalidades (Fig. 53‑36).</p><p>FIGURA 5336 Imagem de TC com contraste mostra carcinoma hepatocelular multifocal. A veia porta esquerda está invadida pelo</p><p>tumor. (De Roddie ME, Adam A: Computed tomography of the liver and biliary tree. In Blumgart LH, Fong Y, editors: Surgery of the liver and biliary tract, London,</p><p>2000, WB Saunders, pp 309–340.)</p><p>As dosagens de AFP podem ser muito úteis no diagnóstico de CHC no entanto o doseamento da AFP está associado a múltiplos problemas. Em</p><p>primeiro lugar, as medições da AFP têm agora baixas sensibilidade e especificidade. A especificidade e os valores preditivos do positivo da AFP</p><p>melhoram com níveis de limiar mais elevados (p. ex., 400 ng/mL), mas em detrimento da sensibilidade. Elevações falso positivas dos níveis de AFP</p><p>sérico podem ser observadas nas patologias inflamatórias do fígado, como a hepatite viral crônica ativa. Além disso, a AFP não é específica para o</p><p>CHC e pode estar elevada no colangiocarcinoma intra‑hepático e nas metástases colorretais. Com as melhorias na tecnologia de imagem e na</p><p>capacidade para detectar tumores menores, a AFP é amplamente utilizada como teste adjuvante em pacientes com massas hepáticas. Os níveis de</p><p>AFP são particularmente úteis no monitoramento de pacientes tratados para avaliação de recorrência após normalização dos níveis.</p><p>Desde a proposta de diretrizes para o diagnóstico de CHC pela conferência Barcelona‑2000 European Association for the Study of Liver66 e pela</p><p>American Association for the Study of Liver Disease,67 nova informação foi acumulada e as recomendações evoluíram.68,69 A AFP desempenhava</p><p>um papel importante no diagnóstico de CHCs com mais de 2 cm,67 no entanto, dado o excelente desempenho das modalidades de imagem com</p><p>contraste, a AFP já não tem um papel essencial no diagnóstico do CHC.68,69 Para os nódulos hepáticos com 1 a 2 cm de dimensão num contexto de</p><p>cirrose, TC com contraste trifásico e RM são agora recomendadas.68,69 Se as características típicas do CHC na imagem (marcação arterial</p><p>com washout do contraste em fases tardias) forem observadas, o diagnóstico do CHC é presumido. Para lesões com mais de 2 cm, um único estudo é</p><p>suficiente, no entanto, para lesões com 1 a 2 cm de tamanho, a TC e a RM com contraste têm uma sensibilidade de 53% a 62%, especificidade de</p><p>aproximadamente 100%, valor preditivo do positivo de 95% a 100% e valor preditivo do negativo de 80% a 84%.70 O desempenho da TC e da RM</p><p>de uma forma sequencial pode aumentar a sensibilidade e pode ser necessário em casos difíceis.70</p><p>Os pacientes com fatores de risco e características radiológicas sugestivas, com ou sem um nível elevado de AFP, que são candidatos à terapia</p><p>cirúrgica potencialmente curativa não requerem biópsia pré‑ ‑operatória, a menos que o diagnóstico seja duvidoso. A aspiração percutânea por</p><p>agulha fina do CHC leva a um pequeno risco de implante celular tumoral (estimado em cerca de 1%) e ruptura/sangramento (sobretudo em fígados</p><p>cirróticos).</p><p>Uma vez que tenha sido feito o diagnóstico de CHC, a doença deve ser testada para estabelecer um plano de tratamento adequado. Muitos</p><p>pacientes com CHC têm duas doenças, e a sobrevida está relacionada tanto com o tumor quanto com a cirrose. O estadiamento inclui a dimensão</p><p>da doença e a extensão da investigação de cirrose.</p><p>Ao avaliar a extensão da doença neoplásica, os sítios comuns de metástase devem ser considerados. O CHC metastatiza comumente para</p><p>pulmão, osso e peritônio. A história pré‑operatória deve focalizar os sintomas referentes a estas áreas. A extensão da doença neoplásica no fígado,</p><p>inclusive a invasão macrovascular e a presença de múltiplos nódulos hepáticos, também deve ser considerada. Uma imagem abdominal</p><p>transversal, incluindo imagens de fase arterial (ver anteriormente), fornece informações sobre a dimensão da doença no fígado, bem como doença</p><p>peritoneal. A TC do tórax pré‑operatória é obrigatória porque as metástases pulmonares são geralmente assintomáticas. A rotina de rastreamento</p><p>dos ossos não é realizada, a menos que existam sintomas ou sinais sugestivos.</p><p>A avaliação da função hepática é imprescindível no estudo das opções de tratamento para um paciente com CHC. A ressecção do fígado é a</p><p>proposição do tratamento ideal para CHC e o risco de insuficiência pós‑operatória do fígado e morte deve ser considerado. Este risco está</p><p>relacionado a grau da cirrose, hipertensão portal, extensão do fígado ressecado (reserva funcional hepática) e resposta regenerativa potencial.</p><p>Outros tratamentos bem‑sucedidos estão disponíveis para CHC, como técnicas ablativas, técnicas de embolização e transplante hepático, portanto</p><p>há que se fazer uma avaliação completa do tumor e da função hepática. Uma série de testes de função hepática está disponível, geralmente</p><p>divididos em avaliação clínica e testes funcionais, e há muitos esquemas de avaliação clínica (ver anteriormente), no entanto a classificação de</p><p>Child‑Pugh é usada mais frequentemente. Os pacientes de classe C de Child‑Pugh não são candidatos à terapia de ressecção, enquanto Child‑Pugh</p><p>classe A costumam tolerar alguns tipos de ressecção hepática. Muitos consideram pacientes Child‑Pugh classe B candidatos à cirurgia, mas são</p><p>geralmente limítrofes e a terapia deve ser individualizada.</p><p>Fora dos sistemas de escore, foi recentemente mostrado que a hipertensão portal significativa, independentemente dos valores bioquímicos, é</p><p>fortemente preditiva de insuficiência hepática pós‑operatória e óbito. A hipertensão portal pode ser avaliada diretamente pela medida da pressão</p><p>encunhada da veia hepática, mas é geralmente óbvia em estudos por imagem de alta qualidade na forma de esplenomegalia, fígado de aspecto</p><p>cirrótico e varizes. Exames de sangue geralmente mostram acentuadas citopenias. Normalmente, os pacientes apresentam trombocitopenia. Testes</p><p>da função hepática têm sido descritos, mas não são rotineiramente utilizados na maioria dos centros porque os resultados dos estudos avaliando o</p><p>seu valor preditivo foram inconclusivos.</p><p>A laparoscopia tem sido empregada como uma ferramenta de estadiamento do CHC, e um em cada cinco pacientes é poupado da laparotomia</p><p>não terapêutica. A laparoscopia fornece informações adicionais sobre extensão da doença no fígado, doença extra‑hepática e cirrose. A indicação da</p><p>laparoscopia é ditada pela extensão da doença e é apenas seletivamente empregada. A presença de cirrose clinicamente aparente, evidência</p><p>radiológica de invasão vascular ou tumores bilobares aumentou sua indicação para 30%, enquanto sem estes fatores apenas em 5% dos casos a</p><p>laparoscopia deve ser empregada.71</p><p>Existem vários sistemas de estadiamento para o CHC, mas nenhum se mostrou particularmente superior; eles provavelmente dependem da</p><p>população específica na qual a doença está sendo estadiada, bem como da causa do CHC nesse grupo em particular. O sistema de estadiamento</p><p>TNM não é utilizado de rotina para o CHC, pois ele não prediz de forma precisa a sobrevida, porque não leva em consideração a função hepática.</p><p>Além disso, o sistema de estadiamento TNM depende da patologia que está frequentemente disponível no pré‑operatório. O sistema de</p><p>estadiamento de Okuda é mais antigo, porém simples e eficaz, e leva em consideração a função hepática e os fatores relacionados com o tumor. Ele</p><p>adiciona um único ponto para a presença de tumor envolvendo mais de 50% do fígado, presença de ascite, nível de albumina inferior a 3 g/dL e</p><p>nível de bilirrubina acima de 3 mg/dL. O sistema de estadiamento de Okuda distingue confiavelmente pacientes com um prognóstico</p><p>proibitivamente</p><p>ruim e com potencial de sobrevida em longo prazo. O sistema de estadiamento mais bem validado é o Cancer of the Liver Italian</p><p>Program (CLIP), que foi acuradamente desenvolvido e prospectivamente validado (Tabela 53‑7). Um exemplo de sistema de estadiamento</p><p>provavelmente demográfico‑específico é o Chinese University Prognostic Index (IPUC), que leva em consideração o estadiamento TNM, sintomas,</p><p>ascite, níveis de AFP, bilirrubina e fosfatase alcalina e parece ser francamente aplicado ao CHC relacionado com o VHB na China.</p><p>Tabela 537</p><p>Escore do Câncer de Fígado do Grupo Italiano*</p><p>PARÂMETROS CLÍNICOS VALORES DE CORTE PONTOS</p><p>Classe de Child‑Pugh A 0</p><p>B 1</p><p>C 2</p><p>Morfologia do tumor Uninodular, extensão de 50% 2</p><p>AFP 400 ng/dL 1</p><p>Trombose da veia porta Não 0</p><p>Sim 1</p><p>* A pontuação varia de 0 a 6; uma pontuação de 4 a 6 é geralmente considerada doença avançada, enquanto uma pontuação de 0 a 3 tem o potencial de sobrevida em</p><p>longo prazo.</p><p>Patologia</p><p>Histologicamente o CHC é classificado em bem pouco ou moderadamente diferenciado, todavia o seu grau histológico nunca se mostrou preciso</p><p>para prever resultados. Os padrões de crescimento de CHC foram classificados de várias formas, e o esquema mais utilizado classifica o CHC em</p><p>três padrões de crescimento distintos que mostram relação díspar com o resultado. O tipo pediculado de CHC está conectado ao fígado por um</p><p>pequeno pedículo vascular e é facilmente ressecado sem sacrificar uma grande quantidade de tecido hepático não neoplásico. Este tipo de tumor</p><p>pode crescer a um tamanho substancial sem comprometer muito tecido normal do fígado. O tipo expansivo de CHC é bem demarcado e sempre</p><p>contém uma cápsula fibrosa, caracterizando‑se pelo crescimento que desloca as estruturas vasculares, e não as invade. Esse tipo é geralmente</p><p>ressecável. O outro tipo de CHC é o infiltrativo, que tende a invadir as estruturas vasculares mesmo sendo um nódulo de tamanho pequeno.</p><p>Ressecar o tipo infiltrativo é possível, mas é comum serem encontradas margens histológicas comprometidas. Pequenos tumores (</p><p>transplante e</p><p>ressecção, e provavelmente devem ser ressecados.78‑80</p><p>Várias outras terapias ablativas locais não cirúrgicas estão disponíveis para o tratamento de CHC. A injeção percutânea de etanol (IPE) é uma</p><p>técnica útil para o tratamento de pequenos tumores. O tumor é eliminado pela combinação de desidratação celular, necrose de coagulação e</p><p>trombose vascular. A maioria dos tumores menores que 2 cm pode ser eliminada com uma única aplicação de IPE, mas os tumores maiores podem</p><p>exigir várias injeções. A sobrevida em longo prazo após IPE para tumores com menos de 5 cm tem sido relatada como variando de 24% a 40%, mas</p><p>não há estudos randomizados comparando IPE com ressecção. A injeção percutânea de ácido acético é uma técnica semelhante à IPE, com poder</p><p>necrosante maior, sendo útil em tumores septados.</p><p>As técnicas termoablativas térmicas que congelam ou aquecem os tumores para destruí‑los tornaram‑se populares. A crioterapia utiliza uma</p><p>criossonda especial para congelar e então derreter o tumor e o tecido circundante do fígado, resultando em necrose. A crioterapia geralmente é</p><p>realizada por laparotomia ou laparoscopia e, mais recentemente, tem sido realizada por técnicas percutâneas. Sua vantagem é que a coleta de gelo</p><p>que se forma é facilmente monitorada pela US. As desvantagens incluem hipotermia, limitando a utilização do congelamento próximo aos grandes</p><p>vasos sanguíneos, e um índice de complicação relativamente elevado, que vai de 8% a 41%. As taxas de sobrevida relatadas em dois anos para a</p><p>crioablação do CHC são de 30% a 60%, mas nenhum estudo comparativo para ressecção foi realizado. A ablação por radiofrequência (RFA) utiliza</p><p>corrente alternada de alta frequência para criar calor em torno de uma agulha inserida, resultando em temperaturas superiores a 60 °C (140 °F) e</p><p>morte imediata da célula. Embora inicialmente utilizados para tumores menores, os avanços na tecnologia têm criado RFAs comprovadamente</p><p>capazes de tratar tumores medindo 7 cm; no entanto a eficácia da RFA para CHCs maiores que 3 cm é limitada por causa da maior taxa de recidiva</p><p>local. A RFA também é limitada pelo efeito protetor dos grandes vasos sanguíneos que dissipam a energia, não realizando uma boa ablação nestas</p><p>áreas. A RFA pode, facilmente, ser realizada de forma percutânea com índices muito baixos de complicação, e novas técnicas de orientação das</p><p>punções estão sendo desenvolvidas. Dados recentes sugerem que a ressecção pode ser superior à RFA para CHCs pequenos no que se refere a</p><p>sobrevida livre de doença e sobrevida global.81</p><p>A terapia transarterial para o CHC baseia‑se no fato de que a maior parte da vascularização do tumor vem da artéria hepática. Hoje a terapia</p><p>transarterial é aplicada de forma percutânea, evitando, assim, a morbidade e a mortalidade da laparotomia. A embolização transarterial percutânea</p><p>pode induzir necrose isquêmica no CHC, resultando em taxas de resposta de até 50% (Fig. 53‑37). As tentativas para melhorar a eficácia da</p><p>embolização arterial incluem a adição de agentes quimioterápicos (quimioembolização) às partículas de embolização mole e óleos, como o óleo</p><p>etiodado (Ethiodol®), que são seletivamente absorvidos pelos CHCs.82 Embora a quimioembolização não tenha mostrado ser superior à</p><p>embolização simples em relação à sobrevida, um ensaio sugeriu melhora no controle local com quimioembolização.83 Sete estudos aleatórios</p><p>compararam embolização ou quimioembolização para um tratamento conservador. Dois destes estudos e metanálise confirmaram a vantagem na</p><p>sobrevida geral das estratégias de embolização.84‑86 A seleção de candidatos apropriados para embolização é importante, e o tratamento deve ser</p><p>limitado a pacientes com função hepática preservada e tumores multinodulares assintomáticos sem invasão vascular. Uma seleção incorreta</p><p>resultará em maior incidência de insuficiência hepática induzida pelo tratamento, comprometendo os benefícios potenciais.</p><p>FIGURA 5337 Angiogramas demonstrando hepatocarcinomas hipervasculares antes (A) e depois (B) da embolização.</p><p>A radioterapia externa (EBRT) exerce um papel limitado no tratamento do CHC, embora possam aparecer algumas respostas ocasionais. A EBRT</p><p>é limitada pela lesão ao parênquima normal do fígado e aos órgãos circundantes, mas os métodos mais recentes de radioterapia que respeitam as</p><p>bordas tumorais e as técnicas de barreira respiratória estão aumentando a utilidade desta modalidade de tratamento. As injeções intra‑arteriais de</p><p>iodo‑131 com lipiodol ou ítrio‑90 em microesferas de vidro têm sido utilizadas para centralizar a irradiação localizada para o CHC, com registros</p><p>de significativos índices de resposta. A radioterapia transarterial é uma terapia potencialmente promissora para o CHC como terapia primária ou</p><p>adjuvante.82</p><p>A quimioterapia sistêmica com uma variedade de agentes (p. ex., cisplatina, doxorrubicina, etoposida, 5‑fluorouracil (5‑FU), mitomicina C,</p><p>amsacrina, mitoxantrona, picibanil, tamoxifeno, uracil, VM‑26) foi ineficaz e tem tido um papel mínimo para o tratamento do CHC. As taxas de</p><p>resposta estão geralmente abaixo de 20% e têm curta duração. A imunoterapia sistêmica e a terapia hormonal foram utilizadas em um pequeno</p><p>número de pacientes com CHC com alguns resultados iniciais promissores, mas é necessário um estudo posterior para definir o papel dessas</p><p>terapias.</p><p>Mais recentemente, o sorafenibe, um tratamento molecular direcionado que inibe as serina‑treonina quinases Raf‑1 e B‑Raf, a atividade do</p><p>receptor de tirosina quinase do fator de crescimento endotelial vascular 1, 2 e 3 e o fator de crescimento derivado de plaquetas‑β, foi avaliado.</p><p>Llovet et al.87 analisaram 599 pacientes aleatoriamente com estágio avançado de CHC e nível de cirrose Child‑Pugh A para sorafenibe oral ou</p><p>placebo. A média de sobrevida global foi 10,7 meses no grupo sorafenibe e 7,9 meses no grupo placebo (P</p><p>do seu estado de desempenho e da sua função hepática, é pouco provável que qualquer modalidade de</p><p>tratamento forneça benefício significativo, portanto deve‑se oferecer a estes pacientes apenas tratamento de suporte.</p><p>Variantes distintas de CHC</p><p>O CHC fibrolamelar88 (CHCF) é uma variante do CHC com características clínicas extremamente diferentes, resumidas na Tabela 53‑8. Esse tumor</p><p>geralmente ocorre em pacientes mais jovens, sem história de cirrose. Em geral o tumor é bem delimitado, encapsulado e pode ter uma área fibrótica</p><p>central. A mácula central pode dificultar a distinção entre este tumor e a HNF. Histologicamente, o CHCF é composto de grandes células tumorais</p><p>poligonais envolvidas em um estroma fibroso, formando estruturas lamelares (Fig. 53‑38). O CHCF não produz AFP, mas está associado a níveis</p><p>elevados de neurotensina. Em geral, o CHCF tem um prognóstico melhor que o CHC, provavelmente relacionado com elevadas taxas de</p><p>ressecabilidade, ausência de doença hepática crônica e um curso mais indolente. A sobrevida em longo prazo pode ser esperada em cerca de 50% a</p><p>75% dos pacientes após ressecção completa, mas a recidiva é comum e ocorre em pelo menos 80% dos pacientes. A presença de metástases para</p><p>linfonodos prediz um pior prognóstico. A ressecção de metástases linfonodais e da doença recidivada tem sido defendida em razão da ausência de</p><p>uma terapia alternativa e da possibilidade de sobrevida em longo prazo. Um estudo identificou um transcrito quimérico que é expresso no CHC</p><p>fibrolamelar, mas não no figado adjacente normal.89 O estudo também sugeriu que esse transcrito codifica uma proteína quimérica que contém o</p><p>domínio catalítico de proteína cinase A, sugerindo, assim, que este ganho de atividade de cinase pode ter um papel na patogênese do CHC</p><p>fibrolamelar. A elucidação destes novos processos pode levar ao desenvolvimento de novas terapias dirigidas contra esta doença que normalmente</p><p>afeta pessoas jovens e saudáveis.</p><p>Tabela 538</p><p>Comparação do Padrão de Carcinoma Hepatocelular e Carcinoma Hepatocelular Fibrolamelar</p><p>PARÂMETRO CHC CHC FIBROLAMELAR</p><p>Razão homem‑mulher 2:1‑8:1 1:1</p><p>Idade média 55 anos 25 anos</p><p>Tumor Invasivo Bem circunscritos</p><p>Ressecabilidade</p><p>é o tumor hepático primário mais comum em crianças. Existem aproximadamente 50 a 70 novos casos/ano nos Estados Unidos.</p><p>Foram documentados raros casos de hepatoblastoma em adultos, mas, em geral, a média da idade de manifestação é de 18 meses e quase todos os</p><p>casos ocorrem antes dos três anos. O hepatoblastoma foi associado à síndrome de polipose familiar. Existem vários subtipos histológicos, mas, na</p><p>maioria dos casos, o tumor é originário dos hepatócitos fetais ou embriônicos e sempre existem elementos mesenquimatosos presentes. Esse tumor</p><p>geralmente se apresenta como uma massa assintomática. A trombocitose e a anemia leve são comumente encontradas quando do diagnóstico. Os</p><p>níveis de AFP séricos estão elevados em 85% a 90% dos pacientes e podem servir como marcadores importantes para resposta terapêutica. A</p><p>maioria dos estudos apoia o uso da quimioterapia seguida da ressecção, e a sobrevida parece depender da ressecção completa. A quimioterapia</p><p>pode ser útil para reduzir o estágio dos tumores, facilitando a ressecção. Nos pacientes sem doença metastática ou naqueles com a variante</p><p>anaplásica, podem ser esperados índices de sobrevida longos, de 60% a 70%, com a ressecção completa. Curiosamente, 50% dos pacientes com</p><p>metástase pulmonar podem ser curados com ressecção do tumor hepático e quimioterapia ou ressecção da metástase pulmonar.</p><p>Os sarcomas raramente podem‑se manifestar como tumores primários do fígado e devem sempre ser considerados lesões metastáticas até prova</p><p>em contrário. É provável que o angiossarcoma seja o sarcoma hepático primário mais bem documentado devido à sua conhecida associação à</p><p>exposição ao cloreto de vinil ou ao Thorotrast®. O angiossarcoma geralmente se manifesta como múltiplos nódulos hepáticos e pode ocorrer na</p><p>infância. A sobrevida tardia é rara no angiossarcoma hepático primário. Outros sarcomas, incluindo leiomiossarcoma, histiocitoma fibroso maligno,</p><p>sarcoma embrionário e tumores rabdoides hepáticos primários foram descritos, mas são raros. As duas últimas lesões são geralmente vistas na</p><p>população pediátrica.</p><p>O linfoma não Hodgkin pode‑se manifestar primariamente no fígado, com ou sem doença extra‑hepática. O linfoma hepático primário deve ser</p><p>tratado da mesma maneira como o linfoma em outras partes do corpo, se o diagnóstico puder ser feito antes da ressecção.</p><p>Os tumores neuroendócrinos hepáticos primários ou tumores carcinoides têm sido descritos. Distinguir o raro tumor neuroendócrino hepático</p><p>primário de uma lesão metastática pode ser uma tarefa difícil, porque o tumor primário extra‑hepático pode ficar radiologicamente oculto e o</p><p>fígado é o sítio mais comum para metástases.</p><p>Os tumores de células malignas germinais do fígado, incluindo os teratomas, os coriocarcinomas e os tumores do saco vitelino, são muito raros e</p><p>estão presentes sobretudo na população pediátrica.</p><p>O hemangioendotelioma epitelioide do fígado é um tumor vascular maligno raro que se manifesta como múltiplos nódulos hepáticos bilaterais.</p><p>Metástases extra‑hepáticas ocorrem em aproximadamente 25% dos pacientes e o comportamento clínico é imprevisível, com alguns pacientes</p><p>apresentando um curso indolente prolongado. A maioria dos pacientes acaba morrendo de insuficiência hepática, mas foram registrados casos de</p><p>transplantes bem‑sucedidos.</p><p>Tumores Metastáticos</p><p>Os tumores malignos mais comuns do fígado são as lesões metastáticas. O fígado é um sítio comum de metástases oriundas dos tumores</p><p>gastrointestinais, provavelmente devido à disseminação pelo sistema venoso portal. Para o cirurgião, o tumor metastático mais relevante do fígado</p><p>é o câncer colorretal, devido ao potencial para a ressecção curativa, no entanto um grande número de outros tumores comumente se metastatizam</p><p>para o fígado, incluindo cânceres do sistema gastrointestinal superior (estômago, pâncreas, biliar), sistema genitourinário (rim, próstata), sistema</p><p>neuroendócrino, mama, globo ocular (melanoma), pele (melanoma), tecidos moles (sarcoma retroperitoneal) e sistema ginecológico (ovário,</p><p>endométrio, colo do útero). A maioria dos tumores hepáticos metastáticos que apresentam doença extra‑hepática concomitante terá doença</p><p>hepática irressecável ou não será curável com a ressecção, limitando o papel do cirurgião ao de selecionador de casos. Adenocarcinoma metastático</p><p>no fígado de origem desconhecida é frequentemente um CIH primário, e esse diagnóstico deve sempre ser considerado.</p><p>Tradicionalmente, o carcinoma que se dissemina para um local distante foi considerado uma doença sistêmica na qual terapias locorregionais</p><p>(p. ex., cirurgia) não são eficazes. Alguns tumores metastáticos para o fígado, em particular o câncer colorretal metastático, têm demonstrado ser</p><p>uma exceção a esta regra. Após mais de 35 anos de pesquisa clínica, foi documentado que o câncer colorretal metastático isolado no fígado pode ser</p><p>ressecado, com potencial de sobrevida em longo prazo e mesmo cura.96‑98 Os avanços da quimioterapia sistêmica e regional também têm ampliado</p><p>o número de pacientes passíveis de serem tratados por terapia cirúrgica e provavelmente também têm melhorado a sobrevida em longo prazo após</p><p>uma ressecção.99 A seleção do paciente é o aspecto mais importante da terapia cirúrgica para a doença metastática no fígado, e, no</p><p>acompanhamento clínico dos pacientes ressecados, foram identificados aqueles que teriam mais probabilidade de se beneficiar. Embora a sobrevida</p><p>em longo prazo seja comum e ocorra em até 50% a 60% dos pacientes nas séries atuais, as reocorrências e a terapia multimodal são comuns,</p><p>ocorrendo em aproximadamente 75% dos pacientes. Então, expectativas realistas e informação sincera ao paciente são importantes aspectos do</p><p>tratamento. Outros tumores que se manifestam como metástase hepática isolada também podem ser ressecados com cura potencial, mas os dados</p><p>sobre estes outros tumores são esparsos e menos convincentes do que para o câncer colorretal.</p><p>Metástase Colorretal</p><p>Existem mais de 50.000 casos de metástases hepáticas colorretais por ano nos Estados Unidos. A maioria dos casos está associada a doença</p><p>disseminada ou doença hepática não ressecável. Estima‑se que aproximadamente 5% a 10% desses pacientes sejam candidatos à ressecção hepática</p><p>potencialmente curativa. Com taxas de melhora na resposta à quimioterapia moderna e avanços na cirurgia hepática, no entanto, mais pacientes no</p><p>presente momento são candidatos à hepatectomia do que no passado; atualmente, até 20% dos pacientes podem ser candidatos. No passado</p><p>distante, portadores de metástases colorretais hepáticas geralmente manifestavam sintomas e sinais de malignidade avançada como dor, ascite,</p><p>icterícia, perda de peso e massa palpável. A apresentação com estes sintomas é sinal de mau prognóstico; poucos desses pacientes são candidatos à</p><p>terapia além de quimioterapia ou cuidado paliativo. Isto levou muitos profissionais a acompanhar cuidadosamente os pacientes com câncer</p><p>colorretal primário ressecado que são potencialmente candidatos à terapia agressiva, com exame físico seriado e estudos por imagem, TFHs e níveis</p><p>de CEA. Embora não com o apoio por parte de ensaios randomizados, observações clínicas indicaram que pacientes cuidadosamente observados</p><p>com exames físicos seriados, exames de imagem multicorte, TFHs e determinação dos níveis de CEA muitas vezes têm doença metacrônica</p><p>ressecável e maior potencial para sobrevida em longo prazo. Além destes pacientes, descobriu‑se que alguns apresentam doença metastática</p><p>sincrônica no momento do diagnóstico de câncer colorretal primário na imagem pré‑operatória ou na laparotomia.100</p><p>Embora o CEA elevado não seja específico para a recidiva do câncer colorretal, o seu aumento em exames seriados e a detecção de um novo</p><p>nódulo sólido nos</p><p>estudos de imagem são diagnósticos de doença metastática. Os TFHs elevados são comuns no carcinoma colorretal metastático</p><p>no fígado, mas não são eficazes como ferramenta de rastreamento. Os níveis mais frequentemente elevados são os de FA, GGT e desidrogenase</p><p>lática. A imagem das metástases hepáticas com TC ou RM de alta qualidade é importante para determinar a ressecabilidade e fazer o planejamento</p><p>cirúrgico. A maioria dos médicos usa cortes finos (5 mm) de alta resolução, técnicas helicoidais contrastadas dinâmicas. As imagens são obtidas</p><p>com contraste venoso na fase venosa portal para maximizar o realce do parênquima hepático, o que aumenta a diferença entre o parênquima e o</p><p>tumor.</p><p>Quando um paciente com metástases hepáticas colorretais é considerado um candidato para terapia cirúrgica, deve ser realizada uma completa</p><p>investigação da doença. A colonoscopia deve ser realizada caso tenha mais de um ano desde o último exame para afastar a possibilidade de</p><p>recorrência local ou lesões colorretais metacrônicas. Devem ser obtidas imagens completas do abdome e da pelve. TC do tórax geralmente é</p><p>realizada, mas é de baixo rendimento. Muitos estudos avaliaram o benefício adicional da tomografia por emissão de pósitrons (PET) em detectar</p><p>doença extra‑hepática oculta. Cerca de 25% dos pacientes sofrem alteração no seu tratamento com base nos achados da PET scan, porém isso é</p><p>altamente variável, dependendo da qualidade da imagem seccional e da seleção do paciente (Fig. 53‑39).Foi publicado um ensaio randomizado de</p><p>PET/TC versus TC em pacientes com metástases hepáticas colorretais potencialmente ressecáveis.101 Neste ensaio, o uso de PET/TC não resultou em</p><p>alterações significativas do tratamento cirúrgico e não houve diferença na ressecabilidade ou nos resultados em longo prazo entre os dois grupos.</p><p>Este ensaio fornece evidência definitiva de que o uso rotineiro da PET não afeta de modo significativo os resultados entre pacientes com metástases</p><p>hepáticas de câncer colorretal potencialmente ressecáveis. Com o uso da laparoscopia de estadiamento, 10% dos pacientes são poupados de uma</p><p>laparotomia não terapêutica, e o rendimento da laparoscopia correlaciona‑se com o número de fatores prognósticos ruins presentes, permitindo</p><p>que seja usada de maneira seletiva.</p><p>FIGURA 5339 PET em um paciente diagnosticado com câncer colorretal metastático sincronicamente no fígado após ressecção do tumor</p><p>do cólon. A tomografia demonstra atividade hipermetabólica por todo o fígado, mas também mostra duas áreas no quadrante superior</p><p>esquerdo compatíveis com uma lesão omental, bem como uma recorrência anastomótica. A TC recente demonstrou apenas doença</p><p>hepática. (De Akhurst T, Larson SM: The role of nuclear medicine in the diagnosis and management of hepatobiliary diseases. In Blumgart LH, Fong Y,</p><p>editors: Surgery of the liver and biliary tract, London, 2000, WB Saunders, pp 271–308.)</p><p>Até agora, um estudo prospectivo comparando cirurgia sem tratamento ou quimioterapia isoladamente não foi realizado, nem é provável que o</p><p>seja. Então, a razão para a ressecção hepática vem de comparações retrospectivas entre estas estratégias de tratamento. O cirurgião tem que</p><p>compreender a história natural das metástases hepáticas do câncer colorretal que são deixadas sem tratamento ou tratadas com quimioterapia</p><p>sistêmica com o objetivo de interpretar de forma correta os dados de sobrevida associados à hepatectomia. Antes dos anos 1980, a maioria das</p><p>metástases hepáticas era deixada sem tratamento. Dois estudos importantes identificaram, retrospectivamente, pacientes com metástases únicas</p><p>isoladas e/ou tumores múltiplos, mas ressecáveis, que não receberam tratamento. Um estudo mostrou sobrevida de 10% em três anos e o outro, de</p><p>2% em cinco anos para pacientes com doença limitada e potencialmente ressecável. Esses estudos deixaram claro que a sobrevida em longo prazo é</p><p>extremamente rara sem tratamento e também está estreitamente relacionada com o volume de doença no fígado. No passado, a quimioterapia</p><p>sistêmica baseada no 5‑FU foi extremamente ineficaz como terapia única para metástases colorretais hepáticas, com sobrevida média de cerca de 12</p><p>meses e índices parciais de resposta de 20% a 30%. Os avanços importantes na quimioterapia sistêmica para metástases de câncer colorretal estão</p><p>sendo alcançados atualmente. A quimioterapia de combinação, incluindo 5‑FU com irinotecan ou oxaliplatina combinada com anticorpos</p><p>direcionados antiangiogênicos como bevacizumabe (anticorpo antifator de crescimento endotelial vascular) ou cetuximabe (anticorpos de fator de</p><p>crescimento antiepidermal), agora resultou em taxas de resposta de mais de 50% e sobrevida média de 20 meses ou mais para pacientes com</p><p>doença avançada.97 Embora a sobrevida e as taxas de respostas tenham melhorado, um resultado consistente durável e a sobrevida de cinco anos</p><p>são achados raros com a administração de quimioterapia isolada.</p><p>As hepatectomias parciais esporádicas realizadas para tratar o câncer colorretal metastático antes da década de 1980 eram vistas com grande</p><p>ceticismo. A elevada morbimortalidade da cirurgia hepática naquela época e a razão questionável para a ressecção das metástases hematogênicas</p><p>eram os pontos principais. Durante os últimos 30 anos, grandes séries mostraram que a cirurgia do fígado pode ser praticada com um índice</p><p>aceitável de segurança e que os pacientes com metástase isolada ou metástases ressecáveis têm potencial para sobrevida mais longa. Os índices de</p><p>sobrevida em cinco anos vão de 25% a 58%. Também há uma clara tendência de sobrevida maior nas séries mais recentes (Tabela 53‑9). A</p><p>mortalidade peroperatória em centros experientes é consistentemente inferior a 5% e em muitas séries atuais é inferior a 2%. Quase todos mostram</p><p>que quase 50% dos pacientes submetidos à ressecção hepática por câncer colorretal metastático sobreviverão por três anos e 20% sobreviverão por</p><p>10 anos. Apesar da baixa mortalidade, a cirurgia do fígado está, ainda, associada a índices significativos de morbidade de 30% a 50%.102 As</p><p>intercorrências mais comuns são sangramento, fístula biliar, abscesso e complicações cardiorrespiratórias. Com melhorias na quimioterapia, uma</p><p>proporção maior de pacientes submetidos à hepatectomia tem sido tratada pré‑operatoriamente, no entanto alguns estudos mostraram que a</p><p>quimioterapia pré‑operatória está associada a toxicidade hepática (esteatose e síndrome obstrutiva sinusoidal) e taxas mais elevadas de</p><p>insuficiência hepática pós‑operatória.</p><p>Tabela 539</p><p>Resultados da Ressecção Hepática por Metástase Colorretal*</p><p>ESTUDO</p><p>N° DE</p><p>PACIENTES</p><p>TAXA DE MORTALIDADE</p><p>OPERATÓRIA (%)</p><p>TAXA DE</p><p>SOBREVIDA (%)</p><p>SOBREVIDA</p><p>MÉDIA (MO)</p><p>1</p><p>ANO</p><p>5</p><p>ANOS</p><p>10</p><p>ANOS</p><p>Adson, 1984 141 2 82 25 – 24</p><p>Hughes, 1986 607 – – 33 – –</p><p>Schlag, 1990 122 4 85 30 – 32</p><p>Doci, 1991 100 5 – 30 – 28</p><p>Gayowski, 1994 204 0 91 32 – 33</p><p>Scheele, 1995 469 4 83 33 20 40</p><p>Fong, 1995 577 4 85 35 – 40</p><p>Jenkins, 1997 131 4 81 25 – 33</p><p>Rees, 1997 150 1 94 37 –</p><p>Jamison, 1997 280 4 84 27 20 33</p><p>Fong, 1999 1.001 3 89 37 22 42</p><p>Minagawa, 2000 235 0 – 35 26 37</p><p>Scheele, 2000 597 – – 36 – 35</p><p>Choti, 2002 226 1 – 40† 26 46</p><p>Abdalla, 2004 190 – – 58 – Não atingido</p><p>Nicoli, 2004 228 0,9 16 9</p><p>Andrés, 2008 210 0,5 95 40 – –</p><p>de Jong, 2009 243 – – 47 – 36</p><p>House, 2010 1.600</p><p>1985‑1998 1.037 2,5 – 35 16 43</p><p>1999‑2004 563 0,5 – 43 – 64</p><p>Faitot, 2014‡ 272</p><p>Estágio um 155 3 85 35 37,2</p><p>Estágio dois 117 4 82 49 34,5</p><p>Saxena, 2014 701 2 86 33 20 35</p><p>Marques, 2012§ 676</p><p>Quimioterapia pré‑</p><p>operatória‖</p><p>334 3,9 91 43</p><p>Sem quimioterapia</p><p>pré‑operatória</p><p>342 3,4 93 55</p><p>* Em séries selecionadas com mais de 100 pacientes.</p><p>† A taxa de sobrevida em cinco anos nos pacientes operados no período mais atual neste estudo foi de 58%.</p><p>‡ Resultados em longo prazo de hepatectomia</p><p>em dois estágios versus hepatectomia em apenas um estágio usada em combinação com abordagens de ablação.</p><p>§ Dados combinados de dois centros hepatobiliares, dados analisados com respeito à realização ou não de quimioterapia préoperatória.</p><p>‖ Número de tumores mais elevado no grupo da quimioterapia préoperatória (2,8 ± 2,2) em comparação com aqueles sem terapia préoperatória (1,8 ± 1,6)</p><p>Com estas grandes séries, aprendemos muito sobre os fatores prognósticos, bem como verificamos que os pacientes são mais suscetíveis a se</p><p>beneficiarem da ressecção hepática por metástase colorretal. Embora nem todos os estudos concordem, verificou‑se que fatores de mau prognóstico</p><p>incluem metástases extra‑hepáticas, linfonodos envolvidos com o tumor colorretal primário, apresentação sincrônica (ou intervalo livre de doença</p><p>mais curto), maior número de tumores, comprometimento bilobar, nível de elevação do CEA de mais de 200 ng/mL, tamanho do tumor hepático</p><p>superior a 5 cm e margens histológicas comprometidas. Em uma série de 1.001 ressecções hepáticas do MSKCC, uma análise</p><p>multivariável103 identificou cinco fatores pré‑operatórios como mais influentes no resultado – tamanho maior que 5 cm, intervalo livre de doença</p><p>inferior a um ano, mais de um tumor, linfonodo positivo primário e nível de CEA superior a 200 ng/mL. Utilizando estes cinco fatores,</p><p>desenvolvemos um escore de risco que prevê a recidiva após a ressecção do fígado (Tabela 53‑10).</p><p>Tabela 5310</p><p>Escore de Risco Clínico e Sobrevida de 1.001 Pacientes Submetidos à Ressecção Hepática por</p><p>Câncer Colorretal Metastático*</p><p>PONTUAÇÃO</p><p>TAXA DE SOBREVIDA (%)</p><p>SOBREVIDA MÉDIA (MO)1 ANO 3 ANOS 5 ANOS</p><p>0 93 72 60 74</p><p>1 91 66 44 51</p><p>2 89 60 40 47</p><p>3 86 42 20 33</p><p>4 70 38 25 20</p><p>5 71 27 14 22</p><p>* Cada um dos cinco fatores de risco seguintes equivale a um ponto: linfonodos positivos primário, intervalo livre de doença 1 tumor, tamanho > 5 cm, nível</p><p>de antígeno carcinoembrionário > 200 ng/mL. Pontuação é o número total de pontos em um paciente individual.</p><p>Adaptada de Fong Y, Fortner J, Sun RL, et al: Clinical score for predicting recurrence after hepatic resection for metastatic colorectal cancer: Analysis of 1001</p><p>consecutive cases. Ann Surg 230:309–318, 1999.</p><p>Tradicionalmente, a presença de doença extra‑hepática, quatro ou mais metástases hepáticas, margens exíguas e incapacidade de ressecar a</p><p>doença por completo no fígado têm sido consideradas contraindicações à hepatectomia. A única destas contraindicações históricas que permanece</p><p>atualmente é a incapacidade de ressecar toda a doença. Relatos recentes têm mostrado que a hepatectomia de quatro ou mais metástases está</p><p>associada a uma sobrevida de aproximadamente cinco anos em 33% dos pacientes, apesar das altas taxas de recidivas. Ainda que a margem</p><p>cirúrgica exígua tenha se mostrado associada ao resultado, é frequentemente confundida por sua relação com o mau prognóstico geral do tumor</p><p>(i.e., tumores sincrônicos múltiplos);104 no entanto o envolvimento das margens não parece excluir a possibilidade de sobrevida em longo prazo,</p><p>mas pacientes com margens positivas tendem a evoluir mal. Tentativas de se obterem margens amplas com mais de 1 cm são apropriadas, todavia,</p><p>quando possível.105 A ressecção de metástases extra‑hepáticas que se apresentam simultaneamente com metástases hepáticas mostrou estar</p><p>associada à sobrevida em longo prazo em casos altamente selecionados.106 Os locais que parecem estar associados aos melhores resultados nesta</p><p>situação são metástases pulmonares limitadas, recorrências locorregionais do tumor primário e linfonodos portais. Estes resultados foram</p><p>posteriormente confirmados em uma metanálise de 50 estudos incluindo 3.481 pacientes com metástases hepáticas colorretais com doença extra‑</p><p>hepática.107 A seleção do paciente é importante e geralmente requer quimioterapia pré‑operatória para excluir a evolução e estabelecer o controle</p><p>do quadro sistêmico da doença.</p><p>Embora a sobrevida tardia após a ressecção hepática por metástase colorretal seja claramente possível, a recidiva da doença é muito comum. Em</p><p>geral, há recorrência em aproximadamente 75% dos pacientes, mas, em situações de alto risco (p. ex., quatro ou mais tumores, doença extra‑</p><p>hepática), as taxas de recidiva se aproximam de 100%. Cerca da metade das recidivas se assesta isoladamente no fígado e poucos destes pacientes</p><p>(cerca de 5% de todos os que se submetem à ressecção hepática) são candidatos a uma segunda ressecção. Estes pacientes altamente selecionados</p><p>que passam por uma segunda ressecção do fígado com completa remoção de toda a doença podem esperar maiores índices de sobrevida em cinco</p><p>anos, variando de 30% a 40%. As recidivas pulmonares limitadas e isoladas também podem ser ressecadas com potencial de maior sobrevida em</p><p>longo prazo. Além disso, múltiplas linhas eletivas de quimioterapia agora estão disponíveis, associadas ao prolongamento da sobrevida. Em</p><p>virtude do potencial para futuras intervenções terapêuticas efetivas após a ressecção hepática, os pacientes selecionados para tal tratamento devem</p><p>ser acompanhados com determinações no nível de CEA seriadas e estudos de imagem para detectar recorrência em uma fase precoce,</p><p>potencialmente tratável.</p><p>A quimioterapia adjuvante tem sido utilizada como uma tentativa de reduzir a recorrência e melhorar a sobrevida em longo prazo. Ensaios</p><p>clínicos randomizados prospectivos têm mostrado um benefício da quimioterapia intra‑arterial hepática adjuvante, no entanto os resultados de</p><p>ensaios controlados randomizados sobre o benefício da quimioterapia sistêmica adjuvante após ressecção das metástases hepáticas divergem. Em</p><p>um ensaio randomizado multicêntrico, Portier et al.108 randomizaram 173 pacientes para ressecção hepática isolada (87 pacientes) ou para ressecção</p><p>hepática com quimioterapia adjuvante (5‑FU‑ácido folínico) durante seis meses (86 pacientes). Embora este regime de quimioterapia já não seja o</p><p>padrão, a taxa de sobrevida livre de doença em cinco anos foi de 26,7% para pacientes que foram submetidos a cirurgia isolada e 33,5% para</p><p>aqueles que fizeram cirurgia mais quimioterapia (P = 0,028). Uma tendência não significativa no sentido da melhoria da sobrevida global também</p><p>foi observada no braço da quimioterapia. Os resultados deste ensaio foram agrupados com outro ensaio de fase 3 que não foi concluído. Esta</p><p>análise conjunta falhou em mostrar uma melhora estatisticamente significativa na sobrevida livre de progressão ou sobrevida global.109 Nesta</p><p>análise, havia 278 pacientes (138 no braço da cirurgia com quimioterapia e 140 no braço da cirurgia isolada). A mediana da sobrevida livre de</p><p>progressão foi de 27,9 meses no braço da quimioterapia em comparação com 18,8 meses no braço da cirurgia (razão de risco, 1,32; intervalo de</p><p>confiança de 95% [IC95%], 1‑1,76; P = 0,058). A mediana da sobrevida global foi de 62,2 meses no braço da quimioterapia em comparação com 47,3</p><p>meses no braço da cirurgia (razão de risco, 1,32; 95% IC95%, 0,95‑1,82; P = 0,095).109 A quimioterapia adjuvante foi independentemente associada a</p><p>sobrevida livre de progressão e sobrevida global numa análise multivariada.</p><p>Em outro ensaio controlado randomizado multicêntrico (European Organization for Research and Treatment and Cancer, ensaio EORTC 40983),</p><p>Nordlinger et al. randomizaram 364 pacientes em dois grupos; 182 pacientes foram tratados com cirurgia isolada e 182 fizeram cirurgia com</p><p>quimioterapia sistêmica.110 Três ciclos de quimioterapia sistêmica com 5‑FU–ácido fólico mais oxaliplatina (FOLFOX4) foram administrados no pré‑</p><p>operatório e pós‑operatório no grupo de quimioterapia. Entre os pacientes selecionados após a aleatorização, a taxa de sobrevida livre da doença</p><p>em três anos foi de 28,1% no grupo com cirurgia isolada</p><p>e 36,2% no grupo com cirurgia e quimioterapia (P = 0,041). Quando os pacientes foram</p><p>analisados globalmente, não houve diferença significativa no resultado. Foram reportados os resultados em longo prazo deste ensaio, sendo que</p><p>não foi observada diferença na sobrevida global com a inclusão da quimioterapia.111 Embora este ensaio forneça evidência de que a quimioterapia</p><p>sistêmica perioperatória pode postergar a recorrência da doença, existe pouca diferença na recorrência em fases mais tardias. Além disso, o</p><p>benefício da quimioterapia adjuvante pode estar relacionado com melhor seleção dos pacientes. Em resumo, há evidências clínicas de nível 1 de que</p><p>a quimioterapia sistêmica adjuvante, quando combinada com a ressecção hepática, melhora modestamente a sobrevida livre da progressão da</p><p>doença em pacientes com metástases hepáticas colorretais.</p><p>A quimioterapia neoadjuvante para metástases ressecáveis é também uma estratégia comum para tratar doença sistêmica oculta e pode ser útil</p><p>na seleção de um pequeno grupo de pacientes (</p><p>tecidos moles, Wilms, melanoma ocular, gastrointestinais superiores (estômago, pâncreas, esôfago, vesícula biliar), adrenocortical, tumores</p><p>urológicos (bexiga, célula renal, próstata, testículo) e tumores ginecológicos (útero, colo do útero, ovário). Alguns princípios gerais devem ser</p><p>considerados no manejo destes tumores, pois o comportamento das metástases isoladas no fígado é semelhante àquele do câncer colorretal</p><p>metastático. O prognóstico tende a ser sombrio se houver doença extra‑hepática, tumores múltiplos, tumores volumosos ou um pequeno intervalo</p><p>livre de doença, de modo que os pacientes necessitam ser cuidadosamente selecionados para a cirurgia com base nestes fatores.</p><p>Embora existam alguns raros registros de sobrevida tardia após a ressecção das metástases isoladas do fígado a partir de tumores</p><p>gastrointestinais do trato superior, geralmente estes pacientes têm um prognóstico sombrio e a ressecção hepática não é recomendada. Na maioria</p><p>das séries, a ressecção de metástases hepáticas de tumores genitourinários tem o melhor prognóstico e, para pacientes bem selecionados, esta</p><p>ressecção deve ser considerada. Pacientes com tumor de mama, melanoma e sarcoma raramente se apresentam com metástases isoladas no fígado</p><p>e, com um intervalo livre da doença prolongada e/ou longa estabilidade na quimioterapia, a ressecção hepática deve ser considerada. Em geral, a</p><p>ressecção hepática para os tumores metastáticos não colorretais e não neuroendócrinos tem de ser considerada e só deve ser utilizada nas situações</p><p>mais favoráveis (ver anteriormente). A ressecção hepática também pode ser uma terapia eficaz para tumores sintomáticos em pacientes que tenham</p><p>uma razoável expectativa de vida e nenhuma outra terapia eficaz.</p><p>Neoplasias Císticas</p><p>Cistos Simples</p><p>Os cistos simples do fígado contêm líquido seroso, não se comunicam com a árvore biliar e não apresentam septações. Em geral, eles são esféricos</p><p>ou ovoides e podem chegar ao tamanho de 20 cm. Podem comprimir o fígado normal, induzindo à atrofia regional e, às vezes, à hipertrofia</p><p>compensatória. Em 50% dos casos os cistos são únicos. Histologicamente, uma única camada de células cuboides ou colunares sem atipia alinha</p><p>esses cistos. Na maioria dos casos, os cistos simples são considerados malformações congênitas.</p><p>Cistos simples são achados relativamente comuns em adultos, sendo, principalmente, descobertas radiológicas assintomáticas incidentais.</p><p>Eventualmente, um cisto volumoso causará sintomas. Embora a TC mostre relações anatômicas, a US é o melhor exame para confirmar um cisto</p><p>único simples de parede fina. A doença hidática, o cistadenoma e o tumor neuroendócrino metastático são os diagnósticos diferenciais mais</p><p>importantes a se considerar. Uma parede espessa ou nodular levanta a suspeita de um cistadenoma, mas também pode representar hemorragia no</p><p>interior do cisto. A complicação mais comum é o sangramento intracístico, mas em geral ele é raro. O tratamento dos cistos hepáticos simples só</p><p>está indicado se eles forem sintomáticos ou existir suspeita diagnóstica. Como muitos cistos são assintomáticos, deve ser realizada uma avaliação</p><p>completa da etiologia dos sintomas antes de atribuí‑los ao cisto. O tratamento não cirúrgico consiste na aspiração e injeção de um agente</p><p>esclerosante. Poucos estudos têm documentado o acompanhamento em longo prazo da escleroterapia para cistos hepáticos. A terapia cirúrgica é</p><p>realizada pela fenestração ou extirpação da porção do cisto que é extra‑hepática, o que pode ser realizado na laparotomia com bons resultados em</p><p>longo prazo ou por meio de abordagens laparoscópicas. Esta última abordagem é a de preferência atual, mas a eficácia em longo prazo não tem</p><p>sido comprovada.120 Uma metanálise incluindo nove estudos de caso‑controle retrospectivos envolvendo 657 pacientes comparando a fenestração</p><p>laparoscópica com a abordagem aberta demonstrou que a abordagem laparoscópica foi associada a menor tempo operatório, menor tempo de</p><p>internação e menos perda de sangue operatória, sem diferenças nas taxas de recidiva do cisto.121</p><p>Cistadenoma e Cistadenocarcinoma</p><p>O cistadenoma do fígado é uma neoplasia rara que geralmente se apresenta como uma massa cística volumosa, geralmente de 10 a 20 cm. O cisto</p><p>tem uma superfície externa globular com múltiplos cistos e lóculos de vários tamanhos. O fluido contido nesses cistos quase sempre é mucinoso.</p><p>Microscopicamente, as células cuboides ou colunares atípicas repousam sobre uma membrana basal, com estroma do tipo ovariano, alinhando os</p><p>cistos. O epitélio geralmente forma projeções polipoides ou papilares.</p><p>O cistadenoma do fígado afeta sobretudo as mulheres acima de 40 anos. Embora muitos cistadenomas sejam assintomáticos, os sintomas podem</p><p>incluir dor abdominal, anorexia, náusea e distensão abdominal. Na maioria dos casos, o diagnóstico é suspeitado por uma combinação de imagens</p><p>de cortes seccionais (TC ou RM) e US. A US quase sempre mostra uma estrutura cística com espessura da parede variável, nodularidade, septações</p><p>e lóculos cheios de fluido. Por outro lado, a TC com contraste mostra um aumento da captação na parede do cisto e nos septos. A doença hidática</p><p>deve sempre ser considerada no diagnóstico diferencial. Os cistadenomas tendem a crescer lentamente, mas podem eventualmente evoluir para sua</p><p>contraparte maligna, cistadenocarcinomas.</p><p>O cistadenocarcinoma é um tumor maligno extremamente raro com mínimo registro de sua história natural e de seu prognóstico após a</p><p>ressecção. A degeneração maligna é sugerida com frequência nas imagens com grandes projeções e uma parede marcadamente espessada. O</p><p>tratamento do cistadenoma ou cistadenocarcinoma é a excisão completa, que pode ser realizada com uma enucleação se não houver evidência de</p><p>malignidade invasiva. Os riscos de recorrência de uma ressecção incompleta e/ou o desenvolvimento de um cistadenocarcinoma devem ser</p><p>considerados.</p><p>Doença Policística do Fígado</p><p>Os cistos múltiplos do fígado são usualmente encontrados em pacientes adultos com doença renal policística autossômica dominante</p><p>hereditária.122 Histologicamente, são lesões semelhantes aos cistos simples (ver anteriormente). A principal diferença entre as duas entidades é o</p><p>número de cistos. Quando presentes em pacientes adultos com doença renal policística, esses cistos são sempre múltiplos. Além disso, pode haver</p><p>numerosos cistos hepáticos microscópicos, além dos macrocistos visíveis a olho nu. Apesar dos inúmeros cistos no fígado, o parênquima e a função</p><p>hepática quase sempre são preservados. Os cistos hepáticos são precedidos pelos cistos renais e sua prevalência na doença renal policística do</p><p>adulto aumenta com a idade. Nos pacientes com menos de 20 anos, a incidência de cistos no fígado é 0%, entretanto, na faixa etária com mais de 60</p><p>anos, é de 80%.</p><p>Os cistos do fígado em pacientes adultos com doença renal policística em geral são assintomáticos, mas, em alguns pacientes, numerosos cistos</p><p>volumosos podem causar dor e distensão abdominal. Os resultados dos TFHs quase sempre são normais. As complicações são raras, mas podem</p><p>ocorrer infecção e sangramento intracístico. A US e a TC mostram múltiplos cistos simples por todo o fígado e rins. O tratamento da doença</p><p>policística é reservado para os sintomas graves relacionados com cistos volumosos e/ou complicações. O tratamento inclui a aspiração percutânea</p><p>com ou sem escleroterapia, fenestração do cisto (via laparotomia ou laparoscopia), ressecção hepática e transplante hepático ortotópico. O</p><p>transplante de fígado só é utilizado em casos de doença progressiva, após a fenestração ou a ressecção por disfunção hepática. No contexto de</p><p>falência renal, um transplante combinado de rim e fígado pode ser conveniente.</p><p>Cistos do Ducto Biliar</p><p>Os cistos do ducto</p><p>de fígado supradiafragmático, na ausência de um saco herniário.</p><p>Veia porta</p><p>A veia porta fornece cerca de 75% do aporte sanguíneo hepático. Apesar de ser pós‑capilar e extremamente desoxigenada,</p><p>sua taxa de fluxo elevado fornece 50% a 70% das necessidades de oxigênio do fígado. A ausência de válvulas no sistema</p><p>venoso portal fornece um sistema que pode acomodar um elevado fluxo de baixa pressão. Isso permite a medição da</p><p>pressão venosa portal em qualquer ponto ao longo do sistema.</p><p>A veia porta forma‑se atrás do colo do pâncreas, na confluência da veia mesentérica superior e da veia esplênica. O</p><p>comprimento da veia porta principal varia de 5,5 a 8 cm, e o seu diâmetro, em geral, é em torno de 1 cm. Em posição cefálica</p><p>à sua formação, atrás do colo do pâncreas, a veia porta passa atrás da primeira porção do duodeno e no interior do</p><p>ligamento hepatoduodenal, onde corre na margem direita do omento menor, geralmente atrás do ducto biliar e da artéria</p><p>hepática.</p><p>A veia porta se divide nos ramos principais direito e esquerdo no hilo hepático. O ramo esquerdo da veia porta corre</p><p>transversalmente ao longo da base do segmento 4 e para o interior da cissura umbilical, onde emite os ramos para os</p><p>segmentos 2, 3 e 4. A veia porta esquerda também emite os ramos posteriores para o lado esquerdo do lobo caudado. A veia</p><p>porta direita tem um pequeno curso extra‑hepático e penetra no parênquima hepático, onde se divide em ramos setoriais</p><p>anterior e posterior. Eventualmente estes ramos setoriais podem ser extra‑hepáticos, saindo da veia porta principal antes da</p><p>sua bifurcação. Geralmente existe um pequeno ramo do processo caudado da veia porta principal direita, ou na bifurcação</p><p>da veia porta direita, que sai posteriormente para nutrir esta porção do fígado (Fig. 53‑9).</p><p>FIGURA 539 A anatomia da veia porta é demonstrada. A veia mesentérica superior (VMS) unese à veia</p><p>esplênica (VE) posterior e ao colo do pâncreas (sombreado) para formar a veia porta. Observe a entrada da veia</p><p>mesentérica inferior (VMI) na veia esplênica – o arranjo anatômico mais comum. Em seu trajeto superior na</p><p>borda do omento menor posterior ao ducto biliar comum e à artéria hepática, a veia porta recebe efluente venoso</p><p>da veia coronária (VC). No hilo hepático, a veia porta bifurcase em uma veia porta direita maior e uma veia porta</p><p>esquerda menor. A veia porta esquerda corre transversalmente na base do segmento IV e entra na fissura</p><p>umbilical para suprir os segmentos do fígado esquerdo. Logo antes da fissura umbilical, a veia porta esquerda</p><p>(VPE) geralmente dá origem a um ramo considerável para o lobo caudado. A veia porta direita (VPD) entra no</p><p>parênquima hepático e dividese em um ramo setorial anterior direito (SAD) e setorial posterior direito (SPD).</p><p>Ela também dá origem a um ramo posterior para o lado direito do lobo caudado/processo caudado. (De Blumgart</p><p>LH, Hann LE: Surgical and radiologic anatomy of the liver and biliary tract. In Blumgart LH, Fong Y, editors: Surgery of the liver and</p><p>biliary tract, London, 2000, WB Saunders, pp 3–34.)</p><p>Existem várias conexões entre os sistemas venosos sistêmicos e portal. Sob condições de alta pressão venosa portal, estas</p><p>conexões portossistêmicas podem se dilatar devido ao fluxo colateral. Este conceito é revisto de forma detalhada mais</p><p>adiante neste capítulo, mas as colaterais portossistêmicas mais importantes são as seguintes: as veias submucosas do</p><p>estômago proximal e esôfago distal recebem o fluxo portal das veias gástricas curtas e da veia gástrica esquerda e podem</p><p>resultar em varizes, com potencial para hemorragia; as veias da parede abdominal e umbilical recanalizam o ligamento</p><p>redondo do fluxo por intermédio da veia umbilical, resultando na denominada “cabeça de medusa”; o plexo hemorroidário</p><p>superior recebe o fluxo portal das veias afluentes mesentéricas inferiores e pode formar volumosas hemorroidas, e outras</p><p>comunicações retroperitoneais produzem efeitos colaterais que podem tornar perigosas algumas operações abdominais.</p><p>A anatomia da veia porta e de seus ramos é relativamente constante e tem muito menos variação do que a dos sistemas</p><p>arterial e biliar hepáticos. A veia porta raramente é encontrada em posição anterior ao colo do pâncreas e do duodeno. A</p><p>conexão da veia porta diretamente com a veia cava já foi descrita. Muito raramente uma veia pulmonar pode conectar‑se</p><p>com a veia porta. Finalmente, pode haver uma ausência congênita do ramo esquerdo da veia porta. Nessa situação, o seu</p><p>ramo direito cursa pelo fígado direito e circunda perifericamente para suprir o fígado esquerdo, ou a veia setorial anterior</p><p>direita pode emergir da veia porta esquerda.</p><p>Artéria hepática</p><p>A artéria hepática, representando o alto fluxo arterial sistêmico oxigenado, fornece cerca de 25% do aporte total do sangue</p><p>hepático e 30% a 50% de sua oxigenação. A descrição anatômica mais comum do suprimento arterial e da árvore biliar só</p><p>está presente em cerca de 60% dos casos (Fig. 53‑10). O tronco celíaco nasce diretamente da aorta, imediatamente abaixo do</p><p>hiato aórtico do diafragma e dá origem a três ramos – artéria esplênica, artéria gástrica esquerda e artéria hepática comum.</p><p>A artéria hepática comum passa por diante e para a direita ao longo da borda superior do pâncreas e caminha para o lado</p><p>direito do omento menor, onde ascende em direção ao hilo hepático, anteriormente à veia porta e à esquerda do ducto</p><p>biliar. No ponto em que a artéria hepática comum começa a se dirigir para cima em direção ao hilo hepático, dá origem à</p><p>artéria gastroduodenal, seguida pela artéria supraduodenal e, depois, pela artéria gástrica direita. A artéria hepática comum</p><p>após a origem da artéria gastroduodenal é chamada de artéria hepática própria e se divide em artérias hepáticas direita e</p><p>esquerda no hilo. A artéria hepática esquerda se direciona verticalmente pela cissura umbilical para suprir os segmentos 2,</p><p>3 e 4. A artéria hepática esquerda geralmente também dá origem a um ramo da artéria hepática média que se dirige para o</p><p>lado direito da fissura umbilical e supre o segmento 4. Geralmente, a artéria hepática direita corre posteriormente ao ducto</p><p>biliar hepático comum e penetra no triângulo de Calot, delimitada pelos ductos cístico e hepático comum e pela borda do</p><p>fígado, onde se origina a artéria cística, que supre a vesícula biliar e, então, continua e penetra no fígado direito.</p><p>FIGURA 5310 A anatomia mais comum do tronco celíaco e do sistema arterial hepático é demonstrada.</p><p>O tronco celíaco, logo abaixo do hiato diafragmático, trifurcase em artérias esplênica, gástrica esquerda e</p><p>hepática comum. A artéria hepática comum dirigese para a direita e voltase, superiormente, em direção ao hilo.</p><p>No ponto desta volta, a artéria gastroduodenal se origina, e a artéria hepática própria é formada. A artéria hepática</p><p>própria dá origem às artérias hepáticas direita e esquerda no hilo. Observe a artéria hepática média originando</p><p>se da artéria hepática esquerda proximal, que segue para suprir o segmento IV. A artéria cística mais</p><p>comumente tem origem na artéria hepática direita dentro do triângulo de Calot. (De Blumgart LH, Hann LE: Surgical and</p><p>radiologic anatomy of the liver and biliary tract. In Blumgart LH, Fong Y, editors: Surgery of the liver and biliary tract, London, 2000,</p><p>WB Saunders, pp 3–34.)</p><p>Ao contrário da veia porta, a anatomia da artéria hepática é extremamente variável (Fig. 53‑11). Um vaso acessório pode</p><p>ser descrito como uma origem aberrante de um ramo, o que é um acréscimo ao padrão de ramificação normal. Um vaso</p><p>substituto é descrito como uma origem aberrante de um ramo que é adicional ao padrão normal. Usualmente, a artéria</p><p>hepática origina‑se do tronco celíaco, no entanto os ramos ou todo o sistema arterial hepático podem se originar da artéria</p><p>mesentérica superior (AMS). As artérias hepáticas direita e esquerda podem também se originar separadamente no tronco</p><p>celíaco.</p><p>biliar ou cistos coledococianos são dilatações congênitas da árvore biliar que, na maioria dos casos, são diagnosticadas na</p><p>infância, mas podem se manifestar na idade adulta. Tendo em vista o risco de malignidade e a colangite recorrente, o tratamento é a ressecção com</p><p>restabelecimento da continuidade biliar‑entérica. A maioria dos cistos do ducto biliar envolve a árvore biliar extra‑hepática, mas nos cistos do tipo</p><p>IV, há envolvimento do ducto biliar extra‑hepático e dos ductos intra‑hepáticos. Em contraposição, a doença de Caroli (tipo V) é caracterizada por</p><p>múltiplos cistos intra‑hepáticos. Assim, os cistos do ducto biliar devem ser considerados no diagnóstico diferencial de um paciente com múltiplas</p><p>lesões císticas hepáticas. As lesões intra‑hepáticas dos cistos do ducto biliar tipo IV e a doença de Caroli são dilatações segmentares multifocais dos</p><p>ductos biliares separadas por partes dos ductos biliares de calibre normal. Aproximadamente 50% dos casos de doença de Caroli estão associados à</p><p>fibrose hepática congênita; os cistos estão difusamente localizados por todo o fígado. Nos demais 50% dos casos, as dilatações podem estar</p><p>confinadas a uma parte do fígado, geralmente o hemifígado esquerdo. A colangite bacteriana recorrente normalmente domina o curso clínico</p><p>destas doenças, e a morte quase sempre sobrevém em torno de cinco a 10 anos se não houver um tratamento adequado. Quando os cistos intra‑</p><p>hepáticos dos ductos biliares são localizados, a ressecção hepática com ou sem reconstrução biliar é a conduta mais adequada. O tratamento do</p><p>comprometimento hepático difuso é inexpressivo e, nos casos complicados, o procedimento mais eficaz é o transplante.</p><p>Princípios da Ressecção Hepática</p><p>Embora as ressecções do fígado já fossem realizadas no final dos anos de 1800, só em 1952 Lortat‑Jacob executou a primeira e verdadeira</p><p>hepatectomia direita anatômica. Esse evento marcou a era moderna da cirurgia hepática, no entanto as primeiras séries foram marcadas pela alta</p><p>morbimortalidade decorrente das volumosas perdas sanguíneas intraoperatórias. As séries dos anos 1970 e 1980 sempre registraram índices de</p><p>mortalidade superiores a 10%, chegando a 20% sobretudo nas grandes ressecções. Esta mortalidade elevada limitava a abordagem cirúrgica sobre o</p><p>fígado e havia muita relutância em indicá‑la como alternativa de tratamento. Nas últimas três décadas, foram assinalados avanços técnicos notáveis</p><p>que alteraram totalmente os resultados operatórios dos pacientes submetidos à cirurgia hepática. A compreensão de que a maioria das perdas</p><p>sanguíneas durante a ressecção hepática vinha das veias hepáticas levou os cirurgiões a realizarem essas operações com uma baixa pressão venosa</p><p>central. Realiza‑se uma hepatectomia parcial por meio de uma linha central com o paciente na posição de Trendelenburg discreta aliada a uma</p><p>restrição hídrica e vasodilatadores, se necessário, para manter a pressão venosa central inferior a 5 mmHg. Outro avanço importante foi uma</p><p>melhor compreensão da anatomia segmentar do fígado, tornando a dissecção intra‑hepática mais segura e precisa. Existem várias técnicas para</p><p>seccionar o tecido hepático e muitos métodos para coagular e controlar os vasos sanguíneos. O conceito mais importante, no entanto, é a secção do</p><p>tecido hepático e que essa dissecção seja feita por um cirurgião que tenha completo conhecimento da anatomia vascular do fígado.</p><p>Em centros de excelência, a mortalidade peroperatória é em torno de 5% ou menos e depende de alguns fatores. Os três fatores mais críticos</p><p>relacionados com a morbidade operatória são perda sanguínea, quantidade de fígado normal ressecada e condição do fígado (p. ex., cirrose). Uma</p><p>hepatectomia parcial deve ser realizada com esses fatores em mente para minimizar a morbidade. Em uma revisão de mais de 1.800 ressecções</p><p>hepáticas durante um período de 10 anos de MSKCC, a mortalidade operatória foi de 3,1%.123 A perda sanguínea média foi de 600 mL e dois terços</p><p>dos pacientes não necessitaram de transfusão de glóbulos vermelhos. A morbidade geral pós‑cirúrgica foi de 45%, mas a permanência média no</p><p>hospital foi de oito dias. A morbidade esteve relacionada principalmente com perda sanguínea e extensão da ressecção. As ressecções menores</p><p>estiveram associadas a uma taxa de mortalidade de 1%. A maioria das complicações e óbitos foi observada em tumores biliares complexos,</p><p>cirróticos com CHC e ressecções alargadas. Melhoras dos resultados após hepatectomia parcial em centros hepatobiliares experientes mostraram</p><p>taxas de mortalidade que giram em torno de 1% a 2%, com poucos pacientes necessitando de transfusões sanguíneas peroperatórias. Como</p><p>resultado da crescente segurança da operação hepática, a ressecção do fígado tornou‑se o tratamento mais adequado para muitas condições</p><p>hepáticas malignas e benignas.</p><p>As fístulas biliares são um problema nos casos que requerem reconstituição biliar complexa, mas também podem ocorrer em cerca de 10% a 20%</p><p>das hepatectomias sem reconstrução biliar. A ligadura cuidadosa dos canalículos biliares apresenta importância óbvia para minimizar esta</p><p>complicação. Em virtude da capacidade de regeneração do fígado, as ressecções de até 80% de fígados não cirróticos podem ser realizadas com</p><p>compensação funcional dentro de poucas semanas. Tendo em vista que muitas ressecções englobam tumores e fígado normal, o conceito de volume</p><p>FFR e parênquima funcional hepático é importante, porque muitas vezes há hipertrofia compensatória do fígado normal quando tumores ocupam</p><p>uma parcela significativa do volume hepático. O risco de insuficiência hepática é mínimo caso a redução do parênquima hepático funcional seja</p><p>inferior a 50%, mas tende a crescer quando este número se aproxima de 20% a 25%. Os pacientes com cirrose têm taxas bastante elevadas de</p><p>insuficiência hepática pós‑operatória em decorrência da reduzida capacidade regenerativa consequente ao comprometimento da função hepática</p><p>primária. A deficiência funcional hepática, a falência de múltiplos órgãos e o óbito são sérios riscos essenciais à realização de ressecções hepáticas</p><p>alargadas em paciente cirróticos. Em geral, pacientes com cirrose Child B, C ou hipertensão portal não toleram ressecções hepáticas, e a sua seleção</p><p>é primordial. A ascite e as complicações infecciosas também são problemas comuns após a ressecção do fígado. Uma estratégia para minimizar a</p><p>disfunção hepática pós‑operatória e a morbidade após hepatectomia alargada é embolizar percutaneamente a veia porta do lado do fígado a ser</p><p>ressecado. Em aproximadamente quatro semanas ocorre atrofia do parênquima hepático a ser ressecado e hipertofia do FFR. Por sua vez, isso</p><p>aumenta o volume relativo do FFR.</p><p>As técnicas de ressecção do fígado diferem de acordo com a doença que está sendo tratada. Nas doenças hepáticas benignas, que necessitam de</p><p>ressecção, as indicações para operação são os sintomas ou a infecção. A remoção do fígado normal deve ser mínima nestes casos e técnicas como a</p><p>enucleação são adequadas, embora uma ressecção maior possa ser necessária ocasionalmente. Para a doença maligna, a obtenção de uma margem</p><p>de tecido normal é fundamental e as ressecções anatômicas formais produzem os melhores resultados. As técnicas como as ressecções em cunha</p><p>quase sempre resultam em elevados índices de comprometimento das margens e recidiva da doença e devem ser utilizadas com cautela e de forma</p><p>limitada.</p><p>O conhecimento pormenorizado da anatomia do fígado é essencial para a prática da operação hepática segura (ver anteriormente).</p><p>Desafortunadamente, descrições detalhadas e complicadas da anatomia e ressecções hepáticas comuns podem confundir sobretudo o estudante</p><p>e/ou mesmo o cirurgião pouco experiente. Uma reunião de consenso em 2000 conduzida em Brisbane, Austrália,</p><p>com o auxílio da American</p><p>Hepato‑Pancreato‑Biliary Association, traçou diretrizes para as principais abordagens (Tabela 53‑11; Fig. 53‑40). Em geral, o termo lobectomia não é o</p><p>mais adequado porque não há delimitações externas no fígado que evidenciem um lobo. Na dúvida, deve‑se sempre ter em mente a anatomia</p><p>segmentar do fígado para a efetivação da ressecção. Lembre‑se de que o fígado direito é composto pelos segmentos 5 a 8 e hepatectomia</p><p>direita ou hemi‑hepatectomia direita são termos utilizados para a ressecção destes segmentos. Os segmentos 2 a 4 compreendem o fígado esquerdo</p><p>e hepatectomia esquerda e hemi‑hepatectomia esquerda são termos apropriados para a ressecção destes segmentos. A hepatectomia direita pode ser</p><p>estendida mais à esquerda para incluir o segmento 4, e a hepatectomia esquerda pode ser estendida para a direita para incluir os segmentos 5 e 8.</p><p>Termos como hepatectomia estendida direita‑esquerda, segmentectomia direita‑esquerda e trissegmentectomia são apropriados para descrever estas</p><p>ressecções. A exérese dos segmentos 2 e 3 é uma ressecção sublobular realizada com frequência e é quase sempre conhecida como segmentectomia</p><p>lateral esquerda e setorectomia lateral esquerda. Outras ressecções sublobares comuns, como aquelas do setor posterior direito (segmentos 6 e 7) ou</p><p>do setor anterior direito (segmentos 5 e 8) são chamadas de setorectomia posterior direita e setorectomia anterior direita, respectivamente. As</p><p>ressecções de um único segmento ou bissegmentares podem ser simplesmente referidas por uma descrição numérica dos segmentos a serem</p><p>ressecados.</p><p>Tabela 5311</p><p>Nomenclatura para a Maioria das Grandes Ressecções Hepáticas Anatômicas Comuns*</p><p>SEGMENTOS† COUINAUD, 1957</p><p>GOLDSMITH E WOODBURNE,</p><p>1957 BRISBANE, 2000</p><p>V‑VIII Hepatectomia direita Lobectomia hepática direita Hemi‑hepatectomia direita</p><p>IV‑VIII‡ Lobectomia direita Lobectomia hepática direita</p><p>estendida</p><p>Trisseccionetomia direita</p><p>II‑IV Hepatectomia esquerda Lobectomia hepática esquerda Hemi‑hepatectomia</p><p>esquerda</p><p>II, III Lobectomia esquerda Segmentectomia lateral esquerda Seccionetomia lateral</p><p>esquerda</p><p>II, III, IV, V,</p><p>VIII‡</p><p>Hepatectomia esquerda</p><p>estendida</p><p>Lobectomia esquerda estendida Trisseccionetomia esquerda</p><p>* A terminologia original baseiase em descrições anatômicas de Couinaud e Goldsmith e Woodburne.</p><p>† Consulte a Figura 5340AE.</p><p>‡ Outro nome comum para essas operações é trissegmentectomia direita ou esquerda.</p><p>FIGURA 5340 As principais ressecções hepáticas comumente realizadas estão indicadas pelas áreas sombreadas. A, Hepatectomia</p><p>direita, lobectomia hepática direita ou hemihepatectomia direita (segmentos VVIII). B, Hepatectomia esquerda, lobectomia hepática</p><p>esquerda ou hemihepatectomia esquerda (segmentos IIIV). C, Lobectomia direita, lobectomia hepática direita estendida ou</p><p>trissetorrectomia direita (trissigmentectomia) (segmentos IVVIII). D, Lobectomia esquerda, segmentectomia lateral esquerda ou</p><p>setorrectomia lateral esquerda (segmentos IIIII). E, Hepatectomia esquerda estendida lobectomia esquerda estendida ou</p><p>trissegmentectomia esquerda (segmentos II, III, IV, V, VIII). Ver Tabela 5311. (De Blumgart LH, Jarnagin W, Fong Y: Liver resection for benign disease</p><p>and for liver and biliary tumors. In Blumgart LH, Fong Y, editors: Surgery of the liver and biliary tract, London, 2000, WB Saunders, pp 1639–1714.)</p><p>Uma discussão pormenorizada das técnicas de ressecções hepáticas está além do escopo deste capítulo e, em geral, requer treinamento da</p><p>especialidade, mas princípios gerais podem ser abordados. As ressecções hepáticas devem considerar a doença a ser tratada e os objetivos da</p><p>operação, seja a respeito de uma margem com ressecção negativa na vigência de uma malignidade e/ou a ressecção de tecido benigno para aliviar</p><p>os sintomas. A porção do fígado a ser ressecada deve sê‑lo com segurança, considerando‑se o influxo (veia porta, artéria hepática e ducto biliar) e o</p><p>fluxo (veias hepáticas), além da preservação do fígado remanescente com um tamanho adequado e com aporte arterial e drenagem biliar e venosa</p><p>intactos.</p><p>As abordagens mais comuns para uma ressecção anatômica, bem como a sequência ideal, seriam a mobilização do fígado a ser ressecado, a</p><p>dissecção das estruturas hilares de afluxo e das vias de drenagem venosa e a ligadura das estruturas na mesma sequência, seguida de secção do</p><p>parênquima. A mobilização do fígado envolve secção dos ligamentos triangulares direito ou esquerdo, liberando o fígado do diafragma.</p><p>Frequentemente, o fígado deve ser mobilizado completamente e afastado da veia cava inferior (que é fixa), o que requer dissecção cuidadosa e</p><p>ligadura de múltiplos ramos venosos retroperitoneais da cava retro‑hepática. Para as exéreses maiores, a veia hepática da porção do fígado</p><p>ressecado é frequentemente isolada antes da ressecção. Existem várias técnicas de dissecção, controle e ligadura dos vasos de influxo. O controle</p><p>clássico do influxo é obtido por dissecção do hilo hepático com abordagem da veia porta e artéria hepática para o hemifígado a ser ressecado. Estes</p><p>podem ser ligados por sutura manual e/ou com grampeadores vasculares. A não ser que a proximidade do tumor obrigue, defendemos a secção do</p><p>ducto biliar no interior do parênquima hepático para minimizar a possibilidade de lesões biliares contralaterais relacionadas com anomalias</p><p>anatômicas. O controle do influxo pode também ser obtido pela dissecção do pedículo portal intra‑hepático para a secção anatômica do fígado a ser</p><p>ressecado. Tenha sempre em mente que as estruturas de influxo invaginam com o peritônio no hilo hepático e cursam intra‑hepaticamente como</p><p>um pedículo revestido composto por três estruturas de influxo. O pedículo de influxo pode ser isolado realizando‑se hepatotomias em flancos ou</p><p>por secção do parênquima para o pedículo de interesse. O pedículo pode ser ligado com um grampeador vascular, mas a ligadura com sutura é</p><p>algumas vezes necessária. Classicamente, a veia hepática é seccionada em sua porção extra‑hepática, podendo também ser utilizado um</p><p>grampeador vascular.</p><p>A veia hepática pode também ser ligada no interior do parênquima hepático para a sua secção. Há vários métodos de secção do parênquima,</p><p>variando de bisturis ultrassônicos complexos a coaguladores com energia de radiofrequência ou uma simples técnica de “esmagamento” com pinça</p><p>hemostática e subsequente ligadura. Em mãos experientes, todas estas podem ser usadas para minimizar a perda de sangue, sendo importante</p><p>desenvolver uma técnica específica que seja de realização confortável. Finalmente, a secção parenquimatosa é a dissecção da anatomia intra‑</p><p>hepática, o controle das estruturas vasculares e biliares, a redução das perdas sanguíneas e, principalmente, evitar a lesão do futuro fígado</p><p>remanescente.</p><p>Hemobilia</p><p>Um caso de hemobilia letal secundária a um trauma abdominal penetrante foi descrito por Glisson em 1654. Somente em</p><p>1948 Sandblom cunhou o termo hemobilia em seu artigo sobre o tema. A hemobilia é definida como o sangramento para a</p><p>árvore biliar decorrente de uma comunicação anormal entre um vaso sanguíneo e o ducto biliar. Trata‑se de uma condição</p><p>rara que é sempre difícil de ser distinguida das causas mais frequentes de sangramento gastrointestinal. As causas mais</p><p>comuns de hemobilia são lesões iatrogênicas, trauma acidental, cálculos biliares, tumores, doenças inflamatórias e/ou</p><p>doenças vasculares. Uma hemobilia volumosa é algo raro, enquanto a pequena hemobilia sem consequência hemodinâmica</p><p>é um problema comum da doença litiásica biliar ou de procedimentos hepáticos intervencionistas.</p><p>Causas</p><p>A causa mais comum de hemobilia é o trauma iatrogênico do fígado e da árvore biliar. Antes da década de 1980, a</p><p>proporção de hemobilia</p><p>atribuída ao trauma acidental em comparação com o trauma iatrogênico era de 2:1, mas o trauma</p><p>iatrogênico é agora considerado a principal causa de hemobilia em 40% a 60% dos casos. A biópsia percutânea resulta em</p><p>hemobilia em menos de 1% dos casos, mas os procedimentos de drenagem biliar trans‑hepática percutânea trazem uma</p><p>incidência de 2% a 10%. Da mesma forma, a exploração cirúrgica da árvore biliar pode resultar em hemobilia por lesão</p><p>direta ou pela formação de pseudoaneurisma arterial. Inúmeros casos de hemobilia após colecistectomia têm sido relatados.</p><p>A hemobilia secundária a lesão acidental é mais comum no trauma abdominal fechado do que no penetrante. A incidência</p><p>de hemobilia documentada após importante trauma hepático varia de 0,2% a 3%. Os fatores de risco para o</p><p>desenvolvimento da hemobilia após trauma acidental são a ruptura hepática central com uma cavidade e a consequente</p><p>utilização de tamponamento abdominal e drenagem inadequada. A vesícula biliar pode ser a causa do sangramento</p><p>decorrente de trauma, cálculos biliares ou colecistite alitiásica. A doença vascular primária, como o aneurisma, a</p><p>angiodisplasia ou os hemangiomas são causas raras de hemobilia. Os tumores malignos do fígado, árvore biliar, vesícula</p><p>biliar e pâncreas, bem como infecções parasitárias, abscessos hepáticos e colangite, são causas incomuns de hemobilia.</p><p>Apresentação Clínica</p><p>O sangramento venoso portal para a árvore biliar é raro, pequeno e autolimitado, a menos que a pressão portal esteja</p><p>elevada. A hemobilia, discreta em geral segue uma evolução clínica assintomática, no entanto a hemobilia arterial, a fonte</p><p>mais comum, pode ser expressiva. As sequelas clínicas da hemobilia estão relacionadas com a perda de sangue e a formação</p><p>de coágulos potencialmente obstrutivos na árvore biliar. A clássica tríade de sintomas e sinais de hemobilia são dor</p><p>abdominal superior, hemorragia gastrointestinal alta e icterícia. Em alguns relatos, os três estavam presentes em 22% dos</p><p>pacientes. Os sintomas e sinais de uma volumosa hemobilia são melena (90% dos casos), hematêmese (60% dos casos),</p><p>cólica biliar (70% dos casos) e icterícia (60% dos casos). O sangramento gastrointestinal alto visto em associação a sintomas</p><p>biliares deve sempre aumentar a suspeita de hemobilia. Um aspecto interessante da hemobilia é a tendência para</p><p>apresentações tardias, até semanas após o evento causal inicial, bem como a recorrência e o sangramento durante meses e</p><p>mesmo anos. Coágulos na árvore biliar podem mascarar cálculos se a hemobilia passar despercebida. Estes coágulos podem</p><p>causar colangite, pancreatite e colecistite.</p><p>Exames Diagnósticos</p><p>Uma vez levantada a suspeita de hemobilia, a primeira avaliação deve ser feita pela endoscopia digestiva alta, que afasta</p><p>outras causas de hemorragia e pode identificar o sangramento a partir da papila duodenal; no entanto a endoscopia é</p><p>diagnóstica de hemobilia apenas em aproximadamente 10% dos casos. Uma vez que seja diagnóstica e a conduta</p><p>conservadora seja planejada, não é necessário mais algum exame. A US ou a TC podem ser úteis para mostrar um tumor</p><p>intra‑hepático ou um hematoma. Uma evidência de sangramento ativo na árvore biliar pode ser observada na TC com</p><p>contraste na forma de coágulos intraluminares e dilatação biliar. A TC também pode mostrar os fatores de risco associados</p><p>à hemobilia, como as lesões cavitárias centrais e os aneurismas. Atualmente, a angiografia arterial é considerada a melhor</p><p>alternativa quando se suspeita de hemobilia e identificará a causa do sangramento em cerca de 90% dos casos. A</p><p>colangiografia mostra coágulos na árvore biliar que podem simular estenoses ou pequenas falhas de enchimento difíceis de</p><p>diferenciar dos cálculos.</p><p>Tratamento e Resultados</p><p>O tratamento da hemobilia deve concentrar‑se em parar o sangramento e reparar a obstrução biliar. Muitos casos de</p><p>hemobilias discretas podem ser tratados de forma conservadora, com correção da coagulopatia, adequada drenagem biliar</p><p>(somente se necessário) e observação cautelosa. Em uma recente revisão de 171 casos registrados de 1996 a 1999, 43% foram</p><p>tratados de forma conservadora e com êxito. A primeira linha de terapia para uma hemobilia volumosa é a embolização</p><p>transarterial, e têm sido registrados índices de sucesso em 80% a 100% dos casos. A angiografia com embolização</p><p>transarterial é indicada para uma hemobilia volumosa que requer transfusão de sangue (Fig. 53‑41).</p><p>FIGURA 5341 Achados clássicos de hemobilia são demonstrados. Após uma colecistectomia complicada, um</p><p>pseudoaneurisma iatrogênico desenvolveuse e rompeu para a árvore biliar. Hemobilia importante foi o resultado.</p><p>O diagnóstico foi feito por endoscopia e embolização arterial. A, Arteriografia demonstrando um</p><p>pseudoaneurisma da artéria hepática no hilo. B, Poucos segundos depois, o contraste é visto entrando no ducto</p><p>hepático com evidência de coágulo na árvore biliar. C e D, O mesmo aneurisma antes (C) e depois (D) da</p><p>embolização bemsucedida. (De Sandblom JP: Hemobilia and bilhemia. In Blumgart LH, Fong Y, editors: Surgery of the liver and</p><p>biliary tract, London, 2000, WB Saunders, pp 1319–1342.)</p><p>A intervenção cirúrgica está indicada quando a terapia conservadora e a embolização transarterial foram malsucedidas. É</p><p>importante observar que o tratamento cirúrgico de hemobilia raramente é necessário e, até mesmo em casos aos quais a</p><p>laparotomia pode estar indicada por outras razões, a embolização transarterial ainda é a terapia adequada para a hemobilia</p><p>decorrente de baixa morbidade. Em geral, as abordagens cirúrgicas envolvem a ligadura de vasos sangrantes, excisão do</p><p>aneurisma ou a ligadura não seletiva de uma artéria hepática principal. A ressecção hepática pode ser necessária após uma</p><p>ligadura arterial malsucedida ou para casos de trauma grave ou tumor. A hemorragia da vesícula biliar ou a colecistite</p><p>hemorrágica exigem a colecistectomia. Existem relatos isolados de conduta bem‑sucedida na hemobilia com coagulação</p><p>endoscópica, somatostatina e vasopressina. O tratamento da hemobilia após drenagem biliar trans‑hepática percutânea em</p><p>geral consiste na remoção do cateter ou na substituição por cateteres mais longos, mas pode exigir embolização</p><p>transarterial.</p><p>Quando do relato de Sandblom, na década de 1970, a mortalidade por hemobilia era pelo menos de 25%. Um estudo de</p><p>1987 observou uma mortalidade de 12%. Em uma revisão de casos de 1996 a 1999, apenas quatro mortes foram registradas.</p><p>Existe uma redução na mortalidade por hemobilia e provavelmente está relacionada com dois fatores. Primeiro, a incidência</p><p>das pequenas hemobilias aumentou em decorrência do crescente número de procedimentos hepáticos percutâneos.</p><p>Segundo, os progressos na angiografia seletiva e na embolização transarterial contribuíram muito para a melhora do</p><p>tratamento.</p><p>Bilhemia</p><p>A bilhemia é uma condição extremamente rara na qual a bile flui para a corrente sanguínea, seja pelas veias hepáticas ou</p><p>pelos ramos da veia porta. Este fluxo ocorre no contexto de pressão intrabiliar elevada, que excede a pressão do sistema</p><p>venoso. A causa pode ser a erosão de cálculos biliares para a veia porta ou trauma acidental/iatrogênico. A condição pode</p><p>ser fatal pela embolização de grandes quantidades de bile nos pulmões. Geralmente, entretanto, o fluxo biliar é baixo e as</p><p>fístulas se fecham espontaneamente. A apresentação clínica é caracterizada por aumento da icterícia, acentuada</p><p>hiperbilirrubinemia direta sem elevação dos níveis de enzima hepatocelular (AST, ALT) e septicemia. Este diagnóstico é</p><p>mais bem identificado pela CPRE. O tratamento é direcionado para a redução das pressões intrabiliares por meio de</p><p>próteses ou papilotomia.</p><p>Hepatite viral e o cirurgião</p><p>As epidemias</p><p>de icterícia foram observadas nas civilizações antigas e registradas por Hipócrates. Durante a Segunda</p><p>Guerra Mundial essas epidemias foram chamadas de icterícia catarral. Mais de 28.000 casos foram documentados na época.</p><p>Os estudos epidemiológicos dos anos 1940 registraram a diferença entre a hepatite de origem sanguínea (hepatite B) e a</p><p>hepatite entérica (hepatite A). A descoberta mais importante foi a do antígeno Austrália, por Blumberg et al., em 1965. Este</p><p>antígeno foi comprovado como o antígeno de superfície da hepatite B (HBsAg) e forneceu meios de diferenciar os dois tipos</p><p>de hepatite, além de caracterizar a epidemiologia desta doença. Esta descoberta também levou ao desenvolvimento de</p><p>vacinas contra o VHB baseadas neste antígeno, com óbvios e profundos efeitos em todo o mundo. Outras pesquisas levaram</p><p>à descoberta do vírus delta (hepatite D) e da hepatite C (explicitando os casos de hepatite não A e não B). A hepatite E foi</p><p>descoberta como uma forma única enteral da hepatite infecciosa; o vírus da hepatite G, descoberto em 1995, ainda está</p><p>sendo definido.</p><p>A hepatite viral é um grande problema de saúde pública e é a causa mais comum de doença hepática em todo mundo.</p><p>Embora a hepatite aguda fulminante seja incomum, há mais de 5 milhões de pessoas que sofrem de hepatite crônica.</p><p>Estima‑se que mais de 15.000 pacientes morrem anualmente por hepatite viral nos Estados Unidos. A hepatite viral não é</p><p>uma doença cirúrgica, mas tem importantes consequências para os cirurgiões e os pacientes cirúrgicos. Para qualquer</p><p>cirurgião envolvido com operações hepáticas, o estado funcional do fígado é de extrema importância. Os pacientes com</p><p>hepatite viral crônica demandam uma atenção especial antes de qualquer intervenção cirúrgica. Além disso, a hepatite viral</p><p>crônica é uma causa comum de CHC. Finalmente, o risco de transmissão do paciente para o cirurgião e vice‑versa é uma</p><p>questão sobre a qual todos os cirurgiões devem estar cientes.</p><p>Definição</p><p>A hepatite viral é uma infecção do fígado por um dos seis vírus conhecidos que têm composições e estruturas genéticas</p><p>diferentes. VHA, VHC, VHD, VHE e VHG têm genomas RNA, enquanto o VHB tem um genoma de DNA que se replica</p><p>por meio de intermediários de RNA. O VHA e o VHE são responsáveis por formas de hepatites epidêmicas e são</p><p>transmitidos pela via fecal‑oral. O VHB é o único com potencial para integrar‑se aos genomas dos hospedeiros, embora isso</p><p>não seja necessário para sua reprodução. O VHC reproduz‑se no citoplasma dos hepatócitos e tem mecanismos complexos</p><p>para evitar a imunidade do hospedeiro por intermédio de áreas hipervariáveis em seu genoma. O VHD requer a presença</p><p>de coinfecção por VHB para a reprodução e a infectividade e pode alterar o curso clínico da infecção pelo VHB. O VHG foi</p><p>descoberto recentemente e apresenta semelhanças com o VHC, mas não tem associação definitiva com a hepatite clínica.</p><p>Diagnóstico</p><p>A Tabela 53‑12 resume os testes sorológicos e suas implicações para VHA, VHB e VHC. O diagnóstico da infecção do VHA</p><p>depende da determinação dos anticorpos para o VHA. Os anticorpos IgM e IgG estão presentes no início da infecção, mas</p><p>apenas o IgG persiste por longo tempo. O antígeno do VHA e os testes para o RNA do VHA foram desenvolvidos, mas</p><p>costumam ser restritos aos laboratórios de pesquisa.</p><p>Tabela 5312</p><p>Avaliação Sorológica das Hepatites Virais mais Comuns</p><p>VÍRUS</p><p>NOME DO</p><p>ANTÍGENO INTERPRETAÇÃO</p><p>NOME DE</p><p>ANTICORPO INTERPRETAÇÃO</p><p>VHA Antígeno VHA Infecção aguda Anti‑VHA IgM Infecção aguda</p><p>IgG anti‑VHA Imunidade</p><p>HBsAg Infecção aguda ou crônica Anti‑HBs Imunidade</p><p>HBeAg Replicação do VHB,</p><p>infectividade</p><p>Anti‑HBc Todas as fases da infecção</p><p>Anti‑HBe Convalescença tardia</p><p>VHC Nenhum – Anti‑VHC Convalescença tardia ou infecção</p><p>crônica</p><p>A infecção por VHB foi caracterizada por muitos antígenos e anticorpos (Fig. 53‑42). O HBsAg é o marco do diagnóstico</p><p>da infecção por VHB e aparece no soro de uma a 10 semanas após a infecção; geralmente desaparece em quatro a seis</p><p>meses, mas a persistência no soro implica infecção crônica. Os anticorpos anti‑HBs em geral aparecem após o</p><p>desaparecimento do HBsAg e marcam a cura após a infecção por VHB. Os anticorpos anti‑HBs também são induzidos pela</p><p>vacina contra o VHB. O antígeno core da hepatite B (HBcAg) é um antígeno intracelular que não é detectável no soro. Por</p><p>outro lado, anticorpos anti‑HBc são detectáveis no início, depois da infecção, e persistem após a recuperação e nas infecções</p><p>crônicas. O antígeno “e” da hepatite B (HBeAg proteína secretora) é um marcador da reprodução e da infectividade do</p><p>VHB. Geralmente está presente no início e pode persistir por anos como infecção crônica, mas geralmente desaparece</p><p>dentro de meses na ausência de infecção crônica. A soroconversão aos anticorpos anti‑HBe está usualmente associada à</p><p>resolução da infecção e também mostrou que muitos pacientes que se tenham soroconvertido frequentemente apresentam</p><p>VHB DNA mensuráveis, embora em níveis baixos. A quantificação do VHB DNA no soro tornou‑se a forma mais precisa de</p><p>avaliar a atividade do VHB. Evidência recente tem mostrado que muitos pacientes nos quais se pensava resolvida a VHB</p><p>aguda podem ter infecção viral persistente e estar em risco de desenvolver hepatite crônica ou sua reativação.</p><p>FIGURA 5342 Marcadores sorológicos na hepatite aguda pelo vírus B (VHB) (A) e infecção crônica pelo VHB</p><p>(B). (De Doo EC, Lian TJ: The hepatitis viruses. In Schiff ER, Sorrell MF, Maddrey WC, editors: Schiff’s diseases of the liver,</p><p>Philadelphia, 1999, LippincottRaven, pp 725–744.)</p><p>O diagnóstico da infecção por VHC depende da detecção de anticorpos contra vários antígenos do VHC. Os</p><p>imunoensaios atuais são altamente sensíveis e específicos. Não há testes específicos de antígeno VHC, mas há uma</p><p>variedade de testes quantitativos e qualitativos para VHC RNA, que se tornaram importantes na confirmação do</p><p>diagnóstico em casos obscuros e na avaliação das respostas à terapia.</p><p>A coinfecção por VHD nos pacientes infectados com o VHB recebe um diagnóstico mais seguro pela detecção do RNA do</p><p>VHD, que pode ser medido no soro. O antígeno do VHD pode ser detectado nos espécimes de fígado. A infecção VHE pode</p><p>ser diagnosticada pela quantidade de anticorpos no soro ou pela detecção do vírus ou seus componentes nas fezes, soro ou</p><p>no fígado em si.</p><p>Epidemiologia e Transmissão</p><p>A incidência de VHA tem se reduzido significativamente desde a introdução de vacinas eficazes, porém a vacinação não é</p><p>rotina em todos os países. A hepatite A é comum em países do Terceiro Mundo, com taxas de soropositividade de quase</p><p>100% em algumas populações. A infecção ocorre na infância e é facilitada pela falta de higiene e de condições sanitárias. Os</p><p>índices de infecção são muito mais baixos nos países desenvolvidos. Nos Estados Unidos, cerca de 10% das crianças e 35%</p><p>dos adultos foram infectados pelo VHA. Apesar da disponibilidade da vacinação, 6.000 casos foram relatados nos Estados</p><p>Unidos em 2004, provavelmente representando 60.000 casos estimados em todo o país. A via primária de infecção pelo</p><p>VHA é a fecal‑oral. A maioria dos casos de VHA ocorre como consequência da ingestão de água ou alimentos</p><p>contaminados e do contato de pessoa para pessoa. A transmissão parenteral é possível, mas incomum. A transmissão sexual</p><p>foi documentada em homossexuais masculinos.</p><p>A hepatite B é um problema de saúde em todo o mundo. Há mais de 300 milhões de portadores e 250.000 óbitos</p><p>associados anualmente. A prevalência da infecção pelo VHB tem uma considerável variação geográfica. Áreas de baixa</p><p>prevalência, como os Estados Unidos e a Europa ocidental, têm taxas de portadores de 0,1% a 2%. Nestas regiões, a</p><p>transmissão é geralmente por relação sexual ou uso de drogas intravenosas</p><p>(IVDAs). Os índices de portadores em áreas de</p><p>prevalência intermediária, como Japão e Singapura, são de 3% a 5%. Em áreas de alta prevalência, como o sudeste da Ásia e</p><p>a África subsaariana, os índices de portadores variam de 10% a 20%. Nas áreas de alta prevalência, a transmissão ocorre em</p><p>grande escala no período perinatal e por transmissão horizontal na infância.</p><p>A infecção pelo VHB associada à transfusão de hemoderivados era muito comum nos anos 1960, e naquela época o risco</p><p>foi estimado em 50%. Atualmente os programas de rastreamento e limitação de doação de sangue para doadores</p><p>voluntários diminuíram o risco de contração do VHB pela transfusão de sangue para 1 em 63.000. A transmissão percutânea</p><p>pelo uso de agulha contaminada é a maior rota de infecção do VHB, sendo muito comum entre os usuários de droga</p><p>intravenosa. Nos países de baixa prevalência, a transmissão sexual é muito comum e estima‑se que nos Estados Unidos seja</p><p>responsável por cerca de 30% dos casos. Existe uma incidência particularmente elevada entre homossexuais masculinos e</p><p>homens heterossexuais com múltiplas parceiras sexuais. A infecção perinatal pelo VHB é responsável por menos de 10%</p><p>dos casos nos Estados Unidos, mas é muito comum em áreas endêmicas, com índices de transmissão de 90% em alguns</p><p>lugares. A transmissão horizontal entre crianças é comum e é provável que esteja relacionada com pequenas escaras na pele</p><p>ou nas mucosas. O VHB é o vírus transmitido com maior frequência entre os profissionais da saúde, e a transmissão</p><p>geralmente ocorre de paciente para paciente ou de paciente para profissional. O risco de transmissão com agulha tem sido</p><p>relacionado com a positividade de HBeAg. Têm sido registrados casos raros de transmissão de médico para paciente.</p><p>Nos Estados Unidos, a hepatite C, que é a causa mais comum de doença crônica do fígado, tem uma prevalência estimada</p><p>de 1,8%, sendo responsável por 3,9 milhões de pessoas infectadas. Novos casos têm ocorrido em uma população mais jovem</p><p>(20 a 39 anos), e o fator de risco mais comum é a IVDA. Os profissionais da saúde têm índices maiores como portadores do</p><p>que o público em geral. A transmissão entre profissionais da saúde é geralmente relacionada com acidentes com agulhas, e</p><p>o risco de transmissão é maior que a do VHB e do HIV. No passado, as transfusões de sangue eram as maiores fontes da</p><p>infecção pelo VHC e responsáveis por cerca de 85% dos casos. Atualmente, menos de 2% das infecções agudas são causados</p><p>por transfusões, e o risco de transmissão associada à transfusão é estimado em cerca de 1 em 10.000. Embora o VHC nunca</p><p>tenha sido registrado no sêmen, estima‑se que aproximadamente 20% das infecções por esse vírus são causadas por</p><p>transmissão sexual. A possibilidade de transmissão sexual parece estar relacionada com outras doenças sexualmente</p><p>transmissíveis. Alguns parceiros sexuais monogâmicos que têm relações sexuais com pessoas infectadas pelo VHC</p><p>apresentam resultado positivo ao teste do VHC na ausência de outros fatores de risco, mas isso é raro. A transmissão</p><p>perinatal tem sido assinalada, mas raramente. Cerca de 30% a 40% dos casos de VHC não têm um fator de risco</p><p>identificável.</p><p>A infecção por VHD ocorre no mundo inteiro, com uma distribuição variável que se iguala à da infecção pelo VHB. Cerca</p><p>de 5% dos pacientes HBsAg positivos também contraem a infecção pelo VHD. A transmissão do VHD é parenteral e só</p><p>pode ocorrer em pacientes previamente infectados pelo VHB.</p><p>O VHE é endêmico nas regiões sudeste e central da Ásia e ocorre com baixa frequência em outras áreas do mundo. Em</p><p>geral os distúrbios de infecção por VHE são elevados, afetando centenas a milhares de pessoas ao mesmo tempo, quase</p><p>sempre após fortes chuvas e inundações. Há uma incidência particularmente alta e mortalidade elevada entre gestantes. A</p><p>transmissão é fecal‑oral e geralmente relacionada com a ingestão de água ou alimentos contaminados. As transmissões</p><p>pessoa a pessoa e vertical são raras.</p><p>Patogênese e Apresentação Clínica</p><p>A patogênese da lesão hepática a partir destas infecções virais não é totalmente elucidada. Para todos os vírus discutidos</p><p>nesta seção, a inflamação hepática parece ser causada por citotoxicidade direta ou fenômenos imunológicos relacionados.</p><p>Uma combinação destes dois mecanismos provavelmente seria a responsável pelas lesões hepáticas.</p><p>Os seres humanos são os únicos hospedeiros do VHA e nenhum reservatório de infecção foi identificado. Após ingestão</p><p>oral, o VHA sobrevive ao pH ácido do suco gástrico, mas o mecanismo de captação hepática não é conhecido. A infecção</p><p>pelo VHA resulta na inflamação aguda do fígado e não tem uma sequela crônica associada. Os dados mais recentes</p><p>sugerem que a lesão ao hepatócito é mais por uma resposta imunopatológica, em vez de hepatotoxicidade direta. A maioria</p><p>das crianças com infecção pelo VHA com menos de 2 anos de idade é assintomática, enquanto entre pacientes pediátricos</p><p>com mais de 5 anos, 80% irão apresentar sintomas. A hepatite fulminante se desenvolve em 1% a 5% dos casos e a</p><p>mortalidade é geralmente inferior a 1%.</p><p>Cerca de 70% dos pacientes com infecção aguda por VHB têm hepatite subclínica ou anictérica; os outros 30% apresentam</p><p>hepatite ictérica. O período de incubação por infecção por VHB varia de um a quatro meses. A síndrome prodrômica de</p><p>aparente doença sorológica pode desenvolver‑se, e isso é acompanhado por uma infinidade de sintomas como mal‑estar,</p><p>anorexia e náusea. Os sintomas duram cerca de 10 dias e depois são seguidos por icterícia em 30% dos pacientes. Os</p><p>sintomas clínicos geralmente desaparecem em três meses. A insuficiência hepática fulminante desenvolve‑se em 0,1% a</p><p>0,5% dos pacientes. Cerca de 80% dos pacientes com hepatite fulminante relacionada com o VHB morrerão, a menos que o</p><p>transplante de fígado seja realizado.</p><p>O risco de infecção crônica pelo VHB está relacionado com a competência imunológica e a idade. Os adultos</p><p>imunocompetentes apresentam um risco inferior a 5%, enquanto 30% das crianças e 90% dos bebês desenvolverão doença</p><p>crônica. A maioria dos pacientes com infecção crônica pelo VHB é assintomática, mas alguns podem experimentar</p><p>exacerbações dos sintomas. Os resultados dos exames laboratoriais podem ser totalmente normais em portadores do VHB</p><p>ou pequenas elevações das transaminases podem ser os únicos achados. A progressão para cirrose é marcada pela</p><p>disfunção da síntese hepática e pelas frequentes citopenias relacionadas com hiperesplenismo. Manifestações extra‑</p><p>hepáticas da infecção pelo VHB causadas por complexos imunes circulantes ocorrem em aproximadamente 10% a 20% dos</p><p>pacientes e incluem poliarterite nodosa, glomerulonefrite, crioglobulinemia essencial mista e acrodermatite papulosa. As</p><p>sequelas da infecção por VHB crônica variam entre inexistência de cirrose, CHC, insuficiência hepática e morte. Tem sido</p><p>observado que pacientes nos quais se julgavam resolvidas suas infecções podem sofrer uma reativação, especialmente</p><p>durante um período de imunossupressão. Em áreas não endêmicas, o risco em longo prazo parece ser baixo, mas em áreas</p><p>endêmicas a infecção crônica por VHB é uma causa importante de morbimortalidade.</p><p>A infecção aguda por VHC geralmente se apresenta com pequena elevação das concentrações de enzimas</p><p>hepatocelulares. Em geral, 80% dos casos ocorrem cinco a 12 semanas após a infecção. Os sintomas ocorrem em menos de</p><p>30% dos pacientes e geralmente são tão leves e inespecíficos, que não afetam as atividades cotidianas. A icterícia ocorre em</p><p>menos de 20% dos pacientes e a falência hepática fulminante decorrente do VHC é extremamente rara. A infecção crônica</p><p>pelo VHC se desenvolve em aproximadamente dois terços dos pacientes; o outro terço parece ter resolução espontânea</p><p>da</p><p>infecção. A maioria dos pacientes com infecção crônica pelo VHC é assintomática, sem evidência de doença hepática</p><p>ostensiva e apenas apresenta concentrações das enzimas hepatocelulares levemente elevadas. Apesar deste tranquilo curso</p><p>clínico, os pacientes com infecção por VHC têm risco de desenvolver cirrose e CHC. Algumas estimativas assinalam o risco</p><p>de cirrose em 2% a 20% em um intervalo de 20 a 30 anos. A possibilidade de desenvolver CHC a partir desse estado tem</p><p>sido estimada em 1% a 4% por ano. A evolução da lesão hepática pode ser variável e vários fatores parecem afetar sua taxa.</p><p>Os fatores associados à evolução mais rápida incluem sexo masculino, idade mais avançada no momento da infecção,</p><p>imunossupressão (p. ex., infecção pelo HIV), coinfecção pelo VHB, consumo moderado de álcool e obesidade. As</p><p>manifestações extra‑hepáticas, como linfoma e doenças autoimunes, podem ocorrer com a infecção pelo VHC e relacionar‑</p><p>se com os imunocomplexos circulantes.</p><p>A manifestação clínica da infecção por VHD está relacionada com a complexa relação entre o grau da infecção por VHB e</p><p>por VHD. A coinfecção com alta expressão de VHB e VHD resulta em taxas mais altas de hepatite aguda fulminante. A</p><p>superinfecção em portador prévio de VHB geralmente resulta em lesão hepática crônica rapidamente progressiva. Algumas</p><p>formas mais leves de infecção por VHD estão associadas à diminuição da manifestação do VHD e à supressão da infecção</p><p>pelo VHB.</p><p>A hepatite E tem um quadro histológico diferente das outras hepatites virais, e um tipo colestático de hepatite é visto em</p><p>mais de 50% dos pacientes. O VHE é introduzido oralmente, e não se sabe como atinge o fígado. O período de incubação do</p><p>VHE varia de duas a nove semanas. A apresentação mais comum da doença é a hepatite aguda ictérica; a maioria das séries</p><p>relata icterícia em mais de 90% dos pacientes. As formas assintomáticas da doença ocorrem e, provavelmente, são mais</p><p>comuns que a forma ictérica, mas a real incidência não é conhecida. Em geral, a doença é autolimitada, mas a insuficiência</p><p>hepática fulminante pode ocorrer em um pequeno percentual de pacientes. No total, é provável que a taxa de mortalidade</p><p>seja significativamente inferior a 1%. As mulheres grávidas tendem a apresentar uma evolução clínica mais grave, com</p><p>taxas de mortalidade que variam de 5% a 25%.</p><p>Prevenção</p><p>A profilaxia da infecção por VHA depende de medidas sanitárias e da administração de imunoglobulina (Ig). O</p><p>desenvolvimento de vacinas contra o VHA seguras e eficazes, no entanto, fez o uso da pré‑exposição à Ig desnecessário. A</p><p>imunoglobulina sérica ainda é a terapia mais eficaz para a profilaxia pós‑exposição e pode ser administrada com segurança</p><p>para a imunização ativa. Nos Estados Unidos, os Centers for Disease Control and Prevention (CDC) recomendaram</p><p>recentemente a vacinação universal de crianças com base na segurança e eficácia da vacina em populações de alto risco. Os</p><p>pesquisadores de saúde pública estão investigando planos de vacinação para erradicar a infecção por VHA nas populações</p><p>de alto risco em nível mundial, no entanto as análises de custo‑benefício não sustentaram esse tipo de conduta. Da mesma</p><p>forma, a profilaxia da infecção por VHE tem como foco as medidas sanitárias, em particular as estratégias direcionadas à</p><p>água que se bebe. Infelizmente, VHE Ig não foi bem‑sucedido na prevenção pré‑exposição e/ou pós‑ ‑exposição da infecção</p><p>por VHE, enquanto os anticorpos anti‑VHE parecem ser eficazes para atenuar a síndrome clínica. As vacinas para infecção</p><p>por VHE foram desenvolvidas e avaliadas em ensaios clínicos.</p><p>Avanços notáveis foram feitos na prevenção da infecção pelo VHB. No passado, a prevenção da infecção por VHB era</p><p>limitada à imunização passiva com imunoglobulina contendo altos títulos de anticorpo para HBsAg. Atualmente, a</p><p>imunização com imunoglobulina só é usada na profilaxia pós‑exposição. As vacinas que contêm HBsAg foram</p><p>desenvolvidas com um perfil de boa segurança e eficácia. Estas vacinas são utilizadas primeiramente para a profilaxia pré‑</p><p>exposição, mas também podem ser usadas em uma situação pós‑exposição, juntamente com Ig. A vacinação VHB é</p><p>recomendada para grupos de alto risco, como os profissionais da saúde. Também existem programas de vacinação do VHB</p><p>para prevenir a transmissão perinatal; atualmente, todas as crianças de 11 ou 12 anos de idade devem ser vacinadas, se isso</p><p>não foi feito anteriormente. Foram desenvolvidas vacinas alicerçadas no DNA de VHB, e a vacina combinada de VHB e</p><p>VHA foi aprovada pela U. S. Food and Drug Administration (FDA) em 2001. Embora nenhuma vacina esteja disponível</p><p>para infecção por VHD, a prevenção efetiva para infecção por VHB previne a infecção por VHD.</p><p>A única estratégia preventiva eficaz para a infecção por VHC é baseada nos princípios de saúde pública voltados para os</p><p>grandes fatores de risco de transmissão. Formalmente preparada, a imunoglobulina anti‑VHC tem sido avaliada em</p><p>inúmeros estudos e jamais comprovou evitar a hepatite não A e não B relacionadas com as transfusões. Atualmente, o</p><p>rastreamento dos doadores de sangue tornou esta questão irrelevante. Infelizmente, em decorrência de vários obstáculos,</p><p>uma vacina bem‑sucedida contra o VHC ainda não foi desenvolvida.</p><p>Tratamento</p><p>O tratamento da infecção por VHA ou VHE é de suporte e geralmente tem como objetivos a correção da desidratação e a</p><p>provisão de absorção calórica adequada. Embora a fadiga possa demandar períodos significativos de repouso, a</p><p>hospitalização geralmente não é necessária, exceto em casos de insuficiência hepática fulminante.</p><p>O tratamento da infecção por VHB é recomendado para pacientes com doença ativa crônica. As duas terapias aprovadas</p><p>são interferon‑α e o análogo da lamivudina nucleosídea. O interferon‑α é um agente imunomodulador com algumas</p><p>propriedades antivirais que pode induzir uma resposta virológica em 35% a 40% dos pacientes. O benefício em longo prazo</p><p>com a terapia com interferon‑α não está definitivamente comprovado. Muitos nucleosídeos análogos para o tratamento da</p><p>infecção por VHB têm sido desenvolvidos e é provável que atuem pela inibição da síntese de DNA. Eles têm índices de</p><p>resposta viral similares aos do interferon‑α, não são onerosos, são administrados via oral e apresentam poucos efeitos</p><p>colaterais. Por outro lado, os nucleosídeos análogos sempre demandam uma terapia de longa duração (> 1 ano) e tem sido</p><p>registrado o desenvolvimento de mutantes resistentes de VHB. Estudos randomizados mostraram que a lamivudina oral foi</p><p>eficaz na redução do risco de progressão da cirrose e do CHC. Novos agentes antivirais estão em desenvolvimento e são</p><p>passíveis de melhorar os resultados.</p><p>Nos últimos 20 anos ocorreram importantes avanços no tratamento da infecção pelo VHC. O benefício de utilização do</p><p>interferon‑α no tratamento das hepatites não A e não B foi mostrado na íntegra em 1986, antes da descoberta do VHC. Com</p><p>o atual regime de tratamento com interferon‑α, uma resposta viral completa (definida como a perda sustentada do RNA</p><p>sérico viral) ocorre em 12% a 20% dos pacientes. A adição de ribavirina ao interferon‑α resultou em índices de respostas</p><p>positivas de 35% a 45%. Nos estudos mais recentes, o tratamento PEG‑interferon‑α e ribavirina por 48 semanas resultou em</p><p>depuração viral em 55% dos pacientes. O genótipo específico parece ser preditor da resposta com alguns tipos resultando</p><p>em taxas de resposta de 80% e outros, de 45%. Recaídas podem sobrevir, mas geralmente ocorrem com a monoterapia ou na</p><p>redução do curso da terapia. Como a terapia com interferon‑α apresenta efeitos colaterais significativos, controvérsias,</p><p>como as indicações de tratamento e doses/duração ideais de tratamento, ainda estão sendo avaliadas.</p><p>Leitura sugerida</p><p>Blumgart LH. Video atlas: Liver, biliary and pancreatic surgery.</p><p>Philadelphia: Elsevier; 2011.</p><p>Uma revisão clínica abrangente da anatomia hepatobiliar. O texto é especificamente orientado em direção à cirurgia do</p><p>fígado e da árvore biliar. Abrange anatomia, fisiopatologia, imunologia, biologia molecular, genética, diagnóstico e</p><p>tratamento. Além disso, é acompanhada por um DVD com vídeos detalhados dos procedimentos laparoscópicos,</p><p>permitindo efetivamente usá‑lo como um atlas cirúrgico.</p><p>Blumgart LH. Surgery of the liver, biliary tract, and pancreas. ed 5 Philadelphia: Elsevier; 2012.</p><p>Este videoatlas inclui uma extensa biblioteca de vídeos narrados e legendados que apresentam histórico, evidência</p><p>radiológica e procedimentos cirúrgicos para cirurgias hepática e biliar. Também inclui abordagens laparoscópicas para</p><p>ressecções hepáticas.</p><p>Bruix J, Sherman M. American Association for the Study of Liver Disease Management of hepatocellular carcinoma: An</p><p>update. Hepatology. 2011;53:1020–1022.</p><p>Esta é uma atualização das diretrizes originais da AASLD no tratamento do carcinoma hepatocelular.</p><p>Fong Y, Fortner J, Sun RL, et al. Clinical score for predicting recurrence after hepatic resection for metastatic colorectal cancer:</p><p>Analysis of 1001 consecutive cases. Ann Surg. 1999;230:309–318.</p><p>No momento da publicação, esta foi a maior série de única instituição de ressecção hepática por metástase de câncer</p><p>colorretal. Um sistema de classificação dos prognósticos muito útil é apresentado e permanece extremamente</p><p>importante na avaliação atual dos pacientes.</p><p>Foster JH, Berman MM. Solid liver tumors. Philadelphia: WB Saunders; 1977.</p><p>Uma clássica e abrangente monografia que contém uma história completa da cirurgia hepática.</p><p>Herrera JL. Management of acute variceal bleeding. Clin Liver Dis. 2014;18:347–357.</p><p>Este artigo de revisão discute o tratamento do sangramento varicoso com especial ênfase no papel adequado de várias</p><p>modalidades de tratamento na era atual e em quando escalonar a terapia e avançar para o estágio seguinte.</p><p>House MG, Ito H, Gonen M. Survival after hepatic resection for metastatic colorectal cancer: Trends in outcomes for 1,600 patients</p><p>during two decades at a single institution. J Am Coll Surg. 2010;210:744–752.</p><p>Este estudo analisa os fatores associados às diferenças nos resultados em longo prazo após ressecção hepática por câncer</p><p>colorretal metastático. Apesar da piora das características clínicas e patológicas, as taxas de sobrevida após ressecção</p><p>hepática por metástase colorretal melhoraram, o que pode ser atribuído a melhorias na seleção, tratamento cirúrgico e</p><p>quimioterapia.</p><p>Jang HJ, Yu H, Kim TK. Imaging of focal liver lesions. Semin Roentgenol. 2009;44:266–282.</p><p>As modalidades de imagem são a base no diagnóstico e na diferenciação de várias lesões hepáticas focais. Esta</p><p>monografia cobre os elementos fundamentais da ultrassonografia, tomografia computadorizada e ressonância</p><p>magnética de lesões focais hepáticas.</p><p>Jarnagin WR, Gonen M, Fong Y. Improvement in perioperative outcome after hepatic resection: Analysis of 1,803 consecutive cases</p><p>over the past decade. Ann Surg. 2002;236:397–406.</p><p>Uma das maiores séries de ressecções hepáticas que mostra a notável melhora nos resultados peroperatórios.</p><p>Kelly K, Weber SM. Cystic diseases of the liver and bile ducts. J Gastrointest Surg. 2014;18:627–634: quiz 634.</p><p>Este artigo de revisão cobre o diagnóstico e o tratamento da doença hepática cística, incluindo doença hidática.</p><p>Leung U, Fong Y. Robotic liver surgery. Hepatobiliary Surg Nutr. 2014;3:288–294.</p><p>Este manuscrito revê o papel e a evolução da robótica na era atual da cirurgia hepática minimamente invasiva.</p><p>Llovet JM, Ricci S, Mazzaferro V, et al. Sorafenib in advanced hepatocellular carcinoma. N Engl J Med. 2008;359:378–390.</p><p>A primeira fase 3 do teste clínico aleatório em pacientes com carcinoma hepatocelular avançado que mostrou um</p><p>benefício da média de sobrevida melhor e o tempo de progressão radiológica para pacientes tratados com um agente</p><p>quimioterápico em comparação com pacientes que receberam placebo.</p><p>Mi�al S, El‑Serag HB. Epidemiology of hepatocellular carcinoma: Consider the population. J Clin</p><p>Gastroenterol. 2013;47(Suppl):S2–S6.</p><p>Uma revisão concisa e abrangente sobre o tema.</p><p>Ochsner A, DeBakey M, Murray S. Pyogenic abscess of the liver. Am J Surg. 1938;40:292–319.</p><p>Um estudo clássico de referência em abscessos piogênicos do fígado. Essa foi a primeira tentativa séria para estudar</p><p>abscessos hepáticos e chegou à era moderna do tratamento.</p><p>Sandhu BS, Sanyal AJ. Management of ascites in cirrhosis. Clin Liver Dis. 2005;9:715–732.</p><p>Esta é uma revisão abrangente, excelente e prática do tratamento da ascite em pacientes com cirrose.</p><p>Referências Bibliográficas</p><p>1. Tsung A, Geller DA, Sukato DC, et al. Robotic versus laparoscopic hepatectomy: A matched</p><p>comparison. Ann Surg. 2014;259:549–555.</p><p>2. Biernat J, Pawlik WW, Sendur R, et al. Role of afferent nerves and sensory peptides in the mediation</p><p>of hepatic artery buffer response. J Physiol Pharmacol. 2005;56:133–145.</p><p>3. de Franchis R. Revising consensus in portal hypertension: Report of the Baveno V consensus</p><p>workshop on methodology of diagnosis and therapy in portal hypertension. J</p><p>Hepatol. 2010;53:762–768.</p><p>4. Garcia‑Tsao G, Bosch J. Management of varices and variceal hemorrhage in cirrhosis. 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Neste caso, o vaso substituto ou acessório passa por trás da cabeça do pâncreas, posteriormente à veia porta no espaço</p><p>porto‑cava. A artéria hepática direita, em seu padrão normal de ramificação, também pode cursar anteriormente ao ducto</p><p>hepático comum. Uma artéria hepática esquerda substituta ou acessória está presente em 3,8% a 10% das vezes, originando‑</p><p>se da artéria gástrica esquerda e cursa no interior do omento menor em direção à cissura umbilical. Outras variações</p><p>importantes incluem a origem da artéria gastroduodenal, a qual já foi observada originando‑se da artéria hepática direita e,</p><p>ocasionalmente, duplicada. A anatomia da artéria cística também é variável; o conhecimento destas variações é de</p><p>particular importância na execução da colecistectomia (Fig. 53‑12). Uma artéria cística acessória pode se originar da artéria</p><p>hepática comum ou da artéria gastroduodenal, onde cursa anteriormente ao ducto biliar. A artéria cística pode se originar</p><p>em qualquer lugar da artéria hepática comum, da artéria gastroduodenal ou diretamente do tronco celíaco. Estas variantes</p><p>das artérias císticas podem cursar anteriormente ao ducto biliar e não estão necessariamente presentes no triângulo de</p><p>Calot. Todas essas variações na anatomia arterial hepática têm uma grande importância nas ressecções hepáticas ou na</p><p>execução de procedimentos de radiologia intervencionista.</p><p>FIGURA 5311 A anatomia variável da artéria hepática é demonstrada. A artéria hepática comum podese</p><p>originar da artéria mesentérica superior (AMS), e não do tronco celíaco. Uma artéria hepática substituta ou</p><p>acessória originase da AMS e corre posterior à cabeça do pâncreas, para a direita da veia porta e atrás do ducto</p><p>biliar comum, no interior do hilo. Uma artéria hepática esquerda substituta ou acessória originase da artéria</p><p>gástrica esquerda e corre pelo omento menor na fissura umbilical. (Netter FH: Netter anatomy</p><p>collection. www.netterimages.com. © Elsevier Inc. Todos os direitos reservados.)</p><p>FIGURA 5312 Variações na anatomia da artéria cística são demonstradas. A, Anatomia mais comum. B,</p><p>Artéria cística dupla – uma originada da artéria hepática própria. C, Origem da artéria hepática própria e cursando</p><p>anterior ao ducto biliar. D, Originandose da artéria hepática direita e cursando anterior ao ducto biliar. E,</p><p>Originandose da artéria hepática esquerda e cursando anterior ao ducto biliar. F, Originandose da artéria</p><p>gastroduodenal. G, Originandose do tronco celíaco. H, Originandose de uma artéria hepática direita</p><p>acessória. (De Blumgart LH, Hann LE: Surgical and radiologic anatomy of the liver and biliary tract. In Blumgart LH, Fong Y,</p><p>editors: Surgery of the liver and biliary tract, London, 2000, WB Saunders, pp 3–34.)</p><p>Veias hepáticas</p><p>As três principais veias hepáticas drenam da superfície posterossuperior do fígado diretamente para a VCI (Figs. 53‑4 a 53‑</p><p>6). A veia hepática direita cursa na cissura direita (entre os segmentos anteriores e posteriores do fígado direito) e drena a</p><p>maior parte do fígado direito tendo um curto (1 cm) trajeto extra‑hepático no lado direito da VCI. Na maioria das vezes, as</p><p>veias hepáticas esquerda e média juntam‑se na intimidade do parênquima e entram no lado esquerdo da VCI como um vaso</p><p>único, embora em alguns casos possam entrar separadamente. A veia hepática esquerda cursa na cissura esquerda, entre os</p><p>segmentos 2 e 3, e drena os segmentos 2 e 3; a veia hepática média cursa na cissura portal entre o segmento 4 e o setor</p><p>anterior do fígado direito, composto pelos segmentos 5 e 8, e drena o segmento 4 e uma parte do setor anterior do fígado</p><p>direito. A veia umbilical (veia adicional) cursa por baixo do ligamento falciforme, entre as veias esquerda e média, e</p><p>costuma afluir para a veia hepática esquerda. Um número de pequenos ramos venosos posteriores derivados do setor</p><p>posterior direito e do lobo caudado drena diretamente na VCI. Comumente encontra‑se uma veia hepática direita acessória</p><p>substancial localizada inferiormente. Muitas vezes há também uma tributária venosa a partir do lobo caudado que drena</p><p>superiormente para a veia hepática esquerda.</p><p>Sistema biliar</p><p>Os ductos biliares intra‑hepáticos constituem as porções terminais dos ramos ductais hepáticos direito e esquerdo que</p><p>invaginam da cápsula de Glisson no hilo, juntamente com a veia porta correspondente e ramos da artéria hepática,</p><p>formando a cobertura peritoneal da tríade portal, também conhecida como pedículos portais. Juntamente com este pedículo</p><p>portal intra‑hepático, os ramos ductais biliares situam‑se superiormente à veia porta, enquanto os ramos arteriais hepáticos</p><p>correm inferiormente. O ducto hepático esquerdo drena os segmentos 2, 3 e 4, que constituem o fígado esquerdo. Os ramos</p><p>ductais do fígado esquerdo juntam‑se para formar o ducto principal esquerdo na base da cissura umbilical, onde cursa em</p><p>sentido transversal, em direção à base do segmento 4, para se juntar ao ducto hepático direito no hilo. Em sua porção</p><p>transversal, o ducto hepático esquerdo drena de um a três pequenos ramos do segmento 4. O ducto hepático direito drena o</p><p>fígado direito e é formado pela união entre o ducto setorial anterior (que drena os segmentos 5 e 8) e o ducto setorial</p><p>posterior (que drena os segmentos 6 e 7). O ducto setorial posterior cursa na direção horizontal posterior, enquanto o ducto</p><p>setorial anterior cursa verticalmente. O ducto hepático direito principal bifurca‑se bem acima do ramo D da veia porta. O</p><p>ducto hepático direito, que é bem curto, encontra o ducto hepático esquerdo (mais longo), formando uma confluência</p><p>anterior ao ramo direito da veia porta e constituindo o ducto hepático comum. O lobo caudado (segmento 1) tem sua</p><p>própria drenagem biliar, que é geralmente pelos sistemas direito e esquerdo, no entanto, em até 15% dos indivíduos, a</p><p>drenagem é feita pelo sistema esquerdo e, em 5%, pelo sistema direito.</p><p>O ducto hepático comum drena inferiormente. Abaixo do ponto de emersão do ducto cístico, é referido como o ducto</p><p>biliar comum (colédoco). O ducto biliar comum geralmente mede de 10 a 15 cm de comprimento e tem, em média, até 6 mm</p><p>de diâmetro. O colédoco cursa no lado direito do ligamento hepatoduodenal (borda livre do omento menor), à direita da</p><p>artéria hepática e anterior à veia porta. O colédoco continua inferiormente por trás da primeira porção do duodeno e na</p><p>cabeça do pâncreas em direção inferior e levemente à direita. O colédoco distal intrapancreático junta‑se com o ducto</p><p>pancreático principal (Wirsung), formando ou não um canal comum, e penetra na segunda porção do duodeno pela</p><p>papila major duodenal ou ampola de Vater. Na junção coledocoduodenal, um aparelho muscular complexo, conhecido</p><p>como esfíncter de Oddi, regula o fluxo biliar e previne o refluxo do conteúdo duodenal para a árvore biliar. Este esfíncter é</p><p>composto por três partes: (1) o esfíncter coledocociano, que é um músculo circular que regula o fluxo biliar e o esvaziamento</p><p>da vesícula biliar; (2) o esfíncter pancreático, presente em graus variáveis, que circunda o ducto pancreático intraduodenal;</p><p>e (3) o esfíncter ampolar, que é constituído de um músculo longitudinal, o qual previne o refluxo duodenal.</p><p>A vesícula biliar é um reservatório de bile localizado na superfície inferior dos segmentos 4 e 5 do fígado, usualmente</p><p>fazendo uma impressão na superfície do fígado. Um folheto peritoneal cobre a maior parte da vesícula biliar, exceto a</p><p>porção aderente ao fígado. Aqui, a vesícula biliar se adere ao fígado por uma camada de tecido fibroconectivo conhecida</p><p>como placa cística, uma extensão da placa hilar (Fig. 53‑7). A vesícula biliar é variável em</p><p>tamanho, mas tem</p><p>aproximadamente 10 cm de comprimento e 3 a 5 cm de largura, sendo composta por fundo, corpo, infundíbulo e colo, que</p><p>continua como ducto cístico. Em geral o fundo projeta‑se além da borda do fígado anteriormente e a vesícula, quando</p><p>dobrada sobre si mesma, é definida como um “barrete frígio”. Continuando na direção do ducto biliar, o corpo da vesícula</p><p>biliar localiza‑se próximo da segunda porção do duodeno e do cólon transverso. O infundíbulo (ou bolsa de Hartmann)</p><p>inclina‑se para diante ao longo da borda livre do omento menor e pode recobrir o ducto cístico. A porção da vesícula biliar</p><p>entre o infundíbulo e o ducto cístico é referida como colo. O ducto cístico é variável em seu comprimento, curso e inserção</p><p>na via biliar principal. A primeira porção do ducto cístico geralmente é tortuosa e contém duplicaçõesmucosas conhecidas</p><p>como válvulas espirais (Heister) que regulam o enchimento e o esvaziamento da vesícula biliar. Em geral, o cístico se junta</p><p>ao ducto hepático para formar o ducto biliar comum.</p><p>O conhecimento das múltiplas e frequentes variações na anatomia da árvore biliar é imprescindível para a realização de</p><p>procedimentos hepatobiliares. As anomalias da confluência ductal hepática são comuns e estão presentes em</p><p>aproximadamente um terço dos pacientes. As anomalias mais comuns da confluência biliar envolvem variações na</p><p>drenagem dos ductos setoriais direitos. Geralmente este é o ducto setorial posterior. A confluência pode ser uma trifurcação</p><p>do ducto setorial anterior direito, do ducto setorial posterior direito e dos ductos hepáticos esquerdos. Cada um dos ductos</p><p>setoriais direitos pode drenar no ducto hepático esquerdo, ducto hepático comum, ducto cístico ou, raramente, na vesícula</p><p>biliar (Fig. 53‑13).</p><p>FIGURA 5313 Variações da confluência do ducto hepático. A, Anatomia mais comum. B, Trifurcação na</p><p>confluência. C, Ambos os ductos setoriais direitos drenam no ducto hepático comum. D, Ambos os ductos</p><p>setoriais direitos drenam para o ducto hepático esquerdo. E, Ausência de uma confluência do ducto hepático. F,</p><p>Ausência do ducto hepático direito e drenagem do ducto setorial posterior direito para o ducto cístico. (De Blumgart</p><p>LH, Hann LE: Surgical and radiologic anatomy of the liver and biliary tract. In Blumgart LH, Fong Y, editors: Surgery of the liver and</p><p>biliary tract, London, 2000, WB Saunders, pp 3–34.)</p><p>As anomalias da vesícula biliar são raras. A agenesia da vesícula biliar, a vesícula bilobular com um ou dois ductos,</p><p>septações e o divertículo congênito da vesícula biliar têm sido descritos. As anomalias da localização da vesícula biliar são</p><p>mais comuns e incluem uma posição intra‑hepática e, mais raramente, podem aparecer no lado esquerdo do fígado. A</p><p>vesícula biliar também pode ter um pedículo mesentérico que predisponha à torção.</p><p>A posição e a conexão do ducto cístico no sistema ductal principal são variáveis. Os ductos císticos duplos drenando uma</p><p>vesícula biliar unilocular e a drenagem nos ramos de ductos hepáticos já foram registrados. Geralmente o ducto cístico se</p><p>junta ao ducto hepático comum em um determinado ângulo, mas pode correr paralelo e conectá‑lo de maneira mais distal;</p><p>na última situação, o ducto cístico pode se fundir ao ducto hepático, ao longo do seu curso paralelo, pela conexão com o</p><p>tecido conjuntivo interposto. O ducto cístico também pode seguir um curso espiral anterior ou posteriormente e se conectar</p><p>com o lado esquerdo do ducto hepático. Finalmente, o ducto cístico pode ser muito curto, ou até mesmo estar ausente</p><p>(Fig. 53‑14).</p><p>FIGURA 5314 Variações na anatomia da vesícula biliar e do ducto cístico. A, Vesícula bilobular. B, Septações</p><p>da vesícula biliar. C, Divertículo da vesícula biliar. D, Variações na anatomia do ducto cístico. Os três tipos de</p><p>união dos ductos cístico e hepático comum estão ilustrados. (De Blumgart LH, Hann LE: Surgical and radiologic anatomy</p><p>of the liver and biliary tract. In Blumgart LH, Fong Y, editors: Surgery of the liver and biliary tract, London, 2000, WB Saunders, pp 3–</p><p>34.)</p><p>O ducto biliar infra‑hilar e supraduodenal são predominantemente supridos por dois vasos axiais que seguem nas</p><p>posições de 3 e 9 horas. Os vasos têm origem nas artérias pancreaticoduodenal superior, hepática direita, cística,</p><p>gastroduodenal e retroduodenal. Estimou‑se que apenas 2% do suprimento arterial para esta porção do ducto biliar são</p><p>segmentares e derivam diretamente da artéria hepática comum. O ducto biliar e sua bifurcação no hilo obtêm seu</p><p>suprimento arterial de uma rica rede de múltiplos pequenos ramos dos vasos circundantes. Da mesma forma, o ducto biliar</p><p>retropancreático obtém seu suprimento arterial da artéria retroduodenal, que fornece uma rica rede de múltiplos pequenos</p><p>ramos (Fig. 53‑15). A drenagem venosa do ducto biliar assemelha‑se ao suprimento arterial e drena para o sistema venoso</p><p>portal. A drenagem venosa da vesícula biliar escoa para as veias que drenam o ducto biliar e não flui diretamente para a</p><p>veia porta.</p><p>FIGURA 5315 O suprimento sanguíneo para os ductos biliar e hepático comum é ilustrado: artéria hepática</p><p>direita (a); artéria 09:00 (b); artéria retroduodenal (c); artéria hepática esquerda (d); artéria hepática própria (e);</p><p>artéria 03:00 (f); artéria hepática comum (g); artéria gastroduodenal (h). (De Blumgart LH, Hann LE: Surgical and</p><p>radiologic anatomy of the liver and biliary tract. In Blumgart LH, Fong Y, editors:Surgery of the liver and biliary tract, London, 2000,</p><p>WB Saunders, pp 3–34.)</p><p>Nervos</p><p>A inervação do fígado e do trato biliar é de via fibras simpáticas originárias de T7 até T10, bem como fibras parassimpáticas</p><p>de ambos os nervos vagos. As fibras simpáticas passam através dos gânglios celíacos, liberando as fibras pós‑ganglionares</p><p>para o fígado e os ductos biliares. O gânglio celíaco do lado direito e o nervo vago direito formam um plexo de nervos</p><p>hepáticos anteriores que acompanham a artéria hepática. O gânglio celíaco do lado esquerdo e o nervo vago esquerdo</p><p>formam um plexo hepático posterior que cursa posteriormente ao ducto biliar e a veia porta. As artérias hepáticas são</p><p>supridas pelas fibras simpáticas, enquanto a vesícula biliar e os ductos biliares extra‑hepáticos recebem a inervação das</p><p>fibras simpáticas e parassimpáticas. A importância clínica destes nervos ainda não é bem compreendida. A distensão aguda</p><p>do fígado e, consequentemente, da cápsula de Glisson podem resultar em dor no quadrante superior direito, que pode ser</p><p>referida no ombro direito consequente à irritação do nervo frênico diafragmático.</p><p>Linfáticos</p><p>Grande parte da drenagem do fígado é feita para os linfonodos do ligamento hepatoduodenal. A partir deste ponto, a</p><p>drenagem linfática se faz ao longo da artéria hepática para os linfonodos celíacos e daí para a cisterna linfática (cisterna de</p><p>Piquet). A drenagem linfática também pode seguir as veias hepáticas para os linfonodos da área supra‑hepática e para a</p><p>região do hiato diafragmático. Em geral, a drenagem linfática da vesícula biliar e da maior parte do trato biliar extra‑</p><p>hepático é feita para os linfonodos do ligamento hepatoduodenal. Essa drenagem pode seguir ao longo da artéria hepática</p><p>para os linfonodos do tronco celíaco, mas também pode fluir para os linfonodos atrás da cabeça do pâncreas ou para o do</p><p>sulco aortocaval.</p><p>Anatomia Microscópica</p><p>Unidade funcional do fígado</p><p>A organização do parênquima hepático nas unidades funcionais microscópicas tem sido descrita de várias maneiras e é</p><p>conhecida como ácino ou lóbulo (Fig. 53‑16), conforme conceituado por Rappaport e, mais recentemente, modificada por</p><p>Matsumoto e Kawakami. Um lóbulo consta de uma vênula hepática central terminal envolta por quatro a seis tríades</p><p>portais terminais, formando uma unidade poligonal que é revestida, na sua periferia,</p><p>por ramos da tríade portal terminal.</p><p>Entre as tríades portais terminais e a vênula hepática central, os hepatócitos são dispostos em placas, na espessura de uma</p><p>célula, envolta em cada um dos lados pelo endotélio e sinusoides repletos de sangue. O sangue flui pela tríade portal</p><p>terminal por meio dos sinusoides para a vênula hepática terminal. A bile é formada nos hepatócitos e flui para os</p><p>canalículos terminais, que se formam nas paredes laterais do hepatócito intercelular. Estas finalmente coalescem em ductos</p><p>biliares e fluem na direção das tríades portais. Esta unidade hepática funcional constitui a base estrutural para as muitas</p><p>funções secretoras e metabólicas do fígado.</p><p>FIGURA 5316 Ilustração esquemática de um lóbulo hepático visto como uma unidade poliédrica</p><p>tridimensional. As tríades portais terminais (artéria hepática, veia porta e ducto biliar) estão em cada canto e dão</p><p>origem aos ramos ao longo das laterais do lóbulo. Os hepatócitos são em lâminas de célula única com</p><p>sinusoides em cada extremidade alinhados radialmente em direção a uma vênula hepática central. (De Netter FH:</p><p>Netter anatomy collection. www.netterimages.com. © Elsevier Inc. Todos os direitos reservados.)</p><p>Entre a tríade portal terminal e a vênula hepática central existem três zonas que diferem na sua composição enzimática,</p><p>bem como na exposição ao sangue oxigenado e nutrientes. Há questionamentos sobre a forma dessas zonas e seu</p><p>relacionamento com a unidade básica lobular, mas, em geral, as zonas 1 a 3 se afastam da tríade portal terminal em direção</p><p>à vênula hepática central. A zona 1 (periportal) é um ambiente rico em nutrientes e oxigênio; as zonas 2 (intermediária) e 3</p><p>(perivenular) são expostas a ambientes mais pobres em oxigênio e nutrientes. As células das demais zonas diferem</p><p>enzimaticamente e respondem de forma diferente à hipóxia e à exposição a toxinas. Esta disposição anatômica também</p><p>explica o fenômeno da necrose centrolobular decorrente da hipotensão, com a zona 3 sendo a mais suscetível à diminuição</p><p>da oferta de oxigênio.</p><p>Microcirculação hepática</p><p>O sistema portal com seus ramos venosos e arteriais terminais supre diretamente os sinusoides hepáticos com sangue. Os</p><p>ramos portais fornecem um fluxo constante, porém mínimo, dentro deste sistema de baixo volume; os ramos arteriais</p><p>suprem os sinusoides com aporte ativo, mas de baixo volume, que aumenta o fluxo nos sinusoides. Os ramos arteriais</p><p>hepáticos terminam em um plexo em torno dos dúctulos biliares terminais e fornecem nutrientes. Os fluxos da veia porta e</p><p>arterial variam inversamente nos sinusoides e podem ser compensatórios. O controle local do fluxo sanguíneo para os</p><p>sinusoides provavelmente depende da contração dos esfíncteres arteriolares e do conteúdo das células radiadas ou</p><p>miofibroblastos portais. O sangue dos sinusoides flui diretamente para as vênulas hepáticas terminais no centro de um</p><p>lóbulo funcional. Esse processo resulta em um fluxo unidirecional de sangue para o fígado a partir das zonas 1 a 3.</p><p>Os sinusoides do lóbulo hepático alinhados pelo endotélio compõem a unidade funcional do fígado, onde o fluxo</p><p>aferente do sangue transita pelo parênquima funcional hepático antes de drenar para as vênulas hepáticas (Fig. 53‑17).Os</p><p>sinusoides hepáticos têm 7 a 15 μm de largura, mas podem aumentar de tamanho até 10 vezes, o que produz baixas</p><p>resistência e pressão (geralmente 2 a 3 mmHg) sistêmica. As células endoteliais sinusoidais representam 15% a 20% do total</p><p>da massa celular hepática.</p><p>FIGURA 5317 Um hepatócito e seus domínios sinusoidais e laterais. RE, retículo endoplasmático.(De Ross MH,</p><p>Reith EJ, Romrell LJ. The liver. In Ross RH, Reith EJ, Romrell LJ: Histology: A text and atlas, Baltimore, 1989, Williams & Wilkins,</p><p>pp 471–478.)</p><p>As células endoteliais sinusoidais são separadas dos hepatócitos pelo espaço de Disse (espaço perissinusoidal). Este é um</p><p>compartimento de fluido extravascular dentro do qual os hepatócitos projetam microvilosidades, o que permite que</p><p>proteínas e outros componentes dos plasmáticos sinusoides sejam captados pelos hepatócitos. Dentro desse espaço, as</p><p>células endoteliais são especializadas, visto que carecem de junções intercelulares e de uma membrana basal, mas contêm</p><p>múltiplas fenestrações. Essa disposição possibilita o máximo contato das membranas dos hepatócitos com este</p><p>compartimento de fluido extravascular e sangue no espaço sinusoidal. Assim, este sistema permite um movimento livre</p><p>bidirecional de solutos (substâncias de pesos moleculares alto e baixo) para o interior e para fora dos hepatócitos,</p><p>promovendo um enorme potencial de filtração. Por outro lado, as fenestrações das células endoteliais restringem o</p><p>movimento de moléculas entre os sinusoides e os hepatócitos e variam em resposta aos mediadores exógenos e endógenos.</p><p>Outros tipos de células são encontrados junto à ordenação sinusoidal. As células de Kupffer, oriundas do sistema</p><p>macrófago‑monocítico, são irregulares, em formato de estrela, e também margeiam os sinusoides, insinuando‑se entre as</p><p>células endoteliais. As células de Kupffer são fagocíticas, podem migrar dos sinusoides para áreas lesadas e desempenham</p><p>um importante papel no aprisionamento de substâncias estranhas, além de participarem do início de uma reação</p><p>inflamatória. Importantes antígenos classe II do complexo de histocompatibilidade são mensageiros das células de Kupffer,</p><p>mas não têm uma apresentação antigênica eficiente, como fazem os macrófagos em outras partes do corpo. Existem outras</p><p>células linfoides no parênquima hepático, como as natural killer (NK), as NK T, CD4 T e T CD8. Elas suprem o fígado com</p><p>um sistema imunológico inato. As células hepáticas estreladas, previamente conhecidas como células de Ito, ricas em</p><p>conteúdo retinoide (responsável pela sua identificação fenotípica) e encontradas no espaço de Disse, têm processos</p><p>dendríticos que se comunicam com as microvilosidades dos hepatócitos e também se envolvem nas células endoteliais. As</p><p>principais funções dessas células estreladas incluem o armazenamento de vitamina A e a síntese de colágeno extracelular e</p><p>outras proteínas da matriz extracelular. Nas lesões hepáticas agudas e crônicas, as células estreladas hepáticas são ativadas</p><p>para um estado miofibroblástico associado a alterações morfológicas, contratilidade celular, diminuição da vitamina</p><p>intracelular e produção de matriz extracelular. Finalmente, as células estreladas desempenham um papel central no</p><p>desenvolvimento e na progressão da fibrose hepática para a cirrose e são o alvo para o desenvolvimento de tratamentos</p><p>antifibróticos.</p><p>Hepatócitos</p><p>O hepatócito, célula poliédrica multifuncional complexa e cujo núcleo central é esférico, é responsável por até 60% da massa</p><p>celular e 80% da massa citoplasmática do fígado (Fig. 53‑17). Como observado, os hepatócitos estão dispostos em um grupo</p><p>de camadas celulares únicas revestidas em cada lado por sinusoides repletos de sangue. Cada hepatócito tem contato com</p><p>hepatócitos adjacentes, com o espaço biliar (canalículo biliar) e com o espaço perissinusoidal, tornando possível que essas</p><p>células realizem sua ampla gama de funções. Entre as muitas funções essenciais dos hepatócitos estão as seguintes:</p><p>captação, armazenamento e liberação de nutrientes; síntese de glicose, ácidos graxos, lipídios e numerosas proteínas</p><p>plasmáticas (incluindo proteína C reativa e albumina); produção e secreção da bile para a digestão de gorduras dietéticas; e</p><p>degradação e inativação de toxinas.</p><p>Para realizar estas funções, a membrana plasmática do hepatócito é organizada de maneira específica em três domínios</p><p>específicos. A membrana sinusoidal é exposta</p><p>ao espaço de Disse e tem múltiplas microvilosidades que fornecem uma</p><p>superfície especializada no transporte ativo de substâncias entre o sangue e o hepatócito. O domínio lateral existe entre os</p><p>hepatócitos vizinhos e contém as gap junctions (junções fendidas) que sustentam a comunicação intercelular. A membrana</p><p>canalicular, que é um tubo contendo microvilosidades, é formada por dois hepatócitos lado a lado. Esses canículos biliares</p><p>são obliterados por zônulas ocludentes (junções íntimas) que impedem o escapamento da bile. O canalículo biliar forma um</p><p>anel em torno do hepatócito e drena para pequenos ductos biliares, conhecidos como canais de Hering, que, por último,</p><p>deságuam em um ducto biliar na tríade portal. A membrana canalicular contém sistemas de transporte ativo que dependem</p><p>do trifosfato de adenosina (ATP) e possibilitam aos solutos serem secretados na membrana canalicular mesmo contra</p><p>elevados gradientes de concentração.</p><p>O hepatócito é uma das células mais diversificadas e metabolicamente ativas no corpo, como se verifica pela sua</p><p>abundância de organelas. Existem 1.000 mitocôndrias/hepatócito, que ocupam cerca de 20% do volume celular. As</p><p>mitocôndrias geram energia (ATP) por meio da fosforilação oxidativa e as produzem para as necessidades metabólicas do</p><p>hepatócito. As mitocôndrias do hepatócito também são essenciais para a oxidação do ácido graxo. O anticorpo monoclonal</p><p>HepPar1 (hepatócito parafina‑1) identifica um antígeno único na mitocôndria hepatócita e é amplamente utilizado para</p><p>identificar hepatócitos ou neoplasias hepatocelulares em exame imuno‑histoquímico.</p><p>Um vasto e complexo sistema de membranas interconectadas compostas de retículo endoplasmático liso e rugoso e o</p><p>aparelho de Golgi compreendem o que é conhecido como a fração microssômica do hepatócito. Estes complexos têm uma</p><p>variada gama de funções, incluindo: secreção e síntese de proteínas estruturais; metabolismo de lipídios e glicose; produção</p><p>e metabolismo do colesterol; glicosilação das proteínas secretoras; formação e secreção de bile; e metabolismo de drogas.</p><p>Finalmente, os hepatócitos também contêm lisossomos, que são vesículas de membrana intracelulares únicas que contêm</p><p>inúmeras enzimas. Essas vesículas armazenam e degradam substâncias exógenas e endógenas. Uma coordenação dessas</p><p>numerosas organelas no hepatócito possibilita que estas células realizem uma gama variada de funções.</p><p>Funções</p><p>A disposição anatômica singular do fígado produz um aspecto angular sobre qual das funções múltiplas centrais e críticas</p><p>deste órgão pode ser executada. O fígado é o centro da homeostase metabólica. Ele serve como sítio regulador para o</p><p>metabolismo da energia, coordenando a captação, o processamento e a distribuição de nutrientes e seus produtos</p><p>energéticos. O fígado também sintetiza um grande número de proteínas, enzimas e vitaminas que participam de uma gama</p><p>extremamente ampla de funções orgânicas. Por último, ele desintoxica e elimina muitas substâncias exógenas e endógenas,</p><p>agindo como um grande filtro do corpo humano. As seções a seguir resumirão esta ampla gama de funções.</p><p>Energia</p><p>O fígado, principal intermediário entre as fontes dietéticas de energia e os tecidos extra‑hepáticos que requerem esta</p><p>energia, recebe os subprodutos dietéticos por intermédio da circulação portal e os classifica, metaboliza e distribui para a</p><p>circulação sistêmica. Também desempenha um papel importante na regulação das fontes sistêmicas de energia, como ácidos</p><p>graxos e glicerol dos tecidos adiposos, lactato, piruvato e certos aminoácidos do músculo esquelético. As duas maiores</p><p>fontes de energia que o fígado libera na circulação extra‑hepática são a glicose e o acetoacetato. A glicose origina‑se da</p><p>glicogenólise do glicogênio armazenado e da gliconeogênese de lactato, piruvato, glicerol, propionato e alanina. O</p><p>acetoacetato origina‑se da β‑oxidação dos ácidos graxos. Além disso, os lipídios acumulados, como os triacilgliceróis e os</p><p>fosfolipídios, são sintetizados e armazenados como lipoproteínas pelo fígado, as quais podem circular sistemicamente para</p><p>captação pelos tecidos periféricos. Estas funções complexas e essenciais são reguladas por hormônios, estado nutricional</p><p>geral do organismo e necessidades dos tecidos que obrigatoriamente precisam de glicose.</p><p>Heterogeneidade Funcional</p><p>Para aumentar a complexidade metabólica do fígado, os hepatócitos variam em sua função, dependendo de sua localização</p><p>dentro do lóbulo funcional. Esta heterogeneidade funcional dos hepatócitos está anatomicamente relacionada com a sua</p><p>localização dentro das três zonas do lóbulo e especialmente relacionada com a distância a partir da tríade portal. Por</p><p>exemplo, as células localizadas na zona periportal (zona 1) são expostas a uma alta concentração de substratos. Assim, a</p><p>captação de oxigênio dos solutos é maior aqui. Uma função importante dos hepatócitos é a sua habilidade de alterar sua</p><p>funcionalidade metabólica e serem recrutados para realizar funções específicas sob várias condições fisiológicas,</p><p>independentemente da localização anatômica. Os sinusoides na zona periportal são mais afilados e mais tortuosos,</p><p>facilitando a maior captação de substrato pelo hepatócito nesta área. Em contrapartida, os sinusoides da zona 3</p><p>(perivenosos) têm fenestrações mais amplas, permitindo a captação de moléculas maiores. Os sinusoides também variam de</p><p>acordo com a forma e a função.</p><p>A estrutura enzimática, as membranas das proteínas plasmáticas e a ultraestrutura também são heterogêneas entre a</p><p>população hepatocítica. Esta inconstância da proteína celular também ocorre com base na localização do hepatócito</p><p>intralobular. A captação e a liberação de glicose, a formação da bile e a síntese de albumina e fibrinogênio acontecem na</p><p>zona periportal, enquanto o catabolismo da glicose, o metabolismo xenobiótico e a síntese de α1‑antitripsina e α‑</p><p>fetoproteína (AFP) ocorrem na zona perivenosa. Outro exemplo da heterogeneidade enzimática segundo as zonas lobulares</p><p>é a localização das enzimas cíclicas da ureia na zona 3 adjacente à veia hepática terminal. A heterogeneidade funcional do</p><p>hepatócito e sua relação anatômica com a unidade lobular são responsáveis pelos padrões de danos decorrentes das lesões</p><p>metabólicas ou fisiológicas no fígado.</p><p>Fluxo Sanguíneo</p><p>Há um duplo suprimento sanguíneo para o fígado proveniente da veia porta e da artéria hepática. A veia porta fornece</p><p>cerca de 75% do aporte sanguíneo para o fígado, que é pobre em oxigênio, porém rico em nutrientes. A artéria hepática</p><p>fornece os outros 25% do aporte sanguíneo, que é rico em oxigênio e representa o fluxo sanguíneo arterial sistêmico. O</p><p>grande volume de fluxo da veia porta é responsável por 50% a 70% da oxigenação do fígado. No geral, o fluxo sanguíneo</p><p>hepático representa cerca de 25% do débito cardíaco, demonstrando o seu papel fundamental no metabolismo de todo o</p><p>corpo. O fluxo sanguíneo hepático diminui durante o exercício e aumenta após a ingestão de alimentos. Os carboidratos</p><p>têm efeito mais profundo sobre o fluxo sanguíneo hepático. A pressão arterial hepática representa pressão arterial sistêmica.</p><p>A pressão portal é geralmente de 6 a 10 mmHg e a sinusoidal, de 2 a 4 mmHg.</p><p>O fluxo sanguíneo hepático é regulado por vários fatores. As diferenças nas pressões dos vasos aferente e eferente, bem</p><p>como dos esfíncteres musculares localizados na entrada e na saída dos sinusoides, desempenham um importante papel. O</p><p>tônus muscular do esfíncter é regulado pelo sistema nervoso autônomo, por hormônios circulantes, sais biliares e</p><p>metabólitos. Os fatores endógenos específicos conhecidos por alterar o fluxo sanguíneo hepático incluem glucagon,</p><p>histamina, bradicinina, prostaglandinas, óxido nítrico</p><p>e muitos hormônios do tubo digestório, como gastrina, secretina e</p><p>colecistocinina. Os sinusoides também são reguladores primários do fluxo sanguíneo hepático mediante a contração e a</p><p>expansão das suas células endoteliais, células de Kupffer e células estreladas hepáticas.</p><p>Foi assinalada uma relação unilateral recíproca entre a artéria hepática e o fluxo da veia porta. O aumento do fluxo</p><p>arterial hepático promove diminuição no fluxo da veia porta, mas o oposto não ocorre. A compensação arterial hepática,</p><p>entretanto, não oferece uma compensação completa para apoiar o parênquima hepático na oclusão total da veia porta, que é</p><p>provavelmente a causa da atrofia ipsilateral neste caso. A evidência experimental sugere que o acúmulo de adenosina no</p><p>fígado desempenha um papel importante nesta resposta compensatória arterial hepática.</p><p>Formação de Bile</p><p>A produção e a secreção de bile são as principais funções do fígado. A bile tem um duplo papel: descartar substâncias</p><p>secretadas na bile e fornecer os sais biliares entéricos para ajudar na emulsão das gorduras. A bile é uma substância que</p><p>contém solutos orgânicos e inorgânicos produzidos por um processo ativo de secreção e concentração subsequente desses</p><p>solutos. A concentração dos solutos inorgânicos na bile na via biliar principal assemelha‑se ao plasma (Tabela 53‑1). No caso</p><p>da perda de bile (p. ex., por uma fístula biliar externa), elevadas concentrações de proteína e eletrólitos devem ser repostas.</p><p>A osmolaridade da bile é de aproximadamente 300 mOsmol/kg devido aos solutos inorgânicos. Os principais solutos</p><p>orgânicos da bile são ácidos biliares, pigmentos biliares, colesterol e fosfolipídios.</p><p>Tabela 531</p><p>Concentrações de Soluto da Bile Hepática</p><p>SOLUTO CONCENTRAÇÃO</p><p>Na+ 132‑165 mEq/L</p><p>K+ 4,2‑5,6 mEq/L</p><p>CA2+ 1,2‑4,8 mEq/L</p><p>Mg2+ 1,4‑3 mEq/L</p><p>CL− 96‑126 mEq/L</p><p>17‑55 mEq/L</p><p>Ácidos biliares 3‑45 mM</p><p>Fosfolipídios 25‑810 mg/dL</p><p>Colesterol 60‑320 mg/dL</p><p>Proteína 300‑3.000 mg/L</p><p>Em geral, os componentes da bile são absorvidos da corrente sanguínea pelos sinusoides para dentro do hepatócito, pela</p><p>membrana sinusoidal. A bile é secretada pelos hepatócitos dentro de canalículos pelas microvilosidades especiais contidas</p><p>nas membranas laterais dos hepatócitos que formam estes canalículos. As estreitas junções ao longo das membranas</p><p>canaliculares impedem o escape de bile no estado normal. Isso também fornece uma via para secreção paracelular de</p><p>solutos e água na bile. Por último, os canalículos coalescem em ductos maiores contendo epitélio biliar, que, depois, formam</p><p>as árvores biliares intra‑hepática e extra‑hepática; portanto o fígado serve, em parte, como uma estrutura epitelial que</p><p>movimenta os solutos do sangue para a bile e propicia a via de excreção da bile para os intestinos.</p><p>Aproximadamente 1.500 mL de bile são secretados diariamente e grande parte (≈ 80%) é secretada pelos hepatócitos para</p><p>os canalículos. Tal fluxo de bile canalicular é o resultado do fluxo de água em resposta ao transporte ativo de solutos. Os</p><p>ácidos biliares são transportados do sangue sinusoidal para o hepatócito por transporte ativo que requer ATP. O transporte</p><p>intracelular para a membrana canalicular ocorre por meio das proteínas biliares acopladas aos ácidos, transportadas por um</p><p>sistema vesicular derivado do complexo de Golgi. Os ácidos biliares são, então, ativamente bombeados para dentro dos</p><p>canalículos por meio de um sistema de transporte ativo que requer ATP. Sabe‑se que o fluxo biliar tem uma associação</p><p>linear com a secreção de ácido biliar, conhecida como fluxo biliar acidodependente. Como os ácidos biliares formam micelas</p><p>na bile e não são provedores de potencial osmótico, é provável que o fluxo relacionado com a secreção de ácido biliar seja</p><p>secundário aos íons que acompanham os ácidos biliares (contraíons). O fluxo biliar pode também ocorrer na ausência da</p><p>secreção do ácido biliar e é conhecido como fluxo biliar acidoindependente. A evidência experimental sugere que o fluxo</p><p>biliar acidoindependente é, pelo menos em parte, resultado da secreção biliar de glutationa.</p><p>Uma vez que a bile tenha passado do canalículo para os dúctulos biliares e, depois, aos ductos biliares principais, ela</p><p>sofre nova reabsorção e secreção. As células epiteliais do revestimento biliar reabsorvem e secretam, ativamente, água e</p><p>eletrólitos. A secreção costuma processar‑se por meio de um canal de cloreto, que é ativado pela secretina (o seu ativador</p><p>mais poderoso) e sua subsequente ativação pela produção de monofosfato de adenosina cíclico (ATPc). Geralmente existe</p><p>uma secreção líquida, de água e eletrólitos, sendo responsável por outros 20% da secreção biliar. Finalmente, a bile se torna</p><p>altamente enriquecida em íons de bicarbonato. Muitas substâncias orgânicas, como a glutationa, são degradadas na árvore</p><p>biliar. Muitos fármacos podem ser secretadas dentro da árvore biliar de uma forma altamente concentrada (p. ex.,</p><p>ceftriaxona). A vesícula biliar atua como um reservatório da árvore biliar, cuja função é armazenar a bile no estado de jejum.</p><p>A vesícula biliar reabsorve água, concentra a bile armazenada e secreta mucina. A contração da vesícula biliar é mediada</p><p>hormonalmente (amplamente por intermédio da colecistocinina) em resposta a uma refeição, com o simultâneo</p><p>relaxamento do esfíncter de Oddi e a liberação da bile no duodeno.</p><p>Circulação Ênterohepática</p><p>Os sais biliares são produzidos inicialmente no fígado e secretados para serem usados na árvore biliar e no intestino. Os sais</p><p>biliares primários, ácidos cólicos e ácidos quenodesoxicólicos são produzidos no fígado a partir do colesterol e depois</p><p>conjugados com glicina ou taurina dentro do hepatócito. Uma vez lançados no intestino, os ácidos biliares primários são</p><p>modificados pelas bactérias intestinais, formando os ácidos biliares secundários desoxicólico e litocólico. Os ácidos biliares</p><p>são reabsorvidos passivamente no jejuno e ativamente no íleo, voltando, assim, para o sistema portal venoso, e até 90% dos</p><p>ácidos biliares são extraídos pelos hepatócitos. Apenas uma pequena fração passa para a circulação sistêmica devido à</p><p>eficiente extração hepática, responsável pelos baixos níveis de ácidos biliares plasmáticos. Após a extração hepática, os</p><p>ácidos biliares são recirculados no canalículo e de volta para a árvore biliar, completando o circuito. Uma pequena parte dos</p><p>ácidos biliares intestinais não é absorvida pelo sistema portal e é excretada nas fezes. Assim, a secreção ativa dos sais</p><p>biliares pelo hepatócito para a bile e dos enterócitos ileais para a veia porta é o motor da circulação entero‑hepática.</p><p>A circulação êntero‑hepática é mais do que um único mecanismo para reutilizar fisiologicamente os ácidos biliares</p><p>valiosos. Esta circulação da bile constitui o principal mecanismo para eliminar o excesso de colesterol, pois o colesterol é</p><p>consumido durante a produção de sais biliares e excretado nas fezes por micelas, formadas pelos solutos biliares orgânicos.</p><p>Sais biliares também desempenham um papel essencial na absorção de gorduras dietéticas, vitaminas lipossolúveis (p. ex.,</p><p>vitaminas A, D, E e K) e fármacos lipofílicos. O movimento da água dos hepatócitos para a bile e a absorção da água pelo</p><p>intestino delgado também são regulados pelos sais biliares. A circulação entero‑hepática, portanto, é fundamental para as</p><p>inúmeras solubilizações, transporte e funções regulatórias.</p><p>Metabolismo da Bilirrubina</p><p>A bilirrubina é o resultado da degradação da heme. Uma fase inicial da degradação da heme, responsável por 20% da</p><p>bilirrubina, ocorre a partir das hemoproteínas (enzimas contendo heme) e em torno de três dias após a sua marcação com</p><p>heme radioativa. Uma fase tardia da degradação da heme, responsável por 80% da bilirrubina, é de eritrócitos senescentes,</p><p>o que ocorre em aproximadamente</p>