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<p>CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO</p><p>SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ</p><p>A474b</p><p>Alves, Mariana Janaina dos Santos.</p><p>Batuqueopiques: tradução cultural e negritude nos poemas de Léopold Sédar Senghor e</p><p>Bruno de Menezes - 1. ed. - Rio de Janeiro: Autogra�a, 2022.</p><p>ISBN: 978-85-518-3774-0 [recurso eletrônico]</p><p>1. Teoria literária. 2. Senghor, Léopold Sédar, 1906-2001. 3.Menezes, Bruno de, 1893-</p><p>1963. I. Título.</p><p>CDD B869.09</p><p>Maurício Amormino Júnior - Bibliotecário - CRB-6/2422</p><p>© Batuqueopiques: tradução cultural e negritude nos poemas de Léopold Sédar Senghor e Bruno de Menezes</p><p>A����, Mariana Janaina dos Santos</p><p>ISBN: ���-��-���-����-�</p><p>1ª edição, janeiro de 2022.</p><p>Editora Autogra�a Edição e Comunicação Ltda.</p><p>Rua Mayrink Veiga, 6 – 10° andar, Centro</p><p>Ro de Janeiro, RJ – CEP: 20090-050</p><p>www.autogra�a.com.br</p><p>Todos os direitos reservados.</p><p>Distribuição gratuita.</p><p>SUMÁRIO</p><p>AGRADECIMENTOS</p><p>INTRODUÇÃO</p><p>1. NAS SENDAS DOS CONCEITOS</p><p>2. TRADUCTIO.ONIS</p><p>3. MENEZES EM NEGRITUDE</p><p>4. CONSIDERAÇÕES FINAIS</p><p>REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS</p><p>APÊNDICE A</p><p>Ao meus pais,</p><p>Elna Maria dos Santos Alves</p><p>e</p><p>Carlos Alberto Almeida Alves (in memoriam);</p><p>Meu querido irmão,</p><p>Carlos Alberto Almeida Alves Segundo (in memoriam).</p><p>A</p><p>AGRADECIMENTOS</p><p>gradeço, primeiramente, ao Programa DINTER conveniado entre a</p><p>Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP-</p><p>FCL-Ar) e a Universidade Federal do Amapá (UNIFAP). Esse</p><p>programa permitiu, oportunamente, que eu pudesse conciliar a escrita</p><p>desta tese ao trabalho de ensino e pesquisa, bem como, a participação nas</p><p>disciplinas que foram ofertadas em Macapá/AP. Nos dois primeiros anos</p><p>de pesquisa, eu ainda trabalhava na fronteira franco-brasileira, localizada</p><p>à seiscentos quilômetros da capital, no município de Oiapoque. Devido à</p><p>distância para o deslocamento, a di�culdade de acesso à internet e a falta</p><p>de outros recursos, a oferta de disciplinas, em Macapá, foi fundamental</p><p>para que eu pudesse cumprir os créditos.</p><p>À CAPES pois o presente trabalho foi realizado com apoio da</p><p>Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil</p><p>(CAPES) - Código de Financiamento 001.</p><p>À Pró-reitoria de Pesquisa e Pós-graduação da UNIFAP, especialmente</p><p>ao que concerne ao �nanciamento obtido para a publicação dos</p><p>resultados da pesquisa no Edital n 01/2021 - PROPESPG/UNIFAP no</p><p>qual fui bene�ciada na Chamada Interna do Programa de Auxílio ao</p><p>Pesquisador (PAPESQ/UNIFAP) em 2021.</p><p>À minha orientadora Dr.ª Andressa Cristina de Oliveira, na UNESP.</p><p>Nesse percurso, agradeço, especialmente, à coordenadora do programa</p><p>na UNIFAP, a Dr.ª Natali Fabiana Costa e Silva, parceira e amiga em</p><p>todos os momentos desta escrita.</p><p>À professora Dr.ª Audrey Debibakas, da Université de Guyane, grande</p><p>amiga, parceira na escrita de artigos, na organização e participação de</p><p>eventos no Brasil e no exterior, a qual, deveria assinar a cotutela desta</p><p>tese, mas, devido a pandemia de COVID – 19, não foi possível. Aos</p><p>membros da banca de defesa, José Guilherme Fernandes, parceiro nas</p><p>pesquisas sobre o Platô das Guianas e os professores Paulo César</p><p>Andrade da Silva, Antônio Donizeti Pires e Paulo Nunes que aceitaram</p><p>ler esta pesquisa em meio à pandemia e uma série de outros</p><p>compromissos.</p><p>Aos meus familiares e amigos que direta ou indiretamente me</p><p>ajudaram.</p><p>“Sem nunca esqueceres a selva do Congo”.</p><p>Bruno de Menezes (1964, p. 43)</p><p>“Oho! Congo oho! Pour rythmer ton nom grand sur les eaux sur les �euves sur toute mémoire”.</p><p>Léopold Sédar Senghor (1990, p.105)</p><p>“Nit moo di garab w nit”/ “O Homem é o remédio do homem”</p><p>Provérbio wolof</p><p>E</p><p>INTRODUÇÃO</p><p>m Batuqueopiques: Tradução cultural e Negritude nos poemas de</p><p>Léopold Sédar Senghor e Bruno de Menezes consideramos os textos</p><p>poéticos resultantes do processo cultural da época. Por isso,</p><p>investigaremos se a Négritude de acordo com a de�nição que designa “[...]</p><p>o movimento literário de autores africanos e da diáspora africana de</p><p>língua francesa, entre 1930 e 1960 [...]” (RIESZ, 2001, p. 149) ocorreu no</p><p>mesmo período, na Amazônia brasileira ou se foi posterior. Nesse</p><p>sentido, as obras escolhidas para pesquisa foram duas: Batuque (1931)1 de</p><p>Bruno de Menezes, referência do modernismo na Amazônia; e</p><p>Éthiopiques2 (1956) de Léopold Sédar Senghor, escritor senegalês,</p><p>integrante da expressão francófona literária. Intencionamos, assim,</p><p>comparar aspectos da Négritude/ Negritude em ambas. E, por</p><p>considerarmos Éthiopiques, obra fundamental da Francofonia literária,</p><p>propomos, também, a tradução para o português brasileiro. As obras</p><p>serão estudadas, a partir da sua constituição poética, bem como seus</p><p>desdobramentos, sob a perspectiva dos Estudos literários.</p><p>Apresentados os autores, consideramos o seguinte percurso sobre os</p><p>pressupostos teóricos: na Poética; Mercier (1967), Staiger (1997), Bosi</p><p>(2010) e Zumthor (2010), sobre a Tradução; Plaza (1987), Benjamin</p><p>(2008) e Britto (2012) e os estudos sobre Négritude de Kesteloot (2004,</p><p>2006, 2008), Ngandu (1992) e Gnaléga (2013). É feita uma discussão</p><p>sobre a Francofonia literária, considerando os textos de: Alonso (2004),</p><p>Combe (2010) e Moura (2013); também o modernismo em Mudimbe-</p><p>Boyi (1996) e Nouss (1991). Quanto ao método, consideramos que a</p><p>Literatura comparada servirá para as re�exões, por isso, lemos as</p><p>anotações feitas por Denis (2000).</p><p>Sobre Léopold Sédar Senghor, �zemos também, um levantamento a</p><p>partir dos pesquisadores que já publicaram sobre o autor. Consideramos</p><p>as re�exões feitas por: Benoist (1998), Biondi (1993) e Brunel (2007).</p><p>Além disso, também buscamos informações sobre as traduções da obra</p><p>do senegalês, que já foram feitas, em outros países. Objetivamos assim,</p><p>buscar informações genéricas para organizar o apêndice desta tese, as</p><p>referências sobre os principais tradutores, idiomas e os países, os quais o</p><p>poeta foi traduzido.</p><p>Sobre Bruno de Menezes, encontramos dissertações e teses publicadas</p><p>no Brasil. Dentre elas, destacamos alguns estudos precursores sobre</p><p>literatura na Amazônia: Silva (1984), Bogéa (1992), Rocha (1994) e Assis</p><p>(2006). Outros, especi�camente sobre o autor, tais como: Santos (2007),</p><p>Aquino (2009, 2014), Leal (2012), Pereira (2013) e Ferreira (2016). Ao</p><p>investigar a crítica literária publicada, anterior a esta tese de doutorado,</p><p>objetivamos encontrar outras fontes que antecederam os estudos críticos</p><p>que abordaram Menezes e Senghor. Nesse percurso, veri�camos que não</p><p>há, especi�camente, um estudo comparativo que considerou as obras</p><p>escolhidas, sob os vieses da Négritude/Negritude e tradução cultural.</p><p>Dentre os referenciais anotados nesta etapa, indicamos apenas alguns,</p><p>pois nos capítulos seguintes faremos considerações para o</p><p>aprofundamento e entrelaçamento de outros aspectos que se relacionam</p><p>à Negritude e Tradução cultural: a discussão sobre a Francofonia literária</p><p>e os Estudos culturais são alguns deles. Nesse sentido, entendemos a</p><p>princípio que os aspectos destacados podem ser analisados nas duas</p><p>obras. Por isso, não descartamos os artigos publicados em revistas</p><p>especializadas, do Brasil e no exterior.</p><p>A ideia de realizar esta pesquisa surgiu com o debate sobre tradução</p><p>cultural e identidade, realizado pelo grupo “Transculturação e tradução</p><p>em narrativas na América Latina” (CNPq) coordenado pelo Prof.º Dr.</p><p>José Guilherme Fernandes, no Programa de Pós-graduação em Letras, da</p><p>Universidade Federal do Pará, em 2011. Esta ideia se edi�cou com a</p><p>aprovação de projeto similar, no Programa de Pós-Graduação em Letras,</p><p>Teoria Literária, da mesma universidade em 2014. Contudo, o projeto de</p><p>tese teve que ser interrompido durante três anos, para que fosse</p><p>cumprido estágio probatório docente, na Universidade Federal do</p><p>Amapá, Campus Binacional de Oiapoque/AP. Por esse motivo, decidimos</p><p>torná-lo projeto de pesquisa na UNIFAP em 2014. Em 2018, ele foi</p><p>renovado e desenvolvido somente até o 1º semestre de 2020, devido a</p><p>necessidade de cumprir o estágio obrigatório do Programa DINTER/</p><p>UNESP/UNIFAP na sede em Araraquara/ SP.</p><p>A pesquisa se justi�ca a partir das seguintes questões:</p><p>a geogra�a, �loso�a, botânica, zoologia,</p><p>história, entre outros. Na constituição das literaturas nacionais, as</p><p>francófonas tomam formas descritivas e didáticas, na tentativa de</p><p>imprimir o estar dos lugares, as cartogra�as sociais do território.</p><p>Podemos citar obras que fazem um inventário em perspectiva nos versos:</p><p>Black-label (1956) de Léon-Gontran Damas e As armas miraculosas (Les</p><p>Armes miraculeuses, 1946) de Aimé Césaire.</p><p>As identidades nacionais surgem a partir do imaginário coletivo e se</p><p>formam a partir da cultura, da experimentação humana e o uso</p><p>particular da literatura. A cultura nacional é o conjunto de esforços de</p><p>um povo, sobre o plano do pensamento para descrever, justi�car e cantar</p><p>a ação através, da qual, o povo se constituiu e se manteve. Em Pele negra,</p><p>máscaras brancas, pode-se ler que “Todo povo colonizado — isto é, todo</p><p>povo no seio do qual nasceu um complexo de inferioridade devido ao</p><p>sepultamento de sua originalidade cultural — toma posição diante da</p><p>linguagem da nação civilizadora, isto é, da cultura metropolitana”</p><p>(FANON, 2008, p. 34). O ensaísta nomeia de literatura nacional, de</p><p>combate ou revolucionária, a terceira etapa de uma dialética de</p><p>emancipação. Após a fase do assimilacionismo, o colonizado inspirou-se</p><p>nos valores europeus, depois rememorou seus valores ancestrais, até que</p><p>a cultura nacional quer uma identidade forte, como reação aos valores</p><p>ocidentais.</p><p>A língua, entretanto, precede a obra pós-colonial. O escritor negocia</p><p>uma espécie de código da linguagem, próprio de sua cultura e sua</p><p>individualidade, em meio a língua que foi imposta. Em Gauvin (2003)</p><p>podemos ler que existe a subconsciência linguística, e que no pós-</p><p>colonialismo a escrita é um ato linguístico. Pois, a escolha engaja</p><p>também, a concepção literária do autor aliando à identidade e cultura.</p><p>Quanto ao hermetismo das obras escritas em língua francesa, podemos</p><p>observar que literatos francófonos, no pós-colonialismo, valeram-se da</p><p>língua do colonizador para mostrar suas identidades enquanto seres</p><p>culturais, ímpares e não assimilados. Eles têm projetado, nos textos,</p><p>palavras, cujo leitor de língua francesa deve se debruçar para desvelar</p><p>seus signi�cados. Os sentidos, muitas vezes, estão ocultos em termos</p><p>usados em determinada região da África ou são um fato histórico, de</p><p>outra época. Moura (2013, p.109, tradução nossa) registrou a di�culdade</p><p>de ler poemas de Senghor devido à complexidade do léxico:</p><p>A di�culdade é antes anterior, para um leitor de francês, tem-se um léxico africano</p><p>raramente acompanhado de uma perífrase explicativa. O famoso poema “Mensagens” de</p><p>Etiópicos não é compreensível se não se souber que beloup é um título de nobreza no</p><p>antigo reino de Saloum ou que gueluár signi�ca enigma em serere28. Os termos</p><p>designam o enraizamento cultural de uma poesia que clama também sua �lologia.29</p><p>A sintaxe de Senghor deriva tanto de sua origem africana, quanto de</p><p>sua formação intelectual nas letras. Ele transpôs para a literatura</p><p>expressões senegalesas criando ou adicionando à língua francesa outros</p><p>espaços. Esse lugar foi proposto pela justaposição e subordinação de</p><p>palavras que em si possuem signi�cado cultural. Para os franceses que</p><p>habitam na Martinica, Guadalupe e Guiana Francesa, o francês é a língua</p><p>segunda que, de fato se opõe as línguas crioulas da região consideradas</p><p>línguas maternas. O debate cultural sobre a identidade nacional e o lugar</p><p>do islamismo na França, são exemplos, além de ser temas que recorrem à</p><p>Tahar Ben Jelloun, Abdelwahab Meddeb, Amin Maalouf, Édouard</p><p>Glissant e Patrick Chamoiseau30, sendo estes últimos mais dedicados à</p><p>política.</p><p>As literaturas francófonas se inscrevem, atualmente, numa situação de</p><p>enunciação, na qual, coexistem universos simbólicos, apresentando</p><p>espaço complexos e representativos de determinada cultura. A cenogra�a</p><p>pós-colonial é própria. Ela apresenta particularidade e visa legitimar a</p><p>cultura, a qual, emana prolongando as tradições.</p><p>A memória dá ao enunciador um status particular, uma vez que ele</p><p>próprio é o indivíduo e símbolo cultural. Essas obras estimulam</p><p>diretamente dois públicos; 1) os europeus que desejam descobrir a</p><p>literatura que se apresenta, de forma, espetacular, exótica; 2) um povo</p><p>autóctone que tende a reconhecer a si mesmo, seus semelhantes</p><p>culturalmente estabelecidos e outras etnias. O lugar de enunciação destas</p><p>obras, opera-se junto à tradição, a terra, o lugar.</p><p>Para que possamos encaminhar a discussão que iniciou com a</p><p>exposição de alguns conceitos sobre Francofonia, literatura francófona,</p><p>subconsciência linguística, entre outros, encaminhamos anotando dentre</p><p>as de�nições as resultantes, na prática, dessa questão.</p><p>Em julho de 1966 houve a reunião da Organização Comum Africana e</p><p>Malgache (OCAM), em Antananarivo, Madagascar, na qual, foi</p><p>apresentado o projeto de Comunidade francofone. Na ocasião, foi</p><p>sugerido que reuniões periódicas fossem realizadas entre os ministros e a</p><p>criação de um Conselho Africano de Ensino Superior (CAMES). A ideia</p><p>era expandir a proposta de Francofonia idealizada por Senghor. Assim,</p><p>�cariam relacionados 1) a União francesa (Union française), que em 1946,</p><p>era formada por dois grupos de território: A República francesa (França</p><p>metropolitana, departamentos e territórios ultramarinos), mais os</p><p>territórios e estados associados; e a Comunidade que em 1958 se</p><p>mostrava a partir dos estados que procuravam autonomia e desejavam a</p><p>independência.</p><p>No ano de 1979 e 1980, George Pompidou liderou o projeto</p><p>Comunidade Orgânica da Francofonia (Communauté Organique de la</p><p>Francophonie). Em 1984, o Alto Conselho da Francofonia (Haut Conseil de</p><p>la Francophonie) o nomeou presidente honorário.</p><p>A Francofonia é, portanto, uma realidade de comunicação</p><p>internacional que tem como objetivo o uso da língua como meio de</p><p>aproximação entre as culturas. O Centro de Estudos de Civilização em</p><p>Dacar, Senegal, atualmente propõe estudar profundamente as línguas</p><p>nacionais. Elas são consideradas instrumentos do desenvolvimento</p><p>cultural e de educação, e situam o francês, na área da língua de</p><p>comunicação externa, em relação, às outras de cultura interna.</p><p>Senghor propôs as comunidades culturais, nas quais, devem se integrar</p><p>valores, palavras, a maneira de viver a língua. Os povos não devem ser</p><p>assimilados, mas alguns mecanismos telúricos da língua devem propor</p><p>outros caminhos. Os escritores francófonos, a nosso ver, são projetados a</p><p>partir do debate que instituiu a Francofonia. Dentre eles, citamos alguns</p><p>nomes, além de Léopold Sédar Senghor: Aimé Césaire, Léon-Gontran</p><p>Damas, Maxime Ndébéka, Tahar Ben Jelloun, Idé Oumarou, Sony Labou</p><p>Tansi, e tantos outros. A Francofonia, em aspectos literários, representa a</p><p>aproximação dos povos.</p><p>Assim chegamos a Négritude senghoriana. Observando os critérios que</p><p>diferem autores do centro do sistema literário (europeu) e os</p><p>francófonos. Os últimos, nem sempre, têm ligação com a história da</p><p>França. Mas em sua maioria, eles têm relação de colonizados ou ex-</p><p>colônias, por exemplo, as Comunidades territoriais e os Departamentos</p><p>ultramarinos. Os autores francófonos têm o francês na língua materna,</p><p>segundo idioma ou língua de comunicação.</p><p>Por isso, os autores não aceitam uma classi�cação étnica de sua obra,</p><p>eles desejam incorporar seu pertencimento na literatura mundial, não</p><p>local e nem exclusiva. A produção francófona designaria, portanto,</p><p>autores que produzem em língua francesa para incitar um processo de</p><p>independência literária de seus locais de origem e que rejeitou o</p><p>assimilacionismo europeu. Isto posto, a Négritude que vem do Senegal</p><p>pode ser constituída em um conjunto, Vurm (2014, p.54, tradução nossa)</p><p>explicou que</p><p>Senghor desenvolve a ideia de uma Negritude positiva, constituída pelo todo das</p><p>riquezas culturais do mundo negro, a reivindicação de uma diferença fundadora e de</p><p>uma fonte igualmente primeira e vital que a cultura ocidental: objetivamente; a</p><p>Negritude é um fato, uma cultura. É o conjunto dos valores, econômicos e políticos,</p><p>intelectuais e morais, artísticos e morais. Subjetivamente,</p><p>a Negritude é também assumir</p><p>os valores da civilização do mundo negro, atualizá-los e fecundar, se necessário com</p><p>entradas estrangeiras, para segui-lo por si mesmo e para si mesmo, mas também para os</p><p>fazer viver por e para os outros, dando assim a contribuição dos Negros novos à</p><p>civilização do Universal.31</p><p>Do local ao global. A ideia é que a Négritude é positiva e constituída</p><p>pelas riquezas culturais do mundo negro para reivindicação da diferença</p><p>fundadora; da fonte primeira, vital na cultura dos povos.</p><p>É nesse contexto que procuramos entendê-la no item seguinte.</p><p>C</p><p>1. 2 É O MUNDO NEGRO</p><p>onforme Gnaléga (2013), o termo Négritude foi criado por Aimé</p><p>Césaire e usado, pela primeira vez, no terceiro número da revista</p><p>dos estudantes martiniquenses “O Estudante Negro” (L’Étudiant</p><p>Noir). No ano de 1939, ele apareceu na primeira publicação de Caderno</p><p>de um retorno ao país natal (Cahier d’un retour au pays natal).</p><p>Posteriormente foi empregado em Cantos de sombra (Chants d’ombre) de</p><p>Léopold Sédar Senghor. E designava um conjunto de valores da</p><p>civilização do mundo negro, a forma concreta para cada povo negro, de</p><p>viver sendo negro. Para Gnaléga (2013) ser negro não é um estado, mas</p><p>sim, uma ação concreta do indivíduo, assim como da coletividade negra.</p><p>Ela é, por consequência, a a�rmação da identidade, exaltando-a e</p><p>celebrando até o êxtase, que é por assim dizer, a comunhão com os</p><p>outros seres, os fenômenos e as coisas, o compartilhamento.</p><p>A partir desta re�exão, consideramos que a Négritude é uma questão</p><p>existencial. E a mesma compreensão, pode ser aplicada ao termo em</p><p>português: cultura e civilização não são termos separados. De acordo</p><p>com o princípio de Senghor a civilização do universal não rejeita</p><p>nenhuma outra. Por isso, se considera que a civilização negra é exemplo,</p><p>pois, em suas especi�cidades, culturais e linguísticas, ela compõe um</p><p>conjunto de valores. Gnaléga (2013, p. 157, tradução nossa) pontuou que:</p><p>A civilização universal deve, portanto, inspirar-se na civilização negra-africana. Ela inclui</p><p>aqui os povos da África do norte. Existe um movimento que parte do negro para se</p><p>estender a todas as raças ou para falar como Josiane Nespoulous-Neuville da tradição ao</p><p>universalismo. Esta civilização do universal não se faz pela absorção dos valores de</p><p>outras civilizações. Ela tem por condição sine qua non a capacidade de assimilar os</p><p>valores de outros ares geográ�cos pelos diálogos das culturas32.</p><p>O elemento fundamental, desta civilização, reside no diálogo, na</p><p>cooperação e todas as formas de encontro, deve estar nas atitudes das</p><p>pessoas. A simbiose trata do respeito à identidade de cada civilização e as</p><p>condições de adaptação às realidades e circunstâncias. Nestes termos, a</p><p>cooperação é uma palavra importante. Na perspectiva da civilização do</p><p>universal, deve-se juntar os povos dos cinco continentes, favorecer o</p><p>diálogo entre as culturas, considerando a mestiçagem biológica e</p><p>cultural.</p><p>A ideia de que a Negritude é o conjunto de valores de civilização do</p><p>mundo negro se repetiu em outros lugares. Ela pode ser associada ao</p><p>Negro renascimento (Negro renaissance) dos americanos e seus</p><p>representantes Alain Locke33, Langston Hugues34 e Claude Mac Kaye35,</p><p>assim como o Indigenismo do Haiti que teve as expressões de Carl</p><p>Brouard36 e Etienne Léro37. O grupo da revista “Legítima defesa” (Légitime</p><p>Défense) colocava em questão, a identidade. A primeira publicação data</p><p>de 1932, em Paris (TATI LOUTARD, 1996), e apesar de ser um marco na</p><p>crítica que se direcionava à literatura negra modernista de expressão</p><p>francesa, a revista �cou desconhecida, por quase quatro décadas na</p><p>Martinica, país de origem da maioria de seus fundadores.</p><p>Encontramos uma edição de 1978, na qual, René Menil38 registrou que</p><p>alguns consideraram que a publicação da revista foi um abre-alas para a</p><p>Négritude. Contudo, o �lósofo registrou que o objetivo principal era a</p><p>luta anti-imperialista direcionada aos povos colonizados, contra as</p><p>burguesias ocidentais e as suas próprias burguesias.</p><p>Esse projeto se parecia mais com o que a escrita de Frantz Fanon em</p><p>Pele negra, máscaras brancas (1952) proporia. De fato, os textos tratavam a</p><p>sociedade colonial da Martinica, além de incluir poemas com temáticas</p><p>ligadas às raízes culturais, desta sociedade, poemas neutros e pessoais. No</p><p>mais, a Négritude, a princípio, se direcionou ao debate da aceitação e</p><p>reconhecimento de ser negro, em valores e crenças. Com o tempo,</p><p>agregou-se a ideia de que seria a contribuição dos negros à civilização. O</p><p>posicionamento de Senghor, vejamos o que escreveu Ngandu (1992,</p><p>p.22, tradução nossa)</p><p>É preciso ainda dizer que Senghor se debruça sobre a questão da constituição do sentido</p><p>a partir do psicológico, da �gura (estas que os psicólogos fenomenólogos nomeiam</p><p>justamente de gestalt: a cor da tanga, a forma da kora, o que é justamente o abschattung</p><p>de Husserl) à conjunção signo-sentido, e a qual a originalidade deste sentido a dar, assim</p><p>nada além que a originalidade da signi�cação.39</p><p>Para o professor da Universidade de Lovanium, no Congo, há o sentido</p><p>psicológico que se forma a partir da signi�cação. A essa conjunção,</p><p>Ngandu a�rmou, que entre a Négritude e a emoção, a equação, às vezes, é</p><p>estabelecida sob a forma de emoção-ritmo, ou ainda, emoção-imagem-</p><p>negra. Ela se impõe, além da poética, em evidência. Nas palavras de</p><p>Ngandu (1992, p.64, tradução nossa)</p><p>A partir de uma tal temática da Negritude, Senghor tenta ultrapassar o simples</p><p>condicionamento, em direção a uma etapa superior. A Negritude deixa, então de ser</p><p>uma metáfora (racial, biológica, pouco importa). Ela aboliu a similaridade aparente de</p><p>sentido, para tornar-se um princípio do sentido e do signi�cado.40</p><p>Discordamos da conjunção Negritude-emoção proposta pelo escritor.</p><p>Porque entendemos que a emoção não é negra, nem branca. Atrelar a</p><p>ideia da emoção à Negritude é sustentar o arquétipo negro-imaginado. A</p><p>escolha da poética, na estilística africana, não é sempre arbitrária. As</p><p>variantes, a nosso ver, são culturais e não emotivas. Signi�ca para</p><p>Senghor, a escolha de uma forma de arte que renova, que reproduz,</p><p>continuamente. Porque, na poesia somente o verdadeiro é novo, isso</p><p>quer dizer que, a descoberta de um novo que mantém a permanência de</p><p>um estilo, dá vida as palavras e transmite a fala em verbo.</p><p>Retomamos nesse sentido, a perspectiva de Fanon (2008) que de forma</p><p>mais radical, critica a escrita senghoriana, opondo-se à criação de uma</p><p>literatura que “compartilha” de certa forma, o pensamento ocidental,</p><p>assimilado e branco. Para o autor, não bastava somente ser intelectual ou</p><p>literário, é necessário manifestar um discurso que se oponha à emoção,</p><p>que normalmente, é situada sendo a força de expressão negra, ao invés da</p><p>razão.</p><p>Com base nessa visão, a discussão sobre a identidade não poderia ser</p><p>essencialista. Para Fanon o ideal era libertar o ser humano da condição</p><p>de ser negro ou branco, ou qualquer outra coisa, ressaltando que autor</p><p>considerava, nessa perspectiva que ser “branco” tornava a existência mais</p><p>fácil. Assim, a oposição se delineou com base no debate sobre a alienação</p><p>e na reinvindicação do “ser” e não necessariamente, do negro. O</p><p>humanismo revolucionário ou radical, a nosso ver, consideramos mais</p><p>utópico do que a civilização pensada por Senghor. Fanon visava a</p><p>destruição do pensamento que separa as raças, e essa mudança deveria</p><p>ocorrer na prática. As questões sobressaem ao negro, tais como: “ele não</p><p>tem cultura, não tem civilização, nem um longo passado histórico”</p><p>(FANON, 2008. p. 46, grifo do autor); percebemos que Fanon as assinala</p><p>a partir dos fatores de alienação, os quais, considera profundamente</p><p>enraizados no pensamento e no debate da condição do negro. Além</p><p>disso, em Pele negra, máscaras brancas esse discurso justi�ca: “a origem dos</p><p>esforços dos negros contemporâneos em provar ao mundo branco, custe</p><p>o que custar, a existência de uma civilização negra” (id., ib.). Nos</p><p>atenhamos, especialmente, a esse ponto.</p><p>Os negros contemporâneos eram Senghor, Césaire e Damas.</p><p>Portanto,</p><p>tem-se nesse sentido, duas perspectivas devem ser pontuadas, antes que</p><p>voltemos às questões poéticas. A civilização do universal de Senghor, de</p><p>cunho humanista, mantinha a concepção da junção e o encontro das</p><p>culturas para a experimentação de uma outra sociedade. Um meio, no</p><p>qual, as pessoas poderiam viver cada uma a sua cultura, mas não</p><p>deixariam de conhecer ou “assimilar” o que fosse do outro. Essa prática</p><p>consistiria, portanto, no entrelace de povos e geraria dois eixos de</p><p>humanidade: 1) o enraizamento profundo na própria cultura; 2) o</p><p>compartilhamento natural. Essa visão é confrontada pelo humanismo</p><p>radical de Fanon, no qual, os referenciais às outras culturas deveriam ser</p><p>vividos e não somente “percebidos”, ou assimilados. No mundo</p><p>contemporâneo, para que a condição do ser humano fosse, de fato,</p><p>existente seria necessário modi�car estruturalmente eixos sociais,</p><p>econômicos e políticos.</p><p>Não obstante, notamos que Fanon e Senghor não concebem a</p><p>valorização ou recuperação de um sistema histórico-social-cultural. O</p><p>que há é a instituição do ser humano, sendo que o primeiro se atém ao</p><p>“ser”, e o segundo, ao “ser negro”.</p><p>Por isso, em Senghor o verso é marcado pelo ato intelectual, o qual, é</p><p>normalmente ideológico. Há diferenciação entre a poesia do Senegal,</p><p>bantas ou bantus e ela, também, é conhecida como “negro marginal”. Esta</p><p>poesia compreende-se que não se tratam de modos, mas sim,</p><p>modalidades de uma poesia negro autêntica, substantivada na Négritude.</p><p>Modo e substância são termos que sugerem um idealismo que não são</p><p>especí�cos do movimento, mas da estética.</p><p>Em termos, a poética e a tradição que deu origem a produção</p><p>senghoriana, pode-se anotar que ela se compõe elemento, no processo de</p><p>criação. Há uma distinção entre a tradição e a escrita, contudo, elas estão</p><p>ligadas, constantemente, uma à outra, devido a constância do estilo. Os</p><p>critérios de identi�cação e determinação, destes elementos, são marcados</p><p>pela imagem (analógica e simbólica). A oralidade é um paradigma que</p><p>assinalou e a atualizou a Négritude, na qual, as homologias identitárias, de</p><p>expressão negra, se encontram. A criação literária se eleva a partir da</p><p>construção de imagens cósmicas, que por sua vez, criam as poéticas.</p><p>Nessa assertiva, concordamos com a anotação feita por Ngandu (1992, p.</p><p>88):</p><p>Ritmo primordial que é ao mesmo tempo ritmo cósmico. Com efeito, para Senghor um</p><p>não pode ir sem o outro. E isso, em razão do postulado da essência negra que é uma</p><p>harmonia com a natureza, e mesmo a �siopsicologia que sustenta o princípio da</p><p>Negritude41.</p><p>Efetivamente, os temas presentes na lírica, de acordo com as datas das</p><p>publicações, podem ser integrados em um conjunto que se relaciona,</p><p>com o caminho percorrido existencialmente pelo escritor. Não há como</p><p>desvincular, por exemplo, as obras das decisões tomadas durante a vida</p><p>de político, no Senegal.</p><p>Nessa etapa de fundamentação do conceito, podemos visualizar</p><p>algumas delas. Vejamos exemplos: a publicação de Cantos de sombra</p><p>(Chants d’ombre, 1945) e Hóstias Negras (Hosties Noires, 1948) que tratam</p><p>do exílio e da nostalgia do país perdido. Nos poemas, pode-se visualizar a</p><p>época em que os textos da Negritude existiam, em um espaço menor, o</p><p>gueto. Etiópicos (Éthiopiques, 1956) e Noturnos (Nocturnes, 1961)</p><p>correspondem, respectivamente, à época da Lei-quadro (Loi-cadre ou Loi</p><p>d’orientation). Era uma lei que tratava o conteúdo geral e que de�niu os</p><p>grandes princípios ou orientações da reforma na política, as quais, os</p><p>domínios de aplicação são de�nidos por decretos e textos de aplicação. A</p><p>lei descreveu um programa �xando objetivos e engajamentos, podendo</p><p>ter domínio nacional ou internacional. No contexto, podemos relacionar</p><p>a Lei-quadro De�erre, do ano de 195642 e a publicação de Etiópicos.</p><p>Cartas de Invernagem (Lettres d’hivernage, 1973) e Elegias principais</p><p>(Elégies majeures, 1978) expressam, a plenitude, a simbiose do passado e</p><p>da época atual, da Negritude. A obra poética é uma ação militante, é por</p><p>isso que, ela é política e não politizada e a arte não era um partido. A</p><p>política estava a serviço da descolonização e a poesia tinha como tema a</p><p>África negra: “[...] a arte e a literatura são técnicas sociais, como a cultura</p><p>dos campos ou o artesanato [...]. Isso quer dizer que a arte negra, no</p><p>sentido geral da palavra, é uma arte funcional”43 (BIONDI, 1993, p. 94,</p><p>tradução nossa).</p><p>Este gênero, de imagens sinestésicas, transpõe a sensação, no domínio</p><p>dos outros sentidos. Ngandu (1992, p. 110) explicou que:</p><p>Por conseguinte, tais julgamentos, da parte de Senghor, terminam por colocar o acento</p><p>sobre a particularidade e a união desses mundos diferentes: da qual a analogia</p><p>caracteriza as imagens. Estas realizam-se �nalmente sobretudo ao nível do sensual. A</p><p>imagem não é mais visão, mas sensação e percepção, ela representa então o invisível e ela</p><p>reenvia ao interior, se não às forças exteriores que ela contribui a modi�car, reforçar ou</p><p>enfraquecer. Ela se fará qual símbolo porque ela volta com persistência, desta vez como</p><p>apresentação e como representação.44</p><p>Portanto, a imagem representa o indivíduo. A partir dessa assertiva,</p><p>Diop (2007) lembra o prefácio45, escrito por Jean-Paul Sartre, retomando</p><p>os primeiros pensadores: a assimilação era proibida aos homens negros</p><p>evoluindo na sociedade branca. No prefácio, Sartre se referiu aos poetas,</p><p>considerando a Antologia da nova poesia negra e malgaxe de língua francesa</p><p>(Anthologie de la nouvelle poésie nègre et malgache de langue française, 1948)</p><p>e alguns poemas de Césaire, Damas e outros. Ressaltamos que esse é um</p><p>texto importante, pois, nele se inscreveu a nomenclatura que Sartre deu à</p><p>expressão literária, desses autores, a qual, ele de�nirá como paixão.</p><p>Vejamos que o termo não está tão distante da emoção, de Ngandu</p><p>(1992), tão criticada por Fanon (2008). Entretanto, concordamos com o</p><p>�lósofo, na perspectiva de que os poemas são compostos pela oralidade e</p><p>essa característica não escapa, nem no registro dos versos, nem na forma.</p><p>Explica-se, portanto: por mais que os poemas de Etiópicos sejam textos</p><p>herméticos e densos, a oralidade está integrada nos discursos, mais ainda,</p><p>tantãs e balafons tem voz própria, apresentando-se em dúbia</p><p>composição.</p><p>Sartre não desmerece a qualidade dos poetas, mas, faz questão de</p><p>registrar as in�uências que eles receberam dos franceses clássicos. Para o</p><p>�lósofo, estas características são evidentes. Ele pontua, inclusive que, nada</p><p>melhor do que utilizar mestres da África como referenciais, ao invés de</p><p>metropolitanos. Sartre a�rmou no prefácio que, para alguns, a poesia</p><p>negra é considerada pitoresca, por apresentar elementos que não tão</p><p>conhecidos na Europa e cita, como exemplo, os tambores e balafons. Ao</p><p>discorrer a partir da literatura, e demonstrar percepção diferente de</p><p>Ngandu (1992), ele a�rmou que, de fato, não há pitoresco, e que os</p><p>poetas africanos se valem de signos para compor a metáfora particular. E</p><p>também, ele já anotava que esses signos podem ter a compreensão</p><p>restrita, devido à falta de conhecimento de palavras especí�cas ou</p><p>dialetos.</p><p>A natureza, considerada símbolo da criação literária, permite ao leitor</p><p>ter acesso, ao Reino da infância. A expressão destacada, na obra de</p><p>Senghor, é usada para designar a escrita que remete às lembranças da</p><p>terra natal, ancestralidade, com ênfase na memória do local e caracteres</p><p>da identidade. Esta sensibilidade especí�ca do negro imprimiu na poesia</p><p>africana um ritmo e qualidades próprias. A Négritude, nestes termos, é</p><p>menos o tema que o estilo, o calor emocional que dá vida às palavras e</p><p>transmite a oralidade em verbo. O Reino da infância é o momento, no</p><p>qual, o senegalês vivia em sua cidade natal, longe do contato com a</p><p>Europa. O tema está presente, por exemplo, em Cantos de sombra</p><p>(Chants d’ombre, 1956).</p><p>Partindo desse pressuposto, notamos uma característica marcante</p><p>desses poetas: eles são auditivos. Pois, eles registram (na memória) a</p><p>oralidade que consequentemente se torna matéria na composição</p><p>literária. A música, elemento afetivo</p><p>interior, confere ao poema, ritmo</p><p>próprio; o uso de palavras raras, a monotonia e o lirismo exacerbado</p><p>podem ser vistos em Damas e Césaire. Para Sartre, os poetas não são</p><p>considerados nacionais, e sim, precursores de uma poesia negra, que se</p><p>recusa a ser francesa. Sartre não despreza a lírica negra, mas pontua, de</p><p>forma clara que ela não integra o conjunto de obras nacionais e não se</p><p>quer francesa.</p><p>A questão seria, talvez, anterior: seriam os franceses (metropolitanos</p><p>europeus) que não querem os autores, das ex-colônias, integrando a</p><p>literatura nacional ou seriam os franceses (nascidos nos territórios</p><p>ultramarinos e departamentos) que queriam ter, sua própria literatura,</p><p>mas escrita na língua do colonizador, e assim, integrar o cenário</p><p>nacional?</p><p>A partir das questões, �camos, então, com a de�nição que o negro é ipso</p><p>facto, da diferença somada no durante. Ela se faz perceber consubstancial</p><p>à humanidade, incolor dos outros. Trata-se de um aspecto dinâmico, a</p><p>vontade das comunidades negras de ser. Os escritos da Négritude</p><p>seguiram entre os anos de 1934, data da publicação da revista “O</p><p>Estudante negro” (L’Étudiant noir) e da Antologia da nova poesia negra e</p><p>malgaxe de língua francesa (Anthologie de la nouvelle poésie nègre et</p><p>malgache), de Senghor, em 1948. Entre esses dois marcos, são publicados:</p><p>Pigmentos (Pigments, 1937), do guianense, Léon-Gontran Damas; o</p><p>Caderno de um retorno ao país natal (Cahier d’un retour au pays natal,</p><p>1939), Cantos de sombras (Chants d’Ombres, 1945), As armas miraculosas</p><p>(Les armes miraculeuses, 1946), de Aimé Césaire e Hóstias negras (Hosties</p><p>noires, 1948) de Léopold Sédar Senghor.</p><p>Cada um deles tem um estilo. Diop (2007) assinalou que Césaire</p><p>apresenta a denúncia, Senghor a expressão de amargura mais �ltrada e</p><p>em Damas, acentua-se o humor, a brincadeira, a ironia e a malícia. Ao</p><p>citar George Ngal em Aimé Césaire, um homem em busca de uma pátria46,</p><p>Diop anotou que 1948 é o ano do manifesto. Neste contexto,</p><p>anteriormente, surgiram várias vozes da Négritude, e elas veicularam o</p><p>debate, que tem a identidade, como premissa. Mencionamos algumas: “O</p><p>Despacho colonial” (La Dépêche coloniale); que era um órgão de</p><p>imprensa, em defesa da raça negra; a publicação “ A Revista do Mundo</p><p>negro” (La Revue du Monde Noir,1931-1932)47, “O grito dos negros” (Le cri</p><p>des nègres) que era o jornal da União dos Trabalhadores Negros e</p><p>“Legítima Defesa” (Légitime Défense, 1932) revista escrita por estudantes</p><p>martiniquenses.</p><p>As almas da gente negra (The soul of Black People, 1890) do escritor W.E.B</p><p>Du Bois e Assim falou o tio (Ainsi parla l’oncle, 1928) de Jean Price Mars</p><p>são obras que discutem a cultura africana e são consideradas referências</p><p>na constituição e inserção dos autores negros. A pesquisadora Lilyan</p><p>Kesteloot considerou que Du Bois é o verdadeiro inventor da Négritude,</p><p>conforme se pode ler em História da literatura negro africana (Histoire de</p><p>la littérature negro africaine, 2001). Porém, para Moura (2013, p.122,</p><p>tradução nossa), a referência é anterior:</p><p>Sabemos que a referência maior da Negritude continua a ser A História da civilização</p><p>africana de Frobenius, com a sua recusa ao racionalismo e do positivismo tidos como</p><p>produtos da razão francesa (oposta ao misticismo alemão) e o elogio de um pensamento</p><p>globalizante e empático.48</p><p>O que se pode notar, a partir das abordagens da Négritude, é que elas</p><p>foram fundamentais para que se traçasse um caminho que, inscreveu</p><p>escritores negros, por meio de diversas vozes: poética, jornalística e</p><p>histórica. O surgimento desses textos tornou conhecido o espaço para</p><p>que o debate que inclui a poesia negra e o uso da língua francesa por</p><p>autores, oriundos de espaços, que não eram europeus, iniciasse. Nesta</p><p>mesma perspectiva, notou-se que, a coexistência do ser na obra literária,</p><p>no caso do mundo francofone, poderia ter, em vista, duas situações: 1) o</p><p>colonizador que, bem conhece, e quer seu espaço cultural, legitimado no</p><p>território, língua e costumes; 2) o colonizado que insiste; usando a</p><p>língua, em diferentes espaços (fora da Europa) e associando-a aos povos</p><p>colonizados.</p><p>O espaço de enunciação tem sido construído pelas literaturas coloniais</p><p>e pós-coloniais. As culturas dos povos colonizados, que por muito</p><p>tempo, foram negligenciadas, são expressas na forma literária, como um</p><p>projeto coletivo: Assia Djbar, Tahar Ben Jelloun, Amin Maalouf</p><p>(Magrebe), Ahmadou Kourouma, Sony Labou Tansi (África</p><p>Subsaariana), Boris Gamaleya (Oceano índico), Patrick Chamoiseau e</p><p>Édouard Glissant (Caribe), são exemplos de autores que seguiram, nesta</p><p>mesma trajetória. A literatura se tornou ação política, no processo de</p><p>inscrição das memórias e de representatividades nacionais.</p><p>A cenogra�a pós-colonial mostrou um retorno às origens dos autores,</p><p>seja com a temática do lamento, da saudade, ou seja, pela memória do</p><p>Reino da Infância. A memória escrita se mostra contra um presente de</p><p>alienação, orienta a situação atual ou explica uma problemática. Nesta</p><p>perspectiva, a história se tornou fundamento para a construção da</p><p>temporalidade enunciativa. Considerando a perspectiva da legitimação</p><p>das obras, portanto, notamos que: “O estudo de políticas francofones se</p><p>dedica a cenogra�a das obras, dispositivo constituinte de sua inscrição</p><p>legítima no mundo. São assim identi�cadas certas regularidades formais</p><p>na pressuposição da enunciação e no status genérico do texto”49</p><p>(MOURA, 2013, p.157, tradução nossa).</p><p>Elementos e formas são marcados pela coexistência na enunciação. O</p><p>caráter híbrido do gênero constitui a fase de um estado poético, pós-</p><p>colonial, que deve ser desenvolvido, nesse sentido, “A poesia francofone,</p><p>na África, possui assim, desde alguns anos, um status problemático, na</p><p>medida em que, não somente, ela é percebida como defasada em relação</p><p>à realidade social, mais como um signo político, o veículo de uma</p><p>autoridade”50 (MOURA, 2013, p. 162, tradução nossa). Moura, pioneiro</p><p>dos estudos pós-coloniais na literatura francesa, a�rmou que nos</p><p>próximos anos, a crítica pós-colonialista se dividirá em duas partes: a</p><p>primeira que terá uma abordagem comparatista, orientada pelo ocidente</p><p>e direcionada às literaturas europeias, escrita por autores cosmopolitas; e</p><p>a segunda, que fará análise dos particulares: do país ou região em</p><p>questão, as suas problemáticas, distantes da mundialização ocidental. Ou</p><p>seja, serão estudos adaptados ou especí�cos de um país ou região.</p><p>Acreditamos que os países colonizados, de certa forma, já concentram</p><p>estudos das literaturas nacionais em seus laboratórios de pesquisa, pois,</p><p>consideramos que recentemente, as universidades nos Departamentos ou</p><p>Territórios ultramarinos tem se desvencilhado (pelo menos</p><p>administrativamente), cada vez mais, das universidades mais antigas da</p><p>Europa51. O que não quer dizer, que esse movimento de independência</p><p>vise liquidar, por completo, estudos clássicos e mais voltados a literatura</p><p>feita na metrópole. Não se trata disso. As universidades, de fato, assim</p><p>como as colônias, nunca foram totalmente dominadas, de forma que</p><p>pudessem perder, totalmente, características de sua identidade.</p><p>1.3 ENRAIZAMENTO É NÉGRITUDE</p><p>Ocenário que inscreveu a Négritude no mundo, publicações e</p><p>manifestações artísticas, consideramos fundamentais no impacto do</p><p>projeto político. Também os autores que consolidaram, além do</p><p>conceito, a democratização dos espaços literários, nunca antes ocupados</p><p>por autores da diáspora negra. Para Elisabeth Mudimbe-Boyi (1996)</p><p>Senghor foi o pós-moderno da pós-modernidade. A crítica considerou o</p><p>conjunto da obra literária do poeta uma intervenção nos modos de</p><p>pensar a cultura em seu tempo. A Négritude criou condições para</p><p>focalizar a história dos países, o passado de território colonizado, efeito</p><p>que repercutiu na política que rejeitava a assimilação e se posicionava</p><p>contra as consequências do período colonial que cada país tinha vivido.</p><p>O projeto cultural dos fundadores do movimento não negou a política.</p><p>A história das culturas negras é alinhada ao pensamento humanista que</p><p>visava recon�gurar a identidade</p><p>dos povos colonizados, nos quais, se</p><p>visava desfazer os estereótipos instituídos aos negros. Esse foi o ponto de</p><p>partida para se pensar o indivíduo fora dos padrões desenhados pelos</p><p>moldes ocidentais. A redescoberta estava vinculada à libertação</p><p>intelectual para subverter, por meio da literatura, aspectos silenciados</p><p>antes considerados negativos. Mas, na medida em que as publicações se</p><p>espalhavam pelo mundo, esses aspectos traziam à tona uma produção</p><p>diversa à instituição canônica.</p><p>Nessa perspectiva, os textos de Senghor apresentam intertextualidade</p><p>interna (MUDIMBE-BOYI, 1996). Ou seja, a cultura negra foi tratada</p><p>pelo ponto de vista existencial, antes oculto. O pluralismo e a</p><p>mestiçagem são temas de intervenções, além disso são sinais manifestos</p><p>da realidade virtual que representou a simbiose das culturas enraizadas.</p><p>Mas, desta vez, porosa às aspirações globais e às contribuições</p><p>fertilizantes das outras culturas. A simbiose das culturas se fez a partir da</p><p>memória coletiva e da identidade abrangente (BERND, 2011, p.41),</p><p>vejamos:</p><p>A recuperação dos elementos da memória coletiva será o vetor da consolidação de uma</p><p>identidade mais abrangente. Alicerçados em uma memória coletiva, os grupos dos</p><p>negros passariam a ter certeza de si próprios e acesso a essa dimensão mais ampla da</p><p>identidade, que os integraria como agentes e não mais como atores na realidade</p><p>nacional.</p><p>Alguns autores consideram que o surrealismo exerceu grande</p><p>in�uência nos autores da Négritude (TATI LOUTARD, 1996). A partir</p><p>deste pressuposto, entende-se que os princípios seriam usados para a</p><p>liberação total dos homens com o intuito de abandono das artes</p><p>primitivas, apontadas por André Breton. O poeta conheceu Aimé</p><p>Césaire, em 1941, em Forte de França (Fort de France). Fato que não</p><p>implica diretamente, que o segundo tenha sido in�uenciado pelo</p><p>primeiro ou que a Négritude propunha uma poesia surrealista africana.</p><p>Mas, sabemos que no segundo manifesto, em 1930, Breton indicava que</p><p>existia um ponto de encontro que reunia todos os contrários, mas que</p><p>não eram concebidos elementos contraditórios. Partindo desta anotação,</p><p>recuperamos uma ideia que foi ponto de referência para Senghor.</p><p>O autor que se considerava um ser dividido, acreditava na sua “gota de</p><p>sangue português” (BULL, 2002, p. 280). Em 17 de agosto de 1986, ele</p><p>declarou a Robert Jouanny “É devido às minhas contradições que eu</p><p>queria ir ao universal”52 (TATI LOUTARD, 1996 apud SENGHOR, 1986,</p><p>tradução nossa). Sem dúvida, o universo invisível seria aquele em que o</p><p>poeta pode se manifestar livremente pela escrita automática ou</p><p>con�ssões involuntárias, estas advindas de um sonho hipnótico, e não</p><p>exatamente, uma espécie de surrealismo africano, conforme as palavras</p><p>do escritor congolês, em que se “admite a existência de um mundo</p><p>animado por forças cósmicas, deuses, ancestrais; mundo, o qual, o</p><p>homem pode entrar por meio de algumas práticas que escapam ao</p><p>comum dos homens”53 (TATI LOUTARD, 1996, p. 180, tradução nossa).</p><p>Ou seja, quando tratado de naturalismo cosmológico, a composição</p><p>das coisas está entrelaçada ao universo e suas manifestações ligadas ao</p><p>divino. Preferimos, nesse sentido o emprego de imagens poéticas, pois</p><p>elas se constituem a partir de elementos do mundo visível.</p><p>Portanto, não designaremos o que seria surrealismo por Breton ou</p><p>Senghor. Apenas anotamos as perspectivas confrontam a união entre as</p><p>forças irracionais e que reforçam ausência de uma fronteira que separa a</p><p>vida e a morte.</p><p>Senghor registrou o que ele pensava ser a Négritude e como ela deveria</p><p>ser vivida. Mais que uma ideia ou um conceito, ela deveria ser</p><p>experimentada. Nos textos, ele explicou em que baseou sua produção</p><p>lírica. Vejamos três deles.</p><p>O primeiro é o artigo “Porque uma ideologia negro-africana?” (Pourquoi</p><p>une idéologie négro-africaine? 1972), o qual inicia com a re�exão de que</p><p>autores/ intelectuais podem ser úteis para seus países e que política de</p><p>assimilação implementada, nos territórios coloniais, foi fracassada.</p><p>Considerando que os negros foram rejeitados pelo ocidente devido à sua</p><p>cultura, essa pode ser a razão, pela qual eles foram estigmatizados. Essa</p><p>situação começou a mudar com o surgimento da ideologia</p><p>fundamentada na realidade dos valores africanos e que surgiu como</p><p>força resultante. A ruptura do indivíduo confrontado em seu espaço, o</p><p>progresso da ciência e das populações modi�caram o comportamento</p><p>humano e as relações sociais.</p><p>Em vista dessas questões, a ideologia representava coerência de ideias,</p><p>de princípios intelectuais e valores espirituais. O desenvolvimento</p><p>industrial e a Revolução francesa modi�caram máquinas e homens. Por</p><p>esse motivo, foi considerada a ideologia por um viés étnico ou nacional,</p><p>sobretudo dos povos menos desenvolvidos. No artigo citado, o ensaísta</p><p>faz um longo percurso re�etindo os conceitos de ideologia em diversos</p><p>países do mundo. As abordagens se encaminham à seguinte questão: por</p><p>que a África deveria repetir modelos de outros países, ao invés de propor</p><p>o seu próprio?</p><p>A ideologia seria conhecida, a partir do século XIX, apoiada nos valores</p><p>do mundo negro e em territórios diferentes: “[...] entre os Negros da</p><p>diáspora, os Estados Unidos, as Antilhas, agora no Brasil, e na África</p><p>negra, nela mesma”54 (SENGHOR, 1972, p.23, tradução nossa). Essa</p><p>ideologia se de�niu um conceito, em duas fases, de caráter objetivo e</p><p>subjetivo: o conjunto dos valores dos povos do mundo negro,</p><p>começando pela Nigritie55 da África e terminando com a diáspora nas</p><p>Américas. No contexto subjetivo, ela trata da maneira como cada negro</p><p>vive e seus valores étnicos. E�caz e de atitude militante, a legitimação se</p><p>tornou um processo de enraizamento natural, pois, retomou as primeiras</p><p>civilizações que fundaram o Egito, a Suméria e a Índia. A Négritude,</p><p>portanto, foi apresentada sendo o humanismo atualizado, por relevar</p><p>questões do ser e do mundo.</p><p>Para os africanos a cosmogonia compõe o universo. Através do mito a</p><p>imagem simbólica representa a criação. A ação recíproca entre o espírito</p><p>e o corpo, o pensamento e a técnica, a teoria e prática fundamentam o</p><p>humanismo contemporâneo, diferenciando-se a partir do espírito. Nesses</p><p>termos, a ontologia negro africana se compõe de pensamentos, da</p><p>energia do ser e da força vital em movimentos diversos. O ser se compõe</p><p>a partir de sua relação com outros. A existência comporta: materialidade</p><p>e a espiritualidade; e a sensualidade não se encaminha à sexualidade. A</p><p>sensualidade se dá pelo fato, de poder perceber o mundo a partir das</p><p>sensações, dos sentidos. As qualidades sensíveis de perceber as cores, os</p><p>movimentos. Portanto, a arte é considerada expressão de um ideal de</p><p>beleza.</p><p>Em A poesia dos negros (La poésie des noirs, 1967) de Roger Mercier, no</p><p>capítulo “Retorno às fontes africanas”, o professor a�rmou que existem</p><p>autores que antecederam o movimento dos escritores negros. Um deles é</p><p>Jaques Roumain, que nos anos de 1931, escrevia sobre as tradições</p><p>nacionais populares do Haiti, em seus romances, celebrando a luta da</p><p>raça negra e o misticismo que envolve as forças da natureza. Com a</p><p>revista “Legítima Defesa” (Legitime Défense,1932) e a adesão dos</p><p>intelectuais das Antilhas, de inspiração marxista, a função revolucionária</p><p>da poesia foi potencializada no levante do mundo negro.</p><p>De acordo com o professor, a revista “O estudante negro” (L’Étudiant</p><p>noir) era menos agressiva. A originalidade constava, justamente no grupo</p><p>que compunha a edição da revista, que em sua maioria vinha de outros</p><p>países, colonizados pela França. Descendentes de escravos falavam de</p><p>negros e a�rmavam a sua unidade de raça, apesar de sua diversidade</p><p>geográ�ca. Sinteticamente, a palavra Négritude �gurava na representação</p><p>e inserção do mundo negro através das artes, sobretudo, na poesia.</p><p>Nesse contexto, um dos redatores da revista, Léon-Gontran Damas</p><p>publicou Pigmentos (Pigments) em 1937. Nesta obra, o paci�smo e a</p><p>revolta dos povos colonizados precediam a Segunda Guerra Mundial.</p><p>Aimé Césaire, em 1939, publicou seu Caderno de um retorno ao país natal</p><p>(Cahier</p><p>d’un retour au pays natal). A inspiração contida na pátria, nas</p><p>Antilhas, tornou-se o foco de produção de Césaire, pois ele escreveu a</p><p>partir da luta pela independência e não escondeu o sentimento de</p><p>esperança pelo futuro. O autor também escreveu teatro, são os títulos: Os</p><p>cães se calam (Les chiens se taisent); de 1956 e Uma estação no Congo (Une</p><p>saison au Congo), de 1966.</p><p>A poética, portanto, inspirou-se em um lirismo pessoal. Essa produção</p><p>tão expressiva comunica entre os homens, as coisas, a natureza. Nesse</p><p>contexto de ascensão do ser local ao global, pre�gurou-se uma sociedade,</p><p>na qual, as gerações presentes continuavam as relações ancestrais e cada</p><p>autor contribuiu na formação de um patrimônio coletivo,</p><p>geogra�camente compartilhado. A intenção era, dessa forma, equilibrar</p><p>por meio do conhecimento e da literatura, assuntos silenciados,</p><p>considerando que o patrimônio humano deve ser composto, por todos</p><p>em origem, história e cultura.</p><p>Em consequência, às jovens gerações coube fazer o inventário da</p><p>África. Autores como Bernard Dadié, Laye Camara e Édouard Glissant</p><p>propuseram novas poéticas que resistem, sobretudo nos mercados</p><p>editoriais e a indústria dos livros comerciais. O compartilhamento</p><p>cultural segue e se apresenta bem distinto das literaturas europeias. Na</p><p>escrita, nota-se outro perspectivismo com temas análogos às culturas</p><p>diversas.</p><p>Nas origens da Négritude não podemos obliterar a revista “Presença</p><p>Africana” (Présence Africaine, 1947), referência na circulação de crítica e</p><p>obras. Escolhemos, na segunda abordagem, o artigo “Por uma ideologia</p><p>negro-africana” (Pour une idéologie négro-africaine, 1972, p.14, tradução</p><p>nossa), no qual, Senghor escreveu sobre assimilação, termo bastante</p><p>utilizado pelo autor:</p><p>Era a política de assimilação, que se assentava sobre o princípio, generoso de resto, e não</p><p>inteiramente falso, que qualquer homem valia outro tendo recebido uma parte igual da</p><p>razão, que fazendo uso judicioso desta, como tinham feito os Brancos europeus em</p><p>geral, os Franceses em particular, conseguiríamos, nós também participar em mesmo pé</p><p>de igualdade, à edi�cação da civilização do século XX : de uma civilização de</p><p>e�cacidade.56</p><p>Para Senghor, a política de assimilação, na França, foi um projeto</p><p>fracassado graças ao próprio general Charles de Gaule: que não aprendeu</p><p>a conhecer os valores nacionais, negro-africanos. Ideologia, nesse</p><p>contexto, seria o conjunto coerente de ideias, de princípio intelectual e</p><p>valores espirituais e que não deixam de fazer síntese de suas tradições:</p><p>“Uma ideologia é sempre um idealismo”57 (SENGHOR, 2001, p. 62,</p><p>tradução nossa). A única atitude realista para um negro estaria conforme</p><p>a sua verdade, por isso, era preciso transcender através da poesia.</p><p>Assim, o questionamento que movimentou o cenário inscrito foi: existe</p><p>um realismo negro-africano que poderia comportar todas as questões na</p><p>forma, no ritmo ou na retórica? Se consideramos os postulados de</p><p>Césaire e Senghor, notamos que sim. Pois, o que compõem a poética</p><p>africana é um conjunto de formas, que no todo, soma às questões</p><p>históricas à cultura. A poética de expressão africana não se impõe na</p><p>construção de paralelismos e cadenciamentos, mas sim, por todo um</p><p>conjunto que envolve, principalmente, o léxico pertencente à região.</p><p>O realismo negro africano, de fato, não é o realismo pensado pelo</p><p>Ocidente para o Ocidente. Ele sofreu a intervenção dada pela ótica</p><p>subjetiva que emergiu no processo de criação. A crítica de Senghor vai de</p><p>encontro ao determinismo que in�uencia o realismo exposto pelo</p><p>Ocidente. O realismo se apresentava de forma fragmentada e mostrando</p><p>aspectos negativos da sociedade. Neste caso, as referências eram as</p><p>tendências naturalistas que se espalharam como um objeto abstrato.</p><p>O ano de 1954, denominado o ano da angústia e o de 1955, de ano da</p><p>graça foram assinalados pelo autor, que anotou: “[...] escolheram nossos</p><p>teóricos para nos pregar o regresso tanto ao soneto, quanto ao realismo”</p><p>(SENGHOR, 2001, p. 64, tradução nossa)58. Nesse período, a palavra</p><p>socialismo se tornou o epíteto para esses autores que escreveram à</p><p>margem do cânone ocidental e conforme as suas próprias leituras do</p><p>mundo e da existência. O estilo do poema, por vezes considerado</p><p>surrealista, se faz presente na escrita negro-africana. Por isso, ao se referir</p><p>aos contos de Birago Diop, Os contos de Amadou Koumba (Les contes de</p><p>Amadou Koumba, 1947), Senghor (id., p. 64-65, tradução nossa, grifo do</p><p>autor) explicou:</p><p>O narrador negro-africano não interpreta as coisas nem os homens que permanecem</p><p>como objetos. Ele não conta suas experiências, não comenta os fatos, ele os apresenta.</p><p>Mas, ele não os domina; ele não é impassível; ele é paixão. Ele olha os homens e as coisas</p><p>por dentro, ele participa da vida do outro, deixando a sua: ele engaja-se neles. É por isso</p><p>que o narrador negro é lírico. Entretanto, eu lhe digo mais além, as metáforas para ele</p><p>não são uma necessidade. Usando de uma língua, na qual, as raízes das palavras são</p><p>concretas, mergulhando na terra entalada de seiva e sucos, ele se satisfaz de nomear; as</p><p>palavras as mais simples, se fazem imagens, objetos vivos. Este estilo de poesia, eu o</p><p>confesso menor, porque ele é um jogo verbal, como eu já o mostrei, pois, ele é lirismo,</p><p>paixão, entrada da coisa ao reverso.59</p><p>Senghor ressalta que a liberdade dos homens está na expressão das</p><p>palavras e a narrativa é a liberdade. O termo neste contexto, refere-se à</p><p>oralidade, a marca da memória dos povos em África. O aspecto, também</p><p>está presente no poema em prosa, na criação da sociedade negro-</p><p>africana. Neste caso, pode-se dizer que a construção poética parte do</p><p>princípio etnológico da forma social, espiritualizada. Conforme o</p><p>�lósofo essa é uma de�nição de realismo socialista, pois, os narradores,</p><p>bem como os poetas negro-africanos, não precisam procurar fora de sua</p><p>cultura ou de seu país por fontes inspiradoras, uma vez que todas elas</p><p>estão presentes, mais especi�camente, no âmbito da oralidade.</p><p>A nosso ver, o objetivo da chamada civilização universal não era</p><p>formar guetos culturais, mas, de fato colocar em questão as identidades.</p><p>São valores fortes que tendiam às outras civilizações. Por esse motivo, o</p><p>enraizamento dos valores profundos do mundo negro foi essencial para</p><p>fazer notar as civilizações e as expressões múltiplas. E acrescentamos que</p><p>a política e a história têm parte no processo criativo. É fato que Senghor</p><p>presidiu o Senegal, por quase vinte anos. Por isso, não se pode separar a</p><p>produção lírica e vida política do poeta. No Brasil, Bruno de Menezes</p><p>participou na luta sindicalista e pesquisa da cultura. Ou seja, ambos se</p><p>lançaram no projeto de consolidar a Négritude e a Negritude, numa</p><p>abordagem do negro sobre si mesmo.</p><p>Na ocasião do “VIII Congresso Mundial dos Poetas” ocorrido em</p><p>Marraquexe, em abril de 1984, foram tratados temas da estética do século</p><p>XX, entre eles, destacaram-se: a imagem analógica, o ritmo e a melodia, o</p><p>diálogo entre as culturas como fator de desenvolvimento e a poesia feita</p><p>no mediterrâneo. A poesia foi discutida dentre os elementos que</p><p>compõem a civilização do universal. Carrere e Dia (1996, p. 66, tradução</p><p>nossa), citam Senghor, que na ocasião, presidiu o evento:</p><p>Com efeito, a estética contemporânea é, graças à poesia, uma fonte fecunda do diálogo</p><p>das culturas, para além das clivagens ideológicas e políticas, além das raças e continentes,</p><p>por um mundo de solidariedade na cooperação de dar e de receber, para um mundo de</p><p>desenvolvimento na criação da beleza.60</p><p>Para o senegalês era necessário desenvolver o ser humano em todos os</p><p>aspectos, em outras dimensões; o princípio da cultura deveria servir de</p><p>base para todas as outras formas de expressão. Nestes termos, angústia,</p><p>nostalgia e ausência são temas frequentes na poesia senghoriana.</p><p>Geneviève Fondville (2009) a�rmou que o caráter existencialista do</p><p>escritor deve ser reconhecido. Pois, na poesia a primeira, por exemplo se</p><p>torna elemento de fuga passiva diante à época. Esse sentimento é</p><p>interpretado pela autora</p><p>enquanto desejo de desvelar ao mundo o povo</p><p>africano, bem como as limitações do poeta diante desta tarefa. A vivência</p><p>dessa angústia é tema ativo para a sublimação das questões da época e</p><p>que forçou pensar a sociedade como uma interrogação ativa. A�rmação</p><p>de valores e consciência devem funcionar na arte, em função da</p><p>transformação humana.</p><p>A angústia obriga o poeta a negar a singularidade do mundo. A</p><p>inquietude assevera nas relações imagéticas, que por vezes, estão nos</p><p>poemas. O poeta integra as partes usando a lírica para transmutar o</p><p>inconsciente, seus valores, ou ainda, sua crença. A fé, neste caso, é um</p><p>elemento catalisador. O outro é a língua quanto escapatória</p><p>(FONDVILLE, 2009), na qual, o poeta se vê cúmplice da sociedade. Ele</p><p>emprega a língua para evidenciar a angústia; as palavras não expressam o</p><p>desejo, e sim a visão do poeta diante das questões do mundo, o espírito</p><p>ausente.</p><p>O poeta renuncia o real, para condensá-lo de forma expressiva e lírica,</p><p>na representatividade de um povo ou de uma nação, a qual, ele faz parte</p><p>como sujeito. Na criação literária, ele a representa na condição de</p><p>interlocutor que se projeta para, em nome dos outros, mostrar a época, a</p><p>região, o lugar. Esse encontro na alteridade faz com que o autor</p><p>demonstre a capacidade de apreender o real para expor o interior de seu</p><p>ser: “O poeta se fecha em uma visão de um mundo que faz a relação</p><p>harmoniosa entre o homem e o cosmos. Ele se fecha em um sonho</p><p>imóvel e sereno, que é desejo de uma matriz onde ele desfruta de uma</p><p>vida fetal”61 (FONDVILLE, 2009, p. 793, tradução nossa).</p><p>A outra perspectiva se vincula à nostalgia; é a ilusão de encerramento</p><p>em um mundo pleno. Senghor reinventa o paraíso perdido, por meio do</p><p>seu Reino da Infância. A eliminação da angústia dessa fase pueril, dos</p><p>desejos contraditórios do ser que é percebido através do sentimento de</p><p>plenitude �gura na forma circular da lua cheia. Essa plenitude se</p><p>encontra na contemplação, no olhar que se dirige ao outro. O sonho da</p><p>angústia revela a distância entre a contemplação do objeto e o homem.</p><p>Há imagens representativas da fuga condensadas nos seres vivos, nos</p><p>animais. O inconsciente onírico e a angústia mudam o centro da</p><p>gravidade dos desejos, a consciência. O conhecimento orienta a a�ição,</p><p>não para que seja tomada a consciência, mas no sentido de criação</p><p>artística para que ela seja atemporal. Assim, o renascimento do homem</p><p>em seu interior revela imagens profundas de mitos fundadores, a</p><p>atividade onírica se mescla às sensações físicas para o nascimento da</p><p>imagem poética, na qual, se apresentam a náusea, a febre e os delírios.</p><p>Algumas vezes, a imagem dos animais é admitida na experimentação</p><p>integrando o processo de composição lírica.</p><p>A angústia na criação poética, torna-se, en�m algo onipresente. A</p><p>provocação dada pelo vazio se faz presente. A lírica, mostra-se como um</p><p>grito que surge no silêncio ou no mistério da natureza e se destina ao</p><p>outro, no momento de ser visto. Sem assimilação na nas identidades de</p><p>um povo de línguas próprias. Fondville (2009) ao enveredar por alguns</p><p>vieses de Senghor, considera que referir-se ao outro é uma maneira de ver</p><p>a si mesmo. Além de registrar que o grito ou o silêncio podem</p><p>representar o sentimento de um povo ou nação.</p><p>Esse posicionamento corrobora com a ideia de que a poética emana o</p><p>sentimento de transcendência individual, o lirismo traduz a linguagem</p><p>sentimental, a memória guardada. A forma discordante é o paradoxo na</p><p>escrita poética e transcende o pensamento individual: “Essas sonoridades</p><p>bárbaras batem em nossos ouvidos suas entonações discordantes. Como</p><p>existe uma música negra e uma arte negra, existe uma poesia negra,</p><p>original, diferente, na qual, os representantes maiores são Aimé Césaire, o</p><p>antilhano e Senghor, o africano” (XAVIER, 2002, p. 08, tradução nossa)62.</p><p>Outrossim, da interpretação do objeto denso nasce o mito na poesia</p><p>popular: “Sacralizar o objeto ou a matéria é reconhecer as qualidades</p><p>essenciais ao seu uso. Acontece que este aqui é cotidiano e determina</p><p>uma atitude diante da natureza. Ele entra na existência”63 (DIAKHATÉ,</p><p>1961, p. 60, tradução nossa, grifo do autor). Essa perspectiva, antecipa</p><p>Xavier (2002), pois o autor considera o lírico uma forma de tradução dos</p><p>sentimentos humanos e das diversas atitudes. Além disso, ele registra a</p><p>di�culdade que envolve práticas de alteridade que são chamadas pelo</p><p>autor de razões de viver.</p><p>O negro-africano propõe a própria interpretação do universo, a</p><p>mitologia compõe a narrativa, a maneira de contar de cada pessoa que se</p><p>dispõe à natureza, para compreender o mundo e a si mesmo. O olhar da</p><p>vidência é a ação manifesta no próprio verbo. A atitude diante da vida,</p><p>atualiza-se a partir do encontro com a natureza. No mais, há uma</p><p>transposição para a vida cotidiana ilustrada pela intervenção dos</p><p>elementos cósmicos nas tradições. Algumas vezes, há uma ligação entre o</p><p>mito pagão e o mito religioso, a representação do indivíduo não se limita</p><p>a morte, que não é considerada o �m. Nas sociedades animistas a morte</p><p>não é o �m da vida. O espaço e o tempo são bases para a criação e os</p><p>elementos que compõem este cenário são: fogo, água, lua, árvore, seres e</p><p>pessoas.</p><p>O tempo e o espaço são sentidos ou visualizados. Eles são elementos</p><p>determinantes para as atividades da vida. Os ancestrais são preceptores do</p><p>mundo. O mito é usado como fonte da criação, permitindo a</p><p>transposição do real, das coisas que não podem ser explicadas facilmente,</p><p>tal como “Essa identi�cação com o animal símbolo da força equilibrada,</p><p>símbolo da coragem e da bravura. O leão, rei da �oresta, animal</p><p>reconhecido pela dignidade de seu comportamento; animal protetor dos</p><p>fracos nos contos 64 (DIAKHATÉ, 1961, p. 66, tradução nossa).</p><p>Os animais transcendem a forma humana, a imagem do leão, por</p><p>exemplo, está presente nos versos, nos quais o leão é celebrado, um</p><p>símbolo mitológico que se apresenta de forma dúbia. O mito existe na</p><p>oralidade organizando a forma de vida e a concepção de mundo. A</p><p>criação, desenvolve-se a partir da condição de ver o mito que permite</p><p>esse duplo aprofundamento da forma, por meio da palavra e das forças</p><p>cósmicas, que muitas vezes compõem o objeto. A nostalgia, presente no</p><p>Reino da infância, é a forma transcendental.</p><p>Segundo Diakhaté (1996) a noite é o mito mais persistente na cultura</p><p>negro-africana. Com ela se tem os mistérios e as imagens. Tanto a</p><p>mistura de sentimentos angustiosos que tendem à evocação de imagens</p><p>surreais, quanto à dominação que vem com o cair da noite, na escuridão.</p><p>A re�exão dos fatos da vida, torna-se mais lenta, pois o espaço e esfera</p><p>noturna são reveladores. Justi�ca-se: é durante a noite que as pessoas tem</p><p>sonhos e na cultura senegalesa este momento, vincula-se ao aspecto</p><p>cultural, pois eles acreditam que o indivíduo pode se encontrar consigo</p><p>mesmo, desvelar-se através do sonho.</p><p>O noturno permite, ainda, a tensão e a consequente iniciação. A noite</p><p>revela um tempo em que os ancestrais podem proporcionar um</p><p>encontro real, no qual, as pessoas podem encontrar com os mortos ou</p><p>com seu próprio espírito: “Celebrar as virtudes da Noite e invocar o</p><p>Espírito supõe um grau de iniciação profunda”65 (DIAKHATÉ, 1961, p.</p><p>71, tradução nossa). Há duplicidade nas vozes poéticas, especialmente, na</p><p>evocação ancestral que remonta os mitos africanos. Por exemplo, o</p><p>sangue é um elemento comum nesta mitologia. Ele é o elemento de</p><p>mutação de pessoas e ao mesmo tempo de aproximação, pois, é o sangue</p><p>que une a mãe e o �lho. O sangue representa o início, o momento em</p><p>que a pessoa passa a compreender o que é a honra, dando continuidade à</p><p>linhagem, a sucessão familiar. A consanguinidade entre homens e</p><p>animais é, também, mito recorrente nessas comunidades.</p><p>Na perspectiva �losó�ca já se investigou o mito na concepção</p><p>linguística e na etimologia como veículo de interpretação. Nesse sentido,</p><p>na mitologia superior, acreditou-se que a essência de cada con�guração</p><p>mítica pudesse ser lida a partir de seu nome. Cassirer (1992, p. 17, grifo</p><p>do autor) explicou assim:</p><p>A ideia de</p><p>que o nome e a essência se correspondem em uma relação intimamente</p><p>necessária, que o nome não só designa, mas também é esse mesmo ser, e que contém em</p><p>si a força do ser, são algumas das suposições fundamentais dessa concepção</p><p>(Anschauung) mítica, suposições que a própria pesquisa �losó�ca e cientí�ca também</p><p>parecia aceitar. Tudo aquilo que no próprio mito é intuição imediata e convicção vivida,</p><p>ela converte num postulado do pensar re�exivo para a ciência da mitologia; ela eleva,</p><p>em sua própria esfera, ao nível de exigência metodológica a íntima relação entre o nome</p><p>e a coisa, e sua latente identidade.</p><p>O método foi aprofundado e aperfeiçoado através da história da</p><p>investigação mitológica, da história da �lologia e da ciência da</p><p>linguagem. Toda designação linguística é ambígua e, nesta forma, na</p><p>paronímia das palavras está a fonte de todos os mitos. Se considerarmos</p><p>que o mito re�ete algo real, o re�exo nunca alcançará a totalidade.</p><p>Segundo o �lósofo “[...] toda plasmação artística será também mera</p><p>reprodução, que permanecerá sempre e necessariamente à retaguarda do</p><p>original” (CASSIRER, 1992, p. 20). A cópia existe a partir do sensorial e é</p><p>o resultado da idealização, pois a ela própria não passa de distorção</p><p>subjetiva e des�guração. Os sons da linguagem expressam o caráter</p><p>subjetivo e objetivo, o mundo interno e externo; o que transparece no</p><p>texto não atinge a realidade, e sim, alude à primeira ideia. O que resta é</p><p>pouco diante da multiplicidade da percepção humana.</p><p>1. 4 NASCE UMA IDEIA</p><p>o pós-guerra, durante os anos de 1947-1948, revistas contextualizaram e</p><p>debateram o tema do racismo, debate que inclusive serviu como ponto</p><p>N</p><p>de partida para contestações políticas feitas na época. Entre as</p><p>publicações, destacamos os “Cadernos socialistas” (Cahiers</p><p>Socialistes, n. 16 e 17) e a “Revista Internacional” (Revue</p><p>Internationale, n. 19); essa última propôs uma edição inteira, na qual, a</p><p>discussão era sobre os judeus e negros que viviam nos Estados Unidos66.</p><p>Outras publicações, no mesmo período, surgiram e reforçaram as</p><p>abordagens. Eram as revistas: “A nave” (La Nef, n. 38) na África Negra67,</p><p>“Os tempos modernos” (Les Temps modernes) e “Presença africana”</p><p>(Présence Africaine). A crítica destes periódicos se posicionava contra o</p><p>racismo, o qual, considerava-se que deveria ser banido. Mas, foi somente</p><p>após 1972 que o termo raça passou a ser contestado cienti�camente pelo</p><p>professor Jacques Ru�é. O debate iniciou durante uma aula inaugural</p><p>no Collège de France com a apresentação do artigo “Antropologia física e</p><p>raças humanas” (Anthropologie physique et races humaines) que foi</p><p>apresentado pela primeira vez em formato de conferência em 1972. Na</p><p>íntegra, o texto só foi publicado em 1973. O pesquisador não contestava</p><p>o racismo pontualmente, mas ele explicou a motivação que justi�cava a</p><p>reivindicação e revolta nas colônias francesas. Além da repressão em</p><p>Madagascar e posteriormente, em Camarões e Argélia, neste contexto</p><p>revolucionário ocorreu a Guerra na Indochina, período de con�ito sobre</p><p>o qual anotamos as considerações feitas por Ayerbe (2002, p. 160):</p><p>A permanente busca do equilíbrio de forças, a partir de uma postura pragmática na</p><p>política de alianças, será a marca distintiva do período presidencial de Nixon.</p><p>Explorando o con�ito sino-soviético, ele se aproxima da China em 1971, o que não</p><p>impede o início dos acordos de limitação de armas estratégicas com a União Soviética. A</p><p>descentralização dos con�itos para evitar o confronto direto das duas superpotências</p><p>conduz à vietnamização da guerra na Indochina e à retirada das tropas americanas. Com</p><p>a intervenção na guerra de Yom Kippur, os Estados Unidos obtêm um cessar-fogo no</p><p>momento em que as tropas egípcias enfrentavam di�culdades e a União Soviética estava</p><p>prestes a interferir no con�ito.</p><p>Em consequência, o império colonial francês se enfraqueceu, diante do</p><p>apoio que recebeu dos Estados Unidos (BESSON, 1931). Eles foram</p><p>hostis na colonização da África e Ásia. Por outro lado, a Declaração</p><p>Universal dos Direitos Humanos, de 10 de dezembro de 1948 favoreceu a</p><p>proteção aos direitos no mundo. A ascensão da União soviética68 reforçou</p><p>o caráter comunista e as formas de independência africanas. Aliados aos</p><p>movimentos sindicais e ao Partido Comunista Francês, iniciou-se um</p><p>processo de condenação do colonialismo. Em 1946, os deputados</p><p>votaram contra os trabalhos forçados. Em 1949, Aimé Césaire começou a</p><p>desenvolver propostas para transformar as colônias em Departamentos</p><p>franceses ultramarinos. Ele foi representante no debate e posicionamento</p><p>contra a assimilação.</p><p>A partir dos anos 1950 e 1960, o discurso era em torno da condenação,</p><p>desta vez do imperialismo estadunidense. Na conferência de Brazzaville</p><p>que ocorreu em 8 de fevereiro de 1944, o general Charles de Gaulle</p><p>anunciou as reformas sob o aspecto da União francesa que em 1956</p><p>transformou as colônias em departamentos (SENA, 2012).</p><p>Nesse contexto, os intelectuais, em Paris, logo se tornaram ativistas:</p><p>Senghor tornou-se político, em 1947, no Senegal; Césaire foi eleito</p><p>deputado na Martinica em 1945 e Léon-Gontran Damas em 1948 na</p><p>Guiana francesa. Além deles, Alioune Diop foi eleito senador no Senegal,</p><p>e assim a revista se tornou um meio de legitimação desses autores; uma</p><p>espécie de canal que reunia �guras políticas/ intelectuais que tinham</p><p>entre seus objetivos valorizar a escrita e cultura africana.</p><p>Em 1948, Senghor publicou sua antologia no momento em que se</p><p>comemorava a abolição da escravatura. As obras, nesta ocasião,</p><p>representavam um brado contra a opressão política e cultural do</p><p>ocidente. A Antologia da nova poesia negra e malgaxe de língua francesa</p><p>(Anthologie de la nouvelle poésie nègre et malgache de langue française, 1948)</p><p>iniciou o processo de reconhecimento da literatura negra-africana, em</p><p>língua francesa e ela não se parecia, nem lembrava, a literatura francesa</p><p>canônica, embora as literaturas francófonas fossem consideradas, por</p><p>alguns autores, como “derivadas” da primeira (COMBE, 1995). Sem</p><p>obliterar que antes de 1948 outras publicações anunciavam, desde 193269,</p><p>as questões que encaminharam a Négritude. Gounongbe e Kesteloot</p><p>(2007, p. 82, tradução nossa, grifo dos autores) a�rmaram que;</p><p>Foi Senghor, en�m, quem criou as Novas Edições Africanas (NEA) que publicavam as</p><p>obras vindas de toda a África. Foi ele quem impulsionou o estilo do paralelismo</p><p>assimétrico na arquitetura que inspirou a construção de inúmeros edifícios públicos, do</p><p>Camarões ao Congo. Seu papel de mecenas foi determinante na imagem e na in�uência</p><p>do Senegal no exterior. Essa imagem permanece hoje mais do que nunca, quando foi</p><p>celebrado em sua ausência e seu centenário70</p><p>Com temas relativos à cultura e as artes, as publicações que seguiram</p><p>�caram conhecidas nos territórios ou departamentos franceses e em</p><p>outros países. Senghor apesar de ser um grande motivador da</p><p>Francofonia, jamais deixou de valorizar as publicações feitas em língua</p><p>materna e sempre se mostrou um incentivador. Kesteloot (2006, p.175,</p><p>tradução nossa) registrou as palavras do autor:</p><p>Nós avançamos lentamente, certamente, mas nós avançamos metodicamente e sabe-se</p><p>bem que eu jamais desencorajei nem os estudos de linguística negro-africana nem as</p><p>publicações em língua nacional: eu faço doações aos organismos, como a associação para</p><p>os Pulaar.71</p><p>No Brasil, Bernd (2011) concorda com o surgimento do termo nos</p><p>anos 1960 e ao empregá-lo, em sentido mais amplo, a professora a�rmou</p><p>que “A poesia que se inspira na tomada de consciência está duplamente</p><p>vinculada à questão da identidade: ela se origina da consciência de sua</p><p>perda e se desenvolve na busca de sua reconstrução” (BERND, 2011, p.</p><p>16). Senghor de�niu como o conjunto de valores culturais da África</p><p>negra. Ao notar sobre o que isso representava, ele explicava que era</p><p>preciso incarnar a cultura negro-africana na realidade do século XX, e</p><p>que dessa forma, se faria de maneira solidária a integração do</p><p>movimento no mundo contemporâneo. Em Césaire e Senghor: Uma ponte</p><p>sob o Atlântico</p><p>(Césaire et Senghor: Un pont sur l’Atlantique, 2006),</p><p>podemos ler um trecho da Conferência de Psicologia Negro-africana</p><p>(KESTELOOT apud SENGHOR, 1945, p. 50, tradução nossa):</p><p>Eu, frequentemente, escrevo que a emoção era negra. Alguns, me reprovaram. Ledo</p><p>engano. Eu não vejo como podemos dar conta, de outra forma, da nossa especi�cidade,</p><p>dessa negritude que é um conjunto de valores culturais do mundo negro, incluindo as</p><p>Américas, e que Sartre de�niu como uma certa atitude afetiva a respeito do mundo72</p><p>Além dessa de�nição se aplicam as alusões à terra natal e há presença</p><p>de elementos noturnos, como podemos ler em: “Noite que me livra das</p><p>razões, dos salões, dos so�smas, das piruetas, dos pretextos, dos ódios</p><p>calculados, das carni�cinas humanizadas. Noite que derrete todas as</p><p>minhas contradições, todas contradições na unidade primeira da</p><p>Negritude”73 (id., ib., tradução nossa). Outras vezes a indicação é feita a</p><p>partir da cor, a raça excluída do mundo moderno: “[...] a nobreza de</p><p>sangue negro proibida/ E a Ciência e a Humanidade, elevam as suas</p><p>cordas de polícia fronteiriça da Negritude”74 (KESTELOOT apud</p><p>SENGHOR, 1942, p.133, tradução nossa).</p><p>É, também, revolta contra o homem branco, a recusa de não se deixar</p><p>assimilar (KESTELOOT apud SENGHOR, 1959, p. 25, tradução nossa):</p><p>Está tanto na Independência quanto na Negritude. É, antes, uma negação, eu disse, mais</p><p>precisamente a a�rmação de uma negação. É o momento necessário de um movimento</p><p>histórico: a recusa do Outro, a recusa de o assimilar, de se perder no outro. Mas, como</p><p>esse movimento é histórico, ele é, ao mesmo tempo, dialético. A recusa do Outro, é a</p><p>a�rmação de si75.</p><p>Négritude e Francofonia, segundo a autora não são termos muito</p><p>distantes. O primeiro foi utilizado em referência às origens africanas e o</p><p>segundo expressa apropriação da língua francesa. Senghor, inúmeras</p><p>vezes, pode se servir desse conceito, conforme suas demandas, fossem elas</p><p>literárias ou políticas. Kesteloot considera que há uma espécie de</p><p>romantismo quanto ao uso da língua africana e que foi suspenso pela</p><p>língua do colonizador. Por isso, esses autores que são perfeitamente</p><p>bilíngues, reivindicam esse direito de manifestação. Ao ser questionado</p><p>sobre os motivos que o levavam a ser um defensor da língua francesa</p><p>Senghor respondeu em entrevista, posteriormente publicada, em O sol</p><p>(Le soleil) no ano de 1972, que (KESTELOOT, 2006, p. 173, tradução</p><p>nossa);</p><p>A Negritude deve ser um enraizamento e não um gueto. Um enraizamento e uma</p><p>abertura ao mesmo tempo. É por isso que eu sou a favor da Francofonia, porque nós</p><p>precisamos de uma língua de comunicação internacional. Porém do ponto de vista da</p><p>comunicação da clareza, eu não conheço língua superior à língua francesa.76</p><p>Nesta citação, a concepção de Senghor se opõe completamente a de</p><p>Fanon. Vejamos: “[...] o negro antilhano será tanto mais branco, isto é, se</p><p>aproximará mais do homem verdadeiro na medida em que adotar a</p><p>língua francesa” (FANON, 2008, p. 34). Nesta concepção, ele recupera a</p><p>assertiva que o negro “se quer” branco para ser aceito socialmente, e por</p><p>esse motivo, reivindica a condição de ser e não “ser negro”. Para o autor,</p><p>reconhecer esta ou aquela língua como superior é reforçar a condição de</p><p>inferioridade dos povos colonizados. É separar as linguagens em dois</p><p>usos: do colonizador e colonizados. Além disso, Fanon critica, nestes</p><p>termos, os franceses nascidos nas ex-colônias ou territórios que vão à</p><p>França e depois de um tempo voltam “transformados”. Ao citar</p><p>Damourette e Pichon registra que “todo idioma é uma forma de pensar”</p><p>e que a mudança na linguagem representa um deslocamento, uma</p><p>clivagem” (id., p. 40, grifo do autor).</p><p>Esse pensamento se opõe ao do senegalês que considerou a língua</p><p>francesa um meio que serviria ao compartilhamento. Ressalvamos que</p><p>dada a necessidade de uso de uma língua internacional, consideramos</p><p>que essa perspectiva se aproxima mais dos autores híbridos, assim</p><p>explicados: “No Brasil não se produz uma distinção clara, como nas</p><p>sociedades europeias, entre a cultura artística e o mercado massivo, nem</p><p>suas contradições adotam uma forma tão antagônica”77 (CANCLINI,</p><p>1989, p.66, tradução nossa). Apesar de se referir ao contexto da América</p><p>Latina, o argentino ao fazer o comparativo da condição do escritor na</p><p>Europa (que exerce o ofício como pro�ssão) pontua uma questão que</p><p>também se aplicará aos autores da diáspora: eles são escritores, servidores</p><p>públicos, docentes, entre outras pro�ssões, e essa característica o</p><p>constituem o autor híbrido. Aqueles que escreveram em língua</p><p>estrangeira para se tornarem conhecidos no meio literário e para que</p><p>sejam reconhecidos entre os que escreveram em outras línguas que são</p><p>conhecidas pelo compartilhamento cultural e intelectual.</p><p>A contraponto convém registrar que a situação de silenciamento das</p><p>línguas maternas permanece, pois, na maior parte das escolas dos países</p><p>colonizados pela França, muitas se recusam a reconhecer o estatuto</p><p>cultural e o uso escolar das línguas africanas nas instituições de ensino.</p><p>Assim sendo, os estudantes falam francês, por obrigação, em seus</p><p>estabelecimentos de estudos, mas, eles mantem entre si, o contato de suas</p><p>línguas familiares e locais.</p><p>Notamos ainda que, a abordagem sobre a mestiçagem cultural e o</p><p>processo de aculturação estão presentes na escolarização ocidental. A</p><p>imposição do idioma e a repetição dos padrões do sistema educativo</p><p>europeu, nos países que antes foram colônias, transformaram o espaço e</p><p>as relações culturais nesses territórios. Além disso essas mudanças são</p><p>agregadas à outras in�uências, que mesclam caracteres naturais desses</p><p>povos e dos franceses, por exemplo. Ángel Rama (2008, p. 41, tradução</p><p>nossa) assinalou que:</p><p>Com maior frequência, contudo, as culturas internas recebem a in�uência</p><p>transculturadora desde suas capitais nacionais ou a partir da área que está em contato</p><p>estreito com o exterior, o qual traça um variado esquema de disputas. Se acontecer que a</p><p>capital, que é normalmente a orientadora do sistema educativo e cultural, estar atrasada</p><p>na modernização relativamente aos acontecimentos numa das regiões internas do país,</p><p>teremos um julgamento que lhe farão os intelectuais desta aos da capital.78</p><p>Nestes termos, a antropologia e a história explicam que todas as</p><p>civilizações são resultantes de grandes momentos de mestiçagem cultural</p><p>e biológica e este é um processo natural e consequente. Em A poesia da</p><p>Ação (La poésie de l’action, 1980) Senghor a�rmou que grandes</p><p>civilizações são mestiças, por exemplo, o Egito, a Índia e a França, que se</p><p>compuseram a partir da união de vários povos. A teoria da mestiçagem</p><p>obedeceu a �loso�a mais exaustiva, complementar das raças e culturas.</p><p>Na obra citada, o autor assinalou que a mestiçagem resulta, ainda, do</p><p>antagonismo das raças e povos, além de ser o melhor caminho para a</p><p>igualdade se considerarmos que os povos são fraternos.</p><p>3. No original: “Il y a une pensée du fragmentaire parce qu’il y a une pensée de la vie et que celle-ci ne</p><p>peut être pensée en totalité par l’individu qu’achevée. Et il y a pour la modernité la nécessité d’une</p><p>pensée de la vie à la fois parce que reconstruire la vie est un impératif dans un siècle de désastres et parce</p><p>qu’après la faillite des pensées globalisantes, le seul matériau pour la pensée est o�ert para la vie”.</p><p>4. No original “Le mot francophone signi�e celui qui parle la langue française et la francophonie les</p><p>espaces où l’on parle le français. Ce sont en fait les pays où le français est soit la langue maternelle, soit la</p><p>langue o�cielle, soit la langue courante ou administrative”.</p><p>5. No original: “Fondamentalement, le terme francophonie renvoie à une diversité géographique et</p><p>culturelle organisé par rapport à un fait linguistique : à la fois, l’ensemble des régions où le français est</p><p>réputé jouer un rôle social incontestable et l’ensemble de celles (à l’exception de la France) où existent des</p><p>locuteurs de langue première”.</p><p>6. No original: “Essentiellement dans une volonté de donner à voir au</p><p>monde toute la richesse des</p><p>civilisations noires, en réaction contre la politique d’assimilation culturelle chère au colonisateur, on</p><p>distingue aisément plusieurs courants et périodes essentiellement marqués par la �n de la période</p><p>coloniale – la France a célébré en 2010 le cinquantenaire des indépendances africaines –, les</p><p>indépendances et ce que les Anglo-Saxons dé�nissent comme le postcolonial.”</p><p>7. No original: “En considérant la dynamique sociale française contemporaine et sa représentation sur le</p><p>marché littéraire, mais aussi les institutions culturelles les plus in�uentes (prix littéraires, collections,</p><p>maisons d’éditions, listes scolaires, média culturels), on remarque qu’une position de plus en plus centrale</p><p>est occupée par un paradigme distinct d’écrivains, dont l’origine nationale non-francophone complique</p><p>leur catégorisation.”</p><p>8. No original : “La consécration y occupe une place clairement déterminée dans le processus de</p><p>légitimation des œuvres et des auteurs, qui se laisse appréhender selon quatre étapes théoriques. La</p><p>première est celle de l’émergence (vouloir-être de la littérature), qui est prise en charge par des instances de</p><p>la vie littéraire telles que les salons, cénacles, écoles ou revues. La seconde correspond à la reconnaissance</p><p>(être de la littérature) et est essentiellement assurée par les éditeurs. La troisième étape est spéci�quement</p><p>celle de la consécration (être de la bonne littérature) et est le fait d’instances telles que la critique, les</p><p>académies et les jurys. La quatrième et dernière phase du processus de légitimation est la canonisation</p><p>(être un modèle de littérature, faire partie du patrimoine littéraire) et s’opère au sein de l’institution</p><p>scolaire (programmes, manuels, dictionnaires des auteurs et des œuvres, anthologies, etc.).”</p><p>9. Sobre assimilação consideramos: 1) Senghor e a civilização do universal (Senghor et la civilisation</p><p>de l’universel, 2013), obra na qual, Gnaléga a�rma que todas as raças, nações e culturas diferentes</p><p>deveriam se encontrar num momento de compartilhamento, e seus valores, jamais deveriam ser</p><p>substituídos. 2) “Senghor: um poeta político” (Senghor: un poète politique, 1996) de Charles</p><p>Carrère e Hamidou Dia. Em 1949, Senghor organizava, enquanto deputado do Senegal, com</p><p>outros homens um grupo de que seria conhecido como “Os Independentes dos Além-mar” (Les</p><p>indépendantes d’Autre-Mer), no qual, ele seria o chefe. O objetivo deste grupo era se �liar ao</p><p>Movimento Republicano Popular que vinculava a sócio democracia cristã, liderada por Georges</p><p>Bidault e Robert Schuman. Nesse contexto, Senghor rompeu seu apoio à Lamine Guèye que</p><p>representava o partido socialista da época. Ele acreditava que esses políticos eram tidos como</p><p>assimilados, algo que jamais aceitou, pois, reivindicava que a nacionalidade francesa era, em si,</p><p>um direito que poderia favorecer a educação de muitos jovens senegaleses. Conforme os autores,</p><p>a recusa da assimilação, foi o que debutou as questões que conduziriam à Négritude. Desde o</p><p>princípio, a abordagem versava a partir da cultura.</p><p>10. No original : “Le cosmopolitisme littéraire manifesté en France à plusieurs reprises démontre que</p><p>cette idée de l’universalité des valeurs humaines reste une constante majeure, en dépit de toute complexité</p><p>ultérieure que le phénomène pourrait acquérir. Mais il y a au moins deux di�érences majeures entre les</p><p>précédentes manifestations diachroniques du cosmopolitisme littéraire français et cette nouvelle vague</p><p>que certains spécialistes considèrent à peine à ses débuts.”</p><p>11. No original: “En outre, lorsque les littératures francophones sont introduites dans l’université</p><p>française et dans la critique, dans les années 1960, elles sont souvent présentées en annexe de l’histoire de</p><p>la littérature française, comme leur prolongement naturel. Les principaux auteurs, systématiquement</p><p>rapportés à leurs maîtres ou modèles français, sont analysés et jugés à l’aune de la littérature française ou</p><p>d’autres littératures europhones en guise de canon.”</p><p>12. Publicado no jornal Le Monde em 15 de março de 2007. Disponível em:</p><p>https://www.lemonde.fr/livres/article/2007/03/15/des-ecrivains-plaident-pour-un-roman-en-</p><p>francais-ouvert-sur-le-monde_883572_3260.html. Acesso em: 02 ago. 2020.</p><p>13. No original: “Et c’était bien la première fois qu’une génération d’écrivains issus de l’émigration, au</p><p>lieu de se couler dans sa culture d’adoption, entendait faire œuvre à partir du constat de son identité</p><p>plurielle, dans le territoire ambigu et mouvant de ce frottement. En cela, soulignait Carlos Fuentes, ils</p><p>étaient moins les produits de la décolonisation que les annonciateurs du XXIe siècle. Combien d’écrivains</p><p>de langue française, pris eux aussi entre deux ou plusieurs cultures, se sont interrogés alors sur cette</p><p>étrange disparité qui les reléguait sur les marges, eux « francophones », variante exotique tout juste</p><p>tolérée, tandis que les enfants de l’ex-empire britannique prenaient, en toute légitimité, possession des</p><p>lettres anglaises ? Fallait-il tenir pour acquis quelque dégénérescence congénitale des héritiers de l’empire</p><p>colonial français, en comparaison de ceux de l’empire britannique ? Ou bien reconnaître que le problème</p><p>tenait au milieu littéraire lui-même, à son étrange art poétique tournant comme un derviche tourneur</p><p>sur lui-même, et à cette vision d’une francophonie sur laquelle une France mère des arts, des armes et des</p><p>lois continuait de dispenser ses lumières, en bienfaitrice universelle, soucieuse d’apporter la civilisation</p><p>aux peuples vivant dans les ténèbres ? Les écrivains antillais, haïtiens, africains qui s’a�rmaient alors</p><p>n’avaient rien à envier à leurs homologues de langue anglaise. Le concept de « créolisation » qui alors les</p><p>rassemblaient, à travers lequel ils a�rmaient leur singularité, il fallait décidément être sourd et aveugle,</p><p>ne chercher en autrui qu’un écho à soi-même, pour ne pas comprendre qu’il ne s’agissait déjà rien de</p><p>moins que d’une autonomisation de la langue.”</p><p>14. No original: “Toutes les langues doivent être vécues ou parlées”.</p><p>15. No original: “Les Commonwealth littératures sont reconnues comme une branche particulière des</p><p>études anglaises par l’université. Mais, d’une manière similaire à la francophonie, l’étiquette est contestée</p><p>par certains auteurs eux-mêmes, soit pour des raisons pratiques, soit pour des motifs idéologiques,</p><p>développés par exemple, par Salman Rushdie dans Patries imaginaires. [...] À la séparation raciste,</p><p>littérature anglaise / littératures du Commonwealth, il oppose sa propre dé�nition de la littérature</p><p>anglaise qu’il considère simplement littérature anglaise.</p><p>16. No original: “Pour ces écrivains en e�et, écrire devient alors un véritable ‘acte de langage’, car le choix</p><p>de telle ou telle langue d’écriture est révélateur d’un ‘procès’ littéraire plus important que les procédés mis</p><p>en jeu. Plus que de simples modes d’intégration de l’oralité dans l’écrit, ou que la représentation plus ou</p><p>moins mimétique des langages sociaux, on dévoile ainsi le statut d’une littérature, son</p><p>intégration/dé�nition des codes et en�n toute une ré�exion sur la nature et le fonctionnement du</p><p>littéraire”.</p><p>17. No original: “Por otra parte, lo hibrido nos remite a aquello que pertenece a diferentes ámbitos al</p><p>mismo tiempo y en ese sentido creo yo que no puede tener una identidad permanente aquello que es</p><p>hibrido. Me parece importante señalar que los procesos de hibridación no son un fenómeno nuevo:</p><p>siempre han existido y van a existir en las sociedades en general, aunque se ha aludido a ellos con otro</p><p>nombre.”</p><p>18. A tradução literal do termo seria pequeno-negro, que em língua portuguesa do Brasil contém</p><p>o sentido de menor, tamanho. Contudo, entendemos que o uso empregado por Glissant tem</p><p>sentido de redução, de menor, mas com sentido pejorativo. Por isso, optamos pela tradução</p><p>utilizando o diminutivo.</p><p>19. No original: “La créolisation est, bien sûr, le métissage, mais le métissage qui produit un résultat</p><p>1) as obras são</p><p>contemporâneas e ocorreram em espaços geográ�cos e culturais</p><p>diferentes; 2) elas apresentam singularidade, no que tange a construção</p><p>poética, pois, a maioria dos poemas traduzem a cultura oral, 3)</p><p>compartilham saberes, por meio da linguagem e usam a poética como</p><p>fonte para tradução cultural. Além dessas, notamos que os poemas,</p><p>considerando o contexto de seus escritores, receberam diversas nuances e</p><p>propostas interpretativas consoantes a cada período. Nesse ponto</p><p>podemos dizer que há um encontro nas produções, pois, os poetas</p><p>apresentam elementos especí�cos da cultura que englobam a linguagem</p><p>intertextual e as especi�cidades de um movimento intelectual e político.</p><p>Esses elementos denotam traços da identidade, assim como se compõem</p><p>a partir de aspectos característicos da lírica modernista, edi�cados no</p><p>estilo de cada escritor.</p><p>Os autores utilizam recursos que são estruturantes, um deles é a</p><p>oralidade, que se registra em versos, partituras, tambores, percussão, vozes</p><p>de coros e ladainhas. Entendemos por isso que o melhor caminho para</p><p>estudar estas relações seria compor uma análise que pudesse envolver os</p><p>estudos sobre tradução e poética, para dessa forma aliar os estudos</p><p>culturais às características que surgem a partir da Negritude/ Négritude.</p><p>Assim, iniciamos o percurso com algumas questões sobre a tradução. A</p><p>primeira, se refere ao aspecto inter, no qual, se lê “[...] na tradução</p><p>intersemiótica, como tradução entre os diferentes sistemas de signos,</p><p>tornaram-se relevantes as relações entre os sentidos, meios e códigos”</p><p>(PLAZA, 1987, p. 45). Os estudos da tradução e cultura, aliados à Teoria</p><p>literária e a comparação, enquanto método, serviram de recurso para</p><p>descoberta da literatura modernista, a brasileira e a estrangeira.</p><p>O termo tarefa foi empregado por Walter Benjamin (2008) para tratar</p><p>sobre a tradução. Britto (2012) ao usar o termo fez re�exões que</p><p>coincidem com aquelas feitas pelo �lósofo sobre o tradutor e a</p><p>atualização da obra literária. Segundo Benjamin (2008) a atualização</p><p>decorre, a cada momento, em que se realiza o ato de leitura e o leitor tem</p><p>papel fundamental nesse processo. Assim entendemos que se nenhum</p><p>texto é inteiramente original, tão logo, a tradução não pode sê-la. Ao</p><p>aprofundar o debate, o crítico que é também tradutor a�rmou que isso</p><p>se aplica, também, ao caso das adaptações, comparando-as àquelas, nas</p><p>quais, toda a ação se passa em um dia: “Se é possível ter acesso ao sentido</p><p>único de um original (mesmo que ele exista) já que os textos admitem</p><p>múltiplas leituras, não se pode ter acesso à intenção do autor ao escrever</p><p>o texto. Logo, o sentido de �delidade cai por terra” (BRITTO, 2012, p.</p><p>24).</p><p>Por esse motivo, não vamos debater os antecedentes que compõem a</p><p>Teoria da tradução ao longo do tempo, para dessa forma fazer um</p><p>traçado histórico e chegar até o debate que convoca os Estudos culturais</p><p>para a composição da Tradução cultural. Pensamos, em princípio,</p><p>pontuar concepções sobre a tradução e as relações mais próximas entre</p><p>obra, o autor e época, mas, preferimos pensar a tradução em aspectos</p><p>literários e culturais. Assim, consideramos a seguinte a�rmação sobre a</p><p>quem cabe discutir a problemática desses conceitos “a história dos</p><p>estudos da tradução deveria, portanto, ser encarada como uma área de</p><p>estudo essencial para o teorizador contemporâneo, mas não deveria ser</p><p>abordada de uma perspectiva redutora e restrita” (BASSNETT, 2003,</p><p>p.128). Ou seja, não pretendemos ser este “teorizador” e realizar o debate</p><p>sobre as épocas e o que foi a tradução, neste ou naquele período.</p><p>Pretendemos somente discutir questões mais recentes sobre a tradução</p><p>literária, para dessa forma, pensar as escolhas que devem ser feitas na</p><p>tradução de Éthiopiques que apresentaremos. A nosso ver, é preciso</p><p>perceber o objeto, compreender e estudar as especi�cidades para fazer as</p><p>escolhas pertinentes à tradução.</p><p>Para Bassnett (2003) se materialismo dialético não reconhece ou ignora</p><p>os modos de produção, nos quais, foram concebidos os textos “podem</p><p>perder-se, se a leitura não tomar inteiramente em conta a estrutura global</p><p>da obra e a sua relação com o tempo e o lugar em que foi produzida”</p><p>(BASSNETT, 2003, p.135). O primeiro contato do tradutor com a obra é</p><p>como leitor na “língua de partida”, para se empregar os termos da autora,</p><p>depois ele traduz para a “língua alvo” e essa abordagem é feita por um</p><p>conjunto de sistemas. Bassnett (id., p. 162, grifo da autora) salientou que</p><p>A tradução de poesia situa-se no ponto axial onde vários tipos de interpretação se</p><p>interseccionam com vários tipos de imitação e derivação. O tradutor continua a</p><p>produzir novas versões de um dado texto, não tanto para atingir uma tradução</p><p>perfeita ideal, mas porque cada versão anterior, sendo determinada pelo contexto,</p><p>representa uma leitura acessível à época em que foi produzida, e além disso, é</p><p>individual.</p><p>No caso das obras em questão, elas contêm no corpus um processo</p><p>intersemiótico e que funciona na estrutura global da expressão material,</p><p>pois, alia elementos aos versos, como por exemplo, a oralidade. Para</p><p>melhor explicar, situamos as produções meneziana e senghoriana que se</p><p>apresentam com poemas que devem ser lidos aos toques de instrumentos</p><p>musicais e que tem o maior destaque dado ao tambor. Esse instrumento</p><p>se integra ao conjunto poético, juntamente com cânticos, ladainhas,</p><p>corais e, no primeiro, também às ilustrações.</p><p>A princípio, pensamos em analisar somente as relações intersemióticas</p><p>que se instituem a partir das ilustrações que compõem a edição escolhida</p><p>de Batuque (1966) mas, decidimos fazê-lo outro momento dada a</p><p>extensão das obras, principalmente, a tradução que propomos fazer de</p><p>Éthiopiques. Percebemos que a trajetória que inclui a investigação dos</p><p>conceitos deve ter em vista não apenas a linguagem, tão pouco deve ser</p><p>feita a mera comparação temática dos “usos” poéticos. O que</p><p>pretendemos é identi�car a maneira, a qual os autores traduziram</p><p>referenciais condizentes ao seu tempo, bem como eles elucidaram</p><p>caracteres culturais que podem ter sido in�uenciados (ou não) pela</p><p>Négritude que debutava na Europa. Esse movimento ocorreu a partir das</p><p>publicações de autores afrodescendentes que, em sua maioria, usou a</p><p>língua francesa para espalhar os ideais da Negritude pelo mundo.</p><p>Nessa perspectiva, consideramos que uma característica que pode ser</p><p>pensada como um traço da identidade dos escritores francófonos é a</p><p>comunidade imaginada, que está relacionada aos lugares privilegiados</p><p>nas obras que valorizam a identidade, na qual, os indivíduos se</p><p>reconhecem. Para tanto, consideramos Benedict Anderson na seguinte</p><p>a�rmação: “O que tornou possível imaginar as novas comunidades, num</p><p>sentido positivo, foi uma interação mais ou menos casual, porém</p><p>explosiva, entre um modo de produção e de relações de produção (o</p><p>capitalismo), uma tecnologia de comunicação (a imprensa) e a fatalidade</p><p>da diversidade linguística humana” (ANDERSON, 2008, p. 78). Por isso é</p><p>signi�cativo que temas ligados ao pertencimento, circulação, migração e</p><p>desterritorialização, existam neste contexto teórico. Eles colocam em</p><p>evidência a ideia de movimento no presente literário, além disso fazem</p><p>notar as literaturas em língua estrangeira. As ex-colônias que ainda são</p><p>territórios ou departamentos expressam essa questão de cunho,</p><p>primeiramente, histórico antes mesmo que literário. As questões, antes</p><p>tomadas como regionais, se tornaram globais. E, de fato, escrever nas</p><p>línguas de grande circulação literária no mercado favorece esta</p><p>representação do lugar e dos autores. Por exemplo, citamos os</p><p>francófonos nascidos em territórios franceses e que são mundialmente</p><p>conhecidos, além de Senghor, o guianense Léon-Gontran Damas e Aimé</p><p>Césaire, nascido na Martinica.</p><p>A partir desse apontamento duas questões serviram como ponto de</p><p>partida para que pudéssemos pensar as relações entre a Négritude de</p><p>Senghor e a Negritude de Menezes. Por essa razão, durante a escrita da</p><p>tese, empregaremos os dois termos para fazer referência aos movimentos,</p><p>em seus respectivos</p><p>imprévisible et imprévu. On peut prévoir le résultat du métissage en particulier en science, n’est-ce pas ?</p><p>Deux petits points blancs, un petit point noir, deux petits points de génération en génération, on peut</p><p>prévoir. La créolisation, c’est le métissage dont on ne peut pas prévoir le résultat, par exemple il était</p><p>imprévisible que dépouillant des populations entières et les mettant dans des conditions d’animalité</p><p>pendant des lustres et des siècles, ces populations aux Antilles alors qu’on s’adresse à eux dans une espèce</p><p>de sabir qu’on appelle un petit-nègre, cette population a eu la force, le génie de partir de là, de créer une</p><p>langue qui s’appelle la langue créole en Haïti, en Martinique, en Guadeloupe, en Guyane.”</p><p>20. No original: “Ce terme ne comprend donc pas les langues que l’auteur pourra éventuellement</p><p>convoquer à l’intérieur de ses œuvres (pour des raisons de vraisemblance, de couleur locale, d’érudition)”.</p><p>21. O idioma wolof, também chamado uolofe, uólofe, jalofo ou língua jalofa, fala-se na África</p><p>Ocidental e principalmente no Senegal, mas também em Gâmbia, Guiné-Bissau, Mali, Mauritânia</p><p>ou Maurícia, e mesmo na República Dominicana e nas suas aldeias de Jarabacoa onde moram os</p><p>herdeiros dos senegaleses escravos levados ao porto de Santo Domingo para trabalhar nas</p><p>plantações de cana-de-açúcar. Com o tempo, eles formaram comunidades wolof, conseguindo</p><p>manter viva a língua e a sua cultura. Informação disponível em https://pgl.gal/wolof-lingua-</p><p>materna-do-senegal/. Acesso em 21 mar. 2020.</p><p>22. A língua fula ou fulani (Fulfulde, Fuuta Jalon), também chamada peul em francês, pullaar em</p><p>wolof, fulbe, fulfulde ou pular em fula, é uma língua do ramo senegambiano das línguas nigero-</p><p>congolesas falada, principalmente, na África Ocidental pela etnia fula. Informação disponível em</p><p>https://pt.wikipedia.org/wiki/L%C3%ADngua_fula. Acesso em 21 mar. 2020.</p><p>23. A língua bambara (bamanankan) pertence à família das línguas mandingas. Falada</p><p>principalmente no Mali, ela tem cerca de dez milhões falantes. Informação disponível em:</p><p>https://www.languagesandnumbers.com/como-contar-em-bambara/pt/bam/. Acesso em: 21 mar.</p><p>2020.</p><p>24. Maninka ou malinke é o nome dado a um grupo de várias línguas e dialetos intimamente</p><p>relacionados do subgrupo sul-oriental das línguas mandingas, pertencentes ao grupo mandê, da</p><p>família nigero-congolesa. Informação disponível em:</p><p>https://pt.wikipedia.org/wiki/L%C3%ADnguas_maninkas. Acesso em: 21 mar. 2020.</p><p>25. Nos referimos A tradição viva (La tradition vivante, 2010). Disponível em:</p><p>http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraDownload.do?</p><p>select_action=&co_obra=205171&co_midia=2. Acesso em: 04 ago. 2020).</p><p>26. No original: “Sachant que toute langue d’écriture est une construction à l’intérieur de la langue</p><p>commune, nous formulons l’hypothèse que le plurilinguisme textuel doit être considéré comme un pur</p><p>choix stratégique, plus ou moins ludique selon les cas, pour lequel le premier critère d’analyse reste la</p><p>dynamique globale de l’œuvre ou l’orientation esthétique/idéologique choisie.”</p><p>27. No original: “En los intercambios de la simbólica tradicional con los circuitos internacionales de</p><p>comunicación, con las industrias culturales y las migraciones, no desaparecen las preguntas por la</p><p>identidad y lo nacional, por la defensa de la soberanía, la desigual apropiación del saber y el arte.”</p><p>28. Sererê (seereer) ou serere é um grupo de línguas e dialetos falados pelo povo serer, da África</p><p>Ocidental, no Senegal, na Gâmbia e na Mauritânia. Disponível em:</p><p>https://fr.wikipedia.org/wiki/S%C3%A9r%C3%A8re_(langue). Acesso em: 22 mar. 2020.</p><p>29. No original: “La di�culté est plus tôt due, pour un lecteur français, à un lexique africain rarement</p><p>accompagné d’une périphrase explicative. Le fameux poème Messages des Éthiopiques n’est guère</p><p>compréhensible si l’on ignore que beloup est un titre de noblesse dans l’ancien royaume de Saloum ou</p><p>que guelwâr signi�e énigme en sérère. Les termes désignent l’enracinement culturel d’une poésie qui</p><p>appelle aussi sa philologue.”</p><p>30. Mãe d’água contra a fada Carabosse: teatro conto (Manman Dlo contre la fée Carabosse: théâtre-</p><p>conte) publicado em 1981 mistura o francês e o crioulo da Martinica.</p><p>31. No original: “Senghor développe l’idée d’une Négritude positive, constituée par l’ensemble des</p><p>richesses culturelles du monde noir, la revendication d’une di�érence fondatrice et d’une source tout aussi</p><p>première et vitale que la culture occidentale : Objectivement ; la Négritude est un fait, une culture. C’est</p><p>l’ensemble des valeurs, économiques et politiques, intellectuelles et morales, artistiques et morales.</p><p>Subjectivement, la Négritude, c’est aussi assumer les valeurs de civilisation du monde noir, les actualiser</p><p>et féconder, au besoin avec les apports étrangers, pour le suivre par soi-même et pour soi, mais aussi pour</p><p>les faire vivre par et pour les autres, apportant ainsi la contribution des Nègres nouveaux à la civilisation</p><p>de l’Universel.”</p><p>32. No original : “La civilisation universelle doit donc nécessaire s’inspirer de la civilisation négro-</p><p>africaine. Elle inclut ici les peuples d’Afrique du Nord. Il y a ici un mouvement qui part du nègre pour</p><p>s’étendre à toutes les races ou pour parler comme Josiane Nespoulous-Neuville de la tradition à</p><p>l’universalisme. Cette civilisation de l’universel ne se fait pas par l’absorption des valeurs d’autres</p><p>civilisations. Elle a pour condition sine qua non la capacité d’assimiler les valeurs d’autres aires</p><p>géographiques par les dialogues des cultures.”</p><p>33. Ver O papel do negro na cultura das Américas (Le Rôle du nègre dans la culture des Amériques,</p><p>2009).</p><p>34. Sobre o poeta americano, consideramos Harlem 1900-1935 (1993) uma antologia fundamental</p><p>para a compreensão da negro renaissance. O movimento cultural que foi multiforme, pois,</p><p>manifestou-se em vários eixos como na literatura, teatro, artes grá�cas e música ocorreu após a</p><p>Primeira Guerra mundial até a metade dos anos de 1930.</p><p>35. Poeta jamaicano importante na cena do Harlem. Escreveu, a princípio, em crioulo. Em 1912,</p><p>publicou Canções da Jamaica e Baladas Constab (Songs of Jamaica and Constab Ballads) e outras</p><p>obras que in�uenciariam os poetas da Négritude. De 1919 a 1934 viajou por países europeus</p><p>escrevendo sobre racismo, política e artes. Informações na enciclopédia universal de literatura.</p><p>Disponível em: https://www.universalis.fr/encyclopedie/claude-mac-kay/. Acesso em: 23 mar.</p><p>2020.</p><p>36. Jornalista, poeta e estudioso da cultura haitiana, Brouard teve uma vida errante, apesar de ter</p><p>nascido em uma família bem-sucedida. Autor de uma única obra Escrito em �ta rosa (Écrit sur du</p><p>ruban rose, 1927), ele participou na redação da “Revista Indígena” do Haiti com Jacques Roumain,</p><p>Émile Roumer e Philippe Thoby-Marcelin. Disponível em: https://sunvariete.com/carl-brouard-</p><p>poete/. Acesso em 23 mar. 2020. Outros poemas foram reunidos à obra e publicados sob o título</p><p>Páginas encontradas (Pages retrouvées, 1963). Disponível em:</p><p>https://ufdc.u�.edu/UF00095311/00001/9j. Acesso em: 23 mar. 2020.</p><p>37. Poeta e jornalista nascido na Martinica foi cofundador da revista “Legítima Defesa” (Légitime</p><p>Défense, 1932). Um de seus textos mais conhecidos é a “Miséria de uma poesia” (Misère d’une</p><p>poésie), no qual, faz crítica a burguesia mulata das Antilhas e Daniel Thaly. Pode-se ler na íntegra,</p><p>a revista, na qual, consta o texto em: https://wp.ufpel.edu.br/grupoicaro/�les/2016/05/Legitime-</p><p>defense.pdf. Acesso em: 23 mar. 2020.</p><p>38. Escritor e �lósofo surrealista que viveu na ilha da Martinica. Fundou juntamente com Jules</p><p>Monnero, Étienne Léro e Aimé Césaire a revista “Legítima defesa” (Légitime défense) em 1932 e</p><p>“Trópicos” (Tropiques) em 1941.</p><p>39. No original: “Il faut encore dire que Senghor s’attache à question de la constitution du sens à partir</p><p>du psychologique, de la �gure (ce que les psychologues phénoménologues appellent justement la gestalt :</p><p>la couleur du pagne, la forme de la kôra, ce qui est</p><p>justement l’abschautung de Husserl) à la conjonction</p><p>signe-sens, et donc à l’originalité de ce sens à donner, ainsi qu’à l’originalité de la signi�cation.”</p><p>40. No original: “A partir d’une telle thématique de la négritude, Senghor essaie de dépasser le simple</p><p>conditionnellement, vers l’étape supérieure. La Négritude cesse, alors d’être une métaphore (raciale,</p><p>biologique, peu importe). Elle abolit la similarité apparente des sens, pour devenir un principe du sens et</p><p>du signi�é.”</p><p>41. No original: “Rythme primordial qui est en même temps rythme cosmique. En e�et, pour Senghor</p><p>l’un ne peut aller sans l’autre. Et ceci, en raison du postulat de l’essence nègre qui est une harmonie avec</p><p>la nature, et même de la physio psychologie qui sous-tend le principe de la Négritude”</p><p>42. A lei n. 56-619, de 23 de junho de 1956, autorizava o governo francês a implementar as</p><p>reformas e a tomar as medidas adequadas para assegurar a evolução dos territórios sob o</p><p>Ministério da França além-mar. Foi aprovada por iniciativa de Gaston De�erre, ministro francês</p><p>de ultramar e prefeito de Marselha e Félix Houphouët-Boigny, primeiro presidente da Costa do</p><p>Mar�m e prefeito de Abidjan. Disponível em: https://francearchives.fr/commemo/recueil-</p><p>2006/39444. Acesso em: 23 mar. 2020.</p><p>43. No original: “[…] l’art et la littérature sont des techniques sociales, comme la culture des champs ou</p><p>l’artisan […]. C’est dire que l’art nègre, au sens général du mot, est un art fonctionnel”.</p><p>44. No original: “De tels jugement donc, de la part de Senghor, �nissent par mettre l’accent sur la</p><p>particularité et l’union de ces mondes di�érents : d’où l’analogie, qui caractérise les images. Celles-ci</p><p>s’e�ectuent �nalement surtout au niveau du sensuel. L’image n’est plus vision, mais sensation et</p><p>perception, elle représente alors l’invisible, et elle renvoie à l’intérieur, sinon aux forces extérieures qu’elle</p><p>contribue à modi�er, renforcer ou déforcer. Elle se fera donc symbole parce qu’elle revient avec persistance,</p><p>à la fois comme présentation, et comme représentation”</p><p>45. Consta em Etiópicos, sob o título “Como os lamantins bebem na nascente” (Comme les</p><p>lamantins vont boire à la source,1954).</p><p>46. NGAL, Georges. Aimé Césaire : un homme à la recherche d’une patrie. Paris/ Dacar : Présence</p><p>africaine,1994.</p><p>47. O ano de publicação da revista é o mesmo ano da publicação de Batuque de Bruno de</p><p>Menezes.</p><p>48. No original: “On sait que la référence majeure de la Négritude demeure l’Histoire de la civilisation</p><p>africaine de Frobenius, avec son refus du rationalisme et du positivisme, tenus pour les produits de la</p><p>raison française (opposé au mysticisme allemand) et l’éloge d’une pensée globalisante et empathique.”</p><p>49. No original: “L’étude de politiques francophones se consacre à la scénographie des œuvres, dispositif</p><p>constituant leur inscription légitimant dans le monde. Sont ainsi identi�ées certaines régularités</p><p>formelles dans la présupposition de l’énonciation et dans le statu générique du texte.”</p><p>50. No original: “La poésie francophone en Afrique possède ainsi depuis quelques années un statu</p><p>problématique dans la mesure où non seulement elle est perçue comme décalée par rapport à la réalité</p><p>sociale mais comme un signe politique, le véhicule d’une autorité.”</p><p>51. Ao pesquisar brevemente os sites da 1) Université de Guyane: https://www.univ-</p><p>guyane.fr/formation/nos-formations/: 2) Université aux Antilles ; http://www.univ-ag.fr/ e 3)</p><p>Université de la Réunion : https://www.univ-reunion.fr/, percebemos que nos últimos dez anos, em</p><p>média, esses laboratórios, sobretudo na área de Humanidades, têm se dedicado cada vez mais às</p><p>temáticas da região e têm se fortalecido com a criação de cursos de pós-graduação strictu-sensu,</p><p>bem como, acordos de cooperação com as universidades mais próximas. No Brasil, por exemplo,</p><p>acordos de cooperação entre a Universidade Federal do Pará e a Universidade Federal do Amapá</p><p>tem favorecido a criação de eventos e o lançamento de publicações conjuntas, que deslocam o</p><p>cenário de pesquisa para o eixo Amazônia/ Platô das Guianas.</p><p>52. No original: “C’est à cause de mes contradictions que j’ai voulu aller à l’universel”.</p><p>53. No original: “Le surréalisme négro-africain admet l’existence d’un monde animé par des forces</p><p>cosmiques, dieux, génies, ancêtres ; monde auquel l’homme peut accéder par certaines pratiques qui</p><p>échappent au commun des hommes.”</p><p>54. No original: “[…] parmi les Nègres de la diaspora, aux Etats-Unis, aux Antilles, maintenant au</p><p>Brésil, puis en Afrique noire elle-même.”</p><p>55. Ou países dos negros na África. Ver cartogra�a em:</p><p>https://digital.library.illinois.edu/items/55f6bf40-e946-0133-1d3d-0050569601ca-4#?</p><p>c=0&m=0&s=0&cv=0&r=0&xywh=-628%2C650%2C5230%2C2378. Acesso em: 24 mar. 2020.</p><p>56. No original: “C’était la politique de l’assimilation, qui reposait sur le principe, généreux au</p><p>demeurant et pas entièrement faux, que tout homme en valait un autre ; ayant reçu une égale part de</p><p>raison, qu’en usant judicieusement de celle-ci, comme l’avaient fait les Blancs européens en général, les</p><p>Français en particulier, nous parviendrions, nous aussi, à participer, sur un pied d’égalité, à l’édi�cation</p><p>de la civilisation du XX siècle: d’une civilisation de l’e�cacité.”</p><p>57. No original : “Une idéologie est toujours un idéalisme”.</p><p>58. No original: “[…] choisissent nos théoriciens pour nous prêcher le retour qui au sonnet, qui au</p><p>réalisme.”</p><p>59. No original : “Le conteur négro-africain n’interprète les choses ni les hommes qui restent objets. Il ne</p><p>raconte pas ses expériences, il ne commente pas les faits, il les présente. Mais il ne les domine pas ; il n’est</p><p>pas impassible ; il est passion. Il regarde les hommes et les choses du dedans, il participe à leur vie,</p><p>quittant la sienne : il est engagé en eux. C’est pourquoi le conteur nègre est lyrique. Cependant, je l’ai dit</p><p>plus haut, les métaphores ne lui sont pas nécessité. Usant d’une langue où les racines des mots sont</p><p>concrètes, plongent dans la terre gorgée de sève et sucs, il lui su�t de nommer ; les mots les plus simples se</p><p>font images, objets vivants. Ce style est poésie, je le confesse, moins parce qu’il est jeu verbal, comme je l’ai</p><p>montré, que parce qu’il est lyrisme, passion, saisie de la chose à revers.”</p><p>60. No original: “En e�et, l’esthétique contemporaine est, grâce à la poésie, une source féconde du</p><p>dialogue des cultures, au-delà des clivages idéologiques et politiques, au-delà des races et des continents,</p><p>pour un monde de solidarité dans la coopération du donner et du recevoir, pour un monde de</p><p>développement dans la création de la beauté.”</p><p>61. No original: “Le poète se clôt dans une vision d’un monde qui dit le rapport harmonieux entre</p><p>l’homme et le cosmos. Il s’enferme dans un songe immobile et serein, qui est désir d’une matrice où se</p><p>complaire dans une vie fœtale.”</p><p>62. No original : “Ces sonorités barbares frappent nos oreilles de leurs intonations discordantes. Comme</p><p>il y a une musique nègre et un art nègre, il y a une poésie nègre, originale, di�érente, dont les</p><p>représentants majeurs sont Aimé Césaire l’Antillais et Senghor, l’africain.”</p><p>63. No original : “Sacraliser l’objet ou la matière, c’est lui reconnaître des qualités essentielles à son</p><p>usage. Il se trouve que celui-ci est quotidien et détermine une attitude devant la nature. Il entre dans</p><p>l’existence”.</p><p>64. No original : “Cette identi�cation avec l’animal symbole de la force équilibrée, symbole du courage</p><p>et de la vaillance. Le Lion, roi de la forêt, animal reconnu pour la dignité de son comportement ; animal,</p><p>protecteur des faibles dans les contes”.</p><p>65. No original: “Célébrer les vertus de la Nuit et invoquer l’Esprit suppose un degré d’initiation</p><p>profond.”</p><p>66. O historiador Alain Ruscio é citado por Lilyan Kesteloot em História da literatura negro</p><p>africana (Histoire de la Littérature négro-africaine, 2004) como o pesquisador de referência do</p><p>período. Consideramos as anotações de Kesteloot, pois não tivemos acesso às edições</p><p>mencionadas.</p><p>67. Corresponde à parte do continente africano situada ao sul do Deserto do Saara. Esse território</p><p>é chamado de subsaariana devido a sua localização, ao sul do Saara. É constituída de quarenta e</p><p>oito Estados, cujas fronteiras resultaram da descolonização (PENA, 2020). Disponível em:</p><p>https://mundoeducacao.bol.uol.com.br/geogra�a/Africa-subsaariana.htm. Acesso em: 27 mar.</p><p>2020.</p><p>68. “A União Soviética ou União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) existiu durante</p><p>grande parte do século XX e �cou marcada por ser a grande representante da ideologia socialista.</p><p>Seu surgimento está relacionado com a Revolução de 1917, que transformou a Rússia em uma</p><p>nação socialista” (SILVA apud SIEGELBAUM, 2017, p. 364). Disponível em:</p><p>https://www.historiadomundo.com.br/idade-contemporanea/urss.htm. Acesso em: 28 mar. 2020.</p><p>69. O Despacho colonial” (La Dépêche coloniale); “Revista do Mundo negro” (La Revue du Monde</p><p>Noir,1931-1932), “O grito dos negros” (Le cri des nègres) e “Legítima Defesa” (Légitime Défense,</p><p>1932).</p><p>70. No original : “C’est Senghor en�n qui créa les Nouvelles Éditions Africaines (NEA) qui publièrent</p><p>des ouvrages venant de toute l’Afrique. C’est lui qui impulsa le style du parallélisme asymétrique en</p><p>architecture qui inspira la construction de nombreux bâtiments publics, jusqu’au Cameroun et au Congo.</p><p>Son rôle de mécène fut déterminant dans l’image et l’in�uence du Sénégal à l’étranger. Elle demeure</p><p>aujourd’hui plus que jamais, alors qu’a été fêté en son absence et son centenaire”.</p><p>71. No original : “Nous avançons lentement, bien sûr, mais nous avançons méthodiquement et vous</p><p>savez bien que je n’ai jamais découragé ni les études de linguistique négro-africaine ni les publications en</p><p>langue nationale : je donne même des subventions à des organismes comme l’association pour les Poular.”</p><p>72. No original: “J’ai souvent écrit que l’émotion était nègre. On m’en a fait le reproche. A tort. Je ne vois</p><p>pas comment rendre compte autrement de notre spéci�cité, de cette négritude qui est l’ensemble des</p><p>valeurs culturelles du monde noir, les Amériques comprises et que Sartre a dé�ni comme une certaine</p><p>attitude a�ective à l’égard du monde”.</p><p>73. No original: “Nuit qui me délivre des raisons, des salons, des so�smes, des pirouettes, des prétextes, des</p><p>haines calculés, des carnages humanisés. Nuit qui fond toutes mes contradictions, toutes contradictions</p><p>dans l’unité première de la Négritude”.</p><p>74. No original: “la noblesse au sang noir interdite/ Et la Science et l’Humanité, dressant leurs cordons</p><p>de police aux frontière de la Négritude”.</p><p>75. No original : “Il en est de l’indépendance comme la Négritude. C’est d’abord une négation, je l’ai</p><p>dit, plus précisément l’a�rmation d’une négation. C’est le moment nécessaire d’un mouvement historique</p><p>: le refus de l’Autre, le refus de l’assimiler, de se perdre dans l’autre. Mais parce que ce mouvement est</p><p>historique, il est du même coup dialectique. Le refus de l’Autre, c’est l’a�rmation de soi”.</p><p>76. No original: “La Négritude doit être un enracinement et non un ghetto. Un enracinement et une</p><p>ouverture en même temps. C’est pourquoi je suis aussi pour la Francophonie, car nous avons besoin d’une</p><p>langue de communication internationale. Or du point de vue de la communication de la clarté, je ne</p><p>connais pas de langue supérieure à la langue française.”</p><p>77. No original: “En Brasil no se produce una distinción clara, como en las sociedades europeas, entre la</p><p>cultura artística y el mercado masivo, ni sus contradicciones adoptan una forma tan antagónica.”</p><p>78. No original: “Con más frecuencia, sin embargo, las culturas internas reciben la in�uencia</p><p>transculturadora desde sus capitales nacionales o desde el área que está en contacto estrecho con el</p><p>exterior, lo cual traza un muy variado esquema de pugnas. Si ocurre que la capital, que es normalmente</p><p>la orientadora del sistema educativo y cultural, se encuentra rezagada en la modernización respecto a lo</p><p>ocurrido en una de las regiones internas del país, tendremos un enjuiciamiento que le harán los</p><p>intelectuales de ésta a los capitalinos.”</p><p>N</p><p>2</p><p>TRADUCTIO.ONIS</p><p>2.1 DE JOAL ÀS TRADUÇÕES</p><p>este tópico nos dedicamos a contextualizar a biogra�a de Senghor,</p><p>para que adiante, possamos iniciar a tradução dos poemas.</p><p>Começamos pelo nascimento do autor que registra duas datas: a</p><p>primeira, 15 de agosto de 1906, está inscrita nos registros de batismo na</p><p>igreja de Joal, cidade próxima a Dakar no Senegal. A segunda, 9 de</p><p>outubro de 1906, foi registrada tardiamente em Djilôr. A cidade de</p><p>origem materna, onde moravam os demais parentes da família, se faz</p><p>também presente na escrita do autor.</p><p>Joal �ca na costa de frente para o mar. O cenário que inscreveu como</p><p>pano de fundo o Reino da Infância (Royaume d’enfance) foi colonizado</p><p>por portugueses vindos, diretamente de Lisboa. Em algumas citações,</p><p>Senghor fez alusão a “gota de sangue português” que ele tinha e dava</p><p>graças por essa ascendência. Não por se sentir menos africano, mas pela</p><p>possibilidade de exercitar a diversidade, mestiçagem. Djilôr se localiza no</p><p>interior, sob o rio Sine a�uente do Saloum. É um lugar patriarcal. A mãe,</p><p>Gnilane Ndiémé Bakhoum era de origem peul, o pai Basile Diogoye</p><p>Senghor era serere. Benoist (1998, p. 09, tradução nossa) cita o autor</p><p>con�rmando as informações sobre sua ascendência:</p><p>Meu pai me disse que meus ancestrais vieram do Gabou que é a região da Alta Guiné</p><p>portuguesa. Os Senghor são encontrados sobretudo em Casamansa, na fronteira da</p><p>antiga Guiné portuguesa, e uma parte da Casamansa, como se sabe, é uma antiga colônia</p><p>portuguesa, cedida por permuta à França.79</p><p>Senghor jamais ignorou suas origens e antepassados. Em 1913, ele foi</p><p>entregue a missão católica sob a tutela do abade Léon Dubois. No ano</p><p>seguinte, na missão Saint-Joseph de Ngasobil, ele começou a estudar a</p><p>língua wolof. No ano de 1923, estudou no colégio seminarista</p><p>Libermann, em Dakar no Senegal. Nesta época, aprendeu latim e grego.</p><p>Em 1926, foi para o liceu Van Vollenhoven, no qual, ele era o único</p><p>estudante negro. No Louis Le Grand, Senghor fez o primeiro ano</p><p>superior. Nos liceus dessa época, classes superiores de Letras eram uma</p><p>espécie de cursos preparatórios para as Escolas Normais, na área de</p><p>Humanas. Nesses estabelecimentos professores universitários,</p><p>pesquisadores e intelectuais ensinavam. Após o liceu, Senghor seguiu</p><p>para a Sorbonne, instituição na qual, ele seguiu o curso de Letras em</p><p>Paris.</p><p>Na metrópole, Senghor, Césaire e Damas já tinham a consciência que</p><p>tinham um papel a desenvolver como intelectuais de seu tempo. Em</p><p>1932, tem-se o primeiro número da revista “Legítima Defesa” (Légitime</p><p>Défense), na qual, eles se engajaram politicamente. No ano seguinte, em</p><p>1934 houve a primeira publicação da “Estudante Negro” (L’Étudiant</p><p>Noir). A partir desse ano, ele teve contato com obras socialistas, as quais,</p><p>não aderiu completamente às suas teses. O racismo sofrido em Paris, o</p><p>fez re�etir sobre a alteridade e o respeito, questões que embasaram seus</p><p>ideais na vivência dos valores ligados à africanidade, conforme podemos</p><p>ler no trecho que segue (BENOIST apud SENGHOR, 1980, p. 155,</p><p>tradução nossa):</p><p>Estamos todos ao redor do Mediterrâneo, dos seres sensuais, sem dúvida subjacente pelo</p><p>sangue negro. Nós não separamos a matéria do espírito, o corpo da alma. É precisamente</p><p>na medida onde �orescemos na Santa Matéria que �orescemos na espiritualidade.</p><p>Mesmo os grandes místicos foram subjacentes pela sensualidade. Em todo caso, meu</p><p>fervor espiritual.80</p><p>Importa destacar que dentre os postulados de Karl Marx, algumas</p><p>abordagens foram mais efetivas para o autor: a �loso�a humanista, a</p><p>teoria econômica, o método dialético e os meios, o sindicalismo e a</p><p>plani�cação. Em 1935, ele foi o primeiro negro a ser agregado de</p><p>gramática francesa na Sorbonne, tornou-se o primeiro africano a</p><p>completar uma licenciatura na universidade parisiense. Durante os anos</p><p>de guerra, em 1939, Senghor se tornou soldado em Paris. No ano</p><p>seguinte foi aprisionado</p><p>em Charité-sur-loire, comunidade francesa</p><p>localizada em Nièvra, região de Borgonha. Este território foi uma região</p><p>administrativa da França entre 1986 e 2015, atualmente integra a região</p><p>Borgonha-Franco-Condado. Em setembro de 1940, ele foi preso no</p><p>campo de Amiens, ao norte da França.</p><p>Devidos alguns problemas de saúde, Senghor foi liberado e voltou a</p><p>trabalhar no liceu, era professor em Saint-Maur-des-Fossés. Em 1944,</p><p>participou na Conferência de Brazzaville, organizada pelo general</p><p>Charles de Gaulle. Tornou-se linguista na Escola Nacional da França e</p><p>publicou sobre línguas wolof e serere. No ano da Segunda Guerra</p><p>Mundial fez a sua primeira publicação literária, pela Edição do Seuil,</p><p>Cantos de Sombra (Chants d’Ombre). No mesmo ano ganhou uma bolsa</p><p>de estudos do Centro Nacional de Pesquisa Cientí�ca (CNRS) e coletou</p><p>cantos em língua serere. Na ocasião, conheceu as três maiores poetisas de</p><p>sua cidade: Koumba Ndiaye, Siga Diof e Marône Ndiaye de Faliouth.</p><p>Em 1946, tornou-se deputado, casou-se com Ginette Éboué, �lha do</p><p>governador da África Equatorial Francesa (A.E.F) Félix Éboué. No ano</p><p>seguinte, aliado à Jean-Paul Sartre, na revista “Presença Africana” (Présence</p><p>Africaine) reforçou o movimento cultural negro-africano. Outros</p><p>intelectuais também compuseram este cenário, entre eles o escritor</p><p>Richard Wright, estadunidense que escreveu sobre o racismo e outras</p><p>temáticas relativas ao mundo negro: preconceito, fragmentação,</p><p>segregação, invisibilidade e exclusão do sujeito (NIGRO, 2010). E Paul</p><p>Hazoumé que era escritor, etnólogo e político. Por meio de sua literatura</p><p>tratou das múltiplas faces da existência humana e Negritude</p><p>(ADANDE,1980) na revista “Presença Africana”.</p><p>Ao buscar as informações biográ�cas, contatamos que são parcos os</p><p>estudos e as traduções81 sobre Senghor no Brasil. Por esse motivo, neste</p><p>tópico optamos a partir das publicações, mencionar os principais fatos</p><p>biográ�cos aliados à trajetória literária. Para facilitar a consulta das obras</p><p>traduzidas, no apêndice desta pesquisa pode-se ler as principais</p><p>informações das publicações e seus tradutores.</p><p>Assim, em 1947 foi publicado, na Checoslováquia82, Cantos de Sombra</p><p>(Chants d’Ombre) com tradução feita, por Zpevy Stinu em eslovaco. A</p><p>partir de 1948, Senghor era o intelectual que escrevia sobre a poesia</p><p>negra em língua francesa. Nessa época, um momento de grande</p><p>expressão foi o discurso proferido na Sorbonne, por ocasião da abolição</p><p>da escravatura no Senegal.</p><p>Em 1948, Hóstias Negras (Hosties Noires) chegou ao mercado pela</p><p>editora Seuil, coleção Pierre Vives. No ano seguinte, Cantos para Naëtt</p><p>(Chants pour Naëtt) foi publicado em Paris, pela editora Seghers na</p><p>coleção Poésie 49.</p><p>Em 1951, Senghor foi eleito deputado. Em 1953 surgiram A bela</p><p>história de Leuk – a lebre (La belle histoire de Leuk – le lièvre) e em</p><p>Copenhague, Dinamarca, a publicação de Modern Alrikansk Dictning com</p><p>a tradução de U�e Harder para o dinamarquês. A editora foi Jarl Borgens</p><p>Forlag. No ano de 1955, tornou-se secretário de estado e se divorciou de</p><p>Ginette Éboué. Neste ano foi traduzido para o alemão a Antologia de</p><p>poemas de Léopold Sédar Senghor, sob o título de Tam-tam Schwartz, na</p><p>cidade de Edelberga (Heidelberg). A tradução foi feita por Wolfang Roth</p><p>Verlag.</p><p>Em 1956 houve a reedição de Cantos de Sombra (Chants d’Ombre) e</p><p>Hóstias Negras (Hosties Noires), pela editora Seuil, que também publicou</p><p>Etiópicos (Éthiopiques). O poeta tornou-se prefeito de Thiès. No ano de</p><p>1957, casou-se com Colette Hubert. No ano seguinte a publicação foi em</p><p>inglês, feita por Peggy Rutherford. O título Darkness and Light chegou em</p><p>Londres, capital da Inglaterra pela editora Saith Presse. No mesmo ano</p><p>Poeti d’Africa nera, em italiano, teve a tradução feita por Cristina</p><p>Brambilla. A edição foi feita em Roma, na Itália, pela editora Carucci.</p><p>Para os africanos crer é uma maneira de ser que engaja integralmente a</p><p>vida, o espírito e alma, sem esquecer o corpo. Por isso, as expressões das</p><p>raízes culturais sempre estiveram presentes na escrita literária. Senghor</p><p>no “II Congresso de Artistas e Escritores Negros” ocorrido em 1959 teve</p><p>o discurso publicado, posteriormente, na revista “Liberdade 1” (Liberté I).</p><p>Em 1960 com a Proclamação da República no Senegal, foi eleito</p><p>presidente. No ano seguinte, Noturnos (Nocturnes) foi publicado pela</p><p>editora Seuil. E o autor recebeu o título de doutor honoris causa, na</p><p>Universidade de Paris e a Medalha de Ouro, na Academia Francesa. Neste</p><p>ano foram publicados três livros de poesia em italiano. O primeiro,</p><p>Nuova poesia nera, na cidade de Parma, com a tradução feita por Maria</p><p>Grazia Leopizzi, editora Ugo Guanda. O segundo, Litteratura negra: la</p><p>Poesio com a tradução de Mário de Andrade, publicado em Roma pela</p><p>editora Riuniti. O terceiro, Sédar Senghor contém trechos de Cantos de</p><p>sombra (Chants d’Ombre), Hóstias negras (Hosties noires), Cantos para Naëtt</p><p>(Chants pour Naëtt) e Etiópicos (Éthiopiques) em versão bilíngue. A</p><p>tradução foi feita por Carlo Castellaneta e publicada em Milão, Itália.</p><p>No ano de 1963, ele foi designado o “Príncipe dos poetas”, pois, tinha</p><p>recebido a “Medalha de Ouro da língua francesa”. Esse foi o ano da</p><p>primeira tradução para o alemão de: Cantos de sombra (Chants d’Ombre),</p><p>Hóstias Negras (Hosties Noires) e Etiópicos (Éthiopiques) feitas por Janheinz</p><p>Jahn, em Munique na Alemanha, sob título Botschalt und anruf sämtliche</p><p>gedichte. Em 1964, tem-se Poemas (Poèmes) e os Poemas Perdidos (Poèmes</p><p>Perdus). No mesmo ano houve a publicação de “Liberdade 1: Negritude e</p><p>humanismo” (Liberté 1: Négritude et humanisme), na qual, constam</p><p>ensaios, prefácios, artigos, conferências, discursos, entre outros escritos.</p><p>Os Poemas selecionados (escolhidos aleatoriamente) tiveram a tradução de</p><p>John Reed e Clive Wake, eles receberam o título Selected Poems: Léopold</p><p>Sédar Senghor. O livro foi publicado em Nova Iorque, pela editora</p><p>Atheneum.</p><p>Em 1965, John Reed e Clive Wake publicaram em Oxford, na</p><p>Inglaterra, o título Senghor: Prosa e poesia (Senghor: Prose and Poetry) que</p><p>reunia narrativas e poemas, pela editora Oxford University Press. No</p><p>mesmo ano na cidade de Tel Aviv, Israel, foi publicado em Hebreu,</p><p>Poemas escolhidos (Poèmes choisis: Léopold Sédar Senghor). A tradução foi</p><p>feita por Aharon Amb e Atarnar Even-Zohar pela editora Equed.</p><p>Em 1966 ocorreu o “Primeiro Festival Mundial de Artes Negras” e a</p><p>publicação em árabe Mukhtaratmin Atharihi, texto traduzido por Abdul</p><p>Latif Charara, na cidade de Beirute, no Líbano. No mesmo ano, outro</p><p>livro em árabe surgiu em Dacar, no Senegal. O título Poemas escolhidos</p><p>(Poèmes choisis de Léopold Sédar Senghor) foi traduzido por Nemer</p><p>Sabbah. Houve ainda a versão em dinamarquês Shyggesance: Antologia dos</p><p>poemas de L.S. Senghor (Shyggesance: Anthologie des poèmes de L. S. Senghor)</p><p>feita por Hans Frede Rasmussen, pela editora Paul Kristensen Hernig.</p><p>Em 1967 o político sofreu atentado. Em 1968 ocorreu a “Greve dos</p><p>estudantes na Universidade de Dacar” contra o sistema de ensino francês.</p><p>Na ocasião foi publicado em Nova Iorque Um Tesouro Africano (An</p><p>African Treasury: Léopold Sédar Senghor) traduzido por Langston Hughes.</p><p>Esse é um trabalho relevante por se tratar da tradução feita por um poeta</p><p>americano, que era também ativista social, novelista, dramaturgo,</p><p>comunista e colunista na cidade de Joplin, Missouri, Estados Unidos. Ele</p><p>foi um dos primeiros americanos a incorporar as propostas iniciadas pela</p><p>Négritude, a forma modernista de arte literária que misturava à</p><p>composição lírica, percussão e jazz. No mesmo ano, Nemer Sabbah</p><p>traduziu para o árabe alguns poemas de Senghor sob o título de Poemas</p><p>de Léopold Sédar Senghor (Poèmes de Léopold Sédar Senghor) pela editora</p><p>Hayek et Kamel, em Beirute no Líbano.</p><p>A primeira tradução de Noturnos (Nocturnes) em inglês, foi em 1969,</p><p>sob o título de Nocturnes: Léopold Sédar Senghor feita por John Reed e</p><p>Clive Wake, publicada em Londres na Inglaterra. Na Romênia os poemas</p><p>que compõem Cantos de sombra (Chants d’Ombre) e Noturnos foram</p><p>traduzidos para o romeno sob o título</p><p>de Jertfe Negre: Léopold Sédar</p><p>Senghor e publicados na cidade de Bucareste, pela editora Pentru</p><p>Leteratura Universala. No mesmo ano surgiu a Antologia lírica (Antologia</p><p>Lirica), em italiano, edição bilíngue com tradução feita por Carlo</p><p>Castellaneta. A publicação foi feita em Milão na Itália.</p><p>No Rio de Janeiro, Gastão Jacinto Gomes traduziu alguns poemas sob</p><p>o título Poemas: Léopold Sédar Senghor, pela Grifo edições. O livro Léopold</p><p>Sédar Senghor: Anthologie des poèmes de L.S. Senghor foi traduzido em</p><p>russo, por Varksmaker, em Moscou, pela editora Molodiaia Gvardia. O</p><p>mesmo livro também foi traduzido em servo croata, na cidade de</p><p>Belgrado, pela editora Stojana Erotica. E em sueco por pares de</p><p>tradutores: primeiro; Ingemar Leckius e Lasse Söderberg, e segundo,</p><p>Gun Bermanlet e Artur Lundkvist em Estolcomo, Suécia,</p><p>respectivamente pelas editoras Wahlström widstrand e A. Bonniers.</p><p>Em 1970 Senghor recebeu o prêmio internacional da poesia na Bienal</p><p>de Knokke-le-Zoutte. O texto “Liberdade 1: Negritude e humanismo”</p><p>(Libertad, negritud y humanismo) foi traduzido para o espanhol por Julián</p><p>Marcos e a publicação surgiu em Madri na Espanha. No mesmo ano, em</p><p>italiano Poemas: Léopold Sédar Senghor (Poèmes: Léopold Sédar Senghor)</p><p>com a tradução de Olga Karosso e Franco Poli. O livro foi lançado em</p><p>Parma, pela editora Ugo Guanda.</p><p>Em1971, tem-se “Liberdade 2: Nação e voz africana do socialismo”. E a</p><p>segunda tradução para o inglês de Noturnos (Nocturnes: Léopold Sédar</p><p>Senghor) feita por John Reed e Clive Wake, desta vez, em Nova Iorque,</p><p>nos Estados Unidos. Em pesquisas recentes é possível localizar um texto</p><p>que indica data de publicação anterior83, contudo, consideramos a de</p><p>1970, em Londres, Inglaterra. Também houve a publicação de Poema</p><p>africano (Poemi africani) em italiano, na cidade de Milão. O texto foi</p><p>prefaciado por Miguel Angel Asturias e a tradução foi feita da língua</p><p>francesa para a italiana por Carlo Castellaneta e Franco de Poli. A editora</p><p>foi Rizzoli.</p><p>No ano de 1972 foi traduzido para o espanhol o texto “Os fundamentos</p><p>da Africanidade, Negritude e Arabidade” (Les fondements de l’Africanité,</p><p>Négritude et Arabité), por C. M. J. Bartel. Alguns trechos de poemas foram</p><p>traduzidos para o alemão por Irmgard Hant, com título Léopold Sédar</p><p>Senghor: um ditador africano (Léopold Sedar Senghor: Ein afrikanicher</p><p>dicther) em Munique, editora W. Fink, 1972.</p><p>Cartas de invernagem (Lettres d’hivernage), em 1973, pela editora Seuil</p><p>recebeu as ilustrações de Marc Chagall. Nesta época, Senghor estava no</p><p>seu quarto mandato como presidente do Senegal. No ano seguinte,</p><p>ganhou o prêmio literário “Apollinaire” em Mônaco. “Para uma releitura</p><p>africana de Marx e de Engels” (Pour une relecture africaine de Marx et</p><p>d’Engels) surgiu em Dacar, pelas Edições Africanas. Neste mesmo ano em</p><p>Milão, Itália, a editora Rizzoli apresentou “Liberdade 1: Negritude e</p><p>humanismo” (Libertà 1: Negritudine e umanesimo) com a tradução feita</p><p>por Amos Segala. Dez anos depois da primeira edição “Liberté 1:</p><p>Négritude et humanisme”. Em seguida, em Estocolmo na Suécia, o poema</p><p>“Chaka” (Chaka: dramatisk dikt for �era roster) em sueco, com a tradução</p><p>feita por Ingemar e Midhaela Leckius.</p><p>Em 1975 foi feita a tradução em servo-croata de alguns poemas, por</p><p>Slobodan Glumac. A primeira com o título Palma nad mojom partajam,</p><p>na cidade de Belgrado, Sérvia. A editora foi Izelavako Preduzece Rad, que</p><p>também publicou a segunda, O amor da poesia (Ljubavï poezija) feita por</p><p>Slobodan Lazic na mesma cidade. No mesmo ano, tem-se em macedônio</p><p>o livro A coroa de ouro de Struga (Brateh Bsebeu Ctryga) com a tradução</p><p>feita por S. Aco, V. Urosevic, G. Staley. A publicação foi feita na Escópia,</p><p>Macedônia do Norte, pela editora Nip Nova Makedonya. Em esloveno,</p><p>encontramos o título Coletânea lírica: poemas (Recueil lyrique: poèmes de</p><p>Léopold Sédar Senghor) com a tradução feita por Ales Berger, na cidade de</p><p>Liubliana, Eslovênia. A editora foi Mladiska Kujigo.</p><p>O ano da reedição de Cantos de Sombra (Chants d’Ombre) foi 1976. Essa</p><p>obra conta com as gravuras originais feitas por André Masson, escultor e</p><p>pintor francês no século XX. Foi publicado em Genebra, na Suíça, pela</p><p>editora Regard. A tradução para o romeno de Hóstias Negras (Hosties</p><p>Noires) feita por Rodu Carneci teve o título Sacrifício Negro (Jertfe negre).</p><p>A cidade da publicação foi Bucareste, na Romênia, pela Editora Univers.</p><p>Neste mesmo ano, Senghor instituiu a reforma no Senegal e instaurou o</p><p>multipartidarismo: socialista, comunista e liberalista. No mesmo ano, foi</p><p>feita a tradução em albanês, Kunginet e Zeza feita por Muhamed</p><p>Kervashi, na Pristina, atual território do Kosovo. Neste ano, Senghor</p><p>Sanger foi a tradução feita para o norueguês por Kolbein Falkheid. A</p><p>cidade da publicação é Stavanger, Noruega e a editora foi J.W. Cappelens</p><p>Forlag. Jonh Reed e Clive Wake traduziram em inglês, Prosa e poesia</p><p>(Prose and Poetry) em Londres, pela editora Africa Writers Series. Além de</p><p>alguns trechos de Cantos de sombra (Chants d’ombre) e Noturnos</p><p>(Nocturnes). Neste ano, Senghor entrou para Academia Mallarmé, prêmio</p><p>concedido desde 1939 aos poetas de língua francesa, normalmente,</p><p>entregue por ocasião da Feira do livro. O evento ocorreu na cidade de</p><p>Brive-la-Gaillarde, departamento de Correze, região de Limusino, na</p><p>França.</p><p>Senghor ganhou o prêmio literário “Alfred Vigny” em 1977. Tornou-se</p><p>“Comandante das Artes e Letras” e recebeu a “Grande Cruz da Legião de</p><p>Honra” (Grand-Croix de la Légion d’Honneur). Em seguida “Liberdade 3:</p><p>Negritude e civilização do universal (Liberté 3: Négritude et civilisation de</p><p>l’universel) e no mesmo ano Poemas selecionados de Léopold Sédar Senghor</p><p>(Selected poems of Léopold Sédar Senghor) foi traduzido por Abiola Irele, na</p><p>cidade de Cambridge, Inglaterra, editora University Press. No mesmo</p><p>ano Luiza Neto Jorge traduziu em Lisboa, Portugal, o título Poemas:</p><p>Léopold Senghor pela editora Arcádia. Esta foi a primeira tradução, que se</p><p>tem registro, feita para a língua portuguesa. Em italiano, tem-se as</p><p>traduções de Cartas de invernagem (Lettres d’hivernage) e Poesia d’amore,</p><p>feita por Marcella Glisenti, em Milão na Itália, pela editora Accademia.</p><p>Em coreano, alguns poemas foram traduzidos por Lee Whan Pydna</p><p>Yang, sob o título de Poemas (Poèmes), na cidade de Seul, Coreia do Sul,</p><p>editora Kuk Jae. Em 1977 Giacomo Lazzaretti traduziu para o italiano</p><p>Léopold Sédar Senghor: poesio que foi publicado na cidade de Macerata, na</p><p>Itália.</p><p>O ano de Elegias Principais (Elégies Majeures) foi 1978. Sobre esta obra,</p><p>há registros dos manuscritos na Biblioteca Nacional da França e algumas</p><p>traduções feitas pelo poeta para o inglês. Neste mesmo ano, outros fatos</p><p>foram também marcantes: Senghor foi consagrado na Biblioteca</p><p>Nacional da França e foi eleito, para o seu quinto mandato, de</p><p>presidente. Em 1979 o mesmo livro foi publicado em Genebra, na Suíça,</p><p>pela editora Regard. Nele constam imagens originais em litogra�a de</p><p>Hans Hartung, Zao Wou-ki, Manessier, Vieira da Silva, Pierre Soulages e</p><p>Etienne Hadju. No mesmo ano, uma edição seguida pelo texto “Diálogo</p><p>sobre a poesia francofone” (Dialogue sur la poésie francophone) foi feita por</p><p>Alain Bosquet, Pierre Emmanuel, Jean Claude Renard, pela editora Seuil</p><p>em Paris. Além desse, Misturas oferecidas à Léopold Sédar Senghor: línguas,</p><p>literaturas, história antiga (Mélanges o�erts à Léopold Sédar Senghor: langues,</p><p>littératures, histoire ancienne) surgiu em Dacar, pelas Novas Edições</p><p>Africanas (NEA).</p><p>Em 1980 surgiram duas obras: um livro que se institui a partir da</p><p>memória A poesia da Ação: Conversação com Mohamed Aziza (La poésie de</p><p>l’action: conversation avec Mohamed Aziza) e Cantos de sombra (Chants</p><p>d’Ombres), desta vez traduzido para a língua espanhola, por J.J. Arnedo.</p><p>No mesmo idioma, Poemas da Negritude (Poemas de la Negritud: Léopold</p><p>Sédar Senghor) foi feita por Nicolás Cócaro e Julio Alvarez, em Buenos</p><p>Aires, Argentina. No idioma provençal (ou arpitrano) recebeu o título de</p><p>Canto da Negritude (Cant de la negritudo: Léopold Sédar Senghor) com</p><p>tradução de</p><p>Hughes Jean de Dianoux, em Toulon na França, pela editora</p><p>l’Astrade. Neste ano Senghor se afastou da presidência.</p><p>Em 1983 “Liberdade 4: Socialismo e plani�cação” (Liberté 4: Socialisme</p><p>et plani�cation) foi publicado pela editora Seuil. E também o autor</p><p>ingressou na Academia de Letras Francesa, sendo o primeiro negro a</p><p>integrar a cúpula. No ano seguinte, Obra poética (Oeuvre poétique) foi</p><p>editada pela Seuil, em Paris. Neste mesmo ano foi traduzido para a</p><p>língua holandesa O canto do pólen dourado: poemas (De Zang van Het</p><p>Gouden Struifmeel) com tradução feita pelo poeta e tradutor Bert</p><p>Decorte. O texto foi ilustrado por Gerard Thij.</p><p>Outra tradução para o inglês, de alguns poemas, surgiu em 1986 com o</p><p>título Selected Poems: Léopold Sédar Senghor em edição bilíngue, feita por</p><p>Craig Williamson, em Londres, Inglaterra. No mesmo ano, Cantos para</p><p>Yacine Mbaye (Chants pour Yacine Mbaye) e Epitá�o (Épitaphe) foram</p><p>publicados em Marselha, França. E, no ano seguinte Djerbianas</p><p>(Djerbiennes). Na sequência, a obra Isso que eu acredito (Ce que je crois) de</p><p>1988 e Negritude, francidade e civilização do universal (Négritude, Francité et</p><p>civilisation de l’universel) são obras que se destacam pela con�ssão de fé</p><p>religiosa, contudo, não obliteram ideias de que o autor desenvolveu por</p><p>toda vida. O último é um texto, que com o passar dos anos, mostrou-se</p><p>inspirador de outros escritos.</p><p>Em 1990 ocorreu a inauguração em Alexandria, no Egito, da</p><p>Universidade Internacional da Língua Francesa Léopold Sédar Senghor</p><p>(Université Internationale de la Langue Française Léopold Sédar Senghor).</p><p>Além disso, a publicação de “Liberdade 5: O diálogo das culturas”</p><p>(Liberté 5: Le dialogue des cultures) e uma edição de�nitiva e integrada de</p><p>Obra poética (Œuvre poétique), na qual, consta uma introdução detalhada</p><p>em que pode-se ler as seguintes informações; “Ela se compõe</p><p>essencialmente de seis coleções e de Poemas diversos completados pelo</p><p>Canto por Jackie Thompson e As Djerbianas as quais eu acrescentei uma</p><p>sétima coleção, que intitulei Poemas perdidos”84 (BENOIST,1998, p. 179,</p><p>tradução nossa).</p><p>O livro consta com os primeiros poemas feitos pelo autor, os quais, ele</p><p>acreditava não serem relevantes. Apesar disso, a esposa Colette Hubert os</p><p>guardou e anos mais tarde, ela entendeu que esses escritos, na verdade,</p><p>compunham parte da evolução poética de Senghor, assim ela obrigou-o a</p><p>relê-los. Por esse motivo, consta nesta edição da Obra poética, após Elegias</p><p>principais (Elégies Majeures), os Poemas perdidos (Poèmes Perdus) que</p><p>trazem, digamos, o início da produção literária.</p><p>Em 1991, foi publicada a tradução The collected poetry by Léopold Sédar</p><p>Senghor feita por Melvin Dixon, na cidade de Charlottesville, pela editora</p><p>University Virginia. Em 1996, ele foi homenageado pela Organização das</p><p>Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) devido</p><p>a comemoração de seus noventa anos. Nesta data, foi inaugurado um</p><p>museu, na casa de família em Dacar, Senegal. Em 1997 a UNESCO</p><p>publicou Presença Senghor: 90 escritos em homenagem aos 90 anos do poeta</p><p>presidente (Présence Senghor: 90 écrits en hommage aux 90 ans du poète-</p><p>président). Em 1998, Etiópicos (Éthiopiques) passou a ser leitura</p><p>recomendada para o ingresso em universidades na França. No ano</p><p>seguinte, Senghor, Léopold Sédar: Obra poética foi traduzido para o</p><p>espanhol por Javier del Prado.</p><p>Ao longo de sua vida o autor recebeu honoris causa em trinta e sete</p><p>universidades pelo mundo e faleceu em 2001, na cidade de Verson,</p><p>Normandia. Neste ano, a obra póstuma A rosa da paz e outros poemas (La</p><p>rose de la paix et autres poèmes) foi publicada em língua inglesa e o texto</p><p>foi traduzido, por ele mesmo, com a colaboração de John Aremy. O local</p><p>da publicação foi Paris, na França e a editora l’Harmattan. Além dessa,</p><p>em 2002 Senghor em sua eternidade (Senghor en son éternité) e um número</p><p>especial da revista “Etiópicos” (Éthiopiques) foi totalmente dedicado ao</p><p>poeta-presidente.</p><p>Dentre as várias traduções que encontramos, destacamos uma de 2004</p><p>em edição bilíngue (francês/ italiano) organizada por Antonella Emina.</p><p>O título é Nuit d’Afrique ma nuit noire (Notte d’Africa mia notte nera) da</p><p>editora L’Harmattan Italia. Nesta obra, encontramos um processo de</p><p>tradução diferente, que foi feito pelos tradutores: Giorgio Favaro, Luca</p><p>Ghielmetti, Isa Rousselout, Alessio Lega, Valerio Magrelli e Alfredo</p><p>Rienzi.</p><p>Explica-se: o que torna essa edição especial, a nosso ver, são as</p><p>informações que os tradutores acrescentaram, no pós-texto, no qual eles</p><p>explicam as di�culdades e escolhas que �zeram durante o processo. Essa</p><p>prática identi�cada é a mesma que será aplicada à tradução que</p><p>proporemos em Etiópicos. Há outra particularidade que está escrita no</p><p>prefácio: os tradutores propõem duas abordagens a partir do olhar de</p><p>dois grupos distintos; são três poetas e três compositores (cantautori), por</p><p>esse motivo, o processo foi realizado sob perspectivas diferentes. O</p><p>primeiro prezou pela exigência da técnica, que algumas vezes, mostrava-</p><p>se oposta aos outros. O poeta ao executar um trabalho de tradução se</p><p>concentrou, cada vez mais, em apresentar profundidade. Já o cantautori</p><p>correspondeu a um outro movimento de interpretação que visou</p><p>elaborar um projeto mais voltado para a oralidade. No prefácio consta</p><p>nota da di�culdade em traduzir Senghor devido as informações</p><p>vinculadas ao seu cotidiano político, por vezes tão especí�co.</p><p>Entendemos a expressão poética, nesse contexto, um exercício de</p><p>transcendência em que o não dito compõe a criação literária e as</p><p>escolhas são determinantes. Os tradutores não são apenas leitores. Eles</p><p>escolheram a ordem dos poemas na antologia de forma aleatória, o</p><p>critério foi misto e de acordo com as preferências de cada um. A</p><p>organizadora da obra escreveu: “O próprio poeta da metafísica e das leis</p><p>secretas que encerram o sentido do mundo e das coisas, Rienzi</p><p>reconheceu em Senghor uma leitura do mundo centrada no elemento</p><p>esotérico concebido como um sistema de conhecimento complexo”85</p><p>(EMINA, 2004, p. 13, tradução nossa). Por isso, a tradução se tornou o</p><p>resultado da a�nidade e da percepção entre os dois poetas. Longe de ser</p><p>um texto imediato e acabado, a tradução resultou de uma re�exão lenta e</p><p>atenta.</p><p>Retomando a trajetória do autor, para que possamos encaminhar as</p><p>informações sobre a produção literária, anotamos que em 2006 com a</p><p>reedição de Obras poéticas (Œuvres poétiques) a editora Seuil marcou o</p><p>centenário do poeta. Poemas escolhidos (Poemas escogidos) foi traduzido por</p><p>José Manuel Cruz Rodríguez e Patricia Pareja Ríos, para o espanhol.</p><p>Além desse, Dez poemas (Diez poemas) foi publicado em Caracas, na</p><p>Venezuela, pela editora do Ministério da Informação e Turismo. São eles:</p><p>“Mulher negra” (Femme noire), “O Totem” (Le totem), “O retorno da</p><p>criança pródiga” (Le retour de l’enfant prodigue), “Cantos de primavera”</p><p>(Chants de printemps), “O furacão” (l’Ouragan), “Jardim de França” (Jardin</p><p>de France), “In memoriam”, “Carta a um poeta” (Lettre à un poète), “Joal” e</p><p>“Oração às máscaras” (Prière aux masques).</p><p>Outras publicações saíram em outros meios; jornais e revistas, entre os</p><p>anos de 1938 a 1987, totalizando trinta e cinco textos. São eles: “À morte”</p><p>(À la mort) e “Noite no Sine” (Nuit dans Sine) em 1938, “Neve sobre Paris”</p><p>(Neige sur Paris), “Legado aos atiradores senegaleses mortos pela França”</p><p>(Héritage et aux tirailleurs sénégalais morts pour la France) em 1939, “Porta</p><p>dourada” (Porte dorée), “Liberação” (Libération) e “Visita” (Visite), em 1943.</p><p>“In memoriam”, “Carta a um poeta” (Lettre à un poète), “O furacão”</p><p>(L’Ouragan), “Máscara negra” (Masque nègre), “É o tempo de partir” (C’est</p><p>le temps de partir), “Mulher negra” (Femme noire) em 1944. Este último</p><p>teve outra edição em 1948. Anteriormente, “Que me acompanham kora e</p><p>balafon” (Que m’accompagnent kôra et balafong) em 1945.</p><p>“Ah! Esquecer” (Ah! Oublier,1946), “Estava sentado” (J’étais assis), “Na</p><p>noite do abismo” (Dans la nuit Abyssale), “Porque fugir” (Pour quoi fuir) e</p><p>“Canto do iniciado” (Chant de l’Initié)</p><p>em 1947. Os poemas “Congo”,</p><p>“Kaya-Magan” e “Cantos da primavera” (Chants du printemps) em 1948.</p><p>C</p><p>“Chaka” em 1951, “A Ausente” (l’Absente) em 1953. No período de 1957 a</p><p>1987 as elegias foram frequentes. De caráter triste e melancólico, tiveram</p><p>destaque a “Elegia à Aynina Fall” (Elégie à Aynina Fall) e a “Elegia da meia</p><p>noite” (Elégie de minuit) em 1957; “Elegia das saudades” (Elégie des</p><p>saudades, 1959), a “Elegia para Jean-Marie” (Elégie pour Jean-Marie, 1969),</p><p>“Elegia para Martin Luther King” (Elégie pour Martin Luther King, 1977),</p><p>“Elegia de Cartago” (Elégie de Carthage, 1978), “Elegia para a rainha Sabá”</p><p>(Elégie pour la reine Saba) e “Elegia para George Pompidou” (Elégie pour</p><p>George Pompidou) de 1979. Após este apanhado biográ�co e da produção</p><p>literária, passamos a contextualização do livro Etiópicos (Éthiopiques).</p><p>2.2 ETIÓPICOS</p><p>om a publicação em 1963 de Os escritores negros de língua francesa</p><p>(Les écrivains noires de langue française) e Antologia negro-africana</p><p>(Anthologie négro-africaine) em 1968, Lilyan Kesteloot se tornou a</p><p>crítica literária de referência sobre os autores da diáspora negra,</p><p>especialmente, os da Négritude. Por isso, pontos importantes elencados</p><p>pela pesquisadora são retomados nesta tese. Num segundo momento,</p><p>Thomas Melone, Barthélemy Kotchy, George Ngal e Mohamadou Kane</p><p>elaboraram uma Teoria da literatura negra, na qual, indicavam as</p><p>abordagens que deveriam ser feitas pelos escritores que compunham o</p><p>movimento. Contudo, nos dedicaremos apenas aos estudos que foram</p><p>direcionados, especi�camente, à obra Etiópicos.</p><p>Nesse sentido, vimos Michel Hausser, Locha Mateso e Roger Chemin,</p><p>respectivamente, Um poeta na cidade (Un poète dans la cité,1993), A</p><p>literatura africana e sua crítica (La littérature africaine et sa critique,1986) e</p><p>O imaginário no romance africano de expressão francesa (L’imaginaire dans le</p><p>roman africain d’expression française, 1986) avançaram sobre as</p><p>abordagens que tratam da literatura francófona feita fora da Europa.</p><p>Pierre Brunel em Poesia Completa: edição crítica (Poésie complète: édition</p><p>critique, 2007) a�rmou que o posfácio de Etiópicos (Éthiopiques) trata-se de</p><p>um esforço para se constituir o mito africano. O pesquisador em outra</p><p>publicação (BRUNEL, 2006) tratou sobre as in�uências que Senghor</p><p>recebeu em sua formação literária: os escritores André Breton, Saint John</p><p>Perse e Marône Ndiaye, a última, uma das graças negras (poetisas da terra</p><p>natal) e inspiração advinda do signo da criação de Charles Baudelaire</p><p>que escreveu, anteriormente, sobre a Vênus negra86.</p><p>Etiópicos (Éthiopiques,1956) é a obra, na qual, notamos que a</p><p>africanidade é elemento principal da criação literária, valorização da</p><p>identidade e marco da dupla carreira de Senghor: o político e o poeta. A</p><p>vivência em Paris e a memória foram decisivas para a escrita do livro.</p><p>Formado a partir da cultura greco-latina, fascinado por ícones da</p><p>literatura francesa como Victor Hugo, ele não escapou do preconceito,</p><p>por ser escritor negro em um mundo dominado pelos valores ocidentais.</p><p>Dentre as críticas destinadas ao livro que escolhemos traduzir, vimos</p><p>principalmente Brunel (2007).</p><p>Em Etiópicos (1956), Senghor visava as Olímpicas, as Píticas, as</p><p>Ístmicas87 de Píndaro (BRUNEL, 2007). E o signi�cado do título está</p><p>vinculado ao sentido do grego aithíops (αιθίοψ)88, “negro”. Além disso, há</p><p>alusão à invasão da Etiópia que ocorreu em outubro de 1935 (BARKER,</p><p>1979), a partir da entrada das tropas italianas que sinalizavam o</p><p>maremoto nazista (Raz-de-marée nazi) que se instalava na Europa</p><p>(KLUGE, 1979). Registramos também que Etiópia já havia sido o título,</p><p>da primeira parte, de Hóstias Negras (Hosties noires, 1948).</p><p>A escolha lembra ainda, o etnólogo Léo Frobenius que escreveu</p><p>História da civilização africana (Histoire de la civilisation africaine, 1936)</p><p>que foi para Senghor fonte de inspiração. A tese, do autor alemão, era de</p><p>que a África jamais teria tido uma era de prosperidade econômica e</p><p>cultural, devido ao fato de permanecer �el à sua natureza. Frobenius, a</p><p>partir do termo étiopanite (étiopanite), de�niu as disposições</p><p>fundamentais da alma que dominam a longa sucessão de culturas e</p><p>civilizações. Étiopanite aspira o homem que busca se fundir com o</p><p>cosmos e o apanágio do ocidente (Apanage de l’Occident), o qual, visa</p><p>sujeitar o mundo e dominá-lo.</p><p>É importante fazer algumas anotações sobre posfácio, no qual, Senghor</p><p>reconheceu que leu poetas franceses, mas, não negou os negro-africanos,</p><p>ao citar Césaire, Damas e Perse. Além disso, a monotonia é inscrita</p><p>característica que tende a complementar o argumento e a repetição e se</p><p>tornam alusões e assonâncias. Assim, o uso da língua francesa não é</p><p>gratuito, pois, Senghor considerou-a língua de vocação, na qual a</p><p>mestiçagem cultural favoreceu a poesia negra que não se recusou,</p><p>entretanto, em ser francesa.</p><p>Neste posfácio, o título alude às narrativas fontes, os mitos presentes</p><p>nas narrativas e cultura do Senegal. Um deles é o reino das águas</p><p>habitado por mulheres sedutoras, mulheres peixe, que possuem um</p><p>canto mortal. O enraizamento cultural presente na oralidade é recurso</p><p>empregado pelos poetas, valorizando o canto e a música. A enunciação</p><p>poética é uma função determinante da nominação, na qual, se tem a</p><p>ideia de que o poeta é um vidente; e essas são fontes fundamentais. Nesta</p><p>perspectiva, a visão apresentada do cosmos intriga quanto à sua</p><p>existência, sendo indivíduo africano, integrante e integrado, por um</p><p>território natural majestoso, completo e nativo. O indivíduo pertence a</p><p>um território, que o integrou culturalmente. E as instâncias de sua</p><p>vivência e constância são escritas tendo a língua francesa como ponto de</p><p>partida e vai além, pois, agrega os idiomas africanos em sua</p><p>quintessência. Por esse motivo, nomear é ato cardinal na obra</p><p>senghoriana, conforme anotou Brunel (2007, p.233, tradução nossa, grifo</p><p>do autor):</p><p>Observando, além disso, que as línguas africanas são essencialmente as línguas concretas</p><p>de uma inacreditável riqueza vocabular. Senghor reforça em “Liberdade 1” que</p><p>frequentemente, como nos poemas populares negros, as imagens saltam da simples</p><p>nomeação de coisas, a condição que elas sejam ritmadas.89</p><p>Etiópicos é, basicamente, constituído por três partes, sendo a primeira</p><p>pelos poemas: “O Homem e a Besta” (L’Homme et la Bête); “Congo”,</p><p>“Kaya-Magan”, “Mensagens” (Messages), “Teddungal”, “A Ausente”</p><p>(l’Absente) e “Em Nova Iorque” (À New York). A segunda pelas “Epístolas à</p><p>princesa (Épîtres à la Princesse) composta por dois poemas dedicados à</p><p>mulher, em especial Colette Hubert (com quem ele se casou, em 1957),</p><p>lembranças de outras relações amorosas e a �gura alegórica da mulher. O</p><p>último poema, “Outros cantos” (D’Autres chants) é da última parte,</p><p>seguido do posfácio “Como os lamantins90 vão beber na fonte” (Comme</p><p>les lamantins vont boire à la source), no qual, há re�exão sobre a escrita de</p><p>autores negros em língua francesa.</p><p>Passemos a tradução de primeiro poema “O Homem e a Besta”</p><p>(L’Homme et la Bête)91. Apresentando-o em francês, seguida da tradução</p><p>para a língua portuguesa do Brasil. Na sequência, escrevemos sobre as</p><p>escolhas feitas durante o processo. Optamos em apresentar, lado a lado</p><p>para efeito comparativo.</p><p>2. 3 O HOMEM, A BESTA, O CONGO</p><p>L’Homme et la Bête (O Homem e a Besta)</p><p>(pour trois tabalas ou tam-tam de guerre)</p><p>Je te nomme Soir ô Soir ambigu,</p><p>(para três tabalas ou tantã de guerra)</p><p>Eu te nomeio: Noite, ô Noite ambígua!</p><p>feuille mobile</p><p>je te nomme.</p><p>Et ce l’heure des peurs primaires, surgies des</p><p>entrailles d’ancêtres.</p><p>Arrière inanes faces de ténèbre à sou�e et mu�e</p><p>malé�ques !</p><p>Arrière par la palme et l’eau, par le Diseurs-des-</p><p>choses très cachées !</p><p>Mais informe la Bête dans la boue féconde qui</p><p>nourrit tsé tsé stegomyas</p><p>Crapauds et trigonocéphales, araignées à poison</p><p>caïmans à poignards.</p><p>(Quel choc soudain sans éclat de silex !</p><p>Quel choc et pas une étincelle de passion.</p><p>Les pieds de l’Homme lourd patinent dans la</p><p>ruse, où s’enforce sa force jusques à mi-jambes.</p><p>Les feuilles les lient des plantes</p><p>mauvaises. Plane</p><p>sa pensée dans la brume.</p><p>Silence de combat sans éclats de silex,</p><p>au rythme du tam-tam tendu de sa poitrine</p><p>Au seul rythme du tam-tam que syncope la</p><p>Grande-Rayée à sénestre.</p><p>Sorcier qui dira la victoire !</p><p>folha móvel,</p><p>eu te nomeio.</p><p>E nesta hora dos medos primários, surgidos das</p><p>entranhas dos ancestrais.</p><p>Volta inane, frente ao tenebroso vento e animal,</p><p>malé�cos!</p><p>Volta pela palma e água, pelo Dizer-das-coisas</p><p>bem escondidas!</p><p>Mas, informe a Besta na lama fecunda</p><p>que se alimenta tsé-tsé stegomyias.</p><p>Sapos e trigonocéfalos, aranhas venenosas,</p><p>crocodilos ao punhal.</p><p>Que choque repentino sem estilhaço de sílex!</p><p>Que choque e não uma faísca de paixão.</p><p>Os pés do Homem pesado patinam na astúcia,</p><p>onde se afunda a força até os joelhos.</p><p>As folhas os ligam às plantas malvadas.</p><p>Plana seu pensamento na neblina.</p><p>Silêncio de combate sem estilhaços de sílex, no</p><p>ritmo do tantã suspenso no colo.</p><p>O único ritmo do tantã que síncope da</p><p>Grande-Cruzada ao sinestro.</p><p>Feiticeira que dirá a vitória!</p><p>Des gri�es paraphent d’éclairs</p><p>son dos de nuages houleux</p><p>La tornade rase ses reins et couche les graminées</p><p>de son sexe</p><p>Les kaicedras sont émus dans leurs racines</p><p>douloureuses.</p><p>Mais</p><p>l’Homme enforce son épieu de foudre dans les</p><p>entrailles de lune dorées très tard.</p><p>Le front d’or dompte les nuages,</p><p>Das unhas rubricam relâmpagos</p><p>suas costas de nuvens onduladas</p><p>O tornado raspa seus rins e deita as</p><p>gramíneas de seu sexo</p><p>Os kaicedras estão emocionados nas suas raízes</p><p>dolorosas.</p><p>Mas,</p><p>o Homem enterra sua lança de relâmpago nas</p><p>entranhas da lua, douradas bem tarde.</p><p>A frente dourada doma as nuvens,</p><p>où tournoient des aigles glacés,</p><p>Ô pensée qui lui ceint le front !</p><p>La tête du serpent est son œil cardinal.</p><p>La lutte est longue trop !</p><p>dans l’ombre, longue des trois époques de nuit</p><p>millésime.</p><p>Force de l’Homme lourd</p><p>les pieds dans le potopoto fécond</p><p>Force de l’Homme</p><p>les roseaux qui embarrassent son e�ort.</p><p>Sa chaleur</p><p>la chaleur des entrailles primaires,</p><p>force de l’Homme dans l’ivresse</p><p>Le vin chaud du sang de la Bête, et la mousse</p><p>pétille dans son cœur</p><p>Hê! vive la bière de mil à l’Initié!</p><p>Un long cri de comète traverse la nuit,</p><p>une large clameur rythmée d’une voix juste.</p><p>Et l’Homme terrasse la Bête de la glossolalie du</p><p>chant dansé.</p><p>onde giram as águias geladas,</p><p>Ô pensamento que cinge a testa!</p><p>A cabeça da serpente é seu olho cardeal.</p><p>A luta é longa e muito!</p><p>na sombra, longa de três épocas, de noite</p><p>milésima.</p><p>Força do Homem pesado,</p><p>os pés no potopoto fecundo.</p><p>Força do Homem,</p><p>os juncos que envergonham seu esforço.</p><p>Seu calor;</p><p>o calor das entranhas primárias,</p><p>força do Homem na embriaguez</p><p>O vinho quente do sangue da Besta e a espuma</p><p>borbulhante no seu coração</p><p>Hê! Viva a cerveja de mil: aos Iniciados!</p><p>Um longo grito de cometa atravessa a noite, um</p><p>largo clamor ritmado de uma voz justa.</p><p>E o Homem derruba a Besta da glossolalia do</p><p>canto dançado.</p><p>Il la terrasse dans un vaste éclat de rire,</p><p>dans une danse, rutilante, dansée</p><p>Sous l’arc-en-ciel des sept voyelles.</p><p>Salut Soleil-levant</p><p>Lion au-regard-qui-tue</p><p>Donc</p><p>salut Dompteur de la brousse,</p><p>Toi Mbarodi! seigneur des forces imbéciles.</p><p>Le lac �eurit de nénuphars, aurore du rire divin.</p><p>Ele a derrubou numa vasta explosão de riso,</p><p>numa dança, brilhantemente, dançada.</p><p>Sob o arco-íris das sete vogais.92</p><p>Saúdo o Sol-nascente!</p><p>Leão com-olhar-que-mata.</p><p>Então,</p><p>saúdo Domador da mata,</p><p>Tu Mbarodi! Senhor das forças imbecis.</p><p>O lago �ori de nenúfar, aurora do riso divino.</p><p>Em “O Homem e a Besta” optamos por manter a gra�a, conforme a</p><p>publicação consultada, da mesma maneira faremos em Batuque (1931).</p><p>Por exemplo, se a palavra, no texto de partida foi escrita com a inicial</p><p>maiúscula ou sem pontuação, assim a mantivemos, no intuito de manter</p><p>a forma, a quantidade de palavras e certo equilíbrio.</p><p>Em se tratando da poética e das características da expressão do �lósofo,</p><p>destacamos alguns dos elementos, mais frequentes na composição. Os</p><p>versos são cadenciados pelo som do tantã, registrando a monotonia dos</p><p>tambores. O ritmo não se con�gura na base nos versos, que muitas vezes</p><p>não rimam. Esse é um recurso que faz lembrar o canto tradicional na</p><p>língua materna: woï, em wolof e kim, em serere. O ritmo binário não é</p><p>regular, ele oscila e tem as variantes sonoras, bem marcadas que se</p><p>integram em síncope93, no qual, o som é articulado na parte fraca do</p><p>compasso, prolongando-se na parte forte seguinte. Os versos mais curtos</p><p>indicam as variantes em tons monótonos, o ritmo silábico se modi�ca</p><p>sob a ausência dos acentos, marca da poética africana.</p><p>O autor mescla, na composição lírica, palavras de outras línguas,</p><p>Kesteloot (2006, p.140, tradução nossa) comentou sobre esse aspecto:</p><p>Resta contemplar, obviamente, este panorama por uma decodi�cação de acentuação de</p><p>frases e expressões idiomáticas, que Senghor deve à sua língua materna. Isso poderia ser</p><p>um tema de pesquisa para um linguista wolof ou serere, se ele prova, exatamente, que</p><p>Senghor fala o wolof tão bem (ou tão mal) e se nós o acreditamos detrator do serere.</p><p>Vamos descobrir, sem dúvida, que muitos elementos ou processos, que nos pareciam</p><p>literários em francês, relevam, simplesmente, a oralidade africana, mais que de um efeito</p><p>literário procurado94.</p><p>O ritmo em “O homem e a besta” é fúnebre, oriundo do serere do Sine</p><p>Saloum que é uma região no Senegal que se localiza ao norte da Gâmbia</p><p>e ao sul da Pequena Costa (Petite Côte)95. Essa área abrange,</p><p>aproximadamente, vinte e quatro mil quilômetros quadrados. E o</p><p>território corresponde a quase doze por cento das terras do Senegal. A</p><p>porção ocidental contém o Delta do Saloum, um delta �uvial na junção</p><p>do Saloum e do Atlântico Norte.</p><p>Há especi�cidades da região, vimos nos seres vivos (tsé tsé, stegomyias) e</p><p>certos vegetais (kaicedras). Na busca por uma tradução, por exemplo</p><p>deste último, que é só existe na África, optamos em repeti-lo em</p><p>português. Dessa forma, mantemos além da estrutura sintática, a</p><p>fonética. Nesse percurso, consideramos o apontamento feito por Celina</p><p>Scheinowitz (2004, p. 01, tradução nossa), no qual, a autora assinala:</p><p>A poesia senghoriana é marcada por um dualismo que deriva do duplo pertencimento</p><p>do poeta, sua origem senegalesa e sua formação francesa. Espírito modelado pelo poder</p><p>colonial francês, L. S. Senghor mantém, no entanto, as referências profundas com suas</p><p>raízes africanas. Em Etiópicos, a África não surge como a descrição de um panorama que</p><p>vem de sua memória. Ela é antes de tudo uma intimidade sensual e mítica que o poeta</p><p>comunica ao leitor através das anotações relativas à sua �ora, sua fauna, sua toponímia,</p><p>seu colorido e por alusões históricas e etnológicas, como se o leitor dividisse com o</p><p>autor o conhecimento do objeto, em uma conivência de um saber prévio da realidade</p><p>africana.96</p><p>Concordamos com a autora ao a�rmar que a obra é marcada pelo</p><p>dualismo de sua formação linguística e cultural, africana e francesa. E,</p><p>que além disso, os temas que traduzem a cultura, a língua e a identidade</p><p>são apresentadas como se o leitor conhecesse ou soubesse, de maneira</p><p>preliminar, de tal realidade. Senghor inicia em Etiópicos uma trajetória</p><p>que incorpora, na criação literária, o ato de enaltecer seu povo e cultura.</p><p>Ele escreve sobre temas, nos quais a África é plano central. A riqueza</p><p>natural, característica marcante do continente, é tomada simbolicamente</p><p>em aspecto global.</p><p>O fato é que a coexistência entre os universos transpôs a relação</p><p>profunda que existe entre o escritor e a sua origem. O espaço onde ele</p><p>nasceu, a natureza do local, as nomenclaturas que existem na região</p><p>africana, na qual, os aspectos do nacional se transformam em caracteres</p><p>poéticos e são de profundo caráter simbolista. As paisagens criadas nas</p><p>imagens representativas, de seu país, evidenciam as características</p><p>culturais de uma nação. Além disso, há evidências, nas quais, podem-se se</p><p>identi�car o lócus por meio da fauna e �ora.</p><p>As raízes culturais, sobretudo, são referenciadas. A poesia propõe uma</p><p>intimidade sensorial, na qual,</p><p>o poeta comunica a partir de suas</p><p>anotações sobre a natureza e o conhecimento de objetos musicais ou</p><p>lugares do continente africano. Vejamos na primeira parte:</p><p>Eu te nomeio: Noite, ô Noite ambígua!</p><p>folha móvel,</p><p>eu te nomeio.</p><p>E nesta hora dos medos primários, surgidos das entranhas dos ancestrais.</p><p>Volta inane, frente ao tenebroso vento e animal, malé�cos!</p><p>Volta pela palma e água, pelo Dizer-das-coisas bem escondidas!</p><p>Mas, informe a Besta na lama fecunda</p><p>que se alimenta tsé-tsé stegomyias.</p><p>Sapos e trigonocéfalos, aranhas venenosas, crocodilos ao punhal.</p><p>No título, logo se constata a presença de duas �guras simbólicas. Nesse</p><p>aspecto consideramos o termo a partir da seguinte citação: “[...] à</p><p>imaginação simbólica propriamente dita quando o signi�cado não é de</p><p>modo algum apresentável e o signo só pode referir-se a um sentido e não</p><p>a uma coisa sensível” (DURANT, 1993, p.10, grifo nosso): o Homem e a</p><p>Besta. Notamos que os substantivos, escritos em letra maiúscula,</p><p>nomeiam. A voz lírica é de�nida em primeira pessoa; o subtítulo “para</p><p>três tabalas ou tantã de guerra” evidencia o acompanhamento feito por</p><p>instrumentos de percussão. Acompanhamentos musicais fazem parte de</p><p>todos os poemas de Etiópicos. Neste, especialmente, a presença marcante</p><p>é dada pelos instrumentos de percussão: a tabala e o tantã.</p><p>A enunciação começa com a noite. A voz lírica se manifesta em tom de</p><p>evocação. A lama fecunda, refere-se às emergências de limo citadas na</p><p>mitologia egípcia pelo pântano: “[...] zona incerta, meio aquática, meio</p><p>terrestre, exuberante de verdura, cheia de aves e de pequenos animais”97</p><p>(BRUNEL, 2007, p. 279, tradução nossa). A Besta, �gurada em caráter e</p><p>sentido profundo, se alimenta de insetos e animais peçonhentos.</p><p>Percebemos que o léxico é formado pelos seguintes elementos: 1) moscas</p><p>e mosquitos; a primeira tsé-tsé, ser que pertence à família muscidae,</p><p>transmissora da doença do sono. Essas moscas não existem nas Américas,</p><p>mas elas são comuns na África. E segundo, o mosquito stegomyias;</p><p>popularmente conhecido no Brasil, como Aedes aegypti, transmissor de</p><p>doenças como a chicungunha, o zika vírus e a febre amarela. Seguem 3)</p><p>sapos; 4) a serpente; animal venenoso, asqueroso e de aspecto ameaçador;</p><p>e a aranha e crocodilos. Eles se distribuem desde a bacia do Nilo até</p><p>regiões a sul do deserto do Saara, Madagascar e ao arquipélago das</p><p>Comores. São perigosos e algumas espécies foram veneradas como</p><p>divindade no Antigo Egito. Esses são elementos que representam a</p><p>natureza nociva e alimentam a Besta.</p><p>O Homem é a forma metafórica e novamente, a imagem. Novamente,</p><p>recorremos a Durant (1993, p. 11-12):</p><p>Não podendo �gurar a in�gurável transcendência, a imagem simbólica é trans�guração</p><p>de uma representação concreta através de um sentido para sempre abstrato. O símbolo é,</p><p>pois, uma representação que faz aparecer um sentido secreto, é a epifania de um</p><p>mistério. A metade visível do símbolo, o “signi�cante”, estará sempre carregado da</p><p>máxima concreção.</p><p>Da paisagem natural recriada pela poética, compreendemos que a</p><p>junção dessas unidades simbólicas forma um léxico que remete a um</p><p>contexto de palavras singulares. Mesmo traduzidas para a língua</p><p>portuguesa não são vocábulos acessíveis, pois, para que se possa</p><p>compreendê-las, pressupõe-se um conhecimento da forma ou da</p><p>nomenclatura, desses seres usada na biologia.</p><p>O trigonocéfalo, por exemplo, é um substantivo que designa um</p><p>indivíduo que tem a cabeça triangular ou mesmo a serpente crotalídea</p><p>que vive na Ásia e na América. A palavra “tsé-tsé” não foi traduzida por</p><p>“mosca”, pois, mesmo dada a inexistência do inseto no Brasil,</p><p>encontramos o vocábulo em língua portuguesa. Ao desenvolver posição</p><p>utópica, potencialmente transformadora, Senghor exige a ligação entre o</p><p>engajamento e a criação literária. As escolhas tornam-se uma pré-</p><p>condição para individualização artística e a transformação criadora do</p><p>status de dominado e se dirige à uma ou outras instâncias dominantes</p><p>(KELLY, 2013/4). A nosso ver utópico não seria o termo, mais adequado</p><p>seria simbólica. Continuando a tradução, tem-se:</p><p>Que choque repentino sem estilhaço de sílex!</p><p>Que choque e não uma faísca de paixão.</p><p>Os pés do Homem pesado patinam na astúcia,</p><p>onde se afunda a força até os joelhos.</p><p>As folhas os ligam às plantas malvadas.</p><p>Plana seu pensamento na neblina.</p><p>Silêncio de combate sem estilhaços de sílex, no ritmo do tantã suspenso no colo.</p><p>O único ritmo do tantã que síncope da Grande-Cruzada ao sinestro.</p><p>Feiticeira que dirá a vitória!</p><p>Há duas referências, nesta estrofe, presentes nas �guras de estilo e de</p><p>linguagem: a antítese e a sinestesia. A primeira é provocada por um</p><p>choque, mas sem o som. Um tiro de pedra, o sílex “a primeira arma do</p><p>homem pré-histórico, mas também, a origem do fogo invocada no canto</p><p>bantu, um dos poemas africanos”98 (KELLY, 2013/14, p. 280, tradução</p><p>nossa, grifo do autor). É uma rocha sedimentar silicatada, constituída de</p><p>quartzo criptocristalino que dura muito e tem densidade elevada. O</p><p>mineral se apresenta, geralmente, compacto de cor cinzenta e negra. A</p><p>pedra tem fratura concoidal que ocorre sob a forma de nódulos ou</p><p>massas em formações de giz ou calcário. Ela pode apresentar várias</p><p>impurezas como argilas, carbonato, silte, pirita e matéria orgânica. O</p><p>sílex partido, com arestas cortantes, foi utilizado pelos homens pré-</p><p>históricos como arma e instrumento de corte. Por isso, no choque</p><p>silencioso está contido o tiro, rarefeito. Seria então conferido pela faísca,</p><p>não necessariamente o fogo, o elemento natural, mas a paixão. Logo,</p><p>fogo e paixão são comparativos de luminosidade, sensações visuais e de</p><p>sentimentos, causados na oposição.</p><p>Em “Grande-Cruzada ao sinestro”, o último termo vem do latim:</p><p>sinistru. A expressão é frequentemente interpretada por hiena que se</p><p>desloca à esquerda, ou seja, seria a tradução de um termo malinque.</p><p>Contudo, é preciso registrar que ela pode também designar “um tantã</p><p>que está à esquerda em um grupo de tantãs, coberto por uma pele de</p><p>hiena, e introduzindo o contratempo no ritmo”99; ou ainda “um tantã</p><p>com sonoridade particular se distinguindo dos outros pelo seu aspecto e</p><p>evocando pelas suas intervenções os batimentos sincopados do</p><p>coração”100 (KELLY, 2013/14, p. 280, tradução nossa.). Ou por �m, pode</p><p>ser não somente um instrumento, mas uma parte do corpo humano à</p><p>esquerda, perto do coração.</p><p>Além de analisar a semântica vocabular foi preciso escolher qual seria a</p><p>palavra, mais adequada à imagem proposta. Sabemos que “a operação de</p><p>tradução consiste precisamente em transformar o estrangeiro – o</p><p>estranho – no conhecido, transpondo-o de um idioma alheio para o do</p><p>leitor” (BRITTO, 2012, p. 69). Por esse motivo, o tradutor não pode se</p><p>limitar as características gerais do texto, ele precisa reproduzi-las com o</p><p>estilo do autor. Para tanto, o tradutor deve se informar sobre autor e obra</p><p>a ser traduzida e exercer seu senso de medida. Continuamos assim, na</p><p>estrofe seguinte:</p><p>Das unhas rubricam relâmpagos</p><p>suas costas de nuvens onduladas</p><p>O tornado raspa seus rins e deita as</p><p>gramíneas de seu sexo</p><p>Os kaicedras estão emocionados nas suas raízes dolorosas.</p><p>Mas,</p><p>o Homem enterra sua lança de relâmpago nas entranhas da lua, douradas bem tarde.</p><p>A frente dourada doma as nuvens,</p><p>onde giram as águias geladas,</p><p>Ô pensamento que cinge a testa!</p><p>A cabeça da serpente é seu olho cardeal.</p><p>Outra questão pontuada ao se tratar da tradução literária é que, por</p><p>vezes, a língua-fonte (BRITTO, 2012) possui apenas um item lexical,</p><p>forma verbal ou outro elemento qualquer. Enquanto que a língua meta</p><p>possui mais de um em cada caso e o tradutor deve optar por uma ou</p><p>outra estrutura correspondente, pois “Nem sempre é fácil saber qual das</p><p>formas deve ser usada” (id., p. 77). Por exemplo, nos versos acima, os</p><p>elementos da natureza mencionados, tais como o raio, a lua e as nuvens</p><p>estão aliadas de forma oculta ao sentido de personi�cação, não</p><p>necessariamente pela presença de aspectos humanos nestes vocábulos.</p><p>Mas, devido a edi�cação semântica, composta pela citação</p><p>de</p><p>substantivos que remetem às partes do corpo (rins e testa), pode-se</p><p>relacionar os termos aos animais. Em kaicedras, optamos por fazer</p><p>tradução direta (retirando acentos), uma vez que se trata de uma árvore</p><p>característica da savana africana e que também, assim como as tsé-tsé, não</p><p>existe no Brasil. Para a árvore descrita com raízes longas e fortes,</p><p>decidimos aportuguesar o termo.</p><p>A tradução de poesia, não é fácil, tão pouco tarefa mecanizada e que</p><p>tenha correspondentes simultâneos. Por esse motivo, nesta tradução,</p><p>optamos, em não traduzir determinados termos. Normalmente, essa</p><p>escolha foi feita porque o objeto, a coisa ou a de�nição não é conhecida</p><p>no português. Pontuamos, nesse sentido que a tradução a quem se</p><p>destina é o público imediato de pessoas que falam ou escrevem, no</p><p>português brasileiro. Sabe-se, inclusive, que o português é idioma de</p><p>outros territórios, contudo, não foi investigado se nestes países,</p><p>pontualmente, estas palavras existem.</p><p>O simbolismo é frequente na representação do ser. O símbolo é a</p><p>alegoria, recondução do sensível, do �gurado ao signi�cado, mas é</p><p>também pela própria natureza do signi�cado inacessível, epifania, isto é,</p><p>aparição através do e no signi�cante, do indizível. De acordo com Durant</p><p>(1993, p.11, grifo do autor)</p><p>Vemos, de novo, qual vai ser o domínio de predileção do simbolismo: o não-sensível sob</p><p>todas as suas formas: inconsciente, metafísico, sobrenatural e surreal. Estas coisas</p><p>ausentes ou impossíveis de perceber, por de�nição, vão ser, de maneira privilegiada, os</p><p>próprios sujeitos da metafísica, da arte, da religião, da magia: causa primeira, �m último,</p><p>�nalidade sem �m, alma, espíritos, deuses, etc.</p><p>Palavras de léxico bélico estão presentes e permaneceram na tradução</p><p>(tiro, sílex, luta). Consideramos a presença de um ser forte ou uma força</p><p>dada a partir da nomeação noite; que situa um espaço de medos.</p><p>Algumas vezes, o canto épico lembra a poesia clássica e as imagens do</p><p>inferno. Nos versos, podemos ler:</p><p>A luta é longa e muito!</p><p>na sombra, longa de três épocas, de noite milésima.</p><p>Força do Homem pesado,</p><p>os pés no potopoto fecundo.</p><p>Força do Homem,</p><p>os juncos que envergonham seu esforço.</p><p>Seu calor;</p><p>o calor das entranhas primárias,</p><p>força do Homem na embriaguez</p><p>O vinho quente do sangue da Besta e a espuma borbulhante no seu coração</p><p>Hê! Viva a cerveja de mil: aos Iniciados!</p><p>A passagem de tempo é indicada, tal como em uma narrativa em “três</p><p>épocas de noite milésima” proporcionando, assim, um prolongamento</p><p>simbolicamente descrito. O Homem pesado em seu corpo tem a força.</p><p>Na estrofe, ela se inscreve: símbolo de energia vital. O vigor é</p><p>intensi�cado pela repetição da palavra força, mostrando o homem em</p><p>sua robustez. Na mesma sequência, temos a antítese construída a partir</p><p>de duas unidades da natureza: o homem e o potopoto101; uma ave</p><p>trepadora comum na África ocidental.</p><p>Ao �nal da estrofe a sinestesia é recorrente. A �gura estilística provoca</p><p>cruzamento de percepções sensoriais. Na linguagem poética, ela é</p><p>expressa na associação de palavras, nas quais, ocorre a combinação de</p><p>sensações diferentes feitas em um só enunciado. Pode se ver no emprego</p><p>de calor e quente, vejamos na composição: “o calor das entranhas</p><p>primárias”; “O vinho quente [...]”. São termos que remetem o leitor às</p><p>sensações, neste caso térmicas: no primeiro, a partir do imaginário do</p><p>espaço do ventre materno; e no segundo, a bebida quente que provoca</p><p>embriaguez facilitando a exaltação, o êxtase. A última parte foi assim</p><p>traduzida:</p><p>Um longo grito de cometa atravessa a noite, um largo clamor ritmado de uma voz justa.</p><p>E o Homem derruba a Besta da glossolalia do canto dançado.</p><p>Ele a derrubou numa vasta explosão de riso, numa dança, brilhantemente, dançada.</p><p>Sob o arco-íris das sete vogais.</p><p>Saúdo o Sol-nascente!</p><p>Leão com-olhar-que-mata.</p><p>Então,</p><p>saúdo Domador da mata,</p><p>Tu Mbarodi! Senhor das forças imbecis.</p><p>O lago �ori de nenúfar, aurora do riso divino.</p><p>O silêncio das antíteses anteriores é cortado pelo grito de um cometa.</p><p>Mais uma vez, a personi�cação ocorre, mas relativa ao corpo celeste.</p><p>Consideramos a personi�cação devido à inclusão de uma característica</p><p>humana: gritar. Compreende-se, pois este gesto vocal um ato de</p><p>libertação, ou mesmo, a manifestação de um povo silenciado ao longo</p><p>dos anos. A emancipação, que não era somente literária, registra a voz de</p><p>uma coletividade simbolizada pela escrita poética. A emancipação</p><p>coletiva dos povos africanos inicia a partir da individualidade que propõe</p><p>um espaço literário, no qual, �gura a presença do fator cultural, histórico</p><p>e geográ�co.</p><p>A literatura é usada para transcender as tensões sociais oriundas do</p><p>processo de colonização dos territórios africanos. Na linguagem literária,</p><p>o espaço nacional é recriado em aspectos simbólicos. A língua utilizada</p><p>representa, a nosso ver, a constituição de um patrimônio especí�co a</p><p>partir da aquisição cultural, além daquela, a qual pertence o escritor.</p><p>De volta a leitura, encontramos no terceiro verso: “E o Homem derruba</p><p>a Besta da glossolalia do canto dançado”. O termo destacado signi�ca</p><p>dom de línguas. No poema, o Homem vence a glossolalia, que descreve</p><p>um evento, segundo os princípios da religião cristã aconteceu no dia de</p><p>Pentecostes. Os povos reunidos, nesse dia, conseguiram ouvir a</p><p>mensagem de Deus na língua ou dialeto que falavam. E essa</p><p>comunicação entre Deus e os homens registrava que todo aquele que</p><p>tinha sido puri�cado, não deveria ser rejeitado, independentemente de</p><p>sua origem.</p><p>Mais adiante, os versos que encerram o poema apresentam a fauna</p><p>africana, e também, a natureza que representa o país, tais como a �gura</p><p>de Mbarodi, símbolo do Senegal representado pelo rei da selva, o leão. O</p><p>termo peul tem, entre seus signi�cantes, as seguintes de�nições:</p><p>assassino, leão e campeão102. No texto, o substantivo funciona na função</p><p>de vocativo que encerra e simboliza a vitória.</p><p>Contudo, ao propor o texto em língua portuguesa, reiteramos que se</p><p>trata de uma tradução literária que sugere aos leitores o desvelar da</p><p>poética de Léopold Sédar Senghor. Concordamos assim com Britto</p><p>(2012) ao a�rmar que a tradução que ocorre de um idioma para outro</p><p>não pode corresponder completamente aos sentidos criados pelo texto</p><p>fonte.</p><p>Por esse motivo, ressaltamos a importância de informar que a tradução</p><p>feita é uma proposta que objetiva incitar os leitores a buscar o texto</p><p>fonte, em língua francesa. A tarefa de traduzir, para lembrar Benjamin</p><p>(2008), deve comunicar a princípio algo de uma língua para outra. Cabe</p><p>ao tradutor fazer as escolhas, encontrar as possibilidades. Por isso,</p><p>novamente reiteramos Britto (2012, p. 19):</p><p>Traduzir – principalmente traduzir um texto de valor literário – nada tem de mecânico:</p><p>é um trabalho criativo. O tradutor não é necessariamente um traidor e não é verdade</p><p>que as traduções ou bem são belas ou bem são �éis; beleza e �delidade são</p><p>perfeitamente compatíveis</p><p>Nesses aspectos, a tradução e a criação literária podem ser consideradas</p><p>a mesma coisa. Propomos que “O Homem e a Besta” (l’Homme et la Bête)</p><p>con�gure, no cenário da tradução literária brasileira, como um texto que</p><p>possa reportar, em alguma medida, os leitores ao texto fonte.</p><p>Ao partir do pressuposto que a literatura é um veículo de</p><p>compartilhamento entre as culturas, línguas e pessoas, entendemos o</p><p>quão fundamental é incitar o conhecimento de outras, para dessa forma,</p><p>propor encontros culturais na alteridade, que possam contrapor</p><p>comportamentos derivados do preconceito e o julgamento antecipado,</p><p>desta ou daquela cultura. As obras devem ser compartilhadas em caráter</p><p>mundial. No caso do texto poético, não se trata de produzir um texto</p><p>que apenas contenha as mesmas informações que o primeiro; “Trata-se</p><p>de produzir um texto que provoque no leitor um efeito de literariedade</p><p>– um efeito estético, portanto – de tal modo análogo ao produzido pelo</p><p>original que o leitor da tradução possa a�rmar que leu determinado</p><p>autor” (BRITTO, 2012, p. 50).</p><p>Passemos, então, ao segundo poema.</p><p>(guimm pour trois kôras et un balafong)</p><p>conceitos e espaços. Eis as questões: 1) A expressão</p><p>literária de Bruno de Menezes seria, portanto, mero efeito do movimento</p><p>que iniciou com a “Semana de Arte Moderna”, em 1922, em São Paulo? 2)</p><p>O autor, da Amazônia, teria tido acesso às referências da Négritude do</p><p>exterior? 3) Qual relação entre a publicação de Batuque em 1931 e o</p><p>primeiro número da revista “Legítima Defesa” (Légitime Défense) em</p><p>1932?</p><p>Foi seguindo estas questões que passamos a investigar a hipótese de que</p><p>Bruno de Menezes teve acesso ao movimento que iniciava em Paris,</p><p>liderado pelos estudantes da Sorbonne; Aimé Césaire, Léon-Gontran</p><p>Damas e Léopold Sédar Senghor. E até que ponto a Negritude presente</p><p>no Brasil e a Négritude dos autores francófonos se encontram ou não.</p><p>Quanto à obra senghoriana, pretendemos identi�car os aspectos desse</p><p>movimento intelectual-político e a integração destes elementos na</p><p>produção literária francófona. Em segundo plano, estabelecer paralelos</p><p>que se instituem, vinculando-se ao processo de tradução cultural.</p><p>Há de se considerar também neste estudo, os poetas na função de</p><p>tradutores culturais do seu tempo e atores, em espaços diferenciados, que</p><p>convergiram para um ponto comum: a representação social do indivíduo</p><p>aliado ao seu local de pertencimento. Com efeito, a pesquisa entende as</p><p>fronteiras da tradução não como limites. Mas sim, etapas de um processo</p><p>de conhecimento, de contato entre culturas e que não se reduz a simples</p><p>troca de palavras entre línguas. O que tentaremos identi�car, de fato, é o</p><p>compartilhamento de experiências que podem ter fundamentos</p><p>históricos e sociais, e que constroem, de alguma forma, o conjunto de</p><p>sistemas que relaciona experiências vividas, no tempo e no espaço, por</p><p>um indivíduo ou vários. Ela legitima-se, portanto, pelo seu teor</p><p>intercultural no âmbito literário. Além disso, concordamos com a</p><p>proposição sobre o compartilhamento e o aspecto vinculado à</p><p>semovência literária vista em Fernandes (2010, p. 224), na qual se lê:</p><p>Por isso, compreender o cenário histórico e social de produção da arte e da cultura, e das</p><p>consequentes poéticas e teorias, é importante para compreendermos que existem</p><p>correspondências entre intelectuais condicionados pelas mesmas realidades, a despeito</p><p>de não terem uma imediata relação e in�uência. É o que intitulo semovência, porque é</p><p>como se essa produção intelectual e artística, enquanto coisa animada, se movesse por si</p><p>própria, afastando-se de sua origem e intercambiando, em diálogo e comparativismo,</p><p>com outras produções similares (verbo lat. semovére, ‘apartar, arredar, afastar’, derivando</p><p>em semovência, pelo acréscimo de –ência, que funciona como su�xo em verbos, o que</p><p>denota ação).</p><p>Ou seja, podemos veri�car correspondência nas produções de autores</p><p>que viveram em espaços diferenciados, mas que comungaram de um</p><p>estilo de escrita semelhante. Assim, pode-se reconhecer por meio de</p><p>características presentes nas obras correspondências intelectuais, que não</p><p>necessariamente tenham se comunicado previamente. Essas esferas de</p><p>comunicação se condicionam, a nosso ver, na escrita e escolha temática</p><p>por exemplo. Neste caso, mais especi�camente na poética da Négritude/</p><p>Negritude.</p><p>O que Bernd (2009) nomeou de transtextualidade, revela-se ponto</p><p>fundamental a ser desenvolvido na literatura modernista, pois mescla a</p><p>oralidade, o popular e a memória. Acrescentamos ao último termo, o</p><p>âmbito do coletivo que colocou em evidência espaços antes obliterados,</p><p>esquecidos ou silenciados no processo de dominação cultural.</p><p>Ao se analisar as questões que se reportam ao estudo das traduções,</p><p>propõe-se fazer uma análise não dos versos entre si, mas das temáticas</p><p>ligadas à Négritude/ Negritude que estão presentes na literatura brasileira</p><p>e francófona. Quanto ao modo como será organizada a tese, faremos um</p><p>traçado a partir da pesquisa bibliográ�ca. Na primeira parte, trataremos</p><p>sobre a Francofonia, Tradução e Negritude. Na segunda etapa, os</p><p>conceitos serão analisados considerando a estrutura dos poemas.</p><p>Em Éthiopiques (1956), propomos um processo de tradução literária</p><p>concomitante ao aprofundamento do referencial sobre Senghor. Em</p><p>Batuque (1931) consideramos a perspectiva da Teoria literária,</p><p>principalmente, os Estudos culturais e os temas da Negritude. Pretende-</p><p>se, desta forma, perceber o caráter inovador no que se refere aos usos da</p><p>linguagem poética, assim como foi feita a composição de símbolos e</p><p>imagens, no processo de criação literária.</p><p>Sobre a musicalidade e ritmo importa, logo no início desta pesquisa,</p><p>fazer um esclarecimento. Não necessariamente, iremos encontrá-los na</p><p>constituição de versos (que contenham rima, por exemplo), pois, em</p><p>grande parte dos textos, os versos se compõem livres, algumas vezes</p><p>brancos, sem rima. Em Senghor esta característica é ainda mais a�nada,</p><p>uma vez que Etiópicos é uma obra de escrita truncada, cheia de</p><p>especi�cidades que registram o encontro de línguas (francesa, wolof e</p><p>termos de outros dialetos). Além disso, muitos termos recuperam a</p><p>memória do autor, suas referências literárias ou o contexto histórico-</p><p>político da época em que os poemas foram escritos. Por isso, explicamos</p><p>que a nosso ver musicalidade e ritmo, especialmente, em Senghor são</p><p>elementos constituintes da estrutura poética, mas também são vistos a</p><p>partir da integração dos toques de tambor, acompanhamento de jazz ou</p><p>instrumentos musicais.</p><p>Para melhor exempli�car os textos senghorianos é preciso pensar a</p><p>inscrição do poema associando aos versos elementos musicais</p><p>indicadores: orquestra de jazz, trompete, tantã. Há sempre em Etiópicos</p><p>um prenúncio de ritmos que acompanham o texto, unidos, eles formam</p><p>um conjunto escrito-sonoro.</p><p>Para que possamos começar o primeiro capítulo da tese, elencamos</p><p>para re�exão a metáfora da fronteira para explicar o uso do termo entre</p><p>lugar. O termo usado por Bhabha (1998) diz respeito ao modo como as</p><p>pessoas utilizam estratégias de subjetivação e como elas dão início aos</p><p>novos signos de identidade e postos inovadores de colaboração e</p><p>contestação, no ato de de�nir a própria ideia de sociedade. Nas palavras</p><p>do �lósofo: “Os intercâmbios feitos de uma cultura para a outra são</p><p>meios que permitem reconhecer elementos estrangeiros (estranhos) no</p><p>sentido de captar caracteres oriundos da cultura de um lugar e sua</p><p>adaptação em outro” (BHABHA,1998, p.19). Veremos na sequência onde</p><p>iniciaram os intercâmbios na Francofonia literária e os</p><p>encaminhamentos que conduziram a Négritude.</p><p>1. Registramos que a publicação do poema “Batuque”, que dá nome ao livro, ocorreu, pela</p><p>primeira vez, em 1931 no livro Poesia. No mesmo ano, Bruno de Menezes reuniu os demais</p><p>poemas e publicou a 1ª edição de Batuque. Sabemos que é na 4ª edição, de 1953, que constam,</p><p>pela primeira vez, as ilustrações de Raymundo Vianna. Contudo, não encontramos nenhuma</p><p>edição, deste ano, para consulta. Por esse motivo, usamos a edição de 1966.</p><p>2. A edição que será utilizada de Éthiopiques é de 1990. Todavia, importa registrar que a obra foi</p><p>escrita entre os anos de 1947 a 1956, sendo publicada no último ano indicado.</p><p>C</p><p>1</p><p>NAS SENDAS DOS CONCEITOS</p><p>1.1 DA FRANCOFONIA AO COMPARTILHAMENTO</p><p>ontinuamos no intuito de re�etir o compartilhamento cultural a</p><p>partir da arte modernista, especi�camente, a literatura. Para tanto,</p><p>consideramos as explicações sobre a Francofonia e o impacto do</p><p>cosmopolitismo literário na perspectiva de Combe (2010a, 2010b),</p><p>Moura (2013) e Gauvin (1999). Essa discussão encaminha ao signi�cado</p><p>da consagração de obras, por isso lemos Denis (2010) e a base que</p><p>referenciou a literatura menor, Gattari e Deleuze (1977). Em seguida,</p><p>vimos algumas anotações advindas dos Estudos culturais, a mestiçagem</p><p>em Glissant (2001), identidade em Canclini (1989) e a problemática da</p><p>tradução literária (BRITTO, 2012). Iniciamos, de acordo com Nouss</p><p>(1991, p. 143, tradução nossa) que trata a fragmentação:</p><p>Há um pensamento do fragmentário porque há um pensamento da vida e que esta só</p><p>pode ser inteiramente pensada pelo indivíduo depois de terminada. E há, para a</p><p>modernidade,</p><p>Oho! Congo oho ! Pour rythmer ton nom grand</p><p>sur les eaux sur les �euves sur toute mémoire</p><p>Que j’émeuve la voix des kôras Koyaté ! L’encre</p><p>du scribe est sans mémoire.</p><p>Oho ! Congo couchée dans ton lit de forêts,</p><p>reine sur l’Afrique domptée</p><p>Que les phallus des monts portent haut ton</p><p>pavillon</p><p>Car tu es femme par ma tête</p><p>par ma langue,</p><p>car tu es femme par mon ventre</p><p>Mère de toutes choses qui ont narines,</p><p>des crocodiles</p><p>des hippopotames</p><p>Lamantins</p><p>iguanes</p><p>poissons</p><p>oiseaux,</p><p>mère des crues nourrice des moissons.</p><p>Femme grande ! eau tant ouverte à la rame et à</p><p>l’étrave des pirogues</p><p>Ma Saô</p><p>mon amante aux cuisses furieuses,</p><p>aux longs bras de nénuphars calmes</p><p>(canto para três koras e um balafon)</p><p>Oho! Congo oho! Para ritmar teu grande nome</p><p>sobre as águas sobre os rios sobre toda memória</p><p>Que eu movo a voz de kôras Koyaté!</p><p>A tinta do escriba está sem memória.</p><p>Oho! Congo adormecido na tua cama de</p><p>�orestas,</p><p>reina sobre a África dominada!</p><p>Que os falos dos montes tenham alto teu</p><p>pavilhão</p><p>Porque, tu és mulher para minha cabeça,</p><p>para minha língua,</p><p>porque tu és mulher pelo meu ventre</p><p>Mãe de todas as coisas que tem narinas,</p><p>dos crocodilos</p><p>dos hipopótamos</p><p>Lamantins,</p><p>iguanas,</p><p>peixes,</p><p>pássaros,</p><p>mãe das cheias, ama das colheitas.</p><p>Grande Mulher! água tão aberta à rama</p><p>e na proa das canoas</p><p>Minha Saô,</p><p>minha amante das coxas furiosas,</p><p>nos longos braços de nenúfar, calmos</p><p>Femme précieuse l’ouzougou,</p><p>corps d’huile imputrescible à la peau de nuit</p><p>diamantine.</p><p>Mulher preciosa: a ozugu,</p><p>corpo de óleo imputrescível na pele de noite</p><p>diamantina.</p><p>Toi</p><p>calme Déesse au sourire étale sur l’élan</p><p>vertigineux de ton sang</p><p>Ô toi</p><p>l’Impaludée de ton lignage,</p><p>délivre-moi de la surrection de mon sang.</p><p>Tamtam</p><p>toi toi</p><p>tam-tam</p><p>des bonds de la panthère,</p><p>de la stratégie des fourmis</p><p>Des haines visqueuses au jour troisième surgies</p><p>du potopoto des marais</p><p>Hâ !</p><p>sur toute chose,</p><p>du sol spongieux et des chants savonneux de</p><p>l’Homme-blanc</p><p>Mais</p><p>délivre-moi de la nuit sans joie,</p><p>et guette le silence des forêts.</p><p>Donc</p><p>que je sois le fût splendide</p><p>et le bond de vingt-six coudées</p><p>Dans l’alizé,</p><p>sois la fuite de la pirogue sur l’élan lisse de ton</p><p>ventre.</p><p>Clairières de ton sein îles d’amour,</p><p>collines d’ambre et de gongo.</p><p>Tu,</p><p>calma Deusa com sorriso espalhado sobre o</p><p>impulso vertiginoso de teu sangue</p><p>Ô... Tu,</p><p>Pura de tua linhagem,</p><p>liberta-me da exaltação de meu sangue.</p><p>Tantã,</p><p>tu, tu,</p><p>tantã</p><p>de saltos de pantera,</p><p>da estratégia das formigas</p><p>Dos ódios viscosos do terceiro dia surgidos do</p><p>potopoto dos pântanos</p><p>Hâ!</p><p>sobre toda coisa,</p><p>do chão esponjoso e dos cantos ensaboados de</p><p>Homem-branco</p><p>Mas,</p><p>liberta-me da noite sem alegria</p><p>e observe o silêncio das �orestas.</p><p>Então,</p><p>que eu seja o feito esplêndido</p><p>e o salto de vinte e seis côvados</p><p>No alísio,</p><p>seja a fuga da canoa sobre o impulso liso de teu</p><p>ventre.</p><p>Clareiras de teu seio ilhas de amor,</p><p>colinas de âmbar e de gongo.</p><p>Tanns d’enfance</p><p>tanns de Joal,</p><p>et ceux de Dyillôr en Septembre</p><p>Nuits d’Ermenonville en Automne –</p><p>il avait fait trop beau trop doux.</p><p>Tans de infância,</p><p>tans de Joal...</p><p>E estes de Djilôr, em Setembro.</p><p>Noites de Ermenonville no Outono –</p><p>O tempo estava muito bom, muito agradável.</p><p>Fleurs sereines de tes cheveux,</p><p>Pétales si blancs de ta bouche</p><p>Surtout les doux propos à la néoménie, jusques</p><p>à la mi-nuit du sang.</p><p>Délivre-moi</p><p>de la nuit de mon sang,</p><p>car guette le silence des forêts.</p><p>Mon amante à mon �anc,</p><p>dont l’huile fait docile</p><p>mes mains</p><p>mon âme.</p><p>Ma force s’érige dans l’abandon,</p><p>mon honneur dans la soumission</p><p>Et ma science dans l’instinct de ton rythme.</p><p>Noue son élan le coryphée</p><p>À la proue de son sexe,</p><p>comme le �er chasseur de lamantins.</p><p>Rythmez clochettes</p><p>rythmez langues</p><p>rythmez rames</p><p>la danse du Maître des rames.</p><p>Ah !</p><p>elle est digne,</p><p>sa pirogue,</p><p>des chœurs triomphants de Fadyoutt</p><p>Et je clame</p><p>deux fois</p><p>deux mains de tam-tams,</p><p>Flores serenas de teus cabelos,</p><p>Pétalas muito brancas de tua boca</p><p>Sobretudo os mansos sobre a neomênia,</p><p>até a meia noite de sangue.</p><p>Liberta-me</p><p>da noite de meu sangue,</p><p>porque espreita o silêncio das �orestas.</p><p>Minha amante ao meu lado,</p><p>cujo o óleo faz dócil</p><p>minhas mãos</p><p>minh’alma.</p><p>Minha força se erige no abandono,</p><p>minha honra na submissão</p><p>E minha ciência no instinto de teu ritmo.</p><p>Dá seu impulso, o corifeu</p><p>Na proa de seu sexo,</p><p>como o orgulhoso caçador de lamantins.</p><p>Ritme sinos,</p><p>ritme línguas,</p><p>ritme remos:</p><p>a dança do Mestre dos remos.</p><p>Ah!</p><p>ela é digna,</p><p>sua canoa,</p><p>os coros triunfantes de Fadyoutt</p><p>E eu clamo,</p><p>duas vezes,</p><p>duas mãos de tantãs,</p><p>quarante vierges à chanter ses gestes.</p><p>Rythmez la �èche rutilante,</p><p>la gri�e à midi du Soleil</p><p>Rythmez,</p><p>quarenta virgens a cantar seus gestos.</p><p>Ritme a �echa brilhando,</p><p>a garra ao meio dia do Sol</p><p>Ritme,</p><p>crécelles des cauris,</p><p>les bruissements des Grandes Eaux</p><p>Et la mort sur la crête de l’exultation, à l’appel</p><p>irrécusable du gou�re.</p><p>Mais</p><p>la pirogue renaîtra par les nénuphars de</p><p>l’écume</p><p>Surnagera la douceur des bambous</p><p>au matin transparent du monde.</p><p>chocalhos de cauri,</p><p>os sussurros das Grandes Águas</p><p>E a morte sobre a crista da exaltação, ao</p><p>chamado irrecusável do abismo.</p><p>Mas,</p><p>a canoa renascerá pelos nenúfares de espuma</p><p>Flutuará a doçura dos bambus,</p><p>na manhã transparente do mundo.</p><p>O texto foi publicado, pela primeira vez, na revista “Presença Africana”</p><p>(Présence Africaine, n. 04, 1948). Refere-se ao mítico rio da África negra, o</p><p>Nilo no Egito. O feminino presente na metáfora “Pois tu és mulher...”,</p><p>agrega-se à fecundidade e sensualidade. As memórias da cidade natal, dos</p><p>costumes locais, da savana africana são motivos inspiradores na</p><p>composição. De acordo com as palavras de Bosi (2010, p. 19-20):</p><p>A experiência da imagem, anterior à palavra, vem enraizar-se no corpo. A imagem é a�m</p><p>à sensação visual. O ser vivo tem, a partir do olho, as formas do sol, do mar, do céu. O</p><p>per�l, a dimensão, a cor. A imagem é um modo da presença que tende a suprir o contato</p><p>direto e a manter, juntas, a realidade do objeto em si e a sua existência em nós. O ato de</p><p>ver apanha não só a aparência da coisa, mas alguma relação entre nós e essa aparência:</p><p>primeiro e fatal intervalo. A imagem pode ser retida e depois suscitada pela</p><p>reminiscência ou pelo sonho. Com a retentativa começa a correr aquele processo de</p><p>coexistência de tempos que marca a ação da memória: o agora refaz o passado e convive</p><p>com ele. Pode-se falar em deformação ou em obscurecimento da imagem pela ação do</p><p>tempo.</p><p>Entendemos que a memória apreendida está atrelada às relações</p><p>fundamentais que o escritor teve, por exemplo, na infância, em suas</p><p>origens. Elas podem ser con�rmadas nos versos que demonstram</p><p>dimensões espaciais, recortes temporais, �guras ilustres reais ou que</p><p>compõem o imaginário cultural senegalense, de forma a constituir um</p><p>apanhado de informações de um lócus para a composição lírica. Essa</p><p>junção propõe um objeto estético animado, que se baseia na presença</p><p>(constituída a partir da memória) e na ausência (abandono de formas).</p><p>Senghor apresenta-se resultante de uma época capital para a expansão</p><p>de valores que colocam em evidência, no corpus literário, a liberdade</p><p>intelectual e seus locais de origem. Oriundo de uma etnia minoritária do</p><p>Senegal, ele conservou o culto animista, designação cultural nas</p><p>sociedades secretas. Esse culto foi amplamente divulgado na cultura</p><p>africana por meio da literatura oral, do conto, da epopeia e do mito. O</p><p>poeta resguardava crenças próprias, fundamentadas sob o respeito aos</p><p>ancestrais e o lugar mantido entre os vivos e os mortos “Tudo no meu</p><p>universo intelectual, moral, religioso era animista e isso tinha me</p><p>marcado profundamente. É por isso que nos meus poemas, eu falava às</p><p>vezes do Reino da Infância”103 (VURM, 2014, p.53, tradução nossa, grifo</p><p>do autor).</p><p>A lírica se enriquece ao se desvelar nas formas criadas pelo imaginário,</p><p>que é ao mesmo tempo, duplo (social-histórico e psíquico) e irresolvível.</p><p>É �nalmente a capacidade elementar de evocar uma imagem, a faculdade</p><p>originária de a�rmar ou se dar, sob a</p><p>forma de representação, uma coisa e</p><p>uma relação que não existe. O imaginário tanto psíquico, quanto social</p><p>depende de qualquer que seja o esforço de racionalidade: ou seja, “o</p><p>resíduo inexplicável permanece um magma, dinamizado por um �uxo</p><p>incessante de representações, concebidas como expressões de uma</p><p>imaginação radical e não como re�exo ou cópia de algo” (BARBIER,</p><p>1994, p. 20).</p><p>Para além desta capacidade de evocação, o elemento chave reside na</p><p>força psíquica liberada dos entraves das urgências perceptivas e de toda</p><p>referência forçada a uma realidade exterior por intermédio da imagem.</p><p>Podemos observar no poema “Congo” que a imagem se projeta, por meio</p><p>dos elementos que mesclam questões individuais do escritor enquanto</p><p>sujeito perceptivo de seu tempo. Ao leitor cabe ser a oposição que ele</p><p>cria subjetivamente, ao descobrir o poema, seja de forma consciente ou</p><p>inconsciente. Isso quer dizer que os sinais, o real e o imaginário, não</p><p>estão ainda reconciliados, eles estão visíveis. Esta reconciliação é apenas,</p><p>conforme Barbier, uma esperança poética, o encontro entre a vida e a</p><p>morte, o real e o imaginário, o passado e o futuro, o comunicável e o</p><p>incomunicável que deixam de ser percebidos contraditoriamente.</p><p>A poesia e a natureza se complementam. Entendemos a natureza viva,</p><p>considerando Barbier (1994) na concepção de que não há como</p><p>organizá-lo, separando-o, como se ele fosse um coe�ciente regular, um</p><p>resultado. Pelo contrário, poética e imaginário se constituem de</p><p>elementos individuais, históricos, sociais. Por isso, Senghor têm em si</p><p>essa capacidade, que o instinto provoca. Alfredo Bosi ao discorrer sobre o</p><p>caráter concreto da palavra poética anotou que, primeiro, é preciso</p><p>compreender que ela não se identi�ca, necessariamente, com o caráter</p><p>icônico, mais imediato das artes visuais. O concreto do poema cresce nas</p><p>�bras espessas da palavra, para Bosi (2010, p. 134) trata-se de:</p><p>Um código sonoro e temporal; logo, um código de signos cujos referentes não</p><p>transparecem, de pronto, à visão. Para compensar esse intervalo, próprio de toda</p><p>atividade verbal, o poema se faz fortemente motivado na sua estrutura fonética, na</p><p>sintaxe e no jogo das �guras semânticas.</p><p>Acrescentamos que, além da fonética, as imagens são caracteres étnicos,</p><p>que mencionam, por vezes, o uso de uma língua local ou especi�cidades</p><p>da cultura africana. No título, tem-se o topônimo: Congo104. Após a linha</p><p>do título, encontra-se a indicação que o poema tem acompanhamento</p><p>musical de instrumentos de percussão. No verso, a palavra guimm refere-</p><p>se à dicção que deve ser dada, pois, a poesia oral é normalmente ligada à</p><p>canção. No enunciado “canto para três kôras e um balafon”, tratam-se de</p><p>dois instrumentos comuns aos países africanos. Em Etiópicos esses</p><p>instrumentos são mencionados a cada texto, ou mesmo, os estilos</p><p>musicais (jazz, blues), sendo o primeiro mais frequente.</p><p>Assim, na aspiração de encontrar uma palavra em português, que</p><p>pudesse corresponder ao objeto musical, encontramos as seguintes</p><p>imagens. A primeira é a kora, a qual, pode-se ver abaixo:</p><p>Imagem 01: Kora.</p><p>1 fotogra�a, 2012. Disponível em: https://fr.wikipedia.org/wiki/Kora#/media/File:Kora_DSC_</p><p>0355.JPG. Acesso em: 28 set. 2018.</p><p>Esse é um instrumento de cordas comum na África do Oeste. É uma</p><p>harpa usada no Senegal, Mali, Mauritânia, Gambia e conhecida entre</p><p>outros lugares do continente. A narrativa sobre a primeira kora conta que</p><p>ela pertencia a uma mulher muito inteligente, conhecida como “mulher</p><p>gênio”. Ela vivia nas grutas de Missirikoro, no Mali e se emocionava com</p><p>os sons que saíam deste instrumento. Certo dia um líder de guerra</p><p>chamado Tiramakhan Traore decidiu pegar a kora para si. A mulher, com</p><p>o auxílio de seus companheiros que eram caçadores, recuperou-o. Eles se</p><p>chamavam Waly Kelendjan e Djelimaly Oulé Diabaté. O último</p><p>transmitiu o instrumento ao seu �lho, chamado Kamba e assim, ele foi</p><p>passado de pai para �lho, até chegar às mãos de Tilimaghan Diabaté que</p><p>o trouxe para o Mali.</p><p>Ao traduzir o nome para a língua portuguesa do Brasil, algumas</p><p>decisões precisaram ser tomadas. Por exemplo, no primeiro vocábulo</p><p>kôras, não houve nenhuma adaptação, em relação ao sentido, pois, a</p><p>palavra existe na língua portuguesa. Apenas, o acento foi retirado, mas, a</p><p>pronúncia permaneceu a mesma, por se tratar de um paroxítono. Este</p><p>vocábulo pode receber vários nomes no continente africano, logo, nesta</p><p>região a palavra “kôra” pode ser escrita com ou sem o acento circun�exo.</p><p>No Brasil, o substantivo pode ser grafado tanto com a letra “k”, quanto</p><p>com a letra “c”, cora. Optamos pela primeira proposição, para dessa</p><p>forma, manter a semelhança entre as gra�as.</p><p>A segunda imagem, refere-se a um balafon. Esse instrumento também</p><p>pode receber o nome de balafo, bala, balafone, balafong, balani, gyil e</p><p>balangi, dependendo da região. A nomenclatura muda, mas, trata-se do</p><p>mesmo objeto musical. Importa destacar que a parte musical de Etiópicos</p><p>não se constitui somente nos versos, a percussão também integra-se no</p><p>plano de expressão poética. Se declamados, os poemas são exaltantes e</p><p>foram escritos para serem acompanhados por tais instrumentos. O</p><p>Congo é a esfera de criação, na qual, se vê o espaço, a vegetação, os</p><p>animais e as marcas da região impressas nesses versos.</p><p>Imagem 02: Balafon.</p><p>1 fotogra�a, 2005. Disponível em: https://www.meloteca.com/instrument-bala.html. Acesso em:</p><p>30 set. 2018.</p><p>O balafon é um instrumento de percussão, idiofone melódico,</p><p>originário da África Ocidental. Ele se parece ao xilofone pentatônico ou</p><p>heptatônico. Possui, geralmente, de dezesseis a vinte sete notas</p><p>produzidas por teclados feitos em madeira, os quais, são tocados com</p><p>bastões. O som é ampliado através de cabaças organizadas abaixo. Em</p><p>malinque, o nome deriva dos termos bala, que signi�ca instrumento e</p><p>fon que signi�ca som e é conhecido desde o século XVI. As formas são</p><p>variantes nas regiões africanas, alguns são so�sticados, outros mais</p><p>simples. Em língua portuguesa e inglesa, ele é escrito quase da mesma</p><p>forma, apenas, é retirada a consoante ao �nal, a letra “g”. Uma vez que não</p><p>é pronunciado, entendemos que suprimindo a consoante �nal em</p><p>balafong, manteríamos a homofonia.</p><p>Explicados os termos, voltemos ao poema. São quatro estrofes</p><p>diversi�cadas na estrutura e os versos não seguem uma ordenação</p><p>clássica, característica comum nos poemas modernistas. Eles são versos</p><p>livres e brancos e a composição sonora acentua a tônica grave. O poema</p><p>faz da ausência dos sinais de pontuação, um recurso poético que atinge</p><p>diretamente o leitor, pois cabe a ele atribuir as pausas, individualmente.</p><p>No primeiro verso, observamos o tom de exaltação de�nido pelo</p><p>emprego da exclamativa “Oho! Congo oho!”. A primeira estrofe, mostra-</p><p>se como um canto, a imposição do ritmo é dada na voz lírica, expressão</p><p>de um grito que exalta. Para essa sucessão de tempos fortes ou fracos no</p><p>texto, consideramos o “ritmo que tem por base o princípio da</p><p>alternância, devendo-se entender os ritmos biológicos, cósmicos,</p><p>musicais, do trabalho e da linguagem como realizações particulares desse</p><p>princípio” (MELLO, 2002, p. 125).</p><p>Nos versos, encontramos ainda: “sobre as águas sobre os rios sobre toda</p><p>memória”, em uma construção sem pontuação, o cenário aquático é</p><p>explorado. A presença cultural se dá na voz de kôras Koyaté105, o anúncio</p><p>que tinta do escriba está sem memória. De forma composta a música</p><p>integra, este verso, na voz indicada; que representa as muitas vozes</p><p>musicais, do Senegal. A memória aparece pela primeira vez, como</p><p>substantivo, compondo o verso que apresenta metonímia em “a tinta do</p><p>escriba está sem memória”. Brunel (2007, p. 281, tradução nossa)</p><p>comentou sobre:</p><p>A tinta do escriba está sem memória, porque seu estilo (antes de qualquer pena) é</p><p>apenas um instrumento. A verdadeira memória ela é, como Mnemosine, a �gura da</p><p>mitologia grega que a representa, colocada de maneira inefável/ no próprio pulso do Ser.</p><p>Senghor conhece essa evocação admirável da mãe das Musas por Claudel. Mas é a África</p><p>que é o tema do poema,</p><p>é o rio Congo, é essa artéria do continente negro cuja pulsação</p><p>deve ser ouvida.106</p><p>A tinta substitui a palavra “poeta” de�nindo o momento em que autor</p><p>está sem escrita, talvez, por isso, ele está sem memória. Poderia também</p><p>ser a união do poeta com seu instrumento de trabalho, pois, a caneta</p><p>sozinha nada faz por se tratar de um objeto inanimado, sem memória. O</p><p>poeta, o que detém o saber e a memória, vale-se da caneta para perpetuar</p><p>sua memória – e a de seu povo e sua cultura –, do começo ao �m do</p><p>poema vão se armando as formas das oralidades/musicalidades alusivas à</p><p>tradição oral.</p><p>Na estrofe seguinte, tem-se uma longa descrição temática que expressa</p><p>a natureza. A exaltação ao país permanece com a exclamação, na</p><p>expressão “Oho! Congo” que se repete no início da segunda estrofe. O</p><p>ritmo da invocação primeira é “ao mesmo tempo o do grito dos</p><p>remadores e o de um encantamento do rio”107 (BRUNEL, 2007, p. 281,</p><p>tradução nossa). A seguir, podemos ler a descrição sobre a fauna, no</p><p>trecho “adormecido na tua cama de �orestas/ rainha sobre a África</p><p>dominada/ Que os falos de montes têm alto teu pavilhão”. Nos quais,</p><p>importa destacar a escolha feita para a tradução da palavra pavillon. Este</p><p>vocábulo pode signi�car sequencialmente casa, lugar separado, bandeira</p><p>ou pavilhão. Optamos pelo último, pois pavillon dentre os sentidos</p><p>destacados tem semanticamente como hiperônimo, o sentido de tenda,</p><p>casa, construção pequena ou parte externa. Ou seja, na maior parte das</p><p>designações expressa lugar. Por esse motivo, optamos pelo sentido</p><p>designativo de espaço, próprio de pavilhão.</p><p>Assim, reiteramos que em nossa concepção nenhuma tradução pode</p><p>ser absoluta. O tradutor literário precisa relativizar, por meio da recriação</p><p>e os sentidos devem ser analisados: “para traduzir poemas, o tradutor</p><p>deve produzir um texto regular. Cabe ao tradutor, dentro do limite do</p><p>idioma com que trabalha, e de suas limitações pessoais, produzir na</p><p>língua meta um texto que seja tão próximo do texto fonte” (BRITTO,</p><p>2012, p. 55). No caso da tradução para a língua portuguesa da palavra</p><p>pavillon, consideramos ainda a forma para que ela �casse estruturalmente</p><p>parecida com o verso em língua francesa.</p><p>As palavras que designam a condição do feminino estão presentes nesta</p><p>estrofe, nos versos “Pois, tu és a mulher para minha cabeça minha língua/</p><p>porque tu és mulher pelo meu ventre/ Mãe de todas as coisas que tem</p><p>narinas, dos crocodilos/ dos hipopótamos [...]”. Os substantivos mulher,</p><p>mãe, amante e preciosa ozugu, reforçam o uso dos termos do léxico</p><p>maternal ou próprios do feminino. Há neste sentido, uma sequência de</p><p>termos relativos à nação, quanto sujeito de composição vinculado ao</p><p>feminino, pois a África é apresentada como ponto fulcral que emana os</p><p>sentidos da fertilidade da terra e da condição humana de reprodução.</p><p>A segunda parte da segunda estrofe não é separada por parágrafos, mas</p><p>podemos identi�cá-la, sendo a segunda, pois a distribuição da temática e</p><p>da continuidade dos verbos e nomes designam um vocativo, claramente</p><p>ilustrado no verso: “Tu calma Deusa de sorriso largo no impulso</p><p>vertiginoso de teu sangue/ Ô tu Pura de tua linhagem”. Observamos que</p><p>impaludée, é adjetivo criado a partir de impaludisme, doença que no</p><p>Brasil, chama-se malária. Em português, termo parecido é amarelada e</p><p>impaludismo. Contudo, o sentido empregado muda na língua francesa,</p><p>pois, além desses, há também “pura de qualquer sujeira”108, imundície ou</p><p>contaminação (BRUNEL, 2007, p. 283, tradução nossa). Na tradução,</p><p>consideramos pura, um dos sentidos dados pela língua fonte, no</p><p>contexto que foi traduzido.</p><p>O instrumento de percussão em “Tantã tu tu tantã”, a oralização dá</p><p>ênfase à nasalização dos sons. Notamos que a palavra está grafada em</p><p>letra maiúscula, como um nome próprio, ou seja, designando um sujeito.</p><p>Na sequência, a imagem que segue é �gurativa, dada pelos movimentos</p><p>em “saltos de pantera” e a “estratégia das formigas”. Um potopoto</p><p>signi�ca, também o som de gotas caídas ou passos no chão. Outra</p><p>possibilidade é que o termo propõe um comparativo entre os insetos</p><p>(formigas) e a população residente em um bairro popular, dos mais</p><p>antigos de Brazzaville, o Potopoto, que existe no Congo. Este bairro</p><p>reúne pessoas de origens étnicas diversas. Elas moram em um espaço de</p><p>casas populares, para africanos que vieram à Brazzaville, devido ao êxodo</p><p>rural.</p><p>A natureza está presente, desta vez no pântano, no chão esponjoso. O</p><p>“Homem-branco” recorre a um sujeito de condição diferente, exterior</p><p>àquela apresentada pelas massas populares, metaforicamente ilustrada</p><p>pelas formigas que marcham uniformes, em grupo. Há um suplício no</p><p>verso “liberta-me da noite sem alegria, e observe o silêncio das �orestas”.</p><p>O verbo observar foi traduzido no sentido de espreitar, pois, a palavra</p><p>guetter tem sentido de espiar, esperar alguém ou algo de passagem,</p><p>espionar. Assim, a palavra foi traduzida, na forma conveniente, “observar”.</p><p>Na parte seguinte, a composição é metafórica, transcendente.</p><p>Expressões de distância, menção ao léxico terrestres e aquático, a</p><p>luminosidade, recriam um Congo místico. Naturalmente composto pela</p><p>exuberância, os elementos visuais são inscritos a partir da memória do</p><p>autor, que em vários trechos, recorre à infância e outros lugares. Essa</p><p>assertiva pode ser con�rmada em “Tans109 de infância tans de Joal/ e estes</p><p>de Djilôr em setembro/ Noites de Ermenonville no Outono – O tempo</p><p>estava muito bonito e agradável”. Joal e Djilôr são locais, nos quais, o</p><p>escritor viveu parte de sua infância. Ermenonville e Fadyoutt são lugares</p><p>que existem na memória e derivam das vivências pessoais. Emina (2002,</p><p>p. 01, tradução nossa, grifo da autora) já havia pontuado esta questão:</p><p>Os textos poéticos de Léopold Sédar Senghor levam o leitor para o meio de um país.</p><p>Através da crítica literária, da geogra�a humanista e de uma tomada de dados históricos</p><p>pertinentes, vamos explorar a relação entre o genius loci e o sentimento do país assim</p><p>como é pintada em sua escrita, pela análise de algumas peças poéticas. Através dos</p><p>marcos metafóricos da paisagem sonora, corporal, olfativa e os da paisagem simbólica, o</p><p>poeta traça uma cartogra�a literária, apoiando-se visivelmente sobre uma paisagem</p><p>interior, sendo capaz de fazer o porta-voz da História Nacional, para alcançar os</p><p>elementos constitutivos, essenciais, profundamente ativos.110</p><p>O meio de um país, o território desconhecido, é desvelado. Há certa</p><p>proximidade entre a realidade e a expressão lírica, pois o autor se vale de</p><p>elementos que existem no Senegal, na África para transmitir ao leitor a</p><p>espacialidade subjetiva. O genius loci ou “espírito do lugar” é interno e</p><p>relativo ao sentimento do país. Bosi escreveu que “toda grande poesia,</p><p>nos dá a sensação de franquear impetuosamente o novo intervalo aberto</p><p>entre a imagem e o som” (BOSI, 2010, p. 31, grifo nosso). Partindo dessa</p><p>premissa, concluímos que a diferença entre o que é o código verbal,</p><p>parece mover-se. O que Bosi chamou de aparência-parecença. É algo</p><p>construído e a semelhança de som e imagem resulta sempre de um</p><p>encadeamento de relações, de modos, no qual já não se reconhece a</p><p>mimese inicial própria da imagem.</p><p>Aspectos femininos estão presentes em duas faces: primeiramente,</p><p>podemos ver nas construções sobre o rio Congo que é comparado à uma</p><p>grande mulher, rainha, que lidera a África dominada. É “uma deusa</p><p>calma” exaltada pelo lirismo interior do poeta que se vê �lho dessa mãe,</p><p>mulher fértil e forte. A outra face é substantiva é a palavra Saô; que</p><p>designa uma etnia do Chade (Tchad), na qual, as mulheres são celebradas</p><p>pela sua beleza e exuberância. Optamos em não traduzir Saô, pois, nos</p><p>dois idiomas podem ser lidos da maneira como são escritos. Outros</p><p>termos colocam em evidência o feminino: neomênia representa a noite</p><p>da lua nova e clareira. Em “Mulher preciosa ozugu111, corpo de óleo</p><p>imputrescível na pele de noite diamantina” vimos uma imagem dos</p><p>Cânticos dos cânticos “onde desde o princípio, o símbolo do óleo está</p><p>presente quando a Bem-amada diz teu nome é um óleo que</p><p>derrama. A</p><p>audácia, como no Cântico é de associar um símbolo do espírito ao</p><p>corpo”112 (BRUNEL, 2007, p. 282, tradução nossa, grifo do autor).</p><p>A nosso ver, a criação de imagens na poética modernista está de acordo</p><p>com Friedrich (1978, p. 17) ao a�rmar que:</p><p>A poesia não quer mais ser medida em base ao que comumente se chama realidade,</p><p>mesmo se – como ponto de partida para a sua liberdade – absorveu-a com alguns</p><p>resíduos. A realidade desprendeu-se da ordem espacial, temporal, objetiva e anímica e</p><p>subtraiu as distinções – repudiadas como prejudiciais -, que são necessárias a uma</p><p>orientação normal do universo entre o belo e o feio, entre a luz e a sombra, entre a dor e</p><p>a alegria, entre a terra e céu. Das três maneiras possíveis de comportamento da</p><p>composição lírica – sentir, observar, transformar, - é esta última que domina na poesia</p><p>moderna, e, em verdade, tanto no que diz respeito ao mundo como à língua.</p><p>A lírica relaciona-se às características étnicas e nelas se inscreve. Sem</p><p>esquecer suas origens, Senghor inspira-se em Charles Baudelaire e Paul</p><p>Claudel. E não escondeu a admiração que ele tinha por esse poeta,</p><p>lembramos que o autor apresentou à Sorbonne, no ano de 1932, o estudo</p><p>intitulado O Exotismo em Baudelaire (L’Exotisme chez Baudelaire). Além</p><p>disso, o “Reino da infância”, a memória na infância e a terra natal,</p><p>também se relaciona ao “verde paraíso da infância” (verts paradis de</p><p>l’enfance) das Flores do mal (Les �eurs du mal) de 1857. Nesse sentido é</p><p>importante destacar que “Para essa poesia negra, ele decidiu queimar</p><p>todos seus poemas de antes de 1935, onde ele não havia feito, segundo</p><p>ele, apenas imitar os poetas franceses, e em particular Baudelaire”</p><p>(BRUNEL, 2006, p.61)113. Essa a�rmação se conforma com a analogia</p><p>feita por Dramé (2004, p.25, grifo nosso), na qual se faz um comparativo</p><p>entre autores e suas referências:</p><p>Senghor e Nelligan, um fala do Senegal, antiga colônia francesa, o outro do Quebec,</p><p>uma província francófona sob o domínio inglês. Eles, todos os dois, sofreram a</p><p>in�uência de Charles Baudelaire, Paul Claudel, Paul Verlaine, Arthur Rimbaud. A</p><p>música é um dos principais elementos constitutivos de sua poesia, alguns textos são</p><p>acompanhados de instrumentos: clavicórdio, kora, piano, balafon, violão.114</p><p>Nestes termos, podemos concluir que a in�uência não somente de</p><p>Baudelaire, mas também de outros escritores do Romantismo, no âmbito</p><p>da poesia modernista é verdadeira. A infância é sem dúvida um elemento</p><p>catalisador de imagens poéticas e que se repete nos poemas. Em</p><p>Baudelaire, pode-se ler a interpretação na poesia pós-industrialização, as</p><p>mudanças que começaram com a criação das máquinas e a produção em</p><p>série do comércio. Baudelaire mostra um caminho e a prosa examina o</p><p>mundo, assim como Senghor.</p><p>LE KAYA MAGAN (O KAYA-MAGAN)</p><p>(guimm pour kôra)</p><p>KAYA-MAGAN je suis !</p><p>La personne première</p><p>Roi de la nuit noire</p><p>de la nuit d’argent,</p><p>Roi de la nuit de verre.</p><p>Paissez mes antilopes à l’abri des lions,</p><p>distants au charme de ma voix.</p><p>Le ravissement de vous émaillant</p><p>les plaines du silence !</p><p>Vous voici quotidiennes mes �eurs</p><p>mes étoiles,</p><p>vous voici à la joie de mon festin.</p><p>Donc</p><p>paissez mes mamelles d’abondance,</p><p>et je ne mange pas qui suis source de joie</p><p>(canto para kora)</p><p>KAYA-MAGAN eu sou!</p><p>A pessoa primeira</p><p>Rei da noite escura</p><p>da noite de prata,</p><p>Rei da noite de vidro.</p><p>Apascentem meus antílopes ao abrigo dos leões,</p><p>distantes ao encanto da minha voz.</p><p>O êxtase de vos desprender-se,</p><p>as planícies do silêncio!</p><p>Eis que são cotidianas minhas �ores,</p><p>minhas estrelas,</p><p>eis que são a alegria de meu banquete.</p><p>Então,</p><p>apalpe meus mamilos de abundância</p><p>e eu não como o que é fonte de alegria</p><p>Paissez mes seins forts d’homme,</p><p>l’herbe de lait qui luit sur ma poitrine.</p><p>Que l’on allume chaque soir</p><p>douze mille étoiles sur la Grand-Place</p><p>Que l’on chau�e</p><p>douze mille écuelles cerclées du serpent de la</p><p>mer pour mes sujets</p><p>Très pieux,</p><p>pour les faons de mon �anc,</p><p>les résidentes de ma maison et leurs clients</p><p>Les Guélowars des neuf tatas</p><p>et les villages des brousses barbares</p><p>Apalpe meus seios fortes de homem,</p><p>a erva de leite que brilha no meu peito.</p><p>Que se ilumina cada noite,</p><p>doze mil estrelas sobre a Grande Praça</p><p>Que se aqueça</p><p>doze mil vasos circulares de serpente do mar para</p><p>meus súditos</p><p>Muito devoto,</p><p>para os cervos de meu �anco,</p><p>os residentes de minha casa e seus clientes</p><p>Os Guêluares de nove muralhas</p><p>e as cidades dos arbustos bárbaros</p><p>Pour tous ceux-là qui sont entre par les</p><p>quatre portes sculptées</p><p>– la marche</p><p>Solennelle de mes peuples patients !</p><p>Leurs pas se perdent dans les sables de</p><p>l’Histoire.</p><p>Pour les blancs du Septentrion,</p><p>les nègres du Midi d’un bleu si doux.</p><p>Et je ne dénombre les rouages du Ponant,</p><p>et pas les transhumants du Fleuve !</p><p>Mangez et dormez</p><p>enfants de ma sève,</p><p>et vivez votre vie des grandes profondeurs</p><p>Et paix sur vous qui déclinez.</p><p>Vous respirez par mes narines.</p><p>Je dis KAYA-MAGAN je suis !</p><p>Roi de la lune,</p><p>j’unis la nuit et le jour</p><p>Je suis Prince du Nord du Sud,</p><p>du Soleil-levant</p><p>Para todos estes que entraram pelas quatro portas</p><p>esculpidas</p><p>– o caminho</p><p>Solenidade dos meus povos pacientes!</p><p>Seus passos se perdem nas areias da História.</p><p>Para os brancos do Setentrião,</p><p>os negros do Meio dia de um azul tão doce.</p><p>E eu não conto as engrenagens do Ponant</p><p>e não os transumantes do Rio!</p><p>Comam e durmam</p><p>crianças de minha seiva</p><p>e vivam a sua vida nas grandes profundezas.</p><p>E paz sobre vós que declinas.</p><p>Respire pelas minhas narinas.</p><p>Eu digo: KAYA-MAGAN, eu sou!</p><p>Rei da lua,</p><p>eu uno a noite e o dia</p><p>Eu sou o príncipe do Norte do Sul,</p><p>(do Sol nascente)</p><p>Prince</p><p>et du Soleil-couchant</p><p>La plaine ouverte à mille ruts,</p><p>la matrice où se fondent les métaux</p><p>précieux.</p><p>Il en sort l’or rouge</p><p>et l’Homme rouge</p><p>– rouge</p><p>ma dilection à moi</p><p>Le Roi de l’or</p><p>– qui a la splendeur du midi,</p><p>la douceur féminine de la nuit.</p><p>Donc</p><p>Príncipe</p><p>e do Sol poente</p><p>A planície aberta a mil rúpias,</p><p>a matriz onde se fundem os metais preciosos.</p><p>Dele sai o ouro vermelho</p><p>e o Homem vermelho</p><p>– vermelha,</p><p>minha eloquência em mim</p><p>O Rei dourado</p><p>– que tem o esplendor do meio-dia,</p><p>a doçura feminina da noite.</p><p>Então,</p><p>picorez mon front bombé,</p><p>oiseaux de mes cheveux serpents.</p><p>Vous ne vous nourrissez seulement de lait</p><p>bis, mais</p><p>picorez la cervelle du Sage</p><p>Maître de l’hiéroglyphe dans sa tour de</p><p>verre.</p><p>Paissez faons de mon �anc</p><p>sous ma récade</p><p>et mon croissant de lune.</p><p>Je suis le Bu�e qui se rit du Lion,</p><p>de ses fusils chargés jusqu’à la gueule.</p><p>Et il faudra bien qu’il prémunisse</p><p>dans l’enceinte de ses murailles.</p><p>Mon empire est celui des proscrits de César,</p><p>des grands bannis</p><p>de la raison</p><p>ou</p><p>de l’instinct</p><p>encham a minha cabeça curvada,</p><p>pássaros de meus cabelos serpentes.</p><p>Você não se alimenta somente de erva de leite, mas</p><p>encham o cérebro do Sábio</p><p>Mestre do hieróglifo na sua torre de vidro.</p><p>Apascentem cervos do meu �anco</p><p>sob a minha recaída</p><p>e meu crescente de lua.</p><p>Sou o Búfalo que ri do Leão,</p><p>de seus fuzis carregados até a garganta.</p><p>E é preciso que se preveja</p><p>no recinto de suas muralhas.</p><p>Meu império é este dos proscritos de César,</p><p>os grandes banidos</p><p>da razão</p><p>ou</p><p>do instinto</p><p>Meu império é este do Amor</p><p>e tenho fraqueza para ti,</p><p>Mon empire est celui d’Amour,</p><p>et j’ai faiblesse pour toi</p><p>femme</p><p>L’Étrangère aux yeux de clairière,</p><p>aux lèvres de pomme</p><p>cannelle au sexe</p><p>de buisson ardent</p><p>Car je suis les deux battants de la porte,</p><p>rythme binaire de l’espace</p><p>et le troisième temps</p><p>Car je suis le mouvement du tam-tam,</p><p>force de l’Afrique future.</p><p>Dormez faons de mon �anc</p><p>sous mon croissant de lune.</p><p>mulher</p><p>A Estrangeira com olhos de clareira,</p><p>com lábios de maçã</p><p>canela no sexo</p><p>de arbusto ardente</p><p>Porque eu sou os dois batentes da porta,</p><p>ritmo binário de espaço</p><p>e o terceiro tempo</p><p>Porque eu sou o movimento do tantã,</p><p>força da África futura.</p><p>Durmam cervos de meu �anco</p><p>sob meu crescente de lua.</p><p>“O Kaya-Magan” (Le Kaya-Magan) foi publicado, pela primeira vez, na</p><p>revista “Presença Africana” (Présence Africaine, n. 05,</p><p>1948). A exaltação ao</p><p>passado pré-colonial da África ocidental foi marcada por grandes �guras</p><p>épicas que compõem o cenário poético. O espaço de criação lírica foi</p><p>ilustrado pelas personagens histórico-mitológicas, começando pelo título</p><p>que signi�ca a designação dada ao imperador, em uma antiga dinastia do</p><p>Mali.</p><p>O texto foi inteiramente fundamentado em uma evocação do mais</p><p>antigo império africano conhecido: o império de Ougadou,</p><p>inadequadamente nomeado de Gana, pelos viajantes árabes vindos do</p><p>Norte. O império era constituído pelos povos Soninké115, dentre esses</p><p>povos, as tradições citam a Palestina e o Egito antes de chegar a Adrar, na</p><p>cidade da Algéria que se �rmou no entorno de um oásis, no deserto do</p><p>Saara. A fundação de Ougadou se fez após o mito que conta a aliança</p><p>com a “Serpente do mar: alusão ao culto da grande serpente Bida.</p><p>Quando o reino de Ougadou foi fundado, era necessário sacri�car todos</p><p>os anos uma jovem” (BRUNEL, 2007, p. 285, grifo do autor). 116</p><p>Esse poema é considerado por Gounongbe e Kesteloot (2007) texto</p><p>evocativo, no qual, �gura um personagem que ilustrou os povos, o</p><p>império e a história. Nele, o príncipe é o centro e o coração. Os Ougadou</p><p>desapareceram devido sucessivas guerras com outros clãs Soninquês</p><p>vizinhos, entre eles os Touré e os Kanté de Soumahoro. Além disso, as</p><p>invasões dos Mouros islamizados e a seca na região afetaram esses povos.</p><p>No século XII, essa hegemonia foi substituída por Soundiata no Mali.</p><p>Senghor considerou o apogeu deste império, a dinastia dos Cissé. O rei</p><p>tinha o título Kaya-Magan que signi�ca “Rei de Ouro” ou “Grande</p><p>caçador”. Era também chamado de Tounka. Tratava-se de uma sociedade</p><p>de castas: príncipes, nobres, guerreiros e artesãos. As castas, do Senegal</p><p>antigo e do Mali, são herdeiras dessa estrutura social vinda, talvez do</p><p>Egito. Há uma �liação direta entre os Ougadou, Galam e Tekrour e os</p><p>reinos Wolof. Foi o Mali que deu a estrutura análoga ao Gabou, na qual,</p><p>os Guêluares fundaram o reino dos Sereres (etnia, a qual, Senghor</p><p>pertencia). A palavra guimm pode indicar “Canto, poema. Palavra que</p><p>vem do serere gim, ‘canto’, poema. É a tradução exata de ôdê/ Ode”117</p><p>(BRUNEL, 2007, p. 890, tradução nossa, grifo do autor).</p><p>Podemos a partir da contextualização apontar questões remarcáveis, na</p><p>composição lírica. Entre elas, destacamos o contexto político da vida de</p><p>Senghor, enquanto líder no Senegal, na condição de presidente por vinte</p><p>anos. O rei de Ougadou é imaginado e relativizado à �gura política do</p><p>país. Neste texto, há três pontos chave da história africana: Antiguidade,</p><p>o tempo do império, presente e futuro próximo.</p><p>O poema se divide em quatro partes e a voz lírica consta nos termos</p><p>possessivos. Na primeira, o sonho de visão pastoril é evidente, no qual,</p><p>percebemos a presença de animais e formas antropomór�cas: o rei e a</p><p>terra. A segunda, apresenta-se a partir da chegada dos Guêluares. A</p><p>terceira é abordagem sobre o rei-terra, rei-pai, rei-tempo, o ouro e sua</p><p>representação simbólica. E a última, já no século XX, a leitura sobre a</p><p>conquista romana, o império de César e a �loso�a de René Descartes</p><p>sobre o corpo e o espírito. A transposição de fatos reais e �ctícios</p><p>referendam a densidade temática, pois, “Também, para manifestar a</p><p>dimensão propriamente literária de sua intervenção, o escritor engajado,</p><p>teve a tendência a recorrer aos poderes da �cção, transpondo, com uma</p><p>intensidade variável, os fatos que ele pretende reportar”118 (DENIS, 2000,</p><p>p.15, tradução nossa).</p><p>Assim, consideramos que “Não só o símbolo tem um duplo sentido,</p><p>um concreto, preciso, o outro alusivo e �gurado, como também a</p><p>classi�cação dos símbolos nos revelava os regimes antagônicos sob os</p><p>quais as imagens vêm ordenar-se” (DURANT, 1993, p. 97, grifo do autor).</p><p>Por conseguinte, não é apenas o símbolo que é duplo. Nos termos do</p><p>autor alguns são redutores, arqueológicos, outros instauradores,</p><p>ampli�cadores e escatológicos.</p><p>Lamine Diakhaté (1961), ao comparar Senghor e Birago Diop, tratou</p><p>sobre o mito na poesia popular considerando a oralidade ponto</p><p>fundamental entre os autores. Para o crítico, o mito é uma fonte criadora</p><p>da realidade que permite a transposição de elementos. Eles certas vezes</p><p>fogem das explicações lógicas dos fatos, organizando outra concepção do</p><p>mundo. Para os negros-africanos a proximidade entre a experimentação</p><p>humana e a natureza compõem uma espécie de simbiose, repleta de</p><p>derivados representativos.</p><p>Na primeira estrofe ou primeira parte, tem-se a identi�cação do</p><p>personagem histórico: o Kaya-Magan. O rei, o líder autodeclarado. Esse</p><p>título foi transferido para quarenta e quatro imperadores de Gana, no</p><p>oeste da África. Literalmente signi�ca “Mestre de Ouro” (BRUNEL, 2007,</p><p>p. 914), mas também encontramos a tradução “grande caçador”, mestre da</p><p>música e do verbo que compreendemos ser o próprio poeta.</p><p>A voz lírica evidencia o enunciado declarante que se desenvolve ao</p><p>longo dos versos. O campo semântico em que se constrói são compostos</p><p>de imagens plásticas: noite, prata e vidro. A primeira: escura, sombria e</p><p>misteriosa; a prata, elemento de potência sensorial, metálico, frio e de</p><p>grande valor e durabilidade. O último; o vidro, transparente, contém a</p><p>imagem da transposição do olhar, o movimento de ver além da matéria.</p><p>O antílope é um animal com características de búfalo que na mitologia</p><p>africana, especialmente na Etiópia, é chamado catópleba. Seu nome tem</p><p>origem no grego e signi�ca “olhar para baixo”.</p><p>Em “Então apascente meus mamilos de abundância”, a palavra</p><p>destacada tem signi�cado e escrita parecidos no português brasileiro. Na</p><p>tradução, optamos por manter o sentido, pois, no verso anterior,</p><p>apreende-se o contexto de alimentação, comida, banquete. Por isso, o uso</p><p>do imperativo “Não comas” indicando ordem, professa o não fazer, a</p><p>negação subliminar do gesto relativo ao corpo. A elevação do campo</p><p>semântico surge a partir da ação de apalpar, pegar, tocar nas palavras:</p><p>seios; peitos.</p><p>Novamente, a noite clareia entre os versos e os elementos cintilantes</p><p>são nominais: as doze mil estrelas. Não conseguimos, entretanto,</p><p>encontrar a referência ao espaço Grand Place na África apenas o famoso</p><p>lugar onde se montam os tapetes em Bruxelas, na Bélgica. Os doze mil</p><p>espécimes de serpentes do mar aludem ao mito sobre o culto das</p><p>serpentes que existiu em quase todas as civilizações antigas. Essa narrativa</p><p>ainda persiste na Índia, na África central, na Oceania e no Oriente. Para</p><p>os chineses, hebreus e árabes este ser está na origem de todo poder</p><p>mágico: “Na África, a prática de adorar serpentes é, ainda hoje, comum</p><p>entre muitas tribos, visto que a elas são atribuídos poder mágico,</p><p>sabedoria e in�uência energética sobre as gemas e os tesouros. Os seus</p><p>adoradores acreditam que ela também controla a fertilidade humana”</p><p>(RIBEIRO, 2017, p. 13).</p><p>A escolha feita para faon foi cervo, mas o termo pode designar animais,</p><p>em sentido mais genérico, ou mesmo bezerro, novilho. Nos versos “Os</p><p>Guêluares de nove muralhas e as cidades de arbustos bárbaros”</p><p>explicitam o país, em serere, o descendente dos conquistadores</p><p>mandigues. Nas explicações de Brunel (2007, p. 911, tradução nossa):</p><p>Os Guêluares têm por origem uma família nobre originária do Mali e instalada no</p><p>Gabou. Seguido de um drama ainda misterioso e violento, confrontos internos, ele</p><p>deixou Élissa e emigrou em direção ao nordeste acompanhados de Sereres nyominka</p><p>(�nal do século XIII). Após atravessar o rio Gambia, os príncipes e princesas guêluares</p><p>fundaram os reinos de países Sereres (dentre eles, o Sine, fundado por Maïssa Waly</p><p>Dione).119</p><p>O reino de Gabu, citado no trecho, é também conhecido por Kaabu,</p><p>Ngabou ou N’Gabu. Este território foi um reino mandinga que existiu</p><p>entre os anos de 1537 a 1867, na região da Senegâmbia. Esse lugar,</p><p>localiza-se atualmente no nordeste da Guiné-Bissau e se prolonga até a</p><p>Casamansa, no Senegal. A ascensão na região ocorreu devido às origens</p><p>da antiga província do império do Mali. Após o declínio deste império,</p><p>Gabu, tornou-se um reino independente. Em “Os Guêluares</p><p>de nove</p><p>muralhas e as cidades de arbustos bárbaros”, o termo em destaque, foi a</p><p>tradução encontrada para tata, que é uma palavra de origem mandigue, e</p><p>designa fortim, blockhaus as paredes feitas da argila ou do tijolo “É</p><p>aplicado, ainda, às muralhas da terra que cercam as cidades de Sahel”</p><p>(BRUNEL, 2007, p. 931). Há também uma narrativa africana que pode</p><p>ser relacionada à tata: uma rainha teria tido de um berbere nove �lhos,</p><p>que ela teria colocado dentro de nove tatas diferentes. Nesse contexto,</p><p>pode signi�car muralha de terra ou casa forti�cada, por esse motivo</p><p>optamos por muralha.</p><p>“As quatro portas” signi�cam ainda os quatro pontos cardeais. No verso</p><p>“E paz sobre vós que declinas. Respire pelas minhas narinas”, optamos em</p><p>não empregar “você”, mantivemos “vós” para manter a formalidade da</p><p>escrita, que preserva, certa neutralidade, ao se fazer uso do termo.</p><p>A voz lírica expressa, inscreve-se em letras maiúsculas: O KAYA-</p><p>MAGAN. Novamente, a expressão escrita evidencia a intenção de</p><p>elevação do tom de voz. A entonação, ou mesmo, a enunciação, neste</p><p>caso do rei é retomada durante todo o poema. A natureza é representada</p><p>por um conjunto de imagens que se ligam, do início ao �nal de um</p><p>ciclo, ou seja, de um dia: começar/ terminar, dia/noite/lua/, nascer/</p><p>morrer.</p><p>O príncipe do Norte do Sul, do Sol nascente e do Sol poente estão</p><p>relacionados à geogra�a. A planície “aberta a mil rúpias” registra</p><p>longevidade espacial, leveza das formas naturais e lembra os metais</p><p>preciosos. O “ouro vermelho” é a mistura entre o ouro e o cobre, que</p><p>resulta na mistura para a confecção de joias, de vinte e quatro quilates. É</p><p>um tipo de ouro mais puro, contudo não é tão bom para manipular. O</p><p>Rei “Ouro” recupera o valor dos metais preciosos. “O homem vermelho”</p><p>é o mestiço entre o negro africano e o árabe-berbere: “É a simbiose da</p><p>civilização árabe berbere. O Kaya-Magan quer dizer o Imperador de</p><p>Gana histórica, comandava os Negros e os Berberes”120 (BRUNEL, 2007,</p><p>p. 286, tradução nossa).</p><p>O mito da Medusa está presente em “Então encham a minha cabeça</p><p>curvada, pássaros de meus cabelos serpentes”. Além do príncipe</p><p>guerreiro, a força e a sabedoria integram outro ciclo: nascer e morrer, as</p><p>origens são relacionadas à lua crescente. Na mitologia grega existem três</p><p>deusas associadas à Lua: Ártemis associada ao quarto crescente, Selene</p><p>ligada à lua cheia e Hécate para as fases minguante e nova. Para os</p><p>romanos, a Lua era associada à Diana, protetora da caça e da noite.</p><p>Ficamos com a primeira, Ártemis. A deusa da caça, da lua, da castidade,</p><p>do parto e dos animais selvagens. É uma das mais veneradas divindades</p><p>da mitologia grega e na mitologia romana, ela é chamada de Diana.</p><p>Considerada uma fantástica caçadora, Ártemis era cultuada por aliviar as</p><p>doenças femininas, proteger as crianças e os jovens. Ela é considerada</p><p>irmã gêmea de Apolo, �lha de Leto e Zeus “Ela permaneceu virgem</p><p>durante toda a vida, selvagem, e caçava usando o arco, assim como seu</p><p>irmão. As �echas são mortais e causam muita dor” (GRIMAL, 2005, p.</p><p>48). As narrativas ligadas à Ártemis estão vinculadas à caçada e</p><p>apresentam-na como uma deusa selvagem que luta contra gigantes,</p><p>altamente vingativa.</p><p>Ártemis era honrada em todos os países montanhosos e selvagens na</p><p>Grécia: na Arcádia, na região de Esparta, na Lacônia, na região de Taigeto</p><p>e Élide. O seu santuário mais célebre no mundo grego era o de Éfeso,</p><p>onde Ártemis substituiria a deusa da fecundidade. Os antigos já</p><p>interpretavam Ártemis como a personi�cação da Lua que vagueia nas</p><p>montanhas. O seu irmão Apolo era também visto como a personi�cação</p><p>do Sol. Mas, é certo que nem todos os cultos de Ártemis são cultos</p><p>lunares e que no Panteão humano; a deusa ocupara o lugar da Dama das</p><p>feras, revelada pelos monumentos religiosos cretenses. Ela assimilou,</p><p>igualmente, cultos bárbaros, como o de Táurica, caracterizado pela</p><p>presença humana. Considerava-se, Ártemis a protetora das Amazonas,</p><p>por ela ser guerreira, caçadora e liberta do julgo do homem. O mito</p><p>ascendente de Ártemis, no poema de Senghor, está relacionado ao</p><p>“crescente de lua”.</p><p>Outro mito está presente no seguinte verso “Meu império é este dos</p><p>proscritos de César, os grandes/ banidos da razão ou do instinto”. No</p><p>Egito onde a monarquia local estava sujeita ao governo romano, Marco</p><p>Antônio estabeleceu seu poder na cidade de Alexandria e se apaixonou</p><p>pela rainha egípcia Cleópatra (69-30 a.C.) que era sua amante. Com</p><p>frequência, Marco Antônio dava presentes generosos a Cleópatra, o que</p><p>provocou uma série de suspeitas, entre as quais, se questionou se ele</p><p>pretendia dar a própria Roma, como presente. Quando esses rumores</p><p>chegaram aos ouvidos de Otaviano, ele �cou enfurecido e declarou</p><p>guerra à Marco Antônio. Os dois lados se enfrentaram na Batalha de</p><p>Ácio em 31 a.C. e os exércitos de Marco Antônio e Cleópatra perderam.</p><p>Por isso, eles decidiram fugir para o Egito, com o que restara de suas</p><p>tropas e Otaviano em seu encalço. Sentindo que a derrota era iminente,</p><p>Marco Antônio e Cleópatra, suicidaram-se em 30 a.C.</p><p>É feita assim alusão ao amor entre eles em “Meu império é este do</p><p>Amor, e tenho fraqueza para ti mulher/ A estrangeira com olhos de</p><p>clareira, com lábios de maçã canela no sexo de arbusto ardente”. A</p><p>estrangeira e o amor são elementos consoantes indicados na cadência</p><p>�nal: “Porque eu sou os dois batentes da porta, ritmo binário/ de espaço</p><p>e o terceiro tempo/ Porque eu sou o movimento do tantã, força da África</p><p>futura”. Os versos encaminham um salto para outra época, pois, referem-</p><p>se à condição política.</p><p>O enraizamento na cultura africana é a fonte de criação. A África</p><p>majestosa: em exaltação ao continente grandioso e as dimensões do</p><p>cosmos. Para Senghor, o berço da humanidade é a África. Biondi a�rmou</p><p>(1993, p.115, tradução nossa, grifo do autor):</p><p>Lugar de nascimento do homem, a África é, por consequência, essa civilização agrária,</p><p>estabelecida pela raça negroide de Grimaldi (paleolítico superior), país em que parece</p><p>um senso artístico (estatuetas) anunciando o estilo negro-africano. É então comum que</p><p>se efetuem as mestiçagens, principalmente com os Cascasoides ribeirinhos do</p><p>Mediterrâneo. Estes cruzamentos constituem, assim, uma unidade de civilização</p><p>continental fundada sobre o conhecimento das correspondências simbólicas, a</p><p>primazia da emoção e a mitologia da fala.121</p><p>Além da escrita rebuscada e informações especí�cas da história e</p><p>civilização africana, precisamos buscar questões que precisam ser</p><p>pensadas além da tradução. Algumas expressões na escrita, são bem</p><p>curiosas e se no caso fossem traduzidas literalmente, teriam sentido</p><p>corrompido, estranho. Uma delas é lait bis, termo que tem como</p><p>sinônimo pain bis e signi�ca comida saudável ou leite cru.</p><p>O Búfalo (le Bu�e) é o totem sudanês, primeiro mestre do império do</p><p>Mali, os “olhos de clareira” de cor verde claro. O “crescente de lua” é um</p><p>ornamento do cabelo de Isis e também dos faraós. O Kaya-Magan, que no</p><p>comando dos reis, é o símbolo da sabedoria e autoridade guêluares,</p><p>designa os antigos reis do Sine e do Saloum, a ancestralidade.</p><p>Sobre esse exercício de escolha feito durante a tradução no italiano, já</p><p>havia apontado essa di�culdade com certos termos. Um deles é personne</p><p>que consta no primeiro verso de “Kaya-Magan” (EMINA, 2004, p.14,</p><p>tradução nossa, grifo da autora):</p><p>Não gosto de ninguém (termo). Kaya-Magan é nosso Adão- Eva gnóstico, o homem-</p><p>mulher do Simpósio de Platão, o andrógino hermético: ninguém me parece muito</p><p>baixo e entidade pouco humana; o Humano primordial seria bom, mais a</p><p>substantivação do adjetivo cria um obstáculo que eu não gosto no início do texto.122</p><p>Em um comparativo à nossa tradução de “Kaya-Magan”, a título de</p><p>exemplo, os termos que foram escritos com letras maiúsculas foram</p><p>mantidos, da mesma forma na língua portuguesa do Brasil. Aquelas que</p><p>foram escritas em outras línguas, como a palavra guélowar123 (escrita em</p><p>serere) apenas perderam o acento.</p><p>Os obstáculos, para usar as palavras de Emina (2004), foram as</p><p>condições para perceber as relações rítmicas,</p><p>construídas por Senghor no</p><p>texto fonte, que com o uso de vocabulário especí�co, truncado, algumas</p><p>vezes, valem-se da ausência de rimas internas, nasais. O caminho que</p><p>encontramos para melhor compreender este processo, foi ler os poemas</p><p>em voz alta, sem obliterar o fato que eles foram escritos para serem</p><p>declamados. Dessa forma, até as escolhas entre os idiomas foram mais</p><p>perceptíveis, além da necessidade de se fazer a pesquisa histórica e de</p><p>línguas africanas.</p><p>Messages (Mensagens)</p><p>(guimm pour kôra)</p><p>À CHEIK YABA DIOP, CHEF DE PROVINCE</p><p>Il m’a dépêché un cheval du Fleuve</p><p>sous l’arbre des palabres</p><p>mauve.</p><p>Dialogue à une lieue d’honneur !</p><p>Il m’a dit : « Beleup de Kaymôr !</p><p>sa récade crée sa parole</p><p>avant</p><p>rigueur.</p><p>“Sept athlètes Kaymôr a dépêché,</p><p>qui ont mon buste et ma couleur,</p><p>car nous nageons par la mer paci�que.</p><p>“Il les a dépêchés sur les pistes ferventes, dans les</p><p>nuages</p><p>promesses de verdure</p><p>(canto para kora)</p><p>À CHEIK YABA DIOP, CHEFE DE</p><p>PROVÍNCIA</p><p>Ele enviou-me um cavalo do Rio</p><p>embaixo da árvore das de palavras</p><p>Malva.</p><p>Diálogo à uma légua de honra!</p><p>Ele me disse: “Beleup de Kaymor!</p><p>sua recaída cria sua fala,</p><p>antes,</p><p>rigor.</p><p>“Sete atletas Kaymor se apressaram,</p><p>aqueles que tem meu busto e minha cor,</p><p>pois nós nadamos pelo mar pací�co.</p><p>“Ele enviou-os pelas fervorosas pistas,</p><p>nas nuvens,</p><p>“En saison sèche,</p><p>tels des acacias.</p><p>promessas de verdura</p><p>“Em estação seca,</p><p>como as acácias.</p><p>“Cinquante chevaux seront ton escorte,</p><p>tapis de haute laine</p><p>et de mille pas</p><p>“Et des jeunes gens à livrée d’espoir.</p><p>Il te précède vêtu de sa pourpre</p><p>“Qui te vêt</p><p>et son haut bonnet t’éclaire,</p><p>son épée</p><p>nue</p><p>t’ouvre la voie des enthousiasmes.</p><p>“La paume des tamas</p><p>les doigts</p><p>des balafongs diront la liese de ses terres.</p><p>“Oui tu es Guelwâr de l’esprit,</p><p>il est Beleup de Kaymôr.</p><p>“Politesse du Prince !</p><p>Et des présents sont pour t’attendre.</p><p>“Politesse du Prince !</p><p>Et sa récade est d’or.”</p><p>Dyôb ! lui ai-je dit, Beleup de Kaymôr!</p><p>Je te respire parfum de gommier,</p><p>et proclame ton nom</p><p>Surgi du Royaume d’enfance</p><p>et des fonds sous-marins</p><p>des terres ancestrales.</p><p>Héraut ! proclame mon char blanc</p><p>et ses chevaux obscurs.</p><p>Des navires-de-terre m’accompagnent aux voiles</p><p>étendards,</p><p>“Cinquenta cavalos serão tua escolta,</p><p>tapetes de rica lã</p><p>e de mil passos</p><p>E os jovens trouxeram a esperança.</p><p>Ele te precede vestido de sua púrpura</p><p>“Que te veste</p><p>e seu gorro te ilumina,</p><p>sua espada</p><p>nua</p><p>te abre o caminho dos entusiasmos.</p><p>“A palma das tamas,</p><p>os dedos,</p><p>os balafons dirão a junção das suas terras.</p><p>“Sim, tu és Guêluar de espírito,</p><p>ele é Beleup de Kaymor.</p><p>“Cortesia do Príncipe!</p><p>E os presentes estão por te esperar.</p><p>“Cortesia do Príncipe!</p><p>E sua recaída é dourada.”</p><p>Deus! Eu disse, Beleup de Kaymor!</p><p>Eu te respiro perfume de acácia</p><p>e proclamo teu nome</p><p>Surgido do Reino da infância</p><p>e dos fundos submarinos</p><p>das terras ancestrais.</p><p>Arauto! Proclame meu carro branco</p><p>e seus cavalos obscuros.</p><p>Os navios-de-terra me acompanham às velas</p><p>estandartes,</p><p>les présents d’au-delà les mers.</p><p>Grâces à toi</p><p>pour les �eurs</p><p>os presentes de além-mares.</p><p>Graça a ti</p><p>para as �ores</p><p>des discours très odorants,</p><p>pour les hommages</p><p>des tamas</p><p>des balafongs</p><p>des mains</p><p>Grâces à toi pour le vin de palme,</p><p>la coupe d’amitié</p><p>de la lèvre à la lèvre</p><p>Grâces pour la jeune �lle nubile</p><p>au ventre de douceur</p><p>n’deïssane !</p><p>à la croupe de colline</p><p>à la poitrine de fruits de rônier.</p><p>Et par-dessus toute louange,</p><p>sa bouche sait tisser des paroles plaisantes.</p><p>Ma Dame</p><p>est dame de haut rang</p><p>et �ère.</p><p>Donc</p><p>compliments à la �lle du Grand Dyarâf !</p><p>Mais</p><p>je te dis</p><p>les présents les plus lourds,</p><p>lois noires</p><p>sur fond blanc</p><p>dans le co�ret de bois des Isles</p><p>Et les discours exacts</p><p>rythmés</p><p>dans les hautes assemblées circulaires ;</p><p>os discursos muito perfumados,</p><p>para as homenagens;</p><p>as tamas,</p><p>os balafons,</p><p>as mãos,</p><p>Graças a ti para o vinho de palma,</p><p>o cálice de amizade,</p><p>do lábio para o lábio</p><p>Graças para a jovem núbia,</p><p>no ventre de doçura,</p><p>n’deissane!</p><p>na parte de trás da colina</p><p>no peito dos frutos da palmeira-de-leque.</p><p>E acima de qualquer louvor,</p><p>sua boca sabe tecer palavras agradáveis.</p><p>Minha Senhora</p><p>é uma senhora de alta patente</p><p>e orgulhosa.</p><p>Então,</p><p>cumprimentos à menina do Grande Dyarâf!</p><p>Mas,</p><p>eu te digo,</p><p>os presentes os mais pesados:</p><p>leis negras</p><p>sobre fundo branco,</p><p>no cofre de madeira de Isles</p><p>E os discursos exatos,</p><p>ritmados,</p><p>nas altas assembleias circulares;</p><p>et ce fut parmi les guelwârs de la parole.</p><p>Je leur ai imprimé le rythme,</p><p>je les ai nourris de la moelle du Maître-de-</p><p>sciences-et-de-langue.</p><p>aconteceu entre os guêluares de palavra.</p><p>Eu, imprimi-lhe o ritmo,</p><p>eu alimentei-os da medula do Mestre-de-</p><p>ciências-e-de-língua.</p><p>Telles sont ma réponse</p><p>et ma récade bicéphale :</p><p>gueule du Lion</p><p>et</p><p>sourire du Sage.</p><p>Esta é a minha resposta</p><p>e a minha recaída bicéfala:</p><p>garganta do Leão</p><p>e</p><p>sorriso do Sábio.</p><p>“Mensagens” (Messages) foi publicado, anteriormente à Etiópicos</p><p>(Éthiopiques, 1956), em Hóstias Negras (Hostie Noires,1948), e</p><p>posteriormente em Elegia para George Pompidou, Jean-Marie et Aimé</p><p>Césaire (1971, 1979).</p><p>O quarto poema inscreve sua temática na região do Senegal, no Saloum</p><p>e algumas vezes no Egito. O texto evoca o retorno de alguém que vem de</p><p>Élissa e recita uma longa mensagem, diante do destinatário Cheikh Yaba</p><p>Diop, amigo de Senghor. A dualidade está presente a partir do título; as</p><p>mensagens “em um diálogo à um lugar de honra” mantém a distância e o</p><p>respeito. O mundo antigo se prolonga no presente, trata-se de um</p><p>diálogo entre Heraut de Beleup, que é o senhor de Kaymôr, um homem</p><p>guêluar. O primeiro é apenas um intermediário que se dirige a uma</p><p>terceira pessoa. O segundo responde, diretamente, à segunda mesmo</p><p>sendo a mensagem transmitida indiretamente.</p><p>Antes do primeiro verso, já se identi�ca a dedicatória que de certa</p><p>forma, prenuncia a intenção política e dirigida. A mensagem é</p><p>direcionada à Diop, chefe da província do Sine Saloum no sudeste de</p><p>Dakar, a capital do Senegal. Segundo Brunel (2007, p. 904, tradução</p><p>nossa, grifo do autor);</p><p>Chefe da província de Baol, ele era amigo de Serigne Falilou Mbacké, califa geral do</p><p>poder da confraria senegalesa dos Mourides. Sem dúvida ele tinha um papel de</p><p>intermediário entre estes poderosos líderes religiosos e Senghor (quem colocou suas</p><p>relações com os Mourides na continuidade das mantidas por Blaise Diagne (1872-1934)</p><p>– primeiro homem de Estado internacional do Senegal e primeiro africano a</p><p>sentar-se no Parlamento francês – com Sérigne Amadou Bamba, fundador da</p><p>Confraria, e seu �lho, Mamadou Moutapha M’Backé. “Mensagens” (Etiópicos) é dedicado</p><p>a ele.124</p><p>O “cavalo do Rio” no primeiro verso pode ser uma tradução de</p><p>“hipopótamo”, mas, o poeta o faz surgir aliado à imagem aquática,</p><p>grafado maiúsculo; um cavalo esplêndido que se encaminha pelo rio,</p><p>que provavelmente é o Saloum. A “árvore de palavras” denota o centro da</p><p>vida comunitária, a transmissão de ensinamento entre pessoas de épocas</p><p>diferentes. Palavra, neste verso, é adjetivada por malva. Essa é a cor nobre</p><p>associada ao respeito dado ao envelhecimento, ao passar dos anos,</p><p>amadurecer. Beleup, não foi traduzido, por não ter correspondente. Trata-</p><p>se de um título de nobreza “no antigo reino do Saloum, beleup era um</p><p>título que traziam alguns dignitários wolof”125 (BRUNEL, 2007, p. 898,</p><p>tradução nossa). Por isso, mantivemos o termo para referencialidade</p><p>histórica e geográ�ca: Kaymor era a pequena cidade, na zona costeira do</p><p>Senegal, de população serere, além disso (id., p. 914, tradução nossa, grifo</p><p>do autor):</p><p>Província do Saloum foi fundada no século XVI pelo rei do Diolof que, forçado a</p><p>abdicar, tinha encontrado refúgio no Saloum (o Rei Diolof Birame Ndiémé Eler</p><p>Ndiaye). Seu �lho Mbagne Fabor é o ancestral de muitos reis do Saloum e do Sine. O</p><p>nome de Kaymor permanece ligado à um vilarejo do Rip (departamento de Nioro do</p><p>Rip, distrito de Medina-Sabak). Senghor teria intitulado Canções do Farba126 Kaymor um</p><p>compêndio de poemas inacabados (informação de 1978). En�m, ele assinou</p><p>esses artigos</p><p>no jornal “A Condição Humana” (que ele tinha lançado em 1948) sob o pseudônimo de</p><p>Patrice Maguilen Kaymôr.127</p><p>Imagens celestes e naturais inspiradas nas paisagens senegalesas, bem</p><p>como, as lembranças do Reino da infância estão presentes no léxico</p><p>natural; nuvens, verde e mar. Em “tapetes de rica lã e de mil passos”,</p><p>optamos por uma tradução diferente da expressão, “tapis de haute laine et</p><p>de mille pas”, pois, a palavra haute tem sentido de altura, alta, mas neste</p><p>caso, lã de alta qualidade poderia também ser: lã de primeira linha ou</p><p>produção de alto custo. Abandonamos o sentido literal e optamos em</p><p>alterar o termo, por outro que pudesse compreender o sentido proposto.</p><p>Assim, decidiu-se por “rica lã”, criativa, magnânima.</p><p>Os “sete atletas de Kaymor” contém a força dos homens que</p><p>atravessaram o mar. Outra cor é inserida: púrpura. A descrição se faz a</p><p>partir das vestes e acessórios: o chapéu e a espada simbolizam a extensão</p><p>da força humana. Quanto à tradução “des tamas”, optamos pelo feminino</p><p>de tamo – tamas – que signi�ca tantã pequeno; que acompanha os griôs</p><p>(ou griotes) ao fazerem uma canção, elogio ou ode.</p><p>Os Guêluares são mencionados novamente. O interlocutor e o príncipe</p><p>estão presentes, pela primeira vez indicados não por travessões (que</p><p>poderiam indicar o início do discurso direto) e sim por aspas, que</p><p>iniciam e não fecham até o �nal do diálogo. Mantivemos a mesma forma</p><p>impressa de Éthiopiques. Beleup, atletas de Kaymor e Guêluares iniciam</p><p>um campo semântico originário do cenário histórico africano,</p><p>personagens reais, �ccionados em poesia. A primeira referência ao Reino</p><p>da infância é eloquente e anterior aos ancestrais. No verso “eu te respiro</p><p>perfume de acácia”, o sublinhado, gommier, poderia ser traduzido</p><p>literalmente por goma, mas, optamos por acácia, planta da qual ela é</p><p>extraída.</p><p>Dyôb é uma variação de Deus em egípcio (MBOCK, 2014). Mas no</p><p>poema é uma referência à Mbaye Diop, amigo de Senghor desde 1941, o</p><p>qual ele homenageou no poema “Taga de Mbaye Dyôb”, no livro Hóstias</p><p>Negras (1948). Um arauto anuncia a chegada de um carro branco, os</p><p>cavalos em si, a velocidade. “Os navios-de-terras” anunciam as graças que</p><p>repetem os versos livres, uma perífrase para designar carros. N’deïssane</p><p>não foi traduzido, o termo se refere à jovem núbia. No léxico digital128</p><p>encontramos “Ndessé, palavra que vem do wolof e signi�ca nostalgia,</p><p>melancolia”129 (BRUNEL, 2007, p. 921, tradução nossa), acreditamos ser</p><p>possível que n’deïssane seja um derivado. Em wolof contêm os sentidos</p><p>de: pecaminoso, podendo ser tanto o enternecimento, quanto a</p><p>admiração.</p><p>O “Grande Dyarafa” era um alto dignitário da corte do reino do Sine,</p><p>Brunel anotou que (2007, p. 910, tradução nossa).</p><p>Ele foi escolhido pelo rei sob proposta dos chefes de província (os sakh-sakh) e</p><p>pertenciam a casta dos homens livres (os descendentes dos antigos habitantes do país).</p><p>Tipo de Primeiro ministro e do ministro da justiça, ele tinha os direitos estendidos em</p><p>matéria administrativa e judiciária (somente ele poderia condenar a morte).130</p><p>Em “Mensagens” há uma relação entre fatos do presente e o passado</p><p>histórico. Nas “leis negras sobre fundo branco”, as leis inscritas em negro,</p><p>sobre o papel branco, eram leis escritas por negros resguardadas pela</p><p>história. A oralidade atravessa os versos nos “discursos exatos ritmados</p><p>nas altas assembleias circulares; e isso foi entre os guêluares de palavra”.</p><p>As marcas da oralidade são mencionadas, no dialogismo, característico</p><p>dos povos africanos. O mestre da linguagem, expresso em: “Eu imprimi-</p><p>lhe o ritmo, eu alimentei-os da medula do Mestre-de-ciências-e-de-</p><p>língua”; o griô é contador de histórias tradicionais. A bicéfala tem dois</p><p>signi�cados, a coroa dos faraós, do poder e da riqueza, que �naliza em</p><p>profundidade e leveza com a “garganta do Leão e sorriso do Sábio”.</p><p>TEDDUNGAL (Honra)</p><p>(guimm pour kôra)</p><p>Sall !</p><p>je proclame ton nom Sall !</p><p>du Fouta-Damga</p><p>au Cap Vert.</p><p>Le lac Baïdé faisait nos pieds plus frais,</p><p>et maigres</p><p>(canto para kora)</p><p>Sall!</p><p>Eu proclamo teu nome Sall!</p><p>do Fouta-Damga</p><p>do Cabo Verde.</p><p>O lago Baidê tornava nossos pés mais frios</p><p>e magros,</p><p>nous marchions par le Pays-haut du Dyêri.</p><p>Et sou�aient les passions</p><p>une tornade fauve</p><p>aux piquants des gommiers.</p><p>Où la tendresse du vert au Printemps ?</p><p>Yeux et narines rompus par Vent d’Est,</p><p>nos gorges</p><p>comme des citernes sonnaient creux à l’appel</p><p>immense de la poitrine.</p><p>C’était grande pitié.</p><p>Nous marchions par le Dyêri au pas du bœuf-</p><p>porteur</p><p>– l’aile du cheval bleu est pour les Maîtres-de-</p><p>Saint-Louis –</p><p>mais</p><p>nos pieds dans la poussière des morts</p><p>et nos têtes parées de nulle poudre d’or.</p><p>Or les Scorpions furent de sable,</p><p>les caméléons de toutes couleurs.</p><p>Or les rires des singes secouaient l’arbre des</p><p>palabres,</p><p>comme peau de panthère</p><p>les embûches zébraient la nuit.</p><p>nós caminhávamos pelo País-alto do Dyêri.</p><p>E sopravam as paixões</p><p>um tornado feroz</p><p>com espinhos de acácias.</p><p>Onde há ternura do verde na Primavera?</p><p>Olhos e narinas rompidas pelo Vento do</p><p>Leste,</p><p>nossas gargantas</p><p>como as cisternas soam ocas ao apelo imenso</p><p>do peito.</p><p>Era grande piedade.</p><p>Nós caminhávamos pelo Dyêri ao passo do</p><p>boi-cargueiro</p><p>– a asa do cavalo azul está para os Mestres-de-</p><p>São-Luís –</p><p>mas,</p><p>nossos pés estão na poeira dos mortos</p><p>e nossas cabeças adornadas sem nenhum pó</p><p>dourado.</p><p>Ora os Escorpiões foram de areia,</p><p>os camaleões de todas cores.</p><p>Ora os risos dos macacos tremiam a árvore</p><p>das palavras,</p><p>como pele de pantera;</p><p>Mille embûches des puissants :</p><p>chaque tou�e d’herbes cache un ennemi.</p><p>Nous avons ceint nos reins,</p><p>a�ermi les remparts de notre cœur,</p><p>nous avons repoussé lances et roses.</p><p>Roses et roses</p><p>os obstáculos listravam a noite.</p><p>Mil obstáculos de poderes:</p><p>cada tufo de ervas esconde um inimigo.</p><p>Nós cingimos nossos rins,</p><p>fortalecidas as muralhas do nosso coração,</p><p>nós repelimos lanças e rosas.</p><p>Rosas e rosas,</p><p>les navettes qui tissaient lêlés et yêlas,</p><p>exquis les éloges des vierges</p><p>quand la terre est froide à minuit.</p><p>Et leur tête était d’or,</p><p>la lune éclairait le poème à contre-jour.</p><p>Belle</p><p>ô Khasonkée</p><p>parmi tes égales,</p><p>ô grande libellule</p><p>les ailes déployées</p><p>et lentement virant au �anc de la colline de Bakel.</p><p>Jusqu’à ce mouvement</p><p>soudain</p><p>qui te brisait le cou,</p><p>comme une syncope à battre mon cœur.</p><p>Ton sourire était doux</p><p>sous paupières déclives,</p><p>et grondaient les tam-tams peints de couleurs</p><p>furieuses.</p><p>Ah ! ce cœur de poète, ah !</p><p>ce cœur de femme et de lion,</p><p>quelle douleur à le dompter.</p><p>Or nous avons marché tels de blancs initiés.</p><p>Pour toute a nourriture</p><p>os vaivéns que teciam lelês e yêlas,</p><p>requintados os elogios das virgens</p><p>quando a terra está fria à meia noite.</p><p>E sua cabeça era dourada,</p><p>a lua clareava o poema à contraluz.</p><p>Bela!</p><p>Ô Kasonkê!</p><p>Entre os iguais,</p><p>ô grande libélula;</p><p>as asas abertas</p><p>e lentamente virando para o �anco da colina</p><p>de Bakel.</p><p>Até esse movimento</p><p>súbito</p><p>que te rompia o pescoço,</p><p>como uma síncope a bater meu coração.</p><p>Teu sorriso era suave</p><p>sobre pálpebras abertas</p><p>e rugiam os tantãs pintados de cores furiosas.</p><p>Ah! este coração de poeta, ah!</p><p>este coração de mulher e de leão,</p><p>que dor a domar.</p><p>Ora nós caminhamos como os brancos</p><p>iniciados.</p><p>Para toda a comida:</p><p>le lait clair,</p><p>Et pour toute parole</p><p>la rumination du mot essentiel.</p><p>Et lorsque le temps fut venu,</p><p>je tendi un cou dur</p><p>gon�é de veines</p><p>comme une pile formidable.</p><p>o leite claro</p><p>e para toda fala:</p><p>a ruminação da palavra essencial.</p><p>E quando o tempo chegou,</p><p>eu estendi um pescoço duro,</p><p>inchado de veias,</p><p>como uma pilha formidável.</p><p>C’était l’heure de la rosée,</p><p>le premier chant du coq</p><p>avait percé la brume,</p><p>fait retourner les hommes des milices dans leur</p><p>quatrième sommeil.</p><p>Les chiens jeunes n’avaient pas aboyé.</p><p>Et contre les portes de bronze</p><p>je proférai le mot explosif teddungal !</p><p>Teddungal ngal du Fouta-Damga</p><p>au Cap-Vert.</p><p>Ce fut un grand déchirement des apparences, et les</p><p>hommes restitués à leur noblesse,</p><p>les choses à leur vérité.</p><p>Vert et vert Wâlo et Fouta,</p><p>pagne �euri</p><p>de lacs</p><p>et</p><p>de moissons.</p><p>De longs troupeaux coulaient,</p><p>ruisseaux de lait dans la vallée.</p><p>Honneur au Fouta rédimé !</p><p>Honneur au Royaume d’enfance !</p><p>Estava na hora do orvalho,</p><p>o primeiro canto do galo</p><p>tinha atravessado o nevoeiro,</p><p>fez voltar os homens das milícias ao seu</p><p>quarto sono.</p><p>Os cães jovens não ladraram.</p><p>E contra as portas de bronze,</p><p>eu direi a palavra explosiva: honra!</p><p>A Honra do Fouta-Damga</p><p>do Cabo verde.</p><p>Isso foi um grande rasgo das aparências</p><p>e os homens restituídos à sua nobreza,</p><p>as coisas à sua verdade.</p><p>Verde e verde Walô e Fouta,</p><p>tanga �orida</p><p>de lagos</p><p>e de colheitas.</p><p>De longos rebanhos corriam,</p><p>riachos de leite no vale.</p><p>Honra ao Fouta redimido!</p><p>Honra ao Reino da Infância!</p><p>Com o nome: Sall, em tom de saudação, iniciou o poema.</p><p>Adequadamente empregado, por se tratar de um texto sobre o respeito,</p><p>celebração ou honra, o próprio título indica em wolof, Teddungal.</p><p>Exaltação que inicia com o eco poderoso da proclamação. Em “Honra”,</p><p>respeito e dignidade são sentidos incorporados no termo estrangeiro,</p><p>contudo escolhemos apenas o sentido “honra”. O poema segue a proposta</p><p>de homenagem aliada à memória. Brunel (2007) assinalou que se trata de</p><p>um texto político, mas não encontramos con�rmação se Senghor teve a</p><p>intenção de fazer alusão ao outro amigo da política, Boubou Sall, como</p><p>já sugeriu Papa Gueye Ndiaye.</p><p>O primeiro anúncio, con�rma-se na exclamativa: o nome Sall reforçado</p><p>na repetição. São várias homenagens feitas ao longo do poema: à</p><p>montanha, à natureza selvagem, ao rio. A primeira dedicada ao Fouta-</p><p>Damga que é “uma montanha do Senegal, enquanto Cabo verde,</p><p>sobretudo conhecido pelas ilhas situadas na costa, é a ponta extrema ao</p><p>Oeste do país, muito perto de Dacar”131 (BRUNEL, 2007, p. 290, tradução</p><p>nossa) e a segunda que resta consagrada pelas marcas da memória, que é</p><p>o Reino da infância. A mensagem poética é indissociável do contexto</p><p>político que dialoga com a referência religiosa, a redenção. Assim como</p><p>em “Mensagens” a voz lírica deriva de uma longa caminhada, evocada em</p><p>duas estrofes. Elas são marcadas pelo perigo e também, a esperança. O</p><p>tempo de coragem, evidente no olhar e sentimento de uma mulher se</p><p>expõe na terceira estrofe. Palavras nobres sobre o ser humano e a verdade</p><p>das coisas propõem travessia, o caminho metafórico das aparências e se</p><p>consolida pelo Éden reencontrado.</p><p>No processo de tradução, manteve-se o nome do lago Baidê que se</p><p>localiza no nordeste do país, assim como Dyêri que é uma região de</p><p>mato seco; “No vale do rio Senegal, zona cultivável que não é atingida</p><p>pelas cheias”132 (BRUNEL, 2007, p. 905, tradução nossa). Nestes</p><p>destacados apenas, alteraram-se os acentos dos topônimos. O “vento do</p><p>leste” é o conhecido harmattan. A “asa do cavalo azul” pode estar</p><p>associada à Baudelaire, ao poema “Cabeleira” (La chevelure, 1861) e os</p><p>“Mestres-de-São-Luís” são os senhores da cidade que foi a primeira</p><p>capital do país. Os termos destacados “Rosas e rosas os vaivéns que teciam</p><p>lelês e yêlas” foram mantidos com a gra�a original, tratam-se de canções</p><p>de amor: o primeiro é “canto de amor peul cantado com alaúde</p><p>monocórdio, o “molo”, no norte do Senegal”133 (id., p. 917, tradução</p><p>nossa) e o segundo é “um poema de amor cantado no folclore tuculer”134</p><p>(id., p. 935, tradução nossa), refere-se à Dinastia do povo Tuculer,</p><p>fundadora de Takrur (Tekrur, Tecrur), 850 D.C. (LOPES, MACEDO,</p><p>2017). Boi, cavalo, escorpião, camaleão e macaco são exemplos da fauna,</p><p>algumas vezes, personalizados ou não, eles compõem o léxico natural,</p><p>vivo.</p><p>Khasonkée ou khassokée designa a mulher de origem mandinga, povo do</p><p>alto Senegal, no Mali, também chamado saracolê ou soninquê. A</p><p>“libélula de asas abertas”, direciona-se para a colina de Bakel no Galam,</p><p>região bastante conhecida por suas minas de ouro. Em wolof, galam pode</p><p>signi�car ouro, topônimo da cidade, que �ca em frente à Mauritânia,</p><p>próxima à fronteira do Mali. A batida do coração associada ao tantã;</p><p>elucida frenesi de sons. O coração do poeta é pareado ao da mulher forte,</p><p>leão, na batalha para dominação da dor. Em “para toda fala a ruminação</p><p>da palavra essencial”, o destaque lembra a repetição da primeira das Cinco</p><p>Odes (1955), de Paul Claudel. A “pilha formidável” indica</p><p>metaforicamente energia, a reserva de força, de carga positiva.</p><p>Durante a leitura é possível perceber continuidade, passagem de tempo</p><p>ou deslocamento da voz lírica que vimos em: “E quando o tempo</p><p>chegou” e “a hora do orvalho”. Essa passagem, sublinha-se na distorção da</p><p>imagem, efeito causado pelo orvalho, o nevoeiro. Ao �nal do poema, a</p><p>repetição de honra, exclamativamente, enuncia de acordo com Brunel</p><p>(2007 apud SENGHOR, 1988, p.91-92, tradução nossa, grifo do autor);</p><p>Seja o nome teddungal, que signi�ca honra, cuja raiz é ted e o a�xo de classe ngal. A</p><p>honra com o artigo de�nido, se traduzirá por teddungal ngal; E essa honra, com o</p><p>adjetivo demonstrativo, ngall teddungal ngal. O que nos leva aos acordos expressos</p><p>por repetições.135</p><p>Traduzimos “honra”, considerando o próprio autor no livro Isso que eu</p><p>acredito (Ce que je crois, 1988). A montanha de Fouta-Damga encerra a</p><p>paisagem caboverdiana. Walô, a região de terras inundáveis, é atravessada</p><p>pelo rio Senegal que se opõe às montanhas Fouta-Damga e Fouta-</p><p>Djalong. Brunel (2007, p. 934, tradução nossa) ressaltou que;</p><p>Reino histórico dos wolof focado sobre o antigo delta do Senegal (a palavra waalo, por</p><p>oposição às altas terras secas dyeeri, designa a zona de dispersão e de inundação do rio).</p><p>Fundada por volta de 1200 segundo alguns historiadores, no século XVI segundo outros,</p><p>ele desapareceu após ter conquistado por Faidherbe (fevereiro-março de 1855), então</p><p>governador do Senegal.136</p><p>Os rebanhos correm na montanha. Esse lugar se torna elemento de</p><p>homenagem, admiração, também dedicado o Reino da infância. Ao cabo</p><p>dessa leitura concordamos com a assertiva encontrada na tese “A</p><p>fenomenologia da fantasia” (La phénoménologie de la phantasia...), na qual</p><p>se lê que; as lembranças, na obra de Senghor, estão presenti�cadas, que</p><p>extrai do seu passado os arquétipos da África gloriosa imemorial: “[...] o</p><p>poeta declina, muito claramente, esse projeto de instaurar uma passarela</p><p>temporal entre o passado e o futuro a �m que justamente o passado</p><p>reviva, seja lá o quê, diferentemente no futuro” (ARNOLD, 2015, p. 86,</p><p>tradução nossa).137</p><p>2.4 A AUSENTE, NOVA IORQUE, CHAKA</p><p>L’ABSENTE (A AUSENTE)</p><p>(guimm pour trois kôras et un balafong)</p><p>I</p><p>Jeunes �lles aux gorges vertes,</p><p>plus ne chantez votre Champion</p><p>et plus ne chantez l’Élancé.</p><p>Mais</p><p>je ne suis pas votre honneur,</p><p>pas le Lion téméraire,</p><p>le Lion vert qui rugit l’honneur du Sénégal.</p><p>Ma tête n’est pas d’or,</p><p>elle ne vêt pas de hauts desseins</p><p>Sans bracelets</p><p>pesants sont mes bras</p><p>que voilà,</p><p>mes mains si nues !</p><p>Je ne suis pas le Conducteur.</p><p>Jamais tracé sillon</p><p>ni dogme</p><p>comme le Fondateur</p><p>La ville aux quatre portes,</p><p>jamais proféré mot à graver sur la pierre.</p><p>Je dis bien : je suis le Dyâlli.</p><p>(canto para três koras e um balafon)</p><p>I</p><p>Jovens meninas com gargantas verdes,</p><p>não cantem mais vosso Campeão</p><p>e não cantem mais o Esbelto.</p><p>Mas,</p><p>eu não sou sua honra,</p><p>não o Leão temerário,</p><p>o Leão verde que ruge a honra do Senegal.</p><p>Minha cabeça não é dourada,</p><p>ela não veste os altos desígnios</p><p>Sem braceletes</p><p>pesados são meus braços</p><p>que aqui estão,</p><p>minhas mãos tão nuas!</p><p>Eu não sou o Condutor.</p><p>Jamais traçado sulco</p><p>nem dogma</p><p>como o Fundador</p><p>À cidade das quatro portas,</p><p>jamais proferi palavra para gravar na pedra.</p><p>Eu repito: eu sou o Dyâlli.</p><p>II</p><p>Jeunes �lles aux longs cous de roseaux,</p><p>je dis</p><p>chantez l’Absente</p><p>la Princesse en allée.</p><p>Ma gloire n’est pas sur la stèle,</p><p>ma gloire n’est pas sur la pierre</p><p>Ma gloire est de chanter</p><p>II</p><p>Jovens meninas de longos pescoços de juncos,</p><p>eu digo:</p><p>cantem a Ausente,</p><p>a Princesa no altar.</p><p>Minha glória não está na lápide,</p><p>minha glória não está na pedra</p><p>Minha glória é de cantar</p><p>o encanto da Ausente</p><p>le charme de l’Absente</p><p>Ma gloire de charmer</p><p>le charme de l’Absente,</p><p>ma gloire</p><p>Est de chanter la mousse</p><p>et l’élyme</p><p>des sables</p><p>La poussière des vagues</p><p>et le ventre des mouettes,</p><p>la lumière sur les collines</p><p>Toutes choses vaines</p><p>sous le van,</p><p>toutes choses vaines dans le vent</p><p>et l’odeur des charniers.</p><p>Toutes choses frêles</p><p>dans la lumière des armes,</p><p>toutes choses très belles</p><p>dans la splendeur des armes</p><p>Ma gloire est de chanter la beauté de</p><p>l’Absente.</p><p>Minha glória de encantar</p><p>o encanto da Ausente,</p><p>minha glória</p><p>É de cantar a espuma</p><p>e o azevém das areias</p><p>A poeira das ondas</p><p>e o ventre das gaivotas,</p><p>a luz sobre as colinas</p><p>Todas coisas vazias</p><p>debaixo da carrinha,</p><p>todas as coisas no vento</p><p>e o odor dos túmulos.</p><p>Todas coisas frágeis</p><p>na luz das armas,</p><p>todas coisas muito belas</p><p>no esplendor das armas</p><p>Minha glória é de cantar a beleza da Ausente.</p><p>III</p><p>Or</p><p>c’était une nuit d’hiver</p><p>lorsque dehors mûrit le gel,</p><p>que les deux corps sont fraternels.</p><p>Les si�ets des rapides traversaient mon cœur</p><p>longuement,</p><p>de longs déchirements</p><p>de pointes de diamant.</p><p>J’ai réveillé les concubines alentour.</p><p>Ah !</p><p>ce sommeil</p><p>sourd</p><p>III</p><p>Ora,</p><p>era uma noite de inverno,</p><p>quando lá fora amadurece o congelamento,</p><p>os dois corpos são fraternais.</p><p>Os assobios dos rápidos atravessavam meu coração</p><p>longamente,</p><p>de longos rasgos</p><p>de pontas de diamante.</p><p>Eu acordei as concubinas em volta.</p><p>Ah!</p><p>esse sono</p><p>surdo</p><p>qui irrite quand chaque �anc</p><p>et le dos sont les plaines du cruci�é.</p><p>La poitrine succombe à de graves énigmes,</p><p>et je meurs de ne pas mourir</p><p>et je meurs de vivre</p><p>le cœur absent.</p><p>Elles m’ont parlé de l’Absente</p><p>doucement</p><p>Doucement</p><p>elles m’ont chanté dans l’ombre</p><p>le chant de l’Absente,</p><p>comme on berce le beau bébé de sa chair</p><p>brune</p><p>Mais</p><p>qu’elle reviendrait</p><p>la Reine de Saba à l’annonce des</p><p>�amboyants.</p><p>De très loin</p><p>que irrita quando cada �anco</p><p>e as costas são as planícies do cruci�cado.</p><p>O peito sucumbe a graves enigmas</p><p>e eu morro de não morrer</p><p>e eu morro de viver</p><p>o coração ausente.</p><p>Elas me falaram da Ausente,</p><p>calmamente.</p><p>Calmamente</p><p>elas cantaram na sombra,</p><p>o canto da Ausente,</p><p>como embalamos o belo bebê de carne marrom</p><p>Mas,</p><p>que ela voltaria,</p><p>a Rainha de Sabá com o anúncio dos �amejantes.</p><p>De muito longe</p><p>la Bonne Nouvelle est annoncée par les</p><p>collines,</p><p>sur les pistes ferventes</p><p>par les chameliers au long cours.</p><p>Dites !</p><p>qu’elle est longue à mon cœur</p><p>l’absence de l’Absente.</p><p>IV</p><p>Jeunes �lles aux seins debout,</p><p>chantez la sève</p><p>annoncez le Printemps.</p><p>Une goutte d’eau n’est tombée depuis six mois,</p><p>pas un mot tendre</p><p>et pas un bourgeon à sourire.</p><p>a Boa Nova foi anunciada pelas colinas,</p><p>sobre as pistas ferventes</p><p>para cameleiros de longo curso.</p><p>Diga!</p><p>que ela é longa ao meu coração,</p><p>a ausência da Ausente.</p><p>IV</p><p>Jovens meninas de seios empinados,</p><p>cantem a seiva,</p><p>anunciem a Primavera.</p><p>Uma gota d’água não caiu há seis meses,</p><p>nenhuma palavra terna</p><p>e nem um broto a sorrir.</p><p>Rien que l’aigreur de l’Harmattan,</p><p>comme les dents du trigonocéphale</p><p>Au mieux rien qu’un soulèvement de sables,</p><p>rien qu’un tourbillon de pruine</p><p>et de pailles</p><p>et de balles</p><p>et d’ailes</p><p>et d’élytres</p><p>Des choses mortes</p><p>sous l’aigre érosion</p><p>de la raison.</p><p>Rien que le Vent d’Est</p><p>dans nos gorges</p><p>plus que citernes au désert</p><p>Vides.</p><p>Mais</p><p>Nada além do descontentamento do Harmatã,</p><p>como os dentes do trigonocéfalo</p><p>Na melhor das hipóteses, apenas uma revolta de</p><p>areias,</p><p>apenas um redemoinho de pruína</p><p>e de palhas</p><p>e de cascas</p><p>e de asas</p><p>e de bainhas.</p><p>Das coisas mortas</p><p>sob a azeda erosão</p><p>da razão.</p><p>Nada além do Vento do Leste</p><p>nas nossas gargantas,</p><p>apenas cisternas no deserto</p><p>Vazias.</p><p>Mas</p><p>cette rumeur dans nos jambes,</p><p>ce surgissement de la sève</p><p>Qui gon�e les bourgeons à l’aine des jeunes</p><p>hommes,</p><p>réveille les huîtres perlières</p><p>sous les palétuviers...</p><p>Écoutez jeunes �lles,</p><p>le chant de la sève</p><p>qui monte à vos gorges debout.</p><p>Vert et vert</p><p>le Printemps au clair</p><p>mitan de Mai,</p><p>d’un vert si tendre hô !</p><p>que c’est ravissement.</p><p>Ce n’est pas la �oraison �ave des cassias,</p><p>esse rumor nas nossas pernas,</p><p>esse surgimento da seiva</p><p>Que incha os brotos no nervo dos rapazes,</p><p>desperta as ostras peroladas</p><p>debaixo dos manguezais...</p><p>Escutem jovens meninas,</p><p>o canto da seiva</p><p>que sobe pelas suas gargantas empinadas.</p><p>Verde e verde,</p><p>a Primavera ao claro</p><p>mitam de Maio,</p><p>de um verde tão tenro, hô!</p><p>que é êxtase.</p><p>Esta não é a �oração clara das acácias,</p><p>as estrelas esplêndidas dos cochlospermums</p><p>les étoiles splendides des cochlospermums</p><p>Sur le sol de ténèbres,</p><p>l’intelligence du Soleil</p><p>ô Circoncis !</p><p>C’est la tendresse du vert par l’or des savanes,</p><p>vert et or</p><p>couleurs de l’Absente</p><p>C’est la surrection de la sève jusqu’à</p><p>la nuque debout</p><p>qui s’émeut</p><p>V</p><p>Sa venue nous était prédite</p><p>quand les palabres rougiraient</p><p>les places des villages,</p><p>les boutiques des bidonvilles</p><p>Sobre o chão de tenebrosas,</p><p>a inteligência do Sol:</p><p>ô Mutilado!</p><p>É a ternura do verde pelo dourado das savanas,</p><p>verde e ouro,</p><p>cores da Ausente</p><p>É a ressurreição da seiva até</p><p>o pescoço empinado</p><p>que se comove</p><p>V</p><p>Sua vinda nos foi prevista</p><p>quando as palavras rugiam...</p><p>os lugares das aldeias,</p><p>as lojas os subúrbios</p><p>et les ateliers des manufactures.</p><p>Je sais que les épouses émigrent déjà chez leur</p><p>mère :</p><p>les jeunes gens arrachent aux lamarques</p><p>leur part de l’indivis</p><p>Les biens publics sont vendus à l’encan,</p><p>les Grands organisent leurs femmes en pool</p><p>charbon-acier</p><p>Des tentes pourpres sont dressées aux</p><p>carrefours,</p><p>avec des rues barrées</p><p>et sens uniques.</p><p>Luxe et licence !...</p><p>Sa venue nous était prédite</p><p>quand se rassembleraient les hirondelles. Voilà</p><p>Qu’à tire-d’aile</p><p>e os ateliês das manufaturas.</p><p>Eu sei que as esposas emigram já para casa</p><p>materna:</p><p>os jovens arrancam dos lamarques</p><p>sua parte do indiviso</p><p>Os bens públicos vendidos ao leilão,</p><p>os Grandes organizam suas mulheres no grupo</p><p>“carvão-aço”138</p><p>As tendas roxas são montadas nos cruzamentos,</p><p>com as ruas bloqueadas</p><p>e sentidos únicos.</p><p>Luxo e licença!...</p><p>Sua vinda nos foi prevista</p><p>quando se reuniam as andorinhas.</p><p>Eis então!</p><p>A quem diga:</p><p>elles fuient les chaleurs de nos querelles</p><p>intestines.</p><p>Puisque reverdissement nos jambes</p><p>pour la danse de la moisson</p><p>Je sais qu’elle viendra</p><p>la Très Bonne Nouvelle</p><p>Au solstice de Juin,</p><p>comme dans l’an de la défaire</p><p>et dans l’an de l’espoir.</p><p>La précèdent de longs mirages de</p><p>dromadaires,</p><p>graves des essences</p><p>de sa beauté.</p><p>La voilà l’Éthiopienne,</p><p>fauve comme l’or</p><p>elas fogem do calor das nossas querelas internas.</p><p>Assim que reverem nossas pernas</p><p>para a dança da colheita</p><p>Eu sei que ela virá</p><p>a “Tão Boa Nova”</p><p>No solstício de Junho,</p><p>como no ano da derrota</p><p>e no ano da esperança.</p><p>A precedente de longas miragens</p><p>de dromedários,</p><p>graves das essências</p><p>de sua beleza.</p><p>Eis à Etiopiana,</p><p>dourada como o ouro,</p><p>mûr</p><p>incorruptible</p><p>comme l’or</p><p>Douce d’olive,</p><p>bleu souriante</p><p>de son visage �n</p><p>souriante dans sa prestance</p><p>Vêtue de vert</p><p>et de nuage.</p><p>Parée du pentagramme.</p><p>VI</p><p>Salut de son féal</p><p>à la Souriante</p><p>et louange loyale.</p><p>Kôriste de sa cour</p><p>et dément de son charme!...</p><p>madura,</p><p>incorruptível,</p><p>como o ouro</p><p>Doce de oliva,</p><p>azul sorridente</p><p>de seu rosto �no</p><p>sorridente em sua presença</p><p>Vestida de verde</p><p>e de nuvem.</p><p>Adornada com pentagrama.</p><p>VI</p><p>Saudação do seu �el</p><p>à Sorridente</p><p>e elogio leal.</p><p>Corista de sua corte</p><p>e demente de seu encanto!...</p><p>Ma gloire n’est pas sur la stèle</p><p>Ni ma voix ne sera sur pierre</p><p>pétri�ée,</p><p>mais</p><p>voix rythmée</p><p>d’une voix juste.</p><p>Qu’elle germe</p><p>dans la mémoire de l’Absente</p><p>qui règne</p><p>sur mes horizons de verre</p><p>Mûrisse dans la vôtre ô jeunes �lles,</p><p>comme la farine futile</p><p>pour nourrir tout un peuple.</p><p>Donc</p><p>je nommerai les choses futiles</p><p>Minha glória não está na lápide</p><p>Nem minha voz estará na pedra</p><p>petri�cada,</p><p>Mas</p><p>voz ritmada</p><p>de uma voz justa.</p><p>Que ela germine</p><p>na memória da Ausente</p><p>que reina</p><p>sobre meus horizontes de vidro</p><p>Amadureçam em si: ô jovens meninas!</p><p>como a farinha leve</p><p>para alimentar todo um povo.</p><p>Então,</p><p>eu nomearei as coisas fúteis</p><p>qui �euriront de ma nomination</p><p>– mais le nom de l’Absente est ine�able.</p><p>Ses mains d’alizés</p><p>qui guérissent des �èvres</p><p>Ses paupières de fourrure</p><p>et</p><p>a necessidade de um pensamento da vida tanto porque reconstruir a vida</p><p>é um imperativo em um século de desastres e porque depois da falência dos</p><p>pensamentos globalizantes, o único material para o pensamento é oferecido para a vida3.</p><p>O desa�o é de ousar pensar a sua própria história e propor</p><p>fundamentos ontológicos, sobre os quais, será possível novamente</p><p>identi�car um sujeito signi�cado. Esse processo ainda está em curso, se</p><p>assim podemos dizer. Desde quando o termo �cou conhecido (e</p><p>consideramos que foi a partir de Charles Baudelaire), “a modernidade</p><p>caracteriza uma época; caracteriza simultaneamente a força que age nesta</p><p>época [...]” (BENJAMIN, 2000, p.16). A teoria de Baudelaire, sobre a arte</p><p>moderna foi pensada sob a ótica comparativa, pois “[...] o exemplo</p><p>modelar da antiguidade se limita à construção; a substância e inspiração</p><p>da obra é o objeto da modernidade” (id., ib., grifo do autor). A essência</p><p>está presente na criação, nas quais, as modernidades (NOUSS, 1991) são</p><p>constituídas pelo próprio povo em uma esfera estética e outra �losó�ca.</p><p>Sobre o destaque, entendemos que a explicação dada por Benjamin</p><p>(2000) ao retomar os princípios analisados por Baudelaire coincide com</p><p>o que Nouss (1991) apontando como fator constituinte da era moderna,</p><p>de forma mais expansiva: o povo e suas representações identitárias que</p><p>por vez contemplam a individualidade e coletividade, nas esferas</p><p>apontadas. Senghor e Menezes estavam inseridos no contexto em que</p><p>produziram: o primeiro, além de escritor, foi também líder político; o</p><p>segundo estudioso da cultura oral, da expressão popular de rua, dos</p><p>terreiros e sindicalista. Espaços vivenciados, não imaginados, acresceram-</p><p>se às obras, homens que se lançaram no mundo integrando esfera vivida</p><p>à criação literária.</p><p>Para que se possa adentrar nessa discussão, faz-se necessário lembrar o</p><p>processo de expansão territorial, ocupação e domínio, supressão de</p><p>línguas e culturas, e consequentemente lembrar que povos foram</p><p>atingidos em seus modos de viver. Dada a questão, não faremos</p><p>abordagem histórica sobre a expansão, no que diz respeito, aos países</p><p>europeus e suas colônias. Registramos, contudo que, após a expansão</p><p>europeia, na América e Ásia, a partir do século XVI a África se tornou o</p><p>novo território a ser ocupado. No �m do século XIX foi na África que o</p><p>processo imperialista foi lançado. Era o momento, no qual, as potências</p><p>europeias entre os anos de 1880 e 1914, principalmente, a França e o</p><p>Reino Unido disputaram o território africano. Outros países como a</p><p>Itália, Bélgica, Alemanha, Portugal, Espanha e os Estados Unidos também</p><p>ingressaram na disputa, inclusive, esse foi um dos principais motivos da</p><p>Primeira Guerra Mundial.</p><p>A expansão proporcionou o encontro de culturas, mesmo que tenha</p><p>sido concebido de forma abrupta. Os intercâmbios eram consequentes e</p><p>necessários, as línguas dos territórios ocupados, em sua maioria, eram</p><p>substituídas pela língua do colonizador. A língua francesa, por exemplo,</p><p>foi empregada como instrumento de dominação durante a ocupação do</p><p>que atualmente são chamados de Departamentos franceses ultramarinos</p><p>ou Territórios. Eles são territórios franceses administrados fora do</p><p>continente europeu. Podemos, assim dizer que esse fato fundamentaria,</p><p>nos anos de 1880, os estudos de Onésime Reclus sobre a França e suas</p><p>colônias e o princípio, no qual, se forjou o conceito de Francofonia.</p><p>Pontuada a questão, discutiremos o termo. Optamos em apresentar o</p><p>conceito, pois consideramos as questões empregadas por Senghor para</p><p>fundamentar a Négritude, para tanto a Francofonia foi basilar. Além</p><p>disso, é preciso que se faça notar as questões que envolvem o</p><p>desdobramento da colonização para que se possa chegar à literatura.</p><p>Retomamos com a de�nição dada em Senghor e a civilização do universal</p><p>(Senghor et la civilisation de l’universel, 2013): “A palavra francofone</p><p>signi�ca quem fala a língua francesa e a francofonia os espaços onde se</p><p>fala o francês. São, de fato, os países onde o francês é ou a língua</p><p>materna, a língua o�cial, a língua corrente ou administrativa”4</p><p>(GNALÉGA, 2013, p.114, tradução nossa).</p><p>Podemos acrescentar os países de aspecto cultural variado, os quais, tem</p><p>situações linguísticas complexas e que se caracterizam pela existência de</p><p>outras línguas, autóctones ou europeias. Percebemos a princípio que os</p><p>resquícios da imposição da língua e da cultura francesa nos territórios</p><p>provocou a divisão de aspectos culturais, consequentemente, da literatura</p><p>em francesa e francófona. Segundo Moura (2013) essa divisão ocorre para</p><p>�ns de pesquisa. O aspecto literário é composto de um corpus complexo,</p><p>abundante em conhecimento sociológico, etnológico, que normalmente</p><p>alguns pesquisadores com abordagem clássica negligenciam. Para Moura</p><p>(2013, p.6, tradução nossa, grifo do autor)</p><p>Fundamentalmente, o termo francofonia remete para uma diversidade geográ�ca e</p><p>cultural organizada em relação a um fato linguístico: ao mesmo tempo, o conjunto das</p><p>regiões onde o francês é considerado por desempenhar um papel social incontestável e o</p><p>conjunto dessas (com exceção da França) em que existam falantes de língua primeira.5</p><p>A perspectiva pós-colonial, nesse sentido, reúne na história e na</p><p>literatura aspectos geográ�cos, culturais, neocoloniais. Longe de ser uma</p><p>unidade homogeneizadora, mas que emerge de um campo social</p><p>múltiplo, ela tenta desenhar dessa forma a nova composição literária que</p><p>denota as margens e as resultantes do processo colonial, desta vez sob a</p><p>perspectiva de quem recebeu a herança. Acreditamos que os Estudos pós-</p><p>coloniais tentam fazer justiça a condição de produção e os contextos, nos</p><p>quais, nasceram essas escritas.</p><p>O projeto da história literária pós-colonial se organiza em três eixos de</p><p>acordo com Moura (2013). O primeiro: é o da história literária dos países</p><p>onde o uso da língua francesa deriva da colonização; em seguida o dos</p><p>países francófonos encontrados nas relações de territórios de colonização</p><p>e por �m, a história dos escritores que são migrantes e que vieram das</p><p>regiões que foram colonizadas. Posteriormente, estudos sobre as</p><p>escrituras diaspóricas a�rmam que a história das literaturas africanas de</p><p>expressão francesa iniciou, de fato, nos anos 1950. Conforme Philippe</p><p>(2012, p. 31-32, tradução nossa):</p><p>Essencialmente com uma vontade de dar vista ao mundo de toda a riqueza das</p><p>civilizações negras, em reação contra a política de assimilação cultural cara ao</p><p>colonizador, se distingue facilmente várias correntes e períodos essencialmente</p><p>marcados pelo �m do período colonial – a França celebrou em 2010 o cinquentenário</p><p>das independências africanas –, as independências e isso que os anglo-saxões de�niram</p><p>como o pós-colonial6.</p><p>Assim, podemos entender a diferença entre a literatura francesa e</p><p>francófona, e nesse sentido, analisar pontos fundamentais, quais sejam as</p><p>origens do conceito de Négritude e como essa expressão se integrou aos</p><p>poemas. Voltando ao ponto em questão, notamos que; para Dominique</p><p>Combe (2010a) a francofonia pode ser uma invenção do pós-</p><p>colonialismo. Durante os anos de 1960, o adjetivo francofone surgiu e</p><p>foi contextualizado no mundo, a partir do círculo literário que envolveu</p><p>as produções feitas em língua francesa, fora da França. Essas literaturas</p><p>publicadas em outros territórios foram, naturalmente, quali�cadas de</p><p>francesas. Essa prática que consiste em naturalizar é recorrente,</p><p>principalmente, na Europa quando se trata de eventos acadêmicos e</p><p>políticos que tem entre seus objetivos mostrar que o compartilhamento</p><p>cultural é algo comum entre países que dominaram e que foram</p><p>colonizados.</p><p>Esta prática tem de certo modo a intencionalidade de suavizar as</p><p>resultantes do processo de colonização que geralmente suprimiu, parcial</p><p>ou totalmente, as culturas que foram dominadas: as línguas e práticas</p><p>religiosas que caracterizavam determinados povos são exemplos. Nesse</p><p>aspecto vimos em História geral da África VII: África sob dominação</p><p>colonial, 1880-1935 (BOAHEN, 2010) menção às várias revoltas ocorridas</p><p>neste período,</p><p>de pétales de laurier-rose</p><p>Ses cils</p><p>ses sourcils secrets</p><p>et purs comme des hiéroglyphes</p><p>Ses cheveux bruissants</p><p>comme un feu roulant de brosse la nuit.</p><p>Tes yeux</p><p>ta bouche hâ !</p><p>ton secret qui monte à la nuque...</p><p>Des choses vaines.</p><p>Ce n’est pas le savoir qui nourrit ton peuple</p><p>que �orescerão de minha nomeação</p><p>– Mas, o nome da Ausente é inefável.</p><p>Suas mãos de alísios</p><p>que curam as febres</p><p>Suas pálpebras de pele</p><p>e de pétalas de oleandro</p><p>Seus cílios</p><p>suas sobrancelhas secretas</p><p>e puras como os hieróglifos</p><p>Seus cabelos ardentes</p><p>como um fogo circulante de pincel; a noite.</p><p>Teus olhos</p><p>tua boca hâ!</p><p>teu segredo que sobe ao pescoço...</p><p>Das coisas vãs.</p><p>Esse não é o saber que alimenta teu povo</p><p>Ce sont les mets que tu leur sers par les mains</p><p>du kôriste</p><p>et par la voix.</p><p>Woï !</p><p>donc salut à la Souriante</p><p>qui donne le sou�e à mes narines,</p><p>qui coup le sou�e à mes narines</p><p>et engorge ma gorge</p><p>Salut à la Présente</p><p>qui me fascine par le regard noir du mamba,</p><p>tout constellé d’or</p><p>et de vert</p><p>Et je suis colombe-serpent,</p><p>sa morsure m’engourdit avec délice.</p><p>VII</p><p>Qu’ils soient néant</p><p>les distrait aux yeux</p><p>Estes são os usos que tu lhe serves pelas mãos do</p><p>corista</p><p>e pela voz.</p><p>Canto!</p><p>portanto, saudação à Sorridente</p><p>que dá o fôlego às minhas narinas,</p><p>que sopra nas minhas narinas</p><p>e engasga minha garganta</p><p>Saudação à Presente</p><p>que me fascina pelo olhar negro de mamba, todo</p><p>constelado de ouro</p><p>e de verde</p><p>E eu sou colombo-serpente</p><p>e sua mordida me entorpece com prazer.</p><p>VII</p><p>Que eles sejam vazio,</p><p>distrai-os aos olhos</p><p>blancs de perle</p><p>Qu’ils soient néant</p><p>les yeux</p><p>et les oreilles,</p><p>la tête qui ne prend racine dans la poitrine, et</p><p>bien plus bas</p><p>jusqu’à la racine du ventre.</p><p>Car à quoi bon le manche sans la lame</p><p>et la �eur sans le fruit ?</p><p>Mais vous ô jeunes �lles,</p><p>chantez la victoire du Lion</p><p>dans l’humide soleil de Juin</p><p>Je dis</p><p>chantez le diamant qui naît</p><p>des cendres de la Mort</p><p>brancos de pérola</p><p>Que eles sejam vazio</p><p>os olhos</p><p>e as orelhas,</p><p>a cabeça que não se enraíza no peito</p><p>e bem mais embaixo,</p><p>até a raiz do ventre.</p><p>Para que serve o cabo sem a lâmina</p><p>e a �or sem o fruto?</p><p>Mas, vocês: ô jovens meninas,</p><p>cantem a vitória do</p><p>no úmido sol de Junho.</p><p>Eu digo:</p><p>cantem o diamante que nasce</p><p>Ô chantez</p><p>la Présente qui nourrit</p><p>le Poète du lait noir de l’amour.</p><p>Vous êtes belles jeunes �lles,</p><p>et vos gorges d’or</p><p>jeunes feuilles</p><p>par la voix du Poète.</p><p>Les mots s’envolent</p><p>et se froissent au sou�e du Vent d’Est, comme</p><p>les monuments des hommes</p><p>sous les bombes sou�antes</p><p>Mais</p><p>le poème est lourd de lait</p><p>et le cœur du Poète brûle</p><p>un feu sans poussière.</p><p>das cinzas da Morte</p><p>Ô cantem</p><p>a Presente que alimenta</p><p>o Poeta do leite negro do amor.</p><p>Vocês são belas jovens meninas</p><p>e suas gargantas douradas,</p><p>jovens folhas</p><p>pela voz do Poeta.</p><p>As palavras voam</p><p>e enrugam-se ao sopro do Vento do Leste, como os</p><p>monumentos dos homens</p><p>sob as bombas soprantes</p><p>Mas,</p><p>o poema é pesado de leite</p><p>e o coração do Poeta queima</p><p>um fogo sem poeira.</p><p>O poema foi publicado pela primeira vez em “Cadernos do Sul” (Cahier</p><p>du Sud, n. 317, 1953). Composto em sete cantos, ele é uma celebração da</p><p>Ausente, uma das �guras femininas: “A ausência é algo que não diz o seu</p><p>nome e o faz corpo com o ser do poeta. É a vacuidade em si, na qual, os</p><p>limites não são de�nidos. O poema ‘A Ausente’ prova bem que o poeta se</p><p>polariza sobre esse tema” (GNALÉGA, 2013, p. 86, tradução nossa).139 A</p><p>ausência, assim como a distância, é também tema “Em Nova Iorque” (À</p><p>New York). Esses itens são presenti�cados: a linha entre o passado e o</p><p>presente é tênue; frequente aspecto da poesia modernista. As paisagens</p><p>urbanas e personalidades africanas são homenageadas.</p><p>O processo eleitoral pode ser lido nos versos, especi�camente a</p><p>campanha de 1951, o auge da carreira política de Senghor. Ao se referir às</p><p>jovens no presente, a voz lírica contém o discurso do estadista e do poeta,</p><p>o Dyâli140. Na primeira parte outras funções estão associadas à criação</p><p>�gurativa de faces que, ao longo do texto, consolidam identidades. Esse</p><p>traço pode ser lido em “o Atleta (o esbelto), o Chefe (representado pelo</p><p>Leão verde e o emblema da cabeça de ouro), o Condutor (do povo), o</p><p>fundador (de cidade ou de Estado). Aquele que fala quer evitar todo</p><p>equívoco: Eu digo bem; eu sou o Dyâli”141 (BRUNEL, 2007, p. 291,</p><p>tradução nossa, grifo do autor).</p><p>A celebração se apresenta sobre representação misteriosa e polivalente</p><p>que constitui o título e o poema integralmente; a princesa, a rainha, a</p><p>etiopiana. A fala do Dyâli apresenta a força dos povos africanos inscrita</p><p>na narrativa e poesia tradicional. A natureza é a ferramenta de criação</p><p>que se conduz de maio ao solstício de junho, próximo ao início do verão.</p><p>Imagem e o símbolo misturam: a poética africana e a ocidental; a</p><p>mitologia própria dos etiópicos e a esperança na religião católica, a qual,</p><p>se quer mecanismo de compartilhamento.</p><p>Nos versos “Jovens meninas com gargantas verdes”, o “Leão temerário”, o</p><p>“leão verde” são as primeiras evocações ao Senegal. O “Campeão”, o</p><p>esbelto, trata-se de um herói celebrado nas festas ginásticas. As noivas</p><p>compunham cantos ginásticos em homenagem a seus “negros esbeltos”,</p><p>explica-se: “Entre os Sereres, uma adolescente, para estar realizada, deve se</p><p>mostrar poetisa de talento cantando seu Negro esbelto”142 (BRUNEL</p><p>apud SENGHOR, 1988, p.123, tradução nossa). Os rastros literários que</p><p>in�uenciaram o poeta se revelam em “Minha cabeça não é de ouro”, mais</p><p>especi�camente, o teatro de Paul Claudel. A Cabeça de ouro (Tête d’or,</p><p>1890) é a peça de teatro, na qual, o rei ferido em seu leito de morte, ele se</p><p>dirigiu ao Sol, seu protetor e emblema, chamado leão. Por não usar “os</p><p>altos desígnios” na cabeça, nem portar braceletes pesados, as mãos</p><p>apresentam-se nuas. A metáfora do homem político, Condutor do povo,</p><p>o “dogma como o Fundador” é do Estado, a nação. Diante da cidade das</p><p>quatro portas, as palavras ditas “eu sou o Dyâlli”. Brunel (2007, p. 905,</p><p>tradução nossa, grifo do autor) contextualiza sobre o destaque:</p><p>Senghor coloca em seu Léxico uma de�nição desta palavra por aproximação com a</p><p>história literária ocidental: um trovador da África. Pode parecer surpreendente que ele</p><p>empreste ao mandigue e negligencie o termo serere usual kawul (plural: gawul). A</p><p>sonoridade da palavra mandigue, mas igualmente, o prestígio ligado ao império do Mali</p><p>explique, provavelmente, essa escolha (e a comparação, cronologicamente justi�cada,</p><p>com o trovador.143</p><p>Na segunda estrofe, as Jovens meninas de “longos pescoços” cantam</p><p>para a Ausência e o lugar é o altar. A “Princesa no altar” é a tradução</p><p>encontrada para a expressão “en allée” (BRUNEL apud VERLAINE, 1992,</p><p>p.151) termo derivado da poética de Paul Verlaine. No contexto usual,</p><p>poderia ter sido traduzido por: 1) na rua; 2) na entrada ou 3) no início.</p><p>Optamos, entretanto por “no altar”, considerando as alusões feitas à peça</p><p>de Claudel, assim como os apontamentos de Brunel. A repetição de</p><p>“Minha glória” exalta os feitos presenti�cados, pois a vida, a existência</p><p>permite que canto e encantar sejam expressões passíveis, notando a</p><p>elevação que seguirá em repetições que interpelam a natureza, fauna e</p><p>�ora. Desta vez a representação da metáfora maior, a África, está evidente</p><p>na descrição da praia e seu léxico marítimo de espuma, azevém, areia.</p><p>Leymus arenarius é uma espécie de grama psamó�la da família Poaceae,</p><p>nativa das costas do Atlântico e do norte da Europa. É conhecido como</p><p>azevém, grama de lyme do mar ou grama de lyme. As ondas, as gaivotas,</p><p>as colinas e o vento encerram sobre o odor dos túmulos. A luz e o</p><p>esplendor são sinônimos de beleza, assim como cantar a Ausência. As</p><p>carrinhas, carroças alentejana e algarvias aludem ao verso de Saint-John</p><p>Perse “Todas coisas vazias debaixo da carrinha da memória”144 (BRUNEL,</p><p>2007, p. 292, tradução nossa) que é transcrito no poema, quase que</p><p>integralmente.</p><p>Na terceira estrofe, a noite de inverno e o congelamento são</p><p>sinestésicas, eles indicam o estado de tempo no clima e o tempo</p><p>incontrolável. A expressão mûrit</p><p>de gel poderia também ser traduzida por</p><p>maduro, amadurecido, gelo, gel, geada. Possui signi�cado variante, que se</p><p>compõe assimilando “os assobios” que atravessam o coração. Podemos</p><p>interpretá-la como um sopro, a insegurança, a dúvida que divide as</p><p>pontas de diamante que corta, incisivas lâminas. As concubinas são o</p><p>elemento poético da representação do Reino da infância, uma vez que</p><p>elas reportam as mulheres que vivem em torno do homem africano</p><p>tradicional, certamente, as mulheres que cuidaram de Senghor durante a</p><p>infância no Senegal.</p><p>O eco surdo comparado ao �anco e as costas são as planícies do</p><p>cruci�cado. Enigmas jogam com o sentido de “morro de não morrer” e</p><p>“morro de viver”, a hipérbole sobre o coração ausente, repetido por “A</p><p>Ausente” grafada sempre com maiúsculas. O primeiro enunciado alude</p><p>ao poema de Paul Éluard de 1924, o qual, foi colocado como epígrafe no</p><p>início da célebre frase de Santa Teresa de Ávila “Que morro porque não</p><p>morro” / “Vivo sem viver em mim”145 (BRUNEL, 2007, p. 292, tradução</p><p>nossa). A cor da pele de “carne marrom”, a Rainha de Sabá que consta na</p><p>narrativa do Antigo Testamento, no Alcorão e na história. Era soberana</p><p>do antigo Reino de Sabá que provavelmente corresponde aos territórios</p><p>da Etiópia e do Iémen. A rainha anunciou os �amejantes que poderiam</p><p>ter sido traduzidos por chamas, porém, optamos pelo primeiro sentido,</p><p>também para manter a semelhança grá�ca. Sem obliterar as explicações</p><p>dadas por Brunel (id., p.926-927, tradução nossa, grifo do autor);</p><p>A lendária rainha de Sabá, negra e bela, foi amada de Salomão. Seu reino se estendia</p><p>sobre uma vasta região que compreendia a atual Etiópia. Haïlé Sélassié I dito o Négrus</p><p>(1892-1975) tinha sido o último descendente de Menelique, o �lho que ela teria tido de</p><p>Salomão (aproximadamente 950 A.C). Salomão, rei de Israel, �lho de Davi e de Betsabé</p><p>(972-932 A.C), seu reino marca o apogeu do poder de Israel. Salomão casou com a �lha</p><p>do faraó, passou a ter aliança com Hirão I de Tiro, dotou-se de uma frota, construiu o</p><p>Templo, e também um palácio real e praças fortes, deteve um exército com cavalaria e</p><p>carros, instalou en�m uma administração territorial e�caz. A tradição insiste na sua</p><p>sabedoria que teria atraído à Jerusalém a rainha de Sabá. São atribuídos à Salomão o</p><p>“Cânticos dos cânticos”, o “Eclesiástico”, os “Provérbios”, a “Sabedoria” e os “Salmos”.146</p><p>A “Boa Nova” é anunciada pelas colinas, ou seja, vem de outro lugar e</p><p>os cameleiros de longo curso são os portadores. É essencialmente o</p><p>evangelho que anuncia a vinda do cristo, que aparecerá, mais adiante</p><p>com a nomeação de cruci�cado. Na quarta estrofe, as “jovens meninas de</p><p>seios empinados” cantam a primavera anunciada. A chuva que cai, seco</p><p>espaço de seis meses, não deixa nenhum broto nascer. A força e rasgadura</p><p>do “vento do deserto” (BRUNEL, 2007, p. 911) o Harmatã é comparado</p><p>aos dentes do trigonocéfalo. A revolta de areias, o redemoinho de pruína,</p><p>palhas, cascas, asas e bainhas estão mortas, secas forçadas ao vento a</p><p>“erosão da razão”. O Harmatã invade as gargantas no deserto vazio. Os</p><p>andarilhos notam o surgimento da seiva que faz nascer os brotos,</p><p>rapazes, ostras peroladas debaixo dos manguezais.</p><p>As “jovens meninas” são convocadas, o canto da seiva sobe pelas</p><p>“gargantas empinadas”. Verde, a Primavera ao claro “mitam de Maio”, o</p><p>destaque derivado de mito, o verde tenro é glori�cado em meio ao</p><p>êxtase. As cores são marcadas: verde, amarelo (o claro das �ores) as</p><p>acácias, o brilho das estrelas esplêndidas. O cochlospermum é uma planta</p><p>tropical amarela “loira, como o amarelo (�avus, em latim) a �oração das</p><p>acácias e também essa dos cochlospermum, tipo de trepadeira”147 (id., p.</p><p>293, tradução nossa). O dourado é reiterado em “a inteligência do Sol”, o</p><p>corte profundo, o ouro das savanas. O verde é a ternura integrando as</p><p>cores da Ausência e a metonímia do pescoço (o corpo) que tudo observa,</p><p>comovido.</p><p>Na quinta estrofe espaços são visualizados: aldeias, as lojas, subúrbios e</p><p>os ateliês das manufaturas são descritos na emigração (das esposas) para</p><p>casa materna. Os lamarques é um termo não africano; que signi�ca</p><p>comandantes, a palavra em serere é lam. Brunel (2007, p. 925, tradução</p><p>nossa)</p><p>Os bens públicos vendidos ao leilão, os Grandes organizam suas mulheres em conjunto</p><p>carvão-aço”, a última expressão foi traduzida do pool charbon-acier que foi a primeira</p><p>manifestação da união econômica europeia, no início “expressão forjada pelos</p><p>economistas europeus nos anos de 1950 para designar uma comunidade de bens de</p><p>produção e de consumo148.</p><p>As imagens das tendas roxas, os cruzamentos, ruas bloqueadas</p><p>evidenciam elementos que associam o contexto político e as andorinhas</p><p>são delicadas lembranças da terra natal. A chegada da “Tão Boa Nova” se</p><p>refere ao período de maio ao solstício de junho, momento em que se</p><p>renova o ano “essa hora que está entre primavera e o verão”149 (BRUNEL</p><p>apud CLAUDEL, 1906, p. 329) ou seja, no solstício de junho “ano da</p><p>derrota e no ano da esperança”. O mamífero da África, o dromedário,</p><p>demonstra pesados “graves”, encarregado de beleza. A mulher etiopiana é</p><p>dourada, madura, incorruptível como o ouro. Traços físicos sobre as</p><p>mulheres estão descritos em “rosto �no sorridente” e adornada com</p><p>“pentagrama”, o selo do rei Salomão, a estrela de cinco pontas é um</p><p>símbolo encantado característico na cultura Peul.</p><p>A saudação �el é dedicada à “Sorridente”, em elogio leal, provavelmente</p><p>uma das “jovens meninas”. Elas são exaltadas pela marca singular do</p><p>sorriso e forma física. A palavra corista que signi�ca, em sentido</p><p>primeiro, pessoa que canta em um coro é também termo especí�co</p><p>“Tocador de kora. Neologismo criado por Senghor”150 (BRUNEL, 2007,</p><p>p. 915, tradução nossa). A demência signi�ca estar completamente</p><p>apaixonado por alguém, a loucura. A “glória não está na lápide”, a voz</p><p>rígida e forte como pedra petri�cada é marcada pela kora, a voz justa. Ela</p><p>brota “na memória da Ausência” e reina sobre horizontes de vidro, frágeis</p><p>e transparentes no futuro. Jovens meninas, tornam-se maduras,</p><p>alimentam o povo. A “Ausência é inefável” e as mãos que possuem os</p><p>ventos alísios, entre os dedos, curam as febres. A febre pode também ser a</p><p>política, a in�ação, aquilo que incomoda o povo, o mal curado. Partes do</p><p>corpo são relacionadas: pálpebras de pele e de pétalas de oleandro. A</p><p>espirradeira ou loendro que são plantas demonstram formas de</p><p>externalizar o incômodo, o que deve ser direcionado para fora do corpo,</p><p>o que sobra entre as vias aéreas do corpo humano. Ainda no campo</p><p>visual, os cílios e sobrancelhas são puros comparados aos hieróglifos.</p><p>Cabelos ardentes elencam imagens do fogo, circulando para ilustrar a</p><p>noite. Neste verso a tradução que optamos para feu foi a imediata: fogo,</p><p>mas também poderia ser farol, aquele que ilumina: olhos, boca, o</p><p>segredo, o mistério cobre o corpo que sobe ao pescoço. Re�exões sobre</p><p>“coisas vãs” são dispensadas, pois é o tipo de conhecimento que alimenta</p><p>o povo. O corista, novamente externaliza voz, o canto. A palavra woï, em</p><p>wolof, pode signi�car surpresa, indignação e admiração. A “Sorridente”</p><p>dá o fôlego às narinas, soprando, preenchendo e engasgando a garganta.</p><p>Em “Saudação à Presente”, conclui-se que as jovens meninas são mulheres</p><p>fascinantes e que possuem o olhar negro de mamba, a serpente africana,</p><p>das mais conhecidas no mundo. Igualmente à cobra verde, na mesma</p><p>cor, as jovens meninas se vestem; no verso encontramos “todo constelado</p><p>de ouro e de verde”. A voz lírica, nomeada colombo-serpente tem na</p><p>mordida o veneno que entorpece; diferente das mambas que são</p><p>venenosas e rápidas, ao contrário, ele entorpece “com prazer e lentidão”.</p><p>Na última parte o “vazio distrai-os aos olhos brancos de pérola” é o</p><p>olhar perdido, absorto. Os olhos, as orelhas e a cabeça não se enraízam</p><p>no peito, e sim na raiz do ventre. Podemos considerar o sexo em si, a</p><p>relação carnal. O questionamento “Para que serve o cabo sem a lâmina e</p><p>a �or sem o fruto?” retoma a re�exão sobre as jovens meninas que devem</p><p>cantar a “vitória do Leão”, África</p><p>exaltada no úmido sol. O verso lembra o</p><p>solstício, fenômeno que ocorre duas vezes por ano, em junho e</p><p>dezembro. As pedras preciosas como o diamante são forjadas “das cinzas</p><p>da Morte”. O canto para “Presente” que está visível é o alimento do “Poeta</p><p>do leite negro”, aquele nascido na África. A beleza das jovens meninas é</p><p>ilustrada pelas suas “gargantas de ouro” que cantam, assim como a voz</p><p>lírica. A metáfora do voo das palavras anuncia o “Vento do Leste”, o</p><p>Harmatã, dentre os homens e a paisagem. O poema é o “coração do</p><p>Poeta” que queima fogo sem poeira.</p><p>À NEW YORK (Em Nova Iorque)</p><p>(pour un orchestre de jazz : solo de trompette)</p><p>New York !</p><p>D’abord j’ai été confondu par ta beauté,</p><p>ces grandes �lles d’or</p><p>aux jambes longues.</p><p>Si timide</p><p>d’abord devant tes yeux de métal bleu,</p><p>ton sourire de givre</p><p>Si timide.</p><p>Et l’angoisse au fond des rues</p><p>à gratte-ciel</p><p>Levant des yeux de chouette</p><p>parmi l’éclipse du soleil.</p><p>Sulfureuse ta lumière et les fûts livides,</p><p>dont les têtes foudroient le ciel</p><p>Les gratte-ciel</p><p>(para uma orquestra de jazz: solo de trompete)</p><p>Nova Iorque!</p><p>Primeiro eu fui confundido pela tua beleza, essas</p><p>altas jovens douradas</p><p>de pernas longas.</p><p>Tão tímido</p><p>primeiro diante teus olhos de metal azul,</p><p>teu sorriso de geada</p><p>Tão tímido.</p><p>E a angústia no fundo das ruas</p><p>ao arranha-céu</p><p>Nascente dos olhos de coruja</p><p>entre o eclipse do sol.</p><p>Sulfurosa tua luz e os barris lívidos,</p><p>cuja as cabeças reluzem o céu</p><p>Os arranha-céus</p><p>qui dé�ent les cyclones</p><p>sur leurs muscles d’acier</p><p>et leur peau patinée de pierres.</p><p>Mais</p><p>quinze jours</p><p>sur les trottoirs chauves</p><p>de Manhattan</p><p>- C’est au bout de la troisième semaine</p><p>que vous saisit la �èvre</p><p>en un bond de jaguar</p><p>Quinze jours</p><p>sans un puits</p><p>ni pâturage,</p><p>tous les oiseaux de l’air</p><p>Tombant soudain</p><p>et morts</p><p>que desa�am os ciclones</p><p>sobre seus músculos de aço</p><p>e sua pele condensada de pedras.</p><p>Mas,</p><p>quinze dias</p><p>sobre as calçadas calvas</p><p>de Manhattan</p><p>- É ao �m da terceira semana</p><p>que você apreende a febre</p><p>em um salto de jaguar</p><p>Quinze dias</p><p>sem um poço</p><p>nem pastagem,</p><p>todos os pássaros do ar</p><p>Caindo de repente</p><p>e mortos</p><p>sous les hautes cendres</p><p>des terrasses.</p><p>Pas un rire d’enfant en �eur,</p><p>sa main</p><p>dans ma main fraîche</p><p>Pas un sein maternel,</p><p>des jambes de nylon.</p><p>Des jambes et des seins</p><p>sans sueur</p><p>ni odeur.</p><p>Pas un mot tendre en l’absence de lèvres, rien</p><p>que des cœurs arti�ciels</p><p>payés en monnaie forte</p><p>Et pas un livre où lire la sagesse.</p><p>La palette du peintre �eurit</p><p>des cristaux de corail.</p><p>debaixo das altas cinzas</p><p>dos terraços.</p><p>Nem um riso de criança em �or,</p><p>sua mão</p><p>na minha mão fresca</p><p>Nem um seio materno,</p><p>as pernas de náilon.</p><p>As pernas e os seios</p><p>sem suor</p><p>nem odor.</p><p>Nenhuma palavra terna na ausência de lábios,</p><p>nada além dos corações arti�ciais</p><p>pagos com moeda forte</p><p>E nenhum livro onde ler a sabedoria.</p><p>A paleta do pintor �oresce</p><p>dos cristais de coral.</p><p>Nuits d’insomnie</p><p>ô nuits de Manhattan !</p><p>si agitée de feux follets,</p><p>tandis que les klaxons hurlent</p><p>des heures vides</p><p>Et que les eaux obscures charrient</p><p>des amours hygiéniques,</p><p>tels des �euves en crue</p><p>des cadavres d’enfants.</p><p>II</p><p>Voici le temps des signes et des comptes</p><p>New York !</p><p>or voici le temps</p><p>de la manne</p><p>de l’hysope.</p><p>Il n’est que d’écouter les trombones de Dieu,</p><p>ton cœur battre</p><p>Noites de insônia</p><p>ô noites de Manhattan!</p><p>tão agitadas de faróis de luz,</p><p>enquanto que as buzinas gritam</p><p>horas vazias</p><p>E que as águas obscuras carregam</p><p>os amores higiênicos,</p><p>como rios em inundação</p><p>dos cadáveres de crianças.</p><p>II</p><p>Eis o tempo dos sinais e das contas</p><p>Nova Iorque!</p><p>eis aqui o tempo</p><p>do maná</p><p>de um hissopo.</p><p>É só escutar os trombones de Deus,</p><p>teu coração bate</p><p>au rythme du sang</p><p>de ton sang.</p><p>J’ai vu dans Harlem bourdonnant de bruits</p><p>de couleurs</p><p>solennelles</p><p>et d’odeurs �amboyantes</p><p>- C’est l’heure du thé chez le livreur-en-</p><p>produits-pharmaceutiques</p><p>J’ai vu se préparer la fête de la Nuit</p><p>à la fuite du jour.</p><p>Je proclame la Nuit</p><p>plus véridique que le jour</p><p>C’est l’heure pure où dans les rues,</p><p>Dieu fait germer la vie</p><p>no ritmo do sangue</p><p>de teu sangue.</p><p>Eu vi no Harlem zumbindo ruídos</p><p>de cores</p><p>solenes</p><p>e de odores �amejantes</p><p>- É a hora do chá no entregador-em-produtos-</p><p>farmacêuticos</p><p>Eu vi se preparar a festa da Noite</p><p>para a fuga do dia.</p><p>Eu proclamo a Noite</p><p>mais verídica que o dia</p><p>É a hora pura onde nas ruas,</p><p>Deus faz germinar a vida</p><p>d’avant</p><p>mémoire</p><p>Tous les éléments</p><p>amphibies rayonnants</p><p>comme des soleils.</p><p>Harlem Harlem !</p><p>voici ce que j’ai vu Harlem Harlem !</p><p>Une brise verte de blés sourdre</p><p>des pavés labourés</p><p>par les pieds nus</p><p>de danseurs Dans</p><p>Croupes ondes de soie</p><p>et seins de fers de lance,</p><p>ballets de nénuphars</p><p>et de masques fabuleux</p><p>Aux pieds des chevaux de police,</p><p>les mangues de l’amour</p><p>rouler des maisons basses.</p><p>Et j’ai vu le long des trottoirs,</p><p>des ruisseaux de rhum blanc</p><p>des ruisseaux de lait noir</p><p>de antes</p><p>memória</p><p>Todos os elementos</p><p>anfíbios radiantes</p><p>como os sóis.</p><p>Harlem Harlem!</p><p>eis que eu vi Harlem Harlem!</p><p>Uma brisa verde de trigo surdo</p><p>os pavimentos arados</p><p>pelos pés nus</p><p>de dançarinos Dans</p><p>Cintas de ondas de seda</p><p>e seios de ferros de lança,</p><p>balé de nenúfares</p><p>e de máscaras fabulosas</p><p>Aos pés dos cavalos de polícia,</p><p>as mangas do amor</p><p>rolar das casas baixas.</p><p>E eu vi o longo das calçadas,</p><p>os riachos de rum branco</p><p>os riachos de leite negro</p><p>dans le brouillard bleu de cigares.</p><p>J’ai vu le ciel neiger au soir</p><p>des �eurs de coton</p><p>et des ailes de séraphins</p><p>et des panaches de sorciers.</p><p>Écoute New York !</p><p>ô écoute ta voix mâle de cuivre</p><p>ta voix vibrante de hautbois,</p><p>l’angoisse bouchée de tes larmes tomber</p><p>en gros caillots de sang</p><p>no nevoeiro azul de charutos.</p><p>Eu vi o céu nevar a noite</p><p>as �ores de algodão</p><p>e as asas de sera�ns</p><p>e os panaches de feiticeiros.</p><p>Escute Nova Iorque!</p><p>ô escute tua voz masculina de cobre</p><p>tua voz vibrante de oboé,</p><p>a angústia mordida de tuas lágrimas cair</p><p>em grandes coágulos de sangue</p><p>Écoute au loin battre ton cœur nocturne,</p><p>rythme et sang du tam-tam,</p><p>tam-tam sang</p><p>et tam-tam.</p><p>III</p><p>New York !</p><p>je dis New York,</p><p>laisse a�uer le sang noir</p><p>dans ton sang</p><p>Qu’il dérouille tes articulations d’acier,</p><p>comme une huile de vie</p><p>Qu’il donne à tes ponts</p><p>la courbe des croupes</p><p>et la souplesse des lianes.</p><p>Voici revenir les temps très anciens,</p><p>l’unité retrouvée</p><p>la réconciliation du Lion</p><p>du Taureau</p><p>et de l’Arbre</p><p>L’idée liée à l’acte</p><p>l’oreille au cœur</p><p>le signe au sens.</p><p>Escute ao longe bater teu coração noturno, ritmo</p><p>e sangue do tantã,</p><p>tantã sangue</p><p>e tantã.</p><p>III</p><p>Nova Iorque!</p><p>eu digo Nova Iorque,</p><p>deixa derramar o sangue negro</p><p>no teu sangue</p><p>Que ele movimente tuas articulações de aço, como</p><p>um óleo de vida</p><p>Que ele dê a teus pontos</p><p>curva das cintas</p><p>e a �exibilidade das lianas.</p><p>Eis que regressam os tempos mais antigos,</p><p>a unidade reencontrada</p><p>a reconciliação do Leão</p><p>do Touro</p><p>e da Árvore</p><p>A ideia ligada ao ato</p><p>o ouvido ao coração</p><p>o sinal ao sentido.</p><p>Voilà tes �euves bruissants de caïmans</p><p>musqués</p><p>et de lamantins aux yeux de mirage.</p><p>Et nul besoin d’inventer les Sirènes.</p><p>Mais</p><p>il su�t d’ouvrir les yeux</p><p>à l’arc-en-ciel d’Avril</p><p>Et les oreilles,</p><p>surtout les oreilles</p><p>à Dieu</p><p>Eis teus rios sonoros de crocodilos almiscarados</p><p>e de lamantins aos olhos de miragem.</p><p>E não é preciso inventar as Sereias.</p><p>Mas,</p><p>é su�ciente abrir os olhos</p><p>ao arco-íris de Abril</p><p>E os ouvidos,</p><p>sobretudo os ouvidos</p><p>a Deus</p><p>qui d’un rire de saxophone créa le ciel</p><p>et la terre en six jours.</p><p>En le septième jour,</p><p>il dormit du grand sommeil nègre.</p><p>que de um riso de saxofone criou o céu</p><p>e a terra em seis dias.</p><p>No sétimo dia,</p><p>ele dormiu o grande sono negro.</p><p>“Em Nova Iorque” (À New York) foi publicado pela primeira vez no ano</p><p>de 1967. Constituído em três estrofes, cada uma delas reporta uma visão</p><p>sobre a megalópole que dá título ao texto: O “branco de Manhattan”</p><p>(Harlem); a cidade em sua representatividade, pródigos da tecnologia e</p><p>arquitetura (os arranha-céus). Além da violência e os artifícios da cidade</p><p>branca, percebe-se o aspecto solidário aos negros que vivem na cidade e o</p><p>olhar sobre</p><p>o lugar ameaçado pela esclerose e paralisia. Um elogio à</p><p>mestiçagem de raça e culturas integra o poema. É em Etiópicos, o que</p><p>mais exigiu consulta dos signi�cados e variantes, para que se pudesse</p><p>fazer a escolha mais adequada dentre as traduções dos termos.</p><p>Senghor conheceu a cidade ao cumprir uma missão da Organização</p><p>das Nações Unidas (ONU), a qual, as lembranças foram pulverizadas na</p><p>descrição de sensações. No subtítulo, a introdução efetiva dos sons que</p><p>devem acompanhar os versos, a cidade integra-se à orquestra de jazz,</p><p>intensi�cada num solo de trompete. O lugar observado de perto, nos</p><p>Estados Unidos, permite um olhar desa�ador sobre a cidade. Tem-se um</p><p>espaço geográ�co deslocável, no espaço-tempo onde o leitor tem a</p><p>mudança da África para outro cenário. O tempo presente mostra a voz</p><p>lírica seduzida pela beleza urbana e as mulheres (exaltadas, assim como,</p><p>as personalidades históricas ou �ctícias africanas foram nos anteriores).</p><p>Essas mulheres são chamadas de “altas jovens de ouro com pernas</p><p>longas”, as jovens “douradas” são referenciadas a partir da beleza física e</p><p>expressão.</p><p>A timidez descrita sob “olhos de metal azul” se conforma com a</p><p>estrutura da cidade; os recursos e as ferramentas modernas são</p><p>personalizados. O “sorriso gelado”, a temperatura da cidade está descrita</p><p>nas sinestesias que aproxima lexicalmente a pele, o tato. A angústia é o</p><p>termo que se repete, reforçando um dos efeitos da vida nos grandes</p><p>centros urbanos. Ao fundo, as ruas e os arranha-céus elevam construções</p><p>representativas. Algumas vezes, a marca cristã existencialista se faz</p><p>símbolo, condensando homens e Deus. Os olhos cumprem função</p><p>móvel, pois eles mostram as janelas sobre os “olhos de coruja” e entre o</p><p>“eclipse do sol”. Os olhos de coruja estão habituados à noite, o eclipse do</p><p>sol retoma o evangelho que trata sobre a morte do Cristo, designando</p><p>um mundo sem alma, tenebroso. As duas faces do momento, o eclipse do</p><p>sol torna a escuridão uma capa que se une ao espaço frio; a sulfurosa luz</p><p>(imagem do inferno, o enxofre) e os barris lívidos reluzem o céu. As</p><p>cabeças reluzentes são inspiradas no relâmpago do céu desa�ado “na</p><p>Teogonia de Hesíodo (século VII A.C) a empreitada dos Gigantes contra</p><p>os deuses do Olimpo”151 (BRUNEL, 2007, p. 296, tradução nossa).</p><p>Os “barris lívidos” podem ser os pilares de uma arquitetura ausente,</p><p>pois se referem aos brancos arranha-céus da ilha. O vazio, o mundo</p><p>estéril de Nova Iorque, já foi traduzido por Paul Claudel em 1894. Os</p><p>arranha-céus são personi�cados, pois eles são desa�adores de ciclones,</p><p>seus músculos de aço e pele são condensados de pedras e têm a feição de</p><p>Manhattan. A sinestesia, exempli�ca-se pela a ótica dos sentidos. A febre,</p><p>cólera e delírio exultam um salto de jaguar. Aos homens que nesta cidade</p><p>não tem “um poço nem pastagem” e os pássaros do ar representam um</p><p>sonho de liberdade que nunca chegou, independente do lugar. O negro</p><p>vive preso, emparedado em si mesmo “Caindo de repente e mortos</p><p>debaixo das altas cinzas dos terraços”. Con�namento tem nome de “um</p><p>riso de criança”, de um jovem. O frio denotado pelo tato em “sua mão na</p><p>minha mão fresca” é o segundo elemento sinestésico. “As pernas e os</p><p>seios sem suor nem odor” con�rmam sensação do clima, no qual, se forja</p><p>a solidão no tempo presente. A palavra “terna” e a “ausência de lábios”</p><p>nada provoca nos corações arti�ciais capitalistas; “pagos com moeda</p><p>forte”. Ausentes de si, não há “livro onde ler a sabedoria”, o saber</p><p>tradicional é apenas nostalgia.</p><p>A inventividade integra a noite de insônia em Manhattan, ela é recriada</p><p>em cena agitada de “faróis de luz” e as buzinas que “gritam” as horas</p><p>vazias. A prosopopeia recorrente transforma seres inanimados e formas</p><p>com atitudes humanas. As águas obscuras carregam os “amores</p><p>higiênicos” como rios em inundação: “Mundo estéril porque esterilizado,</p><p>no sentido higiênico do termo que serve aqui de epíteto ao amor em si</p><p>ou a isto que ele se tornou”152 (BRUNEL, 2007, p. 295, tradução nossa).</p><p>Na segunda estrofe “Nova Iorque” é o marcador temporal; enquanto</p><p>que maná evidencia as marcas cristãs, pois signi�ca o alimento que foi</p><p>enviado por Deus aos israelitas no deserto; é um líquen comumente</p><p>encontrado naquela região, levado pelo vento ou por gafanhotos. O</p><p>hissopo é um arbusto encontrado nas rochas áridas das regiões</p><p>mediterrâneas e asiáticas, do qual se usam as �ores para fazer infusão</p><p>estimulante. Nos “Salmos” bíblicos constam que a puri�cação pode ser</p><p>realizada com este arbusto. Os hebreus, por exemplo, utilizavam para</p><p>aspergir a loucura (CHINGOTA, 2016). Os “trombones de Deus” são</p><p>comparados ao ritmo do coração, conforme o “Apocalipse”.</p><p>O “Harlem zumbindo ruídos de cores solenes e de odores �amejantes”</p><p>faz clara alusão ao bairro de Manhattan, onde habitam muitos negros. A</p><p>hora do chá antecede a festa da Noite, “[...] o que a civilização arti�cial</p><p>substitui à Natureza, sem respeitar a pausa noturna do ciclo natural”153</p><p>(BRUNEL, 2007, p. 296, tradução nossa) a fuga para do dia seguinte. A</p><p>“Noite mais verídica que o dia” marca o tempo das ruas em que os</p><p>“anfíbios radiantes como os sóis” estão presentes nos dois momentos do</p><p>ciclo natural, do dia e da noite.</p><p>Exaltação ao Harlem. A visão sobre o bairro “pavimentos arados pelos</p><p>pés nus de dançarinos Dans” no verso o termo destacado não foi</p><p>traduzido. Pois em uma primeira leitura, pode se ter interpretação</p><p>imediata, devido ser também uma preposição. Mas, ao se averiguar mais</p><p>atentamente, constatamos que se trata da alusão a um povo africano: os</p><p>Dans que podem ser encontrados na Costa do Mar�m e a Libéria e pode</p><p>signi�car também, crianças ou dançarinos. Assim as imagens se</p><p>misturam: ondas de seda, seios de ferros de lança, balé de nenúfares e</p><p>máscaras fabulosas criam uma ilustração imaginária. A polícia montada</p><p>circula por entre as casas baixas e as calçadas, enquanto os riachos de</p><p>“rum branco” (o whisky americano) e os “de leite negro” remetem ao</p><p>teatro de Claudel “A árvore” (L’Arbre, 1901). O verso se completa pelo</p><p>nevoeiro azul da fumaça dos charutos, o céu neva à noite e as �ores de</p><p>algodão são metáfora das asas de sera�ns, a mistura de feiticeiros. Ao</p><p>interpelar a interlocutora, Nova Iorque, tem-se o som vibrante de um</p><p>instrumento o oboé. A angústia na boca morde as lágrimas que caem;</p><p>gotas em coágulos de sangue. A batida no coração noturno, torna-se o</p><p>ritmo e sangue do tantã.</p><p>Na última estrofe, a cidade de Nova Iorque deixa “derramar o sangue</p><p>negro”, ou seja, permite se misturar sem nuance pejorativa. O movimento</p><p>em articulações de aço pode ser as máquinas ou o homem e a máquina, o</p><p>óleo de vida faz funcionar as engrenagens da cidade. Remontam-se os</p><p>tempos mais antigos da unidade reencontrada na reconciliação do “Leão,</p><p>do Touro e da Árvore”, segue mais uma imagem bíblica: o anúncio da</p><p>chegada do Messias. A audição dá ouvido ao coração que se interliga aos</p><p>sentidos. E na passagem temporal, a África é inserida a partir dos rios</p><p>sonoros, misturando os “crocodilos almiscarados” e os “lamantins aos</p><p>olhos de miragem”. E sobre não precisar “inventar as Sereias”, Brunel</p><p>(2007, p. 295, tradução nossa, grifo do autor) explicou:</p><p>À uma mitologia de escola, mesmo se ela precede Homero, ele prefere uma nova versão</p><p>da criação do mundo, e uma versão negra, como o foi na música de Darius Milhaud,</p><p>quando em 1923, ele veio se iniciar à tradição do jazz. As roupas concebidas por Fernand</p><p>Léger para esse balé, A criação do mundo, eram no estilo destas que usam os dançarinos</p><p>africanos durante as cerimônias religiosas.154</p><p>A relação dos africanos com a dança é ancestral. No verso, “Mas é</p><p>su�ciente abrir os olhos ao arco-íris de abril” que prenuncia o �m da</p><p>primavera e a chegada do verão, o “arco no céu” contém a promessa de</p><p>um novo amanhecer. Aos ouvidos restam “Deus que de um riso de</p><p>saxofone criou o céu e a terra em seis dias”; a criação do mundo sob a</p><p>perspectiva musical, propõe-se um sopro de vida, a um “sopro” musical.</p><p>O jazz se compõe fonte, não de inspiração, mas de existência. Ao encerrar</p><p>com “No sétimo dia, ele dormiu o</p><p>grande sono negro”, tem-se a reiteração</p><p>existencialista de um Deus compartilhado por todos; a humanidade</p><p>talvez, a civilização universal imaginada pelo senegalês.</p><p>CHAKA</p><p>poème dramatique à plusieurs voix</p><p>AUX MARTIRS BANTOUS DE L’AFRIQUE</p><p>DU SUD</p><p>CHANT I</p><p>(sur un fond sonore de tam-tam funèbre)</p><p>UNE VOIX BLANCHE</p><p>Chaka,</p><p>te voilà comme la panthère</p><p>ou l’hyène à-la-mauvaise-gueule</p><p>À la terre clouée par trois sagaies,</p><p>promis au néant</p><p>poema dramático para várias vozes</p><p>AOS MÁRTIRES BANTOS DA ÁFRICA DO SUL</p><p>CANTO I</p><p>(em um fundo sonoro de tantã fúnebre)</p><p>UMA VOZ BRANCA</p><p>Chaka,</p><p>eis que tu estás como a pantera</p><p>ou a hiena com a boca suja</p><p>À terra pregada por três lanças,</p><p>prometidas ao nada,</p><p>lamentando.</p><p>vagissant.</p><p>Te voilà donc à ta passion.</p><p>Ce �euve de sang qui te baigne,</p><p>qu’il te soit pénitence.</p><p>CHAKA (visage calme)</p><p>Oui me voilà entre deux frères,</p><p>deux traîtres</p><p>deux larrons</p><p>Deux imbéciles hâ !</p><p>non certes comme l’hyène, mais</p><p>Comme le Lion d’Éthiopie</p><p>tête debout.</p><p>Eis então à tua paixão.</p><p>Este rio de sangue que te banha,</p><p>que ele te seja penitência.</p><p>CHAKA (rosto calmo)</p><p>Sim eis que estou entre dois irmãos,</p><p>dois traidores</p><p>dois ladrões</p><p>Dois imbecís há!</p><p>Não exatamente como a hiena, mas</p><p>Como o Leão d’Etiópia:</p><p>cabeça levantada.</p><p>Me voilà rendu à la terre.</p><p>Qu’il est radieux la Royaume d’enfance !</p><p>Et c’est la �n de ma passion.</p><p>LA VOIX BLANCHE</p><p>Chaka</p><p>tu trembles dans l’ultime Sud</p><p>et le Soleil éclate de rire</p><p>au zénith.</p><p>Obscur dans le jour</p><p>ô Chaka,</p><p>tu n’entends pas les haut- bois des palombes.</p><p>Rien que la lame claire de ma voix</p><p>qui te transperce les sept cœurs.</p><p>CHAKA</p><p>Voix</p><p>Voix blanche de l’Outre-mer,</p><p>mes yeux de l’intérieur éclairent</p><p>la nuit diamantine.</p><p>Eis que estou de volta à terra.</p><p>Que é o radiante Reino da infância!</p><p>E é o �m da minha paixão.</p><p>A VOZ BRANCA</p><p>Chaka</p><p>tu tremes no último Sul</p><p>e o Sol gargalha de rir</p><p>ao zênite.</p><p>Obscuro no dia</p><p>ô Chaka,</p><p>tu não escutas o poleiro - madeira das pombas.</p><p>Nada além do que a lâmina clara da minha voz</p><p>que te transpassa os sete corações.</p><p>CHAKA</p><p>Voz...</p><p>Voz branca de Além-mar,</p><p>meus olhos do interior clareiam</p><p>a noite diamantina.</p><p>Il n’est pas besoin du faux jour.</p><p>Ma poitrine est le bouclier</p><p>contre quoi se brise ta foudre.</p><p>C’est la rosée de l’aube sur les tamarins,</p><p>et mon soleil s’annonce à l’horizon de verre.</p><p>J’entends le roucoulement méridien de</p><p>Nolivé,</p><p>j’exulte dans l’intime de mes os.</p><p>LA VOIX BLANCHE</p><p>Hâ-hâ- hâ- hâ !</p><p>Chaka, c’est bien à toi de me parler de</p><p>Nolivé,</p><p>de ta bonne-et-belle �ancée</p><p>Au cœur de beurre aux yeux de pétales de</p><p>nénuphars,</p><p>Não é preciso um dia falso.</p><p>Meu peito é o escudo</p><p>contra o qual se quebra teu raio.</p><p>É o orvalho da alvorada nos saguins,</p><p>e meu sol se anuncia ao horizonte de vidro.</p><p>Eu escuto o arrulho meridiano de Nolivé,</p><p>eu exulto no íntimo dos meus ossos.</p><p>A VOZ BRANCA</p><p>Hâ-hâ- hâ- hâ!</p><p>Chaka, é bom que tu me fales</p><p>de Nolivé,</p><p>de tua boa-e-bela noiva</p><p>O coração de manteiga aos olhos de pétalas de</p><p>nenúfares,</p><p>aux paroles douces de source.</p><p>Tu l’as tuée la Bonne-et-belle,</p><p>pour échapper à ta conscience.</p><p>CHAKA</p><p>Hê !</p><p>que me parles-tu de science ?...</p><p>Mais si,</p><p>je l’ai tuée,</p><p>tandis qu’elle contait les pays bleus</p><p>Je l’ai tuée oui !</p><p>d’une main sans tremblement.</p><p>Un éclair d’acier �n</p><p>dans le buisson odorant de l’aisselle.</p><p>LA VOIX BLANCHE</p><p>Tu avoues donc Chaka !</p><p>avoueras-tu les millions d’hommes</p><p>as conversas doces de fonte.</p><p>Tu a matou a Boa-e-bela,</p><p>para escapar da tua consciência.</p><p>CHAKA</p><p>Hê!</p><p>que me falas de ciência? ...</p><p>Mas se,</p><p>eu a matei,</p><p>enquanto ela contava os países azuis</p><p>Eu a matei sim!</p><p>com a mão sem tremor.</p><p>Um raio de aço �no</p><p>no arbusto perfumado da axila.</p><p>A VOZ BRANCA</p><p>Tu confessas então Chaka!</p><p>confessas tu os milhões de homens</p><p>por ti exterminados?</p><p>pour toi exterminés</p><p>Des régiments entiers des femmes lourdes</p><p>et des enfants de lait ?</p><p>Toi,</p><p>le grand pourvoyeur des vautours</p><p>et des hyènes,</p><p>le poète du Vallon-de-la-Mort</p><p>On cherchait un guerrier,</p><p>tu ne fus qu’un boucher.</p><p>Les ravins sont torrents de sang,</p><p>la fontaine source de sang</p><p>Les chiens sauvages hurlent à la mort</p><p>dans les plaines où plane l’aigle de la Mort</p><p>Ô Chaka</p><p>toi Zoulou,</p><p>Regimentos inteiros de mulheres pesadas</p><p>e crianças de leite?</p><p>Tu,</p><p>o grande fornecedor dos gabarolas</p><p>e das hienas,</p><p>o poeta do Vale-da-Morte,</p><p>Procurava-se um guerreiro,</p><p>tu não foste além de um carniceiro.</p><p>As ravinas são torrentes de sangue,</p><p>a fonte origem de sangue</p><p>Os cães selvagens uivam a morte</p><p>nas planícies onde plana a águia da Morte</p><p>Ô Chaka!</p><p>tu Zulu,</p><p>toi plus-que-peste</p><p>et feu roulant de brousse !</p><p>CHAKA</p><p>Une basse-cour cacardante,</p><p>une sourde volière de mange-mils</p><p>oui !</p><p>Oui</p><p>des cent régiments bien astiqués,</p><p>velours peluché aigrettes de soie,</p><p>luisants de graisse comme cuivre rouge.</p><p>J’ai porté la cognée dans ce bois mort, allumé</p><p>l’incendie</p><p>dans la brousse stérile</p><p>En propriétaire prudent.</p><p>C’étaient cendres</p><p>pour les semailles d’hivernage.</p><p>tu mais-que-maldição</p><p>e fogo rolando de arbusto!</p><p>CHAKA</p><p>Um cercado cacardante,</p><p>uma surda gaiola de policiais corrompidos sim!</p><p>Sim!</p><p>os cem regimentos bem polidos,</p><p>veludos fofos com cristas de seda,</p><p>brilho de gordura como cobre vermelho.</p><p>Levei o machado naquela madeira morta,</p><p>iluminada pelo incêndio</p><p>no mato estéril</p><p>Em proprietário prudente.</p><p>Eram cinzas</p><p>para as sementeiras de inverno.</p><p>A VOZ BRANCA</p><p>LA VOIX BLANCHE</p><p>Comment ?</p><p>Pas un mot de regret...</p><p>CHAKA</p><p>On regrette le mal.</p><p>LA VOIX BLANCHE</p><p>Le plus grand mal,</p><p>c’est de voler la douceur des narines</p><p>CHAKA</p><p>Le plus grand mal,</p><p>c’est la faiblesse des entrailles</p><p>Como?</p><p>Nem uma palavra de arrependimento...</p><p>CHAKA</p><p>Lamentamos o mal.</p><p>A VOZ BRANCA</p><p>O grande mal,</p><p>é roubar a doçura das narinas</p><p>CHAKA</p><p>O grande mal,</p><p>é a fraqueza das entranhas</p><p>LA VOIX BLANCHE</p><p>La faiblesse du cœur est pardonnée.</p><p>CHAKA</p><p>La faiblesse du cœur est sainte...</p><p>Ah !</p><p>tu crois que je ne l’ai pas Aimée</p><p>Ma Négresse blonde d’huile de palme</p><p>à la taille de plume</p><p>Cuisses de loutre en surprise</p><p>et de neige du Kilimandjaro</p><p>Seins de rizières mûres</p><p>et de collines d’acacias</p><p>sous le Vent d’Est</p><p>Nolivé aux bras de boas,</p><p>aux lèvres de serpent-minutes</p><p>Nolivés aux yeux de constellation –</p><p>point n’est besoin de lune</p><p>pas de tam-tam</p><p>Mais sa voix dans ma tête</p><p>A VOZ BRANCA</p><p>A fraqueza do coração é perdoada.</p><p>CHAKA</p><p>A fraqueza do coração é santa...</p><p>Ah!</p><p>tu crês que eu não tenho, a amada</p><p>Minha Negra dourada de óleo de palma</p><p>no tamanho de pena</p><p>Coxas de lontra em surpresa,</p><p>e de neve do Kilimanjaro,</p><p>Seios de arrozais maduros,</p><p>e de colinas de acácias</p><p>sob o Vento de Leste</p><p>Nolivé aos braços de serpentes,</p><p>aos lábios de cobras-cegas</p><p>Nolivês aos olhos de constelação –</p><p>ponto não precisa de lua</p><p>nem de tantã</p><p>Mais sua voz na minha cabeça</p><p>et le pouls �évreux de la nuit !...</p><p>Ah !</p><p>tu crois que je ne l’ai pas aimée !</p><p>Mais ces longues années,</p><p>cet écartèlement sur la roue des années,</p><p>ce carcan qui étranglait toute action</p><p>Cette longue nuit sans sommeil...</p><p>J’errais cavale du Zambèze,</p><p>courant et ruant aux étoiles</p><p>Rongée d’un mal sans nom</p><p>comme d’un léopard sur le garrot.</p><p>Je ne l’aurais pas tuée si moins aimée.</p><p>Il fallait échapper au doute</p><p>À l’ivresse du lait de sa bouche,</p><p>e o pulso febril da noite! ...</p><p>Ah!</p><p>tu crês que eu não a amei!</p><p>Mas estes longos anos,</p><p>essa tortura sobre a roda dos anos,</p><p>este jugo que estrangulava toda ação</p><p>Essa longa noite sem sono...</p><p>Eu vaguei no cavalo Zambeze,</p><p>correndo e chutando as estrelas</p><p>Corroído pelo mal sem nome</p><p>como um leopardo sobre a cernelha.</p><p>Eu não a teria matado se não a amasse.</p><p>Era preciso fugir à dúvida,</p><p>À embriaguez do leite de sua boca,</p><p>au tam-tam lancinant</p><p>de la nuit de mon sang</p><p>À mes entrailles de laves ferventes,</p><p>aux mines d’uranium de mon cœur</p><p>dans les abîmes de ma Négritude</p><p>À mon amour Nolivé</p><p>Pour l’amour de mon Peuple noir.</p><p>LA VOIX BLANCHE</p><p>Ma parole Chaka,</p><p>tu es poète...</p><p>ou beau parleur...</p><p>un politicien !</p><p>CHAKA</p><p>Des courriers m’avaient dit :</p><p>“Ils débarquent avec des règles,</p><p>des équerres</p><p>des compas</p><p>ao tantã lancinante</p><p>da noite de meu sangue</p><p>Nas minhas entranhas</p><p>de lavas ferventes,</p><p>as minas de urânio do meu coração</p><p>nos abismos de minha Negritude</p><p>Ao meu amor Nolivé</p><p>Para o amor de meu Povo negro.</p><p>A VOZ BRANCA</p><p>Minha palavra Chaka,</p><p>tu és poeta...</p><p>ou boa lábia...</p><p>um político!</p><p>CHAKA</p><p>Havia cartas que me diziam:</p><p>“Eles desembarcam com as regras,</p><p>de esquadros</p><p>dos compassos</p><p>des sextants</p><p>“L’épiderme blanc les yeux clairs,</p><p>la parole nue et la bouche mince</p><p>“Le tonnerre sur les navires.”</p><p>Je devins une tête un bras sans tremblement,</p><p>ni guerrier</p><p>ni boucher</p><p>Un politique tu l’as dit</p><p>– je tuai le poète</p><p>– un homme d’action seul</p><p>Un homme seul</p><p>et déjà mort avant les autres,</p><p>comme ceux que tu plains.</p><p>Qui saura ma passion ?</p><p>dos sextantes</p><p>“A epiderme branca os olhos claros,</p><p>a fala nua e a boca �na</p><p>“O trovão sobre os navios.”</p><p>Tornei-me uma cabeça um braço sem tremor, nem</p><p>guerreiro</p><p>nem carniceiro</p><p>Um político que tu disseste</p><p>– eu matei o poeta</p><p>– um homem de ação solitária</p><p>Um homem só</p><p>e já morto antes dos outros,</p><p>como aqueles a quem queixas.</p><p>Quem saberá a minha paixão?</p><p>LA VOIX BLANCHE</p><p>Un homme intelligent</p><p>qui a des oublis singuliers.</p><p>Mais écoute Chaka</p><p>et te souviens.</p><p>LA VOIX DU DEVIN ISSANOUSSI</p><p>(lointaine)</p><p>Ré�échis bien Chaka,</p><p>je ne te force pas :</p><p>je ne suis qu’un devin</p><p>un technicien.</p><p>Le pouvoir ne s’obtient sans sacri�ce,</p><p>le pouvoir absolu exige le sang</p><p>l’être</p><p>le plus cher.</p><p>UNE VOIX (comme de Chaka, lointaine)</p><p>Il faut mourir en�n,</p><p>A VOZ BRANCA</p><p>Um homem inteligente</p><p>que tem esquecimentos singulares.</p><p>Mas, escute Chaka</p><p>e te lembras...</p><p>A VOZ DO ADIVINHO ISSANOUSSI (distante)</p><p>Re�ete bem Chaka,</p><p>eu não te forço:</p><p>eu sou apenas um adivinho,</p><p>um técnico.</p><p>O poder não se obtém sem o sacrifício,</p><p>o poder absoluto exige o sangue</p><p>o ser</p><p>o mais caro.</p><p>UMA VOZ (como de Chaka, distante)</p><p>É preciso morrer en�m,</p><p>tudo aceitar...</p><p>tout accepter...</p><p>Demain mon sang arrosera ta médecine,</p><p>comme le lait la sécheresse du couscous</p><p>Devin disparais de ma face !</p><p>On accorde à tout condamné quelques heures</p><p>d’oubli.</p><p>CHAKA (il se réveille en sursaut)</p><p>Non non Voix blanche,</p><p>tu le sais bien...</p><p>LA VOIX BLANCHE</p><p>Que le pouvoir fut bien ton but...</p><p>CHAKA</p><p>Un moyen...</p><p>Amanhã meu sangue regará a tua medicina, como</p><p>o leite à seca do cuscuz</p><p>Adivinho desaparece da minha frente!</p><p>Nós damos a todo condenado algumas horas de</p><p>esquecimento.</p><p>CHAKA (ele acorda em sobressalto)</p><p>Não, não, Voz branca,</p><p>tu o sabes bem...</p><p>A VOZ BRANCA</p><p>Que o poder foi bem teu objetivo...</p><p>CHAKA</p><p>Um meio...</p><p>LA VOIX BLANCHE</p><p>Tes délices...</p><p>CHAKA</p><p>Mon calvaire.</p><p>Je voyais dans un songe</p><p>tous les pays aux quatre coins</p><p>de l’horizon</p><p>soumis à la règle,</p><p>à l’équerre</p><p>et au compas</p><p>Les forêts fauchées</p><p>les collines anéanties,</p><p>vallons</p><p>et �euves dans les fers.</p><p>Je voyais les pays aux quatre coins de</p><p>l’horizon</p><p>A VOZ BANCA</p><p>Tuas delícias...</p><p>CHAKA</p><p>Meu calvário.</p><p>Eu via num sonho</p><p>todos os países dos quatro cantos</p><p>do horizonte</p><p>sujeito à regra,</p><p>ao esquadro</p><p>e ao compasso</p><p>As �orestas ceifadas</p><p>as colinas destruídas,</p><p>vales</p><p>e rios nos ferros.</p><p>Eu via os países aos quatro cantos do horizonte</p><p>sob a grelha traçada</p><p>sous la grille tracée</p><p>par les doubles routes de fers</p><p>Je voyais les peuples du Sud</p><p>comme une fourmilière de silence</p><p>Au travail.</p><p>Le travail est saint,</p><p>mais le travail n’est plus le geste</p><p>Le tam-tam</p><p>ni la voix ne rythment plus</p><p>les gestes des saisons.</p><p>Peuples du Sud dans les chantiers,</p><p>les ports</p><p>les mines</p><p>les manufactures</p><p>Et le soir ségrégés dans les kraals de la</p><p>misère.</p><p>pelas duplas estradas de ferro</p><p>Eu via os povos do Sul</p><p>como um formigueiro de silêncio</p><p>No trabalho.</p><p>O trabalho é santo,</p><p>mas o trabalho já não é mais o gesto.</p><p>O tantã,</p><p>nem a voz não ritmam mais</p><p>os gestos das estações.</p><p>Povos do Sul nos estaleiros,</p><p>os portos,</p><p>as minas,</p><p>as manufaturas.</p><p>E à noite segregados nos kraals da miséria.</p><p>Et les peuples entassent des montagnes d’or</p><p>noir</p><p>d’or rouge</p><p>– et ils crèvent de faim.</p><p>Et je vis un matin,</p><p>sortant de la brume de l’aube,</p><p>la forêt</p><p>des têtes laineuses</p><p>Les bras fanés le ventre cave,</p><p>des yeux et de lèvres immenses</p><p>appelant un dieu impossible.</p><p>Pouvais-je rester sourd à tant de sou�rances</p><p>bafouées ?</p><p>LA VOIX BLANCHE</p><p>Ta voix est rouge de haine Chaka...</p><p>E os povos amontoam montanhas de ouro negro</p><p>dourado vermelho</p><p>– e eles estão morrendo de fome.</p><p>E eu vi uma manhã,</p><p>saindo da névoa da alvorada,</p><p>a �oresta,</p><p>as cabeças de lã...</p><p>Os braços enfraqueceram o estômago fundo,</p><p>os olhos e os lábios imensos</p><p>chamando um deus impossível.</p><p>Poderia eu permanecer surdo a tanto sofrimento</p><p>desprezado?</p><p>A VOZ BRANCA</p><p>Tua voz é vermelha de ódio Chaka...</p><p>CHAKA</p><p>CHAKA</p><p>Je n’ai haï que l’oppression...</p><p>LA VOIX BLANCHE</p><p>De cette haine qui brûle le cœur.</p><p>La faiblesse du cœur est sainte,</p><p>pas cette tornade de feu.</p><p>CHAKA</p><p>Ce n’est pas haïr que d’aimer son peuple.</p><p>Je dis qu’il n’est pas de paix armée,</p><p>de paix sous l’oppression</p><p>De fraternité sans égalité.</p><p>J’ai voulu tous les hommes frères.</p><p>LA VOIX BLANCHE</p><p>Tu as mobilisé le Sud contre les Blancs...</p><p>Eu só odiei a opressão...</p><p>A VOZ BRANCA</p><p>Do ódio que queima o coração.</p><p>A fraqueza do coração é santa,</p><p>não esse tornado de fogo.</p><p>CHAKA</p><p>Amar o nosso povo não é odiar.</p><p>Eu digo que não é a paz armada,</p><p>de paz sob a opressão</p><p>De fraternidade sem igualdade.</p><p>Eu quis todos os homens irmãos.</p><p>A VOZ BRANCA</p><p>Tu mobilizaste o Sul contra os Brancos...</p><p>CHAKA</p><p>Ah !</p><p>te voilà Voix Blanche,</p><p>voix partiale</p><p>voix endormeuse.</p><p>Tu es la voix des forts contre les faibles,</p><p>la conscience des possédants de l’Outre-mer.</p><p>Je n’ai pas haï les Roses d’oreilles.</p><p>Nous les avons reçus</p><p>comme les messagers des dieux</p><p>Avec des paroles plaisantes</p><p>et des boissons exquises.</p><p>Ils ont voulu des marchandises,</p><p>nous avons tout donné :</p><p>des ivoires de miel</p><p>et de peaux d’arc-en-ciel</p><p>Des épices de l’or,</p><p>CHAKA</p><p>Ah!</p><p>Tu és Voz Branca,</p><p>voz parcial</p><p>voz enganadora.</p><p>Tu és a voz dos fortes contra os fracos,</p><p>a consciência dos possuidores do Ultramar.</p><p>Eu não odiei as Rosas de orelhas.</p><p>Nós as recebemos</p><p>como os mensageiros dos deuses.</p><p>Com palavras agradáveis</p><p>e bebidas requintadas.</p><p>Eles queriam as mercadorias,</p><p>nós demos tudo:</p><p>Os mar�ns de mel</p><p>e peles de arco-íris.</p><p>Das especiarias douradas,</p><p>pierres précieuses</p><p>perroquets</p><p>et singes que sais-je ?</p><p>Dirai-je leurs présents rouillés,</p><p>leurs poudreuses verroteries ?</p><p>Oui</p><p>en apprenant leurs canons,</p><p>je devins une tête</p><p>La sou�rance devint mon lot,</p><p>celle de la poitrine et de l’esprit.</p><p>LA VOIX BLANCHE</p><p>La sou�rance acceptée d’un cœur pieux est</p><p>rédemption...</p><p>CHAKA</p><p>Et la mienne fut acceptée...</p><p>pedras preciosas,</p><p>papagaios</p><p>e macacos: que sei eu?</p><p>Que direi dos seus presentes enferrujados,</p><p>suas pulverulentas bijuterias?</p><p>Sim!</p><p>aprendendo os seus canhões,</p><p>tornei-me uma cabeça.</p><p>O sofrimento tornou-se o meu destino,</p><p>este do peito e do espírito.</p><p>A VOZ BRANCA</p><p>O sofrimento aceito de um coração piedoso é</p><p>redenção...</p><p>CHAKA</p><p>E a minha foi aceita...</p><p>LA VOIX BLANCHE</p><p>D’un cœur contrit</p><p>CHAKA</p><p>Pour l’amour de mon peuple noir.</p><p>LA VOIX BLANCHE</p><p>L’amour de Nolivé</p><p>et des couchés du Vallon-de-la Mort ?</p><p>CHAKA</p><p>Pour l’amour de ma Nolivé.</p><p>Pourquoi le répéter ?</p><p>Chaque mort fut ma mort.</p><p>Il fallait préparer les moissons à venir</p><p>Et la meule à broyer la farine</p><p>si blanche</p><p>A VOZ BRANCA</p><p>De um coração arrependido</p><p>CHAKA</p><p>Pelo amor de meu povo negro.</p><p>A VOZ BRANCA</p><p>O amor de Nolivé</p><p>e dos adormecidos do Vale-da-morte?</p><p>CHAKA</p><p>Pelo amor de minha Nolivé.</p><p>Porque repetir?</p><p>Cada morte foi a minha morte.</p><p>Devíamos ter preparado a colheita que viria</p><p>E a mó para esmagar a farinha</p><p>tão branca</p><p>des tendresses noires.</p><p>LA VOIX BLANCHE</p><p>Il sera beaucoup pardonné</p><p>à qui aura beaucoup sou�ert...</p><p>CHANT II</p><p>(tam-tam d’amour, vif )</p><p>CHAKA</p><p>(il a fermé les yeux un moment; il les rouvre</p><p>et longuement les �xes vers l’Est, visage grave</p><p>rayonnant)</p><p>Voici la Nuit qui vient,</p><p>ma bonne-et-belle Nuit</p><p>la lune louis d’or.</p><p>das ternuras negras.</p><p>A VOZ BRANCA</p><p>Será bem perdoado,</p><p>quem muito sofreu...</p><p>CHANT II</p><p>(tantã de amor, vivo)</p><p>CHAKA</p><p>(ele fechou os olhos um momento; ele os abre e</p><p>longamente os �xa em direção ao Leste,</p><p>rosto sério</p><p>e brilhante)</p><p>Eis a noite que vem,</p><p>minha boa-e-bela Noite</p><p>A lua luva de ouro.</p><p>J’entends le roucoulement au matin de</p><p>Nolivé,</p><p>la pomme-cannelle qui roule dans l’herbe</p><p>parfumée.</p><p>LE CHŒUR</p><p>Il va donc nous quitter !</p><p>Comme il est noir !</p><p>C’est l’heure de la solitude.</p><p>Célébrons le Zoulou,</p><p>que nos voix le confortent.</p><p>Bayété Bâba! Bayété ô Zoulou!</p><p>LE CORYPHÉE</p><p>Et comme il est splendide !</p><p>C’est l’heure de la re-naissance.</p><p>Le poème est mûr au jardin d’enfance,</p><p>c’est l’heure de l’amour.</p><p>Eu ouço a rouquidão de manhã de Nolivé,</p><p>a maçã canela que rola na grama perfumada.</p><p>O CORO</p><p>Ele vai então nos deixar!</p><p>Como ele é negro!</p><p>É a hora da solidão.</p><p>Celebramos o Zulu,</p><p>que as nossas vozes o confortem.</p><p>Bayété Bâba! Bayété ô Zulu!</p><p>O CORIFEU</p><p>E como ele é esplêndido!</p><p>É a hora do re-nascimento.</p><p>O poema está maduro no jardim de infância,</p><p>é a hora do amor.</p><p>CHAKA</p><p>Ô minha noiva,</p><p>CHAKA</p><p>Ô ma �ancée,</p><p>j’ai longtemps attendu cette heure</p><p>Longtemps peiné pour cette nuit d’amour</p><p>sans �n,</p><p>sou�ert beaucoup beaucoup</p><p>Comme l’ouvrier à midi</p><p>salue la terre froide.</p><p>LE CORYPHÉE</p><p>C’est l’heure de l’amour dans la minute qui</p><p>précède</p><p>C’est Chaka seul,</p><p>dans la splendeur noire</p><p>élancée du nu</p><p>eu por muito tempo esperei esta hora...</p><p>Há muito que anseio por esta noite de amor sem</p><p>�m,</p><p>sofrido muito, muito</p><p>Como o trabalhador ao meio-dia</p><p>cumprimenta a terra fria.</p><p>O CORIFEU</p><p>É a hora do amor no minuto que precede</p><p>É Chaka sozinho,</p><p>no esplendor negro</p><p>esbelta nudez</p><p>Dans cette angoisse de la joie,</p><p>la densité du sexe</p><p>et de la gorge.</p><p>LE CHŒUR</p><p>Bayété Bâba! Bayété ô Bayété!</p><p>CHAKA</p><p>Mais</p><p>je ne suis pas le poème,</p><p>mais</p><p>je ne suis pas le tam-tam</p><p>Je ne suis pas le rythme.</p><p>Il me tient immobile,</p><p>il sculpte tout mon corps</p><p>comme une statue du Baoulé.</p><p>Non je ne suis pas le poème qui jaillit</p><p>de la matrice sonore</p><p>Nesta angústia da alegria,</p><p>a densidade do sexo</p><p>e da garganta.</p><p>O CORO</p><p>Bayété Bâba! Bayété ô Bayété!</p><p>CHAKA</p><p>Mas,</p><p>eu não sou o poema,</p><p>mas,</p><p>eu não sou o tantã...</p><p>Eu não sou o ritmo.</p><p>Ele me mantém imóvel,</p><p>ele esculpe todo o meu corpo</p><p>como uma estátua do Baoulé.</p><p>Não eu não sou o poema que jorra</p><p>da matriz sonora</p><p>Non je ne fais pas le poème,</p><p>je suis celui-qui-accompagne</p><p>Je ne suis pas la mère,</p><p>mais le père qui le tient dans ses bras</p><p>et le caresse</p><p>et tendrement lui parle.</p><p>LE CORYPHÉE</p><p>Ô Zoulou</p><p>ô Chaka !</p><p>Tu n’es plus le Lion rouge</p><p>dont les yeux incendient</p><p>les villages au loin.</p><p>Não eu não �z o poema,</p><p>eu sou esse-que-acompanha.</p><p>Eu não sou a mãe,</p><p>mas, o pai que o tem em seus braços</p><p>a carícia</p><p>e ternamente lhe fala.</p><p>O CORIFEU</p><p>Ô Zulu</p><p>ô Chaka!</p><p>Tu não és mais o Leão vermelho</p><p>que os olhos incendeiam</p><p>as vilas de longe.</p><p>LE CHŒUR</p><p>Bayété Bâba! Bayété ô Bayété!</p><p>LE CORYPHÉE</p><p>Tu n’es plus l’Éléphant qui piétine patates</p><p>douces,</p><p>qui arrache palmes d’orgueil.</p><p>LE CHŒUR</p><p>Bayété Bâba! Bayété ô Bayété!</p><p>LE CORYPHÉE</p><p>Tu n’es plus le Bu�e terrible plus que Lion et</p><p>plus l’Éléphant</p><p>Le Bu�e qui brise tout bouclier des braves.</p><p>“Ô mon père”</p><p>dit “ô ma mère”</p><p>le dos de la déroute.</p><p>LE CHŒUR</p><p>Bayété Bâba! Bayété ô Bayété!</p><p>O CORO</p><p>Bayété Bâba! Bayété ô Bayété!</p><p>O CORIFEU</p><p>Tu não és mais o Elefante que pisa batatas doces,</p><p>quem arranca palmeiras de orgulho.</p><p>O CORO</p><p>Bayété Bâba! Bayété ô Bayété!</p><p>O CORIFEU</p><p>Tu não és o Búfalo mais terrível que o Leão</p><p>e mais que o Elefante</p><p>O búfalo que quebra todos os escudos dos bravos.</p><p>“Ô meu pai”</p><p>diga “ô minha mãe”</p><p>às costas da derrota.</p><p>O CORO</p><p>Bayété Bâba! Bayété ô Bayété!</p><p>CHAKA</p><p>Ô ma �ancée,</p><p>j’ai longtemps attendu cette heure</p><p>Longtemps erré dans les steppes de la</p><p>jeunesse,</p><p>et à d’autres</p><p>la �ûte</p><p>et les mugissements de miel</p><p>Longtemps loin visité</p><p>les retraites des sages.</p><p>CHAKA</p><p>Ô minha noiva,</p><p>eu por muito tempo esperei esta hora.</p><p>Muito tempo vago nas estepes da juventude,</p><p>e aos outros</p><p>a �auta</p><p>e os mugidos de mel</p><p>Muito tempo longe visitou</p><p>os retiros dos sábios.</p><p>LE CHŒUR</p><p>Ô toi Zoulou !</p><p>toi le durement initié,</p><p>l’Oint des huiles viriles</p><p>�ls des tatouages patients !</p><p>CHAKA</p><p>J’ai longtemps parlé dans la solitude</p><p>des palabres</p><p>Et beaucoup beaucoup combattu</p><p>dans la solitude de la mort</p><p>Contre ma vocation.</p><p>Telle fut l’épreuve,</p><p>et le purgatoire du Poète.</p><p>LE CORYPHÉE</p><p>Tu es Zoulou par qui nous croissons dru,</p><p>les narines par quoi nous buvons la vie forte</p><p>Et tu es le Doué-d ’un-large-dos,</p><p>tu portes tous les peuples à peau noire.</p><p>LE CHŒUR</p><p>Bayété Bâba! Bayété ô Zoulou!</p><p>O CORO</p><p>Ô tu Zulu!</p><p>Tu que duramente iniciado,</p><p>os ungiram de óleos viris</p><p>�os tatuagens pacientes!</p><p>CHAKA</p><p>Eu muito tempo falei da solidão</p><p>das conversas</p><p>E muito, muito combatida</p><p>na solidão da morte</p><p>Contra minha vocação.</p><p>Esta foi a prova,</p><p>e o purgatório do Poeta.</p><p>O CORIFEU</p><p>Tu és Zulu por quem crescemos espesso,</p><p>as narinas pela qual nós bebemos a vida forte</p><p>Et tu és talentoso-de-largas-costas,</p><p>tu tens todos os povos de pele negra.</p><p>O CORO</p><p>Bayété Bâba! Bayété ô Zulu!</p><p>LE CORYPHÉE</p><p>Tu es l’athlète et le pagne est tombé,</p><p>et te regardent en mourant les guerriers.</p><p>C’est un alcool très doux qui fait trembler les</p><p>corps.</p><p>LE CHŒUR</p><p>Bayété Bâba! Bayété ô Zoulou!</p><p>O CORIFEU</p><p>Tu és atleta e a roupa caiu,</p><p>e te olhando morrendo: os guerreiros.</p><p>É um álcool muito doce que faz tremer o corpo.</p><p>O CORO</p><p>Bayété Bâba! Bayété ô Zulu!</p><p>LE CORYPHÉE</p><p>Tu es le danseur élancé</p><p>qui crée le rythme du tam-tam,</p><p>l’équilibré de ton buste</p><p>et des bras.</p><p>LE CHŒUR</p><p>Bayété Bâba! Bayété ô Zoulou!</p><p>LE CORYPHÉE</p><p>Je dis le fort</p><p>je dis bien</p><p>le généreux de ton sexe</p><p>L’amant de la Nuit aux cheveux d’étoiles</p><p>�lantes,</p><p>le créateur des paroles de vie</p><p>Le poète du Royaume d’enfance.</p><p>LE CHŒUR</p><p>Bien mort le politique, et vive le Poète !</p><p>CHAKA</p><p>Tam-tam,</p><p>rythme l’heure ine�able,</p><p>chante la Nuit et chante Novilé</p><p>Et vous ô Chœur</p><p>formez les veilles,</p><p>O CORIFEU</p><p>És o dançarino alto</p><p>quem cria o ritmo do tantã,</p><p>o equilíbrio do teu busto</p><p>e os braços.</p><p>O CORO</p><p>Bayété Bâba! Bayété ô Zulu!</p><p>O CORIFEU</p><p>Eu digo o forte</p><p>eu digo bem,</p><p>o generoso do teu sexo.</p><p>O amante da Noite com cabelos de estrelas</p><p>cadentes,</p><p>o criador das palavras da vida</p><p>O poeta do Reino da infância.</p><p>O CORO</p><p>Morto o político, e viva o Poeta!</p><p>CHAKA</p><p>Tantã,</p><p>ritmo à hora indizível,</p><p>canta a Noite e canta Novilé.</p><p>E vocês, ô Coro!</p><p>soyez-nous la garde d’amour</p><p>LE CORYPHÉE</p><p>Et nous voilà debout</p><p>aux portes de la Nuit,</p><p>buvant des contes très anciens</p><p>et mâchant des noix blanches.</p><p>façam as vigílias,</p><p>seja-nos a guarda do amor.</p><p>O CORIFEU</p><p>E eis que nós estaremos de pé</p><p>às portas da Noite,</p><p>bebendo os contos muito antigos</p><p>e mastigando nozes brancas.</p><p>Nous ne dormirons pas ah !</p><p>nous ne dormons pas</p><p>dans l’attente de la Bonne Nouvelle.</p><p>LE CHŒUR</p><p>Elle va mourir</p><p>Nolivé</p><p>dans l’aubier de sa chair n’deïssane !</p><p>Et à l’aube naîtra la Bonne Nouvelle.</p><p>CHAKA</p><p>Ô ma Nuit !</p><p>Ô ma Noire !</p><p>Ma Nolivé !</p><p>Cette grande faiblesse est morte</p><p>sous tes mains d’huile</p><p>Qui suit la peine.</p><p>C’est la chaleur des palmes dans la poitrine</p><p>Maintenant,</p><p>les aromates qui nourrissent les muscles</p><p>L’encens dans la chambre nuptiale,</p><p>qui fait les cœurs voyants.</p><p>Ô ma Nuit !</p><p>ô ma Blonde !</p><p>ma lumineuse sur les collines</p><p>Nós não dormiremos não, ah!</p><p>nós não dormimos</p><p>à espera da Boa Nova.</p><p>O CORO</p><p>Ela vai morrer</p><p>Nolivé</p><p>no alburno da sua carne n’deïssane!</p><p>E ao amanhecer nascerá a Boa Nova.</p><p>CHAKA</p><p>Ô minha Noite!</p><p>Ô minha Negra!</p><p>Minha Nolivé!</p><p>Esta grande fraqueza morreu</p><p>nas tuas mãos de óleo</p><p>Quem segue a sua pena.</p><p>É o calor das palmeiras no peito</p><p>Agora,</p><p>os aromas que alimentam os músculos</p><p>O incenso no quarto nupcial,</p><p>que faz os corações videntes.</p><p>Ô minha Noite!</p><p>ô minha Dourada!</p><p>minha luminosa sobre as colinas</p><p>Mon humide au lit de rubis,</p><p>ma Noire</p><p>au secret de diamant</p><p>Chair noire de lumière,</p><p>corps transparentes</p><p>comme au matin du jour premier.</p><p>Mais</p><p>Minha cama úmida de rubis,</p><p>minha Negra</p><p>ao segredo de diamante.</p><p>Carne negra de luz,</p><p>corpo transparente</p><p>como a manhã do primeiro dia.</p><p>Mas,</p><p>elle est morte</p><p>cette angoisse de la gorge,</p><p>lorsqu’on est nus</p><p>l’un devant l’autre</p><p>Et</p><p>soudain éblouis</p><p>et soudain froudoyés</p><p>par les yeux de l’Amant</p><p>Ah !</p><p>L’âme dévêtue</p><p>jusqu’à la racine et au roc.</p><p>Mais</p><p>elle est morte</p><p>cette angoisse</p><p>sous tes mains d’huile.</p><p>LE CHŒUR</p><p>Bayété Bâba! Bayété ô Zoulou!</p><p>CHAKA</p><p>Tam-tam au loin,</p><p>rythme sans voix</p><p>qui fait la nuit</p><p>et tous les villages au loin</p><p>Par-delà forêts et collines,</p><p>ela morreu,</p><p>essa angústia na garganta,</p><p>Assim que estamos nus,</p><p>um diante do outro.</p><p>E</p><p>subitamente deslumbrados,</p><p>e subitamente fulminados,</p><p>pelos olhos do Amante.</p><p>Ah!</p><p>A alma despida</p><p>até à raiz e à rocha.</p><p>Mas,</p><p>ela morreu,</p><p>essa angústia,</p><p>sob tuas mãos de óleo.</p><p>O CORO</p><p>Bayété Bâba! Bayété ô Zoulou!</p><p>CHAKA</p><p>Tantã ao longe,</p><p>ritmo sem voz</p><p>que faz a noite</p><p>e todas as vilas ao longe.</p><p>Para além das �orestas e colinas,</p><p>par-delà le sommeil des marigots...</p><p>Et moi je suis celui-qui-accompagne,</p><p>je suis le genou au �anc du tam-tam,</p><p>je suis la baguette sculptée</p><p>La pirogue qui fend le �euve,</p><p>la main qui sème dans le ciel,</p><p>le pied dans le ventre de la terre</p><p>para além do sono das carências...</p><p>E eu sou esse-que-acompanha,</p><p>eu sou o joelho ao �anco tantã,</p><p>eu sou a varinha esculpida</p><p>A canoa que atravessa o rio,</p><p>a mão que semeia o céu,</p><p>o pé no ventre da terra.</p><p>Le pilon qui épouse la courbe mélodieuse.</p><p>Je suis la baguette qui bat laboure</p><p>le tam-tam.</p><p>Qui parle de la monotonie ?</p><p>La joie est monotone</p><p>la beauté monotone</p><p>L’éternel</p><p>un sans nuage,</p><p>une forêt bleue sans un cri,</p><p>la voix toute seule</p><p>mais juste.</p><p>Dure</p><p>ce grand combat sonore,</p><p>cette lutte harmonieuse,</p><p>la sueur perles de rosée !</p><p>Mais non,</p><p>je vais mourir d’attente...</p><p>Que de cette nuit blonde</p><p>- ô ma Nuit</p><p>ô ma Noire</p><p>ma Nolivé –</p><p>Que du tam-tam surgisse le soleil du monde</p><p>nouveau.</p><p>(Chaka s’a�aisse doucement : il est mort)</p><p>O pilão que casa com a curva melodiosa.</p><p>Eu sou a varinha que bate o arado,</p><p>o tantã.</p><p>Quem fala da monotonia?</p><p>A alegria é monótona,</p><p>a beleza monótona.</p><p>O eterno</p><p>um sem nuvem,</p><p>uma �oresta azul sem um grito,</p><p>a voz sozinha,</p><p>mas justa.</p><p>Dura</p><p>este grande combate sonoro,</p><p>esta luta harmoniosa,</p><p>o suor: pérolas de orvalho!</p><p>Mas não,</p><p>eu vou morrer de esperar...</p><p>Que essa noite dourada</p><p>- ô minha Noite</p><p>ô minha Negra</p><p>minha Nolivé –</p><p>Que do tantã nasce o sol do novo mundo.</p><p>(Chaka cai suavemente: ele está morto)</p><p>LE CORYPHÉE</p><p>Aube blanche</p><p>aurore nouvelle</p><p>qui ouvres les yeux de mon peuple.</p><p>O CORIFEU</p><p>Aurora branca</p><p>aurora nova</p><p>que abre os olhos de meu povo.</p><p>LE CHŒUR</p><p>Bayété Bâba! Bayété ô Bayété!</p><p>LE CORYPHÉE</p><p>Rosée</p><p>ô rosée</p><p>qui réveilles les racines soudaines</p><p>de mon peuple.</p><p>LE CHŒUR</p><p>Bayété Bâbá! Bayété ô Bayété</p><p>LE CORYPHÉE</p><p>Là-bas</p><p>le soleil au zénith</p><p>sur tous les peuples de la terre.</p><p>LE CHŒUR</p><p>Bayété Bâba ! Bayété ô Bayété !</p><p>(Le Chœur répète ce verset tandis qu’il</p><p>s’éloigne derrière le rideau.)</p><p>O CORO</p><p>Bayété Bâba! Bayété ô Bayété!</p><p>O CORIFEU</p><p>Orvalho</p><p>ô orvalho</p><p>que desperta as raízes repentinas</p><p>de meu povo.</p><p>O CORO</p><p>Bayété Bâbá! Bayété ô Bayété</p><p>O CORIFEU</p><p>Lá,</p><p>o sol no zénite,</p><p>sobre todos os povos da terra.</p><p>O CORO</p><p>Bayété Bâba! Bayété ô Bayété!</p><p>(O Coro repete esse versículo enquanto ele se</p><p>afasta atrás da cortina.)</p><p>Encerramos este tópico com “Chaka”, poema dramático. Contendo</p><p>mais de dez páginas, ele é um dos maiores exponentes na obra</p><p>senghoriana ao unir lirismo e drama. Na escrita modernista, os autores</p><p>rompem com as formas líricas tradicionais. “Chaka” é composto por dois</p><p>elementos basilares, são eles: a repetição e a unidade de coesão. Sobre o</p><p>primeiro, abaixo pode-se ler que Staiger (1997, p. 30, grifo do autor)</p><p>anotou:</p><p>Somente a repetição impede a poesia lírica de desfazer-se. Mas a repetição presta-se</p><p>igualmente a qualquer criação poética. A mais comum é o compasso, a repetição de</p><p>idênticas unidades de tempo. Hegel compara o compasso com as �leiras de colunas ou</p><p>vidraças da arquitetura, e chama a atenção de que o eu, não é apenas duração</p><p>permanente, ou subsistência inde�nida, mas conquista-se como individualidade quando</p><p>se concentra e se volta para si mesmo.</p><p>Ou seja, a repetição reforça a lírica constituindo-a em extratos. A</p><p>unidade e a coesão estão inscritas num contexto que independe das</p><p>palavras, mas que são contidas por estas, a linguagem lírica “parece</p><p>desprezar as conquistas de um progresso lento em direção à clareza, − da</p><p>construção paratática à hipotética, de advérbios a conjunções, de</p><p>conjunções temporais a causais” (STAIGER, 1997, p. 39). Entretanto</p><p>paratático, segundo o autor, está mais para o gênero épico constituído</p><p>de partes que são livres. Visualmente esse aspecto pode ser percebido</p><p>devido ausência de pontuação.</p><p>Ao ver Ubersfeld (2005) no capítulo “Espaço e poética”, entendemos</p><p>sobre projeções possíveis. Neste caso, as aplicações do objeto textual no</p><p>espaço cênico. No poema há diferença entre o texto escrito e o lido, o</p><p>espaço cênico é criado em razão da multiplicidade de suas redes</p><p>concretas. Ora, se o texto escrito em sua forma impressa ao ser lido pode</p><p>designar uma interpretação cênica, entende-se que o poema de Senghor</p><p>con�rmando a de�nição de Ubersfeld, pode conter ao mesmo tempo a</p><p>imagem de uma dada rede metafórica de um campo semântico, de</p><p>modelo actancial.</p><p>Não se discutirá, entretanto, as escolhas feitas pelo autor ao criar um</p><p>poema dramático, com características diferenciadas na esfera separatista,</p><p>mas sim de sua constituição quanto objeto estético intertextual. Entende-</p><p>se, a partir deste mote que da mesma maneira em que o espaço cênico</p><p>pode ser simultaneamente a �gura de um texto (mas também, uma rede</p><p>sociopolítica ou sociocultural) ou de uma tópica do eu, é possível inferir</p><p>que existem entre essas diferentes modelizações �os substitutivos. Neste</p><p>caso, consideramos a ligação entre as redes de composição líricas que</p><p>juntas formam a coesão.</p><p>A partir do momento em que o espaço cênico pode ser a imagem de</p><p>diferentes conjuntos (no sentido matemático do termo), pode-se</p><p>considerar que ele estabelece uma relação entre os modelos, neste</p><p>aspecto consideramos a criação literária. Consequentemente o espaço</p><p>cênico concreto não apenas surge na mediação entre modelos diferentes,</p><p>mas é também mediação entre diferentes leituras possíveis: o espaço</p><p>cênico (da representação) é o que permite ler, ao mesmo tempo, a relação</p><p>com a história.</p><p>O espaço cênico pode ser considerado um lugar de combinações de</p><p>redes, no qual o leitor/expectador faz dele �os substitutivos que se</p><p>consideram combinações verticais. Além disso, aspectos do teatro como</p><p>as didascálicas e a presença de personagens histórico-mitológicas</p><p>compõem a unidade dramática, podendo ser percebidos na polifonia. No</p><p>apontamento feito por Ubersfeld (2005, p. 109) pode-se ler:</p><p>A escolha depende da relação atual da encenação com o referente contemporâneo e com</p><p>o código em vigor. Então, torna-se particularmente interessante que se torne consciência</p><p>da escolha, feita no texto pelo encenador, desta ou daquela matriz de espacialização.</p><p>Por isso, consideramos que o espaço cênico aparece em uma estrutura,</p><p>neste caso dentro da medida em que o funcionamento dos �os</p><p>substitutivos não é outra coisa além do funcionamento simbólico. O</p><p>espaço cênico é o lugar da conjunção do simbólico e do imaginário, do</p><p>simbolismo comum a todos e do imaginário próprio.</p><p>Entende-se a partir destas considerações que o texto poético pode ter a</p><p>presença simultânea de redes diversas, bem como ele pode apresentar</p><p>outras estruturas que são integrantes e que igualmente o compõem. O</p><p>espaço apresenta relação dialética pois, torna-se cenicamente presente e é</p><p>apresentado no corpus; um “alhures” para usar os termos da autora. A</p><p>obra pode ser lida ou pode ser encenada, pois tanto na leitura, quanto na</p><p>arte dramática é possível ver a cena. O leitor, assim como o espectador,</p><p>experimenta a forma representada e em cada sistema pode se apresentar</p><p>uma interpretação legítima em termos estéticos. A encenação pode</p><p>escolher entre as diferentes redes espaciais ou mantê-las em conjunto,</p><p>numa relação de con�ito: texto e encenação iluminam a perspectiva.</p><p>Em a Semiologia do teatro (1988) ao considerar a mobilidade do signo</p><p>teatral, Jindrich Honzl a�rmou que é necessário compreender</p><p>que a</p><p>produção teatral seja distinta das outras da arte e dos outros sistemas</p><p>semânticos, devido à grande quantidade de signos que veicula. E a</p><p>representação teatral é uma estrutura composta por elementos que</p><p>pertencem a artes diferentes. Inclusive, a poesia é um deles, bem como a</p><p>música e a coreogra�a. Cada elemento traz consigo vários signos:</p><p>“Portanto, a arte teatral não pode existir em si, ela só existe quanto</p><p>manifestação concordante da música, da poesia, da pintura, da</p><p>arquitetura, da comédia, etc. Surge como resultado de uma combinação</p><p>das outras artes” (GUINSBURG; COELHO NETTO, CARDOSO, 1988,</p><p>p. 142, grifo nosso).</p><p>No poema “Chaka” essa combinação é o diálogo livre das restrições que</p><p>se torna poesia cênica: a qualquer momento, ele é tão �nal, quanto</p><p>contínuo. O título enuncia a voz lírica: “Chaka” designa o conquistador</p><p>zulu que, desde 1818, conduziu uma guerra cruel na África meridional.</p><p>Ele era conhecido como o “Napoleão Negro”155 (BRUNEL, 2007, p. 901,</p><p>tradução nossa) e constituiu um exército de quarenta mil homens</p><p>treinados e disciplinados, que se estabeleceram de forma impositiva</p><p>sobre os povos da região. Considerado um gênio militar, Chaka era</p><p>igualmente autor de poemas, os quais, os soldados cantavam os versos e</p><p>choravam. Ele foi assassinado em 1828 pelo seu irmão Dingane. E</p><p>inspirou inúmeros escritores negros, entre eles Thomas Mofolo, quem</p><p>consagrou um romance épico que foi escrito em 1908, publicado em</p><p>sesoto, que é uma língua banta do grupo Sotho-Tswana. O texto foi</p><p>traduzido em inglês em uma versão reduzida em 1931; e depois em</p><p>francês com o título “Chaka: uma epopeia banta” e a tradução foi feita</p><p>por Victor Ellenberger, em Paris, pela editora Gallimard no ano de 1940.</p><p>À Thomas Mofolo se deve a história de ascensão e do reino de Chaka</p><p>(1786-1828), personagem lendário que se tornou parte da história,</p><p>contado nas epopeias ele teve sua vida descrita em muitas fases. Brunel</p><p>(2007, p. 298, tradução nossa) pontua as mais relevantes:</p><p>1 Nascido no país cafre (o atual Natal), esse �lho de chefe foi rejeitado ao mesmo tempo</p><p>que foi repudiado por sua mãe seguida de ciúme das outras esposas. Ele é então</p><p>considerado como um bastardo.</p><p>2 Sustentado por essa mãe amante, Chaka toma sua revanche. Ele se a�rma por uma</p><p>força excepcional. Ele se iniciou aos poderes ocultos pelo vidente Issanoussi. Tornou-se</p><p>um poderoso guerreiro, ele se instala, seu pai estando morto, a cabeça de seu clã de</p><p>origem.</p><p>3 Apesar de seu amor por Nolivé, irmão de seu antigo protetor, ele a sacri�cou em sua</p><p>ambição e, sobre o conselho de Issanoussi, ele renuncia a casar com ela.</p><p>4 Se considerando desde então como o representante de um Deus todo-poderoso ele</p><p>funda um reino. Seu grito Zulu! Amazulu! (o Céu! o clã do Céu!) dá esse nome ao reino</p><p>e ao povo desse reino.</p><p>5 Chaka torna-se então um conquistador desmedido e implacável […]. Seus partidários</p><p>se distanciam dele. Seus meios-irmãos organizam seu assassinato.156</p><p>O poema que inspirou Senghor foi escrito para celebrar a noiva Nolivé.</p><p>Os oxímoros servem além da retórica, pois eles analisam a maldição e</p><p>indicam a passagem de uma zona escura para a outra que sempre é mais</p><p>clara, pura. O coro reforça o que sucede com a noiva: “Ela vai morrer</p><p>Nolivé” (SENGHOR, 1990, p. 123). Além da celebração do feminino, o</p><p>texto é dedicado aos mártires bantos da África do Sul. Dramático, ele se</p><p>con�rma nas didascálicas: “Aos Mártires Bantos da África do Sul”, “Canto</p><p>I” e “(Sob um fundo sonoro de tantã fúnebre)”.</p><p>Feito a partir da composição de várias vozes é dedicado ao povo.</p><p>Separado em cantos, o primeiro é anunciado pelo som fúnebre do tantã.</p><p>Inicia neste verso a composição do tambor, enquanto personagem, forma</p><p>poética e dramática. No primeiro canto, tem-se a acusação ao Chaka,</p><p>responsável pela morte da noiva Nolivé. Revela-se o amor por Nolivé e o</p><p>povo negro. Senghor se identi�ca ao Chaka, mas contrário ao guerreiro,</p><p>ele matou em si mesmo a �gura do poeta. No segundo canto, Chaka se</p><p>dirige à sua noiva, celebrando-a. Já o poeta evoca o corifeu para tal</p><p>celebração. A morte de Nolivé é um prenúncio da “Boa Nova”, Chaka usa</p><p>imagens diversas para criar a metáfora: invoca a noite e o sol que marca a</p><p>diferença entre os cantos. As vozes mostram uma evolução, a progressão</p><p>que não se divide em atos (apesar de se tratar de um poema dramático) e</p><p>sim, em cantos como a epopeia.</p><p>A “Voz branca” compara Chaka à uma pantera ou hiena e anuncia um</p><p>cenário de sangue da guerra: a lança, a penitência. Novamente, Chaka</p><p>com o rosto calmo se pronuncia. O anúncio localiza a personagem entre</p><p>os dois irmãos, os ladrões. A traição é anunciada. Comparados ao Leão da</p><p>Etiópia nos versos “Dois imbecís ha! / Não certamente como a hiena,</p><p>mas/ Como o Leão d’Etiópia cabeça levantada”; na tradução preferimos o</p><p>comparativo, ao se veri�car o sentido adverbial, pode-se suprimir o</p><p>termo.</p><p>No verso seguinte o retorno à terra natal é anunciado pela memória do</p><p>Reino da infância, a cidade de Joal; a relação com a mãe e o lugar onde o</p><p>poeta nasceu e cresceu são retomados. A profusão das vozes expressa, pela</p><p>voz branca, o tremer de Chaka. O sol é elemento simbólico, a claridade é</p><p>descrita no dia, mas o espaço que é obscuro denuncia a condição interna</p><p>de Chaka. A metáfora sobre a lâmina clara anuncia os sete corações que</p><p>nos versos seguintes serão apresentados: “Nada que a lâmina clara da</p><p>minha voz que te transpassa/ os sete corações”.</p><p>Dentre as diversas vozes que dão ritmo, a voz de Chaka, a voz branca do</p><p>além-mar que certamente designa os forasteiros na região tem o sentido</p><p>associado aos olhos, no interior. Sinestesicamente os elementos são</p><p>aliados ao sentido da percepção visual: clarear, iluminar, a noite escura.</p><p>Portanto a metáfora de claro-escuro permanece e se institui distribuindo</p><p>as cenas que são montadas. Os vocábulos dia, relâmpago, peito e o</p><p>escudo, apresentam-se em formas de confrontamento, ou seja, são</p><p>antagonistas. O arrulho meridiano de Nolivé, refere-se à noiva de Chaka</p><p>que ele mesmo assassinou. Segundo o mito que é contado em África “ele</p><p>en�ou-lhe uma agulha na axila” (BRUNEL, 2007, p. 922).</p><p>A voz branca continua entre os versos. Sobre a noiva, Chaka confessa</p><p>que a matou e sem pestanejar. No poema é con�rmado a relação entre o</p><p>mito e o imaginário. A esse respeito, René Barbier explica que do ponto</p><p>de vista social o imaginário permanecerá potencialmente subversivo,</p><p>mantendo-se ao mesmo tempo oculto e voluntariamente ignorado.</p><p>Vejamos o que Barbier (1994, p. 18) a�rmou:</p><p>Quer dizer que por mais que seja �cção o que se lê em literatura, pode-se ver nas</p><p>entrelinhas da produção poética marcas que denotam elementos verossímeis, mas que</p><p>foram �ccionados para compor uma instância de expressão lírica representativa. Assim,</p><p>ao ler um poema que porta imagens de natureza, �orestas, rios, mas, que no texto</p><p>literário não representam apenas elementos da natureza, mas sim, referências, nomes e</p><p>lugares. O imaginário para o escritor é uma espécie de ponto de partida para a criação</p><p>artística que costura na obra literária, elementos naturais do conhecimento expressivo</p><p>humano que surgem de forma naturalmente, instintiva.</p><p>A costura proposta tem relação direta entre as vozes sendo essas</p><p>representativas no drama. A voz branca acusadora e indignada faz alusão</p><p>aos milhares de homens mortos na carni�cina da guerra. O vocativo</p><p>referente ao Zulu enuncia o fogo “Ô Chaka tu Zulu, tu mais-que-</p><p>maldição e fogo rolando de arbusto!”.</p><p>Na voz de Chaka “Um cercado cacardante, uma surda gaiola de</p><p>policiais corrompidos sim/ Un basse-cour cacardante, une sourde volière de/</p><p>mange-mils oui!”. A palavra sublinhada pode ter duas acepções; de cercado</p><p>(e que pode ser designado espaço de animais, como gaiola) ou lugar</p><p>reservado em um castelo (de reclusão). A expressão mange-mil é uma gíria</p><p>conhecida em África usada para nomear policiais corruptos, que por</p><p>algum motivo, cobravam o valor de mil francos (à época da criação do</p><p>termo) para subornar as pessoas. Neste caso optamos em traduzir pelo</p><p>que signi�ca a expressão, para</p><p>dessa forma não marcar o texto em língua</p><p>portuguesa em uma época utilizando, por exemplo, uma gíria da</p><p>atualidade. Mantivemos a signi�cação do enunciado em si.</p><p>Na mesma estrofe o segundo verso “Levei a pancada naquela madeira</p><p>morta, iluminada/ o incêndio no mato estéril/ J’ai porté la cognée dans ce</p><p>bois mort, alummé/ l’incendie dans la brousse stérile”, a palavra incendie não</p><p>foi substituída por fogo. Entendemos que este sentido contém o</p><p>primeiro, mas para manter a proposta do texto fonte, mantivemos a</p><p>tradução literal, que algumas vezes, faz-se necessária.</p><p>Ao se referir à amada “Minha Negra dourada de óleo de palma com</p><p>tamanho de pena/ Ma Négresse blonde d’huile de palme à la taille de</p><p>plume”, a palavra blonde que signi�ca, imediatamente “loira”, a nosso ver</p><p>não expressaria o sentido de iluminação, por isso foi traduzida por</p><p>dourada. Acreditamos ser mais adequada aos comparativos que seguem</p><p>“de óleo de palma” e “peso de pluma”. É feita ainda alusão ao</p><p>Kilimanjaro, o massivo vulcão do Norte da Tanzânia que representa um</p><p>ponto culminante, o mais alto do continente africano.</p><p>A paisagem natural da �oresta são símbolos no espaço poético. A</p><p>vegetação e o vento constituem a cena. A noiva Nolivé, nos braços da</p><p>serpente, se ajusta ao espaço noturno: estrelas, constelações, insônia. Nos</p><p>versos “Eu vaguei no cavalo/ Zambeze correndo e chutando as estrelas”, o</p><p>cavalo que representa a fuga, o estado interno da voz lírica é nomeado a</p><p>partir do contexto da região. Além disso, ele representa o rio homônimo</p><p>da África meridional e se faz no poema um comparativo para celebrar</p><p>seu curso que termina no Oceano Índico (BRUNEL, 2007).</p><p>A voz do vidente Issanoussi, profeta de Chaka, se apresenta distante. No</p><p>verso “E à noite segregados nos kraals da miséria” a palavra zulu em</p><p>destaque signi�ca “Cerque dentro em gados” e por extensão “bairro sujo</p><p>e miserável”157 (id., p. 916, tradução nossa). Ao �nal da expressão do coro,</p><p>o enunciado “Bayété Bâba! Bayété ô Zoulou!” não foi traduzido. O termo</p><p>evidencia que Chaka exigia ser chamado de “Bayété” que signi�ca “aquele</p><p>que está entre Deus e os homens”158 (BRUNEL, 2007, p. 898, tradução</p><p>nossa) quer dizer, herói ou semideus. Em swahili e em outras línguas</p><p>bantas do leste africano “baba” signi�ca pai, ancião.</p><p>Nas palavras de Chaka notamos a espera do apaixonado. O coro tem</p><p>função de exaltá-lo. Nos versos “ele esculpe todo o meu corpo como uma</p><p>estátua do Baoulé”, o vocábulo destacado designa uma etnia da Costa do</p><p>Mar�m que pertence ao grupo Akan, que se encontra no Sul e centro do</p><p>país. A negação marcada se encaminha para o Corifeu que exclama;</p><p>exalta. O coro enuncia “Bayété Bâba! Bayété ô Bayété!”, a repetição recorre</p><p>até retornar ao Chaka.</p><p>O jogo de vozes é mesclado ao tema da solidão, melancolia que se</p><p>apresenta continuamente. O corifeu faz alusão à identidade e ao líder dos</p><p>povos da pele negra. Nesta estrofe é notável a relação entre Senghor e a</p><p>voz lírica que se expressa. Como podemos ver em “O amante da Noite</p><p>com cabelos de estrelas cadentes, o criador das palavras da vida/ O poeta</p><p>do Reino da infância”. O coro exclama “Viva o poeta!”, diante da noite</p><p>que alude aos contos antigos, os mitos contados oralmente. O coro,</p><p>então, anuncia a morte de Nolivé. O termo “n’deïssane” é uma palavra</p><p>wolof que expressa tanto o toque quanto a admiração. E neste contexto,</p><p>optamos em não traduzir, pois se faz necessário aprofundamento maior</p><p>na pesquisa sobre esse signi�cado.</p><p>A sinestesia é frequente: “Ô minha Noite! Ô minha Negra! Minha</p><p>Nolivé! / Esta grande fraqueza morreu nas tuas mãos de óleo/ Quem</p><p>segue a sua pena. É o calor das palmeiras no peito/Agora, os aromas que</p><p>alimentam os músculos”. A sinestesia; o tato e o olfato têm destaque,</p><p>assim também a luminosidade, a visibilidade do rubi. A exaltação aos</p><p>elementos naturais, a Noite (sujeito lírico representativo) se faz no</p><p>campo semântico elevado a partir da luz, o “corpo transparente”. A luz do</p><p>dia é aliada aos estados de alma da voz lírica.</p><p>A angústia e a melancolia se mostram dilemas: unidas ao olhar da</p><p>natureza são personi�cadas. O tantã, o ritmo e as colinas recuperam o</p><p>mistério da �oresta. A travessia, simbolicamente, mostra a mudança de</p><p>estado do autor (que à época deixava a política para se dedicar a poesia) e</p><p>da voz lírica. Como podemos ler em “A canoa que atravessa o rio, a mão</p><p>que semeia o céu, o pé no ventre da terra”; a monotonia integra a beleza.</p><p>O efêmero, a �oresta azul, a luta harmoniosa do orvalho têm o ponto</p><p>culminante na morte. O êxtase, ápice na cena, é a morte de Chaka. O</p><p>Corifeu e o Coro encerram fazendo alusão ao povo negro. A noite se</p><p>transforma em dia, a terra é iluminada, tem-se a redenção no �m do ato.</p><p>O poema encerra com o coro repetindo e se despedindo atrás das</p><p>cortinas.</p><p>“Chaka” encerra pelo emprego de elementos evidentes: a repetição e a</p><p>unidade de coesão. É fato que a primeira deriva das formas poéticas e nos</p><p>versos se con�guram elementos estilísticos, os quais colocam o drama em</p><p>foco. Concordamos, portanto com Staiger ao se referir à cena e ao papel</p><p>de representatividade prático: “Com muito mais razões, o autor</p><p>dramático tem que pressupor a existência de um teatro e o que falta à</p><p>fundamentação do todo é acrescentado posteriormente. Uma poesia</p><p>pode também começar com uma espécie de exposição” (STAIGER, 1997,</p><p>p. 21). A exposição a qual se refere o autor, a nosso ver, ilustra as</p><p>possibilidades que o texto pode assumir, pois na obra senghoriana o</p><p>texto está intrinsicamente relacionado tanto à poética quanto ao drama.</p><p>2. 5 PRINCESA E OUTROS CANTOS</p><p>ÉPÎTRES À LA PRINCESSE (Epístolas à Princesa)</p><p>A LA MARQUISE JOSÉPHINE DANIEL DE</p><p>BETTEVILLE</p><p>(pour kôra)</p><p>Belborg Belborg !</p><p>Belborg Belborg !</p><p>Ainsi murmurait ma mémoire,</p><p>et dans le paquebot</p><p>Qui m’emportait,</p><p>les machines rythmaient ton nom Princesse, et</p><p>l’Afrique nocturne.</p><p>Mes mains en étaient parfumées,</p><p>comme de l’odeur des sapins</p><p>Elles embaumaient mon sommeil,</p><p>comme jadis les goyaves</p><p>À MARQUESA JOSÉPHINA DANIEL</p><p>DE BETTTEVILLE</p><p>(para kora)</p><p>Belborgue, Belborgue!</p><p>Belborgue, Belborgue!</p><p>Assim murmurava minha memória,</p><p>e no navio</p><p>que me levava,</p><p>as máquinas ritmavam teu nome Princesa,</p><p>e a África noturna.</p><p>Minhas mãos estavam perfumadas,</p><p>como os odores de abetos.</p><p>Eles embalsamavam o meu sono,</p><p>como outrora as goiabas</p><p>au jardin d’enfance.</p><p>J’attendrai ta récade</p><p>au poing de tes courriers...</p><p>Princesse de Belborg,</p><p>sous quel ciel �eurit ta prestance ?</p><p>Aux pays du Septentrion,</p><p>en ton palais de Ouistreham ouvert</p><p>sur la mer et les vents ?</p><p>Ou bien à Danestal</p><p>en ton manoir,</p><p>no jardim da infância.</p><p>Eu esperarei a tua recaída</p><p>no punho das tuas cartas...</p><p>Princesa de Belborgue,</p><p>sob que céu �oresce tua presença?</p><p>Aos países do Setentrião,</p><p>em teu palácio de Ouistreham aberto</p><p>sobre o mar e os ventos?</p><p>Ou bem à Danestal</p><p>em tua mansão,</p><p>au milieu de ton peuple</p><p>– quelle moisson de têtes blondes !</p><p>Si heureux parmi les rivières</p><p>et les polders paisibles ?</p><p>Ou à Paris</p><p>puisque s’annonce l’Hiver,</p><p>avec les princes du Grand Nord</p><p>Descendus à la quête du soleil,</p><p>où la lumière est dans les rues,</p><p>sur les pierres d’ivoire</p><p>sur les pierres de bronze vieux ?</p><p>Et les �eurs y sont vives,</p><p>la voix des femmes de cristal</p><p>et l’âme plus déliée</p><p>Dans l’éclat des salons ?</p><p>Es-tu à Paris à la fête de l’esprit ?</p><p>Tes courriers m’atteindront</p><p>dans mes quartiers</p><p>de la Belle Saison</p><p>Bien plus loin de Gambie,</p><p>plus loin que Sénégal.</p><p>Or</p><p>no meio de teu povo</p><p>– que colheita de cabeças loiras!</p><p>Tão feliz entre os rios</p><p>e os pôlderes pací�cos?</p><p>Ou em Paris</p><p>já que se anuncia o Inverno,</p><p>com os príncipes do Grande Norte</p><p>Descidos na busca do sol,</p><p>onde a luz está nas ruas,</p><p>sobre as pedras de mármore</p><p>sobre as pedras de bronze antigo?</p><p>E as �ores estão vivas,</p><p>a voz das mulheres de cristal</p><p>e a alma mais desligada...</p><p>No brilho dos salões?</p><p>Tu estás em Paris na festa de espírito?</p><p>Tuas cartas me alcançarão</p><p>nos meus aposentos</p><p>da Bela Estação</p><p>Muito mais longe da Gambia,</p><p>mais longe que o Senegal.</p><p>Mas,</p><p>je serai souvent à dromadaire,</p><p>parmi les dunes d’or</p><p>das colônias contra a França. Entre eles, mencionamos o</p><p>caso de uma cidade em Madagascar, no qual se pode observar as</p><p>reinvindicações do povo dominado. Boahen (2010, p. 266):</p><p>Os insurretos tomaram Arivonimamo, assassinaram o governador, bem como um</p><p>missionário e respectiva família, reclamando a supressão do culto cristão, das escolas, do</p><p>serviço militar e da corveia. Em março de 1896, eclodem no norte e no sul de Imerina</p><p>outros movimentos, que reclamam o regresso às antigas crenças, a depuração da classe</p><p>dirigente e que têm como objetivo forçar a partida dos franceses.</p><p>Contudo, quando tratamos da literatura e a distinção feita entre</p><p>francesa e francófona, é fácil perceber essa situação, por exemplo, em</p><p>bibliotecas universitárias que apresentam a separação claramente na</p><p>estante. Isso se aplica, principalmente aos livros que foram escritos fora</p><p>da Europa.</p><p>É preciso notar os seguintes pontos: primeiro; há uma distinção entre a</p><p>literatura publicada em língua francesa e escrita na Europa, daquelas que</p><p>são feitas no mesmo idioma, porém, são publicadas em outros países.</p><p>Nessas obras, os escritores utilizaram o francês para escrever literatura e,</p><p>frequentemente, elas expressam a cultura do país de origem, caracteres</p><p>do idioma nacional, bem como, expressões artísticas comuns à região que</p><p>se encontra fora do território europeu. O segundo ponto é a forma de</p><p>distribuição das obras. Quando publicadas as escritas em língua francesa</p><p>(fora da Europa), normalmente, �cam conhecidas nos países dos autores</p><p>e têm a distribuição local. E, além disso, por se tratarem de obras mais</p><p>recentes e não clássicos, elas são distintas em literatura francesa e a</p><p>literatura francófona. Mas, é importante lembrar que, quando os autores</p><p>que escreveram fora do território europeu são laureados, logo eles são</p><p>considerados grandes escritores de língua francesa (FIGUEIREDO,</p><p>2010). Essa é uma questão fundamental para iniciarmos o percurso</p><p>teórico que traçará o eixo conceitual desta tese. Por isso, voltemos às</p><p>publicações, as quais, sejam elas em língua francesa ou em outro idioma,</p><p>tem-se a mesma analogia. Vejamos:</p><p>Pensemos em títulos que podem ser procurados em uma livraria num</p><p>país que utiliza duas línguas que podem ser classi�cadas como nacional,</p><p>de comunicação ou materna. Uma delas é a francesa. Na estante, na qual</p><p>se pode fazer a pesquisa, há normalmente, a separação dos livros: 1) em</p><p>literatura francesa, na qual pode se ler os clássicos e grandes poetas; e a</p><p>literatura francófona, aquela que se apresenta como produção recente. A</p><p>última, é considerada resultante do processo de mundialização, assim</p><p>como, a nova fase da história mundial que não mais condena os países</p><p>que dominaram e subjugaram culturas em territórios colonizados, mas</p><p>sim mostra como fator positivo este compartilhamento cultural. Uma</p><p>dessas expressões é a literatura escrita nos países, os quais seus autores</p><p>adquiriram a língua do país colonizador durante a formação escolar-</p><p>acadêmica. A nosso ver, corroborando com o posicionamento de Chirila</p><p>(2011), esses escritores decidiram publicar suas obras no idioma que</p><p>estudaram formalmente para dessa forma dar mais visibilidade, maior</p><p>alcance à sua produção literária).</p><p>Podemos tratar esta questão, todavia consequente do cosmopolitismo</p><p>literário, ou seja, apenas sob o ponto de vista comercial. Os livros são</p><p>publicados em inglês, chinês, espanhol, entre outros, simplesmente</p><p>porque essas são as línguas mais faladas no mundo, e assim sendo as</p><p>obras teriam maior alcance entre os leitores. Sobre essa questão, a</p><p>pesquisadora, da Duke University, Ileana Chirila (2011, p. 73, tradução</p><p>nossa) anotou que:</p><p>Considerando a dinâmica social francesa contemporânea e sua representação no</p><p>mercado literário, mas também as instituições culturais, as mais in�uentes, (prêmio</p><p>literário, coleções, editoras, listas escolares, mídias culturais), remarcamos que uma</p><p>posição cada vez mais central foi ocupada por um paradigma distinto de escritores, no</p><p>qual, a origem nacional não francófona complica a sua categorização7.</p><p>Pode-se dizer, então que a produção dos autores, nascidos fora da</p><p>França, tem caráter transcultural, uma vez que eles podem (ou não) ter a</p><p>língua francesa como língua materna, contudo eles se valem dela para</p><p>produzir literatura. Quer dizer, são considerados alofones. Se a partir</p><p>desta re�exão, o objetivo fosse categorizar tais escritores haveria uma</p><p>séria di�culdade, pois partindo do pressuposto que eles publicam e são</p><p>nascidos em um território que é considerando a França, mesmo que fora</p><p>da Europa, logo eles deveriam ser considerados escritores franceses. Mas,</p><p>eles apresentam especi�cidades num corpus que tende ao que se chama</p><p>de francofone contemporâneo e normalmente, esse tipo de escrita é</p><p>considerada literatura francófona.</p><p>A diferença entre o autor francófono e o alofone é que o segundo não</p><p>tem nenhuma ligação histórica ou colonial com a França e a sua língua</p><p>materna, ou mesmo, a segunda língua é outra. Também, não há entre</p><p>esses autores a reivindicação étnica de suas obras. De modo geral, o que é</p><p>solicitado é a incorporação destas literaturas, ou seja, elas não pertencem</p><p>a este ou aquele país, trata-se de arte. Por isso, a expressão deve ser livre</p><p>para ser reconhecida mundialmente sem de�nições ou restrições.</p><p>A Francofonia literária, neste caso, engloba as instâncias que legitimam</p><p>a consagração de escritores nascidos fora da França. Podemos citar, por</p><p>exemplo, os prêmios literários e a inclusão de livros escritos por autores</p><p>de outros países nas escolas francesas. Esse movimento de inclusão</p><p>concentra no espaço francofone autores que satisfazem critérios culturais</p><p>não tradicionais e que, de fato, os europeus não tem acesso de forma</p><p>contínua. Nesse sentido, a literatura serve tal como um recurso para o</p><p>conhecimento das culturas, línguas e práticas religiosas, intelectuais e</p><p>saberes que podem ser compartilhados a partir da literatura. Mesmo que</p><p>se saiba que a escrita tem in�uência da época e da história de cada</p><p>indivíduo, a partir do momento em que essas percepções se tornam</p><p>�cção a realidade passa a ser condensada num plano imaterial,</p><p>imaginário e particular, pois a experiência da leitura permite horizontes</p><p>interpretativos, esses são subjetivos a cada pessoa.</p><p>Por isso, o acesso às obras é fundamental para o compartilhamento das</p><p>culturas e a consagração literária, uma vez que elas não dependem</p><p>necessariamente da crítica literária para que sejam conhecidas.</p><p>Consideramos que elas dependem, muito mais dos meios, os quais, elas</p><p>serão lançadas, pois, podem se tornar obras acessíveis a uma quantidade</p><p>de leitores que tem acesso aos outros idiomas, e assim, tornarem-se mais</p><p>conhecidas. A consagração ocorre a partir do momento em que é feita</p><p>atribuição de um valor estético à obra e existem quatro etapas teóricas.</p><p>Ao citar Jacques Dubois em A Instituição da literatura (L’Institution de la</p><p>littérature, 1986), Benoît Denis elencou as etapas (2010, p. 03, tradução</p><p>nossa):</p><p>A consagração ocupa um lugar claramente determinado no processo de legitimação das</p><p>obras e dos autores, que se deixa apreender seguindo quatro etapas teóricas. A primeira é</p><p>esta de emergência (querer – ser da literatura), que é tomada pelas instâncias da vida</p><p>literária, tais como os salões, jogos literários, escolas ou revistas. A segunda corresponde</p><p>ao reconhecimento (ser a literatura) e está essencialmente assegurada pelos editores. A</p><p>terceira etapa é especi�camente essa da consagração (ser a boa literatura) e é feita de</p><p>instância, tais como a crítica, as academias e o júri. A quarta e última fase do processo de</p><p>legitimação é a canonização (ser um modelo de literatura, fazer parte do patrimônio</p><p>literário) e se opera no seio da instituição escolar (programas, manuais, dicionários dos</p><p>autores e das obras, antologias, etc.)8</p><p>Na quarta etapa, a canonização insere as obras literárias que não são</p><p>clássicas, no contexto das escolas francesas para que elas possam ser</p><p>estudadas no âmbito das expressões de outras culturas. Essa inserção</p><p>categórica,</p><p>Ou sous la tente,</p><p>dans l’odeur des gommiers</p><p>dans la blancheur des steppes.</p><p>Je ne chasserai la girafe,</p><p>ni l’autruche</p><p>ni hippotrague.</p><p>J’ai dessein de faire retraite</p><p>Loin des guerriers.</p><p>eu estarei, às vezes, no dromedário,</p><p>entre as dunas douradas</p><p>Ou sob a tenda,</p><p>o cheiro das acácias,</p><p>na brancura das estepes.</p><p>Eu não caçarei a girafa,</p><p>nem o avestruz</p><p>nem palapala.</p><p>Eu desejo me aposentar</p><p>Longe dos guerreiros.</p><p>Car j’ai pris goûts aux choses de l’esprit</p><p>Tel quelqu’un qui a beaucoup vu</p><p>et veut beaucoup apprendre.</p><p>Et ce pays est de l’Esprit.</p><p>Le ciel est sans nuages,</p><p>et si parfois le troublent des tornades,</p><p>ce sont de sable.</p><p>Le feuille et la lèvre y sont graves,</p><p>la �eur absente,</p><p>la narine</p><p>et l’épine aigües.</p><p>Le vent d’Est y mord toute chair,</p><p>brûlant toutes choses impures.</p><p>J’ai dessein de faire retraite</p><p>dans les marches du Fleuve.</p><p>J’ai dessein de méditer tes énigmes.</p><p>Ton amitié m’est collier</p><p>et boucles d’oreilles.</p><p>Mon espoir est de revenir à la �n de l’Été. Ma mission</p><p>sera brève.</p><p>J’ai la con�ance de mon Peuple.</p><p>On m’a nommé l’Itinérant.</p><p>Pois eu gosto das coisas do espírito</p><p>Tal como alguém que tem visto</p><p>e quer muito aprender.</p><p>E este país é do Espírito.</p><p>O céu está sem nuvens,</p><p>e se às vezes o perturbam os tornados,</p><p>estes são de areia.</p><p>A folha e o lábio são graves,</p><p>a �or ausente,</p><p>a narina</p><p>e o espinho agudos.</p><p>O vento do Leste morde toda carne,</p><p>queimando todas as coisas impuras.</p><p>Eu desejo me aposentar</p><p>nas escadas do Rio.</p><p>Eu desejo meditar teus enigmas.</p><p>Tua amizade é meu colar</p><p>e brincos das orelhas.</p><p>Minha esperança é voltar ao �m do Verão.</p><p>Minha missão será breve.</p><p>Eu tenho a con�ança de meu Povo.</p><p>Nomearam-me o Itinerante.</p><p>(para kora)</p><p>(pour kôra)</p><p>Ambassadeur du Peuple noire,</p><p>me voici dans la Métropole.</p><p>J’ai compté douze portes rayonnantes, dénombré douze</p><p>mille étoiles.</p><p>Ce fut de l’aile haute</p><p>de mon cheval pia�ant.</p><p>Embaixador do Povo negro,</p><p>eis que estou na Metrópole.</p><p>Eu contei doze portas radiantes,</p><p>contabilizadas, doze mil estrelas.</p><p>Essa foi da asa alta</p><p>do meu cavalo cavalgando.</p><p>Je t’avais dépêché nombre de cavaliers, réponse ne m’a</p><p>pas été rendue.</p><p>Qu’ils se soient embourbés</p><p>dans les marigots de l’oubli,</p><p>je ne le veux croire Princesse.</p><p>Ma mission n’est pas d’une lune.</p><p>Le peuple noir m’attend pour les élections des Hauts-</p><p>Sièges,</p><p>l’ouverture des Jeux</p><p>et des fêtes de la Moisson</p><p>Et je dois régler le ballet des circoncis.</p><p>Ce sont là choses graves.</p><p>Je pense à toi</p><p>Princesse de Belborg</p><p>Je songe aux pays du Septentrion,</p><p>toutes mes nuits sont veilles.</p><p>De l’autre côté de la Mer ont échoué</p><p>les bruits de leurs querelles intestines</p><p>Que leurs puits sont noyés le bétail abattu, leurs</p><p>manufactures ruinées</p><p>et leurs palais</p><p>Que le grain fait défaut.</p><p>Et des vers</p><p>comme de Guinée travaillent</p><p>l’intime des cœurs.</p><p>Princesse très prudente</p><p>Eu tinha enviado muitos cavaleiros,</p><p>resposta não me foi dada.</p><p>Que eles tenham �cado</p><p>atolados nas pastagens do esquecimento,</p><p>eu não o quero crer, Princesa.</p><p>Minha missão não é de uma lua.</p><p>O povo negro me espera para as eleições</p><p>dos Altos-postos,</p><p>a abertura dos Jogos</p><p>e das festas da Colheita</p><p>E eu devo ajustar o balé da circuncisão.</p><p>Essas são coisas graves.</p><p>Eu penso em ti,</p><p>Princesa de Belborgue.</p><p>Eu sonho nos países do Setentrião,</p><p>todas minhas noites são vigílias.</p><p>Do outro lado do Mar fracassaram</p><p>os ruídos de suas disputas internas</p><p>Que seus poços afogam o gado abatido,</p><p>suas manufaturas ruinadas</p><p>e seus palácios.</p><p>Que o grão faz falta.</p><p>E dos versos</p><p>como de Guiné trabalhavam</p><p>o íntimo dos corações.</p><p>Princesa tão prudente</p><p>et Princesse très bonne,</p><p>tes nuits sont-elles veilles sur ta couche ?</p><p>La réponse non dépêchée ?</p><p>Je suis attente dans la nuit,</p><p>je n’en �nis pas de parler</p><p>avec mon plus-que-faire.</p><p>e Princesa tão boa,</p><p>tuas noites são elas vigílias sobre tua</p><p>cama? A resposta não foi rápida?</p><p>Eu sou espera na noite,</p><p>eu não parei de falar</p><p>com meu mais-que-fazer.</p><p>Et nous devisons de tout charme absent,</p><p>nous surveillons l’averse sur la route</p><p>qui porte la bonne nouvelle.</p><p>Hâte-toi donc Belborg,</p><p>ma mission n’est pas d’une lune.</p><p>Or nous devisons de tout charme absent,</p><p>de toi la Précieuse de ton essence</p><p>Qui gardes toutes choses parfumées</p><p>comme un co�ret des Indes</p><p>De tes yeux de brume</p><p>et de renne.</p><p>Si claires les grottes marines</p><p>au soleil de l’esprit</p><p>Et tu décoches tes énigmes</p><p>qui fulgurent comme couteaux de jet.</p><p>Mais</p><p>qu’insondables étaient tes yeux calmes</p><p>à l’abord du Barbare</p><p>rutilante</p><p>de feux</p><p>de brousse</p><p>et de tam-tams !</p><p>Princesse belle,</p><p>repose-t-elle ta prestance cette nuit ?</p><p>et tes jambes longues frisées d’or blanc ?</p><p>et tes lèvres �eurant les forêts de sapin ?</p><p>E nós divagamos de todo encanto ausente,</p><p>nós vigiamos a tempestade na estrada</p><p>que traz a boa nova.</p><p>Apressa-te então Belborgue,</p><p>minha missão não é de uma lua.</p><p>Ora nós divagamos de todo encanto</p><p>ausente, de ti Preciosa de tua essência</p><p>Que guarda todas coisas perfumadas</p><p>como um cofre das Índias</p><p>De teus olhos de nevoeiro</p><p>e de rena.</p><p>Tão claras as grutas marinhas</p><p>ao sol do espírito</p><p>E tu descodi�cas teus enigmas</p><p>que fulminam como facas de jato.</p><p>Mas,</p><p>que insondáveis eram teus olhos calmos</p><p>à primeira vista do Bárbaro</p><p>resplandecente</p><p>de fogos</p><p>de mato</p><p>e de tantãs!</p><p>Princesa bela,</p><p>descansa tua presença essa noite?</p><p>E tuas pernas longas encaracoladas de</p><p>ouro branco?</p><p>Font-elles comme hier</p><p>�amber têtes</p><p>et bras des ambassades ?</p><p>E teus lábios �orescem as �orestas de</p><p>árvore?</p><p>Elas fazem como ontem</p><p>arder cabeças</p><p>e braços das embaixadas?</p><p>Princesse</p><p>hâte-toi si ta mémoire</p><p>est ma mémoire.</p><p>Mon séjour n’est pas d’un quartier,</p><p>et déjà me poignent le �anc</p><p>les cents regrets du Pays noir.</p><p>(pour kôra)</p><p>Comme rosée du soir,</p><p>ton épître a fait mes yeux frais</p><p>mon cœur.</p><p>Je l’ai lue à mes hôtes,</p><p>à l’heure du thé</p><p>sous la tente du Tagant.</p><p>Ils étaient de noble lignage,</p><p>et maîtres de langage.</p><p>J’en ai lu les feuilles qui pouvaient être lus</p><p>Réservant pour la veille</p><p>ceux qui sont les plus délicats,</p><p>comme la bosse du grand mâle</p><p>Et secrets.</p><p>Et ce fut honneur à mon nom.</p><p>Mon désir est de mieux apprendre ton pays de</p><p>t’apprendre.</p><p>Grâces pour ton épître</p><p>son dire</p><p>et sa substance</p><p>Et cet hiver que tu me rends présent,</p><p>mais dont tu me défends</p><p>Princesa</p><p>apressa-te se tua memória</p><p>é minha memória.</p><p>Minha estadia não é de um bairro,</p><p>e já me a�igem o �anco</p><p>os cem lamentos do País negro.</p><p>(para kora)</p><p>Como orvalho da noite,</p><p>tua epístola fez meus olhos frescos,</p><p>meu coração.</p><p>Eu li aos meus hóspedes,</p><p>na hora do chá</p><p>sob a tenda do Tagant.</p><p>Eles eram de nobre linhagem,</p><p>e mestres de língua.</p><p>Eu li as folhas que poderiam ser lidas.</p><p>Reservando para a véspera</p><p>os que são os mais delicados,</p><p>como o inchaço do grande mal</p><p>masculino.</p><p>E segredos.</p><p>E isso foi honra para meu nome.</p><p>Meu desejo é de melhor aprender teu país</p><p>pra te ensinar.</p><p>Graças para tua epístola</p><p>seu dizer</p><p>e sua substância.</p><p>E este inverno que tu me fazes presente,</p><p>comme une fourrure précieuse</p><p>M’en nommant</p><p>mas o qual tu me defendes,</p><p>como uma pele preciosa</p><p>Me nomeando</p><p>le signe</p><p>et le sens,</p><p>la neige qui �amboie de mille feux</p><p>Brûlant le poids du corps,</p><p>faisant l’esprit aigu</p><p>le cœur candide.</p><p>Et mon pays de sel</p><p>et ton pays de neige</p><p>chantent à l’unisson.</p><p>Mais ta prudence est grande,</p><p>mes forces faibles.</p><p>Il y a ta bonté marine</p><p>comme un �ord de douceur,</p><p>et le sapin qui reste vert</p><p>sous la mort blanche</p><p>Debout dans la tempête.</p><p>Il veille quand tremblent les bouleaux</p><p>Tandis que hurlent loups et lynx.</p><p>Grâces à la Princesse</p><p>qui se faisait loisirs de mes récits,</p><p>pleurant aux malheurs de ma race :</p><p>Les guerres contre l’Almamy,</p><p>la ruine d’Élissa</p><p>et l’exil à Dyilôr du Saloum</p><p>La fondation du Sine.</p><p>Et le désastre</p><p>Quand les Guelwârs furent couchés sous les canons</p><p>comme des gerbes lourdes.</p><p>Les cavaliers désarçonnés</p><p>o sinal</p><p>e o sentido,</p><p>a neve que queima de mil fogos.</p><p>Ardendo o peso do corpo,</p><p>fazendo o espírito agudo,</p><p>o coração cândido.</p><p>E meu país de sal</p><p>e teu país de neve</p><p>cantam em uníssono.</p><p>Mais tua prudência é grande,</p><p>minhas forças fracas.</p><p>observamos não deixa de efetivar a separação da literatura na</p><p>Europa: a francesa escrita por nacionais que tem a língua como materna;</p><p>e a francófona que se legitima, cada vez mais, fora da França. Pessoas de</p><p>outros países que escolheram o francês para escrever as suas obras não</p><p>são considerados literatos franceses. Em seus países, eles são nacionais</p><p>que mostram para o mundo a própria cultura, com conhecimento e</p><p>sentimento de pertencimento (PAINTER, 2013).</p><p>Ora, se a literatura é �cção, então poderia se considerar a possibilidade</p><p>de que todos que escrevem em francês, independentes de seu local e</p><p>pertencimento, são francófonos? Se a Francofonia está relacionada a ideia</p><p>de compartilhamento, logo a literatura pode ser o meio para que se</p><p>inicie as vivências interculturais quer dizer: “A interculturalidade</p><p>signi�ca a relação entre pessoas de distintas culturas e, na verdade, ela se</p><p>produz desde os inícios da humanidade, à medida que pessoas de</p><p>culturas diferentes se relacionaram ao longo da história” (FERRARI,</p><p>2015, p.51). Essas, as mais diversas, podem ser tomadas da seguinte</p><p>forma: da mesma maneira que cada pessoa possui características</p><p>próprias, as literaturas também as têm graças a capacidade humana de se</p><p>expressar por meio das artes.</p><p>Nessa perspectiva, pensando a partir do cosmopolitismo literário, é</p><p>preciso notar dois momentos recentes: o primeiro, que está associado a</p><p>descolonização, termo usado depois da Segunda Guerra Mundial e a</p><p>mundialização que resulta na facilidade de troca e acesso às informações.</p><p>Existem discussões sobre o direito, o respeito e a dignidade humana,</p><p>que se aliam a necessidade de propor engajamentos que possam se</p><p>direcionar aos efeitos históricos da colonização dos territórios. Na</p><p>França, por exemplo, essa mudança se manifestou no processo</p><p>assimilacionista de integração das escolas, línguas e política. Alguns</p><p>teóricos propuseram organizar as literaturas por termos que pudessem</p><p>distingui-las das tradicionais. Dentre eles, assimilação e outros termos são</p><p>explicados por autores da diáspora, os mais frequentes são: híbridos,</p><p>étnicos ou pós-coloniais9. Era preciso nomear a literatura que era feita</p><p>fora da Europa, e que cada vez mais, devido ao cosmopolitismo literário e</p><p>a comercialização de livros, ganhava espaço em várias partes do mundo.</p><p>Concordamos, novamente, com Chirila (2011, p. 81, tradução nossa):</p><p>O cosmopolitismo literário manifestado na França em muitas ocasiões demonstra que</p><p>esta ideia de universalidade dos valores humanos permanece uma constante maior,</p><p>apesar de toda complexidade anterior que o fenômeno poderia adquirir. Mas existe, ao</p><p>menos, duas diferenças maiores entre as precedentes manifestações diacrônicas do</p><p>cosmopolitismo literário francês e esta nova onda que alguns especialistas consideram</p><p>apenas no início10.</p><p>As obras literárias publicadas em idiomas mais conhecidos,</p><p>frequentemente, apresentam elementos essenciais da cultura, identidade</p><p>e pertencimento (VURM, 2014). As fronteiras são idas e vindas do</p><p>indivíduo. Literatura que antes era conhecida somente por pessoas de</p><p>uma região, neste momento em que a ascensão de autores fora do eixo</p><p>central, que durante muito tempo, apresentava e instituía o cânone,</p><p>agora se mostram como ases. Pois, eles têm o idioma, os mais usados para</p><p>a comunicação, e eles tem ainda algo peculiar, precioso, antes não</p><p>publicado, que é a natureza fato da vivência e experiência humana de</p><p>lugares não-comuns. Assim, com o uso de uma língua que pode ser</p><p>acessível a várias pessoas, a produção literária que anteriormente era</p><p>conhecida em escala mais restrita ao país ou cidade, pode se expandir. Os</p><p>elementos estruturantes no texto literário, por exemplo, de um autor</p><p>marroquino apresentam itens peculiares da cultura africana. E, os</p><p>leitores, tenham ou não acesso a esses lugares, podem conhecê-los, ainda</p><p>que seja um primeiro contato na forma �ccional.</p><p>Depois dos anos de 1960, viu-se a consolidação do termo</p><p>pertencimento, no que se refere às literaturas. Combe (2010b, p. 18,</p><p>tradução nossa, grifo do autor) acrescentou que:</p><p>Além disso, quando as literaturas francófonas são introduzidas na universidade francesa</p><p>e na crítica, nos anos de 1960, elas são muitas vezes apresentadas em anexo à história da</p><p>literatura francesa, como sua extensão natural. Os principais autores, sistematicamente</p><p>reportados aos seus mestres ou modelos franceses, são analisados e julgados à luz da</p><p>literatura francesa ou de outras literaturas eurófonas como sendo o cânone.11</p><p>São vários os termos que designam as francófonas: Europa francesa,</p><p>América francesa, Suíça francesa, as letras francesas da Bélgica, os</p><p>escritores canadenses franceses... Esses termos aparecem frequentemente</p><p>nas publicações e mídia, e mesmo se tratando de termos adjetivos que a</p><p>priori tem o objetivo de remeter à língua, não deixam de registrar, o eco</p><p>do pertencimento nacional, conforme assinalado pelo “Pacto com a</p><p>nação”, escrito no manifesto12. Não podemos deixar de notar que países</p><p>da África, entre eles a Argélia, não deixaram de ser referenciados</p><p>territórios franceses ou mesmo nos países em que não houve a</p><p>colonização, qual é o caso da Suíça ou da Bélgica, a adjetivação serve para</p><p>mostrar a língua no aspecto de assimilação. No manifesto, “Por uma</p><p>literatura mundo” (Pour une littérature monde, BARBERY et al. 2007, grifo</p><p>dos autores), pode-se ler:</p><p>E foi a primeira vez que uma geração de escritores oriundos da imigração, no lugar de se</p><p>afundar na sua própria cultura de adoção, pretendia fazer um trabalho a partir da</p><p>constatação de sua identidade plural, no território ambíguo e movendo-se com esse</p><p>atrito. Nesse contexto, sublinhava Carlos Fuentes, eles eram menos os produtos da</p><p>descolonização do que os anunciadores do século XXI. Quantos escritores de língua</p><p>francesa, também tomados entre duas ou mais culturas, se interrogaram, então, sobre</p><p>essa estranha disparidade que os relegava para as margens, eles “francófonos”, variante</p><p>exótica apenas tolerada, enquanto que as crianças do antigo império britânico tomavam,</p><p>com toda a legitimidade, posse das letras inglesas? Era necessário tomar como certa</p><p>alguma degeneração congênita dos herdeiros do império colonial francês, em</p><p>comparação com os do império britânico? Ou reconhecer que o problema residia no</p><p>próprio meio literário, à sua estranha arte poética que gira como um dervixe, que gira</p><p>em torno de si mesmo, e a esta visão de uma francofonia sobre, a qual, uma França, mãe</p><p>das artes, das armas e das leis continuava a dispensar suas luzes, como benfeitora</p><p>universal, preocupada em levar a civilização aos povos que vivem nas trevas? Os escritores</p><p>antilhanos, haitianos, africanos que se a�rmam, então, não tinham nada a invejar aos</p><p>seus homólogos de língua inglesa. O conceito de crioulização que então, os reuniam,</p><p>através do qual eles a�rmavam sua singularidade, tinha de ser surdo e cego, não procurar</p><p>no outro a não ser um eco de si mesmo, para não compreender que ele já se tratava, de</p><p>nada menos, que de uma autonominação da língua.13</p><p>Dominique Combe (2010a) fez alguns apontamentos sobre a</p><p>“francofonia” (francophonie). O autor explica que o termo já designou o</p><p>conjunto das pessoas que falam francês, e esse sentido foi constituído na</p><p>história a partir da expansão colonial e dos impérios europeus desde o</p><p>século XVI e, principalmente, na segunda metade do século XIX. Não se</p><p>trata apenas da palavra, mas sim, da noção de Francofonia que releva a</p><p>história contemporânea. A nosso ver, Combe observou que a própria</p><p>colonização impôs o uso da língua francesa, como parte do processo de</p><p>dominação. E que a implementação da língua, tornou resistente a cultura</p><p>local, assim como, os modos de se comunicar em língua materna. O</p><p>francês passou então a ser língua nacional em alguns territórios. E a</p><p>consolidação do uso veio com o passar dos anos e a implementação das</p><p>escolas que adotavam o sistema francês de ensino, assim como, as suas</p><p>expressões artísticas, inclusas as literárias.</p><p>Isso quer dizer que nos países que hoje não são mais colônias</p><p>da</p><p>França, a língua se impôs por meio do ensino – obrigatória nas escolas –</p><p>nos moldes europeus. Na África, em alguns países como no Senegal, por</p><p>exemplo, são lidos os autores do cânone durante toda a formação escolar</p><p>até o liceu. Os autores nascidos nos territórios e departamentos passaram</p><p>a ser reconhecidos, a partir dos anos 1930, pois foi a partir desse período</p><p>que os países reivindicaram seu status de nação independente, elevando a</p><p>expressão da própria cultura.</p><p>Não se pode, portanto, confundir francofonia com Francofonia. A</p><p>primeira, tem entre seus registros a herança da colonização, pois, o termo</p><p>era usado no sentido de demonstrar a expansão do território francês,</p><p>assim como, a implementação da cultura europeia. Esse conceito passou</p><p>a ser modi�cado a partir dos anos de 1960 e o uso do termo variou,</p><p>conforme o lugar onde ele foi empregado e o contexto que se referia. Se</p><p>utilizado na Europa, ele faz referência aos países que foram colonizados,</p><p>e hoje, tornaram-se departamentos ou territórios que pertencem a</p><p>França. Fora do país, se escrito com letra maiúscula, eles têm o</p><p>signi�cado de compartilhamento. Anteriormente, conforme registrou</p><p>Combe (2010a), o adjetivo francofone surgiu nos dicionários desde os</p><p>anos de 1930, mas ele foi inventado desde 1880, como um neologismo</p><p>pelo geógrafo Onésime Reclus.</p><p>A partir dos anos de 1930, as palavras francofone (francophone) e</p><p>francofonia (francophonie) tiveram sentidos quase neutros (ALONSO,</p><p>2004). Todavia, a expressão língua dominante, algumas vezes,</p><p>demonstrava a noção do lugar em relação, ao uso da língua francesa. É</p><p>fato mesmo que o adjetivo servisse para descrever as relações entre as</p><p>diferentes comunidades e países, o signi�cado do termo sempre esteve</p><p>atrelado à língua. Léopold Sédar Senghor, frequentemente se mostrou</p><p>favorável ao ensino de diferentes línguas, conforme a demanda e a</p><p>quantidade de falantes no local onde elas pudessem ser veiculadas. Ao</p><p>discorrer sobre aquelas faladas em seu país, o senegalês a�rmava que</p><p>muitos adultos sereres eram bilíngues: eles falavam serere em família, e</p><p>na rua usavam o wolof para se comunicar. Contudo, na cidade de Thiès,</p><p>Ru�sque e Popenguine há três tipos de línguas sereres que são diferentes,</p><p>por exemplo, o serere do Sine. Senghor a�rmava que “todas as línguas</p><p>devem ser vividas ou faladas”14 (KESTELOOT, 2006, p.179, tradução</p><p>nossa).</p><p>Houve ainda a comparação entre a Francofonia e a Commonwealth. Ao</p><p>observar de forma mais atenta, podemos perceber que se tratam de</p><p>abordagens nem tanto diferenciadas. Porém, os britânicos não criaram</p><p>instituições para promover a língua inglesa. E os autores de outros países,</p><p>que publicam em inglês, podem ser encontrados nas estantes de</p><p>literatura inglesa. Com efeito, notamos que um aspecto da colonização</p><p>que restou tende a separar a literatura em: francesa e francófona. As</p><p>semelhanças podem ser con�rmadas com os estudos de Moura (2013, p.</p><p>32, tradução nossa, grifo do autor):</p><p>Os livros de Commonwealth são reconhecidos como um ramo particular dos estudos</p><p>ingleses pela universidade. Mas, de uma forma semelhante à francofonia, o rótulo é</p><p>contestado por alguns autores, seja por razões práticas, seja por motivos ideológicos,</p><p>desenvolvidos por exemplo, por Salman Rushdie nas Pátrias imaginárias. [...] À</p><p>separação racista, literatura inglesa/ literaturas do Commonwealth, opõe-se à sua própria</p><p>de�nição de literatura inglesa que considera simplesmente literatura inglesa15.</p><p>Félix Guattari e Gilles Deleuze (1977), ao escreverem sobre Ka�a,</p><p>desenvolveram a re�exão sobre Literatura menor; tema importante</p><p>sobre o caráter experimental da literatura, quanto mecanismo e seus</p><p>funcionamentos. O texto considerado a partir de seus efeitos reúne</p><p>experiências individuais que �guram ações coletivas. Para os autores a</p><p>fruição de uma obra literária deve ser apreendida no pressuposto para o</p><p>uso da teoria. Ler segue a interpretação e de nada valem as teorias, se o</p><p>texto não é considerado para a crítica.</p><p>Os elementos que caracterizam a Literatura menor (se é possível</p><p>considerar uma ordem) são: 1) a prática de uma minoria numa língua</p><p>maior que é modi�cada, “por um forte coe�ciente de</p><p>desterritorialização” (DELEUZE, GATTARI, 1977, p. 25); 2) as intenções</p><p>políticas do enunciado e 3) o fato de que tudo tem um valor coletivo.</p><p>Mesmo o enunciado individual pode reportar o coletivo, pois a escrita é</p><p>instrumento de revolução e que dá voz aos vários sujeitos que integram</p><p>as minorias. A Literatura menor pode ser considerada, ainda</p><p>desterritorializada quanto à sua dimensão coletiva e a signi�cação</p><p>política. Nesse sentido, a pesquisa sobre a subconsciência linguística</p><p>pode ser acrescentada a esta perspectiva, porém, com outra</p><p>nomenclatura. Em As línguas do romance: do plurilinguismo como estratégia</p><p>textual (Les langues du roman: du plurilinguisme comme stratégie textuelle) o</p><p>termo, em destaque, pode se aplicar às literaturas francófonas pós-</p><p>coloniais de modo abrangente. Ao tomar o pressuposto do ato da escrita,</p><p>Gauvin (1999, p.09-10, tradução nossa, grifo da autora) explicou:</p><p>Para estes escritores, de fato, escrever torna-se então um verdadeiro ato de linguagem,</p><p>porque a escolha desta ou daquela língua de escrita é reveladora de um processo</p><p>literário mais importante do que os processos postos em jogo. Mais do que simples</p><p>modos de integração da oralidade na escrita, ou que a representação mais ou menos</p><p>mimética das linguagens sociais, revela-se assim o estatuto de uma literatura, a sua</p><p>integração/ de�nição dos códigos e, por �m, toda uma re�exão sobre a natureza e o</p><p>funcionamento do literário.16</p><p>Adquirir uma língua depende também da aquisição dos fatores</p><p>socioculturais, psicológicos e �losó�cos que se relacionam aos</p><p>indivíduos, até mesmo o pensamento no qual ele é articulado, o idioma.</p><p>Quando adquirido como língua segunda permanece subordinado à</p><p>língua materna e certamente ele surge na escrita, iniciando um processo</p><p>de hibridização, mestiçagem ou crioulização. Consideramos os termos,</p><p>pontuando que se tratam de conceitos distintos e recorrentes. O</p><p>primeiro, utilizamos embasados nos fundamentos de Canclini (1989, p.</p><p>362, tradução nossa):</p><p>Por outro lado, o híbrido nos remete aquilo que pertence a diferentes âmbitos ao</p><p>mesmo tempo e, nesse sentido, creio que não pode ter uma identidade permanente,</p><p>aquilo que é hibrido. Considero importante salientar que os processos de hibridização</p><p>não são um fenômeno novo: sempre existiram e vão existir nas sociedades em geral,</p><p>embora tenham sido chamados por outro nome.17</p><p>Por se tratar de conceitos distintos, antes de anotarmos o próximo, é</p><p>preciso além de pontuá-los discorrer sobre o aspecto de hibridização que</p><p>nos interessa. Em termos, entendemos que a formação do indivíduo</p><p>pode ocorrer a partir da mistura de vivências e experiências linguísticas,</p><p>culturais e sociais. Neste caso, o uso da língua francesa (aprendida</p><p>institucionalmente nas instituições de ensino) está alinhado à língua</p><p>materna (falada no contexto familiar, cotidiano) e dialetos (cultural oral).</p><p>Esse processo é análogo e integra a composição de Senghor (nos três</p><p>eixos) e Menezes (os dois últimos). Os poetas, integrados à sua época se</p><p>desenvolveram a partir do processo decorrente da hibridização.</p><p>A contra ponto, não acreditamos com base nos textos estudados que</p><p>esses autores tenham passado pelo processo de Transculturação.</p><p>Principalmente ao ler a explicação de Ortiz (1983, p. 4) sobre o termo:</p><p>Expressa melhor o processo de transição de uma cultura para outra, porque este</p><p>processo não consiste somente em adquirir uma cultura diferente, o que, a rigor,</p><p>signi�ca o vocábulo anglo-saxão acculturation, porém o processo implica também,</p><p>necessariamente, na perda, no desenraizamento de uma cultura anterior, o que se</p><p>poderia chamar de uma desaculturação parcial, e, além do mais, signi�ca a criação</p><p>consequente de novos fenômenos culturais, que se poderiam denominar neoculturação.</p><p>Seja transculturação ou desaculturação parcial, para usarmos as</p><p>palavras do autor, a�rmamos que Senghor e</p><p>Menezes não abandonam</p><p>ou perdem suas referências no processo de criação poética. Ao contrário,</p><p>em nossa concepção, o processo de criação é subjacente à cultura de cada</p><p>um, assim como, esses autores trazem à tona marcas da oralidade e</p><p>referências que anteriormente não �guravam na literatura. Assim, nos</p><p>direcionamos para entender a mestiçagem ou crioulização e veri�car se</p><p>estes termos podem estar relacionados aos autores em questão. Vejamos a</p><p>de�nição em Glissant (2001, p.03, tradução nossa):</p><p>A crioulização é, certamente, a mestiçagem, mas a mestiçagem que produz um resultado</p><p>imprevisível e imprevisto. Pode-se prever o resultado da mestiçagem em particular na</p><p>ciência, não é? Dois pequenos pontos brancos, um pequeno ponto negro, dois pequenos</p><p>pontos de geração em geração, se pode prever. A crioulização é a mestiçagem a qual não</p><p>se pode prever o resultado, por exemplo, seria imprevisível que despojando as</p><p>populações inteiras e colocando-as em condições de animalidade durante séculos e</p><p>séculos, essas populações nas Antilhas, assim que se dirigem a eles em uma espécie de</p><p>sabir que chamam negrinho18, essa população teve a força, a genialidade, a partir de</p><p>então, de criar uma língua que se chama a língua crioula no Haiti, na Martinica, em</p><p>Guadalupe, na Guiana.19</p><p>“A crioulização é a mestiçagem” e não é possível “prever” o resultado.</p><p>Seguindo a explicação de Glissant, entendemos que Senghor e Menezes</p><p>têm na maior parte de seus poemas o uso da linguagem elaborada,</p><p>variante e não comum aos leitores. Contudo, não acreditamos que o</p><p>termo mestiçagem se aplica as características de uma região, e nem</p><p>evidencia a especi�cidade de prática religiosa ou festejo em terreiro.</p><p>Vejamos: por mais que a linguagem seja o elemento poético</p><p>fundamental de expressão (que de certo modo, relaciona esses autores às</p><p>suas épocas), o termo crioulização está além das questões mencionadas,</p><p>no âmbito do literário.</p><p>Entende-se de forma mais adequada, quando se percebe que estas</p><p>marcas são recorrentes entre os escritores do Magrebe do Antigo</p><p>Oriente, da África subsaariana e do Caribe, os quais, se encontram em</p><p>situação de diglossia, língua bí�da, dividida em duas partes. Trata-se de</p><p>uma questão anterior: os sotaques e as variações linguísticas, de oralidade</p><p>e escrita. Portanto, mais adequado seria o uso da expressão bilinguismo</p><p>literário, que designa o emprego sucessivo ou simultâneo, entre duas</p><p>línguas, na escrita de um mesmo autor (GRUTMAN, 2003). A língua</p><p>usada para compor é um instrumento do autor, decorrente das</p><p>circunstâncias que o formaram, que pode servir no processo de criação e</p><p>inscrevê-lo na tradição literária. De fato, o termo “não compreende, por</p><p>conseguinte as línguas que o autor poderá eventualmente convocar no</p><p>interior de suas obras (por razões de verossimilhança, de cor local, de</p><p>erudição)” (GRUTMAN, 2003, p.03)20. Numa situação de diglossia, a</p><p>língua valorizada tende a dominar a outra, não somente pelo uso</p><p>preponderante, mas principalmente devido aos valores simbólicos que</p><p>são associados ao uso.</p><p>No contexto do pós-colonialismo, os francofones tem a dimensão</p><p>social da língua, pois, a diglossia supõe uma distribuição socialmente</p><p>desigual das línguas, segundo, as circunstâncias de dominação. Nesse</p><p>sentido, podemos citar, o wolof21, o peul22, o bambara23, falados na África</p><p>colonial, o árabe no Magrebe e os crioulos no Haiti e nas Antilhas.</p><p>Entende-se, portanto, diglossia no âmbito da repartição funcional de</p><p>duas variedades linguísticas numa dada sociedade, algumas vezes, a sua</p><p>sobreposição con�itual. A dominação simbólica �xa os cursos relativos às</p><p>línguas e implicam fatores geográ�cos, sociais e políticos concretos,</p><p>determinados pela história. Além disso, as línguas africanas são línguas</p><p>aglutinantes. As funções dos a�xos, su�xos ou pre�xos podem ser</p><p>percebidas nas palavras.</p><p>Dentre as línguas da África Subsaariana há uma distinção entre as</p><p>línguas antigas e as recentes. O peul, wolof e bambara tem status de</p><p>língua nacional. O francês e o inglês, em algumas regiões, são segunda</p><p>língua. Há também a diferença entre os usos: a oralidade e a escrita. A</p><p>língua francesa foi bastante difundida nesse território, ela é falada</p><p>inclusive mesmo de forma rudimentar entre os africanos do interior e os</p><p>povos tradicionais. As línguas nacionais, frequentemente, são usadas na</p><p>escrita, apesar de existirem em algumas localidades, políticas linguísticas</p><p>que focam a descolonização da língua. Por exemplo, há o caso particular</p><p>da Guiné, país que �ca na África Ocidental, próximo do Senegal. Devido</p><p>as intervenções feitas pelo líder político Ahmed Sékou Touré que foi</p><p>presidente entre os anos de 1958 a 1984, existe instituída no país a</p><p>promoção das línguas nacionais. Na Guiné, oito línguas são ensinadas</p><p>nas escolas, entre elas, o peul e o malinque24.</p><p>A respeito da valorização das línguas nacionais, reiteramos que os</p><p>escritores francófonos exercem a função de tradutores culturais, pois, ao</p><p>interpretar o que permanece na memória e cultura dos povos africanos –</p><p>sobretudo, consolidado pela oralidade – elas se tornam fonte de criação</p><p>literária. Sagas e mitos ancestrais resistem, graças à propagação dessas</p><p>línguas. Esses povos que possuem cultura oral determinante integram o</p><p>cenário de criação popular. As marcas culturais se apresentam nas obras,</p><p>é o caso Amadou Hampaté Bâ que recolheu e transcreveu os rituais de</p><p>iniciação da tradição peul e do Mali25.</p><p>Por isso, estes autores são determinantes, para que se possa</p><p>compreender, a cultura e o compartilhamento de línguas. Além disso, a</p><p>tradução das obras cumpre função relevante: primeiro; porque ela</p><p>permite que os clássicos sejam conhecidos, cada vez mais, por um</p><p>número maior de leitores (se consideramos que as obras consagradas são</p><p>traduzidas nos idiomas mais conhecidos) e segundo, porque inserem no</p><p>mercado literário obras, que antes, �cavam conhecidas neste ou naquele</p><p>país. Nota-se que, em geral, esses escritores são plurilíngues, logo a</p><p>tradução é algo recorrente entre eles. Concordamos, parcialmente, com a</p><p>hipótese de Gauvin (1999, p. 12, tradução nossa)</p><p>Sabendo que toda língua de escritura é uma construção no interior de uma língua</p><p>comum, nós formulamos a hipótese que o plurilinguismo textual deve ser considerado</p><p>unicamente como pura escolha estratégica, mais ou menos lúdica segundo o caso, pelo</p><p>qual o primeiro critério de análise permanece a dinâmica global da obra ou a orientação</p><p>estética/ ideológica escolhida.26</p><p>Ora, se o plurilinguismo é uma escolha estratégica, o que dizer, então</p><p>da autotradução? Em alguns casos, as versões podem ser consideradas</p><p>estados de um mesmo texto em outros, elas podem divergir e se</p><p>tornarem textos diferentes. A autotradução está além de uma simples</p><p>transposição, pois, trata-se de uma recreação, de uma reescrita</p><p>condicionada pela mudança de destinatário imaginário já que a escritura</p><p>varia segundo quem ela se destina (COMBE, 2010a).</p><p>A mensagem paradoxal resulta da tensão contraditória entre a busca da</p><p>presença e da vitalidade de uma língua comum em terras múltiplas, ou</p><p>seja, o espaço francofone em que ocorre as trocas culturais, as expressões</p><p>sob todas as formas da alma humana e solidária. Trata-se de um espaço</p><p>de reconhecimento público e de coexistência pací�ca. A Francofonia,</p><p>nesse sentido, pode ser concebida tanto como um projeto político, no</p><p>sentido nobre de engajamento sobre a cidade, quanto um projeto de</p><p>sociedade que colocou no centro as pessoas, suas decisões e utopias.</p><p>Alonso em “Francofonia plural: a expressão de uma nova identidade</p><p>cultural” (Francophonie plurielle: l’expression d’une nouvelle identité</p><p>culturelle, 2004), ao fazer uma abordagem diacrônica do conceito</p><p>considerou a literatura francófona um espaço privilegiado onde se</p><p>expressam diferentes culturas. E para a autora, Francofonia expressa uma</p><p>de�nição tanto cultural, quanto administrativa. Ela reitera, portanto, o</p><p>termo criado, conforme mencionado, por Onésime Reclus em 1880,</p><p>retomado em 1962, na Revista “Espírito” (Esprit). A professora da</p><p>Universidade de Alicante</p><p>registrou ainda que, antes de designar um</p><p>campo linguístico ou literário, a palavra foi empregada no sentido</p><p>geopolítico. E o termo remonta o duplo pertencimento que relaciona</p><p>diversidade e que atualmente designa pessoas que falam e usam a língua</p><p>francesa para escrever obras literárias. Ao cabo destas de�nições,</p><p>observarmos que os teóricos registraram que, no percurso da escrita</p><p>francófona, é possível perceber que ela apresenta fatos da realidade,</p><p>histórica e cultural do país e colocam em questão a identidade ou</p><p>literatura nacional.</p><p>Dentre esses autores, Senghor é o escritor que mais teve seu nome</p><p>aliado ao uso do termo francofonia. Usado na revista “Espírito”, ele foi</p><p>empregado, especi�camente, na edição “O francês no mundo” (Le français</p><p>dans le monde, 1962), no qual o autor escreveu a contribuição “O francês,</p><p>língua e cultura” (Le français, langue de culture). No mesmo ano, Senghor</p><p>propôs a criação de um Commonwealth que serviria para completar os</p><p>acordos bilaterais entre a França e a África, além de favorecer as relações</p><p>multilaterais. Porta voz da francofonia, o senegalês foi fundamental para</p><p>que a expressão fosse difundida, para além, do âmbito geográ�co. Além</p><p>disso, considerou que francófono seja o conjunto de pessoas que usam a</p><p>língua em suas funções e a comunidade que a compartilha, ou seja, que</p><p>resulta na comunicação entre as pessoas.</p><p>Para Alonso (2004) a identidade francófona é paradoxal. Pois, os</p><p>autores, em sua maioria, são nascidos nos territórios que antes foram</p><p>colônias. Isso quer dizer que eles tiveram acesso à língua e cultura</p><p>dominante, e mesmo assim, a desconstruíram tendo em vista a</p><p>diversidade cultural e linguística que os compõem. Em algumas obras,</p><p>por mais que o leitor tenha acesso à língua francesa, se ele não souber</p><p>nem que seja um pouco sobre a cultura e/ou região que inspirou tal</p><p>literatura, a interpretação pode �car limitada. Acreditamos que essas</p><p>obras trazem, de alguma forma em seu corpus, marcas especí�cas da</p><p>cultura de quem as escreveu (por mais que sejam escritas em uma língua</p><p>mais conhecida). Dentre essas características da zona de criação se</p><p>destacam o aspecto étnico, religioso ou ideológico.</p><p>Nesse sentido, nos encaminhamos para o viés, o qual, acreditamos que</p><p>torna o compartilhamento possível, quando pensamos a diversidade dos</p><p>povos: a tradução. Ao considerar que ela é uma maneira de proporcionar</p><p>às pessoas, leituras que antes poderiam �car restritas a este país ou aquela</p><p>língua, entendemos que a Tradução literária pode ser tomada ponto de</p><p>convergência entre as culturas. Todavia sabemos que jamais ela terá a</p><p>resultante totalmente correspondente. Por esse motivo, consideramos</p><p>que a tradução literária, a princípio, tem a�nidades profundas com a</p><p>escritura na língua, a qual, se traduz. É impossível restituir à tradução o</p><p>grau de estrangeirismo, tal qual foi pensado na língua primeira. Trata-se</p><p>de evitar a apropriação etnocêntrica do texto traduzido que reduz a</p><p>alteridade, na qual a transcrição literal desa�a a estrutura da língua alvo.</p><p>Consequente à oralidade “a tradução é uma atividade indispensável em</p><p>toda e qualquer cultura que fale um idioma diferente” (BRITTO, 2012, p.</p><p>11) por esse motivo, muitos aspectos da tradução estão associados à</p><p>língua falada. A relação é feita a partir da necessidade de se traduzir e ela</p><p>pode ser entendida na atividade de recriar obras literárias em outros</p><p>idiomas.</p><p>Sendo a tradução uma atividade tão antiga quanto a humanidade,</p><p>muito antes da invenção da escrita, podemos anotar que sempre houve a</p><p>necessidade da comunicação entre pessoas que falavam línguas</p><p>diferentes. O trabalho era feito por intérpretes que mesmo sem o</p><p>domínio da escrita conseguiam promover a comunicação. Dentre</p><p>pensadores e os estudos da tradução que avançaram no século XXI,</p><p>Cícero foi o primeiro a comentar sobre as problemáticas da tradução.</p><p>Porém, foi apenas após 1970 que se constituiu a área de estudos como</p><p>campo de saber autônomo e que atualmente ocupa lugar de destaque, na</p><p>área de Humanidades. Segundo Britto (2012), o trabalho de tradução</p><p>tem pouca visibilidade. Os leigos, incluindo pessoas que leem</p><p>regularmente e que tem acesso a muitas traduções – não costumam</p><p>pensar sobre a natureza da tarefa de traduzir.</p><p>Compreendemos, assim que, a tradução há de re�etir não somente as</p><p>escolhas feitas pelo tradutor, mas também, as interpretações decorrentes</p><p>do ato de traduzir. Bassnett (2003) chamou esse processo de tradução</p><p>interlinguística para designar o que ocorre na tradução literária, pois,</p><p>cabe ao tradutor, também, o processo criativo que surge da interpretação</p><p>ou seja: “Além disso, o tipo de reprodução da forma, do metro, do ritmo,</p><p>do tom, do registro, etc. será determinado tanto pelo sistema de partida</p><p>como sistema de chegada e dependerá também da função da tradução”</p><p>(BASSNETT, 2003, p. 136).</p><p>Com base nos postulados, consideramos que a tradução literária é em</p><p>si mesma uma forma de criação. Pensar em outro idioma é o início do</p><p>processo, uma vez que é preciso conceber sentidos a partir das trocas</p><p>linguísticas: “[...] é que, sob a diversidade das línguas, existem estruturas</p><p>escondidas que, ou trazem a marca de uma língua originária perdida, ou</p><p>consistem em códigos a priori, em estruturas universais ou, como se diz,</p><p>transcendentais, que devemos poder reconstruir” (RICOEUR, 2011, p.</p><p>39). A �delidade passa a ser, então, algo que o tradutor tende a</p><p>questionar.</p><p>Inevitavelmente, escolhas devem ser feitas durante essa etapa, a</p><p>circunstância é posta por Ricoeur (id., p. 64):</p><p>O dilema �delidade/ traição se coloca como dilema prático, pois não existe critério</p><p>absoluto do que seria uma boa tradução. Esse critério absoluto seria o mesmo sentido,</p><p>escrito em algum lugar, acima e entre o texto de origem e o texto de chegada. Esse</p><p>terceiro texto seria portador de um sentido idêntico suposto circular do primeiro ao</p><p>segundo. Daí o paradoxo, dissimulado sob o dilema prático entre �delidade e uma</p><p>traição: uma boa tradução só pode visar uma equivalência presumida, não fundada</p><p>numa identidade de sentido demonstrável, uma equivalência sem identidade.</p><p>Ricoeur concorda com Benjamin (2008) sobre a tradução ser tarefa.</p><p>Não há, no entanto, como resolver o dilema �delidade/ traição. De modo</p><p>que não há parâmetros �xados para que possamos observar se a tradução</p><p>é perfeita. Para tanto seria necessário dispor de um critério preciso para</p><p>poder comparar o texto de partida e o texto de chegada a um terceiro.</p><p>Este seria portador de sentido idêntico àquele que se supõe circular; a</p><p>mesma coisa dita de um lado para o outro. Por esse motivo a literatura</p><p>francófona, de certa forma, é contra a automatização dos signos e a</p><p>estandardização da língua considerando que a língua não é uma</p><p>exclusividade da França (metropolitana) e a condição de uma pessoa</p><p>plurilíngue envolve a relação deste indivíduo com o patrimônio</p><p>imaterial e cultural que ele pertence.</p><p>Nas literaturas francófonas a identidade nacional dialoga com a</p><p>mundialização. A identidade cultural se de�ne em um conjunto de</p><p>traços próprios a um grupo étnico, que confere a sua individualidade,</p><p>mas também o sentimento de pertencimento de um indivíduo a este</p><p>grupo. Entre esses traços, a língua cumpre um papel determinante</p><p>mesmo se ela desaparece por trás de sua origem étnica, da religião ou</p><p>classe social. Por isso, é preciso que a noção de identidade em si seja</p><p>tomada com precaução, pois, não se deve ser uma concepção �xista da</p><p>cultura. Novamente recorremos a Canclini (1989, p. 304) que tratou</p><p>sobre o conceito em vieses diferenciados. Baseando-se na</p><p>desterritorialização e reterritorialização, ele assinalou:</p><p>Nos intercâmbios da simbólica tradicional com os circuitos internacionais de</p><p>comunicação, com as indústrias culturais e as migrações, não desapareceram as</p><p>perguntas pela identidade e o nacional, pela defesa da soberania, a desigual apropriação</p><p>do saber e da arte27.</p><p>Nesse sentido, notamos que não importa onde seja o local de</p><p>pertencimento. A descrição sistemática, no processo de criação, mobiliza</p><p>saberes dos mais diversos:</p>