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<p>Autora: Profa. Cibele Maria Buoro</p><p>Colaboradores: Prof. Roni Muraoka</p><p>Profa. Christiane Mazur Doi</p><p>Políticas Públicas</p><p>em Comunicação</p><p>Professora conteudista: Cibele Maria Buoro</p><p>Cibele Maria Buoro é pós‑graduada em Comunicação Social (Metodista/SP) e Ciências Políticas (Unicamp/SP),</p><p>graduada em Jornalismo (PUC Campinas/SP) e Direito (UNIP/Campinas‑SP). É professora de jornalismo desde 2001,</p><p>tendo trabalhando em diversos órgãos de imprensa.</p><p>© Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou</p><p>quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem</p><p>permissão escrita da Universidade Paulista.</p><p>Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)</p><p>B944p Buoro, Cibele Maria.</p><p>Políticas Públicas em Comunicação / Cibele Maria Buoro. – São</p><p>Paulo: Editora Sol, 2023.</p><p>112 p., il.</p><p>Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e</p><p>Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517‑9230.</p><p>1. Estado. 2. Políticas públicas. 3. Comunicação. I. Título.</p><p>CDU 659.3</p><p>U518.64 – 23</p><p>Profa. Sandra Miessa</p><p>Reitora</p><p>Profa. Dra. Marilia Ancona Lopez</p><p>Vice-Reitora de Graduação</p><p>Profa. Dra. Marina Ancona Lopez Soligo</p><p>Vice-Reitora de Pós-Graduação e Pesquisa</p><p>Profa. Dra. Claudia Meucci Andreatini</p><p>Vice-Reitora de Administração e Finanças</p><p>Prof. Dr. Paschoal Laercio Armonia</p><p>Vice-Reitor de Extensão</p><p>Prof. Fábio Romeu de Carvalho</p><p>Vice-Reitor de Planejamento</p><p>Profa. Melânia Dalla Torre</p><p>Vice-Reitora das Unidades Universitárias</p><p>Profa. Silvia Gomes Miessa</p><p>Vice-Reitora de Recursos Humanos e de Pessoal</p><p>Profa. Laura Ancona Lee</p><p>Vice-Reitora de Relações Internacionais</p><p>Prof. Marcus Vinícius Mathias</p><p>Vice-Reitor de Assuntos da Comunidade Universitária</p><p>UNIP EaD</p><p>Profa. Elisabete Brihy</p><p>Profa. M. Isabel Cristina Satie Yoshida Tonetto</p><p>Prof. M. Ivan Daliberto Frugoli</p><p>Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar</p><p>Material Didático</p><p>Comissão editorial:</p><p>Profa. Dra. Christiane Mazur Doi</p><p>Profa. Dra. Ronilda Ribeiro</p><p>Apoio:</p><p>Profa. Cláudia Regina Baptista</p><p>Profa. M. Deise Alcantara Carreiro</p><p>Profa. Ana Paula Tôrres de Novaes Menezes</p><p>Projeto gráfico: Revisão:</p><p>Prof. Alexandre Ponzetto Louise de Lemos</p><p>Vera Saad</p><p>Sumário</p><p>Políticas Públicas em Comunicação</p><p>APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................7</p><p>INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................7</p><p>Unidade I</p><p>1 A ORIGEM DO ESTADO .....................................................................................................................................9</p><p>1.1 Nicolau Maquiavel e o poder do príncipe .....................................................................................9</p><p>1.1.1 O uso estratégico da força no Estado de Maquiavel .................................................................11</p><p>1.2 O pacto de submissão de Thomas Hobbes ................................................................................. 11</p><p>1.2.1 O Estado de Natureza de Hobbes ..................................................................................................... 13</p><p>1.2.2 O pacto de submissão no Estado Civil de Hobbes ..................................................................... 14</p><p>1.3 O pacto de consentimento de John Locke ................................................................................. 15</p><p>1.3.1 O Estado Civil de Locke ......................................................................................................................... 16</p><p>1.3.2 Consentir ao Estado Civil para consolidar direitos ................................................................... 16</p><p>1.4 Rousseau e a convenção como contrato social ....................................................................... 17</p><p>1.4.1 Formar a sociedade para defesa e proteção de si ..................................................................... 17</p><p>1.4.2 A vontade geral em Rousseau ........................................................................................................... 18</p><p>2 CONCEITOS DE PODER E DE DEMOCRACIA .......................................................................................... 21</p><p>2.1 Conceito de Poder ................................................................................................................................ 21</p><p>2.2 Conceito de democracia .................................................................................................................... 23</p><p>3 CONCEITO DE CIDADANIA ........................................................................................................................... 28</p><p>4 CONCEITO DE POLÍTICAS PÚBLICAS ......................................................................................................... 38</p><p>Unidade II</p><p>5 MEIOS DE COMUNICAÇÃO .......................................................................................................................... 47</p><p>5.1 Estado e meios de comunicação .................................................................................................... 51</p><p>6 O SISTEMA PÚBLICO DE COMUNICAÇÃO NO MUNDO E NO BRASIL ......................................... 53</p><p>6.1 História do sistema público de comunicação ........................................................................... 57</p><p>Unidade III</p><p>7 OS PRIMEIROS DEBATES NO MUNDO SOBRE POLÍTICAS PÚBLICAS EM COMUNICAÇÃO ............ 72</p><p>7.1 O Relatório McBride ............................................................................................................................ 73</p><p>7.2 A participação popular em políticas públicas: o papel da sociedade civil .................... 85</p><p>8 EMISSORAS DE RADIODIFUSÃO COMUNITÁRIAS, EDUCATIVAS E UNIVERSITÁRIAS ........... 88</p><p>8.1 A regulação da radiodifusão educativa ....................................................................................... 88</p><p>8.2 A regulação da radiodifusão comercial ....................................................................................... 97</p><p>8.3 A regulação da radiodifusão comunitária .................................................................................. 97</p><p>7</p><p>APRESENTAÇÃO</p><p>Prezado aluno, bem‑vindo!</p><p>Esta disciplina aborda o Estado como instituição de maior autoridade política, legitimada pelo voto</p><p>popular em democracias consolidadas, com competência para criar, aprovar e implementar políticas</p><p>públicas e, dessa forma, regulamentar a atuação dos meios de comunicação.</p><p>Devemos ter ampla compreensão da importância dos meios de comunicação na democracia, já que</p><p>eles são capazes de intervir tanto no fortalecimento como enfraquecimento do Estado, e, diante de um</p><p>direito humano como é o acesso às informações, o Estado é a instituição com poder para proteger e</p><p>estimular a diversidade informativa da qual a sociedade depende para preservar a democracia, promover</p><p>a justiça social e reduzir as desigualdades sociais. O fortalecimento do Estado, portanto, é condição</p><p>essencial para a cidadania.</p><p>Assim, a relação entre sociedade civil e meios de comunicação deve ser alicerçada no interesse</p><p>público e a produção de informações que atendam a ele é o caminho para sociedade democráticas,</p><p>justas, igualitárias, que respeitam o meio ambiente, os direitos humanos, os povos originários, as crianças,</p><p>as mulheres e pessoas idosas.</p><p>As políticas públicas em comunicação, estimuladas, criadas, defendidas e implementadas pelo Estado</p><p>com a participação da sociedade civil são as discussões que ofereceremos nas unidades I, II e III.</p><p>INTRODUÇÃO</p><p>Prezado aluno,</p><p>Quando as políticas públicas em comunicação se tornam uma atribuição do Estado? Para que</p><p>possamos responder a esta indagação, é importante compreendermos a evolução do Estado ao longo</p><p>do tempo, as razões de seu surgimento, assim como a progressão das demandas a serem atendidas por</p><p>ele diante das necessidades</p><p>organizações públicas e privadas, como entes da sociedade civil, agem de acordo com seus interesses e</p><p>essas ações, eventualmente, podem causar prejuízos ou contrariar o pacto social. Nesse caso, é dever do</p><p>jornalista investigar tais ações, pois seu compromisso, lembrando, é com a sociedade. O que é de interesse</p><p>da sociedade é pauta (assunto) para o jornalismo. Quando esses interesses são violados, agredidos ou</p><p>vilipendiados, também é pauta para que o jornalista investigue esses crimes.</p><p>36</p><p>Unidade I</p><p>Quando questionados pelos jornalistas, esses entes públicos ou privados não podem, por dever</p><p>aos princípios democráticos e atendendo ao Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, sonegar</p><p>informações, respeitando‑as como uma obrigação social, respondendo todas as perguntas dos</p><p>profissionais de comunicação.</p><p>No entanto, nem sempre os entes públicos ou privados respeitam os princípios democráticos ou</p><p>atendem aos pedidos de entrevistas feitos pelos jornalistas. Diante de uma recusa, cabe aos profissionais</p><p>de imprensa recorrerem ao CEJB, além de instruírem tais entes de que a informação é um bem público.</p><p>Se ainda a recusa persistir, os jornalistas informam no corpo da reportagem que o pedido de entrevista</p><p>foi feito – o que é um dos deveres do jornalismo –, mas não houve resposta.</p><p>Outro documento que garante o direito à informação aos brasileiros é a Constituição Federal de</p><p>1988, em seu capítulo V, artigo 220, como já mencionado nesta unidade. O parágrafo 1º do artigo 220</p><p>afirma: “Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação</p><p>jornalística em qualquer veículo de comunicação social”.</p><p>Nesta unidade estudaremos apenas este artigo, e nas demais aprofundaremos nossos estudos sobre</p><p>os demais parágrafos do artigo 220. Este primeiro parágrafo é claro em definir o direito à informação</p><p>jornalística e o direito de se manter informado, considerando que a informação é um bem público de</p><p>interesse social.</p><p>Até aqui conhecemos o percurso histórico dos direitos humanos fundamentais, os documentos,</p><p>as leis e as constituições que ratificaram, ou seja, que validaram tais direitos como legítimos de serem</p><p>executados na sociedade para garantir e preservar a vida, a dignidade e as garantias individuais dos</p><p>homens. É importante ressaltar que os direitos humanos fundamentais são aqueles “destinados a</p><p>proteger o ser humano e sua dignidade em todas as dimensões, incluindo os direitos individuais e</p><p>políticos, econômicos sociais e culturais e de solidariedade” (Maia, 2012, p. 268).</p><p>A partir de agora, vamos entender como todo esse conjunto de direitos influenciou e ajudou a definir</p><p>o conceito de cidadania. Se hoje ser considerado um cidadão é ter acesso aos direitos resguardados</p><p>pelo capítulo I da Constituição Federal de 1988, que trata dos Direitos e Deveres Individuais e</p><p>Coletivos, pelo capítulo II, Dos Direitos Sociais, pelo capítulo III, da Nacionalidade, pelo capítulo IV,</p><p>dos Direitos Políticos e pelo capítulo V, dos Partidos Políticos, isso é reflexo do histórico dos direitos</p><p>fundamentais e sua consolidação no decorrer do tempo.</p><p>Os direitos humanos fundamentais, surgidos ao longo do tempo, serviram de base e exemplo</p><p>para que a Carta Magna de 1988 definisse quais seriam os direitos dos cidadãos brasileiros. E assim</p><p>fizeram outros países. Vejamos quais são esses direitos e vamos relacioná‑los às dimensões dos</p><p>direitos humanos.</p><p>37</p><p>POLÍTICAS PÚBLICAS EM COMUNICAÇÃO</p><p>O capítulo I (Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos) afirma, entre outros direitos, o da</p><p>igualdade de todos perante a lei, a liberdade de ação, com exceção em virtude de lei, a livre manifestação</p><p>do pensamento, a liberdade religiosa, a liberdade intelectual, a inviolabilidade da intimidade, a</p><p>vida privada e da honra, entre mais direitos dispostos em seus 77 incisos. Trata‑se de direitos civis</p><p>(de primeira dimensão) e sociais (de segunda dimensão).</p><p>No capítulo II (Dos Direitos Sociais), lemos em seu artigo 6º: “São direitos sociais a educação, a saúde,</p><p>o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência</p><p>aos desamparados, na forma desta Constituição”.</p><p>O capítulo II da Constituição Federal (CF) de 1988 garante aos cidadãos os direitos de segunda</p><p>dimensão, que são os econômicos, desdobrados na CF como benefícios trabalhistas (salários, jornada</p><p>de trabalho, fundo de garantia por tempo de serviço, salário mínimo, piso salarial, férias, licenças</p><p>maternidade e paternidade, entre outros, dispostos em seus 34 incisos).</p><p>Por sua vez, o capítulo III (da Nacionalidade) trata do direito de pertencer ao solo brasileiro, ou</p><p>seja, à nacionalidade, que, na classificação dos direitos humanos fundamentais, são os direitos civis, de</p><p>primeira dimensão.</p><p>Já o capítulo IV (dos Direitos Políticos) e o V (dos Partidos Políticos), entre os direitos por eles</p><p>garantidos estão o do voto direto, secreto, com valor igual para todos, idade permitida para ser eleito</p><p>aos cargos de vereador, deputado, governador e presidente da República, quem são os inelegíveis e a</p><p>liberdade para a criação de partidos políticos. Também são direitos políticos a liberdade de associação</p><p>aos sindicatos, de participar de protestos e passeatas, de filiar‑se a qualquer partido político, escolas</p><p>ou associações de bairro.</p><p>Todos os direitos dos capítulos IV e V pertencem à primeira dimensão dos direitos humanos. Contudo,</p><p>nenhum desses direitos se garante por si só. Para exercermos uma cidadania plena, robusta e inabalável</p><p>são necessários vigilância, proteção a esses direitos, lutas sociais e enfrentamento político.</p><p>Essas ações são necessárias porque, conforme afirma Covre (2002, p. 10), “quem detém o poder cuida</p><p>de encaminhar as coisas na direção que atenda basicamente aos seus interesses, e não ao interesse de</p><p>todos”. Ainda segundo Covre (2002), a cidadania existirá se houver a prática da reivindicação dos direitos</p><p>e da ocupação de espaços que pertençam aos cidadãos. “O primeiro pressuposto dessa prática [da</p><p>cidadania] é que esteja assegurado o direito de reivindicar os direitos, e que o conhecimento deste se</p><p>estenda cada vez mais a toda a população” (Covre, 2002, p. 10).</p><p>38</p><p>Unidade I</p><p>4 CONCEITO DE POLÍTICAS PÚBLICAS</p><p>São políticas públicas as ações dos governos que têm como objetivo atender às demandas sociais;</p><p>ou também o conjunto de atividades do poder público que provoca impactos sobre a vida da população.</p><p>Pode‑se dizer ainda que uma política é pública quando o Estado participa dela como agente indutor da</p><p>ação. Segundo Castro (2008, p. 66), o Estado é fundamental na mobilização e articulação dos diferentes</p><p>interesses (setor privado e sociedade civil) envolvidos nas políticas públicas.</p><p>Toda política pública deve promover o bem da coletividade e o desenvolvimento dos indivíduos,</p><p>respeitando os direitos que estes detêm (Castro, 2008). As políticas públicas, portanto, dependem da</p><p>ação e da iniciativa dos poderes e dos governos. Mas como apresentado no tópico anterior (conceito</p><p>de cidadania), os indivíduos organizados na sociedade civil devem reivindicar o poder de decisão, de</p><p>demandar serviços públicos, de solicitar os serviços que sejam de seus interesses e que atendam às suas</p><p>necessidades. Ou seja, a sociedade civil não pode se acomodar e aceitar depender das benesses do Estado.</p><p>O conceito de políticas públicas envolve o debate em torno de ideias e interesses (Souza, 2006) e</p><p>outro aspecto importante é o envolvimento do governo nesta relação. Em países governados pelo</p><p>modelo neoliberal, “o poder do Estado em regular as suas economias também tem declinado em função</p><p>do surgimento [...] de um mercado genuinamente mundial” (Anderson et al., 1995, p. 147). Portanto, a</p><p>considerar que o modelo neoliberal defende a redução das funções e influência do Estado na economia</p><p>e na oferta de serviços públicos, tal fato poderá gerar uma relação conflituosa entre sociedade civil,</p><p>políticas públicas e governo, porque, “o neoliberalismo produziu</p><p>um retrocesso social muito pronunciado,</p><p>com o agravamento das desigualdades em todos os lugares em que ele foi implementado” (Anderson</p><p>et al., 1995, p. 145).</p><p>Ainda segundo os autores, “se analisarmos com precisão o que tem sido (e são) as políticas</p><p>neoliberais, concluiremos que elas foram (e são) fundamentalmente políticas econômicas de exclusão</p><p>social” (1995, p. 155).</p><p>Observação</p><p>O neoliberalismo surgiu logo depois da Segunda Guerra Mundial, na</p><p>região da Europa e da América do Norte, onde imperava o capitalismo.</p><p>Segundo o historiador, ensaísta e político britânico, professor de História</p><p>e Sociologia na Universidade da Califórnia, em Los Angeles, Estados</p><p>Unidos, Perry Anderson, desde que passou a ser reproduzido pelo mundo,</p><p>o neoliberalismo criou sociedades “marcadamente mais desiguais”</p><p>(Anderson et al., 1995, p. 23).</p><p>Já aprendemos nesta unidade sobre o estado de bem‑estar social ocorrido na Europa no pós‑Guerra,</p><p>quando serviços públicos de assistência social foram implementados como forma de reerguer a economia</p><p>e atender às necessidades de serviços de saúde, educação, seguridade alimentar e previdenciária da</p><p>população para reduzir as desigualdades. O fato de essas políticas serem planejadas e disponibilizadas à</p><p>39</p><p>POLÍTICAS PÚBLICAS EM COMUNICAÇÃO</p><p>sociedade é um exemplo de políticas públicas, pois a proposta de tais ações é beneficiar a população e</p><p>atender suas necessidades materiais de existência, como moradia, transporte, emprego e saúde.</p><p>Para que o Estado crie e oferte políticas públicas à população, é necessário que haja orçamento, ou</p><p>seja, recursos oriundos da cobrança de impostos que recaem sobre toda a sociedade de consumo. Esses</p><p>recursos são arrecadados na economia por meio de tributos de consumo e impostos de produção das</p><p>indústrias, para citar alguns exemplos. Porém, há um outro modelo político‑econômico de Estado – o</p><p>neoliberal – que impõe “a diminuição dos gastos sociais” (Gros, 2004) e, dessa forma, a capacidade</p><p>dos governos de implementar e oferecer à população políticas públicas torna‑se limitada. Quando as</p><p>privatizações retiram do Estado seu poder de decisão sobre setores que atendem direta ou indiretamente a</p><p>população – como a administração de serviços de saneamento, água e energia elétrica – comprometem</p><p>a função social do Estado, pois é este agente público que deve elaborar, atender, criar, disponibilizar e</p><p>ofertar as políticas públicas.</p><p>Como aponta Gros (2004), o neoliberalismo tem sido o sistema econômico‑político presente em</p><p>várias partes do mundo:</p><p>No contexto internacional, a doutrina neoliberal passou a ser o fundamento</p><p>de políticas públicas, configurando‑se como ideologia conservadora e</p><p>hegemônica no Ocidente a partir do final dos anos de 1970 e, sobretudo,</p><p>durante a década de 1980, quando foi posta em prática pelos governos</p><p>Thatcher, na Grã‑Bretanha, e Reagan, nos Estados Unidos. Além desses,</p><p>quase todos os países da Europa ocidental tiveram governos de direita que</p><p>adotaram as reformas liberais nesse período. Mas, foi na América Latina</p><p>que ocorreu a “primeira experiência neoliberal sistemática do mundo”</p><p>(Anderson,1995, p. 19 apud Gros, 2004).</p><p>O neoliberalismo reúne um conjunto de princípios, entre eles, a liberdade econômica, a iniciativa do</p><p>mercado e o lucro (Gros, 2004). Ainda segundo Gros (2004), os neoliberais defendem que a desigualdade</p><p>social decorre da interferência do Estado na economia, impedindo a livre competição entre os</p><p>mercados e a livre iniciativa privada. No entanto, ao mesmo tempo em que reconhecem que o mercado</p><p>reproduz a pobreza, os neoliberais rejeitam os preceitos do Estado de Bem‑Estar Social para reduzir a</p><p>desigualdade social e não admitem a “redistribuição do gasto social, que vise a atender a um objetivo de</p><p>igualdade de participação na distribuição da riqueza produzida socialmente” (Gros, 2004).</p><p>Lembrete</p><p>Neste ponto da disciplina, vale retornarmos aos clássicos contratualistas,</p><p>Maquiavel, Locke, Hobbes e Rousseau: o Estado foi idealizado e constituído</p><p>pela sociedade civil para garantir a vida, a propriedade e a liberdade dos</p><p>indivíduos.</p><p>40</p><p>Unidade I</p><p>Dessa forma, como indutor das políticas públicas, o Estado precisa ser compromissado com a</p><p>população e administrar os recursos públicos – os tributos – de forma que beneficiem toda a sociedade.</p><p>Quanto mais políticas públicas, quanto mais serviços ofertados, quanto mais igualdade, justiça social e</p><p>oportunidades, mais se avança na construção da cidadania.</p><p>As políticas públicas afetam toda a sociedade, independente de raça, localização geográfica, nível</p><p>econômico‑social e educacional. Sendo a democracia o governo de todos, os indivíduos possuem</p><p>legitimidade – ou seja, estão respaldados de direitos – para as reivindicar. São políticas públicas os</p><p>projetos, ações, atividades ou destinação de verbas para áreas como saúde, educação, transporte público,</p><p>meio ambiente, moradia, assistência social, lazer, segurança, entre outros. Um exemplo de políticas</p><p>públicas na saúde são as campanhas de vacinação, como a da covid‑19, paralisia infantil, H1N1, para</p><p>citar algumas.</p><p>Figura 13 – Divulgação governamental de política pública na área da saúde</p><p>Fonte: Ascom Prefeitura Lucas do Rio Verde; Corsino (2022).</p><p>É importante distinguir políticas públicas de Estado das políticas de governo. A política pública</p><p>de governo é executada por um determinado governante e pode deixar de existir quando houver a</p><p>alternância de poder, ou seja, quando esse governante perder a eleição e tiver de desocupar o poder.</p><p>Há políticas públicas que são desvinculadas de qualquer governo, isto é, não dependem de um</p><p>determinado mandatário para serem implementadas porque estão amparadas pela Constituição</p><p>41</p><p>POLÍTICAS PÚBLICAS EM COMUNICAÇÃO</p><p>Federal, como são as campanhas de vacinação. Mesmo que haja troca de governantes pelas eleições, as</p><p>campanhas de vacinação ocorrerão todos os anos, por exemplo.</p><p>Portanto, segundo Souza (2006):</p><p>[...] política pública [...] busca, ao mesmo tempo, “colocar o governo em</p><p>ação” e/ou analisar essa ação (variável independente) e, quando necessário,</p><p>propor mudanças no rumo ou curso dessas ações (variável dependente).</p><p>A formulação de políticas públicas constitui‑se no estágio em que os</p><p>governos democráticos traduzem seus propósitos e plataformas eleitorais</p><p>em programas e ações que produzirão resultados ou mudanças no mundo</p><p>real (Souza, 2006).</p><p>São políticas públicas constitucionais, vinculadas aos direitos fundamentais, as que se referem às</p><p>áreas de saúde, educação, moradia, direito dos presos, direito das crianças e dos adolescentes, direito dos</p><p>idosos, direto à acessibilidade, à assistência jurídica gratuita para a população vulnerável, entre outros.</p><p>Para Thomas Dye (apud Fonte, 2015), política pública será tudo aquilo que o governo decida fazer ou</p><p>não. Segundo outro pensador, William Jenkins (apud Fonte, 2015):</p><p>política pública é um conjunto de decisões inter‑relacionadas tomadas por</p><p>um indivíduo ou grupo de atores políticos a respeito da escolha de objetivos</p><p>e os meios de alcançá‑los em uma situação específica, onde tais decisões</p><p>devem, em princípio, estar inseridas no poder de alcance destes atores.</p><p>Para Jenkins, as políticas públicas, para se concretizarem, dependem do envolvimento de vários</p><p>atores, decisões, escolhas e meios para alcançá‑las.</p><p>Como exemplo, não se pode admitir a supressão de direitos políticos, como ocorreu durante os 21 anos</p><p>de ditadura militar, de 1964 a 1985. Neste período, opositores do regime militar foram perseguidos, presos,</p><p>torturados, assassinados e desaparecidos.</p><p>Já estudamos nesta unidade que o capítulo IV (dos Direitos Políticos) e o V (dos Partidos Políticos)</p><p>da Constituição Federal de 1988 preservam e garantem os direitos humanos fundamentais de primeira</p><p>geração. Portanto, o período de exceção – a ditadura militar de 1964 – violou as prerrogativas deste</p><p>direito humano – o dos direitos políticos – que, àquela época, já havia sido consolidado pela Declaração</p><p>Universal dos</p><p>Direitos Humanos de 1948, mas, no Brasil, só foram adotados e inseridos na Carta</p><p>Magna em 1988.</p><p>A ditadura militar, que teve cinco generais (Castelo Branco, Costa e Silva, Garrastazu Médici, Ernesto</p><p>Geisel e Baptista Figueiredo) conduzidos ao cargo de presidentes da República sem o consentimento do</p><p>voto popular, autorizou várias práticas de tortura aos seus opositores políticos, entre eles trabalhadores,</p><p>estudantes, artistas, professores e intelectuais.</p><p>42</p><p>Unidade I</p><p>Saiba mais</p><p>Para conhecer o período da ditadura e os métodos de tortura empregados</p><p>pelo regime militar, o livro Brasil: nunca mais, da editora Vozes, traz relatos</p><p>de torturados, instrumentos de tortura, como o sistema repressivo se</p><p>consolidou no Brasil, a origem do Estado autoritário, os limites extremos da</p><p>tortura, entre outros temas.</p><p>ARNS, D. P. E. Brasil: nunca mais. Petrópolis: Vozes, 2014.</p><p>É importante ressaltar que, mesmo com a existência e a aceitação dos documentos que consolidaram</p><p>os direitos humanos fundamentais, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, os</p><p>direitos humanos foram violados e vilipendiados.</p><p>A trajetória percorrida pelos direitos humanos fundamentais ao longo do tempo, até se concretizar</p><p>em políticas públicas ancoradas nestes mesmos direitos, demonstrou que o caminho de conquista é</p><p>longo e árduo, mas para o seu inverso – o de destruição, supressão e aniquilação – basta a decisão de um</p><p>governo. É por isso que os direitos humanos e as políticas públicas devem ser defendidas, reivindicadas</p><p>e ocupadas pela sociedade civil por meio de organizações de bairro, entidades de classes, sindicatos,</p><p>partidos políticos, grêmios estudantis, entre outros.</p><p>Ao final dos anos 1980, movimentos sociais se organizaram e lutaram pelo fim dos governos</p><p>militares e do regime autoritário. Esses movimentos defenderam pautas de redemocratização do país e</p><p>políticas públicas.</p><p>43</p><p>POLÍTICAS PÚBLICAS EM COMUNICAÇÃO</p><p>Resumo</p><p>A proposta desta unidade foi propiciar ao aluno uma ampla abordagem</p><p>histórica e conceitual que começou com o conceito de Estado, revisitando</p><p>os pensadores políticos clássicos (Maquiavel, Hobbes, Locke e Rousseau).</p><p>Também estudamos os conceitos de Poder, Democracia, Cidadania e</p><p>Políticas Públicas, oferecendo ao aluno os conhecimentos sobre direitos</p><p>humanos a partir da recuperação histórica dos mais importantes</p><p>acontecimentos, como o estado de bem‑estar social na Europa e o</p><p>Holocausto.</p><p>Sobre os fatos políticos do Brasil, compreendemos como a ditadura</p><p>militar e as torturas violaram os direitos humanos e deslegitimaram</p><p>documentos e tratados internacionais como a Declaração Universal dos</p><p>Direitos Humanos.</p><p>Estudamos como as políticas públicas, planejadas e implementadas pelo</p><p>Estado, são essenciais para garantir a justiça social, a igualdade e qualidade</p><p>de vida da sociedade civil.</p><p>Esta unidade também abordou o Código de Ética dos Jornalistas</p><p>Brasileiros (CEJB) para mostrar como a informação é também um direito do</p><p>indivíduo, garantida pela Constituição Federal de 1988.</p><p>44</p><p>Unidade I</p><p>Exercícios</p><p>Questão 1. (Enade, 2019) Leia o texto a seguir.</p><p>Enquanto no pacto hobbesiano, visando à preservação de vidas em uma guerra de lobos, os</p><p>indivíduos transferiam a um terceiro (homem ou assembleia) a força coercitiva da comunidade, trocando</p><p>voluntariamente a sua liberdade pela segurança do Estado Leviatã, no pacto lockeano os indivíduos</p><p>concordavam livremente em formar a sociedade civil para preservar e consolidar ainda mais os direitos</p><p>que possuíam originalmente no estado de natureza (como os direitos à vida, à liberdade, à propriedade).</p><p>Ou seja, a teoria do contrato social, que funda o Estado Moderno, joga o indivíduo para antes da sociedade</p><p>política, atribuindo‑lhe direitos individuais, direitos esses desconhecidos dos gregos e romanos.</p><p>Adaptado de: ODON, T. I. Democracia liberal e direitos individuais: a epistemologia jurídica por</p><p>trás do Estado Moderno. Revista de Informação Legislativa, Brasília, v. 44, n. 175, 2007.</p><p>Considerando o que se afirma no texto apresentado e as ideias de Hobbes e de Locke acerca do tema</p><p>tratado, assinale a opção correta.</p><p>A) No Estado hobbesiano, a segurança é garantida pelos próprios indivíduos, que abriram mão de sua</p><p>liberdade ao aderirem ao pacto.</p><p>B) Nas teorias contratualistas, afirma‑se a existência de direitos originários dos indivíduos, cuja</p><p>manutenção é assegurada pelo pacto social.</p><p>C) Tanto no pacto hobbesiano quanto no lockeano o contrato social tem como finalidade principal</p><p>a preservação da vida e da segurança dos indivíduos em ambiente social.</p><p>D) Nas teorias contratualistas, os direitos à liberdade e à propriedade são uma consequência do</p><p>Estado Civil.</p><p>E) O pacto lockeano é realizado entre indivíduos que temem perder seu direito à vida, à liberdade e</p><p>à propriedade.</p><p>Resposta correta: alternativa B.</p><p>Análise das alternativas</p><p>A) Alternativa incorreta.</p><p>Justificativa: segundo a teoria hobbesiana, é o Estado que garante a segurança, e não os próprios</p><p>indivíduos pactuantes.</p><p>45</p><p>POLÍTICAS PÚBLICAS EM COMUNICAÇÃO</p><p>B) Alternativa correta.</p><p>Justificativa: em todas as teorias contratualistas, há uma ideia de direito natural dos indivíduos.</p><p>O Estado criado pelo contrato social advém de um acordo hipotético dos indivíduos para melhor</p><p>assegurar seus direitos naturais.</p><p>C) Alternativa incorreta.</p><p>Justificativa: o pacto hobbesiano é fundamentado na preservação da segurança, e o pacto lockeano</p><p>é legitimado na proteção da propriedade. O estado de natureza hobbesiano implica estado de guerra; os</p><p>estados de natureza e de guerra lockeanos são distintos.</p><p>D) e E) Alternativas incorretas.</p><p>Justificativa: na teoria hobbesiana, só existem direitos efetivos após a criação do Estado. Na</p><p>filosofia lockeana, porém, desde o estado da natureza, a liberdade e a propriedade são direitos naturais</p><p>divinamente estabelecidos. Sendo tais direitos naturais, para Locke, eles poderiam até ser violados, mas</p><p>nunca perdidos ou cedidos a outrem.</p><p>Questão 2. (Enade, 2017) Leia o texto a seguir.</p><p>O príncipe não precisa possuir todas as qualidades acima citadas [piedade, lealdade, humanidade,</p><p>integridade e religiosidade], bastando que aparente possuí‑las. Antes, teria eu a audácia de afirmar</p><p>que, possuindo‑as e usando‑as todas, essas qualidades seriam prejudiciais, ao passo que, aparentando</p><p>possuí‑las, são benéficas. Por exemplo: de um lado, parecer ser efetivamente piedoso, fiel, humano,</p><p>íntegro, religioso e, de outro, ter o ânimo de, sendo obrigado pelas circunstâncias a não o ser, tornar‑se</p><p>o contrário. Nas ações de todos os humanos, máxime dos príncipes, onde não há tribunal a recorrer, o</p><p>que importa é o êxito bom ou mau. Procure, pois, o príncipe vencer e conservar o Estado.</p><p>Adaptado de: MAQUIAVEL, N. O príncipe. São Paulo: Nova Cultural, 1987.</p><p>Considerando as ideias expostas no trecho apresentado e a concepção política de Maquiavel, avalie</p><p>as afirmativas.</p><p>I – A visão de Maquiavel é marcada pela compreensão da política também como um fim em si</p><p>mesma, ou seja, não apenas como meio para alcançar outros fins.</p><p>II – Maquiavel concebe a política como estudo dos mecanismos de controle do povo e de</p><p>sustentação do príncipe no poder, por meio do uso da força e de outras estratégias destituídas</p><p>de orientação moral.</p><p>III – Maquiavel considera que o espaço da política é dinâmico e histórico e que o governante deve ser</p><p>capaz de interpretar o momento histórico, agindo com base nos resultados de sua ação, sem absolutizar</p><p>ideais éticos prévios e abstratos.</p><p>46</p><p>Unidade I</p><p>É correto o que se afirma em:</p><p>A) I, apenas.</p><p>B II, apenas.</p><p>C) I e III, apenas.</p><p>D) II e III, apenas.</p><p>E) I, II e III.</p><p>Resposta correta: alternativa D.</p><p>Análise das afirmativas</p><p>I – Afirmativa incorreta.</p><p>Justificativa: para Maquiavel, a política não é um fim em si mesmo.</p><p>II – Afirmativa correta.</p><p>Justificativa: em sua obra O príncipe, Maquiavel aponta meios de como o governante deve agir, seja</p><p>pela força, seja por outros mecanismos, para manter o poder.</p><p>III –</p><p>Afirmativa correta.</p><p>Justificativa: uma das contribuições de Maquiavel é a dissociação entre o legado ético‑moral</p><p>e a política.</p><p>sociais.</p><p>No caso do Brasil, a partir da Constituição de 1988, quando um capítulo específico – o V – Da comunicação</p><p>social (artigos 220 a 224) – passou a atribuir ao Estado a competência da regulamentação e legislação da</p><p>comunicação pública, a informação tem sido interpretada como um direito do cidadão. E, sendo um direito</p><p>do indivíduo, ocupando a mesma prioridade de outras necessidades sociais, a comunicação social depende</p><p>de políticas públicas para que o Estado consolide a democracia, garanta a participação da sociedade civil em</p><p>diferentes esferas e fortaleça a cidadania.</p><p>Na unidade I, estudaremos quatro pensadores da Política – Maquiavel, Hobbes, Locke e Rousseau –</p><p>direcionando nossa atenção para o contexto histórico de cada época no que se refere ao surgimento</p><p>do Estado e à evolução do discurso político sobre suas atribuições. A unidade contempla, inclusive, a</p><p>parte conceitual da disciplina, apresentando os conceitos de Poder, Democracia, Cidadania e Políticas</p><p>Públicas. A compreensão desses conceitos é de extrema relevância, pois proporcionará a você entender,</p><p>8</p><p>interpretar e refletir a respeito das discussões teóricas, históricas e técnicas que surgirão ao longo</p><p>dos estudos.</p><p>Na unidade II iniciaremos o aprendizado apresentando a você o conceito teórico e histórico dos</p><p>meios de comunicação, ampliando a discussão para Estado e meios de comunicação. Em regimes</p><p>democráticos, o Estado é a maior autoridade política, com poder legítimo concedido pela sociedade</p><p>civil pelo voto. Dessa forma, é a entidade com competência para criar e garantir a execução de políticas</p><p>públicas em comunicação.</p><p>As discussões propostas na unidade estão norteadas pela relevância de se ampliar e distribuir</p><p>canais de rádio e televisão para promover uma maior diversidade de discursos, matizes ideológicas,</p><p>pluralidade de vozes e divulgação de divergentes pontos de vista.</p><p>Conceitos como concentração de mídia, a compreensão sobre o poder dos meios de comunicação e</p><p>seus efeitos na sociedade civil permitirão a você, aluno, refletir sobre a atuação das grandes empresas de</p><p>rádio e televisão no Brasil. Ao considerar que a justiça social, a redução da desigualdade e da pobreza estarão</p><p>asseguradas quando a prática da comunicação for guiada pelo interesse público, é importante discutir,</p><p>como faremos na unidade II, a competência do Estado para regulamentar os veículos de comunicação</p><p>com políticas públicas. Para consolidar esses conhecimentos, apresentamos exemplos de reportagens</p><p>que objetivaram alavancar a audiência, em prejuízo aos direitos humanos e da ética profissional.</p><p>Na terceira e última unidade, revisitaremos os fatos históricos que definiram a criação da Organização</p><p>das Nações Unidas e da Unesco. Contudo, nos interessam os estudos sobre os motivos que conduziram</p><p>a Unesco, nos anos 1960, a compreender e estudar como a produção de informações interferia na</p><p>desigualdade política, econômica e informativa entre os países. O resultado desse estudo foi registrado em</p><p>um documento intitulado Relatório McBride, cujas principais conclusões conheceremos na unidade III.</p><p>Esse relatório é importante, pois foram seus resultados que promoveram as discussões pioneiras sobre a</p><p>necessidade de políticas públicas em comunicação.</p><p>Trataremos também das leis, decretos‑lei e demais normas constitucionais que já compuseram e</p><p>hoje compõem o Código Brasileiro de Telecomunicações, que passa a valer em 1962. Desde o início de</p><p>seu estabelecimento, o Código Brasileiro de Telecomunicações foi modificado, alterado e atualizado,</p><p>portanto nossos estudos partem das primeiras políticas de comunicação. Notaremos que, ao longo das</p><p>modificações da legislação sobre meios de comunicação, a participação da sociedade civil foi sempre</p><p>impedida, apesar de a comunicação social ser um direito do cidadão, garantido pela Constituição</p><p>Federal de 1988.</p><p>Bons estudos!</p><p>9</p><p>POLÍTICAS PÚBLICAS EM COMUNICAÇÃO</p><p>Unidade I</p><p>1 A ORIGEM DO ESTADO</p><p>Para compreender a origem do Estado, é preciso estudar as obras de Maquiavel, Hobbes, Locke e</p><p>Rousseau, quatro dos maiores filósofos e pensadores da política.</p><p>1.1 Nicolau Maquiavel e o poder do príncipe</p><p>Iniciemos por Maquiavel, autor de um livro que se tornou um clássico dos estudos políticos:</p><p>O príncipe, datado entre 1512 e 1513. Nesta obra, o autor escreve um tratado de como permanecer no</p><p>poder. No período de Maquiavel abundavam as guerras por territórios, reis eram depostos e decapitados,</p><p>havia invasões às nações estrangeiras e a escravização dessas populações por parte dos vencedores.</p><p>Todos esses acontecimentos inspiraram Maquiavel a escrever O príncipe, que, mais do que uma obra, é</p><p>um tratado que tem o poder como objeto único de reflexão.</p><p>O príncipe é um tratado de estratégia política sobre a conquista de territórios e como mantê‑los</p><p>posteriormente. A obra apresenta, também, quais seriam as qualidades dignas de um líder político,</p><p>os instrumentos estratégicos para permanecer no poder, como as boas leis, as boas armas (exército</p><p>próprio e fiel) e a autonomia militar do príncipe.</p><p>A obra não constrói teorias sobre democracia, mas tece reflexões irretocáveis a partir de observações</p><p>dos fenômenos políticos e do poder. Na época de Nicolau Maquiavel, que nasceu em 1469 e morreu</p><p>em 1527, os súditos eram oprimidos por reis absolutistas, que detinham o poder de decidir sobre a vida</p><p>dos indivíduos, assim como sobre a liberdade e a propriedade de todos. Adversários políticos dos reis</p><p>eram presos por sua vontade, além de torturados e condenados às masmorras. Diante da recusa em</p><p>pagar os altos tributos cobrados pela realeza, a punição era a perda da propriedade e o encarceramento.</p><p>Não havia leis, prevalecendo a vontade do monarca, que decidia pela vida ou morte, pela liberdade ou</p><p>aprisionamento e pela perda da propriedade.</p><p>Em O príncipe, além de escrever sobre as estratégias que devem ser adotadas por um governante</p><p>que almeja se manter no poder e garantir um Estado estável, Maquiavel defende que nenhum homem</p><p>reúne todas as qualidades que um governante deve possuir, e que, portanto, é preferível ser temido</p><p>do que amado.</p><p>“Da crueldade e da piedade, e se é melhor ser amado do que temido, ou antes temido do que amado”</p><p>é o título do capítulo XVII de O príncipe, no qual lemos em suas primeiras linhas: “[...] digo que cada</p><p>príncipe deve desejar que o considerem piedoso e não cruel; não obstante, deve cuidar para o bom uso</p><p>dessa piedade” (Maquiavel, 2009, p. 119). O capítulo trata de uma de suas formulações políticas: a face</p><p>cruel do poder. Nas formulações sobre o que é melhor, ser amado que temido ou temido que amado, a</p><p>10</p><p>Unidade I</p><p>resposta é: “o desejável é ser uma coisa e outra, mas como é difícil reuni‑las, muito mais seguro é ser</p><p>temido do que amado” (Maquiavel, 2009, p. 120).</p><p>Na obra, Maquiavel define os homens como ingratos, inconstantes e dissimulados, que ofereceriam</p><p>seu sangue enquanto o príncipe lhes fizer o bem. “[...] o príncipe fazer‑se temido de modo que, se não</p><p>conquista o amor, evita o ódio, porque pode muito bem ser temido sem ser odiado ao mesmo tempo”</p><p>(Maquiavel, 2009, p. 121). Além disso, são também tementes ao perigo e ávidos por lucro: “Enquanto</p><p>se lhes faz o bem, pertencem ao príncipe, oferecem‑lhe o sangue, a roupa, a vida e os próprios filhos”</p><p>(Maquiavel, 2009, p. 120), mas, quando estão em perigo, rompem na primeira oportunidade, por isso o</p><p>príncipe deve se fazer temido, sem despertar o ódio dos súditos.</p><p>Figura 1 – Nicolau Maquiavel</p><p>Disponível em: https://cutt.ly/ewjrp4JI. Acesso em: 23 out. 2023.</p><p>Para se tornar príncipe de um principado civil, é recomendável evitar os caminhos da violência</p><p>intolerável e usar a sabedoria para lidar com um povo com aversão aos comandos vindos dos grandes</p><p>opressores. Ou seja, para este pensador político, a sabedoria do governante para lidar com os homens</p><p>sob seu comando deve prevalecer.</p><p>O povo, quando não é capaz de resistir aos opressores, dirige‑se a um “indivíduo qualquer com</p><p>boa reputação e faz dele príncipe,</p><p>para ser, com a autoridade desse príncipe, defendido” (Maquiavel,</p><p>2009, p. 80). Neste trecho de O príncipe, Maquiavel afirma que os homens, incapazes de lutar contra</p><p>a opressão da qual são vítimas, buscam alguém de boa índole e faz dele seu soberano para, por esse</p><p>11</p><p>POLÍTICAS PÚBLICAS EM COMUNICAÇÃO</p><p>soberano, serem protegidos. Não ser oprimido pelos grandes é o que buscam os indivíduos; portanto, se</p><p>mantém firme no principado – ou seja, permanecerá como governante – quem conquista o principado</p><p>(ou o poder) com a ajuda do povo. Já o príncipe inimigo, ou será abandonado ou enfrentado.</p><p>Dessa forma, aquele que se tornou príncipe deve permanecer amigo do povo, que só deseja não ser</p><p>oprimido. Os que alcançaram o principado pelas mãos dos grandes – quer dizer, pelo poder hereditário,</p><p>sem que tenha lutado dignamente por esse poder –, contra a vontade do povo, devem procurar</p><p>conquistá‑lo, porque “os homens que recebem o bem de quem esperavam o mal são mais gratos e</p><p>benévolos” (Maquiavel, 2009, p. 80‑81).</p><p>1.1.1 O uso estratégico da força no Estado de Maquiavel</p><p>Outro aspecto importante em O príncipe são as formulações de Maquiavel sobre o uso da força.</p><p>Está registrado na obra que não é pela força bruta que o príncipe deve conquistar, e depois conduzir, a</p><p>manutenção do povo e do principado (ou seja, do poder), mas pela sabedoria no uso da força. O mais</p><p>forte pode conquistar o poder, mas isso não é a garantia de sua manutenção e permanência, enquanto</p><p>que o príncipe que possuir virtude (virtú, como disse Maquiavel) terá o respeito dos governados. A virtú é</p><p>a arma para a manutenção da conquista, porque os príncipes, por ocuparem um alto posto, são julgados</p><p>por suas virtudes ou defeitos, causando sentimentos de reprovação ou admiração (Maquiavel, 2009).</p><p>O autor reconhece que a condição humana impede que um homem reúna todas as qualidades</p><p>desejadas em um príncipe, como ser piedoso, fiel, humano, íntegro e religioso. Assim sendo, é necessário</p><p>àquele que deseja manter‑se governante possuí‑las e estar disposto a aplicá‑las sempre que o momento</p><p>exigir. Ao conquistar um novo território, Maquiavel recomenda que o príncipe o habite, para acompanhar</p><p>mais de perto as dificuldades que se impõem.</p><p>O ordenamento de novas regras e leis estão entre algumas das dificuldades alertadas por Maquiavel.</p><p>“Deve‑se considerar que não há coisa mais difícil de tratar, nem mais duvidosa de alcançar, nem mais</p><p>perigosa de se dirigir do que decretar o estabelecimento de novos ordenamentos” (2009, p. 55). Ao</p><p>impor novas ordens, o príncipe transformará em seus inimigos todos os que usufruíam do velho sistema,</p><p>sendo por estes atacado. Outro perigo ao qual o príncipe estaria submetido é a boa vontade dos homens</p><p>de mudarem de senhor se encontrarem vantagem na mudança, crença que os levaria a pegar em armas</p><p>contra seu comandante da ocasião.</p><p>Aqui chegamos ao fim dos estudos de Maquiavel, relevante pensador político clássico que realçou a</p><p>importância da virtude dos governantes como estratégia política. Portanto, Maquiavel reconhece como</p><p>um instrumento de conquista e manutenção do principado (do poder) e do povo a virtude, a sabedoria</p><p>do uso da força e o apoio dos governados.</p><p>1.2 O pacto de submissão de Thomas Hobbes</p><p>Com o decorrer do tempo, outros pensadores e também filósofos vieram a contribuir com a</p><p>construção e o entendimento do conceito de Estado e sociedade.</p><p>12</p><p>Unidade I</p><p>Conheceremos neste tópico o filósofo inglês Thomas Hobbes, autor da obra O Leviatã, datada de</p><p>1651, época em que os reis absolutistas governavam com tirania, perseguindo opositores e oprimindo</p><p>os súditos com a cobrança de altos impostos, destinados ao sustento das famílias reais e da Corte.</p><p>Observação</p><p>Lembremos que, além de Hobbes, estudaremos mais dois pensadores: o</p><p>teórico político John Locke e o filósofo Jean‑Jacques Rousseau. Aprenderemos</p><p>sobre quatro autores nesta unidade: Maquiavel, Hobbes, Locke e Rousseau,</p><p>pensadores contratualistas que compõem o conteúdo teórico da disciplina.</p><p>Qual o significado da palavra contratualista no contexto do Estado? E o que é um pensador</p><p>contratualista? Vamos responder à primeira indagação.</p><p>No contexto político do poder do Estado, o contratualismo significa que, antes da formação e</p><p>organização da sociedade, e também antes que os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário sejam</p><p>estabelecidos, um contrato – fictício – é estabelecido entre todos os indivíduos que compõem o Estado.</p><p>Portanto, antes de ocuparem suas posições institucionais – de governados (a sociedade), de membros</p><p>dos três poderes, de classe política ou de governantes –, todos os homens firmam entre si um pacto, um</p><p>contrato. Só depois desse pacto de uns com os outros surge o Estado.</p><p>Explicado de outro modo, os pensadores contratualistas da política nesta unidade estudados – Hobbes,</p><p>Locke e Rousseau – defenderam que era necessário a existência, primeiro, de um contrato entre os</p><p>indivíduos para que, só então, surgisse o Estado capaz de governar a sociedade.</p><p>Mas como os indivíduos viviam antes da existência do Estado? Para Hobbes, os homens sentiam</p><p>imenso desprazer em conviverem juntos.</p><p>Na obra O Leviatã, Hobbes (1588‑1679) descreve um conceito hipotético, que não existiu em</p><p>nenhum momento do tempo histórico, o Estado de Natureza, para ilustrar as situações e perigosos que</p><p>os homens enfrentavam pela ausência de leis, limites, regras e do Estado.</p><p>Ao criar o imaginário Estado de Natureza, Hobbes teve como finalidade entender como o homem</p><p>se comportaria em um mundo ausente de leis e regras: seria a guerra de todos contra todos, na qual os</p><p>indivíduos se sentiriam com direito a tudo. E pela ausência – ou não existência – de regras, leis e limites,</p><p>os indivíduos praticavam todos os atos de suas vontades, inclusive assassinatos e roubos.</p><p>Para esse pensador, os homens estariam permanentemente em confronto entre si, pois é essa a</p><p>essência natural dos indivíduos: ser bélico. Portanto, para Hobbes, os indivíduos são naturalmente</p><p>conflituosos, nascendo e morrendo prontos para a guerra. Em O Leviatã, o autor escreve que, ao se</p><p>encontrarem, os indivíduos desconfiam um dos outros, pois não sabem qual será sua atitude, ou o</p><p>que um pretende fazer com o outro. Diante da incerteza e insegurança que despertam entre si, o mais</p><p>13</p><p>POLÍTICAS PÚBLICAS EM COMUNICAÇÃO</p><p>razoável é se atacarem para vencer ou evitar um possível ataque. A guerra de todos contra todos seria</p><p>a atitude mais racional para a preservação da vida.</p><p>1.2.1 O Estado de Natureza de Hobbes</p><p>O Estado de Natureza é o mundo dos conflitos, da insegurança e da incerteza. No Estado de Natureza,</p><p>os homens estão livres para agir, de maneira natural, guiados por seus instintos, sem leis ou regras que</p><p>se imponham a seus arbítrios. Sem limites às suas vontades, todos correm o risco de morrerem na guerra</p><p>generalizada de todos contra todos. Somente um contrato estabelecido entre todos os homens poderá</p><p>pôr fim às incertezas e garantir a vida. Para garantir a vida, é preciso substituir o Estado de Natureza</p><p>pelo Estado Civil.</p><p>A primeira ação política para estancar a guerra generalizada é a assinatura –também fictícia – do</p><p>contrato social, para que, em seguida, se constitua o Estado Civil, com regras e leis que impeçam os</p><p>indivíduos de estarem livres para pôr fim à vida de outros.</p><p>No Estado de Natureza de Hobbes, a violência gera a insegurança de se permanecer vivo e desperta</p><p>nos indivíduos a compreensão de que, sozinhos, correrão, mais cedo ou mais tarde, o risco de morrerem</p><p>na guerra generalizada. O medo da morte faz com que os indivíduos firmem um contrato social entre</p><p>si. Mas não só isso. Além do contrato, os homens devem renunciar aos seus direitos ilimitados, não</p><p>podendo mais agir conforme seus instintos, transferindo‑os ao Leviatã. O leviatã é uma figura lendária,</p><p>escolhida por Hobbes para representar a fúria e o poder do Estado, conforme a ilustração abaixo.</p><p>Figura 2 – O Leviatã, da obra homônima de Thomas Hobbes</p><p>Fonte: Weffort (2011, p. 42).</p><p>14</p><p>Unidade I</p><p>1.2.2 O pacto de submissão no Estado Civil de Hobbes</p><p>O Estado Civil de Hobbes tem a aparência do leviatã, uma figura bíblica de aspecto aterrorizante.</p><p>Mas por qual motivo? Para que os indivíduos, por medo, não rompessem com o acordo que firmaram</p><p>entre si para a consolidação do Estado Civil instituído após o pacto de submissão.</p><p>Retornar ao Estado de Natureza significava viver constantemente sob ameaça do mais forte, que</p><p>poderia violentar seus corpos. O medo de morrer na guerra de todos contra todos faz os homens</p><p>decidirem pela abdicação do direito a tudo do que desfrutavam no Estado de Natureza, substituindo‑o</p><p>pelo Estado Civil em um pacto – de submissão – entre todos os homens. Na visão de Hobbes o pacto</p><p>ocorreria “porque quanto à força corporal o mais fraco tem força suficiente para matar o mais forte,</p><p>quer por secreta maquinação, quer aliando‑se com outros que se encontrem ameaçados pelo mesmo</p><p>perigo” (Ribeiro, 2011, p. 45).</p><p>O Estado de Natureza, sem leis e sem limites, permitiu aos homens usarem sua força física para</p><p>explorarem, matarem e oprimirem os mais fracos. Permitiu também que exercessem suas vontades e</p><p>se orientassem por seus instintos. Para encerrar essa vida de medo e da guerra de todos contra todos,</p><p>a opção seria o Estado Civil, que estipularia limites às ações dos homens, com o propósito de garantir</p><p>o direito à vida para todos. Ou seja, quando o Estado Civil surgisse pelo contrato estabelecido entre</p><p>todos os indivíduos, o direito de fazer tudo – como até então era praticado pelos homens no Estado de</p><p>Natureza – chegaria ao fim.</p><p>A força física como garantia de sobrevivência era lei no Estado de Natureza, mas deixa de existir no</p><p>Estado Civil, que é concebido com a finalidade de garantir a todos o direito à vida, mediante regras. Essa</p><p>teoria sustenta a manutenção da sociedade na qual vivemos hoje. A sociedade moderna é regida por um</p><p>contrato social ao qual estamos todos submetidos e que não nos permite o uso da força física individual</p><p>contra os outros ou o direito a tudo. Os que agem com violência rompem o contrato social e são punidos</p><p>pela força e poder legítimos do Estado, que tem entre seus deveres garantir a vida dos indivíduos.</p><p>O Direito Penal, por exemplo, define o que é crime na sociedade civil democrática e a violação do que foi</p><p>compactuado é punida pela lei. Vivemos sob um pacto social, para não morrermos na guerra de todos</p><p>contra todos até os dias atuais.</p><p>A proteção da vida é ainda o bem maior que os homens esperam que o Estado moderno honre e para</p><p>isso, como explicado por Hobbes, os indivíduos deveriam renunciar a seu direito a tudo para garantir a</p><p>própria vida. Os homens passariam a depender da existência do Estado, que surgia pelo contrato social,</p><p>em um pacto de submissão, para se manterem vivos.</p><p>15</p><p>POLÍTICAS PÚBLICAS EM COMUNICAÇÃO</p><p>Figura 3 – Thomas Hobbes</p><p>Disponível em: https://cutt.ly/owjrgYjp. Acesso em: 7 jun. 2023.</p><p>Sem o medo de morrer na guerra generaliza “ninguém abriria mão de toda a liberdade que</p><p>tem naturalmente; se não temesse a morte violenta, que homem renunciaria ao direito que possui,</p><p>por natureza, a todos os bens e corpos?” (Ribeiro, 2011, p. 58). Portanto, o Estado Civil foi um acordo</p><p>entre os homens, pois foram incapazes de garantirem, autonomamente, suas vidas.</p><p>É importante ressaltar que, para Hobbes, o Estado Civil que surge depois do pacto entre todos</p><p>os indivíduos é o de submissão. O nome dado a este Estado foi Leviatã, pois deveria ser temido por</p><p>todos e, dessa forma, os homens não ousariam regressar ao Estado de Natureza. Quando o Estado</p><p>Civil é instituído, os homens perdem a liberdade e o direito a tudo, mas ganham em troca a proteção</p><p>de sua vida.</p><p>1.3 O pacto de consentimento de John Locke</p><p>O teórico político inglês John Locke (1632‑1704) é autor da obra Dois tratados sobre o governo,</p><p>datada entre 1679 e 1680. Assim como Hobbes, Locke também desenha seu Estado de Natureza, aquele</p><p>estágio imaginário, construído para auxiliar a compreensão das ações humanas em uma vida natural</p><p>sem restrições, deveres ou regras. No Estado de Natureza, os indivíduos podem realizar suas ambições,</p><p>vontades e desejos. Mas há uma diferença entre os dois pensadores: enquanto para Hobbes os homens</p><p>16</p><p>Unidade I</p><p>são bélicos e estão prontos para a guerra de todos contra todos, Locke os descreve como pacíficos e</p><p>vivendo em harmonia uns com os outros.</p><p>Se para o homem belicoso de Hobbes era preciso que o Estado Civil por ele constituído fosse tirano</p><p>e impiedoso como a figura bíblica do leviatã, depois de um pacto de submissão; para o homem de Locke</p><p>seria suficiente um pacto de consentimento.</p><p>1.3.1 O Estado Civil de Locke</p><p>Qual a diferença entre pacto de submissão e pacto de consentimento? No pacto de submissão, os</p><p>homens abdicaram de todos os seus direitos do Estado de Natureza (o de fazer tudo o que quisessem,</p><p>sem limites) para, em troca, se submeterem ao Estado que lhe garantiria a preservação de suas vidas.</p><p>Para Hobbes, o Estado civil constituído deve ser amedrontador, para que os homens não hesitem em</p><p>romper o pacto e trazerem de volta o Estado de Natureza. Caso o retorno ocorra, a guerra de todos</p><p>contra todos estará novamente instaurada.</p><p>Já para Locke, não há necessidade de um Estado Civil tirano e ameaçador, pois os homens, em sua</p><p>interpretação, vivem em liberdade e igualdade no Estado de Natureza. Portanto, o contratualista Locke</p><p>sugere que os homens assinem entre si um pacto de consentimento, uma vez que não há conflitos.</p><p>Para Locke, a terra é um bem comum a todos, na qual o homem deve trabalhar para tirar seu sustento.</p><p>Não sendo propriedade particular, ninguém pode impedir que outros indivíduos se alimentem dos frutos</p><p>dessa terra para sua sobrevivência. Dessa forma é o Estado de Natureza de Locke. Por conviverem em</p><p>condições de igualdade, sem a imposição de poder de uns sobre os outros, os indivíduos decidem firmar</p><p>entre si um pacto de consentimento, para preservar, no Estado Civil, os direitos que já dispunham no</p><p>Estado de Natureza. A terra já era uma propriedade do homem no Estado de Natureza de Locke, ou seja,</p><p>um direito natural e, por isso, não poderia ser violado pelo Estado (Mello, 2011).</p><p>1.3.2 Consentir ao Estado Civil para consolidar direitos</p><p>O Estado Civil de Locke é constituído para preservar e dar continuidade aos bens que os homens</p><p>já possuíam no Estado de Natureza: a vida, a propriedade e a liberdade. Portanto, o pacto entre os</p><p>indivíduos será de consentimento, no qual os homens concordam e consentem uns com os outros,</p><p>sem pressão, sem temor, sem medo de perderem suas vidas, ao contrário do que acontece no Estado de</p><p>Natureza de Hobbes.</p><p>Homens que convivem em harmonia, decidem que o Estado Civil poderá garantir ainda mais os</p><p>direitos que já usufruem no Estado de Natureza, por isso, se manifestam favoravelmente à transição do</p><p>Estado de Natureza para o Estado Civil.</p><p>17</p><p>POLÍTICAS PÚBLICAS EM COMUNICAÇÃO</p><p>Lembrete</p><p>No Estado de Natureza de Locke, os homens vivem em liberdade e em</p><p>condições de igualdade, sem serem perseguidos, oprimidos ou violentados</p><p>por outros, enquanto que, no Estado de Natureza de Hobbes, os indivíduos</p><p>enfrentam constante perigo de perderem suas vidas, pois impera a guerra</p><p>de todos contra todos. Para não morrerem, é necessário renunciarem ao seu</p><p>direito a todas as coisas e constituírem o Estado Civil.</p><p>1.4 Rousseau e a convenção como contrato social</p><p>Jean‑Jacques Rousseau (1712‑1778) escreveu várias obras políticas, porém, a mais importante delas</p><p>é Do contrato social, datada de 1757.</p><p>Se em Hobbes, o contrato firmado entre os homens para a constituição do Estado Civil é o pacto de</p><p>submissão e, em Locke, o de consentimento, Rousseau defende a convenção como contrato social</p><p>para a conservação dos indivíduos. Para ele, a força deveria estar nas leis, e não na capacidade física dos</p><p>homens, pois esse tipo de força pode se sobrepor e intimidar os homens mais fracos, ao contrário da lei,</p><p>que exerce o mesmo peso em todos, ou seja, há isonomia.</p><p>A isonomia é um princípio que define a igualdade entre os homens perante a lei, de forma que</p><p>todos sejam submetidos às mesmas determinações jurídicas em um determinado país. No caso do</p><p>Brasil, rege o artigo 5º da Constituição Federal de 1988: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção</p><p>de qualquer natureza, garantindo‑se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade</p><p>do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade […]”.</p><p>O Estado Civil, no entendimento de Rousseau, é representado por um conjunto de forças às quais, ao</p><p>serem obedecidas, os homens estariam obedecendo às suas próprias expectativas e interesses políticos.</p><p>Nesse contexto, a vontade geral não é a soma das vontades individuais (Dallari, 2016, p. 28), mas a</p><p>soma das vontades comuns de todos, e um interesse geral a todos os indivíduos é a preservação da vida.</p><p>1.4.1 Formar a sociedade para defesa e proteção de si</p><p>A convenção construída por Rousseau em Do contrato social garante aos homens, no Estado</p><p>Civil, condição de igualdade política. Estando em condições de igualdade política – estabelecida por</p><p>convenção entre os homens – eles não serão ameaçados por outros com mais força física. A igualdade</p><p>por convenção garante a igualdade de direitos e a liberdade para que os indivíduos criem suas leis,</p><p>obedecendo a si mesmos.</p><p>18</p><p>Unidade I</p><p>Figura 4 – Retrato de Jean‑Jacques Rousseau</p><p>Disponível em: https://cutt.ly/Jwjrk7QJ. Acesso em: 23 ago. 2023.</p><p>Mas como o homem obedece a si mesmo? Por meio das leis que cria na convenção, que é a reunião</p><p>com interesses políticos na qual se estabelecem acordos e pactos. Segundo Rousseau, ao concordarem</p><p>em formar a sociedade para defesa e proteção de si mesmos, os homens se dão “completamente” e</p><p>garantem que a condição dessa sociedade será igual para todos. Portanto, sendo igual para todos,</p><p>“ninguém se interessa por torná‑la onerosa para os demais” (Rousseau, 1999, p. 70).</p><p>1.4.2 A vontade geral em Rousseau</p><p>Não há renúncia dos direitos usufruídos no Estado de Natureza, como em Hobbes, mas a reunião de</p><p>forças com intuito de serem empregadas em favor da vontade geral, ou seja, pela causa comum a todos.“</p><p>O que o homem perde pelo contrato social é a liberdade natural e um direito ilimitado a tudo quanto</p><p>a aventura pode alcançar. O que com ele ganha é a liberdade civil e a propriedade de tudo que possui”</p><p>(Rousseau, 1999, p. 77). A vontade geral elabora as leis e as obedece. É dessa forma que os homens se</p><p>submetem às suas próprias vontades, ou às leis que eles próprios a elaboraram.</p><p>Lembrete</p><p>Para os contratualistas, como Hobbes, Locke e Rousseau, a sociedade é</p><p>resultado de um acordo de vontades; um contrato hipotético firmado entre</p><p>todos os homens, não por impulso associativo natural, mas por vontade</p><p>humana (Dallari, 2016).</p><p>19</p><p>POLÍTICAS PÚBLICAS EM COMUNICAÇÃO</p><p>São nos Estados democráticos que estão os fundamentos teóricos de Rousseau. No caso do Brasil, na</p><p>Constituição Cidadã, elaborada pela Assembleia Nacional Constituinte e promulgada em 5 de outubro de</p><p>1988. Após 21 anos de ditadura militar – que começou com o golpe contra o governo de João Goulart,</p><p>em 1964, terminando em 1985, com a saída do último presidente militar, João Baptista Figueiredo – uma</p><p>nova Constituição entrava em vigor – a de 1988, vigente hoje – para corresponder à realidade daqueles</p><p>outros tempos, que devolvia o poder político aos civis.</p><p>Convocada em 1985, pelo então presidente José Sarney, a Assembleia Nacional Constituinte era</p><p>composta por 559 parlamentares, sendo 72 senadores e 487 deputados federais, que se envolveram na</p><p>discussão, elaboração e redação da Constituição Cidadã. Participaram desse processo, inclusive, vários</p><p>órgãos, instituições e amplos setores da sociedade civil.</p><p>Figura 5 – O “Projeto Constituição” recebeu, entre março de 1986 e julho de 1987, 72.719 sugestões de</p><p>cidadãos brasileiros para serem incorporadas à nova Constituição Federal, que foi promulgada em 1988</p><p>Fonte: Jornal da Constituinte (1987, p. 1).</p><p>20</p><p>Unidade I</p><p>Saiba mais</p><p>Para ler sobre quando se comemoraram 25 anos da Constituição, acesse:</p><p>SOUZA, C. Câmara celebra os 25 anos da Constituição Federal de 1988. ABI,</p><p>2013. Disponível em: https://tinyurl.com/3szutmtu. Acesso em: 12 set. 2023.</p><p>Os trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte foram presididos pelo deputado Ulysses Guimarães</p><p>(1916‑1992), do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). Pelo “Projeto Constituição”, a</p><p>Comissão de Constituição e Justiça do Senado recebeu, entre março de 1986 e julho de 1987, 72.719</p><p>sugestões de cidadãos de todo o país para serem incorporadas à nova Carta Magna. Qualquer pessoa</p><p>que quisesse contribuir com ideias na construção da Constituição encaminhava um formulário pelas</p><p>agências dos Correios do Brasil. Ou seja, além de serem representados pelos parlamentares, os cidadãos</p><p>puderam se manifestar, enviar sugestões, levar questões aos deputados constituintes e pautar o debate</p><p>que consistia em redigir a Constituição do período democrático, após mais de duas décadas de ditadura</p><p>militar. Ao sugerirem e participarem da construção da nova Carta Magna, os cidadãos seriam submetidos</p><p>às leis por eles mesmos definidas, conforme estabelece Rousseau.</p><p>A Constituição de 1988 é também chamada de Constituição Cidadã, por contemplar direitos</p><p>fundamentais que não existiam nas constituições anteriores. Entre eles estão os direitos sociais previstos</p><p>no artigo 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência</p><p>social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados.</p><p>O artigo 220, que trata da Comunicação Social, da liberdade de expressão, da liberdade de imprensa</p><p>e da informação produzida e divulgada no país, também foi um direito dos cidadãos.</p><p>Figura 6 – Deputado federal Ulysses Guimarães apresenta, no Plenário da Câmara dos Deputados, a</p><p>Constituição Federal, na sessão de promulgação, no dia 5 de outubro de 1988</p><p>Disponível em: https://tinyurl.com/2hejj5k9. Acesso em: 23 ago. 2023.</p><p>21</p><p>POLÍTICAS PÚBLICAS EM COMUNICAÇÃO</p><p>Figura 7 – Congresso Nacional durante aprovação do texto final da Constituição Federal de 1988</p><p>Disponível em: https://tinyurl.com/2hejj5k9. Acesso em: 23 ago. 2023.</p><p>2 CONCEITOS DE PODER E DE DEMOCRACIA</p><p>2.1 Conceito de Poder</p><p>Toda sociedade está alicerçada em uma estrutura de poder que garante a organização hierárquica</p><p>definida pela própria sociedade, como as normas, as leis, as regras e os estatutos. Este conjunto de</p><p>regras mantém a coesão da sociedade e assegura o seu desenvolvimento como grupo (Azambuja, 1985).</p><p>O Estado é a forma política da sociedade; é o modo como a sociedade se organiza em termos de ordem</p><p>e hierarquia, pois é preciso disciplinar os indivíduos que a compõem.</p><p>A expressão da ordem política de um Estado é o governo, que é detentor do poder. O poder estatal – ou</p><p>o poder do grupo que governa o Estado – reúne características especiais: tem supremacia, é dotado de</p><p>coação em relação aos indivíduos e grupos que formam sua população e é independente em relação ao</p><p>governo de outros Estados (Azambuja, 1985). Ter supremacia significa que o poder estatal é superior</p><p>aos demais poderes que coexistem – ou concorrem – com este: é o poder hegemônico, preponderante</p><p>e prevalente. É também dotado de coação, o que quer dizer que o Estado tem legitimidade e legalidade</p><p>para fazer uso da força de suas armas – a polícia ou o Exército – para impor o cumprimento de uma</p><p>ordem ou lei. Por fim, ser independente de outros governos é ter capacidade, legal e legítima, para</p><p>administrar seu território sem a interferência ou a imposição de outros países.</p><p>O governo é um grupo humano que pode, legitimamente, impor sua vontade aos outros indivíduos,</p><p>fazendo uso da coação, se necessário (Azambuja, 1985). Segundo definição do filósofo político Norberto</p><p>22</p><p>Unidade I</p><p>Bobbio (1909‑2004), a palavra poder designa a capacidade ou a possibilidade de agir e de produzir</p><p>efeitos (Bobbio, 2009).</p><p>Na vida em sociedade, continua Bobbio, o poder pode ser interpretado de forma</p><p>ampla, como a capacidade desde agir até de determinar o comportamento do homem: o poder de</p><p>um homem sobre outro homem. “O homem é não só o sujeito, mas também o objeto do poder social”</p><p>(Bobbio, 2009).</p><p>Ainda segundo Bobbio (2009), não existe poder se não existe, de um lado, um indivíduo ou grupo</p><p>que o exerce, e de outro, um indivíduo ou grupo que é induzido a comportar‑se tal como aquele deseja.</p><p>Portanto, o poder é uma relação entre os homens, mas Bobbio aponta um detalhe importante: podemos</p><p>distinguir os poderes a partir da possibilidade de exercê‑los, em razão de aquele que o detém ocupar</p><p>um cargo que, naquele momento, o investe de poder. Tomemos como exemplo o poder do professor em</p><p>sala de aula. Quando não mais está em seu ambiente acadêmico lecionando, o professor torna‑se, na</p><p>rua ou em outros locais, um cidadão sem poder.</p><p>Outro tipo de poder é aquele efetivamente exercido, aquele que provoca a alteração de comportamento</p><p>pretendida no outro. Ou seja, quando A, intencionalmente, provoca ou altera o comportamento de B, A</p><p>tem interesse no comportamento de B (objeto de poder). A decisão de B poderá ser decorrente de ato</p><p>voluntário (comportamento livre), ou coercitivo (quando B age da forma como desejava A).</p><p>Outros tipos de poder são o financeiro e paternal/familiar/maternal. No poder financeiro, o dinheiro</p><p>é usado como forma de induzir alguém a adotar certo comportamento que se deseja, em troca de</p><p>recompensa monetária (Bobbio, 2009), mas se o outro não está disposto a se curvar ao dinheiro, o</p><p>poder desvanece. Já no poder paternal/familiar/maternal, os pais exercem poder sobre os filhos, que lhes</p><p>obedecem assim que determinada ordem é anunciada. “Quando, no exercício do poder, a capacidade de</p><p>determinar o comportamento dos outros é posta em ato, o poder se transforma, passando da simples</p><p>possibilidade à ação” (Bobbio, 2009, p. 934).</p><p>O conceito de poder modificou‑se ao longo do tempo. Na época de Hobbes, ele era exercido pela</p><p>supremacia da força física sobre outras formas de poder. O domínio sobre bens e patrimônio, entretanto,</p><p>definiu o que é poder econômico e o domínio sobre as ideias, ao ponto de elas serem defendidas,</p><p>executadas ou reproduzidas, o que forma o poder ideológico.</p><p>Explica Bobbio (2000) que há características do poder político que o diferencia de outras formas</p><p>de poder: a exclusividade, a universalidade e a inclusividade. O significado de exclusividade é a capacidade</p><p>dos detentores do poder político de impedirem a formação de grupos armados independentes.</p><p>Compreende‑se por universalidade a implementação de decisões legítimas para toda a comunidade</p><p>e, por último, a inclusividade é a possibilidade de intervir imperativamente em cada possível esfera de</p><p>atividade dos membros do grupo, a partir de normas, com a finalidade de impor limites aos indivíduos.</p><p>Lembrete</p><p>Segundo Bobbio (2000), são tipos de poder o político, o econômico,</p><p>o ideológico, o paternal ou o familiar.</p><p>23</p><p>POLÍTICAS PÚBLICAS EM COMUNICAÇÃO</p><p>2.2 Conceito de democracia</p><p>A democracia é o governo do povo e se distingue da monarquia (governo de um só) e da aristocracia</p><p>(governo de poucos), segundo Bobbio (2009). O filósofo grego Platão definiu a democracia como o</p><p>governo de muitos ou governo da multidão, enquanto que, para Rousseau (1990), a democracia deve ser</p><p>assumida diretamente pelos cidadãos (sem a intermediação de deputados federais e senadores, como</p><p>acontece no modelo político brasileiro). Para outro pensador, John Toland (apud Bobbio, 2009, p. 323), a</p><p>democracia é a mais perfeita forma de governo popular que jamais existiu.</p><p>A democracia garante aos cidadãos o direito ao voto e consiste na realização do bem comum por</p><p>meio da vontade geral que exprime a vontade do povo. Nela, todos os indivíduos devem ser livres para</p><p>votar de acordo com sua opinião, formada o mais naturalmente possível, em uma disputa livre de</p><p>partidos (Bobbio, 2009).</p><p>Para Bezzon (2004, p. 21), o conceito mínimo de democracia pressupõe:</p><p>que os cidadãos estejam preparados para usar as regras de participação</p><p>democrática, que haja algum nível de igualdade social entre os indivíduos,</p><p>e que os mecanismos institucionais de representação sejam realmente</p><p>democráticos.</p><p>Segundo Bonavides (2000), as condições de existência e eficiência para o funcionamento da</p><p>democracia são:</p><p>• uma constituição redigida, aprovada e publicada por uma assembleia constituinte eleita pelo povo;</p><p>• direitos individuais, que consistem em liberdade civil e política;</p><p>• governantes eleitos periodicamente por eleições livres, substituídos para garantir a alternância</p><p>de poder.</p><p>Há três tipos de democracia, segundo Bonavides (2000):</p><p>• Democracia representativa: corpo de representantes eleitos por cidadãos aos quais são</p><p>reconhecidos direitos políticos. Na democracia representativa, os indivíduos maiores de 16 anos</p><p>(idade mínima para o sufrágio universal no Brasil), sem distinção de raça, classe social, religião,</p><p>gênero, têm o direito de eleger seus representantes. Há o direito de eleger e de ser eleito.</p><p>• Democracia direta: nesta forma de organização do poder político, os cidadãos não escolhem seus</p><p>representantes, como na democracia representativa, mas participam diretamente das decisões de</p><p>governo, ocupando cargos públicos, decidindo sobre os gastos com o orçamento, sem delegar seu</p><p>poder de decisão. A democracia direta foi experimentada na Grécia Antiga, em Atenas, quando</p><p>os homens brancos, detentores de propriedades e de escravos eram os únicos cidadãos aptos</p><p>24</p><p>Unidade I</p><p>a participarem da democracia direta, sendo excluídas as mulheres, as pessoas idosas e pobres</p><p>não escravizados.</p><p>• Democracia semidireta: neste sistema, os eleitores votam em seus representantes que,</p><p>indiretamente, representarão a vontade popular e, quando oportuno ou necessário, podem intervir</p><p>diretamente nas decisões políticas por referendo, plebiscito e iniciativa popular.</p><p>O Brasil é uma democracia semidireta, por prever no capítulo IV – dos Direitos Políticos, art. 14 da</p><p>Constituição Federal de 1988, o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular.</p><p>Figura 8</p><p>Fonte: Brasil (1998).</p><p>Segundo Bonavides (2000), são constitutivos da democracia semidireta:</p><p>• Plebiscito: a iniciativa e a competência para autorizar a realização de um plebiscito é do Congresso</p><p>Nacional e deve ocorrer antes que a lei seja votada pelos senadores e deputados federais. O povo</p><p>decidirá, pelo voto, a aceitação ou a rejeição de tal lei. O plebiscito é uma consulta prévia ao</p><p>eleitor, e se o voto for favorável, a lei é votada pelos parlamentares e entra em vigor.</p><p>• Referendo: assim como o plebiscito, o referendo também é autorizado pelo Congresso Nacional,</p><p>porém, depois que a lei já esteja em vigor. No referendo, o povo é consultado, por voto,</p><p>a confirmar ou rejeitar essa nova lei que, se rejeitada, será revogada. Exemplo: Estatuto do</p><p>Desarmamento. Em 2005, os crescentes índices de violência motivaram a realização de referendo</p><p>sobre a comercialização de armas de fogo, sendo mantido o Estatuto de Desarmamento</p><p>(Lei n. 10.826), sancionado em 2003.</p><p>• Iniciativa Popular: o Congresso Nacional (deputados federais e senadores) é obrigado a criar</p><p>e aprovar uma lei proposta por iniciativa popular. Para que a aprovação da lei aconteça, são</p><p>necessárias assinaturas de 1% do eleitorado nacional distribuído por cinco estados do país e</p><p>encaminhadas à Câmara dos Deputados. Na iniciativa popular, a lei é redigida pelos eleitores</p><p>e votada pelo Congresso Nacional.</p><p>25</p><p>POLÍTICAS PÚBLICAS EM COMUNICAÇÃO</p><p>• Ação Popular: é uma ação que só pode ser proposta por quem é eleitor e está em dia com suas</p><p>obrigações eleitorais. O eleitor tem a legitimidade de propor uma ação popular cujo objetivo é</p><p>anular atos do poder público que causem prejuízo ao erário.</p><p>A democracia é uma condição do Estado. Entendamos o que isso significa. Na teoria do pensador</p><p>grego Aristóteles (384 a.C.‑322 a.C.), também conhecida como</p><p>teoria clássica, existem três formas de</p><p>governo: a democracia, monarquia e aristocracia (Bobbio, 2009).</p><p>Figura 9 – Imagem de Aristóteles</p><p>Disponível em: https://tinyurl.com/yy9yaacd. Acesso em: 8 jun.2023.</p><p>Lembrete</p><p>O governo democrático é o governo do povo, como define a etimologia</p><p>grega, sendo demo “do povo”. A monarquia é o governo de um só e a</p><p>aristocracia é o governo de poucos.</p><p>Apesar de a origem da democracia ser atribuída à Grécia, nessa sociedade existiam os escravos</p><p>sem nenhum direito. Apenas os homens de posses desfrutavam de direitos políticos e participavam</p><p>das assembleias na Ágora (praça pública na qual aconteciam os debates políticos), sendo excluídas as</p><p>mulheres, as pessoas idosas, os escravos e as crianças.</p><p>26</p><p>Unidade I</p><p>Figura 10</p><p>Disponível em: https://tinyurl.com/32nfjm9d. Acesso em: 12 set. 2023.</p><p>O cidadão grego era sustentado pelo trabalho escravo e dispunha de tempo para participar dos</p><p>debates que aconteciam nas praças públicas sobre temas como a paz, a guerra, o julgamento de crimes</p><p>e as decisões referentes à administração da cidade. No período correspondente à imagem anterior, entre</p><p>os séculos VI e V antes de Cristo, era permitido aos homens livres dialogar com outros homens livres.</p><p>Ser homem livre significava possuir direitos políticos, e desfrutar dessa condição dependia de</p><p>estar com os impostos em dia, ser casado, ter bons costumes, possuir bens, ter respeitado os pais, ter</p><p>cumprido com as obrigações militares para as quais fora convocado e “não ter arremessado o escudo</p><p>em qualquer combate” (Azambuja, 1985), ou seja, não ter sido covarde.</p><p>Na democracia grega, magistrados, ministros e administradores eram eleitos para exercer o</p><p>poder em nome do povo (Azambuja, 1985). Os homens livres de Atenas, cidade grega, obedeciam às</p><p>leis elaboradas e votadas por eles próprios. Porém, a causa da ruína da “democracia grega” foram</p><p>as desigualdades econômicas.</p><p>Para a teoria de Nicolau Maquiavel, também conhecida como teoria moderna, há duas formas de</p><p>governo: a monarquia e a república, sendo esta última, democrática. O conceito moderno de democracia</p><p>contempla (Bobbio, 2009):</p><p>• o funcionamento do Estado (é o órgão político máximo, composto por membros eleitos pelo povo</p><p>de forma direta ou indireta em eleições);</p><p>• eleitores (cidadãos que tenham atingido a maioridade, sem distinção de raça, de religião, de sexo);</p><p>27</p><p>POLÍTICAS PÚBLICAS EM COMUNICAÇÃO</p><p>• o voto de todos os eleitores devem possuir peso igual;</p><p>• todos os eleitores devem ser livres em votar conforme suas opiniões e valores formados em</p><p>contextos social e político o mais livres possível;</p><p>• os indivíduos que venham a pleitear o poder devem concorrer em condições de igualdade, em</p><p>disputa livre;</p><p>• devem ser oferecidos aos eleitores alternativas de candidaturas (o que exclui como democrática</p><p>qualquer eleição de nome único);</p><p>• nenhuma decisão da maioria deve limitar os direitos da minoria ou o direito de tornar‑se maioria,</p><p>em paridade de condições;</p><p>• o governo e o Congresso devem ser eleitos pelo povo.</p><p>Na democracia moderna, o Estado é responsável por prover direitos aos cidadãos, para que possam</p><p>exercer suas liberdades políticas, assim, é preciso reconhecer que “não poderia haver liberdade política</p><p>sem segurança econômica” (Azambuja, 1985, p. 219). Portanto, a democracia deve assegurar os direitos</p><p>sociais, muito além de apenas garantir o direito à vida, como estudado em Hobbes e Locke. Ou não</p><p>apenas garantir o direito à liberdade, mas também à saúde, à educação, ao trabalho, como determina o</p><p>estado de bem‑estar social, ou welfare state.</p><p>As políticas de bem‑estar social, ou também de assistência social, foram iniciadas em países da</p><p>Europa, após a Segunda Guerra Mundial, com a proposta de melhorar a qualidade de vida da população.</p><p>Nota‑se, a partir do período de implantação do estado de bem‑estar social, uma série de serviços</p><p>públicos oferecidos pelos Estados europeus nas áreas de saúde e educação. Em seguida, esses serviços se</p><p>estenderam para outras áreas sociais, como habitação, renda e previdência social. Com as necessidades</p><p>materiais e de sobrevivência da população asseguradas, reduziram‑se as desigualdades sociais, resultado</p><p>considerado por economistas, historiadores e sociólogos como a causa da prosperidade econômica da</p><p>Europa no período pós‑Guerra.</p><p>A democracia, portanto, não deve contemplar apenas a política, mas deve considerar também as</p><p>áreas econômicas e sociais, sendo a igualdade política e econômica os termos finais da democracia</p><p>(Azambuja, 1985). “O que é justo é [o limite do] poder político de modo que ninguém dele use para</p><p>oprimir a sociedade, também seja limitada a propriedade, para que ninguém use dela como instrumento</p><p>de exploração” (Azambuja, 1985, p. 221).</p><p>Não é democracia qualquer sistema que mantenha uma classe permanentemente no exercício do</p><p>poder, seja essa classe de pobres ou de ricos, de patrões ou de trabalhadores, de capitalistas ou de socialistas.</p><p>A permanência de um grupo ou classe no poder configura um regime de opressão, pois não permite a</p><p>alternância das ideias, das propostas políticas e da participação de outros indivíduos na política.</p><p>28</p><p>Unidade I</p><p>3 CONCEITO DE CIDADANIA</p><p>No Brasil, a palavra cidadania ganhou força e ocupou o debate público durante as discussões da</p><p>Assembleia Constituinte e após a promulgação da Constituição Federal de 1988. Segundo Covre (2002),</p><p>ser cidadão não se resume ao direito de votar, pois são necessárias outras condições garantidas pelo</p><p>Estado, como a econômica, a política, a social e a cultural.</p><p>Em 1948, uma assembleia de países membros da ONU proclama a Declaração Universal dos Direitos</p><p>Humanos, um documento de 30 artigos, escrito para todos os povos, para que acontecimentos como</p><p>o Holocausto nunca mais se repetissem. A Organização das Nações Unidas surgiu um pouco antes, em</p><p>1945, com o anseio de paz, para a preservação das gerações futuras do flagelo da guerra. Com esse</p><p>intuito, criou o documento que declarou os direitos fundamentais que deveriam ser respeitados por</p><p>todos os países (Casado Filho, 2012).</p><p>Lê‑se no preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos Humanos:</p><p>Considerando que o desprezo e o desrespeito pelos direitos humanos</p><p>resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da humanidade</p><p>e que o advento de um mundo em que mulheres e homens gozem de</p><p>liberdade de palavra, de crença e da liberdade de viverem a salvo do</p><p>temor e da necessidade foi proclamado como a mais alta aspiração do ser</p><p>humano comum, […]</p><p>Considerando que os povos das Nações Unidas reafirmaram, na Carta, sua</p><p>fé nos direitos fundamentais do ser humano, na dignidade e no valor da</p><p>pessoa humana e na igualdade de direitos do homem e da mulher e que</p><p>decidiram promover o progresso social e melhores condições de vida em</p><p>uma liberdade mais ampla, […]</p><p>Artigo 1</p><p>Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São</p><p>dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com</p><p>espírito de fraternidade (A declaração…, 2017).</p><p>O fim da Segunda Guerra Mundial ensejou, inclusive, a concepção de dimensões dos direitos</p><p>humanos, para que direitos conquistados no decorrer do tempo não fossem substituídos, eliminados ou</p><p>expirados. Esses direitos são:</p><p>29</p><p>POLÍTICAS PÚBLICAS EM COMUNICAÇÃO</p><p>Quadro 1</p><p>Primeira geração</p><p>Direitos civis</p><p>Direitos políticos</p><p>Segunda geração</p><p>Direitos econômicos</p><p>Direitos sociais</p><p>Direitos culturais</p><p>Terceira geração</p><p>Direito ao desenvolvimento</p><p>Direito ao meio ambiente</p><p>Direito à paz</p><p>Fonte: Casado Filho (2012, p. 51).</p><p>A Declaração Universal dos Direitos Humanos e a Constituição Federal de 1988 são documentos que</p><p>atestam a existência de direitos da pessoa humana, que é o cidadão. “A Constituição é uma arma na mão</p><p>de todos os cidadãos, que devem saber usá‑la para encaminhar e conquistar propostas mais igualitárias”</p><p>(Covre, 2002, p. 10).</p><p>Ainda segundo Covre (2002), a cidadania só é possível quando houver a possibilidade da prática da</p><p>reivindicação, da</p><p>apropriação de espaços e do respeito por parte do Estado de fazer valer os direitos</p><p>conquistados. “A prática da cidadania pode ser a estratégia […] para a construção de uma sociedade</p><p>melhor” (Covre, 2002, p. 10). Os próprios indivíduos podem ser os agentes da conquista de direitos.</p><p>Trata‑se de uma ação política que pode ser construída em coletividade.</p><p>Figura 11</p><p>Disponível em: https://tinyurl.com/mpfam4rf. Acesso em: 24 ago. 2023.</p><p>O conceito de direitos dos homens tem origem nos direitos naturais, como estudado em Hobbes</p><p>e Locke: o direito à vida, à liberdade e aos bens de sua propriedade. Foi na Antiguidade que surgiu</p><p>uma das primeiras proteções dos direitos humanos, entre 4 mil antes de Cristo (a.C.) e 476 depois de</p><p>Cristo (d.C.) (Malheiro, 2016). É nesse período que documentos encontrados demonstram a preocupação</p><p>da sociedade com a preservação de direitos e interesses dos indivíduos.</p><p>Um desses documentos é o Código de Hamurabi e a Lei das Doze Tábuas. O Código de Hamurabi data</p><p>de 1694 a.C. e foi um documento que teve por proposta fazer “justiça na Terra, com a destruição do</p><p>30</p><p>Unidade I</p><p>mal e a prevenção da opressão do fraco pelo forte, propiciando o bem‑estar do povo e a iluminação do</p><p>mundo” (Malheiro, 2016, p. 5). As penas definidas por este documento foram a morte por afogamento,</p><p>fogueira, forca e empalação, além de mutilações corporais como o corte da língua, seios, orelha, supressão</p><p>dos olhos e dos dentes. Já a Lei das Doze Tábuas foi uma antiga legislação do direito romano, datada de</p><p>451 e 450 a.C. As suas leis, talhadas em doze pedaços de madeira, foram fixadas no fórum romano para</p><p>garantir que todos as conhecessem (Malheiro, 2016).</p><p>Outro documento histórico que teve por finalidade garantir direitos aos homens foi a Carta Magna</p><p>(Inglaterra, 1215), que restringiu o poder do rei João da Inglaterra. Por se tratar do filho mais novo de</p><p>seu pai, o rei não recebeu nenhuma herança e dependia do uso de terras dos proprietários ingleses</p><p>para garantir seu sustento. Fartos com o uso de suas propriedades sem que houvesse contrapartida, foi</p><p>imposto ao rei João da Inglaterra, conhecido como João “Sem Terra”, o limite de seus poderes absolutos,</p><p>entre eles, o de confiscar terras.</p><p>Ainda na Inglaterra, em 1679, um acontecimento relevante no âmbito da evolução dos direitos</p><p>humanos foi o Habeas Corpus Act. O Habeas Corpus Act foi uma lei elaborada pelo Parlamento da</p><p>Inglaterra durante o império do Rei Carlos II com a proposta de garantir a tutela da liberdade individual</p><p>contra as prisões ilegais, abusivas ou arbitrárias (Malheiro, 2016). Mais um acontecimento que fortaleceu</p><p>os direitos humanos no decorrer da história foi o Bill of Rights, ou Declaração de Direitos (Inglaterra,</p><p>1689). Esse documento proibia a aplicação de penas cruéis, limitava o poder do governante pela vontade</p><p>do povo e garantia às pessoas a liberdade de expressão e política e a tolerância religiosa (Malheiro, 2016).</p><p>Já a Declaração de Independência dos Estados Unidos da América (Revolução Americana), de 1776,</p><p>separou o país em 13 colônias, restringiu os poderes do governo e declarou que todos os homens</p><p>foram criados iguais e, portanto, possuíam direitos inalienáveis (que não poderiam ser transferidos),</p><p>a saber: a vida, a liberdade e a busca pela felicidade. Segundo Casado Filho (2012), neste documento,</p><p>os norte‑americanos incluíram o direito de resistência à opressão. “Tais palavras têm valor histórico</p><p>imensurável e coloram os Estados Unidos em uma posição de vanguarda no assunto dos direitos</p><p>fundamentais” (Casado Filho, 2012, p. 154). Contudo, a Declaração de Independência e a Constituição</p><p>Americana, datada de 1787, não garantiram a igualdade racial e a escravidão prevaleceu por longo</p><p>período, até a Guerra de Secessão (1861‑1865).</p><p>Em 1789, a Assembleia Nacional Constituinte da França aprovou a Declaração de Direitos do Homem</p><p>e do Cidadão. Até esse período, a França estava dividida em três Estados: o primeiro, o segundo e o</p><p>terceiro. O primeiro era ocupado pelo clero, que não pagava impostos. No segundo estavam os nobres,</p><p>classe que desfrutava de privilégios por estar próxima ao rei, recebendo pensões e sendo dispensada de</p><p>pagar qualquer tipo de tributo. O terceiro era composto pelos camponeses e burgueses (profissionais</p><p>liberais, professores, médicos, advogados); estes eram os pagadores de impostos que sustentavam os</p><p>luxos do primeiro e segundo Estados.</p><p>É importante ressaltar que cada um dos Estados detinha o peso de um voto. Como os interesses do</p><p>primeiro e do segundo eram os mesmos – a manutenção de seus privilégios e regalias – eles uniam‑se,</p><p>somando dois votos contra um do terceiro. Devido aos gastos elevados e à precária situação do terceiro</p><p>31</p><p>POLÍTICAS PÚBLICAS EM COMUNICAÇÃO</p><p>Estado, este obrigou o rei a convocar uma assembleia na qual camponeses e burgueses exigiram que,</p><p>por serem a maioria da população, o justo seria cada homem um voto.</p><p>No dia 14 de julho de 1789, a população se rebelou contra a ordem vigente e foi às ruas, derrubando</p><p>um dos símbolos do poder real: a prisão da Bastilha, para a qual eram conduzidos os desafetos políticos</p><p>do rei absolutista. Nos regimes absolutistas, os monarcas detinham poderes totalitários e por isso</p><p>não existia qualquer direito ou garantia individual. Após a queda da Bastilha, a população aprovou a</p><p>Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, considerado um código de direitos humanos para</p><p>a época (Casado Filho, 2012, p. 154).</p><p>Seus 17 artigos contemplaram a liberdade de expressão, a previsão de que nenhum homem seria</p><p>preso senão por descumprimento da lei, os direitos naturais seriam resguardados por todos os homens,</p><p>assim como o princípio da legalidade, dessa forma expressa: “A lei não proíbe senão as ações nocivas à</p><p>sociedade. Tudo o que não é vedado pela lei não pode ser obstado e ninguém pode ser constrangido</p><p>a fazer o que ela não ordene” (A declaração…, 2017).</p><p>Conheça os artigos da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão:</p><p>Destaque</p><p>Art.1.º Os homens nascem e são livres e iguais em direitos. As distinções sociais só</p><p>podem ter como fundamento a utilidade comum.</p><p>Art. 2.º A finalidade de toda associação política é a preservação dos direitos naturais</p><p>e imprescritíveis do homem. Esses direitos são a liberdade, a prosperidade, a segurança e</p><p>a resistência à opressão.</p><p>Art. 3.º O princípio de toda a soberania reside, essencialmente, na nação. Nenhuma</p><p>operação, nenhum indivíduo pode exercer autoridade que dela não emane expressamente.</p><p>Art. 4.º A liberdade consiste em poder fazer tudo o que não prejudique o próximo:</p><p>assim, o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem por limites senão aqueles</p><p>que asseguram aos outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. Estes</p><p>limites só podem ser determinados pela lei.</p><p>Art. 5.º A lei não proíbe senão as ações nocivas à sociedade. Tudo o que não é</p><p>vedado pela lei não pode ser obstado e ninguém pode ser constrangido a fazer o que</p><p>ela não ordene.</p><p>Art. 6.º A lei é a expressão da vontade geral. Todos os cidadãos têm o direito de</p><p>concorrer, pessoalmente ou através de mandatários, para a sua formação. Ela deve ser</p><p>a mesma para todos, seja para proteger, seja para punir. Todos os cidadãos são iguais a</p><p>seus olhos e igualmente admissíveis a todas as dignidades, lugares e empregos públicos,</p><p>32</p><p>Unidade I</p><p>segundo a sua capacidade e sem outra distinção que não seja a das suas virtudes e dos</p><p>seus talentos.</p><p>Art. 7.º Ninguém pode ser acusado, preso ou detido senão nos casos determinados</p><p>pela lei e de acordo com as formas por esta prescritas. Os que solicitam, expedem,</p><p>executam ou mandam executar ordens arbitrárias devem ser punidos; mas qualquer</p><p>cidadão convocado ou detido em virtude da lei deve obedecer imediatamente, caso</p><p>contrário torna‑se culpado de resistência.</p><p>Art. 8.º A lei só deve estabelecer penas estrita e evidentemente necessárias e ninguém</p><p>pode ser punido senão por força de uma lei estabelecida e promulgada antes do delito e</p><p>legalmente aplicada.</p><p>Art. 9.º Todo acusado é considerado inocente até ser declarado culpado e, caso seja</p><p>considerado indispensável prendê‑lo, todo o rigor desnecessário à guarda da sua pessoa</p><p>deverá ser severamente reprimido pela lei.</p><p>Art. 10.º Ninguém pode ser molestado por suas opiniões, incluindo opiniões religiosas,</p><p>desde que sua manifestação não perturbe a ordem pública estabelecida pela lei.</p><p>Art. 11.º A livre comunicação das ideias e das opiniões é um dos mais preciosos</p><p>direitos do homem; todo cidadão pode, portanto, falar, escrever, imprimir livremente,</p><p>respondendo, todavia, pelos abusos dessa liberdade nos termos previstos na lei.</p><p>Art. 12.º A garantia dos direitos do homem e do cidadão necessita de uma força</p><p>pública; essa força é, portanto, instituída para benefício de todos, e não para utilidade</p><p>particular daqueles a quem é confiada.</p><p>Art. 13.º Para a manutenção da força pública e para as despesas de administração</p><p>é indispensável uma contribuição comum que deve ser dividida entre os cidadãos de</p><p>acordo com suas possibilidades.</p><p>Art. 14.º Todos os cidadãos têm direito de verificar, por si mesmos ou pelos seus</p><p>representantes, a necessidade da contribuição pública, de consenti‑la livremente, de</p><p>observar o seu emprego e de lhe fixar a repartição, a coleta, a cobrança e a duração.</p><p>Art. 15.º A sociedade tem o direito de pedir contas a todo agente público pela</p><p>sua administração.</p><p>Art. 16.º A sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos nem</p><p>estabelecida a separação dos poderes não tem Constituição.</p><p>33</p><p>POLÍTICAS PÚBLICAS EM COMUNICAÇÃO</p><p>Art. 17.º Como a propriedade é um direito inviolável e sagrado, ninguém dela pode ser</p><p>privado, a não ser quando a necessidade pública legalmente comprovada o exigir e sob</p><p>condição de justa e prévia indenização.</p><p>Fonte: A declaração… (2017).</p><p>Figura 12</p><p>Disponível em: https://tinyurl.com/7vp7tj4c. Acesso em: 23 ago. 2023.</p><p>34</p><p>Unidade I</p><p>A Constituição Mexicana de 1917 é um documento que consolidou dois direitos humanos que</p><p>pertencem à segunda dimensão: os direitos trabalhistas e os previdenciários (direitos sociais),</p><p>que passaram a ser considerados direitos fundamentais.</p><p>Pouco mais tarde, em 1919, a Constituição alemã garantiu mais um direito fundamental de primeira</p><p>geração (político): derrotada na Primeira Guerra Mundial e após assinar o Tratado de Versalhes, em</p><p>28 de junho de 1919, a Alemanha escreveu uma nova constituição na qual declarou que “o poder</p><p>emana do povo”. É importante ressaltar que o Tratado de Versalhes obrigou a Alemanha a reconhecer a</p><p>independência da Áustria, a perder todas as suas colônias na África e no Pacífico, a dissolver seu exército</p><p>e a reparar econômica e militarmente os países vencedores (Estados Unidos, Grã‑Bretanha, França e</p><p>outros aliados), além de devolver territórios anexados. A nova Constituição alemã (ou Constituição de</p><p>Weimar) é considerada “um marco da afirmação dos direitos humanos de segunda dimensão” (Malheiro,</p><p>2016, p. 10).</p><p>Assim como a Constituição Mexicana, a de Weimar estabeleceu os direitos trabalhistas e</p><p>previdenciários como fundamentais e garantiu a liberdade à vida social, religiosa e à instrução, mas foi</p><p>pioneira ao igualar os direitos jurídicos entre homens e mulheres, além de equiparar os filhos legítimos</p><p>e ilegítimos.</p><p>O início da Segunda Guerra Mundial foi em setembro de 1939, com a invasão da Polônia, e terminou</p><p>em setembro de 1945. Foi durante este período que ocorreu um dos maiores genocídios da história da</p><p>humanidade: o Holocausto, crime brutal e desumano, cujo arquiteto foi Adolf Hitler. O fato despertou</p><p>o mundo para a necessidade de medidas e leis de proteção aos direitos humanos em âmbito global.</p><p>Somado a isso, houve também a explosão da bomba atômica em Hiroshima e Nagasaki.</p><p>Pode‑se dizer, portanto, que os direitos humanos, como o aplicamos e praticamos hoje, surgiram</p><p>como reação ao Holocausto (Malheiro, 2016) e um dos primeiros documentos, tratados ou manifestações</p><p>de proteção à vida dos homens foi a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948.</p><p>Até este ponto não mencionamos a comunicação como um direito humano fundamental. É a partir</p><p>de agora que ingressaremos em profundidade nesta temática. A informação, ou a comunicação, como</p><p>um direito fundamental foi abarcada pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, em seu artigo 19:</p><p>Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; esse direito</p><p>inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e</p><p>transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente</p><p>de fronteiras (A Declaração…, 2017).</p><p>Outro documento, porém, mais restrito à profissão de jornalista brasileiro, é o Código de Ética dos</p><p>Jornalistas Brasileiros (CEJB) (Abert, [s.d]), um documento que rege as práticas e as regras de conduta</p><p>dos profissionais que atuam como jornalistas. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, o mais</p><p>importante tratado internacional, inspirou a escrita de alguns dos cinco capítulos do Código.</p><p>35</p><p>POLÍTICAS PÚBLICAS EM COMUNICAÇÃO</p><p>No capítulo I, em seu artigo 1º, o CEJB estabelece que o acesso à informação é um direito fundamental</p><p>do cidadão: “O Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros tem como base o direito fundamental do cidadão</p><p>à informação, que abrange seu o direito de informar, de ser informado e de ter acesso à informação”.</p><p>Ao compararmos o artigo 1º do CEJB com o artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos,</p><p>observamos, como similitude, a informação como um direito. Para o CEJB, o indivíduo tem o direito ao acesso</p><p>à informação, e para a Declaração Universal dos Direitos Humanos, o indivíduo tem o direito de procurar,</p><p>receber e transmitir informações.</p><p>O artigo 2º do CEJB define que a informação é um direito fundamental: “Como o acesso à informação</p><p>de relevante interesse público é um direito fundamental, os jornalistas não podem admitir que ele seja</p><p>impedido por nenhum tipo de interesse”. O artigo 2º do capítulo I apresenta, ainda, outras definições</p><p>para o direito à informação. Uma delas declara que os jornalistas não podem admitir que o indivíduo</p><p>seja impedido de se informar, conforme o inciso I do artigo 2º: a divulgação da informação precisa e</p><p>correta é dever dos meios de comunicação e deve ser cumprida independentemente da linha política de</p><p>seus proprietários e/ou diretores ou da natureza econômica de suas empresas.</p><p>Os cinco incisos do artigo 1º do Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros versam sobre a garantia da</p><p>liberdade de imprensa e do exercício do jornalismo com responsabilidade social, sendo o jornalista o ator</p><p>que primeiro deve denunciar o risco de obstrução da verdade, da censura por parte dos proprietários dos</p><p>meios de comunicação da livre divulgação de informações.</p><p>O inciso II do CEJF afirma que a produção e divulgação de informações deve se pautar pela veracidade</p><p>dos fatos e ter por finalidade o interesse público. Portanto, a checagem das informações e sua apuração</p><p>em profundidade é uma das práticas mais importantes da profissão, isso porque, em função da posição</p><p>de destaque que o profissional jornalista ocupa na sociedade, e de sua responsabilidade em produzir</p><p>notícias que cheguem à população, seu dever é publicar apenas informações corretas. A verdade é a base</p><p>da sociedade democrática, portanto, o CEJB traz muitos artigos e incisos que reforçam esse conceito.</p><p>No inciso III, o CEJB ressalta que a liberdade de imprensa é direito e pressuposto do exercício do</p><p>jornalismo. Isso significa que o jornalista, por direito, deve exercer sua profissão com liberdade, em</p><p>amplo sentido. Qualquer tipo de censura, como o impedimento de publicar uma informação apurada e</p><p>verídica por parte dos donos dos veículos de comunicação ou de alguma autoridade política, judiciária</p><p>ou policial, é condenada pelo CEJB.</p><p>O próximo inciso, o IV, diz que a prestação de informações pelas organizações públicas e privadas,</p><p>incluindo as não governamentais, deve ser considerada uma obrigação social. Isso significa que as</p>