Prévia do material em texto
UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO ETHEL BRAGA DALTROZO A HOLDING FAMILIAR COMO INSTRUMENTO DE PLANEJAMENTO SUCESSÓRIO E BLINDAGEM PATRIMONIAL SÃO PAULO 2021 ETHEL BRAGA DALTROZO A HOLDING FAMILIAR COMO INSTRUMENTO DE PLANEJAMENTO SUCESSÓRIO E BLINDAGEM PATRIMONIAL Trabalho de Graduação Interdisciplinar apresentado como requisito para obtenção do título de Bacharel no Curso de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Orientador: Fábio Souza Trubilhano. SÃO PAULO 2021 ETHEL BRAGA DALTROZO A HOLDING FAMILIAR COMO INSTRUMENTO DE PLANEJAMENTO SUCESSÓRIO E BLINDAGEM PATRIMONIAL Trabalho de Graduação Interdisciplinar apresentado como requisito para obtenção do título de Bacharel no Curso de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Orientador: Fábio Souza Trubilhano. Aprovada em: BANCA EXAMINADORA Examinador(a): Examinador(a): Examinador(a): À minha família. AGRADECIMENTOS Agradeço, em primeiro lugar, aos meus amados pais, Evandro Basso Daltrozo e Maribel Braga, que me apoiaram durante toda a minha jornada acadêmica, confiando nas minhas escolhas e capacidade, e sendo fonte inesgotável de carinho e compreensão. Tudo que eu sei, eles me ensinaram. Agradeço aos meus irmãos Lucas, Henry, Bernardo e Benício, que são para mim leveza em meio ao caos. Aos meus avós Wilson Daltrozo e Domitila Daltrozo, que sempre me incentivaram à leitura e aos estudos e me ensinaram que honestidade e dedicação rendem bons frutos. Ao meu namorado Leonardo Quaini, que até nos dias mais difíceis conseguiu me fazer sorrir, me incentivou, esteve ao meu lado nas mais longas tardes de estudos e me ajudou na escolha do tema deste trabalho. Aos grandes amigos que encontrei na Universidade (ou por causa dela) e que levarei comigo para além dos belos muros de tijolinhos vermelhos: Daniel Binenbojm, Flavia Vazzolla, Marina Costa e Tatiana Sakr. Eles fazem parte das melhores lembranças dos últimos cinco anos da minha vida e sou imensamente grata por tê-los. Ao professor Fábio Trubilhano, por ter me aceitado como sua orientanda e por toda confiança depositada em mim durante todo o projeto. E finalmente, a todos os familiares, amigos, professores e colegas que me acompanharam durante toda a graduação, o meu muito obrigada. “A sorte não existe. Aquilo a que chamas sorte é o cuidado com os pormenores.” (Winston Churchill) RESUMO As empresas familiares são muito importantes para a economia global. Frequentemente, os principais administradores dessas sociedades e os detentores do patrimônio são também os chefes de família, de modo que os elementos principais de funcionamento da empresa – poder decisório e patrimônio, – pertencem a uma única pessoa. Torna-se, destarte, inevitável pensar em quais seriam os efeitos da morte desse indivíduo para o universo empresarial, tendo em vista os desdobramentos causados por um inventário judicial envolvendo quotas da empresa, por exemplo. Nesse contexto, a chamada holding familiar pode ser proveitosa: com ela, é possível controlar o patrimônio, que ficará centralizado na figura da holding, sendo que, quando o patriarca doa suas quotas ou ações aos herdeiros, há adiantamento de legítima. Em outras palavras, isso significa que a divisão de bens ocorrerá em vida, e sem o elemento de urgência que vem à tona após a morte do ente querido que é chave da empresa familiar. Por outro lado, quando da constituição da holding e durante sua administração, é necessário cautela em relação a certas movimentações, que podem ser consideradas fraude contra credores ou fraude à execução. Palavras-chave: Holding familiar. Planejamento sucessório. Blindagem patrimonial. ABSTRACT Family businesses are very important to the global economy. Frequently, the main managers of these companies are the owners of the assets and are also the heads of the family, so that the main elements of the company's functioning - decision-making power and the assets - belong to one single person. Therefore, it is inevitable to think about what the effects of this individual’s death to the business would be, based on the consequences caused by a judicial inventory involving company quotas, for example. In this context, the so-called family holding company can be beneficial: using it, it is possible to control the patrimony, which will be centralized in the figure of the holding company, and when the patriarch donates his quotas or shares to the heirs, there is a advancement of the legitime. In other words, it means that the division of assets will take place in life, without the urgency that comes the death of the loved one who is also the key to the family business. On the other hand, when constituting the holding company and during its administration, caution is required around certain transactions, which can be considered fraudulent conveyance. Key words: Family holding. Sucession planning. Entity shielding. SUMÁRIO INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 10 1 HOLDING: CONCEITO E BASE LEGAL .......................................................................... 12 2 CLASSIFICAÇÃO ................................................................................................................ 14 2.1 HOLDING PURA ........................................................................................................... 14 2.2 HOLDING MISTA ......................................................................................................... 15 3 A HOLDING FAMILIAR ..................................................................................................... 17 3.1 NATUREZA JURÍDICA E CONSTITUIÇÃO DA HOLDING .................................... 18 3.1.1 Subscrição e integralização do capital social .............................................................. 19 4 TIPOS DE SOCIEDADE ...................................................................................................... 21 4.1 SOCIEDADE LIMITADA ............................................................................................. 21 4.2 SOCIEDADE ANÔNIMA ............................................................................................. 23 5 SUCESSÃO FAMILIAR E HOLDING ................................................................................ 26 5.1 PLANEJAMENTO SUCESSÓRIO ............................................................................... 26 5.1.1 Herança e testamento ................................................................................................... 27 5.1.2 Doação e antecipação de legítima ............................................................................... 28 5.1.3 Reserva de usufruto ..................................................................................................... 29 5.1.4 Cláusulas restritivas das doações ................................................................................. 30 6 BLINDAGEM PATRIMONIAL: COMO OCORRE ........................................................... 35 7 HIPÓTESES DE DESCONSIDERAÇÃO DA HOLDING .................................................. 38 8 CONCLUSÃO ....................................................................................................................... 43 REFERÊNCIAS .......................................................................................................................vez que os bens pessoais estão protegidos de eventual insucesso da atividade econômica (TARBINE, 2020). Essa barreira, não obstante, não é impenetrável, como sugere a ideia de “blindagem”. Pelo contrário: é permeável (TARBINE, 2020) visto que, em algumas hipóteses, o mecanismo da holding pode ser desconsiderado, como já foi brevemente mencionado anteriormente e será desenvolvido no capítulo seguinte. Além disso, Castro (2016) anota que se na constituição da holding houver finalidade de não pagar credores ou de ocultar patrimônio, isso caracterizará fraude e pode constituir crime, de acordo com as ações empregadas. Em síntese, é necessário ter cuidado quanto ao viés utilizando pelo interlocutor ao inferir que a constituição de uma holding implica em “blindagem patrimonial”. Isto pois fundamentalmente, a holding é meio lícito e eficiente diante de sucessão familiar ou empresarial, mas que pode ser adulterado e utilizado por pessoas dotadas de má fé (ou mesmo de meros desavisados) para a prática de ilícitos. 38 7 HIPÓTESES DE DESCONSIDERAÇÃO DA HOLDING Conforme tratado ao longo do presente trabalho, entende-se que a mera constituição de holding não constitui “blindagem patrimonial”, visto que esse mecanismo pode ser desconsiderado em alguns casos. O artigo 1.024 do Código Civil determina que os bens dos sócios não podem ser executados por dívidas da sociedade, senão depois de executados os bens sociais (BRASIL, 2002), ou seja, os bens dos sócios estão protegidos até que a sociedade não tenha mais condições de cumprir com obrigações (BRANDARIZ, 2018). Logo, torna-se inevitável trazer à tona o artigo 50 do Código retro mencionado, que dispõe sobre o chamado “abuso de personalidade jurídica”: Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso. § 1º Para os fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019) § 2º Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por: (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019) I - cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa; (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019) II - transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente insignificante; e (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019) III - outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019) § 3º O disposto no caput e nos §§ 1º e 2º deste artigo também se aplica à extensão das obrigações de sócios ou de administradores à pessoa jurídica. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019) § 4º A mera existência de grupo econômico sem a presença dos requisitos de que trata o caput deste artigo não autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019) § 5º Não constitui desvio de finalidade a mera expansão ou a alteração da finalidade original da atividade econômica específica da pessoa jurídica. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019) É justamente esse artigo que autoriza o instituto da chamada desconsideração da personalidade jurídica. Importante apontar que aqui estamos nos baseando na chamada teoria maior (subjetiva) da desconsideração da personalidade jurídica, baseada na Lei da Liberdade Econômica (Lei 13.874/2019)9. 9 “O direito brasileiro adota a teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica para alguns micro ordenamentos, como a Lei de Proteção ao Meio Ambiente (Lei 9.605/98), Lei Antitruste (Lei 12.529/11), o Código http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2019/Lei/L13874.htm#art7 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2019/Lei/L13874.htm#art7 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2019/Lei/L13874.htm#art7 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2019/Lei/L13874.htm#art7 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2019/Lei/L13874.htm#art7 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2019/Lei/L13874.htm#art7 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2019/Lei/L13874.htm#art7 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2019/Lei/L13874.htm#art7 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2019/Lei/L13874.htm#art7 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2019/Lei/L13874.htm#art7 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2019/Lei/L13874.htm#art7 39 Dito isso, a desconsideração da personalidade jurídica trata-se de ato jurídico que decorre de decisão judicial e que tem como objetivo atingir bens dos sócios em decorrência de obrigações obtidas pela sociedade (BARTOLOMEO, 2020). Em outras palavras: desconsidera- se a personalidade jurídica da sociedade para que o patrimônio dos sócios ajude a quitar dívidas adquiridas pela empresa, por exemplo. A empresa não deixa de existir, apenas não é considerada para fins de responsabilização (BARTOLOMEO, 2020). Antes da Lei da Liberdade Econômica, o artigo 50 não contava com os parágrafos conforme posto acima, mas apenas com o caput, que traz os requisitos para o abuso de personalidade jurídica e que autorizaria a desconsideração desta: desvio de finalidade ou confusão patrimonial. No entanto, sem os parágrafos, não restava claro o que poderia ser considerado como abuso, desvio de finalidade e/ou confusão patrimonial para fins de desconsideração da personalidade jurídica. A insegurança jurídica causada por tantas decisões divergentes entre si ocasionava também certo receio aos investimentos de empreendedores e, consequentemente, estímulos à economia de modo geral (BARTOLOMEO, 2020). Por conseguinte, o §1º define o desvio de finalidade como sendo utilização da pessoa jurídica objetivando lesar credores e praticar atos ilícitos de qualquer natureza. A confusão patrimonial, definida através do §2º, é entendida como a ausência de separação de fato entre patrimônios, que pode se caracterizar quando a sociedade cumpre obrigações do sócio ou quando o sócio cumpre obrigações da sociedade; quando se transfere maquinários e funcionários, por exemplo, sem contraprestação; e quando existem outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial. Os parágrafos §4º e §5º também são interessantes. O primeiro dispõe que a mera existência de grupo econômico não é, por si só, elemento para desconsideração da personalidade jurídica. Isto é, é preciso que haja desvio de finalidade ou confusão patrimonial. O segundo, por sua vez, fala sobre a expansão e a alteração da atividade econômica da empresa, o que também não dá autorização para desconsideração. No mesmo sentido, a Lei 13.467/2017, que alterou a Consolidação das Leis do Trabalho, inclusive, em seu artigo 2º, §3º, positivou que a mera identidade de sócios não caracteriza grupo econômico, e que para caracterizá-lo, é necessário a demonstração do interesse integrado, a efetiva comunhão de interesses e a atuação conjunta das empresas dele integrantes. de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), dentre outros. Nessa teoria, é preciso apenas efetuar prova de existência de determinados fatos e não de culpa do sócio na ocorrência dos mesmos” (BARTOLOMEO, 2020). 40 Antes, não era incomum que a Justiça do Trabalho aceitasse a desconsideração da personalidade jurídica por unicidade de sócios (BRANDARIZ, 2018). O Código de Processo Civil de 2015, porsua vez, também prevê a forma pela qual o incidente de desconsideração da personalidade jurídica será instaurado, através dos artigos 133 a 137. Quando couber intervir no processo, o incidente poderá ser instaurado a pedido da parte ou do Ministério Público, sendo cabível em todas as fases do processo de conhecimento, cumprimento de sentença e execução de título extrajudicial. Além disso, a desconsideração da personalidade jurídica pode ser requerida desde a petição inicial, devendo ser citado o sócio ou a própria pessoa jurídica, e nessa hipótese, não é necessário instaurar o incidente. Se o pedido for acolhido, a alienação ou oneração de bens havida em fraude à execução será ineficaz em relação ao requerente. Em resumo, no que diz respeito à holding familiar, se houver abuso da personalidade jurídica, é possível que herdeiros sócios da holding tenham que responder com seu patrimônio individual e bens pessoais pelas dívidas contraídas pela sociedade que não puder ser capaz de quitá-las. Além disso, é importante saber que a desconsideração da personalidade jurídica não incide, de maneira unificada, sobre todos que fazem parte do quadro societário. Vejamos como a situação é ilustrada por Parentoni: [...] razões de ordem material e processual exigem que somente seja aplicada contra o sócio que detinha o poder de controle societário e tenha se utilizado dele de maneira ilícita, desrespeitando a autonomia da atividade societária como centro de imputação, dotado de patrimônio próprio e inconfundível com o patrimônio e com a vontade particular dos sócios. Consequentemente, cabe ao sujeito que requereu a aplicação desta teoria indicar, no caso concreto, contra qual sócio ou grupo de sócios deseja que ela incida, descrevendo pormenorizadamente a conduta de cada um deles, sob pena de se configurar carência de ação por falta de interesse de agir. (PARENTONI, 2016) A desconsideração inversa da personalidade jurídica também é possível, conforme enunciado 283 da IV Jornada de Direito Civil, senão vejamos: É cabível a desconsideração da personalidade jurídica denominada "inversa" para alcançar bens de sócio que se valeu da pessoa jurídica para ocultar ou desviar bens pessoais, com prejuízo a terceiros. Embora não esteja positivada no ordenamento jurídico pátrio, essa modalidade de desconsideração da personalidade jurídica vem sendo utilizada no direito de família, como exemplifica Fátima Garcia: 41 [...] quando o cônjuge transfere patrimônio comum para a pessoa jurídica fraudando a meação e por vezes nos casos de separação ou divórcio, pela compra bens com capital próprio em nome da empresa, configurando a confusão patrimonial. Nesses casos, pela desconsideração inversa, tais bens poderão ser alcançados. (GARCIA, 2014) Ou seja: se um sócio utilizar a holding familiar como meio para prejudicar terceiros através de ocultação ou desvio de bens pessoais, é possível que a autonomia patrimonial da pessoa jurídica seja afastada para responsabilizar a sociedade por uma obrigação do sócio (STARLING, 2015). Os bens da holding responderão por atos praticados pelos sócios (STARLING, 2015). Nesse sentido, há decisão recente, datada de janeiro de 2021, da Vara do Trabalho do Arujá, no processo nº 001361-57.2014.5.02.052. Na decisão, foi deferida desconsideração inversa da personalidade jurídica para penhorar bens de uma holding familiar que funcionava para prática de ocultação de patrimônio: Dentre os elementos que comprovam a fraude, chama a atenção o fato de que o executado transferiu propriedades para a empresa em nome de familiar, mas manteve controle total sobre a pessoa jurídica e seus bens. Com isso, detinha controle da gestão patrimonial e a capacidade de vender ou onerar os bens. Segundo o magistrado, “trata- se da pejotização do patrimônio do sócio devedor”. Além disso, as pesquisas realizadas pela vara mostraram que não há registro de transações imobiliárias e financeiras em relação aos imóveis, o que reforça a tese de transferências patrimoniais fraudulentas. Com a decisão, os imóveis identificados nas operações serão enviados a leilão após o trânsito em julgado do processo de execução. (TRT2, 2021). A holding familiar também poderá ser desconsiderada em casos de fraude à execução e fraude contra credores. A primeira ocorre quando já existe execução em curso contra o titular do patrimônio, sendo instituto de direito processual (artigo 792 do Código de Processo Civil). A segunda ocorre quando da constituição da holding, já existirem credores titulares do patrimônio, e trata-se de matéria de direito material (artigo 158 e seguintes do Código Civil). (TARBINE, 2020 e REDE DE ENSINO LUIZ FLÁVIO GOMES, 2008). Na fraude contra credores, o devedor, ao se tornar insolvente ou na iminência de tornar-se, passa a dispor de seu patrimônio através de doações ou vendas, por exemplo, visando driblar o pagamento das obrigações assumidas, maliciosamente (ANDRADE, 2017). Assim, um patriarca que for sócio da uma holding familiar que, num primeiro momento, possuía objetivo de promover o planejamento sucessório, mas ao tornar-se insolvente, e com o animus de fraudar credores, doa suas quotas prematuramente a filhos ou cônjuge, por exemplo, pratica fraude contra credores. 42 Em regra, deverá conter dois elementos, quais sejam: objetivo (eventus damni) que se refere a atuação em prejuízo aos credores, devendo o interessado comprovar o nexo causal entre o ato do devedor e o seu estado de insolvência e o elemento subjetivo (consilium fraudis) que define a manifesta intenção de prejudicar credores. (ANDRADE, 2017) A ação pauliana poderá ser ajuizada para anular o ato jurídico que colocou o devedor em insolvência de modo fraudulento. A fraude à execução, segundo a definição de Cândido Rangel Dinamarco (2019, p. 389), “consiste na realização de um ato de disposição ou oneração de coisa ou direito depois de instaurado um processo cujo resultado poderá ser impossível sem lançar mão desse bem." A Súmula 375 do STJ ainda traz que: "o reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova da má-fé do terceiro adquirente" (STJ, 2009). Com isso, é possível interpretar, em conjunto com o inciso IV do artigo 792 do Código de Processo Civil, que para configurar fraude à execução, basta existir ação em curso contra devedor que seja capaz de reduzi-lo à insolvência (ROCHA; PINHEIRO, 2020). Para exemplificar dentro contexto do trabalho atual: pratica fraude à execução aquele patriarca que, mesmo sabendo que tramita contra si ação de execução, doa ou transfere suas quotas ou ações da holding familiar para familiares, como se estivesse praticando planejamento sucessório, mas em verdade, o faz para evitar que sejam penhoradas. Até mesmo a criação de uma holding e transferência de bens para ela durante tramitação de ação de execução pode ser tida como fraude à execução (UOL, 2017). Tendo em vista todas as considerações feitas até aqui, a holding familiar é uma sociedade, a partir do momento causar prejuízo a outrem (ARAÚJO, 2018), a ela podem ser aplicados os institutos aqui relatados, e os bens dos sócios ou mesmo da holding podem ser atingidos para satisfazer dívidas. Cumpre ressaltar que a holding pode não ser um bom negócio para todos e cada caso deverá ser analisado cautelosamente, incluindo condições empresariais e patrimoniais, e devendo ser apresentadas aos interessados as desvantagens e vantagens. Assim, os envolvidos poderão obter o melhor proveito possível dessa valiosa ferramenta. 43 8 CONCLUSÃO Diante do exposto ao longo do presente trabalho, é possível verificar que a sucessão patrimonial é um tema que pode ser tido como intrínseco à vida humana: todos terão que lidar com ela em algum momento, seja para lidar com o falecimento de um entequerido, seja para planejar o futuro que deseja para seu próprio patrimônio. Dito isso, existem diferentes recursos que podem ser utilizados para facilitar esse momento tão delicado na vida de uma família e sua empresa, e dentre eles, está a constituição da holding familiar, que foi aqui analisada. Com a constituição da empresa holding, geralmente na forma de sociedade limitada ou anônima, o capital é subscrito e integralizado pelos sócios, normalmente, os patriarcas. O patrimônio integralizado se traduz em quotas ou ações. Na sequência, pode ser feita a doação dessas quotas ou ações diretamente aos herdeiros, executando o adiantamento de legítima. O doador não pode se tornar insubsistente em razão da doação e, por isso, frequentemente a doação estará gravada com reserva de usufruto, o que mantém ao doador o recebimento de dividendos, por exemplo. Não obstante que a doação seja gravada com cláusula de usufruto, é possível gravá-la com outras cláusulas restritivas, que também ajudarão a manter os bens junto ao patrimônio familiar, com mais proteção contra divórcios e ataques de terceiros, por exemplo. Ademais, a grande vantagem é que a divisão dos bens entre os familiares ocorre desde então e é conduzida pelo próprio empresário/patriarca de maneira ordenada e sem a urgência que ocorre após o evento morte para que a empresa volte a funcionar normalmente. Além disso, já é possível introduzir a próxima geração aos negócios da família, verificando as qualidades ou defeitos de cada herdeiro dentro da gestão da empresa, o que possibilita certo remanejamento caso sejam detectados problemas prévios. No entanto, apesar de fornecer uma camada de proteção ao patrimônio familiar, isso não significa que haverá, automaticamente, “blindagem patrimonial”. É necessário cuidado com o uso do termo, que muitas vezes está associado ao uso de meios ilícitos para ocultação de bens, resultando em fraude contra credores e/ou fraude à execução. Por essa razão, é importante que a família que deseja constituir holding familiar como meio de planejamento sucessório esteja assessorada por um bom profissional, que avaliará tecnicamente e de modo individualizado cada nuance dos negócios da família, para que os objetivos sejam atingidos e com o melhor aproveitamento. 44 Por fim, não é possível afirmar que a constituição da holding é garantia absoluta de sucesso e fim dos conflitos familiares durante a administração da sociedade, tendo em vista as incertezas do futuro. Ainda assim, a holding é sem dúvidas um excelente instrumento para facilitar a sucessão de bens, otimizar a administração dos negócios e guardar o legado de um patriarca a seus herdeiros. 45 REFERÊNCIAS ANDRADE, Bruno Gontijo de. Fraude contra credores. Migalhas, 24 abr. 2017. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/257730/fraude-contra-credores. Acesso em: 10 abr. 2021. ARAÚJO, Matheus Castilho de. Holding familiar e a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica quando ofendidos os direitos da personalidade dos sucedidos. 2018. 17f. TCC (Graduação) – Curso de Direito, UniCesumar, Maringá, 2018. Disponível em: http://rdu.unicesumar.edu.br/xmlui/bitstream/handle/123456789/784/Trabalho%20de%20Con clus%c3%a3o%20de%20Curso%20TCC.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 15 abr. 2021. BARTOLOMEO, Felipe. Desconsideração da personalidade jurídica: conceitos, teorias e mudanças. Aurum, 19 maio 2020. Disponível em: https://www.aurum.com.br/blog/desconsideracao-da-personalidade- juridica/#:~:text=A%20desconsidera%C3%A7%C3%A3o%20da%20personalidade%20jur% C3%ADdica,contrair%20obriga%C3%A7%C3%B5es%20e%20exercer%20direitos. Acesso em: 15 abr. 2021. BRANDARIZ, Fernando. Holding familiar como proteção patrimonial, existe? Migalhas, 8 mar. 2018. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/275759/holding-familiar- como-protecao-patrimonial--exist. Acesso em: 15 abr. 2021. BRASIL. Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, Planalto, 15 dez. 1976. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6404compilada.htm. Acesso em: 15 abr. 2021. BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Planalto, 10 jan. 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm. Acesso em: 15 abr. 2021. BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Planalto, 16 mar. 2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 15 abr. 2021. BRASIL. Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017. Planalto, 13 jul. 2017. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13467.htm. Acesso em: 15 abr. 2021. BRASIL. Lei nº 13.784, de 20 de setembro de 2019. Planalto, 20 set. 2019. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13874.htm. Acesso em: 15 abr. 2021. CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei de Sociedades Anônimas. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2009. CASTRO, Bruno Oliveira. Holding: Blindagem ou Planejamento Patrimonial? Olhar Jurídico, 11 jan. 2016. Disponível em: https://www.olharjuridico.com.br/artigos/exibir.asp?id=687&artigo=holding-blindagem-ou- planejamento-patrimonial. Acesso em: 15 abr. 2021. https://www.migalhas.com.br/depeso/257730/fraude-contra-credores http://rdu.unicesumar.edu.br/xmlui/bitstream/handle/123456789/784/Trabalho%20de%20Conclus%c3%a3o%20de%20Curso%20TCC.pdf?sequence=1&isAllowed=y http://rdu.unicesumar.edu.br/xmlui/bitstream/handle/123456789/784/Trabalho%20de%20Conclus%c3%a3o%20de%20Curso%20TCC.pdf?sequence=1&isAllowed=y https://www.aurum.com.br/blog/desconsideracao-da-personalidade-juridica/#:~:text=A%20desconsidera%C3%A7%C3%A3o%20da%20personalidade%20jur%C3%ADdica,contrair%20obriga%C3%A7%C3%B5es%20e%20exercer%20direitos https://www.aurum.com.br/blog/desconsideracao-da-personalidade-juridica/#:~:text=A%20desconsidera%C3%A7%C3%A3o%20da%20personalidade%20jur%C3%ADdica,contrair%20obriga%C3%A7%C3%B5es%20e%20exercer%20direitos https://www.aurum.com.br/blog/desconsideracao-da-personalidade-juridica/#:~:text=A%20desconsidera%C3%A7%C3%A3o%20da%20personalidade%20jur%C3%ADdica,contrair%20obriga%C3%A7%C3%B5es%20e%20exercer%20direitos https://www.migalhas.com.br/depeso/275759/holding-familiar-como-protecao-patrimonial--exist https://www.migalhas.com.br/depeso/275759/holding-familiar-como-protecao-patrimonial--exist http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6404compilada.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm file:///C:/Users/ethel/Downloads/Disponível%20em:%20https:/www.olharjuridico.com.br/artigos/exibir.asp%3fid=687&artigo=holding-blindagem-ou-planejamento-patrimonial file:///C:/Users/ethel/Downloads/Disponível%20em:%20https:/www.olharjuridico.com.br/artigos/exibir.asp%3fid=687&artigo=holding-blindagem-ou-planejamento-patrimonial file:///C:/Users/ethel/Downloads/Disponível%20em:%20https:/www.olharjuridico.com.br/artigos/exibir.asp%3fid=687&artigo=holding-blindagem-ou-planejamento-patrimonial 46 COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial: direito de empresa. 28. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil: volume iv. 4. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2019. FIORANELLI, Ademar. Das cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade. São Paulo: Editora Saraiva, 2009. GARCIA, Fátima. Holding Familiar e a Desconsideração Inversa da Personalidade Jurídica. Fátima Garcia, 2014. Disponível em: https://fatimasgarcia.com.br/holding-familiar-e-a- desconsideracao-inversa-da-personalidade- juridica/#:~:text=Holding%20Familiar%20e%20a%20Desconsidera%C3%A7%C3%A3o%20 Inversa%20da%20Personalidade%20Jur%C3%ADdica,- %3E&text=A%20confus%C3%A3o%20patrimonial%20pode%20ensejar,por%20d%C3%AD vidas%20de%20seu%20s%C3%B3cio.&text=A%20pessoa%20jur%C3%ADdica%20nasce%20com,portanto%20n%C3%A3o%20%C3%A9%20uma%20fic%C3%A7%C3%A3o. Acesso em: 15 abr. 2021. GELEILATE, Ana. Holding e “blindagem patrimonial”. Jusbrasil, [2018]. Disponível em: https://anageleilate.jusbrasil.com.br/artigos/423847596/holding-e-blindagem-patrimonial. Acesso em: 15 abr. 2021. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito das sucessões. 14. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020. GRUPO FATOS. Entenda o papel da Holding na blindagem patrimonial. 2017. Disponível em: https://blog.grupofatos.com.br/entenda-o-papel-da-holding-na-blindagem-patrimonial/. Acesso em: 15 abr. 2021. LOBATO, Marcelo Augustus Vaz. Quando bem planejada, formação de holdings familiares traz benefícios. Conjur, 2014. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2014-dez-14/bem- planejada-formacao-holdings-familiares-traz-beneficios. Acesso em: 24 abr. 2021. LODI, Edna Pires; LODI, João Bosco. Holding. 4. ed. São Paulo: Cengage Learning, 2012. LOEBLEIN, Tiago. A holding familiar como instrumento de proteção patrimonial e planejamento sucessório e tributário. 2017. 66 f. TCC (Graduação) - Curso de Direito, Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, 2017. MAMEDE, Gladston; MAMEDE, Eduarda Cotta. Blindagem Patrimonial e Planejamento Jurídico. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2015. MAMEDE, Gladston; MAMEDE, Eduarda Cotta. Holding familiar e suas vantagens: planejamento jurídico e econômico do patrimônio e da sucessão familiar. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2020. OLIVEIRA, Diogo Luis Manganelli de. Holding familiar como estrutura de planejamento sucessório. 2016. 39 f. TCC (Graduação) - Curso de Direito, Universidade Federal de Juiz de https://anageleilate.jusbrasil.com.br/artigos/423847596/holding-e-blindagem-patrimonial file:///C:/Users/ethel/Downloads/Disponível%20em:%20https:/blog.grupofatos.com.br/entenda-o-papel-da-holding-na-blindagem-patrimonial/ file:///C:/Users/ethel/Downloads/Disponível%20em:%20https:/blog.grupofatos.com.br/entenda-o-papel-da-holding-na-blindagem-patrimonial/ 47 Fora, Juiz de Fora, 2016. Disponível em: http://repositorio.ufjf.br:8080/jspui/bitstream/ufjf/3925/1/diogolu%c3%adsmanganellideolivei ra.pdf. Acesso em: 03 maio 2021. OLIVEIRA, Djalma de Pinho Rebouças de. Holding, administração corporativa e unidade estratégica de negócio: uma abordagem prática. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2015. PARENTONI, Leonardo. Desconsideração da personalidade jurídica. Holding Familiar, 6 out. 2016. Disponível em: https://holdingfamiliar.net/teoria-da-desconsideracao-da-personalidade- juridica/. Acesso em: 15 abr. 2021. REDE DE ENSINO LUIZ FLÁVIO GOMES. Qual a diferença entre fraude à execução e fraude contra credores? Jusbrasil, [2008]. Disponível em: https://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/107735/qual-a-diferenca-entre-fraude-a-execucao-e- fraude-contra-credores-selma- vianna#:~:text=Fraude%20%C3%A0%20execu%C3%A7%C3%A3o%20%C3%A9%20instit uto%20de%20direito%20processual.&text=Fraude%20contra%20credores%20%C3%A9%20 mat%C3%A9ria,o%20credor%20em%20tempo%20futuro. Acesso em: 15 abr. 2021. ROCHA, Debora Cristina de Castro da; PINHEIRO, Camila Bertapelli. Fraude à execução e o dever de cautela nas aquisições imobiliárias. Migalhas, 29 set. 2020. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/334010/fraude-a-execucao-e-o-dever-de-cautela-nas- aquisicoes-imobiliarias. Acesso em: 15 abr. 2021. SEBRAE. Empresas Familiares. Brasil: Meta Pesquisa de Opinião, 2017. Disponível em: https://bibliotecas.sebrae.com.br/chronus/ARQUIVOS_CHRONUS/bds/bds.nsf/1a5d95208c8 9363622e79ce58427f2dc/$File/7599.pdf. Acesso em: 28 abr. 2021. SEBRAE. Relatório Especial: Empresas Familiares. Brasil: Sebrae – Unidade de Gestão Estratégica, 2015. SILVA, Fabio Pereira da; ROSSI, Alexandre Alves. Holding familiar: visão jurídica do planejamento societário, sucessório e tributário, 2. ed. São Paulo: Trevisan Editora, 2017. STARLING, Frederico. Desconsideração inversa da personalidade jurídica. Jus, ago. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/41652/desconsideracao-inversa-da-personalidade- juridica#:~:text=Em%20outras%20palavras%2C%20%2D%20%E2%80%9Ca,modo%20a%2 0responsabilizar%20a%20pessoa. Acesso em: 15 abr. 2021. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Súmula n. 375. 18 mar. 2009. Disponível em: https://www.stj.jus.br/docs_internet/revista/eletronica/stj-revista-sumulas- 2013_33_capSumula375.pdf. Acesso em: 10 abr. 2021. TARBINE, Maruan. Como a holding familiar pode proteger (mas não blindar) seu patrimônio? Maruan Tarbine, 26 maio 2020. Disponível em: https://maruantarbine.com.br/como-a- holding-familiar-pode-proteger-mas-nao-blindar-seu-patrimonio. Acesso em: 15 abr. 2021. TEIXEIRA, João Alberto Borges. Holding Familiar: Tipo Societário e seu Regime Tributário. 2007. Disponível em: http://www.fiscosoft.com.br/a/3gw6/holding-familiar-tipo-societario-e- seu-regime-tributario-joao-alberto-borges-teixeira. Acesso em: 28 abr. 2021. https://holdingfamiliar.net/teoria-da-desconsideracao-da-personalidade-juridica/ https://holdingfamiliar.net/teoria-da-desconsideracao-da-personalidade-juridica/ https://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/107735/qual-a-diferenca-entre-fraude-a-execucao-e-fraude-contra-credores-selma-vianna#:~:text=Fraude%20%C3%A0%20execu%C3%A7%C3%A3o%20%C3%A9%20instituto%20de%20direito%20processual.&text=Fraude%20contra%20credores%20%C3%A9%20mat%C3%A9ria,o%20credor%20em%20tempo%20futuro https://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/107735/qual-a-diferenca-entre-fraude-a-execucao-e-fraude-contra-credores-selma-vianna#:~:text=Fraude%20%C3%A0%20execu%C3%A7%C3%A3o%20%C3%A9%20instituto%20de%20direito%20processual.&text=Fraude%20contra%20credores%20%C3%A9%20mat%C3%A9ria,o%20credor%20em%20tempo%20futuro https://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/107735/qual-a-diferenca-entre-fraude-a-execucao-e-fraude-contra-credores-selma-vianna#:~:text=Fraude%20%C3%A0%20execu%C3%A7%C3%A3o%20%C3%A9%20instituto%20de%20direito%20processual.&text=Fraude%20contra%20credores%20%C3%A9%20mat%C3%A9ria,o%20credor%20em%20tempo%20futuro https://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/107735/qual-a-diferenca-entre-fraude-a-execucao-e-fraude-contra-credores-selma-vianna#:~:text=Fraude%20%C3%A0%20execu%C3%A7%C3%A3o%20%C3%A9%20instituto%20de%20direito%20processual.&text=Fraude%20contra%20credores%20%C3%A9%20mat%C3%A9ria,o%20credor%20em%20tempo%20futuro https://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/107735/qual-a-diferenca-entre-fraude-a-execucao-e-fraude-contra-credores-selma-vianna#:~:text=Fraude%20%C3%A0%20execu%C3%A7%C3%A3o%20%C3%A9%20instituto%20de%20direito%20processual.&text=Fraude%20contra%20credores%20%C3%A9%20mat%C3%A9ria,o%20credor%20em%20tempo%20futuro https://www.migalhas.com.br/depeso/334010/fraude-a-execucao-e-o-dever-de-cautela-nas-aquisicoes-imobiliarias https://www.migalhas.com.br/depeso/334010/fraude-a-execucao-e-o-dever-de-cautela-nas-aquisicoes-imobiliarias https://jus.com.br/artigos/41652/desconsideracao-inversa-da-personalidade-juridica#:~:text=Em%20outras%20palavras%2C%20%2D%20%E2%80%9Ca,modo%20a%20responsabilizar%20a%20pessoa https://jus.com.br/artigos/41652/desconsideracao-inversa-da-personalidade-juridica#:~:text=Em%20outras%20palavras%2C%20%2D%20%E2%80%9Ca,modo%20a%20responsabilizar%20a%20pessoa https://jus.com.br/artigos/41652/desconsideracao-inversa-da-personalidade-juridica#:~:text=Em%20outras%20palavras%2C%20%2D%20%E2%80%9Ca,modo%20a%20responsabilizar%20a%20pessoa https://www.stj.jus.br/docs_internet/revista/eletronica/stj-revista-sumulas-2013_33_capSumula375.pdf https://www.stj.jus.br/docs_internet/revista/eletronica/stj-revista-sumulas-2013_33_capSumula375.pdf file:///C:/Users/ethel/Downloads/Disponível%20em:%20https:/maruantarbine.com.br/como-a-holding-familiar-pode-proteger-mas-nao-blindar-seu-patrimonio file:///C:/Users/ethel/Downloads/Disponível%20em:%20https:/maruantarbine.com.br/como-a-holding-familiar-pode-proteger-mas-nao-blindar-seu-patrimonio 48 TEIXEIRA, João Alberto. Objetivo de uma holdingfamiliar. Portal de auditoria, 2017. Disponível em: https://portaldeauditoria.com.br/objetivo-de-uma-holding/. Acesso em: 5 maio 2021. TRT2. Ocultação de patrimônio em empresas de familiares enseja desconsideração inversa da personalidade jurídica. Jornal Jurid, 20 jan. 2021. Disponível em: https://www.jornaljurid.com.br/noticias/ocultacao-de-patrimonio-em-empresas-de-familiares- enseja-desconsideracao-inversa-da-personalidade-juridica. Acesso em: 15 abr. 2021. UOL. Oito fraudes de empresários para esconder patrimônio de credor ou Justiça. Uol Economia, 20 set. 2017. Disponível em: https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2017/09/20/dividas-fraudes- empresarios.htm#:~:text=Ocorre%20quando%20a%20pessoa%20transfere,empresas%20seja m%20penhoradas%20na%20Justi%C3%A7a. Acesso em: 15 abr. 2021. VISCARDI, Diego. Holding Familiar: doação de quotas com reserva de usufruto e cláusulas restritivas. Holding familiar, 2016. Disponível em: http://holdingfamiliar.adv.br/2016/04/27/holding-familiar-doacao-de-quotas-com-reserva-de- usufruto-e-clausulas-restritivas/. Acesso em: 3 maio 2021. VISCARDI, Diego. Holding Patrimonial: As Vantagens Tributárias e o Planejamento Sucessório. Jurisway, 2013. Disponível em: https://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=12303. Acesso em: 3 maio 2021. https://www.jornaljurid.com.br/noticias/ocultacao-de-patrimonio-em-empresas-de-familiares-enseja-desconsideracao-inversa-da-personalidade-juridica https://www.jornaljurid.com.br/noticias/ocultacao-de-patrimonio-em-empresas-de-familiares-enseja-desconsideracao-inversa-da-personalidade-juridica https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2017/09/20/dividas-fraudes-empresarios.htm#:~:text=Ocorre%20quando%20a%20pessoa%20transfere,empresas%20sejam%20penhoradas%20na%20Justi%C3%A7a https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2017/09/20/dividas-fraudes-empresarios.htm#:~:text=Ocorre%20quando%20a%20pessoa%20transfere,empresas%20sejam%20penhoradas%20na%20Justi%C3%A7a https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2017/09/20/dividas-fraudes-empresarios.htm#:~:text=Ocorre%20quando%20a%20pessoa%20transfere,empresas%20sejam%20penhoradas%20na%20Justi%C3%A7a45 10 INTRODUÇÃO As empresas familiares ocupam um lugar importante no cenário econômico global, na atualidade. Segundo dados de uma pesquisa feita pelo Sebrae, em abril de 2017, 80% das empresas existentes no mundo são familiares. Outro dado importante é o que indica que 70% dos empreendimentos familiares existentes no mundo não resistem à morte de seu fundador. Com isso, é possível perceber que o fundador e todo o trabalho feito por ele possuem fundamental importância no sucesso dessas empresas. Não raramente, essa figura está atrelada ao patriarca ou matriarca, que figuram como responsáveis pela administração da empresa familiar e todas as grandes decisões que a cercam, além de serem os detentores do patrimônio que será deixado para as próximas gerações. Isto é: em apenas uma (ou até duas) pessoas, centralizam-se elementos essenciais para funcionamento e êxito da empresa: poder de decisão e patrimônio. Questiona-se: com a morte dessa(s) figura(s), o que pode acontecer? O que está em jogo? A nossa cultura trata a morte com tanto receio que pouco se fala dentro do núcleo familiar sobre qual poderia ser o melhor e menos traumático mecanismo de sucessão. O assunto é frequentemente deixado nas mãos do tempo e, após o evento morte, é que se reflete que rito de sucessão patrimonial poderia ter sido usado em favor da família. Nesse momento de crise, os grupos familiares podem ser impactados de muitas maneiras: há alta incidência tributária na sucessão familiar, conflitos familiares podem ser desencadeados durante o processo de sucessão, há demora do Judiciário – em se tratando de inventário judicial –, tudo isso enquanto lidam com o luto da perda de um ente querido. Diante disso, podemos jogar luz sobre alternativas mais atuais para construir uma proteção mais robusta em torno de patrimônios, estruturas financeiras e relacionamentos afetivos, que, acentuados pelo atual panorama global, estão suscetíveis às fragilidades e possíveis eventos de força maior. Nesse sentido, cada dia mais, as holdings podem ganhar mais espaço dentro das relações de direito privado brasileiro. Introduzido pela Lei 6.404/76, Lei das Sociedades Anônimas, os conceitos em torno dessas empresas e suas classificações são diversos. A holding, de modo resumido, é uma empresa criada com finalidade de deter participações societárias de outras empresas, como quotistas ou acionistas, sendo que o patrimônio total ou parcial dessas é formado pelas participações societárias. Com elas, é possível centralizar decisões de um grupo empresarial, e nesse ponto, a holding familiar, que é foco do presente trabalho, demonstra-se muito interessante. 11 Com a holding familiar, é possível controlar o patrimônio das pessoas físicas de uma mesma família, que passam a deter participações societárias da holding: o patrimônio do grupo familiar pode ser integralizado em totalidade no capital social da empresa, respeitados os limites da lei, que serão a seguir tratados. Em relação à questão sucessória, a holding pode ser muito eficiente para organizar com antecedência a distribuição do patrimônio das pessoas físicas e da empresa familiar e sua administração. Isto pois os patriarcas podem se utilizar de cláusulas restritivas como incomunicabilidade, impenhorabilidade, inalienabilidade e reversibilidade, por exemplo, para evitar a dilapidação do patrimônio por parte dos herdeiros e manter esse patrimônio dentro do núcleo familiar. Outra vantagem é a de ser possível afastar atritos familiares, o que muitas vezes um testamento não consegue alcançar. Desenvolverei, portanto, o pensamento em torno dessa figura tão plural e atual. A pergunta que procuro responder ao final do presente trabalho é: quão efetivo é o instrumento da holding, tanto para fins de evitar disputas patrimoniais que podem surgir com a morte dos patriarcas/matriarcas de uma família, atuando como um facilitador da sucessão de bens, quanto como constituinte da chamada “blindagem patrimonial”. 12 1 HOLDING: CONCEITO E BASE LEGAL A palavra “holding”, proveniente do verbo “to hold” na língua inglesa, de acordo com a tradução livre do Cambridge Dictionary, significa segurar, prender, conter, manter. No contexto aqui abordado, “holding” também pode se traduzir, em verdade, como uma sociedade que tem por objeto participar de outras sociedades, de modo a participar do capital de outras sociedades em um nível que seja possível controlá-las (TEIXEIRA, 2007). Para Mamede e Mamede (2020), a constituição de uma holding pode ser feita dentro de contextos variados e para atender diferentes objetivos. A visão de uma holding é voltada para si mesma. A produtividade das empresas controladas ou coligadas à holding são mais importantes do que o produto oferecido por elas, e é o elo entre o empresário e família e o seu grupo patrimonial (LODI; LODI, 2012). Para Mamede e Mamede, o termo holding company é utilizado para nomear pessoas jurídicas que são titulares de bens e direitos, podendo incluir ou não “bens imóveis, bens móveis, participações societárias, propriedade industrial (patente, marca etc.), investimentos financeiros etc.” (2020, p. 13). Tal conceituação da matéria também já foi apresentada por autores estrangeiros, a exemplo de Walter E. Lagerquist (1991), que define a holding da seguinte forma: Companhia holding é qualquer empresa que mantém ações de outras companhias em quantidade suficiente para controlá-las e emitir certificados próprios. Em sua forma mais pura, a companhia holding não opera partes de sua propriedade, mas direta ou indiretamente controla as políticas operativas e habitualmente patrocina todo o financiamento. (WALTER; LAGERQUIST, 1991 apud LODI; LODI, 2012, p. 4) Outro conceito interessante é do também estrangeiro Oscar Hardy, que define a companhia holding como “uma sociedade juridicamente independente que tem por finalidade a adquirir e manter ações de outras sociedades, juridicamente independentes, com o objetivo de controlá-las, sem com isso praticar atividade comercial ou industrial (OSCAR HARDY, apud LODI e LODI, 2012, p. 4) Conforme será aprofundado no próximo capítulo, para Lodi e Lody (2012) os conceitos retro mencionados, de Walter E. Lagerquist e de Oscar Hardy, são “importados” e traduzem o que podemos chamar de holding pura, funcionando apenas para manter ações de outras companhias. No Brasil, a holding mista é mais utilizada, em razão de questões tanto fiscais quanto administrativas, prestando serviços civis ou comerciais (LODI; LODI, 2012). 13 Além das questões conceituais, demonstra-se necessário apontar preliminarmente o respaldo encontrado pelas holdings no ordenamento jurídico interno, introduzido através da Lei 6.404/76, Lei das S/A, artigo 2º, §3º, senão vejamos: Art. 2º Pode ser objeto da companhia qualquer empresa de fim lucrativo, não contrário à lei, à ordem pública e aos bons costumes. § 3º A companhia pode ter por objeto participar de outras sociedades; ainda que não prevista no estatuto, a participação é facultada como meio de realizar o objeto social, ou para beneficiar-se de incentivos fiscais. Ainda que a segunda parte do parágrafo faculte a participação como meio de realização do objeto social, a expressão da atividade de participação em outras sociedades seria prudente, de modo a afastar um possível desvio de objeto (CARVALHOSA, 2009). Neste sentido, o artigo 243, §1º e §2º da mesma Lei, também dispõe sobre holdings, ao mencionar sociedades coligadas, controladas e controladoras: Art. 243. O relatório anual da administração deve relacionar os investimentos da companhia em sociedades coligadas e controladas e mencionar as modificações ocorridas durante o exercício. §1º São coligadas as sociedades nas quais a investidora tenha influência significativa. § 2º Considera-se controlada a sociedade naqual a controladora, diretamente ou através de outras controladas, é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, preponderância nas deliberações sociais e o poder de eleger a maioria dos administradores. Os dispositivos de lei mencionados, apesar de estarem na Lei das Sociedades Anônimas, não significam, no entanto, que esse deverá ser a forma societária da holding. As sociedades limitadas que adotarem a Lei das S/A como regência supletiva de sua legislação básica poderão constituir holding sob essa forma societária (LOPES, 2012 apud LOBATO, 2014). Após breve avaliação das variações conceituais, verifica-se então que os principais elementos que constituem uma holding somam-se em: personalidade jurídica própria, participação societária em outras sociedades e titularidade de bens e direitos. Destarte, adiante analisaremos a classificação e os tipos de holding. 14 2 CLASSIFICAÇÃO A classificação das holdings, assim como sua conceituação, é extremamente variada em nomenclaturas. Importante frisar que, no presente trabalho, abordaremos especialmente a holding pura e a holding mista, para então, finalmente, adentrarmos no que tange a holding familiar. A título exemplificativo, Edna Pires Lodi e João Bosco Lodi (2012) enumeram no plano estrutural vinte e dois tipos de holding. Ainda, apenas para fins de que reste demonstrada a mencionada variedade de classificações, vejamos quais as classificações de holdings para Mamede e Mamede (2020), que não possui lista tão extensa quanto Lodi e Lodi (2012): Holding pura: sociedade constituída com o objetivo exclusivo de ser titular de quotas ou ações de outra ou outras sociedades. É também chamada de sociedade de participação. Holding de controle: sociedade de participação constituída para deter o controle societário de outra ou de outras sociedades. Holding de participação: sociedade de participação constituída para deter participações societárias, sem ter o objetivo de controlar outras sociedades. Holding de administração: sociedade de participação constituída para centralizar a administração de outras sociedades, definindo planos, orientações, metas etc. Holding mista: sociedade cujo objeto social é a realização de determinada atividade produtiva, mas que detém participação societária relevante em outra ou outras sociedades. Holding patrimonial: sociedade constituída para ser a proprietária de determinado patrimônio. É também chamada de sociedade patrimonial. Holding imobiliária: tipo específico de sociedade patrimonial, constituída com o objetivo de ser proprietária de imóveis, inclusive para fins de locação. (MAMEDE; MAMEDE, 2020, p. 16) Todas essas espécies de holdings são, na verdade, meras definições para fins didáticos (SILVA; ROSSI, 2017): são caracterizadas por sua finalidade e esmiúçam a matéria para que se torne mais compreensível, não desdobram quaisquer efeitos jurídicos. Neste mesmo sentido, Djalma de Pinho Rebouças de Oliveira (2014) pontua que, mais importante que a classificação da holding em si, é a filosofia de administração que uma holding pode oferecer, visando otimizar resultados. 2.1 HOLDING PURA Segundo Fabio Silva e Alexandre Rossi (2017), a holding pura essencialmente tem o objetivo social e exclusivo de participar no capital social de outra sociedade, significando que se trata de uma empresa cuja atividade única é de manter quotas ou ações de outras. Neste 15 sentido, em função de seu objetivo, essa espécie é conhecida como “sociedade de participação” (ROCHA JÚNIOR; et al., 2014, apud SILVA; ROSSI, 2017). Nessa esfera das holdings puras, também se fala em uma distinção entre a holding de participação e a holding de controle: enquanto a holding de participação teria o objetivo de titularizar as quotas ou ações de outras sociedades, conforme mencionado acima, as holdings de controle titularizariam tais quotas ou ações em quantidade suficiente para exercer controle societário (MAMEDE; MAMEDE, 2020). Edna Pires Lodi e João Bosco Lodi (2012), ao classificar holdings através de seus mapas societários, aponta a holding pura como para casos especiais, como em sucessão conflitiva e ausência dos sócios, por exemplo. Ainda, aponta que não é recomendada para questões fiscais, e que a holding de controle puro pode ser “sócia do sócio, pessoa física, formando o par necessário para a constituição de qualquer outra empresa”. Finaliza apontando o que aparenta ser pacífico entre os autores mencionados, no que diz respeito às holdings puras: “só participa, não administra, não controla nem gerencia.” (LODI; LODI, 2012, p. 52) 2.2 HOLDING MISTA No aspecto mais exemplificativo, Oliveira (2014, p. 19) descreve a holding mista como aquela que “desenvolve atividades operacionais (industrial ou comercial) e também realiza serviços, principalmente para as afiliadas, tais como serviços de planejamento estratégico, marketing, informática, recursos humanos, relações públicas, assistência jurídica, organização e métodos.” Definida por Lodi e Lodi (2020) como mais usual, que conta mais recursos para planejamento fiscal, mais indicada para avaliação de novos empreendimentos, mais dinâmica e maleável administrativamente, a holding mista é trazida por Mamede e Mamede (2020) como uma oposição à holding pura. Isso porque, segundo ele, trata-se de uma sociedade que não se dedica exclusivamente à titularidade de participação, mas que, paralelamente, se dedica a atividades empresariais em sentido estrito, como à prestação de serviços e circulação de bens, por exemplo. O artigo 2º, §3º da Lei 6.404/76 prevê exatamente esta modalidade de holding, quando versa que “a participação é facultada como meio de realizar o objeto social, ou para beneficiar-se de incentivos fiscais”. Isto é, uma sociedade que possui objeto social de produção ou comercialização de um produto etc., pode titularizar quotas ou ações de outras sociedades sem que seja necessário que essa informação conste no seu objeto social (MAMEDE; MAMEDE, 2020). 16 Embora o artigo retro mencionado não expresse a respeito, ainda é possível que seja constituída uma sociedade que tenha por objetivo ser titular de patrimônio, como bens imóveis ou móveis, patentes, marcas, aplicações financeiras e até mesmo as próprias quotas e ações de outras sociedades etc. (MAMEDE; MAMEDE, 2020). A esse tipo de sociedade se daria o nome de holding patrimonial ou sociedade patrimonial, segundo Mamede e Mamede (2020). Nesta mesma contextualização específica, pode se falar na holding familiar, que abordaremos no capítulo seguinte. 17 3 A HOLDING FAMILIAR Antes de adentramos especificamente nas holdings familiares, é importante visualizarmos um breve panorama das chamadas empresas familiares. Uma pesquisa feita pelo Sebrae em abril de 2017 sobre essas empresas, reuniu as seguintes evidências empíricas: • 95% das 300 maiores empresas são controladas por famílias (GARCIA, 2001); • 80% das empresas existentes no mundo são familiares (GERSICK; et al., 1997); • Mais de 50% do Produto Interno Bruto (PIB) dos EUA é gerado por empresas familiares e 1/3 das cias mais bem-sucedidas naquele país é de origem familiar (Santos, 1997); • 70% dos empreendimentos familiares existentes no mundo não resistem à morte do fundador (SOARES; MACHADO; MAROCCO, 1997); • De cada 10 empresas brasileiras, nove eram familiares e que seu controle estava com uma ou mais famílias (BERNHOEFT, 1989); • Nos EUA, 75% de empresas são familiares e empregam cerca de 55% da força total de trabalho; (SEBRAE, 2017) Além disso, um relatório especial também do Sebrae sobre o mesmo tema, datado de setembro de 2015, também reuniu algumas informações sobre o universo dos pequenos negócios formais no Brasil. Na pesquisa, participaram 6.013 empresas (MEI, ME e EPP). As entrevistasocorreram entre 3 e 31 de agosto de 2015, e restou demonstrado que: • 57% das Micro e Pequenas Empresas no Brasil possuem parentes entre seus sócios e/ou empregados/colaboradores (com ou sem carteira assinada); • 71% das Empresas de Pequeno porte (EPP), 68% das Microempresas (ME) e 38% dos Microempreendedores Individuais (MEI) são “empresas familiares”. Deve-se observar que a maioria dos MEI são indivíduos que tocam seu próprio negócio, sem sócios e sem empregados, razão pela qual são poucos os que são classificados como “empresa familiar”, segundo a definição utilizada neste trabalho; • Por setores de atividade, 61% das empresas da indústria, 59% das empresas do comércio, 56% das empresas do setor de serviços e 41% das empresas da construção são “empresas familiares”. A baixa proporção de empresas familiares nestes dois últimos setores também parece estar associada ao fato de serem setores com alta proporção de MEI. (SEBRAE, 2015) Com essa perspectiva, é possível perceber que as empresas familiares ocupam uma parcela importante no cenário atual e a experiência familiar é fator de sucesso para a sobrevivência das empresas, porém, a sucessão pode ameaçar a continuidade dos negócios se não houver planejamento (LOBATO, 2014). Assim, a partir disso, analisaremos a holding familiar. A holding familiar, a qual daremos atenção especial no presente trabalho, para Mamede e Mamede (2020), não é um tipo específico de holding, mas uma contextualização específica, podendo ser uma holding pura ou mista, de administração, organização ou 18 patrimonial. Fato é que sua principal marca é o fato de se enquadrar no âmbito de uma família, servindo ao planejamento de organização patrimonial, administração de bens, otimização fiscal, sucessão hereditária etc. (MAMEDE; MAMEDE, 2020). Isto é, ela pode ser criada para manter as atividades e quotas ou ações de outras empresas da família, de modo que a gestão dos negócios passa a se concentrar em uma única estrutura societária e, a partir disso, é possível adotar o tão falado planejamento sucessório e tributário, melhorando a gestão do patrimônio e finanças familiares (SILVA; ROSSI, 2017). Por fim, também é comum que a constituição se dê para desenvolver compra, venda e aluguel dos imóveis que compõem o patrimônio familiar (SILVA; ROSSI, 2017). 3.1 NATUREZA JURÍDICA E CONSTITUIÇÃO DA HOLDING A natureza jurídica da holding empresarial estará de acordo com os moldes do artigo 982 do Código Civil, ou seja, será simples ou empresária1. A escolha levará em consideração a estratégia a ser seguida pela sociedade (MAMEDE; MAMEDE, 2020). Vejamos a forma pela qual o dispositivo da lei as distingue: Art. 982. Salvo as exceções expressas, considera-se empresária a sociedade que tem por objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito a registro (art. 967); e, simples, as demais. Parágrafo único. Independentemente de seu objeto, considera-se empresária a sociedade por ações; e, simples, a cooperativa. Vejamos, então, o que isso significa na prática. As sociedades empresárias devem efetuar o registro de seus atos constitutivos, seja o contrato ou estatuto social, perante a Junta Comercial do Estado pertinente. Pautadas pelo Código Civil, as sociedades empresárias podem adotar os seguintes tipos societários (MAMEDE; MAMEDE, 2020): I. sociedade em nome coletivo; II. sociedade em comandita simples; III. sociedade limitada; IV. sociedade anônima; e 1 Em contraponto, Comparato e Salomão (2008) consideram que, no Brasil, a holding sempre será sociedade empresária, nos termos do artigo 966 do Código Civil. Para eles, “parece possível dizer que, na gestão de participações, a holding organiza-se para a prestação de um serviço. Há, assim, uma empresarialidade autônoma da holding.” 19 V. sociedade em comandita por ações. Enquanto isso, as sociedades simples devem efetuar o registro de seus atos constitutivos, isto é, o contrato ou estatuto social, perante os Cartórios de Registro de Pessoas Jurídicas, com exceção da sociedade cooperativa, que efetua o registro perante a Junta Comercial2. Eis os tipos societários relativos às sociedades simples (MAMEDE; MAMEDE, 2020): I. sociedade simples em sentido estrito; II. sociedade em nome coletivo; III. sociedade em comandita simples; IV. sociedade limitada; e V. sociedade cooperativa. Outro ponto a se levar em consideração enquanto se define qual será a natureza jurídica de uma holding, para fins estratégicos, é relembrar que apenas as sociedades empresárias têm direito à recuperação, judicial ou extrajudicial, nos termos da Lei 11.101/05 e diante de uma quebra, as sociedades empresárias são submetidas à falência, também nos termos da Lei retro mencionada. Já as sociedades simples se submetem ao procedimento de insolvência, isto é, de acordo com o Código Civil e Código de Processo Civil (MAMEDE; MAMEDE, 2020). Por outro lado, para as holdings puras, esse ponto pode não ter tanta relevância, pois além das obrigações fiscais incidentes sobre sua receita, por não contraírem outras obrigações, não se tornam inadimplentes (MAMEDE; MAMEDE, 2020). 3.1.1 Subscrição e integralização do capital social Para Mamede e Mamede (2020), a constituição de uma sociedade, seja ela simples ou empresária, como vimos no capítulo anterior, possui elementos essenciais na subscrição do capital social e na sua integralização. Cumpre esclarecer que o capital social é constituído pelo investimento feito pelos sócios na empresa para realizar o objeto social e, por esse motivo, há necessidade de definir no contrato ou estatuto social – levado a registro – qual será o valor efetivo, em moeda corrente 2 Em virtude da Lei 5.764/71. 20 (conforme exigido pela legislação), integralizando-o e conservando-o no patrimônio societário (MAMEDE; MAMEDE, 2020). No entanto, há também que se distribuir os ônus do investimento na sociedade, e daí surge o instituto da subscrição e, consequentemente, da integralização (MAMEDE; MAMEDE, 2020). Segundo Mamede e Mamede (2020), a constituição de uma sociedade implica destinação de valores para a formação do capital social. Todo sócio possui o dever de contribuir com a sociedade, começando pela integralização das quotas ou ações subscritas, sendo que: [...] se não for feita no ato da assinatura do contrato social, ou ato de fundação da companhia, deverá ser feita na forma (ou modo) e prazo estipulados pelo contrato ou estatuto social. Forma ou modo, pois o sócio pode ter se comprometido, por exemplo, a transferir à sociedade a propriedade de determinado imóvel como forma de integralização dos títulos societários que subscreveu, assumindo tal declaração, devida e regularmente assinada, a natureza de promessa, permitindo, inclusive, pedido judicial de outorga de escritura. (MAMEDE; MAMEDE, 2020, p. 116) Neste cenário, a subscrição aparece como sendo o ato de assumir títulos societários – quotas ou ações – que correspondem a parcelas do capital social da empresa. Os títulos subscritos devem ser integralizados, isto é, o valor correspondente às quotas ou ações subscritas deve ser transferido para a sociedade (MAMEDE; MAMEDE, 2020). A transferência dos valores correspondente às quotas ou ações subscritas pode ser através de qualquer “bem com expressão econômica”, ou seja, não apenas em dinheiro, mas desde que seja possível avaliar pecuniariamente aquele bem que será transferido para a sociedade (MAMEDE; MAMEDE, 2020). Nas holdings familiares, há, ainda segundo Mamede e Mamede (2020), a seguinte particularidade: apesar de não ser obrigatório, é comum que o capital seja totalmente subscrito e integralizado no ato da constituição da sociedade e por meio da transferência dos bens para a sociedade: “as participações societárias ou, eventualmente, outros bens, móveisou imóveis, materiais ou imateriais (propriedade intelectual, como marcas, patentes etc.)”. Por fim, importante destacar que a integralização não é ato privativo do sócio e que o investimento pode ser feito por outrem, em nome e a bem do sócio (MAMEDE; MAMEDE, 2020). 21 4 TIPOS DE SOCIEDADE Conforme já pontuado ao longo do presente trabalho, a holding não se configura como um tipo societário específico e, em verdade, a sua denominação é originada no objetivo a ser atingido com a constituição da empresa (SILVA; ROSSI, 2017). É fato que, segundo Tiago Loeblein (2017), a criação de uma holding culmina em uma separação patrimonial: os sócios ou acionistas passam a deter em patrimônio as quotas ou ações de emissão da holding, e os bens propriamente ditos, como móveis ou imóveis, quotas ou ações de sociedades controladas passam a ser de propriedade da holding. Apesar da diversidade de tipos societários possíveis, como exposto no capítulo 3.1, alguns autores apontam que nem todos eles seriam adequados para uma holding, tendo em vista suas particularidades. Segundo João Alberto Borges Teixeira (2007): O tipo societário deve ser definido tendo em vista os objetivos a serem alcançados com a constituição da holding. A forma social limitada é a mais adequada quando se pretende impedir que terceiros estranhos à família participem da sociedade, no caso de holding familiar. Na prática, dá-se preferência em constituir uma sociedade empresária, em virtude de maior simplicidade e menor custo do registro feito pela Junta Comercial. (TEIXEIRA, 2007) Neste capítulo, serão abordados dois tipos societários possíveis para uma holding, quais sejam, a sociedade limitada e a sociedade anônima. Frisa-se que não há um único modelo ideal e cada núcleo familiar deve analisar as opções e definir seu modelo de acordo com o que considerar mais vantajoso em seu caso concreto. 4.1 SOCIEDADE LIMITADA A sociedade limitada é regida pelo Código Civil, Lei 10.406/2002, principalmente através dos artigos 1.052 a 1.087. A Lei das Sociedades Anônimas (Lei 6.404/76) também pode ser aplicada, de forma complementar à sociedade limitada, desde que haja previsão contratual nesse sentido (conforme o artigo 1.053, parágrafo único) e que não contradiga o Código Civil (SILVA; ROSSI, 2007). Como abordado por Fabio Silva e Alexandre Rossi (2017), a limitação da responsabilidade de seus sócios é a principal característica da sociedade limitada e a razão pela qual é mais popularmente conhecida. De acordo com os autores, tal característica protege o 22 patrimônio pessoal dos sócios ao passo que estimula a prática empresarial, já que toda atividade comercial traz ameaças de insucesso. Ainda, além de proteger negócios individuais, a responsabilização limitada protege a sociedade como um todo, pois empregos são mantidos, há oferta de produtos e arrecadação de tributos, por exemplo (SILVA; ROSSI, 2017). O professor Fábio Ulhôa Coelho (2016) sintetiza a questão da seguinte forma: A limitação da responsabilidade dos sócios pelas obrigações sociais pode parecer, à primeira vista, uma regra injusta, mas não é. Como o risco de insucesso é inerente a qualquer atividade empresarial, o direito deve estabelecer mecanismos de limitação de perdas, para estimular empreendedores e investidores à exploração empresarial dos negócios. Se o insucesso de certa empresa pudesse sacrificar a totalidade do patrimônio dos empreendedores e investidores (pondo em risco o seu conforto e de sua família, as reservas para futura educação dos filhos e sossego na velhice), é natural que eles se mostrariam mais reticentes em participar dela. O prejuízo seria de todos nós, já que os bens necessários ou úteis à vida dos homens e mulheres produzem-se em empresas. (COELHO, 2016, p. 105) As sociedades limitadas são formadas por duas ou mais pessoas e seus atos societários são registrados perante a Junta Comercial, conforme já mencionado. O capital social é dividido por quotas e a responsabilidade dos sócios fica limitada ao valor das quotas subscritas, nos termos do artigo 1.052 do Código Civil, senão vejamos: Art. 1.052. Na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social. No entanto, essa limitação não é absoluta e se for considerado que há abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou confusão patrimonial, nos termos do artigo 50 do Código Civil, pode haver a chamada desconsideração da personalidade jurídica. Mamede e Mamede (2020) dividem a questão da divisão do capital social em dois sistemas. No de quotas iguais, todo o capital social é dividido em quotas de mesmo valor, sendo que cada sócio possui o número de quotas correspondente à sua participação no capital social. Há também o sistema de uma quota para cada sócio, no valor total de sua participação no capital, no qual admite-se quotas desiguais. Os autores pontuam ainda que a quota é indivisível em relação à sociedade, a não ser que haja uma mudança na divisão do capital social, por meio de alteração, para concentrar ou dividir quotas. 23 Ademais, na sociedade limitada há alguns atrativos, como facilidade de constituição e administração; é menos burocratizada, com custo de constituição e manutenção moderados, ainda mais quando comparados à sociedade anônima (SILVA; ROSSI, 2017). Para finalizar, Silva e Rossi (2017) listam de modo objetivo alguns dos principais atributos da sociedade de responsabilidade limitada, alguns pontos inclusive já tratados no presente trabalho: 1. Conforme disposto no artigo 1.052 do Código Civil, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social. 2. O capital social é dividido em quotas, que podem ser iguais ou desiguais, podendo um sócio ter uma ou várias quotas do capital. 3. Todos os sócios respondem solidariamente pelo prazo de até 5 anos da data do registro da sociedade, pela exata estimação de bens conferidos ao capital social, nos termos do § 1o artigo 1.055 do Código Civil. 4. É regida pelo Código Civil e, naquilo que não confrontar, pelas normas da sociedade simples ou sociedade anônima, desde que estabelecido em contrato social esta previsão. 5. Pode ser instituído conselho fiscal com um número de no mínimo 3 membros, sendo eles sócios ou não, conforme estabelece o artigo 1.066 do Código Civil. 6. Em sendo instituído o conselho fiscal, é assegurado aos sócios minoritários, representando 1/5 do capital social, o direito de eleger um de seus membros. 7. Não é permitida a integralização do capital social com contribuição com prestação de serviços. 8. Pode prever no contrato social restrições à entrada de pessoas estranhas na sociedade. 9. Seus atos constitutivos são arquivados na Junta Comercial de sua sede. (SILVA; ROSSI, 2017, p. 35) 4.2 SOCIEDADE ANÔNIMA Disciplinada pela Lei 6.404/76, a sociedade anônima tem seu estatuto social levado a registro perante a Junta Comercial do Estado competente, qual seja, onde se localizar a sede da empresa. Nos termos do artigo 1º do dispositivo legal retro mencionado, o capital social da sociedade anônima, também chamada de companhia, é dividido em ações e a responsabilidade dos sócios ou acionistas será limitada ao preço de emissão das ações subscritas ou adquiridas. De acordo com o artigo 107 da Lei 6.404/76, a subscrição de ações obriga o sócio a realizar, nas condições previstas no estatuto ou boletim de subscrição, a prestação correspondente às ações subscritas ou adquiridas, assim como ocorre na sociedade limitada. No caso de mora do acionista, a companhia pode escolher entre: a) promover processo de execução para cobrar do acionista e daquelesque forem solidariamente responsáveis as importâncias devidas – caso em que o boletim de subscrição e o aviso de chamada são títulos extrajudiciais, 24 nos termos do Código de Processo Civil; ou b) mandar vender as ações em bolsa de valores, por conta e risco do acionista. O estatuto social não revela o nome dos sócios da empresa3, mas deve definir com precisão o objeto da companhia, que pode ser qualquer empresa de fim lucrativo, e inclusive “ser uma holding” (MAMEDE; MAMEDE, 2020). Além disso, os nomes dos respectivos titulares de cada ação devem constar no Livro de Registro de Ações Nominativas (MAMEDE; MAMEDE, 2020). No caso de uma companhia aberta, a negociação das ações e outros títulos da sociedade anônima ocorrem mediante oferta pública através do mercado de valores mobiliários, de responsabilidade da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). No entanto, esse tipo de companhia não se demonstra muito compatível com a ideia de uma holding familiar, que tem fim de conservar o patrimônio familiar e evitar a entrada de terceiros (LOEBLEIN, 2017). Já na companhia fechada, esses títulos não vão à oferta pública (MAMEDE; MAMEDE, 2020). Os acionistas serão aqueles que decidiram juntos constituir uma sociedade e há restrições na entrada de investidores externos a esse grupo (OLIVEIRA, 2016). Esse tipo societário pode se adequar para constituição de uma holding familiar, portanto, por haver limitação de responsabilidade e ser possível prever no estatuto restrições à circulação das ações (SILVA; ROSSI, 2017). Por outro lado, há também algumas desvantagens, como custo de manutenção, já que a Lei 6.404/76 exige que sejam publicados diversos atos sociais, o que pode se demonstrar bastante oneroso (LOEBLEIN, 2017). Outro ponto que pode ser considerado indesejado pelos sócios é a necessidade de, anualmente, haver publicação do balanço patrimonial e das demais operações financeiras ao conhecimento público, nos termos do artigo 176 da referida Lei (LOEBLEIN, 2017). Por fim, como listado por Silva e Rossi (2017) no caso das sociedades limitadas, somam-se como as principais características das sociedades anônimas: 1. A responsabilidade do acionista é limitada ao preço das ações adquiridas ou subscritas, uma vez integralizada, o acionista não terá, regra geral, outras responsabilidades, sendo atingido somente o patrimônio da companhia; 3 “Ao contrário do contrato social, o estatuto social não traz o nome dos sócios da empresa, mas apenas registra aqueles que estavam presentes à sua fundação, dispensando alterações quando haja cessão de ações e, com ela, da condição de sócio; essa transferência será feita em livro próprio. Mas o estatuto deve definir, de modo preciso e completo, o objeto da companhia, que pode ser qualquer empresa de fim lucrativo, desde que não seja contrária à lei, à ordem pública e aos bons costumes. Esse objeto pode ser, inclusive, participar de outras sociedades: ser uma holding. Também sociedades que tenham outros objetos sociais podem ter participações em outras sociedades, ainda que isso não esteja previsto no seu ato constitutivo” (MAMEDE; MAMEDE, 2020, p. 33). 25 2. Por ser uma sociedade de capitais, prepondera a relevância do capital somado em detrimento das características pessoais dos acionistas, embora nas sociedades de capital fechado haja entendimentos no sentido de existir o intuitu personae; 3. O capital é dividido em partes iguais, de valor nominal, em regra; 4. Pode ser companhia aberta ou fechada, conforme os valores mobiliários de sua emissão estejam ou não admitidos à negociação no mercado de valores mobiliários; 5. No caso de sociedade anônima “fechada”, desde que não impeça a negociação, poderá o Estatuto trazer restrições à sua circulação; 6. É formada por no mínimo dois sócios que são denominados acionistas; 7. Possui necessariamente três órgãos – Assembleia Geral, Diretoria e Conselho Fiscal, sendo os dois primeiros de funcionamento permanente e o último de acordo com o ‘disposto no estatuto; 8. As sociedades anônimas de capital aberto terão, obrigatoriamente, um Conselho de Administração. No caso das de capital fechado, esse órgão é facultativo; 9. Exige-se ampla publicidade de seus atos. (SILVA; ROSSI, 2017, p. 44) Uma vez pontuados os dois principais tipos possíveis de sociedade para a empresa holding, podemos então afunilar para o objeto do presente trabalho: sucessão familiar e holding. 26 5 SUCESSÃO FAMILIAR E HOLDING Para Mamede e Mamede (2020), a proliferação do mercado de falsos especialistas que oferecem soluções empresariais milagrosas, enfraqueceu o pensamento sobre a utilidade do planejamento sucessório para o sucesso grupos empresariais familiares. Segundo eles, esses falsos especialistas vendem a blindagem patrimonial como promessa de redução de encargos fiscais e proteção de bens contra credores, mas que muitas vezes envolvem práticas que, para o ordenamento jurídico pátrio, são crime. Uma análise técnica, por outro lado, pode ser muito proveitosa, pois assim, é possível compreender a organização, estrutura, funcionamento da empresa familiar, além de ser possível mapear a preparação adequada para ingresso de novas gerações dentro da organização (MAMEDE; MAMEDE, 2020). 5.1 PLANEJAMENTO SUCESSÓRIO Dentre as vantagens da constituição da holding familiar, o planejamento sucessório certamente merece destaque. A utilização dos mecanismos legais adequados pode promover uma sucessão adequada e sem os entraves de um procedimento de inventário, por exemplo, que pode se estender por anos a fio, além de oferecer proteção ao patrimônio familiar, que pode sofrer com efeitos de conflitos familiares, divórcios e ataques de terceiros. Nas palavras de Mamede e Mamede (2020), após o evento traumático da morte de um ente querido, a transferência de bens para os herdeiros é feita sem qualquer espécie de planejamento e normalmente com muita urgência, o que pode acarretar certa desordem e consequências caras para a empresa familiar. Como apontado pelos autores, a constituição da holding significa, então, uma sucessão conduzida pelo próprio empresário ou empresária, na figura de chefe e orientador da família, de modo que a nova geração é inserida à administração dos negócios enquanto a geração anterior ainda está viva, sendo possível detectar até mesmo quais as capacidades ou incapacidades gerenciais dos futuros membros da estrutura. Destarte, o presente capítulo destacará alguns meios que, no âmbito da holding familiar, podem ser utilizados para efetivar desejados resultados. 27 5.1.1 Herança e testamento Nos termos do artigo 1.784 do Código Civil, aberta a sucessão, desde logo a herança transmite-se aos herdeiros legítimos e testamentários. Os herdeiros necessários são os descendentes, ascendentes e cônjuges, e a metade dos bens da herança pertencem a eles, de pleno direito, o que constitui a legítima (arts. 1.845 e 1.846 do Código Civil). Já os herdeiros testamentários, são aqueles feitos herdeiros a partir de testamento, ato personalíssimo deixado por pessoa capaz (art. 1.857 do Código Civil). Importante saber que a legítima dos herdeiros necessários não pode ser incluída em testamento, de acordo com o artigo 1.857, §1º do Código Civil. Dá-se a sucessão legítima quando o falecido não deixou testamento ou quando houve problemas com esse, transmitindo-se a herança proporcionalmente aos herdeiros legítimos, nos termos do Código Civil. Aqui, se entre os bens houver uma ou mais empresas, haverá desafios quanto à administração dessas durante o processo de inventário, pois os atos de gestão estarão afeitos a ele, além de eventuais disputas entre herdeiros quanto aos seus quinhões (MAMEDE; MAMEDE, 2020). Mamede e Mamede (2020) observam ainda que, com a divisão dos bens, há também divisão societária ne empresa: Se a famíliadetinha 60% das quotas ou ações, quatro herdeiros irão deter, cada um, 15%, o que pode levar a um enfraquecimento do poder de controle. Há, ademais, o risco de que os herdeiros se engalfinhem numa disputa pela administração societária. (MAMEDE; MAMEDE, 2020, p. 94) A sucessão testamentária, por sua vez, ocorre quando há testamento válido, feito por pessoa capaz, que dispõe da totalidade ou parte de seus bens para depois de sua morte, respeitando os limites impostos pelo Código Civil, por exemplo: segundo o artigo 1.789, se houver herdeiros necessários, o testador só poderá dispor da metade da herança. Para Mamede e Mamede (2020), o testamento foi frequentemente utilizado para evitar conflitos entre herdeiros, tendo em vista que, após a morte do testador, é possível discutir apenas nulidades e anulabilidades do ato, mas não o mérito em si. Ainda segundo os autores, o testamento não resolve o problema de empresas familiares, pois não permite definir uma distribuição de funções no âmbito das unidades produtivas: se a distribuição deixou participações na sociedade a um ou mais herdeiros, é possível que a sucessão seja seguida pelo início de uma disputa por poder pelos negócios, que pode, consequentemente, ser seguida por 28 fragmentação de quotas ou ações, o que culminaria em perda de controle da família sobre o negócio. 5.1.2 Doação e antecipação de legítima O Código Civil, através de seu artigo 538, dispõe que se considera doação o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere bens ou vantagens de seu patrimônio para o de outra. Para Silva e Rossi (2017), então, quando há contraprestação em favor do doador, não há doação, pois a não contraprestação é característica da doação. Além disso, ela precisa ser realizada por mera liberalidade, de modo que se houver constrangimento do doador para realização do ato, então a doação é nula. O artigo 548, ainda, estabelece que é nula a doação de todos os bens sem reserva de parte ou renda suficiente para subsistência do doador. Destarte, se protege o doador da insubsistência e evita que a insolvência afete terceiros de boa-fé, como no caso daquele devedor que se livra de seus bens para evitar expropriação em função de contração de dívida4. Ainda, se houver herdeiros necessários, o doador não pode dispor da parte legítima de seus bens, assim como acontece na sucessão testamentária, conforme mencionado no subcapítulo anterior, e é nula caso ocorra (art. 549 do Código Civil). Dito isso, uma vez constituída a holding familiar – tendo como sócios os patriarcas e seus herdeiros – e com a subscrição e integralização do capital social da holding pelos patriarcas, o patrimônio desses deixa de pertencer às pessoas físicas e passa a constituir patrimônio da pessoa jurídica da empresa recém-criada. Nessa esfera, é possível exercer a antecipação de legítima, disposto através do artigo 544 do Código Civil, senão vejamos: Art. 544. A doação de ascendentes a descendentes, ou de um cônjuge a outro, importa adiantamento do que lhes cabe por herança. Isto é: quando o patriarca ou a matriarca, após subscrever e integralizar patrimônio na pessoa jurídica da holding, realiza a doação de suas quotas aos seus filhos, configura-se o adiantamento da legítima, pois os herdeiros estarão recebendo desde logo o que lhe caberia por recebimento de herança, sempre respeitando o direito de cada um quanto à legítima (SILVA; 4 “Nesse exemplo, o ato, ainda que não oneroso e feito por mera liberalidade, o que lhe confere aparente legalidade, é na verdade nulo.” (SILVA; ROSSI, 2017, p. 104) 29 ROSSI, 2017). A divisão de bens entre os familiares não precisa ocorrer apenas após o evento morte. É importante também ressaltar que, exceto se os doadores forem casados no regime de separação absoluta, haverá necessidade de outorga do cônjuge para que a doação seja válida, principalmente no que diz respeito aos bens imóveis, nos termos do artigo 1.647 do Código Civil. 5.1.3 Reserva de usufruto Conforme tratado no subcapítulo anterior, o artigo 548 do Código Civil estabelece que é nula a doação de todos os bens sem reserva de parte ou renda suficiente para subsistência do doador, assim protegendo o doador de insubsistência e os terceiros de boa-fé, em caso de insolvência (nos termos do artigo 158 do Código Civil). Portanto, em se tratando de intenção de doação da totalidade do patrimônio, é necessário que o doador reserve o usufruto de bens que o mantenham subsistente, para viabilizar a doação. O usufruto tem fulcro no artigo 1.390 do Código Civil, senão vejamos: Art. 1.390. O usufruto pode recair em um ou mais bens, móveis ou imóveis, em um patrimônio inteiro, ou parte deste, abrangendo-lhe, no todo ou em parte, os frutos e utilidades. Como versado pelos autores Mamede e Mamede (2020), quando esse instituto é aplicado para quotas ou ações, haverá então, de um lado, a figura do nu-titular: aquele que é titular dos títulos societários, mas apenas de seu direito patrimonial; já do outro lado, haverá o usufrutuário: a ele corresponde o direito de exercer as faculdades sociais provenientes da posse das quotas, como exercício de votos5 e recebimento de dividendos, com fulcro no artigo 1.394 do Código Civil, que assim estabelece: Art. 1.394. O usufrutuário tem direito à posse, uso, administração e percepção dos frutos. 5 Anote-se, nas palavras de Silva e Rossi: “Destaca-se, no entanto, que, em se tratando de sociedade anônima, ao fazer a doação das ações com reserva de usufruto, o doador deve registrar a manutenção do direito de voto, sob pena de ser exigido acordo prévio entre o proprietário e o usufrutuário, conforme determina o artigo 114 da Lei n. 6.404/76.” (2017, p. 112) 30 No âmbito da holding, isso significa que o(s) genitor(es) na condição de usufrutuário mantém o poder de exercer os direitos relativos às quotas e, consequentemente, a administração, controle das sociedades operacionais e demais investimentos da família (MAMEDE; MAMEDE, 2020). Os herdeiros possuem apenas a nua-propriedade das quotas, e os efeitos da doação serão percebidos apenas após a extinção do usufruto, cujas hipóteses estão dispostas no artigo 1.410 do Código Civil, sendo que pode ocorrer: Art. 1.410 [...]6 I - pela renúncia ou morte do usufrutuário; II - pelo termo de sua duração; III - pela extinção da pessoa jurídica, em favor de quem o usufruto foi constituído, ou, se ela perdurar, pelo decurso de trinta anos da data em que se começou a exercer; IV - pela cessação do motivo de que se origina; V - pela destruição da coisa, guardadas as disposições dos arts. 1.407, 1.408, 2ª parte, e 1.409; VI - pela consolidação; VII - por culpa do usufrutuário, quando aliena, deteriora, ou deixa arruinar os bens, não lhes acudindo com os reparos de conservação, ou quando, no usufruto de títulos de crédito, não dá às importâncias recebidas a aplicação prevista no parágrafo único do art. 1.395; VIII - Pelo não uso, ou não fruição, da coisa em que o usufruto recai (arts. 1.390 e 1.399). Na hipótese de doação de quotas com reserva de usufruto vitalício como instrumento para planejamento sucessório, entende-se que seria necessária a morte do usufrutuário para que fosse cumprido o objetivo da doação como uma facilitadora da sucessão. Por fim, conforme lembrado por Mamede e Mamede (2020), nos termos do artigo 979 do Código Civil, os pactos, declarações antenupciais do empresário, títulos de doação, herança ou legado, de bens clausulados de incomunicabilidade ou inalienabilidade, deverão ser registrados não apenas no Registro Civil, mas também no Registro Público de Empresas Mercantis, para que se tornem eficazes perante terceiros. 5.1.4 Cláusulas restritivas das doações A doação de quotas com reserva de usufruto dentro da pessoa jurídica da holding,relatada no subcapítulo interior, no entanto, não é a única medida que pode ser tomada pelo patriarca ou matriarca para proteger o patrimônio familiar. Importante também apontar desde 6 “Art. 1.410. O usufruto extingue-se, cancelando-se o registro no Cartório de Registro de Imóveis”. 31 já, que as cláusulas aqui tratadas podem ser aplicadas não apenas para a doação de quotas, mas também para outros bens. Conforme lecionado por Silva e Rossi (2017), as cláusulas que serão aqui tratadas são empregadas, em especial, para proteger o patrimônio da interferência de terceiros que não tenham vínculos de sangue e para que o desejo dos doadores perdure ao longo do tempo. São elas (além da reserva de usufruto, tratada anteriormente): incomunicabilidade, inalienabilidade, impenhorabilidade e reversibilidade. Todas essas podem ser impostas via disposição testamentária, em contrato de mútuo e recíproco acordo intervivos (doação) e decorrente de lei (FIORANELLI, 2009). A cláusula de incomunicabilidade significa, nas palavras de Fioranelli, que: [...] os bens assim gravados não se comunicam ao cônjuge do herdeiro ou donatário, qualquer que seja o regime de bens adotado nas núpcias. Por morte ou desfazimento da sociedade, qualquer que seja a causa, os mesmos bens não entrarão em inventário para “extremação”. (2009, p. 43) Ainda, Gonçalves (2020) leciona no mesmo sentido e traz um exemplo: A cláusula de incomunicabilidade constitui uma eficiente proteção ao herdeiro, sem que, por outro lado, colida com qualquer interesse geral. O exemplo mais comum é o do pai cuja filha se casa pelo regime da comunhão de bens. Para evitar que, com a separação, os bens por ela trazidos sejam divididos com o marido não confiável, ou que com a morte deste os mesmos bens sejam partilhados com os seus próprios herdeiros, o genitor impõe a incomunicabilidade da legítima, impedindo o estabelecimento da comunhão (CC, art. 1.668, I). (2020, p. 220) Para Silva e Rossi (2017), não se trata de pressupor má fé de terceiros, mas de prevenir intempéries que podem aparecer no decorrer do tempo, como um divórcio litigioso; a cláusula de incomunicabilidade consegue evitar discussões acerca dos bens doados aos herdeiros e por ela gravados. Ela também se comunica com a cláusula de impenhorabilidade, que será tratada mais à frente. O Código Civil dispõe que, no regime de comunhão parcial de bens, participação final nos aquestos e separação total de bens, de todo modo, os bens recebidos por doação ou herança não se comunicam com o cônjuge. Já no regime de comunhão universal de bens, é importante que os doadores gravem a doação com a cláusula de incomunicabilidade; caso contrário, o cônjuge do donatário terá direito a esses bens. Por outro lado, não é possível gravar com tal cláusula os frutos provenientes dos bens recebidos em doação na constância do casamento. Nos termos do artigo 1.669, a 32 incomunicabilidade dos bens não se estende aos frutos, quando se percebam ou vençam durante o casamento. Vejamos o exemplo dado por Silva e Rossi: Portanto, um imóvel doado ao herdeiro com cláusula de incomunicabilidade, mesmo que ele seja casado em regime de comunhão total, não comunica ao cônjuge. Contudo, os frutos percebidos em razão do aluguel do imóvel se comunicam. De forma semelhante, no caso de doação de quotas do capital social, esses títulos não se comunicam ao cônjuge, porém os frutos sim, incluindo aí distribuição de lucros. Significa dizer que os bens não integram o patrimônio comum do casal, mas enquanto durar o casamento os frutos são usufruídos por ambos. (2017, p. 116) A cláusula de inalienabilidade, por sua vez, prevista no artigo 1.911 do Código Civil, prevê que, quando imposta aos bens por ato de liberalidade, implica impenhorabilidade e incomunicabilidade. Isso significaria, em outras palavras, que enquanto ainda houver a restrição colocada pelo doador, o bem doado não poderá ser alienado pelo donatário, o que, mais uma vez, implica em proteção ao patrimônio da interferência de terceiros: os herdeiros que receberem quotas em doação ficam incapacitados de alienar seus títulos (SILVA; ROSSI, 2017). O parágrafo único do mesmo artigo ainda dispõe que, no caso de desapropriação de bens clausulados, ou de sua alienação, por conveniência econômica do donatário ou herdeiro, mediante autorização judicial, o produto da venda irá se converter em outros bens, e sobre eles, incidirão as restrições que estavam apostas aos primeiros. Trata-se de uma exceção à restrição de alienação dos bens gravados pela cláusula. Silva e Rossi (2017) lecionam no sentido de que a jurisprudência entende que esse parágrafo, no entanto, não pode ser um obstáculo para o beneficiário da doação usufruir do que recebeu, flexibilizando a restrição causada pela cláusula. Nesse mesmo sentido, Gonçalves (2020) anota que a duração da cláusula de inalienabilidade não será mais longa do que a vida do herdeiro, isto é: uma vez que morrer o herdeiro detentor do bem gravado por essa cláusula, extingue-se ela também, pois a restrição não pode ultrapassar gerações. O Superior Tribunal de Justiça em consonância já decidiu, inclusive, sobre a cláusula de impenhorabilidade, que será tratada a seguir: A cláusula de inalienabilidade e impenhorabilidade, disposta no testamento em favor da herdeira necessária, desaparece com o seu falecimento. A cláusula pode apenas atingir os bens integrantes da legítima enquanto estiver vivo o herdeiro, passando livres e desembaraçados aos herdeiros deste. Com a morte do herdeiro necessário (CC/1916, art. 1.721; CC/2002, arts. 1.846 e 1.829), que recebeu bens clausulados em testamento, os bens passam aos herdeiros deste, livres e desembaraçados (CC/1916, art. 1.723; CC/2002, art. 1.848).7 7 STJ, REsp 80.480-SP, 4a T., rel. Min. Rosado de Aguiar, DJU, 24/06/1996. 33 A cláusula de impenhorabilidade, por sua vez, implica em proteção dos bens contra possíveis penhoras ou outras constrições judiciais ocasionadas por dívidas, ou mesmo de que os próprios donatários ofereçam esses bens à penhora. Importante ainda destacar que, quando houver cláusula de inalienabilidade, já é possível entender, nos termos do artigo 1.911 do Código Civil, que o bem é também impenhorável, visto que se o bem pudesse ser penhorado, ele poderia ser expropriado do donatário, o que afetaria a eficácia da cláusula de inalienabilidade por si só (SILVA; ROSSI, 2017). O objetivo de gravar a doação dos bens com a cláusula da impenhorabilidade, vez outra, é de fazer com que as quotas permaneçam na holding familiar e dificultar a entrada de terceiros por direitos adquiridos em razão de dívidas (SILVA; ROSSI, 2017). Deve-se observar, ainda, que no tocante à bens imóveis, a jurisprudência já estabeleceu que as dívidas decorrentes da propriedade do bem, como IPTU ou condomínio, afastam o efeito da cláusula de impenhorabilidade (SILVA; ROSSI, 2017). Em outras palavras, isso significa que mesmo o imóvel tendo sido objeto de doação e gravado com cláusula de impenhorabilidade, se o imóvel tiver dívidas propter rem, é possível que este seja penhorado. Por fim, existe a cláusula que garante que o bem doado retorne ao doador no caso de morte prematura do donatário: a cláusula de reversibilidade, prevista no artigo 547 do Código Civil. Ocorre que, naturalmente, no caso de falecimento do donatário, os bens por ele detidos se tornarão objetos de inventário e podem ser destinados aos netos dos doadores ou cônjuge do falecido, por exemplo. A adoção da cláusula, portanto, possibilita que o bem então retorne ao doador, que poderá mais uma vez decidir por si só qual será o destino daquele bem para fins de planejamento sucessório (SILVA; ROSSI, 2017). A aplicação das cláusulas restritivas, todavia, não é ilimitada. O artigo 1.848 do Código Civil limita a validade de algumasdelas, senão vejamos: Art. 1.848. Salvo se houver justa causa, declarada no testamento, não pode o testador estabelecer cláusula de inalienabilidade, impenhorabilidade, e de incomunicabilidade, sobre os bens da legítima. Para os autores Silva e Rossi (2017), a discussão acerca do artigo trata-se principalmente pelo fato de não mencionar a doação e não expor o que deverá ser considerado justa causa. Em relação à falta de menção da doação, entende-se de maneira geral (mas não unânime) que, por analogia, a doação com característica de antecipação de legítima também 34 exigiria justa causa. Caso contrário, os patriarcas poderiam simplesmente fazer antecipação da legítima através de doação para driblar a necessidade de justa causa, já que via testamento, essa é exigida. Os autores ainda trazem que, no que diz respeito à abrangência do termo “justa causa”, a doutrina não é pacificada, mas a jurisprudência8 assim a definiu recentemente: [...] o árduo trabalho desenvolvido durante toda a sua vida profissional que possibilitou a aquisição de seus bens. Deseja proteger seu tronco familiar vez que seu filho e netos poderão ser induzidos a relações ou negócios que dilapidem o patrimônio tão arduamente construído. (SILVA; ROSSI, 2017, p. 123) Em conclusão, tendo em vista as vastas peculiaridades e nuances do tema, o planejamento sucessório poderá ser impulsionado rumo ao sucesso quando tratado por bons profissionais, com conhecimento das previsões legais, doutrinas e jurisprudência. 8 TJSP, Agravo de Instrumento n. 0140249-21.2011.8.26.0000. 35 6 BLINDAGEM PATRIMONIAL: COMO OCORRE Não é raro, ao realizar uma breve pesquisa na internet, nos depararmos com diversos escritórios de advocacias e escritórios contábeis oferecendo serviços para alcançar a chamada blindagem patrimonial. Alguns até mesmo nos levam a acreditar que, através dela, o patrimônio do sócio “blindado” ficará imune a cobranças a que normalmente todos estão sujeitos (GELEILATE, 2017). Para Mamede e Mamede (2015), a blindagem patrimonial é um ato ilícito que envolve a prática de atos ilegais em mais de um âmbito jurídico, isto é, ilícitos civis, tributários, penais etc., sendo que tanto os clientes que adquirem esse serviço quanto os responsáveis por fazê-lo podem ser responsabilizados. A intenção é de tornar o patrimônio inatingível, ocultar os bens de possíveis obrigações trabalhistas, fiscais, ambientais, societárias e até mesmo da partilha em casos de divórcio (CASTRO, 2016). Mamede e Mamede (2015) trazem ainda alguns exemplos de meios que são utilizados por essas pessoas para alcançar a tal blindagem patrimonial, e que inclusive, foram alvo de análise do presente trabalho. O primeiro exemplo é o de doação de bens para filhos, netos, irmãos e outros familiares. Na presente hipótese, no entanto, o animus não é de planejamento sucessório, mas sim do que chamamos de fraude contra credores ou fraude à execução, previstos nos artigos 158 a 165 do Código Civil e artigo 792 do Código de Processo Civil, respectivamente. A realização da doação é baseada na ideia de que se os bens que não estiverem em nome do devedor, então ficarão protegidos de pedidos de penhora, por exemplo. Bruno Oliveira Castro (2016) também traz outro exemplo mirabolante que pode ser utilizado como estratégia pelos “blindadores”: Para cometer este tipo de fraude, utilizam-se dos mais diversos procedimentos, como “criar um crédito” em favor de uma pessoa de confiança e ser executado judicialmente para ofertar determinado bem como pagamento, com a intenção de proteger este ativo, além de outras práticas que podem acontecer inclusive na Justiça do Trabalho através de eventual lide simulada para criar um crédito que em tese não existe como forma de retirar algum ativo e assim “blindá-lo”. (CASTRO, 2016) Outro mecanismo usualmente utilizado no Brasil é o uso de laranjas, que são pessoas que figuram falsamente como sócios ou administradores de empresas sem de fato possuir tais condições. Em algumas vezes, essas pessoas estão cientes da operação e até mesmo são remuneradas para tal. Existem também situações nas quais familiares ou amigos aceitam participar da operação com fins de ajudar o devedor (MAMEDE; MAMEDE, 2015). 36 É possível que os laranjas sejam utilizados para constituir as chamadas empresas- espelho. Trata-se de uma sociedade constituída em nome de terceiros – no exemplo presente, o laranja – com a finalidade de receber bens do ativo e até a atividade negocial da sociedade, enfraquecendo o patrimônio do devedor que perde bens e clientela. Mamede e Mamede descrevem como isso aconteceria na prática: Instrumental e ferramentaria são simplesmente desviados, ao passo que maquinários pesados são trocados: máquinas novas e em perfeito funcionamento são substituídas por maquinário obsoleto e, eventualmente, por sucata visando a, no inventário e no balanço seguinte, lançar e registrar a perda patrimonial pretensamente decorrente da deterioração do bem. (2015, p. 49) Nesse mesmo sentido, a fraude pode chegar a ponto tal de forjar a falência da sociedade devedora, causada por uma crise financeira fictícia resultante da atividade exercida pela sociedade-espelho. Assim, permite-se aos sócios deixar de efetuar recolhimento de impostos, pagamento de contribuições sociais de empregados e outros prestadores de serviço e, por fim, de inadimplir com fornecedores (MAMEDE; MAMEDE, 2015). Uma forma tida por Mamede e Mamede (2015) como “tosca” é o divórcio. Sem se separar de fato e com o objetivo de transferir a melhor parte patrimônio comum do casal para o cônjuge não devedor, o casal dissolve a sociedade conjugal. No Recurso Especial 151.305/SP pela Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça identificou-se até mesmo partilha desigual, deixando quase a totalidade dos bens com a ex-mulher: [...] decretada a liquidação extrajudicial da empresa, sete meses após os réus requereram a separação consensual na Comarca de Belo Horizonte. Quase um ano depois, foi homologada a partilha dos bens do casal, os quais – os de maior valor e na quase totalidade – foram atribuídos à ex-mulher. O julgado recorrido concluiu que tal ato teve como finalidade a de desfalcar o patrimônio do varão e de, por via de consequência, retirá-lo dos efeitos da liquidação e, posteriormente, da falência”. [...] “tratando-se de marido e mulher, na forma como retratados os fatos pelas instâncias ordinárias, a fraude encontra-se in re ipsa”. (MAMEDE; MAMEDE, 2015, p. 47) Ainda segundo Mamede e Mamede (2015), as operações de blindagem patrimonial também podem ser das mais sofisticadas, como a constituição de offshore companies. Uma offshore é uma empresa situada no exterior e que está sujeita ao regime legal e tributário do país na qual está localizada, e frequentemente, está localizada nos chamados “paraísos fiscais”, que possuem redução ou isenção de impostos (como as Ilhas Cayman e Luxemburgo). Há uma ilusão de que por se tratar de empresa estrangeira, as operações seriam, portanto, menos 37 “rastreáveis”, ainda que possam implicar no crime de evasão de divisas (MAMEDE; MAMEDE, 2015). O mecanismo da holding, por sua vez, genericamente falando, tem previsão legal na Lei das S/A, nos termos do artigo 2º, §3º, conforme exposto no início do presente trabalho. Sua criação possui, essencialmente, caráter preventivo, visando melhorar organização, facilitar processos importantes e até reduzir custos para quotistas ou acionistas (GRUPO FATOS, 2017). Constituída a holding, uma vez que a atividade gera lucro, a formação de patrimônio passa a ser em nome da holding. Ela, sim, titulariza patrimônio, e não mais a pessoa física. É possível considerar que, ao pertencer à holding, existe uma “barreira” quanto ao patrimônio,