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Responsabilidade Civil e Constitucionalização

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FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
QUESTÕES ATUAIS DE RESPONSABILIDADE CIVIL FACE À CONSTITUCIONALIZAÇÃO DA MATÉRIA
Gustavo Osna
Julian Roberto Nakamura
CURITIBA
2008
1. Notas Introdutórias
Diversas são as problemáticas relacionadas ao campo da responsabilidade civil cuja abordagem, contemporaneamente, apresenta-se de modo imperativo à doutrina e à jurisprudência. Operado na estrutura da matéria giro filosófico capaz de romper com seus paradigmas tradicionais, faz-se imprescindível o debate para que a mudança possa, efetivamente, concretizar-se no campo prático, possibilitando o desenvolvimento de algumas linhas vinculadas à responsabilização por danos capazes de confortar a temática às demandas contemporâneas. Necessário é refletir pra, então, debater, propiciando o efetivo progresso. É neste sentido que visa se situar o presente exame: como ponto de reflexão acerca de alguns dos debates com os quais se depara a responsabilidade civil em dias atuais.
Analisar-se-á, no primeiro momento, o processo de constitucionalização que se vem operando em todo o campo do direito civil em tempos próximos, intensificado em direito pátrio com o texto constitucional de 1988. Posteriormente, passaremos a enfocar os reflexos e efeitos desta releitura dos institutos tradicionais sob as lentes da Constituição Federal manifestos especificamente no campo da responsabilidade civil. Trataremos, nesta esteira, da objetivação pela qual vem passando a temática, como decorrência de sua constitucionalização.
Posteriormente, e ainda com o plano de fundo do influxo constitucional, nosso enfoque recairá sobre dois dos temas mais complexos com os quais a responsabilidade por danos se tem deparado contemporaneamente, quais seja, a reparação por danos morais e a dignidade da pessoa humana. Longe de intuirmos esgotar nenhum dos dois temas, uma vez que cada um deles, por si só, já seria capaz de justificar nova monografia, mister se afigura tecer, ainda que superficialmente, considerações sobre a preocupação da ciência jurídica com danos situados para além da patrimonialidade (decorrência direta da releitura constitucional), bem como da noção de “dignidade da pessoa humana”, em torno da qual, em tempo, é que se fazem operar todas as guinadas da chamada “constitucionalização da responsabilidade civil”. Tratam-se, a dignidade da pessoa humana e o dano moral, conforme se explanará, de noções umbilicalmente ligadas, sendo este última, em última instância, nada mais que meio da proteção daquela. É por tal razão, e sob o prisma constitucional, que demonstraremos a necessidade o reconhecimento de caráter normativo à dignidade da pessoa humana, e, com base nela, demonstraremos o que deve dar ensejo ao dano relacionado à moral.
Uma vez demonstrado que no nosso sistema jurídico a proteção dos chamados direitos de personalidade avulta-se como imposição constitucional, aqui incluída a possibilidade de ressarcimento por sua violação, a quarta parte do presente trabalho versará sobre o complicado tema da mensuração pecuniária do dano moral. Mostrar-se-á que tanto na Constituição Federal de 1988 quanto no Código Civil inexistem critérios precisos para nortear o magistrado na fixação do quantum debeatur, ou seja, do montante devido à vítima do dano extrapatrimonial. Analisando as técnicas que a doutrina e jurisprudência se valeram para o estabelecimento da indenização, desde quantias pré-fixadas sem nenhum parâmetro legal, passando pela concepção de verificação do dano, bem como da culpa do agente causador do dano, procurar-se-á demonstrar que a responsabilidade civil, por si só, já constitui sanção civil, impossibilitando qualquer outra forma de penalidade para causador do dano, sob pena de incorrer em bis in idem. A conseqüência lógica desse posicionamento será a nossa pugnação pela função reparatória da responsabilidade civil, tout court, conforme estabelece de forma genérica o art. 944 do Código Civil, tendo seu parágrafo único utilização apenas para diminuição da indenização pecuniária, nunca para majoração desta. 
Por fim, a quinta parte irá se ater aos casos de dano morais mais comuns em nossa Cortes. O estudo do dano moral em espécie torna-se de especial importância devido a peculiaridades que cada caso traz quanto levado a apreciação do juiz, com concepções teóricas próprias para cada uma delas. Destarte, ver-se-á, como primeira espécie, o dano moral causado por morte e lesão corporal: sendo este último exigível pela própria vitima e aquele por outrem de relações muito próxima com a vítima, por isso denominado “dano indireto”. A segunda espécie de dano moral analisada será o dano à estética, ligado, portanto, a responsabilização do médico: aqui serão distinguidos quais procedimentos médicos serão passíveis de responsabilidade do profissional quando não atigirem determinado objetivo e quais atividades do médico, devido a sua natureza, não precisam garantir resultados precisos e satisfatórios, afastando-lhe a responsabilidade civil. Em terceiro, ver-se-á que a intimidade ou privacidade tanto estão no rol do direitos de personalidade que gozam da tutela do direito, aqui compreendidas qualquer exposição de informações pessoais que causem constrangimento à pessoa. O quarto tipo de dano moral versa sobre a discriminação injusta ou arbitrária contra a pessoa, discriminação esta que poderá ser das mais variadas formas: de raça, cor, gênero, região, etc, ou seja, qualquer indicação de características da pessoa com o intuito vexatório. Por fim, a quinta espécie de dano, típica das práticas comerciais hodiernas, refere-se ao dano extrapatrimonial decorrente do abalo de crédito, que se restringirá, neste trabalho, aos casos de inclusão indevida de pessoas físicas nos chamados serviços de proteção ao crédito. 
2 . O Direito Civil e a Constituição Federal de 1988
Promulgado há cerca de duas décadas atrás, o texto constitucional entre nós vigente não apenas alterou, embora o tenha feito, e de modo notório, a relação do Estado para com aqueles a ele sujeitos. Para além de positivar direitos fundamentais sociais e dar previsão legal à necessidade de intervenção positiva do ente estatal no provimento das garantias de cada cidadão, não bastando sua omissão, peculiar aos direitos de defesa, a Constituição Federal de 1988 trouxe consigo fortes conseqüências e efeitos, também, para o âmbito do Direto Privado. É com base em seus dispositivos que se opera, no universo jurídico pátrio, de modo mais evidente o tão referendado e aclamado
 processo de constitucionalização do Direito Civil, o qual passa, agora, a ser objeto de análise.
Já teorizada por Pietro PERLINGIERI décadas antes da vigência de nosso atual diploma constitucional 
, esta releitura dos institutos de direito privado pautada pelos ditames constitucionais acaba por engendrar verdadeiras metamorfoses em todo o campo civilista. Não mais se mostra acertado fazer recair sobre a autonomia da vontade (ou autonomia privada) o atributo de parâmetro de validade ou a qualificação de dogma a ser seguido 
. Abre-se margem para alterações nas mais diversas esferas relacionadas à área do direito civil, tanto no que tange o prisma de observação do intérprete quanto em relação à definição do ponto a ser primordialmente relevado. Invertem-se as prioridades.
Com o fenômeno da constitucionalização, entre nós instaurado de modo claro e inconteste após a, e graças à, legislação constitucional de 1988, não mais se demonstra factível atribuir prevalência ao “ter” ante o “ser”. Estando o ordenamento jurídico brasileiro obrigatoriamente vinculado ao princípio republicano, ontológico, que possui como desdobramento mais lógico a dignidade da pessoa humana 
, é no sentido desta última que as decisões devem ser tomadas. É a tomando como baliza que devem se dar as interpretações. Constitucionalizado o direito civil por seus intérpretes, este acaba, inafastavelmente, despatrimonializando-se e repersonificando-se 
. Eleva-se o indivíduo à posição de destaque. À “pessoa humana” é dada a essencialidade�	 NALIN, Paulo. Obra citada. p. 36. 
�	 Idem. p. 32.
�	 MORAES, Maria Celina Bodin de. A constitucionalização do direito civil e seus efeitos sobre a responsabilidade civil. In. Revista Direito, Estado e Sociedade. Rio de Janeiro: Pontifícia Universidade Católica – Departamento de Direito. Julho – dezembro 2006, nº 29. p. 239
�	 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 9.ed. ver. de acordo com o novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2006. p.5
�	 SCHREIBER, Anderson. Novas tendências da Responsabilidade Civil brasileira. Revista Trimestral de Direito Civil - RTDC. Rio de Janeiro: Padma, vol.22, abril/junho 2005. p. 56-57.
�	 VIOLA, Rafael. O Papel da Responsabilidade Civil na Tutela Coletiva. In. FACHIN, Luiz Edson e TEPEDINO, Gustavo. Obra citada. p.384. 
�	 DIAS, José de Aguiar. Da Responsabilidade Civil. 11.ed. rev.e atual. de acordo com o Código Civil de 2002. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p.55
�	 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 1.ed. São Paulo: Malheiros, 1997. p.133.
�	 MORAES, Maria Celina Bodin de. Texto citado. p. 250.
�	 Não se quer dizer que o Código de Clóvis Bevilacqua trabalhava unicamente com a responsabilidade pautada na culpa, restando espaços em seu texto para situações excepcionais. Fato é, todavia, que a responsabilidade subjetiva se impôs em tal codex como regra geral aplicável na extrema maioria dos casos. 
�	 Cite-se, aqui, com fins exemplificativos:
	 Art.21. Compete à União:
	 XXIII – Explorar os serviços e instalações nucleares de qualquer natureza e exercer monopólio estatal sobre a pesquisa, a lavra, o enriquecimento e reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios nucleares e seus derivados, atendidos os seguintes princípios e condições:
	 (d) a responsabilidade civil por danos nucleares independe da existência de culpa.
�	 SCHREIBER, Anderson. Texto citado. p.50.
�	 TEPEDINO, Gustavo. A evolução da responsabilidade civil no direito brasileiro e suas controvérsias na atividade estatal. In. Temas de Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p.191-216.
�	 Novamente se traz como exemplo, neste ponto, a problemática da função social da propriedade, cujo trato oferecido pelo Código Civil atualmente vigente represente verdadeiro retrocesso ante à Constituição Federal de 1988, conforme corriqueiramente relatado por autores como Rodrigo Xavier LEONARDO e Alcides TOMASETTI. 
�	 SCHREIBER, Anderson. Texto citado. p.50
�	 GOMES, Orlando. Tendências Modernas da reparação de danos. In. Estudos em homenagem ao Professor Silvio Rodrigues. Rio de Janeiro: Forense, 1980. p.293.
�	 SCHREIBER, Anderson. Texto Citado. p.46
�	 POPP, Carlyle. Responsabilidade Contratual e Extracontratual: Ilícito absoluto e Ilícito relativo – A responsabilidade pré-negocial. In. CANEZIN, Claudete Carvalho. Arte Jurídica – Biblioteca Científica do Programa de Pós-Graduação em Direito Civil e Processo Civil da Universidade Estadual de Londrina. v.1. Curitiba: Juruá, 2005. p.120. 
�	 MORAES, Maria Celina Bodin de. Texto citado. p.238. 
�	 COMPARATO, Fábio Konder. O papel do juiz na efetivação dos direitos humanos. Disponível em: www.dhnet.org.br/direitos/militantes/comparato/comparato_juiz.html
�	 Tal rompimento se verifica claramente com a teorização de Enrique DUSSEL, para quem, mais que simples e rasamente falar-se em “proteger a vida” dever-se-ia haver tomada de atitudes no sentido de assegurar a “vida concreta”, qual seja, a possibilidade de existência harmônica, salutar e com possibilidade de auto-afirmação por parte de cada indivíduo. Cita-se DUSSEL, Enrique. 1492: O Encobrimento do outro: a origem do mito da modernidade: Conferências de Frankfurt. Tradução: Jaime A. Clasen. Petrópolis: Vozes, 1993.. 
�	 O que já se encontra previsto logo no ínicio de nossa Constituição Federal de 1988:
	 Art. 1. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de direito e tem como fundamentos:
	 III – a dignidade da pessoa humana.
�	 MORAES, Maria Celina Bodin de. O conceito de dignidade humana: substrato axiológico e conteúdo normativo. In. SARLET, Ingo Wolfgang. Constituição, direitos fundamentais e direito privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p.137.
�	 Há que se frisar, em tempo, que tal desmerecimento dos princípios ainda se manifesta em tempo atuais, especialmente no tocante à negação de sua eficácia horizontal.
�	 É o exposto em ROTHENBURG, Walter Claudius. Princípios Constitucionais. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1999. p.13.
�	 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 5.ed. São Paulo: Malheiros, 1994. 
�	 Trata-se de pensamento expresso ao na obra de Martin Borowski, cujo ideário coaduna com o de Robert Alexy, em especial às páginas 54 e 55. Vale citar, BOROWSKI, Martin. La estructura de los derechos fundamentales. Tradução: Carlos Bernal Paludo. Universidad Externado de Colômbia. 2003.
�	 CLÈVE, Clémerson Merlin. A eficácia dos direitos fundamentais sociais. In. Revista de Direito Constitucional e Internacional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. janeiro-março de 2006. p.28-29. 
�	 Idem. p.32
�	 KANT, Immanuel. Fundamentação metafísica dos costumes. Trad. Paulo Quintela. Lisboa: Editora 70, 1986. p.77.
�	 PONTES DE MIRANDA, Francisco. Tratado de Direito Privado. Tomo 7. Rio de Janeiro: Borsoi, 1971. p.05. 
�	 SARLET, Ingo Wolgang. O Direito Fundamental à Moradia na Constituição: Algumas Anotações a Respeito de seu Contexto, Conteúdo e Possível Eficácia. In. TORRES, Ricardo Lobo e MELLO, Celso Albuquerque (coord.). Arquivo de Direitos Humanos. vol. 4. Rio de Janeiro: Renovar. 2002. p. 148.
�	 DIAS, José de Aguiar. Obra citada. v .2. p.737.
�	 VIOLA, Rafael. Texto citado. p.393.
�	 MORAES, Maria Celina Bodin de. Texto citado. p.246.
�	 É o expresso em dois dos incisos do art.5º de nossa Constituição, conforme segue:
	Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros, residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
	V – É assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem.
	X – São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.
�	 SCHREIBER, Anderson. Texto citado. p.59. 
�	 MORAES, Maria Celina Bodin de. Texto citado. p.247. 
�	 E, para o reconhecimento do dano moral coletivo, até mesmo necessário. 
�	 Cite-se, exemplificativamente a noção de dano moral para Yussef Said CAHALI, para quem seria o dano moral “a dor resultante da violação de um bem juridicamente tutelado sem repercussão material”. CAHALI, Yussef Said. Dano e Indenização. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 1980. p.7
�	 VALLER, Wladimir Apud. A reparação do dano moral no direito brasileiro. 2.ed. São Paulo: E.V Editora Ltda. 1994. p.37/38.
�	 VIOLA, Rafael. Texto citado. p.395.
�	 Possível é asseverar, neste ponto, a adoção em ordenamento pátrio de sistemática similar àquela verificada na Constituição Italiana, cujo art. 2º conforme apontado por Pietro PERLINGIERI em obra já citada, ao se referir aos “direitos invioláveis do homem” consagra cláusula geral de proteção da personalidade, vedando que lesões a direitos relacionados ao homem deixem de acarretar em ressarcimento por ausência de tipicidade.
�	 TEPEDINO, Gustavo. A Tutela da personalidade no Ordenamento Civil-Constitucional. In. Temas de Direito Civil. (citado). p.37.
�	 Idem. p.17.
�	 BERNARDO, Wesley Louzada. Dano moral por abandono afetivo: uma nova espécie de dano indenizável?. In. FACHIN, Luiz Edson e TEPEDINO, Gustavo. Obra citada. p.478-479.
�	 Sobre a ponderação de direitos fundamentais se destacaBOROWSKI, Martin. Obra citada. Aqui, interessante é análise jurisprudencial. Cita-se, por exemplo, o REsp Nº 783.139 – ES, cuja lide se dá pelo confronto entre a liberdade de expressão do recorrente e “a honra, a imagem e a dignidade” do recorrido, asseverando em seu voto o Relator, Min. Massami UYEDA, que “a liberdade de informação e de manifestação do pensamento não constituem direitos absolutos, sendo relativizados quando colidirem com o direito à proteção da honra e da imagem dos indivíduos”. No mesmo sentido se destaca o REsp 719.592 – AL, cujo Relator, Min. Jorge SCARTEZZINI, frisa que “A responsabilidade civil decorrente de abusos perpetrados por meio da imprensa abrange a colisão de dois direitos fundamentais: a liberdade de informação e a tutela dos direitos da personalidade (honra, imagem e vida privada)”. Em abas situações se operou restrição à liberdade de imprensa, e, por consequência, à liberdade de expressão. Decisão diversa é verificável no REsp 736.015-RJ, com relatório da Ministra Nancy Andrighi, em cuja análise, e pelo caráter eminentemente jocoso da informação veiculada por revista dotada de cunho humorístico se decidiu pela não incidência de imposição reparatória. 
�	 SCHREIBER, Anderson. Texto citado. p.64. 
�	 Exemplificativamente BERNARDO, Wesley Louzada. Texto citado. p.481.
�	 Possível se citar, neste ponto, divergentes posicionamentos manifestos dentro do mesmo órgão, qual seja, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em situações bastante próximas. No primeiro dos casos, a Apelação Nº 7.093.428-4, da Comarca de Piracicaba, decidiu a 20ª Câmara de Direito Privado, com Relatório do Desembargador Vasconscellos BOSELLI, ser devida a indenização por dano moral ao indivíduo que teve seu cartão de crédito recusado indevidamente. Distintamente, na Apelação 284.409.4/4-00, da Comarca de Guarulhos, manifestou-se a 8ª Câmara de Direito Privado, em situação quase equivalente, nos termos do Desembargador Relator Joaquim GARCIA, que “ocorrências como essa são verificadas por milhares de pessoas todos os dias em estabelecimentos comerciais, pois inerentes à vida moderna”. 
�	 E no tocante à específica problemática do cartão de crédito, abordada em nota anterior, parece se manifestar no sentido de adimplemento de tal função o Superior Tribunal de Justiça, como se abstraí do REsp Nº 654.270-PE, com Relatório do então Ministro Carlos Alberto Menezes DIREITO, bem como do REsp Nº 403.919-MG, relatado pelo Ministro César Asfor ROCHA, mostrando-se clara em ambos a preocupação em segmentar o dano moral do mero dissabor.
�	 Apelação Nº 300.787-4/2, Relator Desembargador Ênio Santarelli ZULIANI.
6	3 PERLINGIERI, Pietro. Perfis.... 2.ed. Rio de Janeiro: Renovar. 2002. passim.
6	4 Tal é a inteligência deduzida dos arts. 186 e 927 do atual Código Civil lidos em conjunto: 
	Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
	Art. 927. Aquele que, por ato ilícito causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
6	5 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 1997, v. 2, p. 20.
6	6 Assim dispõe a art. 53 e incisos da Lei de Imprensa: 
	Art. 53. No arbitramento da indenização em reparação do dano moral, o juiz terá em conta, notadamente: I - a intensidade do sofrimento do ofendido, a gravidade, a natureza e repercussão da ofensa e a posição social e política do ofendido; II - A intensidade do dolo ou o grau da culpa do responsável, sua situação econômica e sua condenação anterior em ação criminal ou cível fundada em abuso no exercício da liberdade de manifestação do pensamento e informação; III - a retratação espontânea e cabal, antes da propositura da ação penal ou cível, a publicação ou transmissão da resposta ou pedido de retificação, nos prazos previstos na lei e independentemente de intervenção judicial, e a extensão da reparação por êsse meio obtida pelo ofendido.
6	7 No Código da Aeronáutica:
	Art. 257. A responsabilidade do transportador, em relação a cada passageiro e tripulante, limita-se, no caso de morte ou lesão, ao valor correspondente, na data do pagamento, a 3.500 (três mil e quinhentas) Obrigações do Tesouro Nacional - OTN, e, no caso de atraso do transporte, a 150 (cento e cinqüenta) Obrigações do Tesouro Nacional - OTN.
6	8 Por todos os casos, AGA 470538/SC, Rel. Ministro Castro Filho, onde lê-se: “fixado o valor da indenização dentro dos padrões de razoabilidade, faz-se desnecessária a intervenção deste Superior Tribunal, devendo prevalecer os critérios adotados nas instâncias de origem”.
6	9 DINIZ, Maria Helena. A indenização por dano moral – a problemática do quantum. Artigo publica do em: 
7	0 ALVIM. Agostinho. Da inexecução das obrigações e suas conseqüências. São Paulo: Saraiva, 1980, p. 1999.
7	1 BITTAR, Carlos Alberto. Danos patrimoniais a direitos de personalidade. In: Revisa do Advogado da AASP, n. 32, dez., 1992, p. 17. 
7	2 TARTUCE, Fernanda. Quantificação da indenização por danos morais. In: Arte Jurídica – Biblioteca Científica de Direito Civil e Processo Civil. Curitiba: Juruá, v. 3, n. I, 2006, p. 329-341.
7	3 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras Linhas do Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva: 1998, p. 7. 
7	4 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2003, v. 1, p. 7-8.
7	5 Referimo-nos, aqui, às conclusões da autora no artigo citado na referência de n. 72, : TARTUCE, Fernanda. Quantificação da indenização por danos morais. In: Arte Jurídica – Biblioteca Científica de Direito Civil e Processo Civil. Curitiba: Juruá, v. 3, n. I, 2006, p. 329-341.
7	7 SANTOS, Antonio Jeová. Dano Moral Indenizável. São Paulo: Método, 2001, 235.
7	8 ITURRASPE, Mosset. El Valor de La Vida Humana. Santa Fe: Rubinzal-Colzini.1996, p.28.
7	9 SANTOS, Antonio Jeová. Dano Moral Indenizável. São Paulo: Método, 2001, 251.
8	0 RSTJ 130/280, Rel. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito.
8	1 SANTOS, Antonio Jeová. Opus. Cit. p, 270.
8	2 SANTOS, Antonio Jeová. Opus. Cit. p, 270-271.
8	3 RT 78/270, Rel. Ministro Eduardo Ribeiro.
8	4 RUBIO, Delia Ferreira. El Derecho de la Intimidad. Buenos Aires: Editorial Universidad, 1982, p. 125.
8	5 CRETETELLA, Jr, José. Comentários à Constituição de 1988. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1989, vol. I, p. 480.
8	6 TASCA, Flori Antônio. Danos Extrapatrimoniais por Abalo de Crédito. Curitiba, Juruá, 1998, p. 131.
8	7 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade Civil. 9. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1994, v. 2., 741.
8	8 CAHALI, Yussef Said. Dano Moral. 2. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, 360-361.do sistema, restando ao patrimônio, devidamente posto em plano inferior, atuar de modo instrumental á efetiva proteção do “ser” 
.
Partindo-se da opção metodológica de se reler, reinterpretar e reaplicar os institutos do direito privado adotando como pano de fundo o texto constitucional, a qual se mostra imperativa se teorizamos sob a égide de nossa carta constitucional em vigência, manifesta-se, em outros termos, uma “funcionalização” às situações existenciais daquelas dotadas de cunho patrimonial, reconhecendo-se a prevalência das primeiras 
. Tal afirmação pode ser exemplificada pela análise do instituto da função social da propriedade. Se é verdade que não se trata de figura apenas recentemente reconhecida no ordenamento pátrio, também o é que até a Constituição Federal de 1988 predominante era o entendimento de que tratar-se-ia de limitação externa ao direito de propriedade, pensamento que, hoje, não mais impera de modo pacífico 
. Prevalece entre diversos doutrinadores a noção de função social como restrição interna à propriedade 
. Uma inexistiria sem a outra, não cabendo tutela jurídica à propriedade cuja função social não fosse acuradamente adimplida.
Não cabem, desta feita, questionamentos sobre as guinadas expressas na seara do direito privado pela chamada “constituição cidadã”. Consagradora de uma ordem econômica capitalista-social, coloca os direitos fundamentais como premissa maior, e à tal postura vincula os civilistas, ainda que, frise-se, tenha o movimento em prol da constitucionalização partido, em primeiro momento, exatamente destes últimos, e não dos teóricos do direito constitucional. Fato é que se exaure o espaço para a mítica prevalência do direito civil clássico ante a constitucionalização, pautada em uma suposta segurança do primeiro confrontada com a maleabilidade desta última e cujo escopo, invariavelmente, culminava na manutenção do status quo 
.
Efetuadas tais considerações primeiras, perceptível se esboça que o processo de constitucionalização do direito civil, intensificado em solo pátrio com o dispositivo constitucional de 1988, traz como consequência lógico-causal um afastamento da patrimonialidade e do individualismo, com correlata remodelação do direito civil balizada pelos direitos fundamentais 
. Trata-se, pois, de um modo, embora não o único 
, de renovação dos institutos do direito privado, trazendo decorrências a si umbilicais em todas as secções contidas no ramo do direito civil. Nisto se inclui a responsabilidade civil. E é exatamente aos efeitos nela manifestos devido à sua constitucionalização que passamos a nos dedicar. 
2.1 A constitucionalização da responsabilidade civil
 Exposta a relevância assumida pelo processo de constitucionalização, e pelo próprio texto constitucional de 1988, no direito civil, parece nítido que tal fenômeno veio a influir de modo determinante na temática da responsabilidade civil. Aqui, a variação decorrente da adoção dos preceitos constitucionais como premissas maiores acaba por se relacionar à própria natureza da matéria. Tomados os institutos do campo da responsabilidade civil sob a luz das diretivas contidas na Constituição, altera-se a disciplina no que toca seus mais diversos aspectos, até mesmo, e porque, trata-se a responsabilização por danos de matéria composta em sua essência por noções de cunho vago e dotadas de indeterminação, o que oferece ampla margem criativa ao aplicador legal, o magistrado, de tal modo a permitir que o influxo constitucional se dê ao natural 
. Passemos á análise que comprove o que se assevera.
Interpretada sob as balizas do texto constitucional, e resguardada a superioridade hierárquica deste último, opera-se como primeira, e fundamental, consequência da constitucionalização do direito privado a se manifestar na esfera da responsabilidade civil a modificação do próprio enfoque metodológico da temática, cujas evolução se inicia com a vingança privada para se chegar à vedação da autotutela, sendo atribuição do agente estatal, até tempos recentes, a punição 
 Sob os ditames de uma Constituição que eleva a patamar primordial a proteção do “ser”, a salvaguarda do indivíduo, natural é que esse também se coloque como elemento central na responsabilidade civil. E é isso que ocorre. Mais do que se preocupar com a identificação daquele que dá ensejo ao dano, e sua punição, direcionam-se os teóricos e aplicadores da responsabilização civil à figura da vítima 
. 
Distintamente do que segue ocorrendo nas ciências penais, e do que por longo lapso temporal ocorreu no próprio âmbito da responsabilidade civil, analisada a matéria sob o influxo da Constituição Federal de 1988, como não pode deixar de ser feito enquanto se tratar do texto vigente, é injustificado subtrair da vítima o papel de elemento central da relação. O texto constitucional propicia alteração diametral do eixo da responsabilidade civil: não mais se mira o ofensor, mas o ofendido 
. Altera-se o foco e, por conseguinte, a própria destinação da responsabilidade civil dentro do universo jurídico. De punição assume a função primordial de ressarcimento. Destinar-se-ia prioritariamente à reparação, sendo função primeira da responsabilidade civil reequilibrar o panorama econômico-jurídico afetado pelo dano 
. Aliando-se isto à tutela do indivíduo consagrada pela legislação constitucional, percebe-se que a vítima de um dano não deve ser tolhida de seu ressarcimento. É de tal conclusão que deriva o mais marcante fato da constitucionalização da responsabilidade civil: a ascensão da responsabilidade objetiva.
2.1.1 A responsabilidade objetiva e o texto constitucional 
Optando-se por organizar o sistema de responsabilidade civil não em torno da figura do ofensor, mas do indivíduo ofendido pelo dano, há, em verdade, tentativa de se lançar mão do Direito não como instrumento de controle social e manutenção de uma pretensa ordem, mas como meio para obtenção de panorama próximo do harmônico. È com tal finalidade, claramente marcada pela carta constitucional de 1988 e sua missão maior de garantia da vida concreta ao indivíduo, que acaba por se manifestar o decisivo processo de objetivação da responsabilidade civil, traço marcante da disciplina no atual momento. Nos termos de Sergio CAVALIERI FILHO :
“A teoria subjetiva não mais era suficiente para atender a essa transformação social ocorrida em nosso século: constataram que, se a vítima tivesse de provar a culpa do causador do dano, em numerosíssimos casos ficaria sem indenização, ao desamparo, dando causa a outros problemas sociais.” 
 
Possível é, sob este prisma, conceber o processo de objetivação da responsabilidade civil, decorrente de sua constitucionalização, tal qual um estreitamente da ligação existente entre a responsabilização e os ditames constitucionais vigentes. Configura-se o avanço do pensamento individualista-liberal para o ideário solidarista 
, dotado de traços mais compatíveis às necessidades atualmente imperativas. Correto é que tal modelo solidarista já vinha se desenvolvendo antes mesmo do advento da Constituição Federal de 1988. É com ela, entretanto, que ganha positivação e força hierárquica; que se impõe ante o mundo do direito.
Configurada a responsabilidade objetiva como avanço perante o individualismo exacerbado, arraigado no Código Civil de 1916 e por ele positivado 
 , não há como se deixar de conceber o tratamento constitucional voltado ao tema tal qual um efetivo avanço legislativo. O referido progresso, mais que da previsão pontual de hipóteses em que a responsabilização decorre independentemente de culpa 
, é devido à adoção de orientação, dotada de cunho constitucional, cuja natureza se mostra mais tenra à responsabilização pautada no risco 
. Conforme Gustavo TEPEDINO, o “caminho da intensificação dos critérios objetivos de reparação” 
 é corolário lógico da influência constitucional no campo da responsabilidade civil. E no tangente a este avanço constitucional necessário se faz, também, ressaltar o importante avanço trazido pelo Código Civil de2002, o qual, se foi tímido no trato de outras matérias 
, demonstrou-se corajoso ao instituir cláusula geral de responsabilidade objetiva para atividades de risco 
. Trata-se do art. 927, cujo texto merece citação:
Art. 927. Aquele que por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repara-lo:
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano independentemente de culpa , nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
Em hipóteses de responsabilização objetiva, desta feita, deixa-se de atribuir imprescindibilidade ao ato ilícito para se centrar na noção de dano injusto 
. É configurado efetivo câmbio não apenas sob os prismas técnico e conceitual ligados à responsabilidade civil. Mais do que isso, o que se demonstra sob linhas claras é alteração filosófica no cerne da matéria. Deixa de apresentar factibilidade a crença de que um indivíduo não poderá ser condenado a ressarcir quaisquer lesados caso aja em conformidade com o Direito, dando lugar à meta de que nenhum indivíduo poderá deixar de ser ressarcido caso veja recair sobre si dano injusto. A responsabilidade objetiva, intuindo a tutela do ser humano, deixa de se tornar figura aplicável apenas em situações excepcionais, crescendo de modo vultuoso no seio de nosso ordenamento. Aflora de modo límpido a constitucionalização. 
Ampliam-se os casos em que é aplicado o instituto da responsabilização objetiva para que, de modo inversamente proporcional, reduzam-se as hipóteses nas quais o “ser”, elemento central do direito civil constitucionalizado, é vítima de dano injusto é não frui de quaisquer ressarcimentos. Inserem-se elementos sociais na seara da responsabilidade civil para que possível se faça a transformação 
. Só assim é possível que a responsabilidade civil possa “continuar caminhando para a justiça social, permanecendo como forte aliado do homem, a fim de evitar os desequilíbrios e impedir o aumento do poder do forte sobre o fraco” 
. 
Ainda que se possa, efetuado um primeiro juízo, imputar como injusto atribuir de modo objetivo a responsabilização a alguém por determinado dano esta, em verdade, não o é. Trata-se de artifício necessário à afirmação da responsabilidade civil como meio de concretização dos mais basilares preceitos constitucionais. Não se visa reprimir ninguém para que não aja, mas apenas que cada indivíduo seja responsável por seu agir; arque com as conseqüências de sua atuação.
Em verdade, e por fim, indelével ao falarmos de responsabilidade civil objetiva é o fato de estarmos nos referindo à traço direto do processo de constitucionalização do direito privado. Extraindo o caráter majoritariamente subjetivo da responsabilização por danos, intui-se dar concreção e concretização aos princípios orientadores de nossa carta constitucional. Não deve restar dúvidas de que, dentre a variabilidade de fatores analisados casuisticamente em cada hipótese de responsabilização civil, o único fator que deve servir como guia constante é a proteção da pessoa humana 
. Representaria “a própria finalidade-função do Direito” 
. O incremento da responsabilidade objetiva, inserido no fenômeno da constitucionalização, desta feita, é teleologicamente orientado, e cumpre seu escopo.
3. Princípio da dignidade da pessoa humana e Dano moral 
Do já aferido no presente ensaio sobre o fenômeno de constitucionalização do saber jurídico ligado à área civil parece restar inconteste que, e como decorrência direta, opera-se movimento desta última em sentido contrário à patrimonialidade, cujo conteúdo lhe servia como orientação primeira. Passa-se a relevar primordialmente o indivíduo, sendo o patrimônio abordado tal qual instrumento polarizado à concretização dos ditames constitucionais ligados à pessoa. Mais que mudança de postura jurídica, verifica-se verdadeira ruptura paradigmática sobre a perspectiva filosófica 
. E o cerne desta variação reside, exatamente, na positivação constitucional do princípio da dignidade da pessoa humana.
Poder-se-ia crer, aqui, ter havido erro metodológico. Em sendo o princípio da dignidade da pessoa humana logicamente anterior à despatrimonialização do Direito Civil, o que não é por nos contestado, uma vez que aquele serve como fator de ensejo desta (bem como da objetivação da responsabilidade civil), mais acurado poderia parecer se ter efetuado o estudo de modo inverso. Não nos parece, todavia, a opção adequada. Explica-se. 
Dotado de nuances inumeráveis e, equivocadamente, visto ainda por alguns como mero preceito programático contido em nossa carta constitucional, o tema da dignidade da pessoa humana, tal qual o do ressarcimento por dano moral, decorrente de sua proteção, merece estudo apartado e sem atropelos. Aborda-lo antes de traçadas as considerações primeiras sobre a constitucionalização do direito civil, e as mudanças de enfoque manifestas no campo da responsabilização, poderia acarretar em esvaziamento do conteúdo desta, pois, neste caso, o exame da causa aglutina o efeito. A ordem é invertida para que já se analise tal princípio ciente daquilo que dele deriva, e com possibilidade de ler suas peculiaridades de maneira desprovida da pressa peculiar ao desvelamento de resultados. Trata-se do que passamos a fazer.
Conforme exposto, a escolha pela positivação da dignidade da pessoa humana tal qual sustentáculo do princípio republicano, efetuada em nosso texto constitucional vigente 
, situou como imperativo o predomínio das relações existenciais sobre as patrimoniais 
. É de tal prevalência que provém, como efeito lógico, o incremento das hipóteses de dano moral. Não obstante, ainda há quem, e, por vezes, mascarado sob o ideário de “reserva do possível”, queira conceber a dignidade da pessoa humana, bem como outros mandamentos principiológicos, como enunciado programático, não vinculando, desta feita, a Administração Pública e os particulares. Faz-se mister, aqui, uma breve, porém pontual, explanação acerca da necessidade de reconhecimento do caráter normativo que detém os princípios.
3.1 Dignidade da pessoa humana e seu caráter normativo
Qualquer explanação acerca do princípio reitor de nossa ordem constitucional deve, indispensavelmente, ser precedida de análise acerca da própria estrutura das normas dotadas de cunho principiológico. Tal afirmação se justifica pois em tempo pretéritos, mas não tão longínquos, não rara era a negação aos princípios de imperatividade jurídica 
, afirmando-se representarem, ao invés de normas, diretrizes exclusivamente morais e políticas
. Trata-se de pensamento que deve ser combatido, sob pena de restar esvaziado o conteúdo da própria carta constitucional.
Em verdade, e no atual estágio atingido pela ciência jurídica, imprescindível é reconhecer aos princípios efetiva força normativa. Tal qual as regras, os dispositivos principiológicos são verdadeiras normas.”Mandamentos nucleares de um sistema”, conforme expressão talhada da obra de Celso Antônio Bandeira de Mello
, constituem deveres prima facie, mandatos de otimização que aplicar-se-iam conforme a situação fática existente
, mas teriam de ser observados tal qual normas jurídicas, e não preceitos morais. 
Apenas compreendida esta normatividade das disposições principiológicas se pode seguir em frente o estudo. Reconhecendo a hierarquia superior dos princípios constitucionais e a força de norma tanto destes últimos quanto daqueles contidos no texto infraconstitucional. São verdadeiras normas, que permeiam todo o ordenamento jurídico e servem como baliza de interpretação e aplicação do Direito. Por evidente que isso se estende ao princípio da dignidade da pessoa humana. É sob sua luz que a moderna dogmática constitucional, concebida como “emancipatória”, analisa os preceitos contidos na carta maior; sob a premissa de que em primeiro plano deve estar o bem estar (moral, psíquico e físico) do ser humano 
. Esta imposição do ser humano como valor primeiro é, por evidente, extensivaao direito privado, dada a eficácia horizontal de que dispõe o texto constitucional. “Tudo que está na Constituição Federal obriga” 
. A dignidade da pessoa humana não é mera diretiva moral, mas norma a ser seguida.
3.1.1 Análise do princípio
De acordo com teorização de Immanuel KANT, entender-se-ia por dignidade aquilo que é desprovido de equivalência pecuniária; o que não se mostra passível de mensuração monetária 
. Trata-se, pois, de primado posto de modo essencial em posição antagônica àquela ocupada pela exacerbação do patrimonialismo, fio condutor do pensamento tradicionalmente ligado ao direito privado esvaziado pelo processo de constitucionalização, sendo superado por aqueles a este atentos. É bem verdade que não há fato jurídico em cujo núcleo inexista algum indivíduo como elemento 
, mas pela noção de “dignidade da pessoa humana”, nos moldes como apresentada pela sistemática da Constituição Federal de 1988, indefectível é a compreensão de que o ser, mais que um abstrato de relação jurídica, deve ser compreendido em sua dimensão ontológica. Demanda o principio da dignidade da pessoa humana sob a luz da carta constitucional vigente, conforme Ingo Wolfgang SARLET
“A satisfação das necessidades existenciais básicas para uma vida com dignidade, podendo servir até mesmo como fundamento direto e autônomo para o reconhecimento de direitos fundamentais não expressamente positivados, mas inequivocamente destinados à proteção da dignidade.” 
Interessa-nos, por ora, e sob pena de desvirtuar o efetivo escopo do presente ensaio, para além de discorrer acerca da tutela da pessoa humana verificar seus reflexos na seara da responsabilização civil. Se, por um lado, da preocupação com o indivíduo se origina processo de paulatina objetivação da responsabilidade civil, por outro a atribuição de maior relevância ao “ser” em comparação com o “ter” leva ao óbvio reconhecimento da necessidade de se ressarcir lesões diretamente voltadas àquele. Não há mais espaço para a crença de que só há necessidade de reparação em se tratando de dano material, manifestando-se em dimensão vultuosas à figura do dano moral (e as conseqüências a si intrínsecas). É a ela que, agora, voltamos nossos olhares. 
3.2 Notas sobre o dano moral
Concebido o dano como conceito único com correspondência à lesão de determinado direito 
, poder-se-ia se julgar possível a definição de dano moral como qualquer lesão a direito desprovido de cunho patrimonial. Trata-se, porém, de equívoco, não pela existência de erros conceituais íntimos à citada noção, mas porque, e devido ao giro efetuado em nosso ordenamento jurídico com o advento do texto constitucional de 1988, necessário se faz reconhecer que inexistem no atual panorama do mundo do direito quaisquer aspectos ligados à problemática do dano moral em que possível se faça a observação de posicionamentos unânimes 
, tanto na doutrina quanto na jurisprudência. Esta não-pacificação em torno do tema vai desde sua aplicabilidade até sua conceituação, demandando debate e exame no que tange a matéria. 
Ao preceituar a dignidade da pessoa humana como fundamento basilar da República, a Constituição Federal de 1988 torna o princípio, tal qual expresso por Maria Celina Bodin de MORAES, “cláusula geral de tutela da personalidade” 
. Disto se extrai que, para além de positivar em seu texto hipóteses nas quais possível se mostra a reparação por dano dotado de caráter exclusivamente moral 
, a carta constitucional assegura a tutela de todo interesse que esteja à dignidade da pessoa humana relacionado, servindo como componente de tal noção 
. Faz-se possível, neste contexto, configurar como dano moral a lesão a algum dos substratos conformadores da dignidade da pessoa humana 
, demonstrando-se adequado 
 o abandono da arcaica confusão entre dano moral e o sentimento negativo por si ensejado (dor, vexame, etc), ainda verificada nas concepções de parcela da doutrina 
. Trata-se de reducionismo do motivo (lesão) ao resultado (sentimento) cujo conteúdo acaba por atribuir ao Direito a ingrata tarefa de regulador de “estados de espírito” 
, a qual lhe é estranha. Em verdade, e face ao ordenamento constitucional entre nós vigente, inexiste forma diversa de efetivamente tutelar o “ser” em sua integralidade que divirja do entendimento de dano moral como lesão à dignidade da pessoa humana 
, devidamente compreendida como cláusula geral 
 dotada de força normativa. 
Parece bastante óbvio que, com a adoção do atual modelo, o que se intui é evitar que quaisquer lesões à aspectos inseridos na composição do ideário de dignidade da pessoa humana deixem de ensejar ressarcimento por ausência de tipicidade. Isso se dá pois, na lição de Gustavo TEPEDINO
“As previsões constitucionais e legislativas, dispersas e casuísticas, não logram assegurar à pessoa proteção exaustiva, capaz de tutelar as irradiações da personalidade em todas as suas possíveis manifestações.” 
 
Necessário identificar, sob este prisma, tantos tipos de dano quanto necessário se fizesse para que a vitima do dano injusto fosse devidamente reparada 
. 
Por outro lado, e também como decorrência da diretiva constitucional de reparação com base na cláusula geral de dignidade da pessoa humana, acaba-se engendrando nos âmbitos doutrinário e jurisprudencial debate sobre quais danos efetivamente seriam correlatos à dignidade da pessoa humana, devendo dar origem à imposição reparatória. Não raro é observamos demandas judiciais cujo conteúdo beira o non sense sendo propostas com intuito meramente pecuniário, as quais, para além de prejudicar a já afetada celeridade de que nossos Tribunais deveriam dispor, objetivam atribuir ao princípio da dignidade da pessoa humana capaz de destruí-lo. Banalizar a proteção à tutela do indivíduo, visando por intermédio dela enriquecer sem causa justa, é vedar que sua utilização possa servir de modo certeiro àqueles que efetivamente vêem sua dignidade lesada. Com a releitura da responsabilidade civil sob a luz da Constituição Federal de 1988 se passa a proteger interesses antes não salvaguardados pelo Direito, mas se faz mister parcimônia, pois se tudo for “dano moral” nada o será 
.
Afigura-se como imprescindível, dado o panorama exposto, que a problemática do dano moral, embora sujeita à análise casuística por parte do magistrado, cabendo ponderação quando do confronte entre dois ou mais substratos da própria idéia de dignidade da pessoa humana 
, possua para si balizas mínimas delimitando seu espaço de aplicação. A adoção de cláusula geral de tutela da personalidade, sob a bandeira da dignidade da pessoa humana, vem com o objeto de propiciar a reparação em toda hipótese na qual o indivíduo vê recair sobre si dano injusto e conseqüente lesão à sua personalidade. Não pode representar, assim, artifício equivocadamente utilizado com vistas à facilitação pessoal indevida. 
Essencial se mostra a formulação de parâmetros de seleção dos interesses extrapatrimoniais verdadeiramente merecedores de tutela reparatória, sob pena de aspectos desprovidos de caráter material serem relacionados à dignidade da pessoa humana com fins única e exclusivamente materiais 
. Não bastasse tal problemática, e dada a ausência de critérios seletores, depara-se a responsabilidade civil em tempos atuais, ainda, com outra questão levantada no seio doutrinário 
 e verificada na esfera da jurisprudência: a variabilidade de desfechos atribuídos no campo prático à situações fáticas dotadas de caráter similar 
. Necessário é, desta feita, que os Tribunais Superiores cumpram sua precípua função de uniformização jurisprudencial 
. 
É bem verdade que, e dada a análise casuística que à indenização por dano moral é íntima, errôneo seria se pensar em qualquer espécie de vinculação que reduzisse as hipóteses do magistrado analisar as circunstâncias e nuances do caso concreto. Isto não exclui, todavia, a imprescindibilidade de critérios mínimos a regularem a matéria. Só assim o princípio normativo da dignidade da pessoa humana deixará de ser tratado com maleabilidadeque apenas esvazia seu verdadeiro conteúdo e acaba por denegrir sua função de cláusula geral de tutela da personalidade. Eis um caso em que é exatamente o que se manifesta.
3.2.1 Um exemplo de banalização da cláusula geral: Dano moral x Fim de namoro
Neste ponto, o derradeiro do presente capítulo, apresenta-se demanda judicial cuja análise faz transparecer a exagerada elasticidade que alguns, com fins inegavelmente pecuniários, intuem atribuir à dignidade da pessoa humana, esvaziando a própria força normativa do princípio. Trata-se de pedido de reparação por supostos danos morais ensejados pela ruptura unilateral de relação de namoro, cuja autora, não satisfeita com a sentença de improcedência proferida em Primeiro Grau, interpôs recurso junto ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo 
, sob a alegação de que:
“a inesperada ruptura do relacionamento amoroso que mantinham por seis anos sem causa plausível, rompeu as expectativas naturais desse contrato social, provocando perturbações íntimas que são compensáveis”. 
Que o término de um relacionamento amoroso é capaz de engendrar sentimentos negativos ao indivíduo não parece passível de questionamento. De tal constatação á crença de que aquele que se vê emocionalmente ferido pode pleitear judicialmente reparações pecuniárias decorrentes unicamente do término da relação, entretanto, há um longo e equivocado percurso. Pior: as dores com as quais o ser se depara em tais hipóteses não parecem monetariamente compensáveis, ao contrário do asseverado pela autora. Tal qual exposto pelo Desembargador Enio Santarelli ZULIANI, relator dos autos em tela, “o dinheiro, nesse caso, não vale muito, porque não contemporiza”. 
Divergente seria a hipótese de cabimento de ressarcimento em se tratando, exemplificativamente, de ruptura de namoro efetuada de modo incompatível com o contexto social, atingindo as fronteiras do violento ou do vexatório, inferiorizando ou humilhando. Aí sim manifestar-se-ia possível a reparação. O que não se pode, todavia, é querer fazer crer que o ato cotidiano de término de relacionamento amoroso, de modo usual, seja considerado afronta à dignidade da pessoa humana. A constitucionalização da responsabilidade civil, é bem verdade, engendra a consagração de um sem número de novos danos. Isto não corresponde, porém, a afirmação de que qualquer dissabor dano injusto à moral será. A cautela é condição sine qua non na análise casuística das hipóteses fáticas, e imprescinde de balizas seletoras das hipóteses relevantes ao Direito.
4. A questão do quantum debeatur na reparação por danos morais
Claro ficou até aqui que, com a evolução doutrinária e jurisprudencial que o tema do dano moral passou ao longo de todo século XX, advindo do movimento maior de “constitucionalização do Direito Civil”, conforme demonstrado por PERLINGIERI63, culminando, no Brasil, com a Constituição cidadã de 1998, os direitos de personalidade passaram a ser integralmente protegidos pelo ordenamento jurídico. O atual Código Civil, seguindo a diretriz constitucional de proteção à dignidade da pessoa humana, dispondo em termos genéricos a responsabilidade civil por atos ilícitos, menciona a possibilidade de reparação a danos “ainda que exclusivamente morais”.64
Não obstante contemplado expressamente na legislação brasileira, o ressarcimento por dano moral ainda sofre um grande óbice a sua completa concretização no âmbito dos Tribunais, qual seja, sua quantificação/mensuração. Tal problema ocorre devido a falta de regulamentação legal para a mensuração do dano moral, deixando ao prudente arbítrio do juiz o estabelecimento do quantum necessária a reparação integral do dano moral sofrido pela vítima. Surge aqui o problema da falta de critérios objetivos para a quantificação do dano moral, o que leva, na prática, a indenizações exorbitantes fixadas pelo juiz, como bem nos lembra TOURINHO FILHO65:
Há pouco tempo, um magistrado, no caso de um homicídio culposo de uma jovem, estabeleceu a reparação de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais). De que critérios se valeu o nobre Magistrado? 
No próprio cotidiano forense, quando se postula ação que vise reparação por algum tipo de dano moral, devido a falta de critérios claros para embasar a causa do pedido, a formulação de pedido genérico na petição inicial, deixando ao juiz a tarefa de estabelecer, conforme o caso concreto, o quantum debeatur do processo.
Partindo dessa problemática, tanto a jurisprudência quanto a doutrina procuraram estabelecer critérios que fornecessem ao magistrado um norte seguro na mensuração do dano moral. É o que será analisado em seguida.
4.1. A indenização “tarifada” de leis especiais e a sua inaplicabilidade
A falta critérios para a indenização do dano moral levou os juízes a adotar, por analogia, as disposições sobre o assunto de leis especificas, tais como a Lei de Imprensa (Lei n. 5.250/67)66 e o Código Brasileiro de Aeronáutica (Lei n. 7.565/86)67, embora em situações que não envolvessem a mídia ou transporte aéreo, respectivamente. 
Tendo por base esses diplomas legislativos, eis a razão de os Tribunais inicialmente estabelecerem a quantificação do dano moral em salários mínimos. Essa prática, não obstante, ia contrária a disposição constitucional de tutela integral aos direitos de personalidade, vez que não há qualquer limitação quantitativa para o ressarcimento dos danos morais, salvo nos casos especificados em lei própria. Por tal razão, o STF afastou a tarifação das leis especiais para a fixação do quantum nas ações referentes a danos morais, o qual foi seguido pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça, que consolidou o assunto na Súmula de número 281, na qual lê-se: “a indenização por dano moral não está sujeita à tarifação prevista na Lei de Imprensa”.
Afastados os poucos critérios legais, pela não recepção destes pela Constituição de 1988, passou o magistrado a aturar com mais liberdade no estabelecimento do montante ressarcível ao dano moral, aparados mais nas diretrizes fornecidas pela doutrina especializada e, mais tarde, nos vagos apontamentos dados pelo atual Código Civil.
4.2. A indenização com objetivo único de composição integral do dano 
Embora a evocação à razoabilidade, proporcionalidade e moderação seja muito freqüente para fins de quantificar o dano moral, recomendação essa que se encontra até em julgado do STJ68, pouco se contribui para a técnica de mensuração da lesão aos direitos de personalidade. Uma das formas mais eficazes de o fazer é através do critério da composição do dano, segundo o qual deve-se fixar o dano de maneira única e exclusivamente a compensar os danos de cunho moral que a vítima sofre, nos termos expressos pela teoria da responsabilidade civil.69
Diz-se que é o critério estabelecido pela teoria da responsabilidade civil, pois está respaldado pela disposição do Código Civil sobre o tema da indenização:
Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.
Por essa concepção, o grau da culpa do ofensor não deve compor os elementos que permitem a estipulação monetária da indenização por danos morais. A defesa de tal posicionamento é bem clara em ALVIM70:
“É certo que a maior ou menor gravidade da falta não influi sobre a indenização, a qual só se medirá pela extensão do dano causado. A lei não olha para o causador do prejuízo a fim de medir-lhe o grau de culpa e, sim, para o dano, a fim de avaliar-lhe a extensão.”
Dessa perspectiva, portanto, centra-se o tema da responsabilidade civil tão-somente no dano causado, em nada importante o grau de culpabilidade que o agente teve na consecução daquele. Segundo alguns autores, aqui se diferencia a responsabilidade civil da responsabilidade penal, que necessariamente a culpabilidade do agente. Porém outra parte da doutrina procurar dar uma função extra para a reparação civil: além de recomposição da vítima teria a indenização o objetivo de impedir que o agente persistisse na pratica de outros eventos danosos, tendo a indenização, portanto, no linguajar próprio da doutrina do direito penal,uma função “especial-negativa”, no sentido de desestimular futuros atos ilícitos pelo mesmo agente.
4.3. A indenização como forma de punição/desestimulo 
A punição ou desestímulo ao cometido de novos atos ilícitos, passíveis de indenização no âmbito civil, em verdade não constitui critério autônomo, que venha a contraria a idéia de extensão do dano como forma de quantificar a lesão sofrida. Trata-se de critério cumulativo a esse, acrescendo o número de elementos que deve sopesar o juiz quando do estabelecimento da indenização. Assim, Carlos Alberto BITTAR, em artigo sobre o tema, nos dá uma cristalina definição dessa teoria71:
“Deve-se, em qualquer hipótese, ter presentes os princípios básicos da satisfação integral dos interesses lesados e da estipulação do valor que iniba novas investidas, como baliza maiores na determinação da reparação devida”. 
Essa consideração técnica encontra pares em ordenamentos jurídicos estrangeiros, como nos Estados Unidos, em que existe uma verba indenizatória especial – os punitive damages - que o agente deve pagar a título de punição pelo dano à vítima. 
Na legislação pátria o critério do elemento grau de culpa do agente para a quantificação da indenização cabível pode ser encontrada no parágrafo único do art. 944, in verbis:
Art. 944. (...).
Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, eqüitativamente, a indenização.
Vê-se, no entanto, que o mencionado dispositivo alude a tão-somente a diminuição do dano, e não numa majoração que possibilite o desestímulo do ato ensejador de reparação. Cabe a aqui a seguinte indagação: será que a técnica de estabelecer como critério quantificador o elemento do grau da culpa do agente, desvinculado da recomposição da vítima, está em acordo com os ditames do ordenamento jurídico pátrio?
4.4. Responsabilidade civil como sanção e a impossibilidade do “bis in idem” no ressarcimento do dano moral
No que se refere aos elementos norteadores da mensuração em pecúnia da indenização por danos morais compartilhamos o entendimento de Fernanda TARTUCE72, para quem a pena imposta ao agente causador do dano, sem prévia cominação legal, está em desacordo com os ditamos do nosso sistema jurídico. Conseqüências para além da reparação a vítima de lesão sobre direitos de personalidade, o ordenamento estabelece as sanções de caráter criminal, cuja punição se dará observando-lhe os princípios e regras concernentes ao direito penal, como ocorre, por exemplo, nos crimes contra a honra. 
Além disso, caso contrário, estar-se-ia permitindo um enriquecimento ilícito por parte daquela pessoa que sofreu o dano, pois receberia valor superior àquele que deveria ressarcir o dano causado. Lembre-se que a parágrafo único do art. 944 prescreve somente a possibilidade de diminuição da indenização com base no grau da culpa e não na sua majoração. Neste sentido, TARTUCE, fazendo remissão a Orlando GOMES, afirma que nossa doutrina mais autorizada posiciona-se refrataria a idéia de punição como função da responsabilidade civil, tendo em vista o principio geral de que ninguém pode prejudicar os outros,consagrada na expressão latina alterum non laedere. 
A responsabilidade civil já constitui, per se, uma sanção ao agente que lhe deu causa, visto que, como sanção, constitui “conseqüência da desobediência a um imperativo legal”, nos ensinamentos de Moacyr SANTOS73. Assim, leciona com propriedade impar Maria Helena DINIZ, quando discorre sobre as funções da responsabilidade civil74: 
“A responsabilidade civil constitui uma sanção civil, por decorrer de infração de norma de direito privado, por abranger indenização ou reparação de dano causado por ato ilícito, contratual ou extracontratual e por ato licito. (...). Vem a ser uma reação provocado pela infração a um dever preexistente. É, desse modo, a conseqüência que o agente, em virtude da violação de dever sofre pela prática de seus atos. Tem uma função essencialmente indenizatória, ressarcitória ou reparadora.
Neste sentido, coadunamos com o posicionamento de TARTUCE75, para quem a reparação civil, uma vez constituindo sanção ao agente que lhe deu causa, deve-se pautar na vertente reparatória para a fixação pecuniária da indenização, consoante a cláusula geral estabelecida no art. 944, caput do Código Civil, que estabelece a “extensão do dano” como critério para tanto. O parágrafo único do mesmo artigo está a falar tão-somente da diminuição do quantum debeatur com base no grau de culpa do agente, e não na sua majoração. Com aplicação desta última técnica, praeter legem, incorrer-se-ia, em duas situações contrarias ao ordenamento jurídico: o enriquecimento ilícito por parte da vítima do dano moral, bem como a surgimento do bis in idem como punição dobrada pelo mesmo fato ao agente causador do dano, visto que, conforme explicado, a própria responsabilidade civil já constitui sanção jurídica àquele.
5. Espécies de dano moral
Esmiuçados os aspectos gerais no que concerne ao dano moral, sua evolução doutrinária e jurisprudencial no direito brasileiro, bem como o modo de quantificar essa forma de lesão que não tem implicação direta com o patrimônio da vítima, cabe nesta parte do trabalho discorrer sobre as principais espécies de responsabilidade civil originadas de dano aos direitos personalíssimo (ou dano moral). Assim, analisar-se-ão os seguintes temas: dano moral por lesão à vida ou à integridade física da pessoa, dano estético, dano à privacidade/intimidade, dano moral originado de discriminação injusta e dano moral por abalo de crédito.
 5.2 Dano moral por lesão à vida ou à integridade física da pessoa
Uma vez que o ressarcimento decorrente do dano moral visa prioritariamente a tutela, ainda que ex post facto, dos direitos personalíssimos, a primeira possibilidade dessa modalidade de responsabilização civil é aquela que atente contra a vida humana. Essa, é protegida em grau máximo pela nossa Constituição Federal, conforme entendimento de AFONSO DA SILVA76: 
“Vida, no texto constitucional (art. 5°, caput), não será considerada apenas no seu sentido biológico, de incessante auto-atividade funcional, peculiar à matéria orgânica, mas na sua acepção biográfica mais compreensiva. Sua riqueza significativa é de difícil apreensão porque é algo dinâmico, que se transforma incessantemente sem perder sua própria identidade. É mais um processo (processo vital), que se instaura com a concepção, transforma-se, progride, mantendo sua identidade, até que mude de qualidade, deixando, então, de ser vida para ser morte. Tudo que interfere em prejuízo deste fluir espontâneo e incessante, contraria a vida”. [grifamos]
Por ser de tão grande abrangência a proteção à vida dispensada pelo nosso ordenamento jurídico positivo, que, como se viu, já o faz a nível constitucional, os danos extrapatrimoniais decorrentes de ofensa a esse bem jurídico pode advir de várias maneiras. A primeira perspectiva a ser estudada diz respeito ao dano moral, dito dano indireto, causado pela morte. Não há dúvidas que a perda de uma vida causa sérias repercussões não materiais a outras pessoas. Por tal razão diz-se que o dano é indireto, visto que, enquanto cessa a personalidade jurídica daquele individuo vítima de lesão ao seu direito personalíssimo, surge uma pretensão de reparação por alguns legitimados para tanto. Segundo Santos, “parentes, cônjuges e amigos do falecido é que padecem o dano moral” 77; nesta mesma toada segue Iturraspe78, para quem a dor, a tristeza, a angustia e a inquietação interior causadas pela perde de um ser querido, constituem um verdadeiro dano moral. 
Feita essa consideração sobre a existência do dano indireto causado pela lesão ao bem jurídico “vida”, cabe-nos agora adentrar no tema mais corrente dessa espécie, qual seja, a lesão à integridade física da pessoa. Por certo que a Constituição Federal de 1988, ao proteger a vida, não está a falar tão somente da existência biológica do indivíduo: está a proteger, conforme a já citada lição de Afonsoda Silva, toda e qualquer dimensão do indivíduo. Dessa feita, pode-se dizer que existem danos que, muito embora não extingam a vida do individuo, trazem o infortúnio de lhe trazem algum tipo de incapacidade, algum tipo de limitação física. Sempre se faz razoável a reparação a este tipo de dano extrapatrimonial, tendo em visto que a intangibilidade corporal também forma de tutelar juridicamente o direito à vida, mesmo que seja sobre forma de indenização para reparar o dano causado. 
Assim, o pedido de indenização por dano moral que decorre de lesão corporal causado por outrem, seja nas hipóteses de culpa, dolo ou mesmo nos casos de responsabilidade objetiva previstos em lei, a demonstração da dor já é suficiente para comprovar a existência do dano para fins de ressarcimento79. Tal é o entendimento dos julgados do STJ: “ O dano moral resultado do próprio evento que, segundo o acórdão recorrido, acarretou trauma psíquico, gerando a obrigação de indenizar a esse título.”80 
Portanto, com a comprovação de lesão a integridade física do sujeito, somada ao grave desconforto psicológico que tal dano causa ao sujeito, é possível a existência indenização por danos morais. Os ferimentos são, de per si¸ indenizáveis, pois constituem lesões graves a direito personalíssimo do indivíduo.
 5.2 Dano Estético (Responsabilidade Civil do Médico)
Um dos temas de grande evolução doutrinária na seara da responsabilidade civil por danos morais é o concernente a responsabilidade do médico por danos estéticos causados em seu paciente ou cliente. Aqui, sempre se enfrentou um dilema: deveria o médico ser considerado violador de um direito de personalidade, mesmo quando estivesse em jogo a vida do paciente, esta de valor indisponível pela pessoa, mesmo que trazendo seqüelas estéticas a esta última? Por óbvio que o médico não poderia ser responsável por todas as seqüelas físicas de seu paciente, visto que nem sempre, notadamente em cirurgia de risco, é possível evitá-las. Por outro lado, não se pode deixar de considerar a possibilidade de reparação pelo paciente que, esperançoso com determinado resultado prometido pelo médico, em decorrência de procedimento mal realizado, deverá suportar imperfeições estéticas ao longo de sua vida. 
Tecidas essas considerações iniciais, a doutrina procurou estabelecer uma divisão que possibilitasse quais atividades do profissional habilitado na Medicina pudesse ser passível de reparação civil por danos estéticos e quais, devido a sua natureza, não o permitiam. Surge assim a teoria que separa as atividades médicas entre atividades-meio e atividades-resultado. Assim, conceitua SANTOS, evocando as lições de René DEMOGUE: 
“são obrigações de resultado aquelas nas quais o devedor [o médico] se compromete a realizar, em favor do credor, uma determinada prestação destinada a obter um resultado concreto. A frustração do resultado final gera a responsabilidade do devedor, salvo se o obrigado prove sua culpa” 81. [grifamos]
Por outro lado, diz o mesmo autor, há as obrigações de meio, assim conceituadas:
“Para a boa consecução desta obrigação, é necessária a conduta diligente do devedor encaminhada a satisfazer a expectativa final do credor. Se o objetivo final não for atingido, o devedor não pode ser responsabilizado, salvo se o credor demonstrar que houve culpa ou fala de diligência no cumprimento da obrigação”.82 
Assim, vê-se que, quando se trata de atividade-meio, quando, por exemplo, o paciente corre risco de vida, a margem de atuação médico é mais ampla, visto que disporá que todos os meios possíveis para salvaguardar o bem maior da pessoa, a vida. Diferentemente, quando o paciente não corre risco algum, a margem procedimental do médico é bastante restrita, pois visa a chegar um resultado específico, o que não permite colocar o paciente em risco ou deixar-lhe alguma seqüela de cunho estético. Em termos jurisprudenciais, já há algum tempo esse tem sido o entendimento do STJ sobre a matéria: 
“o profissional que se propõe a realizar cirurgia, visando a melhorar a aparência física do paciente, assume o compromisso de que, no mínimo, não lhe resultarão danos estéticos, cabendo ao cirurgião a avaliação dos riscos. Responderá por tais danos, salvo culpa do paciente ou a intervenção de fator imprevisível, o que lhe cabe prova”.83
5.3 Dano à privacidade/intimidade
Nas palavras de Delia RUBIO, discorrendo sobre o dano moral ligado à lesão à intimidade da pessoa, “a ilicitude passível de indenização surge quando o agente capta a informação que é invasiva à privacidade e divulga os dados conhecidos”.84 Assim, com a intromissão arbitrária na vida privada de qualquer pessoa, caracteriza-se o dano moral. 
Os casos mais comuns de violação da intimidade da pessoa decorrem de investigações indiscretas, ilícitas, seguidas de sua divulgação ou de chantagem à vítima. Não obstante, a configuração do dano à intimida não precisar ser, necessariamente, advindas de ato ilícito: a simples divulgação indesejada de informação já é passível de ser gerar ressarcimento por lesão à intimidade, como uma informação intima divulgada por um parente da vítima por exemplo. 
Assim, portanto, o dano moral é conseqüência de um ato ilícito. A perturbação da vida privada causa alterações psicológicas negativas no ofendido. O ressarcimento é forma de reparação ex post facto para a vítima por causa desta intromissão ilegítima.
5.4. Dano moral originado de discriminação injusta
O dano moral que surge pela discriminação pode surgir de várias formas: preconceito racial, contra a mulher, contra uma religião ou contra qualquer outra característica que pretenda destacar características inferiores de uma pessoa em relação a outra ou a um grupo. Sobre o assunto, ensina o prof. Cretella Jr:
“o indivíduo, interiormente, no forum internum, pode ter preconceitos, sem que isso prejudique as relações humanas de que participa, já que o animus, o interior do homem, o ato intransitivado, é do domínio da ciência estranha ao mundo do Direito. É como o problema da consciência, (estado interno) e do culto (estado externo). Prática do racismo é conduta ou vontade exterior do homem, projetada no mundo exterior, transitivada e, pois, regulada pelo Direito, por limitar o exercício de direito do individuo discriminado. É intolerável, em nossa época, em sociedade aberta e fraterna como a nossa, qualquer tipo de preconceito, fundado em cor, raça, religião, convicção política ou filosófica”.85
Neste sentido, está-se a reconhecer que as pessoas não são naturalmente diferentes entre si, não obstante todas gozam de uma isonomia constitucional que impede qualquer tipo de discriminação baseada nestas diferenças. Não se faz possível, portanto, alegar uma pretensa igualdade do ponto de vista natural, pois a diversidade é uma realidade sociológica. A intenção do Direito, procurando tutelar os direitos de personalidade da pessoa, é instituir uma igualdade jurídica entre as pessoas, ou seja, deseja-se que as relações sociais, necessárias as existências dos indivíduos, não sejam afetadas pelas diferenças existentes entre as pessoas, afetação essa de cunho discriminatório. 
Tão grave é o ato discriminatório para o convívio social entre as pessoas, que constitui ato criminoso, passível de punição nos moldes das sanções do Direito Penal. Sem prejuízo deste, não obstante, não se pode furtar a reparação civil advinda deste ato, visto que ressaltar a (suposta) inferioridade de alguém, subestimando um ser humano por mero preconceito, e conteúdo altamente lesivo à dignidade da pessoa humana, devendo sobre reposta imediata do direito, tanto na esfera penal quanto a reparação por danos morais na esfera civil.
 A discriminação arbitrária, que coloca alguém em situação de inferioridade e fere sua dignidade, pode se dar tanto de forma velada e sutil quanto de maneira propagandística,. No Brasil, subjaz uma forte tendência em discriminar pessoas idosas, doentes, mulheres, negros e nordestinos: em todos esses casos, existem focos expressos de discriminação racial, passívelportanto de ensejar reparação civil por danos morais se a pessoa se sentir moralmente ofendida com a discriminação.
 5.5 Dano Moral por abalo de crédito
A prática comercial, incluídas aqui aquela concernente às relações de consumo, funcionam a base de concessão de crédito. Antiga já se faz a época em que o comerciante vendia “fiado” ao seu cliente, baseado na confiança que tinha neste, constando a relação dos devedores nas anotações de caderneta do dono do estabelecimento. Atualmente, as empresas, sejam comerciais, sejam financeiras, mantêm convênio com os Serviços de Proteção ao crédito, dos quais são conhecidos o SPC e a SERASA, cujo objetivo é, em teses, diminuir oss riscos de adimplemento quando da concessão de financiamentos ou recebimentos de cheques. Faz-se um cadastramento dos “maus pagadores”, ou seja, marca-se o nome daqueles que, por algum motivo, não conseguem adimplir em dia suas dívidas, impedindo-os de conseguir novas concessões de crédito. Como nos informa Flori Tasca, tal é a prática predominante no comércio brasileiro:
“Em praticamente todo o Brasil estão disseminados os serviços de proteção ao crédito, normalmente instituídos e mantidos pelas associações comerciais dos diversos municípios brasileiros”.86
Não obstante tal prática realmente permitir uma maior segurança na concessão de crédito nas práticas comerciais, na prática, muito comum é a inclusão indevida de nomes nestas verdadeiras listas negras das associações comerciais. Inúmeras conseqüências negativas que trazem essa situação para o inadimplente: e não há sombra de dúvidas com relação ao malefícios injustos que sofrem a pessoa quando tem seu nome injustamente constando nos serviços de restrição de crédito. Assim, necessita o direito dirimir essa situação, impondo a responsabilidade civil de que age ilicitamente.
Vale dizer que, num primeiro momento no direito pátrio, entendia-se que o dano envolvendo restrição de crédito apenas poderia ser invocado se trouxesse danos materiais. De acordo com a noção patrimonial de todo ordenamento jurídico de antanho, havia uma tendência a rechaçar a idéia de lesão para além do patrimônio da pessoa. Não obstante, com o movimento de constitucionalização do Direito Privado, essa concepção passa a mudar, no sentido de se estabelecer ressarcimento aos danos morais por abalo de crédito. Assim, a definição mais ampliativa do vem a ser abalo de crédito nos é dado por José de Aguiar Dias: 
“Abalo de crédito é a diminuição ou supressão do conceito de quem alguém goza e que aproveita ao bom resultado de suas atividades profissionais, especialmente se se desenvolvem no comércio”.87
Na mesma linha, segue Yussef CAHALI, reafirmando as duas possibilidades de reparação civil:
“Sob o aspecto das repercussões econômicas do patrimônio do ofendido, não há dúvida de que esse entendimento remanescente proveitoso, a induzir a necessidade de prova do prejuízo reclamado, como pressuposto do ressarcimento pretendido, o que não impede, aliás, a concessão de reparação do dano moral, acaso postula, mesmo que não comprovado o dano de natureza material”.88
Assim, em termos processuais, a postulação de reparação por dano causado no abalo de crédito, basta a comprovação da inclusão de maneira irregular em cadastro de proteção ao crédito, cumulado com a dor psíquica, a incômodo mora e/ou social que tal situação causou-lhe de forma injusta. Por outro lado, caso se queira igualmente o ressarcimento por dano material, dependerá da comprovação efetiva da lesão patrimonial, como a não realização de um negócio ou a perda de uma oportunidade única em decorrência de sua restrição de crédito: a necessidade de comprovação deste nexo causal. 
6. Considerações Finais
Chega-se, enfim, ao momento derradeiro do presente ensaio. Aqui, não há outro rumo metodológico diverso da opção por recapitular, em linhas gerais, os debates trazidos à tona ao longo do estudo, apontando as conclusões a que se chega pela análise da releitura constitucional que se vem operando na responsabilidade civil. Necessário se faz apresentar de modo pontual aquilo que se extraí do exame relacionado às problemáticas contemporâneas manifestas na seara da responsabilização por danos. É isso que se passa a fazer.
No tocante à constitucionalização do direito civil, primeiro dos problemas com os quais no deparamos, perceptível se afigurou que com a manifestação de tal processo variação houve com a centralidade das relações de direito privado. Deixa-se de adotar o “ter” como primordial à matéria, sendo destinado tal espaço ao “ser”. Esta prevalência do indivíduo sobre o patrimônio dá cabo à reflexos dentro do campo da responsabilidade civil, culminando com a ascensão da responsabilização objetiva, antes excepcional. Aqui, pretendeu-se mostrar que objetivar a responsabilidade não pretende coibir as relações sociais ou expor à injustiças indivíduos que agem desprovidos de qualquer culpa. Pelo contrário, com a paulatina objetivação o que se intui é reduzir às hipóteses em que a vítima de um dano injusto não se vê reparada, salvaguardando a dignidade da pessoa humana, tema ao qual passamos a nos direcionar.
Dissertando sobre o princípio da dignidade da pessoa humana, pretendeu-se demonstrar que se trata de dispositivo constitucional que, como tal, possui caráter normativo, não se fazendo acertado reduzi-lo a preceito ético ou moral. É verdadeira norma jurídica, a qual, em nosso ordenamento, tal qual exposto, assume função primordial. Revela-se como cláusula geral de tutela da personalidade, o que demonstra a opção legislativa operada em nosso ordenamento, similar àquela verificada, exemplificativamente, no Direito Italiano, de não restringir a proteção relacionada aos direitos de personalidade à tipicidade legal. Optando-se pelo modelo de cláusula gera, ampliam-se as situações extrapatrimoniais nas quais deve intervir o universo jurídico, cabendo proteção a qualquer componente da grande idéia de dignidade da pessoa humana, independentemente de previsão legal típica. Tal postura, ao mesmo tempo em que se posiciona no exato sentido do exame constitucional do direito privado, acaba por, todavia, abrir espaço a tentativas maleabilização indevida da idéia de dignidade da pessoa humana, com fins exclusivamente pecuniários. 
Se tudo puder ser contido na cláusula geral, nada, efetivamente, nela se verificará, conduzindo à ruína do modelo legislativo e a conseqüente banalização do dano moral. Defendemos, então, a adoção de critérios mínimos seletores de quais danos efetivamente interessariam ao direito, o que, sem engessar a cláusula geral, negando sua própria essência, acabaria servindo à proteção da dignidade da pessoa humana, resguardando-a de utilização indevida e oportunista e, por conseguinte, protegendo o modelo de tutela da personalidade verificado em nosso ordenamento.
Quanto à quantificação pecuniária da indenização do dano moral, a conclusão que se chega é a inconformidade da função sancionatória da responsabilidade civil com os ditames do ordenamento jurídico pátrio. A própria responsabilização do agente causador do dano, como reação do direito a uma violação a dever preestabelecido, já constitui, de per se, sanção, o que impede que outra pena recaia sobre a mesma pessoa em decorrência do mesmo fato, sob pena de se incorrer em bis in idem. Além do mais, o própria Código Civil estabelece, em seu art. 944, caput, a “extensão do dano” como critério para se auferir a indenização. O parágrafo único do mesmo artigo, refere-se ao grau de culpa do sujeito, mas apenas na hipótese de diminuição do quantum debeatur e nunca para sua majoração. Em assim se fazendo, estaria se criando um enriquecimento ilícito por parte da vítima do dano, e o próprio agente passaria de causador do dano à vítima de um. É oportuno, portanto, finalizar esse tema com a afirmação de que a responsabilidade civil, no que tange aos danos morais, tem exclusiva função reparatória, indenizatória, tendo em vista a proteção integral que o ordenamento jurídico dispensa aos direitos de personalidade.O estudo das espécies de dano moral demonstra que uma teoria geral da responsabilidade civil é insuficiente para dar conta, na prática forense, de todos os casos em que é alegada lesão a direitos de personalidade. Nos estreitos limites a que se propôs este trabalho, percebeu-se que cada espécie precisou e precisa desenvolver teorias próprias, compatíveis com as peculiaridades da situação, bem como as evoluções que os próprios institutos jurídicos vão sofrendo. Isso ficou claro quando se tratou da responsabilidade civil do médico, com a distinção de seus procedimentos em atividades-meio e atividades-fim. Assim, no que tange aos vários tipos de situações de dano moral, o ideal é que, a partir de um estudo generalizado do instituto, adentre-se a uma análise esmiuçada de cada uma destas situações, estudadas aqui en passant. 
Em um parágrafo: ainda que tenha a esfera da responsabilização civil sofrido inversões axiológicas voltadas à proteção do indivíduo, em detrimento do patrimônio, e que estas venham paulatinamente consagrando seus traços na doutrina e na jurisprudência, ainda não se é possível descartar o debate e sua pressuposta reflexão. Só com estudo o progresso pode ser efetivamente verificado. É neste sentido que nosso exame se pretendeu colocar.
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�	 Necessário se faz, entretanto, destacar que não se pode lançar mão de tal constitucionalização tal qual fosse verdadeira panacéia, capaz de solver todo e qualquer problema e aplicável em toda e qualquer situação. O fato de dever ser o Direito Civil observado a partir das lentes do texto constitucional não acarreta, por absoluto, no esvaziamento integral de seus institutos clássicos, como corriqueiramente efetuado por alguns. Constitucionalização há, mas tal fato não pode ser interpretado como ruína do próprio Direito Privado.
�	 É o exposto em NALIN, Paulo. Do contrato: conceito pós-moderno em busca de sua formulação na perspectiva civil-constitucional. 1.ed. Curitiba: Juruá, 2004. p.30.
�	 FACHIN, Melina Girardi. PAULINI, Umberto. Problematizando a eficácia dos direitos fundamentais nas relações entre particulares: ainda e sempre sobre a constitucionalização do Direito Civil. In. FACHIN, Luiz Edson e TEPEDINO, Gustavo (org.). Diálogos sobre direito civil. v.2. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 197. 
�	 Tal princípio, em tempo, será objeto de estudo em momento posterior do presente exame.
�	 PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil. 2.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 33-34. 
�	 NALIN, Paulo. Obra Citada. p.250-251.
�	 PERLINGIERI, Pietro. Obra citada. p. 34.
�	 Embora siga defendido por manualistas que seguem apontando a função social como restrição externa ao usufruto do direito de propriedade. Posição da qual discordamos e a qual, corriqueiramente, mostra-se atrelada ao escopo de manutenção do status quo. 
�	 Cite-se, neste ponto, CORTIANO JÚNIOR, Eroulths. O Discurso Proprietário e suas Rupturas Prospectiva e Perspectivas do Ensino do Direito de Propriedade. Tese de Doutorado. Curitiba-PR. UFPR, 2003. e PENTEADO, Luciano de Camargo. Direito das coisas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2008. 
�	 MORAES, Maria Celina Bodin de. Constituição e direito civil: tendências. In. Revista dos Tribunais. nº 779, 2000. p.47-63.

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