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PSIC O LO G IA D A ED U C A Ç Ã O Irene C arm em P ico ni P restes / M aria d e Fátim a Jo aq uim M inetto Código Logístico 57561 Fundação Biblioteca Nacional ISBN 978-85-387-6459-5 9 788538 764595 Psicologia da Educação IESDE BRASIL S/A 2018 Irene Carmem Piconi Prestes Maria de Fátima Joaquim Minetto Todos os direitos reservados. IESDE BRASIL S/A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ P939p 3. ed. Prestes, Irene Carmem Piconi Psicologia da educação / Irene Carmem Piconi Prestes, Maria de Fátima Joaquim Minetto. - 3. ed. - Curitiba [PR] : IESDE Brasil, 2018. 154 p. : il. Inclui bibliografia ISBN 978-85-387-6459-5 1. Psicologia educacional. I. Minetto, Maria de Fátima Joaquim. II. Título. 18-49306 CDD: 370.15 CDU: 37.015.3 © 2009-2018 – IESDE BRASIL S/A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem auto- rização por escrito das autoras e do detentor dos direitos autorais. Capa: IESDE BRASIL S/A. Imagem da capa: Stefan Ilic/Godruma/iStockphoto Irene Carmem Piconi Prestes Psicóloga. Psicanalista. Mestre em Educação (UFPR), na linha de Currículo e Conhecimento. Professora no ensino superior. Psicóloga escolar. Maria de Fátima Joaquim Minetto Psicóloga. Mestre em Educação (UFPR), na linha de Cognição e Aprendizagem. Terapeuta familiar sistêmica (Intercef). Professora no ensino superior. Psicóloga escolar. Sumário Apresentação 7 1. O encontro entre a Psicologia e a Educação 9 1.1 Distinções entre Psicologia e Psicanálise 10 1.2 Contribuições da dimensão “psi” para as práticas educativas 11 1.3 A sala de aula: o professor/aluno/conhecimento 16 2. O mundo moderno e as tecnologias 21 2.1 Tecnologia da imagem e do olhar 25 2.2 O uso da tecnologia na escola 31 3. Problemas dos pais: crescendo com o outro 35 3.1 A família dos dias de hoje 35 3.2 A responsabilidade social dos pais 37 3.3 O que é ser mamãe e papai? 43 3.4 A importância do laço família-escola 45 3.5 Níveis de crescimento 47 4. O bebê e o enfrentamento do educativo 51 4.1 Desenvolvimento emocional 52 4.2 O espaço educativo e o desenvolvimento emocional 56 4.3 Desenvolvimento cognitivo 57 4.4 O espaço educativo e o desenvolvimento cognitivo 63 4.5 A organização da escola enquanto espaço educativo 65 5. Sobre a educação da criança 67 5.1 A estruturação psíquica e o espaço educativo 69 5.2 O lugar social da criança 72 5.3 Tarefa educativa do adulto para com a criança 76 6. O fracasso escolar nos dias de hoje 81 6.1 O saber medicalizante e o fracasso escolar 83 6.2 Fracasso escolar e o contexto social 85 6.3 Fracasso e contexto escolar 87 6.4 A dimensão “psi” e as situações de fracasso escolar 90 7. Questões relativas à violência na vida em sociedade 95 8. O desafio da diferença 105 9. O campo transferencial 115 9.1 Aprender com o professor 118 9.2 O campo de transferência 121 10. O campo da ética e o mal-estar na educação 127 Gabarito 137 Referências 149 7 Apresentação Nossa preocupação na elaboração deste livro foi apresentar temas atuais, interessantes e inquietantes ao leitor. Nós nos referimos ao texto numa concepção ampla, quer dizer, como uma experiência ou perspectiva da consciência do sujeito. Esperamos que o leitor possa, após a leitura, ser capaz de desdobrar interpretações criativas e potencialmente inovado- ras à sua prática profissional. Os temas aqui apresentados foram surgindo de nosso pró- prio dia a dia: na prática docente, na clínica, nas palestras que ouvimos, nos livros que lemos, na conversa com outras pessoas. Os textos aqui abordados giram em torno do campo das questões psicológicas que envolvem a constituição subjetiva do ser humano e sua vida em sociedade; especificamente, da- mos destaque ao espaço relacional da escola. Iniciamos o texto com a reflexão sobre as questões espe- cíficas das áreas “psi”, e distinguimos Psicologia e Psicanálise. Abordamos questões relativas ao desenvolvimento humano. Especialmente no capítulo “O bebê e o enfrentamento do educativo”, contei com a colaboração da professora, e amiga, Fátima. Os textos aqui abordados discutem questões presentes no contexto escolar, como: o mundo moderno, a televisão, pais e filhos, o fracasso e a violência escolar, a educação da criança. Os textos finais exploram conceitos da teoria psicanalítica, como: o inconsciente, o desejo, a transferência e a ética. É com prazer, portanto, que lhes apresento este livro Psicologia da Educação. Uma boa leitura a você. 1 O encontro entre a Psicologia e a Educação Irene Carmem Piconi Prestes Assim como o espaço em branco é importante no poema, assim como a pausa organiza a música, o saber pode brotar do silêncio. O jorro contínuo de palavras pode ostentar apenas ansiedade. O conhecimento pode instalar-se no entreato. A. Sant’Anna Nosso intuito, neste capítulo, é fazer uma apresentação à luz de concepções psicológicas para o desenvolvimento e conhecimento humano, ou melhor, queremos saber como funcionam as conexões entre psicologia, psicanálise e educação. Para tanto, deixemos fluir as associações com muita paixão e busquemos, em cada uma delas, seus fundamentos, suas contribuições, para que tenhamos uma pro- dução com efeitos no âmbito educativo. Tais associações e contribuições permitirão a inserção dos aspec- tos psíquicos e a construção de um laço social entre essas áreas, em consonância com as circunstâncias sócio-históricas atuais, de modo a contribuir para a melhoria qualitativa do processo de ensinar e de aprender, já que entendemos que o rendimento intelectual, por vezes, é dependente do desenvolvimento afetivo. Segundo Nóvoa (1999, p. 191), “a clarificação dos mecanismos que estão em jogo nas situações concretas pode estimular a mudan- ça de relações e das práticas e incentivar o professor a investir no sentido da transformação da sua própria realidade”. 10 Psicologia da Educação Colocar os conhecimentos psicológicos a serviço da educação implica, para a prática docente, confrontar os conhecimentos teó- ricos, os métodos pedagógicos e os procedimentos de ensino, numa constante atitude reflexiva. Portanto, neste capítulo, busca-se criar situações de incertezas, de dúvidas, discutir suposições e, assim, criar um espaço para novas reflexões, outros paradigmas educacionais. 1.1 Distinções entre Psicologia e Psicanálise Vale um alerta inicial para não tomarmos Psicologia e Psicanálise como sinônimos. Um pon- to de distinção entre elas é a compreensão do que seja personalidade. Para a Psicologia, os compo- nentes da personalidade derivam do latim persona, que designa a máscara usada pelos atores de tea- tro, cujas expressões correspondiam a caracteres fixos e induziam o espectador à expectativa de um comportamento determinado. Decorre da noção do Direito que faz existir a pessoa civil, sujeita a direitos e deveres, com um Registro Geral, ou seja, a identidade civil do indivíduo. Porém, existe também a pessoa como consciência psicológica. A personalidade representaria a identidade psíquica do sujeito. O pensamento de Sigmund Freud alimentou essa visão de per- sonalidade; entretanto, o termo personalidade nunca foi utilizado na Psicanálise. Freud propôs dois modelos de aparelhos psíquicos. Em 1900, apresenta os três níveis psíquicos: o inconsciente, pré- -consciente e consciente. Nos anos 1920, recorre a uma nova distin- ção e apresenta as instâncias psíquicas: o id, o ego e o superego. Em seu texto “A interpretação dos sonhos” (1900), Freud mos- tra como os processos do sonho permitem compreender as forma- ções do inconsciente. Ainda que esse inconsciente esteja ligado à linguagem, à palavra, a uma representação simbólica, o ego é o lugar Vídeo O encontro entre a Psicologia e a Educação 11 da consciência e constrói-se para garantir o equilíbrio psíquicopara linguajar. 3-7 anos Atividades de jogos Funções simbólicas, imaginação criadora, coordenação social. 7-11 anos Atividades de aprendizagem Operações mentais intencionais, esquemas mentais para solução de problemas, pensamento reflexivo. 11-15 anos Atividades de comunicação social Resolução de problemas da vida cotidiana, compreensão do ponto de vista de outrem, submissão às regras sociais. 15-17 anos Atividades de aprendizagem vocacional Interesses cognitivos e vocacionais novos, compreensão dos elementos do trabalho de pesquisa, elaboração de projetos de vida. Fonte: Elaborada pela autora com base em Vygotsky, 1998, p161 3.5 Níveis de crescimento Pelas razões anteriormente descritas, com- preende-se que, para o indivíduo se desenvolver, é preciso que a afetividade esteja equilibrada com as ações ambientais e as interações sociais, no âmbito Vídeo 48 Avaliação do impacto e licenciamento ambiental escolar. O grande pilar afetivo é a família, as experiências e as vivên- cias que traz consigo para o ambiente escolar. Outro autor, Henry Wallon (apud La Taille, 1992), descreve que a origem da vida afetiva da pessoa está no funcionamento fisiológico, marcado, por exemplo, na atividade alimentar, que apresenta três tipos de reações: 1. de natureza interoceptiva – funções de nutrição (estímulos do trato digestivo). 2. de natureza proprioceptiva – funções ligadas ao equilíbrio e aos movimentos (estímulos a nível muscular, tocar, segurar no colo). 3. de natureza exteroceptiva – funções da rotina cotidiana (es- tímulos nas atividades de banho, trocar as fraldas, o olhar frente a frente mãe/bebê). “As sensibilidades intero e proprioceptivas determinam as nuan- ces agradável e desagradável, introspecção da vida afetiva; quanto à sensibilidade exteroceptiva, ela está voltada para o conhecimento do mundo exterior” (DELDIME, 1999, p. 54). A proposta walloniana considera o desenvolvimento intelectual dentro de uma cultura humanizada. A abordagem é sempre a de con- siderar a pessoa como um todo. Elementos como afetividade, emo- ções, movimento e espaço físico encontram-se num mesmo plano. A partir desse referencial, observamos a importância do papel da família, da posição dos pais, da incrição das funções maternas e paternas para o desenvolvimento global da criança. Após essas considerações, pressupõe-se que os pais precisam re- fletir sobre o seu lugar, a sua função no processo de educar filhos. Partindo da premissa de que as circunstâncias, as necessidades e as escolhas impõem às pessoas funções, posições e papéis particulares, os pais, na parceria com os filhos, têm o desafio de transformar essa Problemas dos pais: crescendo com o outro 49 experiência em momentos de crescimento para todos, visando ao for- talecimento dos laços familiares, à circulação do afeto e do o amor. É nesse contexto que precisamos olhar atentamente e observar a família e as relações parentais nos dias de hoje. Há uma indefinição em relação ao que se pode esperar dos pares, gerando, por vezes, um sentimento de isolamento, insatisfação e solidão. Dessa maneira, para um novo olhar é preciso manter uma atitude reflexiva cons- tante, por meio da compreensão, da solidariedade e da aceitação incondicional do outro. Finalmente, esta proposta sugere que a educação deve desenvol- ver o conhecimento ajustado de si mesmo e o sentimento de con- fiança em suas capacidades afetiva, física, cognitiva, ética, estética, de inter-relação pessoal e de inserção social, para agir com perseve- rança na busca de conhecimento e no exercício da cidadania. Dica de estudo • SALINGER, J. D. O Apanhador no Campo de Centeio. São Paulo: Editora do autor, 1951. Essa obra lança questões a fim de compreender a adoles- cência, na medida em que apresenta o pensamento-jovem distinto do infantil, com significados e sentidos particula- res. Retrata os conflitos vividos pelo personagem Holden Caufied, de 16 anos, filho de uma família rica, que estudava num internato e retorna para casa. Nesse percurso, Caufield faz reflexões sobre sua vida e trava conversas com outros personagens significativos afetivamente para ele: professor, ex-namorada e sua irmã. Nos diálogos, as contradições, as ambiguidades e os conflitos vividos por Caufield retratam os paradoxos internos desse jovem adolescente e que nos pare- cem atuais e pertinentes à leitura dos pais para um encontro ético e moral com os filhos. 50 Avaliação do impacto e licenciamento ambiental Atividades 1. Construa uma explicação que justifique a frase: Pais e filhos – impasses de um encontro de gerações. 2. No texto complementar: “O ‘filho do homem’: obrigado a aprender para ser” o autor apresenta a afirmação: nascer é estar submetido à obrigação de aprender. Explique com suas palavras o significado dessa afirmação. 4 O bebê e o enfrentamento do educativo Maria de Fátima Joaquim Minetto Irene Carmem Piconi Prestes Quanto menor é a criança, maior sua sensibilidade para a organização do espaço à sua volta[...] C. Weinsteins e T. David Atendendo à amplitude das concepções atuais relacionadas à Psicologia da Educação, buscamos salientar neste capítulo os aspec- tos relacionados à criança pequena que não devem ser negligencia- dos, quando o intuito é entender e melhorar o processo educativo. Há um grande esforço de psicólogos e educadores direcionado à compreensão da criança maior, suas condições de aprendizagem e desenvolvimento, além das dificuldades que vão aparecendo nesse processo que mescla aspectos psicológicos e educacionais. No entan- to, não podemos esquecer que os primeiros anos de vida concentram um conjunto grande de aquisições que vão embasar o desenvolvi- mento futuro. A escola (creches, berçários e escolas de educação in- fantil) que acolhe a criança pequena (entre 0 e 3 anos) é muito mais do que um “espaço cuidador”. Houve um tempo em que os cuidados básicos ligados à alimen- tação, higiene e recreação eram considerados suficientes para que as crianças fossem devidamente assistidas em suas necessidades e pudessem crescer sadias. Essa concepção foi mudando e estenden- do-se à medida que os conhecimentos foram sendo aperfeiçoa- dos e foi-se esclarecendo, cada vez mais, o processo de evolução 52 Avaliação do impacto e licenciamento ambiental infantil. Sabemos, hoje, que o ser humano, desde o princípio de sua vida, é uma totalidade biopsicossocial e que não é possível separar ou privilegiar apenas um aspecto do seu desenvolvimento, sem comprometer os demais. Os cuidados oferecidos às crianças pelos pais e pelas creches, escolas e serviços médicos foram sofrendo transformações na in- tenção de privilegiar o desenvolvimento harmonioso da criança em todos os seus aspectos. É preciso investir em todas as possibilidades humanas de crescimento físico, social, intelectual e afetivo por meio da busca de um ambiente mais favorável para esse fim. Nesse sentido, as páginas que se seguem vão apresentar parti- cularidades do desenvolvimento emocional e cognitivo da criança pequena, procurando estabelecer uma relação entre eles e a organi- zação do espaço educativo que vai recebê-los. 4.1 Desenvolvimento emocional As primeiras relações afetivas da criança in- fluenciam muito sua futura estruturação psíquica. Isso inclui os primeiros anos de vida. Assim, tanto as relações familiares quanto as demais (como as do espaço escolar) são determinantes. No desenvolvimento psíquico e emocional do indivíduo, um as- pecto é defendido por diversos estudiosos como de fundamental importância: é a interação mãe-bebê. A relação entre a mãe e seu filho, as influências entre ambos refletem diretamente no desenvol- vimento infantil e na sua personalidade posterior. Quando a mãe vincula-se ao filho, ela estabelece com ele um compromisso emocional, o qual irá estimulá-la a exercer a função materna. Sem esse compromisso, a vinculação se compromete, ge- rando perturbações que podem constituir-se emocasiões que levam a criança a ser negligenciada e a não investir na promoção do seu Vídeo O bebê e o enfrentamento do educativo 53 desenvolvimento. O afeto materno gera um clima emocional favo- rável para todos os aspectos do desenvolvimento infantil. A afeição que a mãe sente pelo bebê o torna um objeto de contínuo interesse para ela, fazendo com que ofereça à criança uma rica e variada gama de estímulos e experiências vitais. Assim, os afetos e atitudes ma- ternais orientam os afetos do filho e conferem qualidade de vida à experiência dele. Winnicott (1999) concluiu que a saúde mental do indivíduo é construída por um ambiente facilitador fornecido por uma “mãe suficientemente boa”, isto é, por uma mãe que reconhece a dependência inicial do filho e se adapta ativamente às suas necessidades. Para isso, a mãe desenvolve uma identificação projetiva com o bebê, que também estabelece uma identificação com a mãe. Essa mãe suficientemente boa irá fornecer o contexto no qual a criança tem a oportunidade de se tornar um indivíduo, permitindo que o bebê comece a existir, a ter experiências, a construir um ego pessoal, a dominar seus impulsos e a enfrentar as dificuldades inerentes à vida. Isso torna a criança capaz de desenvolver um self (eu) verdadeiro e forte. Ainda para Winnicott (2001), as funções essenciais da mãe sufi- cientemente boa, resumidamente, são: • o holding – que está relacionado com a capacidade da mãe de se identificar com o seu bebê, refere-se ao como a mãe segura ou carrega o bebê, como o toma para si, como seu; • o manipular – são os cuidados da mãe com o bebê, contri- buindo para a formação do sentido do real para a criança; • a apresentação de objetos – como a mãe apresenta o mundo dos objetos ao bebê, dando ao filho capacidade de se relacio- nar com os objetos e fenômenos do mundo. Quando a mãe não é suficientemente boa, prejudica o desen- volvimento do self verdadeiro por não se adaptar ou perceber as necessidades do filho, causando posteriormente na criança uma per- sonalidade fraca e instável, dificultando sua adaptação ao mundo. 54 Avaliação do impacto e licenciamento ambiental A mãe que não é suficientemente boa pode ser tanto aquela que sufoca a criança com seus cuidados, não dando oportunidade de a criança perceber e manifestar suas necessidades próprias, quanto aquela que é ausente, em que a criança reclama suas necessidades e não é atendida. Klaus, Kennel e Klaus (2000) afirmam que o desenvolvimento e sobrevivência do bebê dependem do vínculo formado com seus pais. Um forte vínculo, que se inicia desde a gestação, passando pelo trabalho de parto, o nascimento e o período pós-parto, melhora a responsividade dos pais às múltiplas necessidades do bebê, for- tificando o apego deste com seus pais, especialmente com a mãe. O apego que o bebê desenvolve ocorre devido às respostas da mãe aos sinais da criança, que, tendo suas necessidades satisfeitas, desen- volve um sentimento de confiança básica. Os autores ainda complementam que o vínculo dos pais com seus filhos é a mais forte e a mais importante das ligações humanas. Os recém-nascidos, embora ativos e conscientes, não podem sobre- viver sozinhos, e os vínculos da mãe e do pai são fundamentais para a sobrevivência e o desenvolvimento do bebê. O poder dessa ligação é tão grande que capacita a mãe e o pai a fazerem contínuos sacrifí- cios necessários para o cuidado da criança. Para Lebovici (1987), a interação mãe-bebê consiste na co- municação da mãe com o bebê por meio de mensagens verbais e extraverbais (gestos, olhares, vozes, toques), que são represen- tados por afetos mútuos, revelando o estado emocional de cada um. O autor dá fundamental importância ao olhar entre a mãe e o filho. O olhar mútuo tem por função facilitar a constituição de uma imagem de si mesmo por parte do bebê, distinta e diferente daquela da mãe. O rosto da mãe, especialmente seus olhos, serve para favorecer no bebê a elaboração da imagem de si mesmo e integrar um conjunto unificado de experiências afetivas. O bebê e o enfrentamento do educativo 55 Winnicott (1999; 2001) também ressalta a importância do olhar entre mãe e bebê, dizendo que a mãe tem o papel precursor do espe- lho, do “espelhar afetivo”, afirmando que, quando o bebê olha para a mãe, o que ele vê é ele mesmo. A mãe transmite ao filho, por meio de seu olhar, seus sentimentos, os quais o filho recebe e pelos quais é influenciado, ou seja, a mãe pode refletir no olhar sua alegria, o prazer que sente em relação ao filho, e a vivência desse reflexo forma a base para os sentimentos de bem-estar e segurança do bebê. Segundo Spitz (1979), a interação mãe-bebê é um processo com- plexo e significativo, ao longo do qual mãe e filho influenciam-se e estimulam-se mutuamente, enquanto a mãe fornece o que o filho necessita. Este, por sua vez, fornece o que a mãe necessita. De acordo com o autor, uma necessidade do bebê provoca nele um afeto, con- duzindo a mudanças em seu comportamento, as quais produzem uma atitude e uma resposta afetiva da mãe. A gratificação da mãe ao satisfazer as necessidades do filho, bem como sua frustração quando isso não acontece, afeta a vida emocional de ambos. Nessa relação recíproca, os afetos desempenham o papel principal. As funções psí- quicas desenvolvem-se a partir dos fundamentos fornecidos pela troca afetiva. Para o autor, as relações inadequadas ou insuficientes podem oca- sionar uma quebra na sintonia da interação mãe-bebê, acarretando influências psicológicas prejudiciais à criança, interferindo em sua ca- pacidade de descobrir e partilhar os intrincados vínculos das relações sociais e, portanto, dificultando a sua adaptação à sociedade. Como as relações entre mãe e filho são muito intensas, a entrada da figura paterna na relação mãe-filho estabelece o equilíbrio ne- cessário para não se desenvolver um quadro patológico. Da mesma forma, a relação da criança com outros, na escola, por exemplo, é importante e sadia. 56 Avaliação do impacto e licenciamento ambiental 4.2 O espaço educativo e o desenvolvimento emocional Primeiramente, há que se salientar a importân- cia de se conhecer o desenvolvimento emocional da criança pequena como peça fundamental na organi- zação da estrutura educativa. Com as modificações socioculturais da atualida- de, as crianças vão cada vez mais cedo para as escolas, creches e berçários, em função da necessidade de suas mães estarem inseridas no mercado de trabalho, fato que tem impulsionado os contextos educativos que acolhem esses bebês a estabelecerem uma qualidade de trabalho cada vez mais eficiente. Há uma discussão acirrada quanto à função da escola. Concordamos que a escola possui limites, que não deve e não pode assumir a função dos pais, ou seja, não deve assumir a função ma- terna, principalmente quando nos referimos à criança pequena. No entanto, ao atendê-la, poderá dar suporte e complementação às tarefas que cabem à mãe ou, ainda, orientar a mãe quanto à impor- tância de assumir suas funções. Nesse sentido, o espaço escolar precisa preparar suas atividades e seus educadores para acompanhar e favorecer o desenvolvimento emocional. O espaço educativo precisa ser suficientemente bom, oferecendo condições mínimas de desenvolvimento. É preciso dar ênfase a pontos que promovam o desenvolvimento e equilíbrio emocional, como: • estabelecer relações de proximidade e individualidade com a criança; • tocar a criança em situações variadas (como massagens, ativi- dades com água, barro etc.), e não somente no momento de cuidar da higiene dela; Vídeo O bebê e o enfrentamento do educativo 57 • olhar nos olhos da criança quando se fala ou brinca com ela; • deixar que ela possa escolher os brinquedos ou alimentos, fazendo com que a criança perceba suas necessidades, como fome, desconforto etc. e manifeste-as para, então, atendê-las; • cuidando para não superproteger ou negligenciar, dois pontos que podem desestruturara organização do self verdadeiro, causando posteriormente na criança uma personalidade fraca e instável, dificultando sua adaptação ao mundo. 4.3 Desenvolvimento cognitivo O desenvolvimento cognitivo é muito mais co- nhecido dos educadores do que o emocional. Por isso, vamos apenas lembrar dois autores mais sig- nificativos que trouxeram grandes contribuições para a Psicologia da Educação: Piaget, por nos ex- plicar a gênese da lógica, e Vygotsky, por interes- sar-se pelo desenvolvimento e aprendizagem no contexto escolar. Ambos têm trajetórias e conclusões distintas, mas não contradi- tórias, o que possibilita o aproveitamento de suas contribuições para melhorar o desenvolvimento cognitivo e a aprendizagem da criança. Piaget (1970) propõe que a lógica é elaborada pelo indivíduo na sua interação com o meio, contrariando concepções inatistas, que dizem que a inteligência formal do ser humano é herdada. A teo- ria de Piaget é, em um todo, uma teoria epistemológica, pois parte da investigação de como evolui o conhecimento. Podemos, então, enfocar a epistemologia genética como o estudo dos mecanismos e processos que conduzem os estados de menor conhecimento aos estados que implicam conhecimento mais avançado. Ao compor essa perspectiva, Piaget (1970) admite, para o de- senvolvimento cognitivo, quatro grandes períodos. Cada um deles Vídeo 58 Avaliação do impacto e licenciamento ambiental define um momento de desenvolvimento em que a criança constrói uma determinada estrutura cognitiva. Esses períodos são: • o período operatório-formal, que se inicia na adolescência, a partir dos doze anos, aproximadamente, e segue se transfor- mando durante toda a vida adulta; • o período operatório-concreto, que vai dos seis aos doze anos, aproximadamente; • o período pré-operatório, que vai dos dois até os seis anos, aproximadamente; • o período sensório-motor, que se inicia no nascimento e vai até os dois anos, aproximadamente. Observando o brincar de uma criança, Piaget (1970) constata que o meio sempre provoca o sujeito com questões desafiadoras, levando-o a uma busca de solução de problemas. Para isso, a criança vai usar as estruturas da inteligência já existentes. Caso estas sejam insuficientes para resolver a nova exigência, acaba por ocorrer um certo desequilíbrio nas relações do sujeito com o objeto. Na interação, o objeto leva o sujeito a mudar suas estruturas (acomodação) para que esse sujeito incorpore novos elementos des- se objeto (assimilação). Para Piaget e Inhelder (1998), portanto, a in- teligência consiste na adaptação a situações novas em uma contínua construção de estruturas. Piaget (1970) defende que: • assimilar é incorporar novas experiências aos esquemas já estabelecidos. Assimila-se quando se transforma um estímulo em algo próprio. Trata-se da incorporação de um novo con- ceito ou experiência aos esquemas existentes, por meio da atividade do sujeito; • acomodar consiste na modificação da nossa ação enquanto sujeitos. Quando se precisa reagir a novas situações, não bastam os esquemas já disponíveis. Esses têm que ser modificados. Por O bebê e o enfrentamento do educativo 59 exemplo, na mamada, o bebê percebe que alguns movimentos usados no sugar resultam em mais leite, resultando em nova forma de sugar. Então, a acomodação refere-se a um ajustamento ou reorganização das estruturas feitos pelo indivíduo, diante de uma situação nova. É mudar, transformar-se a partir de uma nova influência. A acomodação é específica, pois é determinada pelo objeto. A assimilação não existe sem acomodação, pois só haverá esquema de assimilação se houver sua adaptação ao objeto. Para Piaget e Inhelder (1998), existem fatores responsáveis pelo desenvolvimento da inteligência da criança: a maturação orgânica, a experiência com os objetos, as transmissões, as interações sociais (educação, linguagem) e o fator de equilibração. A equilibração é fundamental para o desenvolvimento da inteligência, pois regula as ações dos demais fatores. Dolle (1991) explica que, para Piaget, esse processo que pro- move um equilíbrio entre a ação de assimilação e a de acomodação é a equilibração. Então, a criança, desde o seu nascimento, realiza progressivos estados de equilíbrio, pela incorporação de dados aos esquemas de ação (assimilação), como também transforma esses esquemas (acomodação) para adaptar-se ao meio. Como se aprende? Essa é uma importante questão para os edu- cadores. A aquisição do conhecimento acontece a partir da intera- ção entre o sujeito e o objeto. A criança constrói o conhecimento no contato interativo com o meio (físico, social, cultural). Antes do aparecimento da linguagem, Piaget e Inhelder (1998) admitem a existência de uma inteligência prévia. A inteligência, nes- sa fase, ocorre como resultado da adaptação ao mundo pelos movi- mentos e pelos sentidos. O período inicial do desenvolvimento da inteligência é chamado de sensório-motor porque, na “falta de função simbólica, o bebê ainda não apresenta pensamento nem afetividade ligados à representação” (PIAGET; INHELDER, 1998, p. 11). A inteligência 60 Avaliação do impacto e licenciamento ambiental sensório-motora parte dos reflexos inatos e orgânicos, quando os atos da criança não possuem intencionalidade e seus esquemas de ação são rígidos. Na interação com o meio, transforma-se em atos intencionais favorecidos por esquemas muito mais móveis. O período sensório-motor ocorre desde que o bebê nasce. Tem como base os reflexos e a atividade dos sentidos. A evolução da qualidade dessas relações acontece em seis subfases: • exercício dos reflexos (0-1 mês); • reprodução dos resultados interessantes descobertos em rela- ção ao próprio corpo (1-4 meses); • reprodução dos resultados interessantes descobertos em rela- ção aos objetos (4-9 meses); • coordenação meio-fim e aplicação às situações novas (9- 12 meses); • descoberta de meios novos por experimentação ativa (12 -18 meses); • invenção dos meios novos por combinação mental (18-24 meses). Durante a evolução do período sensório-motor haverá, então, no contexto geral, uma evolução progressiva que culmina com a mobi- lidade e intencionalidade dos atos da criança. Uma transformação de esquemas mais rígidos, observados na reação circular primária, que evolui para esquemas mais móveis, demonstrados na reação circular terciária. A criança apresenta uma progressiva combinação cada vez mais rica e numerosa de ações-meio para atingir ações- -fim, surgindo a representação em seus atos. Todas as construções acontecem de forma interdependente. Piaget e Inhelder (1998) manifestam que a adaptação da inteligên- cia ao real está vinculada à estruturação do meio externo, envolven- do objetos permanentes, espaço, tempo e causalidade. O bebê e o enfrentamento do educativo 61 Quando a criança passa a fazer representações mentais, está ini- ciando a segunda das grandes etapas do desenvolvimento descritas por Piaget: o período pré-operatório. Nessa fase, as principais caracte- rísticas são: capacidade de simbolização em diferentes formas, como o jogo simbólico, a linguagem e a imitação. Surgem as primeiras recons- tituições linguísticas de ações, concomitantemente à reprodução de situações ausentes, por meio da brincadeira simbólica e da imitação. Como estamos falando da criança pequena, nós nos restrin- gimos a descrever somente algumas das características principais das duas primeiras fases do desenvolvimento cognitivo citado por Piaget. A seguir, falaremos um pouco das contribuições de Vygotsky. Vygotsky (1998) busca compreender a origem e os processos de de- senvolvimento psicológico ao longo da vida da espécie humana e do indivíduo. Preconizando que o desenvolvimento depende em parte da maturação orgânica, mas é o aprendizado que possibilita os processos internos do desenvolvimento, diz que é o aprendizado que desperta os processos internos do indivíduo, liga o desenvolvimento da pessoa à sua relação como ambiente sociocultural e à sua situação de organismo que não se desenvolve plenamente sem o suporte de outros de sua espécie. Aprendizado, para Vygotsky, significa incluir a interdependência dos indivíduos envolvidos no processo chamado ensino-aprendizagem. Nessas ideias, um conceito fundamental é a mediação: o processo de intervenção de um elemento intermediário numa relação. A rela- ção deixa de ser direta e passa a ser mediada (por lembranças, pessoas, objetos etc.). A relação homem-mundo é uma relação mediada. Vygotsky (1998) destaca as funções psicológicas superiores como uma característica bastante sofisticada da espécie humana. Elas não estão presentes desde o nascimento, mas são frutos dos processos de desenvolvimento, que envolvem a interação do organismo com o meio físico e social em que vive, incluindo o controle consciente do comportamento, a ação individual, pensar, imaginar algo ausente (ex.: o cachorro pode aprender a acender a luz, mas não é capaz de não acender se encontrar alguém dormindo). 62 Avaliação do impacto e licenciamento ambiental Ainda, para o autor, há níveis de desenvolvimento que precisam ser destacados: • Nível de desenvolvimento real (NDR) – capacidade de reali- zar tarefas de forma independente. • Nível de desenvolvimento potencial (NDP) – capacidade de desempenhar tarefas com ajuda. A possibilidade de alteração no desempenho de uma pessoa pela interferência de outra é fundamental nessa teoria. Nem todos se beneficiam da ajuda dos outros: a capacidade de se beneficiar de uma colaboração de outra pessoa vai ocorrer num certo nível de desenvolvi- mento. Uma criança com 5 anos faz torre sem auxílio; com 3, faz com auxílio; com 1, não realiza nem com ajuda. A ideia de ND potencial capta não as etapas já alcançadas, mas as posteriores, nas quais a interferência do outro afeta significativa- mente o resultado da ação. Essa ideia é fundamental para Vygotsky porque atribui importância extrema à interação social no processo de construção do ser psicológico individual. É a partir da postulação desses dois níveis, real e potencial, que Vygotsky define a zona de desenvolvimento proximal (ZDP). • A ZDP é a distância entre o ND real e o ND potencial. Refere- se ao caminho que o indivíduo vai percorrer para desenvolver as funções que estão em processo de amadurecimento. É um domínio psicológico em constante transformação. A ZDP de- fine aquelas funções que ainda não amadureceram, mas que estão em processo de maturação. Na ZDP, a interferência dos outros indivíduos é mais transformadora. Se o aprendizado impulsiona o desenvolvimento, então a escola tem função essencial na construção do ser psicológico. Para Vygotsky (2000), a escola deve ser um motor para os estágios de desenvolvi- mento ainda não incorporados dos alunos. O processo ensino-apren- dizagem na escola deve ser organizado considerando o NDR, num dado momento e com relação a um determinado conteúdo a ser O bebê e o enfrentamento do educativo 63 desenvolvido. O professor tem o papel de interferir na ZDP de seus alunos, provocando avanços que não ocorreriam espontaneamente. 4.4 O espaço educativo e o desenvolvimento cognitivo As abordagens teóricas cada vez mais priori- zam a interação e a estimulação. A intervenção deve ser organizada a fim de desafiar a criança. A solicitação oferecida pelo meio ao bebê deve cau- sar-lhe um desequilíbrio cognitivo, deve despertá- -lo para algo que não saiba solucionar para, então, ser capaz de buscar novas soluções e assim avançar cognitivamente. É fundamental, na atividade escolar, a interação entre crianças e adultos. Tanto o adulto como a criança podem ser mediadores. A qualidade da mediação inclui ambiente rico, relações e estímulos. Ao trabalharmos com o desenvolvimento cognitivo, estamos, ao mesmo tempo, trabalhando com o emocional. Eles são inseparáveis e interinfluentes. Por isso, existem hoje inúmeras atividades a serem propostas à criança pequena no intuito de estimulá-la. A psicomo- tricidade deve ser considerada como forte aliada nesse trabalho. Lapierre (2002) diz que a psicomotricidade considera o ser físico e social em transformação permanente e em interação com o meio, modificando e modificando-se. A psicomotricidade é muito mais do que uma atividade motora: é um caminho, é o desejo de fazer, de querer fazer; o saber fazer e o poder fazer. A partir desses pilares do processo de aprendizagem, Bueno (1998) faz um apanhado da amplitude da psicomotricidade: Prática psicomotora educativa: • condiciona todas as aprendizagens pré-escolares; Vídeo 64 Avaliação do impacto e licenciamento ambiental • leva a criança a tomar consciência de seu corpo e da laterali- dade, a situar-se no espaço, a dominar seu tempo, a adquirir habilmente a coordenação de seus gestos e movimentos. A psicomotricidade relacional, nesta prática, envolve o desen- volvimento emocional, as dificuldades de relacionamento com os outros e situações vinculadas à vivência do corpo, não no sentido racional, mas sim no âmbito psíquico. • Expressão – deve estar incluída em todas as atividades. Por meio dela, a criança exprime seus sentimentos (manifestar). • Comunicação – expressão e comunicação estão intimamen- te ligadas, pois, quando o indivíduo aprende a expressar-se corporalmente, assume sua identidade e relaciona-se com o mundo (ligar – unir – trocar). • Afetividade – é um fator estimulante e necessário para o de- senvolvimento psicomotor. As primeiras comunicações da criança com o meio são de forma psicomotora. • Agressividade – é o resultado de um conflito entre o desejo de afirmação pela ação e os obstáculos e interdições que a afirmação encontra (repressão – introversão e compulsão). • Limites – dar liberdade é resultante entre o proibir e o per- mitir. Um verdadeiro relacionamento deve ser com respeito mútuo entre a criança e o adulto. A psicomotricidade procura ver o sujeito como um todo, fazen- do, na prática, uma junção da área motora com a área psíquica, o que proporciona um desenvolvimento global das potencialidades da criança que é submetida a essas técnicas. Pode-se perceber o quanto a psicomotricidade está relacionada com a aprendizagem, pois o movimento é o meio pelo qual o indivíduo comunica e transforma o mundo que o rodeia. Dessa forma, é possível conhecer a criança na sua individualidade e trabalhar de forma concreta com as suas ações e pensamentos. A psicomotricidade não visa ao movimento isolado, mas sim a toda informação que está por trás desse movimento. O bebê e o enfrentamento do educativo 65 4.5 A organização da escola enquanto espaço educativo A grande meta das sociedades que se preocu- pam com a formação das novas gerações tem sido a busca de ambientes mais favoráveis ao desenvolvi- mento da criança. As creches e escolas têm se esfor- çado no sentido de oferecer um ambiente educativo solicitador das potencialidades infantis. Carvalho, Bonfim e Souza (2004, p. 158) consideram que, na organização do contexto escolar, há que se ter sempre em mente que o bebê é um “organismo biopsicológico, em crescimento e ativo, caracterizado por um complexo sistema integrado de processos psi- cológicos (cognitivos, sociais, afetivos, emocionais, motivacionais), os quais operam em interação mútua”. As relações no contexto educacional, como em qualquer outro, sofrem influências variadas, como a das outras pessoas que estão no mesmo espaço e dos aspectos físicos e simbólicos que permitem ou inibem tanto a interação como o engajamento em atividades. Características essas que são simultaneamente sociais e pessoais, pois, com elas, o bebê (ou uma pessoa qualquer) reage ao ambiente e provoca as respostas dos demais que estão ao seu redor (ex.: um bebê calmo, um bebê inquieto, uma pessoa muito irritada, ou des- motivada etc.) (BROFENBRENNER, 2002). As colocações de Brofenbrenner nos reportam a analisar não só as variáveis ligadas ao bebê no processo educativo, mas de todas as pessoasque estão de alguma forma ligadas a ele, como pais, aten- dentes e educadores. Os aspectos emocionais e relacionais de todos são determinantes e podem influenciar a evolução do bebê. A organização do espaço educativo para o atendimento do bebê inclui a busca de um equilíbrio entre o prazer de estar com a criança e a competência profissional, para atingirmos tanto a dimensão do Vídeo 66 Avaliação do impacto e licenciamento ambiental desenvolvimento cognitivo quanto o emocional do bebê. Isso impli- ca disponibilidade e criatividade na organização da estrutura. Então, ao se pensar no enfrentamento do processo educativo com bebês, temos que estabelecer uma rede complexa de conside- rações que vão muito além de um espaço físico adequado. Deve-se procurar articular as interfaces que podem favorecer ou impedir o bom desenvolvimento da criança. Dica de estudo • WINNICOTT, Donald. Os Bebês e suas Mães. São Paulo: Martins Fontes, 2006. Esse livro apresenta de forma singular os detalhes das primei- ras relações mãe-bebê e as diferentes formas como podem se estabelecer, destacando as consequências para a formação da personalidade da criança. Atividades 1. Retire do capítulo, na parte que trata do desenvolvimento emocional, quatro pontos que lhe chamaram a atenção ou que você considerou importantes e registre-os abaixo. 2. Retire do capítulo, na parte que trata do desenvolvimento cognitivo, quatro pontos que lhe chamaram a atenção ou que você considerou importantes e registre-os abaixo. 3. Agora, correlacione esses itens que você selecionou nas duas perguntas anteriores com a organização do processo educativo de bebês em creches ou escolas de educação infantil. Pense em como considerá-los na prática diária. Registre suas conclusões. 5 Sobre a educação da criança Irene Carmem Piconi Prestes Eu acho que somos todos diferentes, mas somos amigos. É muito melhor, eu acho. Daniela, 9 anos, 2000 Neste texto partimos do referencial da Psicologia do desenvolvi- mento humano para destacar um momento específico – a infância –, visando estabelecer a distinção entre o ser infantil e o adulto, com- preendendo a importância da interação entre eles e sua articulação aos atos educativos para um desenvolvimento biopsicossocial sau- dável da criança. Falar do desenvolvimento infantil é falar de educação da criança, é pensar em como se dá o processo de evolução e de transformação no ser humano. De como a criança cresce e desenvolve-se sob o pano de fundo do mundo atual, quais as interferências étnicas e culturais, de seu meio familiar que o constituem subjetivamente. E, ainda, pensar qual significado e sentido tem para cada criança seu processo educativo. O desenvolvimento do ser humano é complexo e distinto nos seus vários aspectos: físico, cognitivo, social e psíqui- co, entende-se dessa maneira que ser infantil é construir nas relações laços afetivos, psíquicos e sociais, o que quer dizer que a criança não aprende por si mesma. Para que uma criança tenha existência, no campo humano, sa- bemos que ela deverá estabelecer uma relação afetiva com um adul- to que lhe ofereça um lugar de reconhecimento, de valorização de sua história pessoal, enquanto sujeito de desejo e de pertencimento, dando-lhe um nome e sobrenome que o representa individualmente 68 Psicologia da Educação e diz a que família pertence, diz da história familiar. Desse modo, a primeira relação essencial é com a mãe, ou aquele que está no lugar de cuidador da criança. Esse é o processo de constituição subjetiva do sujeito, que se inicia antes do nascimento, quando se esteve pre- sente no discurso dos pais e dos familiares. Acrescentamos um outro dado que aponta para a interação entre o aspecto físico e social para um desenvolvimento saudável, a partir de pesquisas sobre o desenvolvimento do cérebro do bebê apresen- tadas por Cunha (2002, p. 354), que diz: Faz pouco, ficou-se sabendo que o bebê não é uma tábula rasa ou uma massa informe moldável segundo os desejos do adulto. Até bem recentemente, não era acessível e ge- neralizado o conhecimento da enorme atividade e com- plexidade do cérebro do bebê. Também não se sabia quão flexível o cérebro pode ser! De quinze anos para cá, os neo- natologistas, agregando conhecimentos de outras discipli- nas, principalmente da neurociência, vislumbram a possi- bilidade de explicar cientificamente quem eram realmente os bebês sob seus cuidados. Na verdade, os neurocientistas se encarregaram de mostrar que a determinação genética que organiza o cérebro do bebê é importante até 21 sema- nas de gestação. A partir de então e principalmente após o nascimento (prematuro ou a termo), a experiência (epige- nética) vivenciada desde os primeiros momentos, meses e até três anos, pelo menos, tem um impacto tão grande na arquitetura do cérebro, a ponto de se estender às capacida- des e habilidades do futuro adulto. A partir do nascimento, na relação do bebê com sua mãe, a criança mobiliza-se em uma dinâmica interna quando investe nela própria, quando faz uso de si mesma como um recurso, quando é posta em movimento, por motivos internos e externos que remetem a um desejo, a um sentido, a um valor. Vale lembrar que essa dinâmica supõe uma relação interati- va com o outro, com o mundo, onde a criança encontra metas desejáveis, meios de ação e outros recursos que não ela mesma. Sobre a educação da criança 69 Assim, aprende a viver segundo as normas, valores, leis já estabe- lecidas e relacionamentos já estruturados no campo sociocultural. Tendo por referência a dimensão “psi “ pela via psicanalítica, temos que psiquicamente o sujeito encontra-se alienado ao discurso do outro, na palavra, no diálogo, inaugurando-se, assim, a subjetivi- dade. Essa alienação primordial se dá no processo de educar, inicial- mente, com a mãe, pois, educar é, de acordo com Jerusalinski (1995, p. 6), “transmitir a demanda social além de seu desejo (dos pais)”. É por isso que se pode dizer que o sujeito representa-se no cam- po sociocultural, tem um lugar possível na sociedade, reconhece-se como pertencendo a um grupo social, que lhe deixou e deixa mar- cas, inscrições subjetivas: como os ideais paternos, a moral, a ética. É por isso que se pode dizer, educa-se com um discurso que seja capaz de incluir o sujeito na cultura. 5.1 A estruturação psíquica e o espaço educativo O sujeito, no diálogo, revela uma dupla dimen- são conhecida e desconhecida, consciente e incons- ciente, no enunciado e na enunciação, em que o que eu digo remete ao sujeito da enunciação, falando de sua alienação ao discurso do outro. Há um sujeito que fala e não sabe o que diz; ao falar, posiciona-se no discurso em função da organização de seu desejo, dessa verda- de silenciosa, de significado e sentido consciente e inconsciente. O poema “Autoretrato”, de Cecília Meireles (1983, p. 106), aponta para essa dimensão psíquica. Se me contemplo, tantas me vejo, que não entendo quem sou, no tempo do pensamento. Vou desprendendo Vídeo 70 Psicologia da Educação Elos que tenho, Alças, enredos... E é tudo imenso... Formas, desenho Que tive, e esqueço! Falas, desejo E movimento – a que tremendo, vago segredo ides, sem medo?!... Assim, é o sujeito que, na fala, diz de si, e não consegue dizer tudo, sempre há algo a mais que gostaria de complementar, que “eu não sei bem o que é”, “você não me entendeu”, “o que eu queria dizer é...”. Diz do modo como se representa subjetivamente, diz do seu desejo inconsciente. Cabe-nos ouvir o desejo, os seus efeitos, pois o desejo é sempre desejo de outra coisa, regido por um valor de troca; esse fenômeno repete-se na transferência. “Que procuras? Tudo. Que desejas? Nada”. Viajo sozinha com meu coração. Não ando perdida, mas desencontrada. Levo o meu rumo na minha mão. Na poesia “Despedida”, Cecília Meireles (1983) revela seu estilo poético ao falar de questões humanas, quando discorre sobre o desejo, que é movimento de desejar, atemporal, sem objetoque lhe satisfaça. Seguindo a referência psicanalítica, o desejo constrói-se no pro- cesso de subjetivação do sujeito, o qual decorre das emoções que se diferenciam a partir do corpo, no processo do estádio do espelho. A construção da imagem de si mesmo teve início na constituição da imagem corporal, no momento do espelho. O corpo assume uma significação de outra ordem que não apenas a corpórea, assume uma carga afetiva e uma significação relacional entre mãe-bebê, de cunho imaginário, permitindo-lhe entrar em relação com os outros. Esse processo de subjetivação está acontecendo por volta dos seis aos dezoito meses, descrito por Lacan (1998, p. 97) como o es- tádio do espelho, quando da “assunção jubilatória de sua imagem Sobre a educação da criança 71 especular por esse ser, ainda mergulhado na impotência motora e na dependência da amamentação, que é o filhote do homem”. A psicanalista de crianças Dolto (1999, p. 17) também descreve este estágio do espelho que vivencia o bebê; diz: Assim, quando ela se olha no espelho, ela vê um bebê e fica radiante: finalmente um bebê nesse mundo de adultos, como se estivéssemos num parque. Ela avança para o espelho e na- turalmente quebra a cara, só encontra o frio. Ela fica fascina- da com essa experiência que, principalmente se a mãe chega, lhe ensina que é ela mesma que dá a ver essa imagem pareci- da com as crianças do parque. De resto, se a criança já se dá um nome – Dudu ou seu verdadeiro nome – nunca chama a imagem do espelho por esse nome, mas chama “nenê”. Ela se dirige ao “nenê” e não à sua própria imagem. Cabe à mãe, no processo de educação do filho, dizer-lhe que essa é a sua imagem, para que o bebê possa aprender que aquela é a sua imagem projetada no espelho. Começa, assim, o processo de com- preensão da criança, de si mesmo, e do mundo ao seu redor. Estamos discorrendo sobre a estruturação psíquica e o ato edu- cativo das crianças e, no processo de construção do ser adulto, pode- mos afirmar que a tarefa educativa iniciou-se com os pais, segundo Petri (2003, p. 50): Pode-se dizer, então, que são os pais, enquanto agentes da linguagem, portadores de um desejo em nome próprio, não anônimo, que iniciam a tarefa educativa. Essa tarefa é en- tendida como a execução de práticas filiatórias, como trans- missão de uma filiação simbólica, desde antes do próprio nascimento da criança [...] desde aí a educação já opera. E na escola, onde se transmitem conhecimentos revestidos de valor [...] na nossa cultura, a criança, autorizada pelos pais, continua seu percurso educativo [...] Destaca a autora que, nesse processo de educação, os pais desem- penham, para a estruturação psíquica do filho, para a sua subjetiva- ção, papéis essenciais para que o sujeito coloque-se em relação com 72 Psicologia da Educação o outro, na sociedade, na escola. Desse modo, os efeitos dessa educa- ção primeira põem em marcha o desejo do sujeito que é movimento, ação em direção ao mundo. E, na escola, como pensar a educação? E como a criança aprende? A psicanalista Dolto (1999, p. 11) res- ponde a essas questões e nos faz um importante alerta: Assim, quando os professores primários querem que as crianças olhem para eles, perdem 50% de sua atenção. Para nós, adultos, é o contrário: gostamos de olhar para a pessoa com quem estamos falando. Quanto à criança, se ela está com as mãos ocupadas com alguma coisa, se está folheando um livro, uma revista ou história em quadrinhos, ou se está brincando de alguma coisa, esse é o momento em que ela escuta, que escuta fantasticamente, tudo o que se passa à sua volta. Ela escuta “de verdade” e memoriza. Com base no exposto acima tem-se que a tarefa do educador é encaminhar a criança o menos coercitivamente possível a uma saída cultural aceita no social. De onde podemos concluir que a aprendi- zagem não é uma aquisição exclusiva recebida na escola, a criança aprende o tempo todo, com tudo e todos ao seu redor. Nesse sentido nos diz Lima (2002, p. 179) que “o ato educacional é sustentado etica- mente por um sujeito (educador) desejante que se relaciona com uma criança, também sujeito desejante”. O educador deverá adotar atitudes coerentes com os valores que deseja transmitir, essa é a melhor manei- ra de educar pela via da ética. 5.2 O lugar social da criança Ao revisitarmos os caminhos da infância, ve- rificamos que a criança tem ocupado diferentes posições de acordo com as expectativas e atitudes dos adultos frente a ela. E sua leitura do mundo é muito particular, como vemos a seguir no desenho de um garoto de seis anos que, discorrendo sobre o sentimento de felicidade, usa o recurso do desenho para expressar sua interpretação da felicidade. Vídeo Sobre a educação da criança 73 Figura 1 – Felicidade Fonte: Prestes, 2001. p. 25 O historiador Phillipe Ariès (1978) ressalta que a infância entrou na história pela educação, já que a criança e a escola surgem ao mesmo tempo. No período entre 1500 a 1600, não havia distinção entre a criança e o adulto. Tão logo a criança adquirisse alguma desenvoltura, era incorporada ao mundo do adulto. Vale lembrarmos que o vestuário infantil reproduzia o modelo dos adultos: eram miniaturas das roupas dos adultos. A partir de 1600, constatam-se as primeiras transformações, no sentido de reconhecer o lugar da criança como sendo diferen- te e distinto do adulto. Uma das primeiras ações para marcar a di- ferença entre eles é a separação dos ambientes frequentados pelos adultos e pelas crianças. Nas conversas entre adultos, as crianças não participam, e há o cuidado de não as tomar como objetos de piada, de gozo do adulto. Passa-se a compreender que o modo de ver o mundo, de se posicionar diante das coisas ao redor é próprio do infantil, como a estória que nos conta William, oito anos, quando descreve sobre o susto usando do recurso gráfico e do desenho. Sua estória é marcada por encontros entre animais machos e fêmeas, quer dizer, revela saber da diferença entre os sexos e da necessidade de interação entre eles. 74 Psicologia da Educação Figura 2– O susto de William Fonte: Prestes, 1999. Já no período de 1700 a 1800, observa-se um salto qualitati- vo nas preocupações do adulto para com a criança. Destaca-se, nesse período, o desenvolvimento da Medicina, especialmente da Puericultura, voltada aos cuidados básicos com a criança em higie- ne e alimentação, e da Psicologia do Desenvolvimento Infantil, na busca por atender às necessidades da infância para um crescimento saudável biopsicossocialmente. Verifica-se uma progressiva valori- zação do lugar da criança. Sobre a educação da criança 75 É a partir de 1900 que se verifica a mudança de tratamen- to infantil, passando a ser objeto de interesse, de investimento socioeconômico-político. Observa-se novas atitudes no contexto familiar para com a criança, desde a gestação até o nascimento. Há visíveis alterações na condição social da criança. Há preocupa- ção com a escolarização, com o fracasso escolar e a evasão escolar. Há preocupação com o trabalho e a prostituição infantil, bem como maior atenção à violência e ao abuso no contexto familiar. Ainda, questiona-se a competência dos pais em educar seus filhos. Atualmente, ao pensarmos sobre o lugar social da criança, ob- servamos que não é mais de privilégio frente ao adulto e, sim, de um “mal-estar”. O adulto não sabe como tratar com a criança e com o adolescente no contexto social. Não se tem um saber sobre como tratar bem as crianças sustentadas apenas nos laços familiares e so- ciais. Algumas ações têm sido organizadas na tentativa de mini- mizar esse “mal-estar” e instrumentalizar o adulto na educação da criança. Verifica-se desse modo um incremento nas ações jurídicas e de assistência social em nome de uma suposta “preocupação com a criança”. Em 1990, cria-se o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, que apresenta os direitos dos sujeitos, nessas faixas etárias, ameaçados por uma família e poruma sociedade. A criança também passou a ser foco do olhar de uma sociedade de consumo. O que nos parece hoje é que a relação da criança com o outro, no processo de educar, revela-se ambígua e contraditória. Ainda, a criança é o que acreditamos que ela seja, o reflexo do que queremos que ela seja. Estamos todos ligados pelo fato de o que o outro é, em relação a nós. Considerando as ideias acima expostas, entende-se que a crian- ça aprende de acordo com sua percepção do mundo, a partir das identificações que pode estabelecer na relação com o outro, as quais estruturam o seu eu psíquico. O brincar e o jogar passam a ser im- portantes instrumentos de mediação da criança com o mundo e possibilitam a emergência da criatividade de cada pessoa, o que a 76 Psicologia da Educação habilita a lidar com outros aspectos da sua vida. No ato de jogar, no sentido de brincar, a criança trabalha refletindo questões do mundo interno e externo. Por exemplo, no jogo de faz de conta, no jogo de xadrez, na brincadeira de fazer bolinhos de barro, vemos que são ati- vidades lúdico-motoras que têm um significado e um sentido dentro de um contexto, têm um significado veiculado pela cultura. Por fim, cada contexto sociocultural constrói uma imagem do jogo, da brin- cadeira, conforme seus valores e modo de vida, que se expressam numa linguagem. 5.3 Tarefa educativa do adulto para com a criança A seguir, apresentamos algumas indicações no sentido de instrumentalizar o adulto sobre a educação da criança que foram adaptadas de dois livros: Pais e Filhos: companheiros de viagem (SHINYASHIKI, 1992) e O Desenvolvimento Psicológico da Criança (DELDIME, 1999). Do nascimento aos 3 anos: poder de existir Tarefa educativa dos pais • Sentir-se desejada, amada e neces- sária. • Receber cuidados, proteção e segu- rança. • Ser apreciada, aceita e fazer parte do grupo. • Ter a oportunidade de explorar, brin- car e aprender a cuidar de si mesma (vestir-se e usar banheiro aos 2-3 anos). • Repousar durante o dia. • Dormir cerca de 12 horas por noite. • Faça com que as coisas permaneçam positivas – diga “não” e, em seguida, o que a criança deve fazer. • Use prêmios antes e consequências imediatamente. • Ignore um mau comportamento que não esteja prejudicando ninguém, quando a criança é pequena. • Conforte-a nas carências. Vídeo Sobre a educação da criança 77 Dos 4 aos 7 anos: poder de pensar Tarefa educativa dos pais • Conversar com os pais e ser ouvida. • Compreender normas e valores. • Carinho: é muito afetiva nessa idade. • Dormir cerca de 11 horas por noite. • Saber sobre diferenças entre sexos. • Muita atividade física. • Independência cada vez maior. • Iniciativa e imaginação. • Tenha normas coerentes de disci- plina. • Enuncie as normas especificamente e com clareza. • Defina as normas antes que os pro- blemas surjam. • Dê possibilidade de optar. • Equilibre os direitos e deveres dos filhos e dos pais. Dos 7 aos 12 anos: ter habilidades Tarefa educativa dos pais • Grande atividade física. • Estabelecer as bases para a adoles- cência. • Relacionar-se com os pais harmonio- samente. • Aumentar o círculo de amizades. • Sentir-se parte importante da família, por exemplo, tendo alguma tarefa do- méstica sob sua responsabilidade. • Estar bem no grupo de amigos (Aten- ção! Podem oferecer cigarro, álcool e outras drogas). • Desenvolver raciocínio lógico. • Maior independência. • Supervisione o cumprimento do que foi estabelecido. • Acostume seus filhos a dizerem onde estarão e com quem. • Não esqueça de ter sempre um tem- pinho diário para conversar com eles. • Alerte sobre a possibilidade de ofere- cerem drogas a seus filhos. • Dê aos seus filhos a segurança de que, ao dizer “não“, eles não perderão o amigo. • Peça-lhes que comuniquem a você se isso ocorrer. • Supervisione a higiene pessoal. • Tolere pequenas rebeldias. 78 Psicologia da Educação Na adolescência: poder de ressignificar Tarefa educativa dos pais • Amor, afeto e segurança. • Ambiente familiar tranquilo, que dê suporte às frequentes crises de inse- gurança e de identidade. • Pertencer a um grupo de amigos positivos e saudáveis. • Privacidade e respeito. • Projeto de vida e objetivos imediatos e claros. • Respeito e compreensão em relação às dificuldades que atravessa. • Liberdade para tomar decisões e agir nos aspectos para os quais já apre- senta maturidade e capacidade. • Limites que o ajudem a se proteger da própria imaturidade e onipotência. • Responsabilize-os por atos inade- quados. • Dê afeto, tenha compreensão. • Seja justo e equilibrado. • Dê atenção a seus momentos de mau humor, mudez absoluta, cara feia, resmungos. • Faça-os respeitar as normas vigentes na família. • Estimule, positivamente, buscando diminuir a insegurança e a baixa autoestima natural da idade. • Seja coerente quanto às normas de disciplina. • Ressalte as vitórias escolares, espor- tivas e sociais. • Busque oportunidades de diálogo sempre. • Respeite quando expressarem inde- pendência. Fonte: Adaptado de SHINYASHIKI, 1992 e DELDIME, 1999. Apresentar a vida e o mundo à criança é tarefa do adulto. Segundo as ideias de Shinyashiki (1992), os pais apresentam o mundo aos fi- lhos como “anfitriões” que são, deste mundo, antes de o filho existir. Abre-se desse modo a possibilidade de o sujeito conhecer e reconhe- cer-se no mundo, e abrir-se para fazer novos laços afetivos e sociais, para além dos familiares, à sua maneira própria de ler e significar o mundo. Vale a pena refletir sobre: que tipo de lugar tem-se oferecido à infância? Para concluir, entende-se que a infância é a idade das possi- bilidades, das inscrições. Assim, pudemos discorrer sobre alguns pontos da educação da criança e seus desdobramentos subjetivos. Sobre a educação da criança 79 Podemos projetar sobre a criança a esperança de mudança, de transformação social e de renovação ética. A criança nos estimula, nos convida a olhar através dela, para o universo externo e o in- terno. Convida-nos a refletir sobre a nossa infância, nossos pais, sobre a nossa história. Dica de estudo • BOYNE, John. O Menino do Pijama Listrado. São Paulo: Cia das Letras, 2007. Essa obra discorre sobre o holocausto. O personagem princi- pal, Bruno, desconhece sua real situação de vida, quer dizer, que seu país está em guerra e que sua família está envolvida no conflito com os judeus. Bruno compreende que foi obriga- do a deixar sua casa e mudar-se para uma região abandonada, onde ele está sozinho, sem amigos para brincar. Da janela do seu quarto, pode ver uma cerca, e, para além dela, centenas de pessoas de pijama. Bruno conhece Shmuel, um garoto do outro lado da cerca. No desenrolar da trama Bruno vai aos poucos tentando elucidar o mistério que ronda as atividades de seu pai. Atividades 1. Retire do capítulo três pontos que explicam o ato de brincar na infância, para um desenvolvimento saudável social, afeti- vo e cognitivo, registre-os abaixo. 2. Retire do capítulo três pontos que justificam a importância da tarefa educativa dos pais. 6 O fracasso escolar nos dias de hoje Irene Carmem Piconi Prestes O sujeito sofre da desestima na qual está preso por não estar à altura de suas aspirações, ele sofre também com a depreciação, quando não com o desprezo que lê no olhar dos outros. Ora, sabemos bem que lugar ocupa o sucesso social no espírito de nossos contemporâneos! Anny Cordiè O propósito deste texto é pensar o tema do fracasso escolar nos dias de hoje, tendo por referência a dimensão psicológica e sua con- tribuição à educação e ao contexto escolar. Esse tema nos aflige e queremos soluções. Salientamos que são inúmeros os aspectos que devem ser considerados no fracasso escolar, que demonstra ser um fenômeno que não dá mostras de esmorecer. Assim, alguns questionamentos: o que acontece no espaço es- colar, nas salas de aula, na relação professor-aluno, que escapa a uma percepçãoobjetiva? Para que serve a escola para o aluno? Será que o educador consegue mostrar ao aluno para que serve a escola? O que acontece no campo relacional professor-aluno que interfere no sucesso ou fracasso escolar? Poderíamos dizer que há espaço para a subjetividade no contexto escolar? Refletir sobre esses interrogantes nos remete à tarefa educativa e, em última instância, nos remete aos aspectos interativos entre professor-aluno-escola e à dimensão psíquica (afetiva-emocional), os quais permeiam as situações de aprendizagem. Neste texto prioriza-se o olhar do campo “psi” na educação, afim de que se possa compreender o que significa o fracasso escolar e 82 Psicologia da Educação quais as possibilidades de intervenção em situações de fracasso esco- lar. Entende-se que os aspectos subjetivos (expectativas pessoais, re- lação com a autoridade, valor atribuído ao aprender, afetividade) da personalidade que perpassam os eventos relacionais estão presentes no contexto da escola, da sala de aula, da relação professor-aluno. Destaca-se que, do ponto de vista da dimensão “psi”, importa a maneira como o aluno vive e interpreta, inconscientemente, sua experiência escolar num dado momento de sua história escolar. Ainda, vale lembrar que definimos educação como um sistema aber- to que “se elabora no próprio movimento através do qual eu me cons- truo e sou construído pelos outros, esse movimento longo, complexo, nunca completamente acabado” (CHARLOT, 2000, p. 52). Já há algum tempo vemos que em cursos de capacitação e reci- clagem ofertados em larga escala, surgem teorias e mais teorias – algumas delas estranhamente transformadas em métodos – tentan- do dar conta das razões que levam alguns alunos a fracassarem em seu percurso escolar. Está em situação de fracasso escolar o aluno que não acompanha a proposta curricular, a qual diz o que é ne- cessário aprender, define a sequência certa e em quanto tempo o aprendizado deve ocorrer. Tradicionalmente, a noção de fracasso escolar, segundo Charlot (2000, p. 14), “é utilizada para exprimir tanto a reprovação em uma determinada série quanto a não aquisição de certos conhecimentos ou competências”. O que significa dizer que o fracasso escolar é tomado como desvio do padrão ou deficiência sociocultural. Observamos que todos esses esforços pedagógicos fracassam e a questão continua a assombrar os educadores: Por que, afinal, um determinado aluno não aprende? Quais as razões para o aluno não aprender? O fracasso escolar nos dias de hoje 83 Na tentativa de encontrar uma resposta inicia-se o processo de busca de resolução do problema do fracasso escolar, geralmente na criança – especialmente sobre o que, supostamente, faltaria nessa criança – com as hipóteses tradicionais, sobre as carências intelec- tuais, afetivas, cognitivas, orgânicas, motivacionais ou, ainda, os im- pedimentos de fundo biológico, quer sejam neurológicos, psíquicos, mentais, físicos ou funcionais. O que pudemos concluir, com base nos estudos realizados sobre o tema do fracasso escolar é que são múltiplas as causas, podendo decorrer de questões pessoais, algu- mas de ordem psíquica ligadas à própria estrutura do sujeito, à his- tória pessoal; outras dependem das contingências às quais o aluno está submetido. Neste texto, em particular, faremos uma digressão, a partir dos saberes da psicologia e da psicanálise, acerca das questões que envolvem o fracasso escolar em crianças ditas “normais”. 6.1 O saber medicalizante e o fracasso escolar O viés estabelecido, a partir da leitura médica, é fortemente influenciado pelo saber médico posi- tivista, que condiciona de forma inexorável causa e efeito, o que nos conduz na direção de um sa- ber linear e absoluto sobre o corpo humano e seu funcionamento. Assim, tem o médico o poder de saber e de identificar os males que afetam o corpo e curá-lo de determinada doença. O que se quer é apontar a doença, o distúrbio, e acaba-se desconsiderando a pes- soa, o doente. E, quando não se consegue identificar a causa, como fica a cura? Isso, hoje, mostra-se também como algo possível, quan- to ao saber “inquestionável” do médico no que diz respeito à Aids (síndrome da imunodeficiência adquirida), às alergias, às neoplasias (câncer), muitas sem cura até o momento. Vídeo 84 Psicologia da Educação Queremos destacar que as pesquisas sobre a medicalização, sob o ponto de vista da escola (COLLARES, 1997, p. 65-66), demonstram que, estranhamente, esse discurso também é praticado, repetido e validado por alguns profissionais de saúde que parecem partir do mesmo paradigma. Vejamos alguns exemplos de falas obtidas nessas pesquisas que confirmam essa afirmação, proferidas por um profes- sor, um médico e um nutricionista: “A má alimentação é a causa do fracasso escolar, porque a desnu- trição afeta o cérebro”. “As consequências da desnutrição, como é de se esperar, são desastrosas para o futuro escolar, já que este tem sua capacidade mental lesada”. “Uma criança desnutrida já nasce com sequelas, com pouco poten- cial, não recuperando as condições necessárias a um melhor desenvol- vimento da aprendizagem”. Essas afirmações demonstram as convicções que têm seus profe- ridores acerca da causa do fracasso escolar, e, em momento algum, questionam outros pontos ou levantam qualquer dúvida sobre a par- ticipação da escola nesse evento, a relação professor-aluno, as ideias e as expectativas escolares. Atualmente, temos questionado o discurso médico como marca de saber absoluto, de detentor da verdade e da certeza do conheci- mento científico. Agora, o olhar do médico deve se voltar ao doente, à sua pessoa. A pergunta inicial deixa de ser: quais são os seus sintomas? O que dói em você? E vai na direção de se buscar saber: quem é você que relata essas queixas? Como você se vê com esses sintomas? Parece- nos evidente que as manifestações psicossomáticas, ao se tornarem cada vez mais frequentes, impuseram uma mudança na prática dis- cursiva médica. Essa nova prática deverá direcionar o olhar do aten- dimento médico para a clínica interdisciplinar, com uma equipe de O fracasso escolar nos dias de hoje 85 especialistas na investigação diagnóstica da doença de determinado paciente e a definição de um plano de intervenção de tratamento também interdisciplinar. Isso com seus desdobramentos para outros discursos, por exemplo, o educativo. 6.2 Fracasso escolar e o contexto social É possível estabelecer uma analogia entre o saber medicalizante e o fracasso escolar, quer di- zer, entre a prática médica e a educativa, acerca da particular visão que têm do exercício profissional médico e educativo. É curioso notar que o discur- so medicalizante impregnou o cotidiano relacional escolar. Ainda, vale a pena destacar que a doença e o fracasso escolar podem ter sido produzidos num dado momento sócio-histórico- -cultural e que, ainda hoje, imprimem uma determinada postura, um estilo de clínica para alguns médicos e professores, mas afirmar que a origem do fracasso escolar é social é um engano. O campo da Psicologia e da Psicanálise entendem que, para compreender o fracasso para além desse círculo vicioso de causa- -efeito, tem-se que operar com um sistema de relações sócio-his- tórico-culturais presentes durante a história pessoal do aluno em situação de fracasso. Entendendo que são vários os aspectos a serem interrogados para a compreensão e diagnóstico do fracasso escolar. Salienta-se, neste momento, outro aspecto que é a relação do fracasso com o contexto social. Tem-se que na sociedade atual, ca- pitalista, a pobreza é vista como fracasso social, fracasso de vida. Destarte, tem-se que considerar o caráter pessoal, também presente no fracasso, já que cada pessoa expressa psiquicamente (afetiva e emocional) seu mal-estar numa época em que o capital é tão impor- tante, em que os bens materiais e o sucesso social são valores tidos como fundamentais para o homem. É pertinente aqui situarmos Vídeo86 Psicologia da Educação o leitor na compreensão da subjetividade. Assim citamos Charlot (2000, p. 22), que diz: somos levados [...] a distinguir a posição subjetiva. A no- ção de posição remete à de lugar (no sentido em que um exército toma suas posições), mas também à de postura (no sentido de: uma má posição provoca fadiga). A posi- ção dos pais, ou da própria criança, é a que ocupam mas, também, a que assumem, o lugar em um espaço social mas, também, a postura que nele adotam. O lugar obje- tivo, o que pode ser descrito de fora, pode ser reivindica- do, aceito, recusado, sentido como insuportável. Pode-se também ocupar outro lugar na mente e comportar-se em referência a essa posição imaginária. Ou seja, não basta saber a posição social dos pais e dos filhos; deve-se tam- bém interrogar-se sobre o significado que eles conferem a essa posição. Assim, temos que o campo subjetivo refere-se a uma certa ma- neira do sujeito de recortar, de interpretar inconscientemente sua vivência, sua experiência na sociedade. Num outro dito de Charlot (2000, p. 17) sobre a questão do lugar e da posição subjetiva do sujeito no discurso social tem-se que não se deve esquecer, no entanto, que a existência escolar do aluno em situação de fracasso traz a marca da diferença e da falta: ele constrói uma imagem desvalorizada de si ou, ao contrário, consegue acalmar esse sofrimento narcísico que é o fracasso etc. O fracasso é estudado “de dentro”, como experiência do fracasso escolar. Outro aspecto que fornece dados à compreensão do fracasso escolar é localizar o momento na história em que as crianças foram levadas à escola. Sabemos que, no período entre 1880 a 1918, houve um es- trondoso desenvolvimento industrial e econômico e ocor- reram os movimentos imigratórios nos Estados Unidos e na Europa; frente às novas organizações da sociedade buscou- -se a escolarização das crianças, filhos dos trabalhadores, em escolas O fracasso escolar nos dias de hoje 87 públicas. Acrescenta-se, aqui, que a instrução laica e obrigatória foi estabelecida por Jules Ferry em 1880. Lembramos, nesse período, a utilização dos testes psicométricos de inteligência, os quais determinam uma medida numérica válida ao coeficiente de inteligência de cada indivíduo, que indicavam a idade escolar, a condição da criança para frequentar a escola regular pública. Cabia ao professor a tarefa de transmitir os conteúdos programá- ticos preestabelecidos ao aluno, atendendo às propostas da escola. Os objetivos educacionais deveriam ser selecionados e organizados em disciplinas, bem como a quantidade de conhecimento definido. Destaca-se aqui a valorização dos aspectos cognitivos com ênfase na memorização e na produtividade do aluno sob a forma de um com- portamento de entrada e de saída, atendendo a um modelo de aluno que deve ser processado como um produto fabril, de acordo com a visão do projeto curricular industrial e econômico (BOBBIT, 1971). Destarte, com o exposto acima, verificamos ações discrimina- tórias para o ingresso, permanência e sucesso escolar aplicadas às classes ricas e às pobres de uma sociedade hierarquizada. 6.3 Fracasso e contexto escolar Façamos um resumo dos apontamentos apresentados até aqui. Vemos que o discurso medicalizante e o contexto social são aspectos a serem pensados na investigação diagnóstica do fracasso escolar. É curioso como esse discurso social e médico de cunho positivista impregna o cotidiano relacional escolar, tomando espaço nos discursos da escola, nas relações professor-aluno, determinando percepções e alienando aqueles que aderem aos seus pressupostos da causa-efeito, de desconsideração da pessoa, da afetividade e da subjetividade. Assim, creditam à criança a responsabilidade pelo fracasso na caminhada da Vídeo 88 Psicologia da Educação aprendizagem, mas não tocam em um ponto específico: o contexto escolar. • Ora, qual é o papel da escola? • Qual a relação do fracasso escolar e o contexto escolar? • Para que serve a escola para o aluno? • Qual é a responsabilidade da escola nesse processo? Por que estranha razão a escola se cala diante de questões intrín- secas ao funcionamento, que afetam, sobremaneira, o desempenho escolar dos alunos e até mesmo dos professores? Segundo Charlot (2000, p. 16), o fracasso escolar não existe; o que existe são alunos fracas- sados, situações de fracasso, histórias escolares que termi- nam mal. Esses alunos, essas situações, essas histórias é que devem ser analisadas, e não algum objeto misterioso [...], resistente, chamado de fracasso escolar. Desse modo, questionamos alguns mecanismos institucionais que atravessam as práticas educacionais e os discursos dentro dos muros escolares, por exemplo, o das propostas pedagógicas, o da formação das salas de aula, da distribuição dos professores, das sé- ries e das turmas. Na verdade, passa a ser um direito informal do professor mais experiente receber a “melhor” sala, com os alunos que se destacaram no ano letivo anterior, enquanto a sala “fraca” fica, usualmente, com o professor recém-formado ou recém-chegado na escola. O resultado é previsível, ou melhor, as dificuldades relacionais, de aprendizagem, em breve aparecem e aí o professor terá que con- tar com a colaboração dos colegas (professores, pedagogos, diretor) para adequar sua prática educativa. Quando a situação não é resol- vida entra em cena o especialista, médico, psicólogo, fonoaudiólogo ou o terapeuta ocupacional. O fracasso escolar nos dias de hoje 89 A autora Collares (1996, p. 15-16) relata um caso que ilustra a relação do fracasso com o contexto escolar e seus complicados des- dobramentos, é o caso Reginaldo: Uma professora de primeira série encaminhou para con- sulta médica o Reginaldo, criança de oito anos e oito me- ses, repetente. A professora disse à mãe de Reginaldo que “ele deve ter problemas na cabeça, pois não aprende, então precisa levar ao médico”. Na anamnese, constatou-se que Reginaldo sempre foi uma criança absolutamente normal, em termos de saúde física e mental, apresentando padrões de desenvolvimento neuropsicomotor e cognição compatí- veis com a normalidade. A mãe não sabe se a criança tem problemas e não consegue entender, pois ninguém nunca percebeu nada até que ele entrasse na escola, não existindo diferenças entre ele e seus oito irmãos. Relata que “é um pouco nervoso, mas nada que chame a atenção; e, em casa, é muito sabido, aprende tudo até demais, até o que não deve; não sabe fazer conta, mas me ajuda fazendo as compras e conhece direitinho dinheiro, sabendo fazer o troco; eu não entendo, porque acho que quando uma pessoa é ruim da ca- beça, não tem raciocínio para nada”. O pai acha que o filho é normal. No ano passado, Reginaldo foi reprovado porque, segundo a professora, era “muito novinho, ainda imaturo”. Anteriormente, a professora já havia encaminhado a um outro serviço médico, solicitando que fosse feito um ele- troencefalograma, pois tinha problemas na cabeça. O médico que o atendeu disse à mãe que não havia neces- sidade do exame, pois a criança era normal. Não satisfeita, a professora o reencaminhou, com as mesmas observações. Reginaldo não sabe por que não aprende e já tem dúvidas sobre sua normalidade. Ao menor conflito, os irmãos o provocam: “bem que a professora fala que tem problema”. Quando não consegue fazer a lição, se desespera, gritando: “eu sei que sou doente, vou passar no médico e precisar ficar internado uns dez anos”. Durante a consulta, toda vez que se tenta abordar essas questões, ele chora e se recusa a fazer qualquer coisa. Terminada a avaliação, tentou-se restituir a normalidade à criança, por meio de um trabalho com ela e a mãe. Além dis- so, foi enviado à escola um relatório, dando um diagnóstico final sobre sua normalidade e plena condição de aprender, 90 Psicologia da Educação ressaltando a ausência de qualquer patologia que pudesse ex- plicar seu mau rendimento escolar. Foram, ainda, enfatizadas,tanto para a família como para a professora, as consequências emocionais extremamente negativas de Reginaldo já estar in- trojetando uma doença inexistente. Para grande espanto de nossa equipe, a reação da escola foi violenta e incompreen- sível. Disseram à mãe que não aceitavam esse laudo, que a médica era incompetente e que, uma vez que não havia dúvi- da sobre a doença de Reginaldo, ele só poderia continuar na escola se fizesse o eletro e fosse medicado. 6.4 A dimensão “psi” e as situações de fracasso escolar Para compreender o significado do fracasso, é necessário comprender que de um lado da balança está o fracasso e do outro, o sucesso. Sob esse paradigma, o que se verifica é uma relação de valores sociais, culturalmente estabelecidos e determinantes de quem é o aluno. Ora, esse valor é função de um ideal, determinado imaginaria- mente no campo das relações humanas. O ideal preestabelecido aparece descrito no perfil do aluno esperado pela escola, no perfil do aluno desejado pelo professor, no ideal de cidadão adaptado ao contexto social e à sociedade. Desse modo, identifica-se que o olhar dirigido ao aluno bus- ca uma expectativa, um ideal, um comportamento padrão e tem relação direta com o aproveitamento e o desempenho escolar do aluno, desconsiderando as suas potencialidades e expectativas com o aprender. Assim como nos expõe Charlot (2000, p. 27) quando um aluno está em situação de fracasso, constatam- -se efetivamente faltas, isto é, diferenças entre esse aluno e os outros, ou também entre o que se esperava e o resultado Vídeo O fracasso escolar nos dias de hoje 91 efetivo. O aluno não sabe, não sabe fazer, não é isso ou aqui- lo. [...] Ao constatar-se uma “falta” no fim da atividade, essa falta é projetada, reprojetada, para o início dessa atividade: faltam ao aluno em situação de fracasso recursos iniciais, intelectuais e culturais, que teriam permitido que o aprendi- zado (e o professor) fosse eficaz. Ele é deficiente. Considerando o até aqui exposto, temos que supor que é coe- rente pensar que cada aluno, em particular, terá um rendimento qualitativamente diferenciado dos seus colegas. Destaca-se esses aspectos como relevantes e que compõem essa outra visão, essa nova postura educacional, da atividade docente frente às questões do campo educacional relativas ao fracasso esco- lar, pois um aluno que não aprende toca fundo no professor, aponta para um suposto fracasso do professor. O autor Lima (2002, p. 179) quando escreve sobre a relação da psicanálise com a educação no tratamento de crianças com impasses na constituição da subjetividade diz-nos que nas práticas que se tramam no interior da escola, notamos que há o império das regras e da moral, pois os adultos não se endereçam às crianças em nome próprio, [...] se ende- reçam a partir de uma compreensão da suposta realidade psicológica da criança [...]. Outro aspecto que também deve ser evidenciado, a despeito da complexidade do tema “fracasso escolar”, refere-se à formação pro- fissional do professor que, como em outras profissões, é muitas ve- zes tecnicista, lacunar e reducionista. Olhar o aluno de outra maneira, relativizar atos, palavras e atitu- des que não correspondem ao que o professor imagina ser normal, parece-nos ser um caminho para esse giro no estilo, na prática, no paradigma educacional para reconsiderar o aluno e, assim, mudar- mos algo do cotidiano relacional escolar. Charlot (2000, p. 33) tem uma importante contribuição que des- crevemos a seguir: 92 Psicologia da Educação O aluno em situação de fracasso é um aluno, o que nos in- duz imediatamente a pensá-lo como tal, em referência à sua posição no espaço escolar, aos conhecimentos, às atividades e às regras específicas da escola. Mas o aluno é também e, principalmente, uma criança ou um adolescente, isto é, um sujeito confrontado com a necessidade de aprender e com a presença, em seu mundo, do conhecimento de diversos tipos. Um sujeito é: • um ser humano, aberto a um mundo que não se reduz ao aqui e agora, portador de desejos, movido por esses desejos, em relação com outros seres humanos, também sujeitos; • um ser social, que nasce e cresce em uma família (ou em um substituto da família), que ocupa uma posição em um espaço social, que está inscrito em relações sociais; • um ser singular, exemplar único da espécie humana, que tem uma história, interpreta o mundo, dá um sentido a esse mundo, à posição que ocupa nele, às suas relações com os outros, à sua própria história, à sua singularidade. Esse sujeito: • age no e sobre o mundo; • encontra a questão do saber como necessidade de aprender e como presença no mundo de objetos, de pessoas e de lugares portadores de saber; • se produz ele mesmo, e é produzido, através da educação (CHARLOT, 2000, p. 33). Após essa exposição, consideramos que não se pode deixar de lado os aspectos subjetivos, no processo do aprender, para que pos- sam surgir sujeitos singulares, criativos, em sua ousadia e inventivi- dade, que inclusive colaborem para criar uma escola melhor. Uma última palavra: parece-nos relevante apontar que talvez nosso maior problema esteja em articular as dimensões psíqui- cas, cognitivas e sociais envolvidas no complexo processo que é o O fracasso escolar nos dias de hoje 93 aprender. Salientamos que o aprender, além de transformar nossa compreensão do que são as coisas, as situações, ressignifica o senti- do que elas têm para nós. Dica de estudo • O filme A Excêntrica Família de Antonia, direção de Marleen Gorris. Essa obra cinematográfica premiada com o Oscar de me- lhor filme estrangeiro discorre sobre a saga feminina de três gerações. No cenário de uma pequena fazenda da Holanda, Antonia relembra o dia em que ali chegou. Apresentam-se personagens interessantes: a filha adolescente e homossexual, a neta prodígio, a avó louca entre outros personagens. O filme traz uma oportunidade rara de vislumbrar os efeitos subjeti- vos das relações humanas num grupo social e narra metafori- camente o quão saudáveis, ou não, podem ser as relações in- tersubjetivas e seus desdobramentos aos projetos individuais de cada uma das personagens. Atividades Após a leitura do texto, reúnam-se em grupos de três pessoas e escrevam em poucas palavras o que vocês compreenderam sobre as seguintes questões: 1. Por que ensinar a quem não aprende? 2. Discorra sobre a responsabilidade da escola no processo do fracasso escolar. 7 Questões relativas à violência na vida em sociedade Irene Carmem Piconi Prestes [...] Mire e veja: o mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas, mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam. Verdade maior. É o que a vida me ensinou. Riobaldo. Guimarães Rosa O tema violência na vida em sociedade afeta a todos nós, mostra- -se um problema complexo e sem solução. Verificam-se muitas ações para acabar com a violência desde ações voltadas a segurança coletiva e pessoal, como: sistemas de proteção, policiamento ostensivo, defesa pessoal, bem como ações pela paz, como programas de valorização dos direitos humanos. Nosso propósito neste texto é refletir sobre as contribuições da psicologia ao tema da violência e seus desdobramentos na educação. Tendo por referência a dimensão psicológica afirmamos que viver em sociedade significa psiquicamente violentar os impulsos huma- nos mais primitivos, quer dizer, no processo de evolução do homem, desde a barbárie até a organização social atual, o homem teve que abrir mão das satisfações pessoais para viver em sociedade. Rodrigues (2000) nos explica sobre a dimensão psíquica e diz que cada pessoa internaliza as normas que lhe possibilitam viver em Vídeo 96 Psicologia da Educação sociedade sem risco de atacar ou de ser atacado por outra pessoa; isso é o que distingue a sociedade civilizada da não civilizada que é constituída por sujeitos irrefletidos que a qualquerda pessoa, sustentar sua identidade. O id permanece como sendo o re- servatório da energia psíquica, pulsional, inconsciente. O superego é definido como a instância da lei, da crítica, da consciência moral. O conflito das forças inconscientes é sempre constante. Assim, o su- jeito freudiano é dividido, descentrado de si mesmo em consciente e inconsciente. Na Psicologia, há o caráter unificador da personali- dade, há possibilidade de resolução do conflito, de uma adaptação social plena. Essa área do conhecimento fixa como objetivo o es- tudo da personalidade e seus efeitos no comportamento humano. Embora não desconheçam o determinismo inconsciente, às vezes ignoram essa dimensão. A Psicologia interessa-se fundamentalmente pelo ego e a Psicanálise, pelo sujeito do inconsciente. Grande contribuição nos trouxe o psica- nalista Jacques Lacan, que ampliou a concepção do aparelho psíquico em que o inconsciente estrutura-se como uma linguagem. 1.2 Contribuições da dimensão “psi” para as práticas educativas A proposta de inserção do campo psicológico no espaço escolar tem por premissa focar as rela- ções dos agentes escolares no entorno das ques- tões do processo educativo. Mais especificamen- te, trabalha com o ensino enquanto ação criativa do educador na transmissão do conhecimento e com a aprendizagem enquanto ação do aluno na apreensão do conhecimento. Para tanto apresentamos um texto de Lopes (2002) para com- preender um modo de ensinar, importante quando se pensa em Vídeo 12 Psicologia da Educação práticas educativas transformadoras dos agentes escolares. Lopes (2002, p. 89) diz que: Ensinar pode ser qualquer coisa, a qualquer pessoa, até a si próprio. Talvez só não se ensine a ensinar. Ensinar vem do latim insignare e quer dizer, lá na sua origem, indicar, designar. Em designar, há signar, de signum, palavra. Desde seus primeiros empregos, há em signum um elemento que permite concluir pela existência de uma coisa ausente. Ou seja: ensinar é fazer conhecer através de um signo (o signo é o que permite concluir a existência de uma coisa ausente). Sob essa perspectiva entende-se que o ato de ensinar pressupõe a relação entre um ensinante e um aprendiz. Essa relação impõe uma interrogação: se alguém ensina é porque alguém está aprendendo. Mas será que o aluno sempre está aprendendo? E o professor, tam- bém aprende nesse encontro? Convidamos o leitor a refletir sobre isso. Vamos à consideração de Lopes (2002) buscar essa resposta. proponho pensar que ensinar é um ato de fé [...] em sua origem [...], no latim, era fides confiança, lealdade, fideli- dade [...] Estamos falando em fé como confiança, lealdade, que tem como valores fundamentais, engajamento e con- sentimento. O engajamento implica uma atitude humana solidária com as circunstâncias sociais e históricas em que vive, e procura, pois, ter consciência das suas consequên- cias [...] Engajamento e consentimento no ato de ensinar são parte de uma atitude subjetiva na qual estão presentes sujeitos [...] que é ter confiança em fazer e fé em. No sujeito. No sujeito que é o ensinante; no sujeito que é o aprendiz. (LOPES, 2002, p. 91). Nessas considerações, Lopes (2002) explicita que ensinar consis- te em reconhecer o lugar subjetivo de sujeito, se tomarmos a dimen- são “psi” pela via psicanalítica, entendemos que o ensinar se sustenta num discurso, no que fala e no que é falado, ou seja, circunscrito na linguagem, na palavra, no diálogo imerso num espaço, num ponto. A linguagem, como representação simbólica, é instrumento psi- cológico, no dizer vygotskyano, de mediação das relações essencial- mente humanas. Desse modo, também é possível destacar a relação O encontro entre a Psicologia e a Educação 13 entre a dimensão psicológica e as práticas educativas presentes no engajamento, comprometimento do sujeito que ensina e daquele que aprende. Compreendemos, então, que o educar significa envolver o ser humano no seu contexto sociocultural, construí-lo e esperar dele participação, no exercício da sua cidadania. Sob essa perspectiva, a Psicologia do desenvolvimento nos apon- ta uma visão de evolução enquanto processo de apropriação da ex- periência histórico-social pelo ser humano. Destacando o papel da interação de aspectos internos e externos para o desenvolvimento humano, Davis (1994, p. 29) relata: “dados mais recentes da em- briologia indicam que o ambiente interno tem um papel central no desenvolvimento do embrião, assim como o ambiente externo é fun- damental para o desenvolvimento pós-natal”. Sob o ponto de vista da dimensão “psi“ de orientação interacio- nista, o conhecimento é construído por meio das interações que o sujeito mantém com seu ambiente, que tem uma função importante no desenvolvimento humano. Nesse processo interativo, participam fatores internos e externos, formando uma rede complexa de combi- nações entre o organismo e o ambiente. Vale destacar, aqui, as con- tribuições de Jean Piaget e Lev Vygotsky às práticas pedagógicas que se voltam para o planejamento do ensino (para a organização das condições de aprendizagem), de modo que o processo de ensinar ocorra satisfatoriamente. Nessa mesma direção, as contribuições do campo “psi” à tarefa educativa nos remetem aos aspectos interativos entre os agentes escolares e a dimensão psíquica (afetivo-emocional). Lopes (2002) e Almeida (2002) afirmam que se encontram, na escola, o profes- sor e o aluno, remetendo-nos a pensar a educação como um ato de responsabilidade, de paixão, de solidariedade. É também um encontro do homem com a cultura. Cabe ao educador, na atividade 14 Psicologia da Educação educativa, a responsabilidade por construir e transmitir o mundo da convivência humana em que seu aluno está ou vai estar inserido. Essa é a tarefa daquele que quer educar, humanizar o mundo e, de alguma maneira, implicar os sujeitos que o habitam. Vale lembrar, aqui, que esse educador pode ser tanto o professor, quanto os pais. Por meio da Psicanálise, vamos entender que o sujeito é um ser singular, único, dotado de um psiquismo regido por uma lógica específica. É também um indivíduo que participa das relações interpessoais e ocupa um lugar, estabelecendo laços com o contexto social no qual está incluído. O sujeito subjetivo é movimento, é paixão, é desejo. É construído na relação com o outro sujeito, com o outro ser humano que lhe fornece os elementos necessários para que se insira no campo da cultura. Assim, processa-se a humanização e a subjetivação que constrói o significado e o sentido do viver para cada sujeito. Dessa maneira, entende-se que toda a relação de mim para comigo mesmo passa pela minha relação com o outro. Abrindo a possibilidade para a transformação do mundo inter e intrapessoal. Isso caracteriza a condição humana e o campo relacional do homem o qual está, essencialmente, ligado ao outro. Na poesia de Carlos Drummond de Andrade, podemos exercitar isso que em cada um de nós não se explica, mas fala de nós, fala de si mesmo, que é o desejo inconsciente. O outro Como decifrar pictogramas de há dez mil anos se nem sei decifrar minha escrita interior? Interrogo signos dúbios E suas variações calidoscópicas A cada segundo de observação. A verdade essencial É o desconhecido que me habita. (ANDRADE, 1997, p. 29) O encontro entre a Psicologia e a Educação 15 Outro aspecto importante nessa reflexão remete-nos a outras intersecções entre trabalho, ciência e cultura, as quais impõem, his- toricamente, a construção de um outro paradigma educativo que atenda às mudanças socioculturais e tecnológicas da sociedade. O rápido avanço tecnológico e as mudanças no contexto sociocul- tural exigem outros modos de relacionar-se com o humano numa construção coletiva e com seus desdobramentos à qualificação do profissional da educação. Segundo Gozo (2000, p. 179), faz-se, portanto, necessário que a escola adquira mobilida- de, flexibilidade e identidade própria que decidam formas educativas,momento podem ser tomados por um intenso ódio, numa atividade predominante- mente violenta, predatória e de dominação com os rivais. Por fim, o desenvolvimento do controle interno dos impulsos é denominado processo civilizatório. Pode-se dizer que violência é uma ação desprovida de huma- nidade, já que reflete a imposição da vontade de uma pessoa sobre outra pessoa, a imposição das suas próprias regras, colocando-se acima das leis sociais. No ato violento subjulga-se o outro, tornan- do-o objeto. Desse modo, entende-se que a civilização é um proces- so relacional e dinâmico, que exige atualização das relações sociais permanentemente. Baseia-se na condição humana de admitir as di- ferenças individuais e de perceber as semelhanças entre as pessoas. Dirigindo nosso olhar para a escola, vemos que a violência está presente no contexto escolar, afeta as relações entre os agentes esco- lares. Somos desafiados frente às constantes situações de violência na busca em compreender as razões dos atos de agressão, de depre- dação e de vandalismo ao patrimônio escolar. O espaço escolar é um contexto de convivência social, é um espa- ço de promoção da educação. Dessa maneira, entende-se que os con- flitos vivenciados na escola devam ser resolvidos buscando educar os agentes escolares para um convívio social saudável e harmonioso. A escola, quando prioriza as relações humanas no enfrentamento das situações de violência, está trabalhando na formação dos seus alunos, no aprimoramento da tolerância para com o outro e nos va- lores humanos. Sob essa perspectiva, a escola valoriza as relações de ensino e aprendizagem e tem seus agentes escolares comprometidos com a instituição escolar por uma ação educativa no cumprimento da função social da escola, que é educar os agentes escolares para o estabelecimento de laços afetivos e sociais indispensáveis para viver em sociedade. Questões relativas à violência na vida em sociedade 97 Assim, nos alerta Santos (2002, p. 200) acerca da importância das práticas educativas no processo ensino-aprendizagem dos alunos o funcionamento psicológico das crianças está baseado nos modos culturalmente construídos de ordenar o real, uma vez que o sujeito se constitui através de suas relações com o mundo natural e social, transformando-se, ao longo de sua vida e sua espécie, de biológico em socio-histórico num processo em que a cultura é parte essencial da constituição da natureza humana. A escola pode ser definida como um lugar em que nos educa- mos, preservamos a memória histórica e socializamos o conheci- mento produzido pelo homem para a humanidade. A escola é um lugar que suporta ambiguidades, limites e possibilidades para lidar com os problemas do campo educacional. No entanto, não vamos nos iludir e acreditar que cabe apenas à escola a solução para as questões relativas à violência na vida em sociedade. A escola, como escreve Nóvoa (1999, p.190), é uma instituição conservadora, que funciona em conformi- dade com o instituído, procurando preservar valores, costu- mes e representações. Mas sabe-se, também, que é uma or- ganização que, visando à continuidade e à coerência, é ainda capaz de abrigar contradições e conflitos pela introdução de novas ideias, um espaço onde a mudança penetra difusa, mas persistente, através da afirmação dos protagonistas. No espaço da convivência social, na sociedade frente à violên- cia, alimenta-se a cultura da alienação, do medo e do desespero. Não se reconhece os pobres, os desempregados, os desocupados como sujeitos capazes de condutas éticas, nem trabalhadores respon- sáveis, nem pais de família. Tem-se constantes notícias de que os di- reitos dos cidadãos são usurpados pela justiça. A violência se legitima pela aceitação de sua existência no campo social. Para exemplificar essa perspectiva, vejamos a música do Gabriel, O Pensador, “O resto do mundo” de 1993. 98 Psicologia da Educação O meu sonho é morar numa favela... Eu me chamo de chei- roso como alguém me chamou. Mas pode me chamar do que quiser seu dotô. Eu não tenho nome. Eu não tenho identidade. Eu não tenho nem certeza se eu sou gente de verdade. Eu não tenho nada mas gostaria de ter. Aproveita seu dotô e dá um trocado pra eu comer ... (Que trocado o quê! Não tem vergonha nesta cara suja, não? Vai trabalhar vagabundo) Eu gostaria de ter um pingo de orgulho. Mas isto é impossível pra quem come o entulho. Sob esse ponto de vista entende-se que a violência integra o modo de viver de muitas pessoas que residem nos morros e favelas. Indica que essas pessoas não se reconhecem como cidadãos de uma referida sociedade, responsáveis pelo semelhante e reconhecedor das diferenças existentes entre as pessoas. Elas agem como bárbaros por não tolerar a insubordinação, para impor o respeito do outro. Muitas pessoas fazem do crime, da marginalidade, mais do que um ato extremo, um modo de perceber as coisas ao redor, “um modo de viver”, que diz dos significados e sentidos dados às experiências pessoais. Esse ato nos indica que as pessoas que fazem essa opção (consciente ou inconsciente) de vida perderam a autoestima, a soli- dariedade, a cidadania e romperam os laços sociais e culturais que as sustentavam. De tudo o que se disse, o que podemos pensar sobre o viver em sociedade? Segundo Dolto (1999, p. 136), o fato de sobreviver indica que todos os dias ela retoma, en- quanto sujeito, o contrato com o próprio corpo. Viver é isso, é retomar a cada dia o desejo de sobreviver. O que quer dizer que temos que viver. Se não, é fácil resolver isso no começo da vida: enrola a língua, sufoca e morre. A partir dos apontamentos acima, constata-se que vivemos em um mundo onde uns optam (consciente ou inconscientemen- te) por atos de violência como estilo de vida e outros não, e des- se modo sobrevivem. A partir daí, conclui-se que vivemos num mundo de contradições e ambiguidades, já que, de um lado, pode- Questões relativas à violência na vida em sociedade 99 -se entender que dizer não à violência pode significar uma atitude de in- tolerância para com a diferença que tanto nos pode incomodar. E, por outro lado, respeitar a diferença pode significar a manutenção de prá- ticas desprovidas de humanidade. Rodrigues (2000, p. 186) comenta: diante dessas duas possibilidades [...] é que podemos com- preender o papel da educação, pois, de modo geral, ela tem atuado numa dessas duas saídas: ampliar ou diminuir a tole- rância para com o outro. [...] o discurso educacional pode ser compreendido como o estabelecimento de um conjunto de normas práticas para a formação de um sujeito que, no final das contas, deve ser crítico, participativo, cidadão, consciente, entre outros atributos de uma razão esclarecida. Parece-nos uma tarefa complexa ao sujeito essa de ter que esco- lher, optar, já que no espaço das relações com nossos interlocutores se tem que compartilhar fronteiras, limites, possibilidades e contra- dições permanentemente. Pode-se assegurar que a escola trilha suas práticas educativas entre esses aspectos. No processo de educar a criança, Dolto (1999) destaca que é importante prepará-la para que ela tenha meios de se fazer estimar por pessoas que não sejam apenas do meio familiar. A autora alerta ser perigoso que, no período da adolescência, o adolescente ainda se sinta indispensável para sua mãe. É necessário que a criança/adoles- cente tenha o que oferecer de si aos outros para a construção de novos laços afetivos e sociais que serão revelados nos relacionamentos in- terpessoais na escola, no trabalho e na vida profissional. Quando nos voltamos aos relacionamentos sociais nos dias de hoje, sob a ótica “psi”, verificamos o impacto emocional da violên- cia refletindo na desconsideração da afetividade e da subjetividade do sujeito, ainda certa banalização da violência, relativa desordem, desconfiança, ausência de regras claras, sem impedimentos da lei, enfraquecimento dos valores e crenças humanos, falta de respeito ao semelhante.Esse quadro caótico se manterá enquanto não se construir um novo paradigma que dê suporte e legitime uma nova 100 Psicologia da Educação ética para a vida humana em sociedade. Um outro aspecto revelador desse quadro é identificar a situação de alienação em que vivem as pessoas, independente de serem ou não as atingidas pela violência. No convívio em sociedade ainda é importante considerarmos os aspectos históricos geradores de violência, como as relações de desigualdades, de discriminação, de preconceito e de privilégios a alguns poucos escolhidos da classe mais abastada social e financei- ramente. Destarte, os atos de violência fazem parte da história social dos homens. A violência também focaliza as consequências da exclusão pela condição social, de gênero, de etnia, e por outros fatores ligados à estrutura social. Assim, o que vemos na relação da escola com a sociedade, com o espaço social da escola, é que ela esconde a falta de opções de inclusões sociais e de perspectivas para uma boa parte da população mais carente, que encontra na escola a única possibilidade de socialização. Como nos ilustra Santos (2002, p. 199): se a escola não é uma entidade alheia ao movimento social, que desempenha em qualquer circunstância sua função es- pecífica sem ser atingida pela história, há que considerar que ela também não é produto previsível, reflexo do sistema de dominação, que reproduz as ideologias e práticas alie- nantes identificáveis com os interesses de uma sociedade capitalista, mas ao contrário, é um espaço de permanente conflito e contradição onde se articulam histórias locais, pessoais e coletivas. Vamos discutir um outro aspecto que merece especial atenção: trata-se de verificar o quanto a escola tem sido violenta historica- mente, não só pelas práticas de discriminação e exclusão social, mas pelos castigos físicos e pelas humilhações de ordem moral. Aqui, são importantes as contribuições da Psicologia Comportamental à educação, definindo e reforçando o bom com- portamento, as atitudes do bem, e punindo as condutas do mal. Questões relativas à violência na vida em sociedade 101 Inúmeros autores rechaçam o mal de qualquer valor para a vida em sociedade. Entre eles, Rodrigues (2000, p. 1887), que relata: A educação, de maneira geral, reforça e coloca o bem como uma atitude a ser alcançada, enquanto o mal é considerado como um desvio que, se ocorrer, deve ser punido a fim de o eliminarmos de circulação. A escola tornou-se um aparelho especializado na crença de que é possível identificar e eli- minar o mal que possa existir no sujeito. Somos levados a pensar (acreditar) que todos nós queremos apenas praticar o bem, apesar de, muitas vezes, promovermos o mal. Pensando dessa forma, parece-nos que o autor nos aponta para outra ambiguidade, além da vivida no espaço social escolar, que é a psíquica do próprio sujeito que, por vezes, tem atitudes boas e ou- tras más e egoístas. Comportamentos esses que não são acolhidos socialmente. Desse modo, vamos à questão da violência da educa- ção, a qual nos descreve Kupfer (2000, p. 140): violência própria da educação [...]. Violenta porque, desde o princípio, submete o corpo da criança a uma ordem, a uma regulação, a um ritmo, a uma interpretação que nada têm de natural, embora tampouco sejam arbitrários. Ou seja, se o adulto faz um corpo entrar em sua própria ordem, está sub- metendo esse corpo a uma espécie de encaixe que impede que outras possíveis significações venham a manifestar-se. Diante das questões até aqui apresentadas, entendemos que a re- lação professor-aluno está permeada de atos violentos que interferem o modo como se estabelecem os laços afetivos individuais e coletivos. Assim, do ponto de vista dos educadores, considera-se que vi- vem e convivem no cotidiano do espaço relacional da sala de aula, com inúmeras situações de indisciplina, beirando a violência que os obriga a exercerem inúmeros papéis (pai, mãe, amigo, diretor, psi- cólogo, médico, policial) dentro da sala de aula; entre eles, não pode esquecer-se de que é o professor. Além disso, podemos destacar as jornadas exaustivas de trabalho, os baixos salários, o não reconheci- mento social e, ainda, a culpa pelo fracasso escolar. 102 Psicologia da Educação Sabemos o quanto é solitário lecionar para alunos que dizem: tô nem aí... pode ficar com seu mundinho... que eu não vou ouvir...1 Souza (2002, p. 108) expressa os sentimentos dos professores frente a esse fato: todos os que são professores conhecem essa experiência de- vastadora: ser profissional e psiquicamente demolido por crianças ou jovens que nos destituem do lugar de profes- sores, não pelo fracasso, mas pela ausência, pela recusa em entrar no jogo da escola. Desse modo, o que essas vozes denunciam é a desconsideração de que o professor é um sujeito social como os outros, que também é vítima da violência e que está submetido às mesmas contradições, ambiguidades sociais que todos os cidadãos. Outro ponto a considerar é o aluno e seu discurso sobre esse mundo da violência. Vamos ler o texto de um aluno descrito por Reis (2003, p. 66): se observarmos o depoimento deste adolescente, vamos perceber que o mundo que o cerca é violento em todos os sentidos. O diretor é autoritário, pois não permite que os alunos se manifestem e se identifiquem, é um mundo aban- donado por “Deus e todo mundo”, onde a única opção de lazer, a quadra de esportes, está fechada. Essas situações, vivenciadas por alunos e professores no espaço da sala de aula, possibilitam obter e atualizar o sentido e o significa- do subjetivo do lugar (de pertencimento e reconhecimento) pessoal e coletivo no espaço educacional. Portanto, essas relações sociais compõem e definem as relações no espaço interno da escola. Após contornar o tema da violência, pensando nela e em seus diferentes vieses, resta-nos a pergunta: o que fazer? 1 Refere-se à canção “Tô nem aí” da cantora Luka. Questões relativas à violência na vida em sociedade 103 Sabe-se, a partir da dimensão psicológica, que um saber se cons- trói no campo do diálogo, da palavra e das significações para o su- jeito. Assim, participam da evolução humana alguns agentes que no lugar de cuidadores contribuem ao processo civilizatório como: a gestante, a mãe, o pai, a família, o professor, a escola e a própria sociedade em que o indivíduo se insere. Algumas indicações, partindo da via psicológica aplicada ao es- paço educativo, para trilhar esse caminho e melhorar os laços afeti- vos e sociais, seriam: • um projeto pedagógico para a educação, articulado às polí- ticas públicas nacionais; • a comunidade deve assumir a escola para si; • utilizar o espaço escolar para atividades esportivas e outras, como arte-educação. Finalmente, o que podemos fazer com esses sentidos e signifi- cados, com esses pensamentos contraditórios e ambíguos que não podem ser descobertos, no dia a dia, na sociedade? Talvez devêssemos abrir um espaço, dar lugar para que pudéssemos falar, discutir e refle- tir sobre eles, pois, segundo Rodrigues (2000, p. 188), não falar, não querer pensar, reprimir os impulsos predató- rios não têm evitado a realização da barbárie, pois, de uma forma ou de outra, em algum momento e em algum lugar, os homens estarão atuando com esses desejos que não pu- deram ser controlados em sua plenitude. Dica de estudo • SPOSITO, Pontes Marilia. A Instituição Escolar e a Violência. Disponível em: . A leitura desse artigo alerta para a complexidade do tema da violência. No texto demonstra-se que há um significativo con- junto de questões que afetam os processos educativos e em 104 Psicologia da Educação especial a escola na sociedade contemporânea. Destaca-se o tema da violência escolar, que é um tema complexo e deixa de ser um fenômeno peculiar à sociedade brasileira. A autora res- salta que estudos científicos são importantes recursos para criar estratégias educativas. Esse texto trazestudos realizados, infor- mações e relatos, extraídos de jornais de outros países, os quais podem anunciar, sem tons de falsa dramaticidade e sensacio- nalismo, a extensão e a magnitude do problema da violência. Atividades 1. Explique como você vivencia o direito à vida cidadã no seu cotidiano? 2. Segundo a psicanalista Françoise Dolto, no processo de edu- car a criança, é importante prepará-la para que ela tenha meios de se fazer estimar por pessoas que não sejam apenas do meio familiar. Discorra de que modo pode-se garantir que a criança receba educação. 8 O desafio da diferença Irene Carmem Piconi Prestes Educar criativamente é dar oportunidade a pessoas e grupos de pensar e agir em constante diálogo, sen- tindo e fazendo emergir o verdadeiro aprendizado, que consiste na descoberta daquilo que já sabemos. Ortiz Iniciamos este texto com a descrição de uma situação comum vivenciada em sala de aula que revela modos de interação professor- -aluno, e que serve como situação mobilizadora para nossas refle- xões sobre o tema deste capítulo. Esta é a descrição de uma aula de Matemática na Educação Fundamental. Nesse exemplo, vemos a dificuldade que enfrenta o professor em refletir com seus alunos sobre a situação problemática que se apresenta à sua frente. O professor Neil, após a exposição do conteúdo, so- licita que os alunos resolvam o problema que está no quadro-negro. Um dos alunos dispõe-se a resolvê-lo no quadro, enquanto outro aluno resolve sozinho e comunica ao professor que o resultado foi o mesmo, embora o caminho utilizado tenha sido diferente da- quele encontrado pelo seu colega. Imediatamente, questiona o professor sobre o método que utilizou, se está certo ou errado, como fica a solução do proble- ma. O professor diz qualquer coisa que não parece ter Vídeo 106 Psicologia da Educação conexão com a questão do aluno e esse vai ao qua- dro resolver o problema do seu jeito. Observa-se que o aluno volta ao seu lugar e o professor continua seu trabalho de circular pela sala para verificar como os outros estão resolvendo o exercício. Outra aluna diz que não sabe resolver, e o professor esclarece que ela decorou um modo de fazer o exercício e agora que está diante de algo diferente do que ela sabe, tem di- ficuldade de encontrar a solução para o problema, fi- cando paralisada, sem encontrar a resposta, e assim segue a aula. O professor tira a dúvida do aluno, mas não há o acolhimento ao aluno, não há um diálogo entre eles sobre as possíveis soluções do problema, nada que lembre uma atitude de motivação, inquieta- ção, curiosidade, que aponte para o desafio diante da situação-problema. Tomando esse caso a partir da dimensão “psi”, do campo subje- tivo presente nas relações intra e interpessoais, temos que o estilo, a direção do trabalho do professor às questões de seus alunos não ex- ploram com eles as situações problemáticas. O professor não parece estar preocupado em refletir sobre a sua ação educativa, pois tem respostas estereotipadas. Não está disponível a refletir com o aluno que está ali com ele, a pensar sobre a atividade junto ao aluno. Salientamos que o mundo atual tende a negar a subjetividade, os aspectos afetivos e emocionais de cada pessoa, valorizando os proces- sos da consciência, do eu, que exigem respostas rápidas e, rapidamen- te, as coisas estão sendo superadas. Parece-nos que cabe como tarefa da Educação e, como um desafio à prática do educador, criar momen- tos em que o desejo do aluno possa aflorar, oferecendo-lhe oportuni- dades de reflexão, de reconhecimento, de valorização de sua opinião O desafio da diferença 107 para que se envolva e se implique com o “seu aprender” e valorize a riqueza da experiência do conhecer. Isso nos confirma Vitkowski (2000, p. 151) quando discute a formação profissional do professor: denominado prático-reflexivo, propõe formar um profissio- nal que se torne capaz de refletir na e sobre a sua prática, re- fazendo inclusive os processos que orientam a sua reflexão. Busca-se, desse modo, ressignificar e valorizar a riqueza da experiência que reside na prática dos professores. Dessa maneira, diríamos ao prof. Neil que é competência do educador refletir permanentemente sobre a relação professor-aluno e o sucesso no ensinar e no aprender e, ainda, que a missão do edu- cador tem a ver com a estrutura da educação, com a concepção de ser humano. Como nos indica Aquino (2002, p. 16) “às instituições sociais, incluindo as escolas, pouco restaria além de sofrer na pele as in- fluências advindas das esferas maiores, em especial do modelo eco- nômico. Daí a cadeia de inevitáveis exclusões, violências, malogros.” Finalmente, verificamos que há interdependência de muitos aspectos presentes nos ditos problemas educacionais: fracasso e evasão escolar, violência e indisciplina escolar, distúrbios de aprendizagem e de comportamento. Outro ponto a refletir do caso citado é o modo de avaliação do professor Neil. O nosso sistema educacional apresenta uma dinâ- mica de funcionamento que predetermina e orienta a continuidade do processo de escolarização, em todos os níveis, desde a Educação Fundamental até a Educação Superior, por meio de provas de com- petência as quais o aluno deve se submeter para obter o sucesso e a ascendência na escolarização. Dar provas da competência é determi- nante para a aprovação escolar. Esses determinantes encontram-se organizados na proposta curricular, nos planos de ensino, nas ava- liações e nos planos de aula. Assim, a ação educativa está sustentada no ideal de controle do tipo “eu (educador) sei o que você (aluno) 108 Psicologia da Educação deve saber”, que marca as práticas educativas e o cotidiano relacional na sala de aula. Dessa maneira, a prática pedagógica prevê que o ensino tem por objetivo transmitir os conteúdos necessários que garantam a continuidade do processo de escolarização do aluno. Após o que lhe foi ensinado, o que o aluno aprende? Para o professor ter certeza de que ensinou e de que o aluno aprendeu, impõe um certo número de avaliações. Vamos refletir! Se o aluno não aprendeu o que se ensinou, nem por isso ele aprendeu errado. Pode ter aprendido o certo, só que a prova não quer que ele diga o que aprendeu, mas tão- -somente o que o professor pretendeu ensinar. O que há, então, é uma questão de posição, de lugar subjetivo do professor e do aluno frente ao objeto do conhecimento. Na posição de aprendiz em que está o aluno, ele não terá a oportunidade de provar o que aprendeu, porque o que o professor lhe exige é que ele dê provas sobre o que lhe foi ensinado; de certo modo, que demonstre a sabedoria do professor. Queremos aqui fazer um alerta, pois tanto no ensinar, quanto nas avaliações (provas) que o aluno fará, o que temos, na realidade, é uma aposta. Nessa perspectiva pedagógica, a base do ensino tem a preocupa- ção com a coincidência entre ensinar e aprender, desconsiderando, na aprendizagem, os aspectos sociais e psíquicos envolvidos no pro- cesso do aprender. Desse modo, ficam as atividades educativas impossibilitadas de trabalharem pela ressignificação dos conteúdos pelo aluno, a partir da relação transferencial estabelecida com o professor na sala de aula. Assim, as metas pedagógicas ignoram a realidade da condição humana, que a teoria psicanalítica aponta, justamente, o caráter es- sencialmente humano, o campo relacional em que temos dois sujei- tos em interação, professor/aluno. O desafio da diferença 109 Por essas razões, vemos que essa lógica favorece a exclusão social, impedindo a circulação da diferença dos afetos e da singularidade, pois trabalha pelo viés do ideal de aluno almejado pelo professor. Encontramos, em Azevedo (2003, p. 91), um reforço para essas considerações. Esse autor diz que: os elementos analisados demonstram que este processo reforça as desigualdades sociais e produz uma escola que trabalha o conhecimento fragmentado, isolado, sem o estabelecimentode nexos entre os diferentes campos do conhecimento, abs- traindo as disciplinas do contexto da totalidade, das redes onde se articulam as interfaces multidisciplinares, os olha- res interdisciplinares e as sínteses transdisciplinares. Ainda, tomando a via “psi“ pela psicanálise, temos que o conhe- cimento é apreendido, quase sempre, inconscientemente, mais do que é ensinado. Assim, os estudiosos entendem que o professor se forma no percurso de sua vida pessoal e profissional. E esse é um percurso de formação contínua e, de preferência, num ambiente de aprendizagem favorável. Essa aprendizagem exige do professor uma postura, uma atitude reflexiva para o exercício da sua atividade do- cente. A tarefa educativa almeja uma ressignificação, a ser feita pelo educador, de sua ação junto aos alunos. Seguindo nessa mesma direção, as considerações de Azevedo (2003, p. 101) ilustram essa importante questão, quando diz que: a gênese da escola está subordinada a [...] concepções, a [...] práticas educativas, cujos princípios foram (ou são) a es- sência da formação dos educadores. Os professores apren- deram em sua história como alunos e em sua preparação profissional nas escolas formadoras que o professor ensina e o aluno aprende. Mesmo que as instituições formadoras trabalhem com novas concepções de conhecimento, a fal- ta de reflexão conectada à prática concreta não repercute nas ações do cotidiano da escola. Desta forma, em relação à prática docente, ele (o mestre) continua listando os conteú- dos importantes, definindo as estratégias didáticas, como se seus alunos fossem um conjunto homogêneo. Todos são tra- tados iguais, mas, infelizmente, nem todos podem aprender. Não estão preparados, são responsáveis pelo seu próprio 110 Psicologia da Educação fracasso. O professor não pode parar, tem que dar conta de ensinar o programa de sua disciplina, com seus conteúdos essenciais, sem os quais o nível do ensino pode cair. Seguindo essas ideias e o caso apresentado do prof. Neil podemos concluir que, ainda hoje, as ações educativas do professor, bem como o seu fazer cotidiano, parecem ser no sentido de assegurar a possibi- lidade de sujeição do aluno à sua figura de mestre ou senhor, tam- bém aqui requerida para que a educação siga ilesa em seus desígnios. Desse modo, reconhecemos apenas o ideal de aluno e o desejo do mestre, que quer dizer acreditar que é possível educar ou que, no exer- cício de ser professor, se é capaz de educar sem perdas e danos. Para o autor Nóvoa (1999, p. 180). o professor vive, no seu cotidiano de trabalho, as contradi- ções que pressente, mas que não tem espaço para esclarecer nem oportunidade de aprofundar, atormentam-no inquie- tações que não partilha porque tem medo de perder a face, de fragilizar a imagem de sucesso que procura compor. A professora e psicanalista Almeida (2002, p. 99) interroga sobre algumas questões fundamentais do campo educativo, sobre a posi- ção subjetiva do aluno e do professor e nos diz que tomar a criança como aluno-ideal significa, na economia narcísica do educador, colocá-la no lugar de eu-ideal, inves- ti-la narcisicamente para que ela realize o ideal que ele mes- mo não pode realizar. Por meio de demandas idealizadas, o educador endereça à criança o pedido de que ela responda do lugar da ordem da perfeição, na ilusão de que é possível. Ora, mas será sempre assim? O aluno resistirá sempre a inter- rogar suas verdades como sujeito de desejo, para que seu professor reine em sua cátedra de mestre e seja o único a desejar? Até quando o estudante necessitará da indisciplina, da violência, da ironia ou, na mesma ordem, do enquadramento e do conformismo para anunciar que há uma descontinuidade gritante na relação pedagógica que lhe cala o desejo? O desafio da diferença 111 Encontramo-nos, atualmente, frente a uma crise que será ultra- passada, se pudermos construir outra postura, um novo estilo de transmissão do conhecimento pelo educador, outra relação profes- sor-aluno. Que se coloque a prática da dúvida, da desconfiança per- manente do fazer pedagógico, que se desequilibre a certeza das ações escolares e, assim, se dê possibilidades de transformar. É necessário (re)construir, (re)significar o trabalho docente, por exemplo, apro- veitando as condições para a melhoria e qualificação profissional e pessoal. Possibilitando, desse modo, a convivência com a diversida- de na aprendizagem e no campo educacional. Nessa perspectiva, uma das metas é (re)construir a concepção de conhecimento como sendo um processo que se constrói no es- tabelecimento da relação eu-outro (professor-aluno), dinâmico e contínuo. O ato do conhecer permite à pessoa desenvolver suas ha- bilidades e competências para que ela possa colocar-se à disposição do outro, identificando-se e interferindo nos problemas e desafios do seu contexto escolar e social. Tudo isso permitirá ao educador di- rigir o trabalho educativo com a finalidade de resgatar o ser humano como sujeito sócio-histórico-cultural. Azevedo (2003, p. 12) lembra que os educadores, em geral, têm pouca afinidade com a visão dialética da realidade dinâmica, do contraditório, onde o sujeito que transforma é transformado pela realidade, onde o conhecimento é um processo mutante, ferramenta-meio para a permanente construção de novas sínteses. Alerta-nos, assim, para uma formação de professores atua- lizada em outras áreas do saber, como: a Filosofia, a Psicologia, a Sociologia e a Psicanálise, já que constatamos que a prática escolar é tratada como repasse de informações, memorização de conteúdos. Esta impede a compreensão e a construção de novos modos de re- lação interpessoal, seja no contexto escolar ou no social. Podemos argumentar, na defesa da manutenção dessa prática, aspectos como: a globalização, os avanços científicos e a acelerada mudança na 112 Psicologia da Educação tecnologia, o volume de informações que recebemos diariamente, no qual apresentam-se os conhecimentos novos, mas como impos- síveis de serem assimilados e transmitidos ao ser humano rapida- mente, via escolarização. Um outro argumento que sustenta essa prática é a manutenção de disciplinas isoladas, de níveis hierarqui- zados de escolaridade que têm pouca ligação com a vida pessoal dos alunos e com a possibilidade de responderem às exigências do mundo contemporâneo. A constante atualização do professor é um caminho para cons- truir um outro paradigma do fazer pedagógico, de modo a propiciar novas significações, buscando uma educação que estabeleça relação entre o conteúdo escolar e a sociedade, e entendendo que o espaço educacional é essencialmente o espaço das relações humanas na sua dimensão individual, singular e diferente, como também coletiva, social e de grupo. Este é, então, o verdadeiro desafio do educador: o da convivência com a diferença do sujeito, com a diversidade para além do ideal de aluno. Seguindo a direção da investigação sobre a posição subjetiva (afetivo-emocional) do professor e do aluno, Almeida (2002, p. 100) dirá que: quando o professor não responde ao aluno do lugar daquele que tudo sabe, mas sim daquele que conhece e que toma esse conhecimento não como uma verdade, mas como uma convicção culturalmente aceita e socialmente comparti- lhada, o professor ocupa o lugar de mediador do objeto de conhecimento, o qual marca a entrada de um terceiro na re- lação professor/aluno. Somente ocupando este lugar é que o professor tem chances de reverter as questões imaginárias e narcísicas que se mesclam no campo educativo. Isto implica que o educador renuncie ao ideal de completude narcísica imaginária e à ilusão de que é possível gestar por obra dos ideais e normas educativas. E, com isso, chegamos ao ponto em que o ato de ensinar ins- tala-se não no campo da moral e sim no campo da ética. Esse debate nos conduz a interrogar sobre princípios, subjetividade, O desafio da diferença 113 comprometimento no ensinar e no aprender. O campo da éticaé re- fletido pela Psicanálise e pela Filosofia. O campo da moral pertence à religião e às normas de comportamento. Confirma Nóvoa (2002, p. 23) que “o desafio dos profissionais da área escolar é manterem-se atualizados sobre as novas metodologias de ensino e desenvolverem práticas pedagógicas eficientes”. Partimos, então, para uma educação em que o educador se re- conhece como incapaz de atender, de corresponder às exigências de perfeição, de previsibilidade, de sucesso, de certezas que o ideal- -imaginário sociocultural lhe impõe constantemente, para atender um aluno real sócio-histórico de carne, ossos e desejo. Assim, a ati- vidade docente implica a ação de um sujeito em seu mundo do tra- balho e no exercício de uma prática profissional. Uma educação que se fará contextualizada e refletida permanentemente pelo educa- dor, pela escola e pelo sistema educacional. Para isso, a criatividade, o envolvimento e a imaginação se colocam como importantes alia- dos para o educador. Finalmente, é preciso lembrar que ensinar nunca foi fácil. A verdade é que se educa pelo que se é e não pelo que se idealiza. E o desafio ao educador (professor, pai) é acolher a diferença, o diferente (aluno, aprendiz, o outro). Dica de estudo • Filme: Entre os Muros da Escola. Direção: Laurent Cantet, vencedor da Palma de Ouro em Cannes, 2008. Baseado em livro homônimo de François Bégaudeau. Relata a experiência do professor de francês que enfrenta o desafio de convencer um grupo eclético de alunos de que vale a pena ler e estudar. Retrata o dia a dia em um colégio público de Ensino Médio na periferia parisiense, frequentado por filhos de imigrantes (China, Mali, Antilhas, Tunisia), lugar de mistura étnica e social, onde há barreiras com o idioma e preconceito racial; a realidade da escola é crítica. 114 Psicologia da Educação Atividades 1. Agora que você leu o capítulo, destaque quatro pontos que você considera relevantes, inquietantes e significativos à ati- tude educativa reflexiva. 2. Explique o que significa considerar no processo de aprender a diversidade e diferença individual. 9 O campo transferencial Irene Carmem Piconi Prestes [...] não me parece haver uma única razão de peso para negar às crianças o esclarecimento que sua sede de saber exige. Sigmund Freud Inicialmente salientamos que a produção do conhecimento no contexto escolar relaciona-se aos processos cognitivos, à aprendiza- gem escolar e ao desenvolvimento humano, para tanto, entendemos que nas investigações desses processos, devemos considerar que os mesmos são dinâmicos e de natureza psicológica e envolvem o su- jeito que ensina e o sujeito que aprende. Dessa maneira, as páginas a seguir apresentam a contribuição da dimensão “psi” à educação, procurando estabelecer na relação entre o sujeito que ensina e o su- jeito que aprende uma organização do espaço educativo a partir do conceito psicanalítico de transferência. A fim de discorrer sobre o fenômeno da transferência, tomamos especialmente as considerações freudianas apresentadas nos textos: A Dinâmica da Transferência (1912) e Observações sobre o Amor de Transferência (1914), quando Freud conceitua a transferência como uma manifestação do inconsciente que permeia qualquer re- lação humana, destarte, é um fenômeno que está presente na relação professor-aluno. Revelada no campo específico da relação médico-paciente, Freud se deu conta da constância com que a transferência também ocorria nas diferentes relações estabelecidas pe- las pessoas no decorrer de suas vidas. Entendida como a 116 Psicologia da Educação repetição de protótipos infantis vivida com uma sensação de atualidade acentuada, nada impede que a transferência se dirija ao analista ou a qualquer outra pessoa, (KUPFER, 1989, p. 88) Desde que Freud definiu o conceito do inconsciente (1905) e nos fez conhecer uma outra dimensão “psi” que interfere nos comporta- mentos, nas atitudes, na visão de mundo e no equilíbrio emocional do sujeito e nas relações com o ambiente, a transferência está presen- te como um dos conceitos fundamentais da psicanálise. O ser humano, espécie animal dotada da condição de lingua- gem e pensamento, reveste-se de uma estrutura psíquica (de afetos, sentimentos, significados, sentidos e desejo) com inúmeras forma- ções inconscientes. Essas formações lhe concedem uma existência singular, particular, única e com efeitos no seu modo de existir, nas relações intra e interpessoais. Propiciando, por consequência, uma maneira peculiar de interação do sujeito com seu ambiente social. Por tais razões, considera-se que as relações humanas estão re- cheadas de significações “psi” que transparecem no comportamento, na atitude, na visão de mundo, no modo de perceber as coisas ao re- dor, porque eles encontram-se vinculados aos significados e sentidos dados às experiências pessoais, à história de vida. Essas experiências significativas envolvem o existir do humano como um todo, dando significados e sentidos inesperados e ignorados a gestos, a palavras, a sonhos, a erros, a tristezas, ao trabalho, ao aprender e ao ensinar que, à primeira vista, nada têm de significativo para cada um de nós. Os significados e sentidos simbólicos construídos por efeitos das relações com as pessoas também vão se manifestar no ambiente escolar, ou melhor, o professor tem uma percepção, um saber inconsciente sobre seu aluno que interfere nos processos de ensino- -aprendizagem, ainda, o adulto construiu historicamente uma mentalidade sobre a criança que diz das interpretações subjetivas ao lugar (de pertencimento e reconhecimento) dado à infância. O campo transferencial 117 A psicanalista Kupfer (1989, p. 79) remete a questão a Freud e endossa sua posição, citando: Freud, por sua própria posição frente ao conhecimento, gostava de pensar nos determinantes psíquicos que levam alguém a ser um desejante de saber. Nessa categoria, in- cluem-se os cientistas, que devotam a vida à pergunta por quê, e às crianças que, a partir de um determinado momen- to, bombardeiam os pais com por quês. Quer dizer, interrogam o outro acerca de questões particulares na busca do saber. Essa fase é descrita no senso comum como a “fase dos por quês” e verifica-se que, por vezes, é difícil ao adulto/educador acolher essa fase da criança/aluno, sendo esta rotulada de “chata”, “entediante”, “metida a adulto”. O que o adulto não percebe é que sustentar, dar lugar a essa “fase” da criança vai favorecê-la a desenvolver o pensa- mento reflexivo-crítico, a condição opinativa e a tomada de decisão, importantes marcas para a vida adulta. Essa posição questionadora da criança, seguindo o pensamento freudiano, a conduzirá, também, no seu processo de escolarização, quando inicia sua busca pelo desejo de saber, de conhecer e de apren- der. Nesse momento, será acompanhada pelo educador, que lhe forne- cerá as experiências escolares significativas para o seu aprender. Entendendo-se a função do educador como mediador do conhe- cimento e que o aluno traz ao contexto da relação professor-aluno suas compreensões e elaborações próprias. A criança começa a desvendar o mundo das letras e dos números, ou melhor, estará aprendendo com a parceria do adulto/educador. Tem- se aqui um marco da contribuição da teoria psicanalítica. Para Freud, a capacidade cognitiva do homem decorre do processo de significação e sentido psíquico inconsciente; para além de uma maturação orgânica, as relações com os objetos e o ambiente social é que de fato importam. Pois dizem de como as experiências estão sendo significadas e qual o sentido inconsciente que a criança/aprendiz dá a elas. 118 Psicologia da Educação Para Freud, esse processo começa quando a criança “quer saber so- bre algo”, interroga a existência humana, de onde eu vim? Para onde eu vou? Quem eu sou? No momento que desperta para a diferença entre os sexos, o homem e a mulher, quando faz distinção de gênero, analogias, ordenações, classificações,entre outras operações mentais lógicas. A descoberta da diferença sexual anatômica pela criança é ainda reconhecida pelo adulto, que faz marcações claras do que pertence ao campo do homem e da mulher. Como exemplo, lembremo-nos das atividades esportivas na escola, nas quais o futebol é para meninos, lugar de menina é na arquibancada como torcedora. Os brinquedos e brincadeiras são outros exemplos que, sem dúvida, delimitam a diferença entre os sexos. As crianças vão estender essas diferenças ao mundo das letras e dos números e às relações interpessoais ao seu redor e concluirão, para si mesmas, que as pessoas pensam, escolhem e fazem coisas diferentes umas das outras. Após essas considerações, podemos levantar a seguinte questão: o que é aprender para Freud? Kupfer (1989) diz que aprender, para a Psicanálise freudiana, supõe a presença de um outro, de um professor, colocado numa determinada posição. Sendo assim, o ato de aprender sempre pres supõe uma relação com outra pessoa. Aprender é apren- der com alguém num espaço transferencial educativo em que o edu- cador é quem acolhe, que oferece ao aluno o lugar de aprendiz, e que reconhece nos seus questionamentos, perguntas e comentários, a pos- sibilidade de construir o desejo de saber, de conhecer e de aprender. 9.1 Aprender com o professor Nesse ponto, iremos destacar a partícula “com”, pois é importante para o tema que desenvolvemos, a Transferência e a Ação Educativa. Para Freud, o trabalho inicial do professor deve ser com o estabelecimento do campo transferencial de tro- cas subjetivas entre professor e aluno. Esse é o Vídeo O campo transferencial 119 campo relacional e, essencialmente, característico do ser humano. Considera-se que a subjetividade refere-se à capacidade do sujeito de perceber o sentido, de fazer alguma coisa com ele e de produzir outro sentido, quer dizer, a cada encontro do sujeito com outro su- jeito, abre-se a possibilidade de um sentido novo. A partir do exposto, sugere-se ao professor que antes da apresen- tação do conteúdo correspondente à disciplina e ao plano de ensino previsto, o professor deve dirigir sua atenção para a dimensão psico- lógica subjetiva que se caracteriza por estabelecer a relação de víncu- lo, de confiança e de empatia entre professor/aluno. Segundo Kupfer (1989, p. 87), “por isso, pode-se dizer que, da perspectiva psicanalítica, não se focalizam os conteúdos, mas o campo que se estabelece entre o professor e seu aluno, que estabelece as condições para o aprender, se- jam quais forem os conteúdos”. De onde podemos concluir que o que importa é a relação com o aluno, o que importa é o campo do discurso (da linguagem, das palavras) entre professor e aluno. Sigmund Freud (1969, p. 286), num discurso proferido no ano de 1914, em comemoração ao 50.o aniversário de fundação do colé- gio em que estudou dos 9 aos 17 anos, em Viena, diz: Minha emoção ao encontrar meu velho mestre-escola ad- verte-me de que, antes de tudo, devo admitir uma coisa: é difícil dizer se o que exerceu mais influência sobre nós e teve importância maior foi a nossa preocupação pelas ciên cias que nos eram ensinadas, ou pela personalidade de nossos mestres. É verdade, no mínimo, que esta segunda preocupação constituía uma corrente oculta e constante em todos nós e, para muitos, os caminhos das ciências passa- vam apenas através de nossos professores. Alguns detive- ram-se a meio caminho dessa estrada e para uns poucos – por que não admitir outros tantos? – ela foi por causa disso definitivamente bloqueada. Destarte, compreendemos que isso se configura, no mundo atual, num grande desafio à educação e ao educador. Desse modo, refere-se à formação profissional do professor, a qual deve estar 120 Psicologia da Educação atualizada à luz das novas concepções, decorrentes do desenvolvi- mento no campo da Ciência e da Filosofia, ocorrido no século XX. Segundo o autor Nóvoa (1999, p. 178): o professor vive com grande intensidade este período da sua existência, mas o sentido dos caminhos que percorre pode ser diferente. Tenta ocupar plenamente o seu espaço de trabalho e se forem encontradas vias de aprofundamento da profissão – na gestão da escola, em tarefas de formação pedagógica, através da colaboração em experiências inova- doras – o professor poderá desenvolver um trabalho inten- so, diversificado e enriquecedor, de forma gratificante pela retribuição afetiva e pelo significado social encontrado. Outro ponto essencial a ser considerado é a escola, a qual, para estar atualizada com o seu tempo, terá que ser reconstruída. E, por quem? Fundamentalmente, por educadores. Esse desafio constitui uma mudança de paradigma do processo pedagógico, que se inicia por meio da atitude reflexiva do educador, interrogando-se sobre o desejo de saber do aluno em sua relação com o seu desejo de ensinar; assim, deverá (des)construir as pró- prias concepções, (re)definindo-as, dando outra direção e buscando novos objetivos e, principalmente, outros significados para as prá- ticas pedagógicas, pois as interpretações que o professor faz desse encontro professor-aluno interferem no processo ensino-aprendi- zagem e isso significa dizer que estamos todos ligados pelo fato de oque o outro é, em relação a nós. Um dos maiores desafios para o educador é a constante atua- lização da sua concepção de “conhecimento”. Segundo o filósofo Edgar Morin (1999), atualmente, o conhecimento significa um pro- cesso de construção contínuo, significa saber-poder reorganizar as informações no seu contexto, ao todo ao qual pertence. Quer dizer, contextualizar o conhecimento, conferindo-lhe significado e sentido ao sujeito. O campo transferencial 121 Desse modo, construir uma educação que possibilite enlaçar os conhecimentos às políticas sociais significa construir para a práti- ca da cidadania, com a responsabilidade social do eu com o outro; ou melhor, que permita aprendizagens significativas ao sujeito que aprende e ao sujeito que ensina. 9.2 O campo de transferência A transferência, dependendo do seu manejo pelo professor, permite que o aluno apresente um particular interesse pelo mestre e pelo saber; o pro- fessor pode acreditar imaginariamente que tenha o poder sobre o saber do aluno. Isso produz um efei- to imaginário e põe o aluno a trabalho, a produzir lembranças e a fazer associações. O que se transfere, na relação com o outro, são imagens que se relacionam com as antigas vivências significativas com outras pessoas, especialmente com as figuras ma- terna e paterna. A transferência, sendo um conceito fundamental da teoria psica- nalítica e sendo também uma experiência do particular, faz pensar so- bre o lugar do professor – suporte dos fenômenos de transferência na relação interpessoal. Entende-se a transferência como sendo “aquilo que se transfere”, que movimenta-se, que adquire outro sentido, quan- do desloca-se de um lugar para outro, ou melhor, quando se deslocam os afetos e os significados da história de vida de cada um. No espaço da relação transferencial professor-aluno, Almeida (2002, p. 97) diz: o que está em jogo é o que representa este ou aquele aluno no inconsciente do professor, na sua constelação de insíg- nias, e de que lugar, imaginário ou simbólico, ele responde ao desejo de saber do aluno ou à sua obstinação de nada querer saber. Vídeo 122 Psicologia da Educação Ainda, a transferência constitui condição de trabalho para o profes- sor, mas também é o que obstaculiza o trabalho. Vamos ilustrar esse con- ceito com um belíssimo texto retirado do livro Sonhos de Transgressão, de Fátima Mernissi (1996, p. 237), que narra o seguinte momento: Naquela tarde memorável, tive a estranha sensação de que alguém estava manipulando o crescimento de asas ou in- cutindo visões de voos no pátio aparentemente tranquilo. Mas quem estaria efetuando a magia? Calei-me, apurei os ouvidos e olhei em volta. As mulheres, absorvidas nos seus bordados, estavam divididasem duas equipes. Cada uma concentrava-se, em silêncio, fixando a atenção no seu próprio desenho. Mas, quando se fazia esse tipo de silêncio completo no pátio, significava que uma guerra sem palavras estava em andamento. E quem olhasse atentamente para os projetos de bordados saberia em torno do que se estava tra- vando tal guerra: o eterno conflito entre o taqlidi (tradicio- nal) e o asri (moderno). Chama e mamãe, representantes do lado moderno, estavam bordando um objeto que fugia aos modelos convencionais e parecia a asa de um grande pássa- ro, estendida em pleno voo. Não era a primeira vez que se inspiravam num pássaro voando, mas o impacto da imagem continuava forte como sempre, porque o outro lado, tendo à frente a avó lalla Mani e lalla Radia, havia condenado a obra, como o havia feito em relação às anteriores, sob a alegação de que não ficava bem para suas criadoras escolher seme- lhante tema. O desenho do outro lado era sobre um tema tradicional. Tia Habiba estava do lado tradicional, traba- lhando com a equipe no mesmo mrema (tear), mas somente porque não podia se permitir declarar-se abertamente re- volucionária. Bordava em silêncio, metendo-se com a sua (modesta) vida. Assim, deslocam-se na transferência significados e sentidos, quando o desejo se liga a um elemento muito particular, que ocor- re de um lugar a outro, dos sonhos da modernidade aos bordados revolucionários, os quais movimentam-se na obra de suas autoras. Nas relações educacionais, constata-se, então, que o professor se apropria desse lugar especial onde o aluno o coloca, inconsciente- mente. Acreditando ser essa pessoa especial para o aluno, verifica-se O campo transferencial 123 o poder atribuído ao professor, estabelecido nesse campo de relação transferencial. Na leitura de Kupfer (1989, p. 92): “O desejo transfere sentido e poder à figura do professor, que funciona como mero supor- te esvaziado de seu sentido próprio enquanto pessoa”. Do lado do aluno constata-se que o que quer do seu professor na relação transferencial é que ele suporte esse lugar vazio e perma- neça ali onde o colocou, mas, acreditem, não é nada fácil estar aí. Devemos lembrar que esse professor é, também, um sujeito marca- do pelo seu desejo inconsciente, por suas histórias de vida. Sendo assim, na posição de mestre, tenderá a abusar do lugar que ocupa, submetendo seu aluno, impondo-lhe suas próprias concepções, va- lores e modelos preconcebidos do aluno idealizado. Isso significa que o encontro professor-aluno se dá nesse cenário das formações inconscientes de significados e sentidos; o que quer que seja dito e comunicado ali, será interpretado por eles, desde esse lugar suposto no outro, no espaço da transferência. Mais uma vez salientamos que as pessoas estão enlaçadas umas às outras na transferência, que se caracteriza por: • ser uma manifestação inconsciente; • acontecer nas diferentes relações entre as pessoas decorrentes dos laços afetivos que tiveram ou têm com o outro; • ser uma repetição de protótipos, de imagos infantis, vividos com uma sensação de atualidade acentuada; • o professor poder tornar-se a figura a quem são endereçados os interesses de seu aluno, porque é objeto de uma transferên- cia. E o que se transfere são experiências vividas primitiva- mente, nas relações parentais; • buscar-se a atualização de significados e sentidos dados à his- tória pessoal na relação transferencial professor-aluno; Na relação professor-aluno, a transferência se produz quando o desejo de saber do aluno se apega a um elemento particular que é a pessoa do professor. 124 Psicologia da Educação A partir do exposto, entendemos que a forma pela qual o edu- cador responde ao laço transferencial, na sua relação com o aluno, é fundamental para que ele possa realizar seu desejo de saber e seu trabalho de aprendiz. Finalmente, tomar a transferência no espaço educativo significa que o professor, ao confrontar-se com o aluno, deve sempre colocar a seguinte interrogação: como eu sou na rela- ção com o outro meu aluno? Dica de estudo • NUNES, Marcia Regina Mendes. Psicanálise Educação: pen- sando a relação professor aluno a partir do conceito de trans- ferência. Colóquio do LEPSI do IP/FE-USP, jun. 2006. Esse texto decorre da pesquisa de mestrado da autora, que teve por objetivo contribuir para a área da educação, desta- cando a importância de o professor conhecer a relação trans- ferencial, a função de saber que ocupa nessa relação perante o aluno. Visando elucidar acerca da transferência na relação professor-aluno e o poder que o professor tem nas mãos como um interlocutor privilegiado. Atividades 1. Tomamos a inspiração do grande poeta Fernando Pessoa, com seu heterônimo1 Ricardo Reis, e ressaltamos que o pen- samento é emoção, é paixão, é criação. O leitor há de perceber o estilo genial de Pessoa, uma das figuras mais importantes e curiosas da literatura. O poema a seguir descreve sobre um 1 Heterônimo: (em Literatura) nome imaginário que um criador identifica como o autor de obras suas e que, à diferença do pseudônimo, designa alguém com qualida- des e tendências marcadamente diferentes das desse criador (DICIONÁRIO HOUAISS da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2004). O campo transferencial 125 dos aspectos da dimensão psicológica a serem considerados na prática educativa, explique-o. Odes escolhidas Sim, sei bem Que nunca serei alguém. Sei de sobra Que nunca terei uma obra Sei, enfim, Que nunca saberei de mim. Sim, mas agora, Enquanto dura esta hora, Este luar, estes ramos, Esta paz em que estamos, Deixem-me crer O que nunca poderei ser. Ricardo Reis 2. Retire do texto capítulo três pontos que justificam o campo transferencial e a ação educativa. 10 O campo da ética e o mal-estar na educação Irene Carmem Piconi Prestes A ética só é verdadeiramente assumida quando, à afirmação para si da liberdade, acrescenta-se a vontade de que exista a liberdade do outro. Eu quero que exista tua liberdade. Paul Ricouer A educação é um dos temas que nos inquieta, incomoda cons- tantemente, já que nos remete ao sentido do “educar”. Falar em edu- cação significa refletir sobre a natureza e o destino do ser humano e sua relação com o si mesmo e com o outro. Neste texto trazemos a contribuição da Psicologia à educação acerca da dimensão psicológica que envolve o “educar”, especifica- mente, trataremos do campo ético tomado pela via da teoria psica- nalítica. Ética essa que dá a direção às ações educativas presentes nas relações entre pais-filhos, aluno-professor, cidadão-sociedade. Atualmente, os processos educativos retratam verdadeiras “bata- lhas” escolares (discriminação, intolerância, violência, apatia, revan- chismo) que apontam à emergência de outra atitude, de uma nova postura, na relação, entre as pessoas. Confrontados com esse quadro caótico, o educador é intimado a resolver esses problemas em sala de aula. Assim, é preciso investir na potencialidade humana de crescimento físico, social, cognitivo e psíquico na direção de uma comunidade digna de se viver, submeti- da à lógica dos direitos e deveres correlatos. Vídeo 128 Psicologia da Educação Nesse sentido é que este texto apresenta o campo ético, como o modo que as pessoas significam e dão sentido às relações com o ou- tro, quer dizer, a interpretação inconsciente que a pessoa dá às suas experiências com os objetos e as coisas ao redor. É isso que nos alerta a psicanálise, a ordem da representação simbólica é mais importante que o objeto, a coisa; ainda, “a maneira como os homens usam a pa- lavra elefante determina o que será feito com ele – antes mesmo que se pegue em um arco ou fuzil” (LACAN, 1998). Tendo por referência o documento oficial da educação, os Parâmetros Curriculares Nacionais, vemos o quanto é pertinente, neste momento, esta discussão: Os PCN de 5.a a 8.a séries elencam de forma clara alguns princípios ou ações para tratar um grupo ou uma comuni- dade, exigindo do cidadãoo conhecimento das normas que regem a conduta aceita nos mais variados âmbitos, como o social, o cultural e o político. Os PCN definem quatro blo- cos de conteúdo para o ensino da ética. Eles foram organi- zados para que os alunos tenham informações sobre como atuar autônoma e criticamente em uma sociedade democrá- tica. (REVISTA NOVA ESCOLA, 1999, p. 35) • Respeito mútuo – é a valorização de cada pessoa, independente de sua origem social, etnia, religião, sexo, opinião. Revelar seus conhecimentos, expressar sentimentos e emoções, admitir dúvidas sem ter medo de ser ridicularizado, exigir seus direitos são atitudes que compreendem respeito mútuo. • Justiça – num primeiro momento, pode remeter à obediência, às leis. Mas o conceito de justiça vai além disso. É a busca da igualdade de direitos e de oportunidades, o que pressupõe o julgamento do que é justo ou injusto. • Solidariedade – é a expressão de respeito dos indivíduos uns pelos outros. Ser solidário é partilhar um sentimento de inter- dependência e tomar para si questões comuns. Solidariedade inclui desde a ajuda a um amigo até a luta por um ideal cole- tivo da sociedade. O campo da ética e o mal-estar na educação 129 • Diálogo – a comunicação entre as pessoas pode ser fonte de riquezas e alegrias. É uma arte a ser ensinada e cultivada. Mas atenção: o diálogo só acontece quando os interlocutores têm voz ativa. Limitar-se a impor visões de mundo sem considerar o que o outro tem a dizer não constitui um diálogo. Nos PCN de 1.a a 4.a séries, está claro que todos devem ser res- peitados, não importando o sexo, a religião ou a etnia. (REVISTA NOVA ESCOLA,1998, p. 67). O respeito mútuo, a justiça, o diálogo e a solidariedade são pontos de destaque dentro do conteúdo de ética nas quatro primeiras séries do Ensino Fundamental. A importância de incluí-los no programa se torna clara quando as diversas etnias, culturas, religiões e opiniões, presentes na forma- ção da população brasileira, são levadas em conta. Essa di- versidade gera preconceitos, que se manifestam na forma de intolerância ou desprezo em relação ao que é diferente. Os alunos devem saber que todas as pessoas são dignas de respeito, não importa sexo, idade, cultura, raça, religião, classe social ou grau de instrução. A ética permeia todo o currículo. Está nas guerras, estudadas nas aulas de História, no jeito certo ou errado de falar nossa língua, ou no cuidado com o meio ambiente. Além disso, o tema está presente nas relações internas da escola. A convi- vência democrática entre professores e alunos ou entre cole- gas vale como uma bela experiência para os estudantes. O trabalho do professor em sala de aula, no que diz respeito à ética, deve possibilitar ao aluno ser capaz de: • compreender o conceito de justiça e perceber a necessidade da construção de uma sociedade justa, digna de se viver; • respeitar as diferenças entre as pessoas; • acolher as diferenças entre as pessoas, aos que fogem à norma; • ser solidário e rejeitar discriminações; • aplicar os conhecimentos adquiridos na escola para construir uma sociedade democrática e solidária; 130 Psicologia da Educação • valorizar o diálogo como forma de esclarecer conflitos e to- mar decisões coletivas; • construir uma imagem positiva de si, confiar em sua capaci- dade de escolher e realizar seu projeto de vida, e legitimar as normas morais que garantam a todos essa realização; • assumir posições, considerando diferentes pontos de vista e aspectos de cada situação. É um desafio para o educador ensinar o ato da reflexão, ou seja, ensinar a pensar sobre o que se pensa, pois é isso que nos faz diferen- tes de outras espécies, nos faz essencialmente humanos. Incentivar a reflexão, despertar o senso crítico, a curiosidade, a criatividade, a in- vestigação científica do aluno é o que de fato deve ser feito no “educar”. Como afirma Savater (2002, p. 46), “ao mestre cabe fomentar esse desejo de saber e mostrar que podemos sempre ser melhores à medida que adquirimos mais conhecimentos. Devemos ter humani- dade, capacidade de respeitar e uma alegria cidadã contagiosa”. A partir do exposto, vamos refletir sobre a ética e seus princípios, já que essa ação nos ajudará a praticar essa outra postura educativa. Inicialmente, com o referencial psicanalítico, precisamos compreen- der a ética e a moral. A ética refere-se às proposições fundadoras do discurso, da linguagem, da representação simbólica, a moral refere- -se às necessidades induzidas desses princípios fundadores. Nesse ponto temos que pensar sobre “o que é ética?” e “o que a aproxima da moral?”. Vale ressaltar que ética não é reprodução de comportamento-padrão, nem deve confundir-se com a moral. A ética é um conjunto de regras que serve como base para via- bilizar o relacionamento social satisfatório entre pessoas diferentes que buscam, entre si, a igualdade. A ética se baseia no respeito às diferenças individuais, às escolhas pessoais, como único meio de se atingir a igualdade social. A ética da responsabilidade, do respeito, do pertencimento e do reconhecimento. O campo da ética e o mal-estar na educação 131 A partir do conceito psicanalítico de ética entendemos o sujei- to do desejo e não do indivíduo em desenvolvimento que aparece na Pedagogia. A ética, como mola propulsora da ação educativa, é um dos eixos fundamentais do processo psicanalítico. Considera o sujeito do desejo inconsciente, interpretado no campo simbólico (significado e sentido) como diferente e singular. O que vamos buscar com ética dos trabalhos é a implicação, o compromisso, o engajamento de cada um dos agentes escolares, seja ele: professor, aluno, pai, funcionário escolar ou, ainda, a comunida- de escolar como um todo. Tomar a ética como norteadora das ações educativas presente na relação professor-aluno significa buscar inscrever e desenvolver uma diferença, um distanciamento do núcleo do que constitui, ao mesmo tempo, o trabalho de adaptação, da moralização e da nor- malização da educação. Assim, o que dizer da escola enquanto espaço e tempo da moral e da ética? Na sua vertente tradicional, a escola trabalha em uma perspectiva de regularização e de moralização da criança, que tem uma disposição natural para a irregularidade. E num apontamento histórico da relação da criança com a escola: temos que, de Platão a Durkheim, esta continua sendo o espaço e o tempo da aquisição dos bons hábitos, dos quais dependem não só o surgimento de um indivíduo conforme as normas, mas também do ser humano em so- ciedade. Seguindo as ideias de Durkheim, publicadas no livro Moral Education (A Educação Moral), em 2002, constatamos que a moral prima por um caráter de transformar o indivíduo em parte integran- te do meio; por seu turno, subtrai do indivíduo algo da sua liberdade, da sua possibilidade de emancipação, de criação e de invenção. A moral revela-se, seguindo os princípios da identidade e da não contradição, capaz de cálculo e, ao proceder desse modo, garante a cada um o autodomínio e o controle dos outros, como expressão de uma razão que entende não tanto sonhar, fantasiar, imaginar, mas 132 Psicologia da Educação comportar-se adequadamente; ela dispõe de todos os meios de pro- dução e de acúmulo de bens e virtudes. Imbert (2001, p. 26) nos aponta que “exatamente nos aspectos em que a empreitada de moralização (de educação) continua substi- tuindo o cordão umbilical por novos vínculos muito mais sólidos, o projeto ético tem como único objetivo cortar tais vínculos”. Quando buscamos distinguir ética e moral, esta nos sugere a distinção entre a lei e a regra. A regra é o princípio constitutivo dos hábitos e das formalizações, ela reúne e mantém o todo unido e igual. A lei, na sua apresentação psicanalítica, inscreve o lugar, a posição do sujeito articulada à representação simbólica da palavra, do trabalho e do compromisso com o outro. O engajamento ético entende-se como estilo, postura, atitude por meiodo qual o sujeito não só exerce e desenvolve suas potencia- lidades, mas ainda continua a se autocriar, através da autocriação de outro(s) sujeito(s). No campo da ética, está aberta a possibilidade de escolha para o sujeito, e também é suposto aqui o seu envolvimento subjetivo, a responsabilização com seu ato, o qual leva em conside- ração o outro, quer dizer, está submetido à Lei dos humanos, ainda somos dependentes dos outros semelhantes para viver. O trabalho educativo orientado pela ética da Psicanálise in- troduz a dimensão do sujeito do desejo. Ela, a ética, convida a educação a enfrentar a tarefa inacabável de não mais visar o um, de estilhaçar a dominância da imagem, do ideal, ou seja, reconhecer que, para o ser vivo falante, não existe modelo único, não existe sistema fixo de representações. Um outro ponto a discutir diz respeito à função do professor de produzir alunos-objetos, alunos-submissos, a fim de garantir e de consumar a sua própria imagem (do professor). Com efeito, convém que o professor, nessa condição de mestre, cuja função consiste em regularizar as condutas de outrem e mantê-lo sob estrito controle, comece por se regularizar e exercer um estrito autocontrole. Dessa O campo da ética e o mal-estar na educação 133 maneira, a moralização e a eficácia da regra dependem do compor- tamento educativo do mestre. Quando a regra não é cumprida, é o mestre, no exercício da maestria, que se sente em débito com a educação e se queixa da situação ocorrida com o seu aluno-ideal. O pedido do professor dirige-se a um aluno identificado, co- nhecido, colado a uma imagem idealizada. Compete ao bom aluno refletir o sucesso do mestre. O aluno útil é aquele regulado, que não opõe resistência à imposição da ordem; um indivíduo suficiente- mente leve para ceder totalmente ao trabalho da educação, o qual consiste em esvaziá-lo de si mesmo, de sua história pessoal de vida. Essa prática constitui a eficácia do mestre. Assim, revela-se o paradigma pedagógico, adulto-mestre/supe- rior e criança-aluno/inferior, disciplina/indisciplina. Dessas opo- sições, reguladas entre superior/inferior, maturidade/imaturidade, poder/não poder, resultam, naturalmente, relações de força, de po- der e de violência no contexto escolar. Quanto ao mau aluno, fixado a uma imagem negativa, sua única saída será confinar-se a essa imagem e transformá-la em sua insígnia. Atualmente, a figura da maestria está se deteriorando e, nesse caso, o mestre perde a esperança de poder produzir seja lá o que for. Considerando o exposto até aqui, sob a ótica da ética do sujeito, um dos aspectos principais da ação educativa é promover uma mu- dança no educador, para que faça emergir o pensamento indepen- dente do aluno. Nóvoa (1999, p. 190), acerca da profissão professor, nos diz: a forma mais feliz de prosseguir a carreira parece decorrer, como noutras profissões, de: estar atento e aceitar a aven- tura, os riscos, os desafios; considerar e prosseguir gran- des metas finais, distinguindo-as dos objetivos realizáveis a curto prazo; manter um certo grau de liberdade; analisar a experiência própria e reconhecer o valor dos erros e dos acertos; escutar e reconhecer a razão dos outros; repensar a sua vida e reviver cada dia. 134 Psicologia da Educação Dessa maneira, podemos construir uma rede complexa de posições para fazer a diferenciação do maior número possível de espaços; de que os alunos, individualmente, possuam sua própria capacidade de acolhimento, e onde cada um possa investir da for- ma mais diferenciada e singular possível, podendo beneficiar-se com os efeitos dessa experiência de significado e sentido para a história pessoal. Ampliamos essa discussão para a construção de uma sociedade que dê lugar à diversidade, e que respeite as diferenças individuais. Como o texto de Schilling (2002, p. 23) sobre a ética, a educação e a sociedade: Estas respostas serão necessariamente coletivas e políticas. Quero concluir sugerindo a inserção desta discussão sobre ética e educação na discussão do mundo, nesta tentativa que estamos fazendo nesta lenta e tortuosa construção/invenção da democracia no Brasil, de traçar uma nova relação entre governantes e governados, que passa pela formulação de uma nova visão da confiança e da promessa formuladas co- letivamente e que possibilitem o agir conjunto. Finalmente, tratar do campo da ética e da ação educativa signifi- ca construir e manter laços com a cultura, trabalhando permanente- mente no lugar de eternos aprendizes. Dica de estudo • Filme: Ensaio sobre a Cegueira, do diretor Fernando Meirelles. Um filme para sentir e pensar sobre as relações humanas, a humanização e a civilização. Trabalha questões relativas à percepção de mundo de cada pessoa. O filme discorre sobre a degradação da sociedade contemporânea durante uma epide- mia de cegueira, levando ao colapso social, à miserabilidade das relações humanas. O campo da ética e o mal-estar na educação 135 Atividades 1. Vale a pena refletir! Lendo e se possível ouvindo esta belíssi- ma música – “Tocando em frente” – de Renato Teixeira e Al- mir Sater. Se vocês tiverem a gravação, podem ouvir algumas vezes para refletir sobre a letra. Em seguida, vamos pensar: eu, como educador e cidadão, estou colaborando de alguma forma para viver dentro dos princípios éticos? Ando devagar porque já tive pressa E levo esse sorriso porque já chorei demais Hoje me sinto mais forte, mais feliz, quem sabe Eu só levo a certeza de que muito pouco eu sei Eu nada sei Conhecer as manhas e as manhãs, o sabor das massas e das maçãs É preciso amor pra poder pulsar, é preciso paz pra poder sorrir É preciso chuva para florir [...] Todo mundo ama um dia, todo mundo chora Um dia a gente chega, no outro vai embora Cada um de nós compõe a sua história E cada ser em si carrega o dom de ser capaz De ser feliz [...] 2. Proceda à leitura e depois uma breve análise da citação abaixo: “Prevalece a ideia de que as pessoas têm de levar vantagem em tudo. Eles temem que o filho perca os instrumentos ne- cessários para se defender em uma sociedade que privilegia os espertos. Têm a impressão de que ele será o único a agir com ética e sentem medo de que se torne um bobão”. (ZAGURY, Tânia. É preciso dizer não! Revista Nova Escola, São Paulo: Abril, mar. 2000, p. 16-17.) Gabarito 1 O encontro entre a Psicologia e a Educação 1. A sala de aula é um espaço relacional de encontro de dois atores escolares: professor e aluno. Cada um carrega uma ba- gagem própria, histórias de vida, experiências, significados e sentidos do viver, que se manifestam no campo da sala de aula. Demonstrando que a dimensão subjetiva integra as ati- vidades educativas, daí a importância da consideração dos aspectos, dos interesses dos alunos articulados aos planos de ensino capazes de canalizar a atenção do aluno para o co- nhecimento. Ainda, a sala de aula é entendida como uma manifestação grupal do humano, que necessita de um líder, de regras, de objetivos claros a fim de garantir seu funciona- mento saudável. 2. Nessa questão se quer destacar o saber da experiência pessoal do professor como um dos alicerces do conhecimento, valori- zando o saber próprio. Indiretamente, aponta-se que na apren- dizagem o saber do aluno deve ser considerado no processo de ensinar. Ainda, na construção do conhecimento integram-se vários saberes: do professor, das ciências da educação e de ou- tras áreas afins ao conhecimento que se está construindo. 2 O mundo moderno e as tecnologias 1. Alguns pontos podem ser explorados nessa questão: • o uso das tecnologias na escola propõe a inserção de no- vos paradigmas na estrutura institucional da escola (ques- tiona a educação formal, as habilidades e competências 138 Avaliação do impacto e licenciamento ambiental pretendidas, efeitos da linguagem audiovisual na aprendi- zagem, postura didática com o audiovisual). • implica pensar as condições socioprofissionais do educa- dor, pensar no perfil deeducador, familiaridade do educa- dor às novas tecnologias. • implica pensar sobre as políticas públicas de comunicação e educação integradas à formação do aluno. • refletir sobre as condições socioambientais apropriadas da escola ao ambiente virtual, implica pensar a escola. 2. Destaca-se a contribuição do campo “psi”, da dimensão psí- quica (consciência psíquica) nos aspectos inconscientes e conscientes. Aponta para a dinamicidade subjetiva do sujeito, que pode (re)aprender sempre, não havendo determinismo absoluto a consciência psíquica humana. Convite a pensar sobre a condição humana no mundo atual, estando imersa no campo virtual, e nos efeitos subjetivos. O filósofo Maurice Merleau-Ponty destaca a valorização da experiência expressi- va vinculada ao outro. Interroga a construção do pensamento no encontro eu-outro. Identifica a expressividade de nossas experiências à constituição temporal de nossa subjetividade, quer dizer, articula mente-corpo e experiência na produção do pensamento, das ideias, do conhecimento. 3 Problemas dos pais: crescendo com o outro 1. Um dos pontos a serem considerados é que as crianças de hoje são educadas, muitas vezes, numa estrutura familiar distinta daquela que seus pais viveram. Outro ponto é to- mar a dependência afetiva humana do outro, ao nascer, so- mos dependentes dos cuidados do outro pra sobreviver, e aí se inscreve um laço afetivo que talvez nunca chegue a uma independência emocional absoluta e essa é uma das tarefas Gabarito 139 que o filho tem de elaborar. Outro ponto são as projeções que os pais fazem de seus desejos no filho, as expectativas colocadas nos ombros dos filhos como herdeiros dos pais. Na desconsideração do desejo próprio, das particularidades do filho. Outro ponto é entender que emocionalmente, para que o filho se torne independente, adulto, para que adquira uma identidade pessoal, terá que opor-se aos pais, às suas ideias, aos seus valores e caberá aos pais, na tarefa de educadores, suportar e entender que essa é uma fase de elaboração, para a construção de novos vínculos com a família e a sociedade. 2. Espera-se que a resposta esteja circunscrita aos aspectos educativos essenciais ao ser humano, as trocas interpessoais adulto-criança. Entendendo que a educação é possível desde que mediada pelo outro (adulto, pais, professor). Educa-se o sujeito, que nasce “produto inacabado”, e terá que se cons- truir humano, social e singular. “Ninguém poderá educar-me se eu não consentir, de alguma maneira, se eu não colaborar, uma educação é impossível, se o sujeito a ser educado não investe pessoalmente no processo que o educa”. 4 O bebê e o enfrentamento do educativo 1. • As primeiras relações afetivas da criança influenciam muito sua estruturação psíquica futura. Isso inclui os primeiros anos de vida. Assim, tanto as relações familiares quanto as demais (como as do espaço escolar) são determinantes. • No desenvolvimento psíquico e emocional do indivíduo, um aspecto é defendido por diversos estudiosos como de fundamental importância, é a interação mãe-bebê. A re- lação entre a mãe e seu filho, a influência entre ambos reflete diretamente no desenvolvimento infantil e na sua 140 Avaliação do impacto e licenciamento ambiental personalidade posterior. Quando a mãe se vincula ao fi- lho, ela estabelece com ele um compromisso emocional, o qual irá estimulá-la a exercer a função materna. Sem esse compromisso, a vinculação se compromete, gerando per- turbações que podem se constituir em ocasiões que levam a criança a ser negligenciada e a não investir na promoção do seu desenvolvimento. • Winnicott concluiu que a saúde mental do indivíduo é construída por um ambiente facilitador fornecido por uma “mãe suficientemente boa”, isto é, por uma mãe que reconhece a dependência inicial do filho e se adap- ta ativamente às suas necessidades. Pais com seus filhos é a mais forte e mais importante das ligações humanas. Os recém-nascidos, embora ativos e conscientes, não po- dem sobreviver por si só, e os vínculos da mãe e do pai são fundamentais para a sobrevivência e o desenvolvimento do bebê. O poder dessa ligação é tão grande que capacita à mãe e ao pai fazerem contínuos sacrifícios necessários para o cuidado da criança. • Como as relações entre a mãe e o filho são muito intensas, a entrada da figura paterna na relação mãe-filho estabe- lece o equilíbrio necessário para não se desenvolver um quadro patológico. Da mesma forma, a relação da criança com outros (na escola, por exemplo) é importante e sadia. 2. • A aquisição do conhecimento acontece a partir da interação entre o sujeito e o objeto. A criança constrói o conhecimen- to no contato interativo com o meio (físico, social, cultural). • Antes do aparecimento da linguagem, Piaget e Inhelder (1998) admite a existência de uma inteligência prévia. A inteligência, nessa fase, ocorre como resultado da adap- tação ao mundo pelos movimentos e pelos sentidos. Gabarito 141 • Vygotsky (2000) busca compreender a origem e os pro- cessos de desenvolvimento psicológicos ao longo da vida da espécie humana e do indivíduo. Preconizando que o desenvolvimento depende em parte da maturação orgâ- nica, mas é o aprendizado que possibilita os processos internos do desenvolvimento. Diz que é o aprendizado que desperta os processos internos do indivíduo, liga o desenvolvimento da pessoa à sua relação com o ambiente sociocultural e à sua situação de organismo que não se desenvolve plenamente sem o suporte de outros de sua espécie. Aprendizado para Vygotsky significa incluir a interdependência dos indivíduos envolvidos no processo chamado ensino-aprendizagem. • As abordagens teóricas cada vez mais priorizam a intera- ção e a estimulação. A intervenção deve ser organizada a fim de desafiar a criança. A solicitação oferecida pelo meio ao bebê deve causar-lhe um desequilíbrio cogniti- vo, deve despertá-lo para algo que não saiba solucionar para então ser capaz de buscar novas soluções e assim avançar cognitivamente. 3. Ao trabalharmos com o desenvolvimento cognitivo estamos ao mesmo tempo trabalhando com o emocional. Eles são in- separáveis e interinfluentes. Por isso, existem hoje inúmeras atividades a serem propostas à criança pequena no intuito de estimulá-la. A Psicomotricidade deve ser considerada como forte aliada nesse trabalho. É fundamental na atividade escolar a interação entre crianças e adultos. Tanto o adulto como a criança podem ser media- dores. A qualidade da mediação inclui ambiente rico de rela- ções e estímulos. 142 Avaliação do impacto e licenciamento ambiental 5 Sobre a educação da criança 1. • Brincar é um importante elemento de mediação da crian- ça com o mundo, pois é aí que ela coloca o seu desejo. • No brincar a criança trabalha refletindo questões do mun- do interno e externo. • Cada contexto sociocultural, em acordo aos seus valores e o modo de vida, constrói uma imagem do brincar infantil. 2. • Educa-se com um discurso que seja capaz de incluir o su- jeito na cultura. O educar é necessário ao processo de hu- manização do homem. Educa-se na relação com o outro, mediados pela linguagem. Primeira relação fundamental mãe (função materna)-filho, pai (função paterna)-filho. • Os pais têm papéis essenciais para que o sujeito coloque- -se em relação com o outro, no contexto social, na escola. Os pais depositam no filho a filiação, a transmissão gera- cional. Dão ao filho um lugar na família (reconhecimento e pertencimento subjetivo), recheado de afeto o qual cons- trói os laços humanos afetivos e sociais. • Cabe à mãe no processo de educação do filho, dizer-lhe que esta é a sua imagem refletida no espelho, começa, as- sim, o processo de compreensão da criança, de si mesma, e do mundo ao seu redor. Inicia-se o processo da identidade pessoal, reconhecimento das suas potencialidades. 6 O fracasso escolar nos dias de hoje 1. O ponto essencial dessa questão é considerar a partir das contribuiçõescurriculares e pedagógicas. A escola não deve ser vista como fábrica ou oficina, como sugere a tradição funcionalista, mas o locus da preparação do sujeito social para a vida, o que implica no desenvolvimento das subjeti- vidades e da personalidade humana livre. Assim, vivemos um processo de passagem para uma ativida- de educativa voltada aos princípios democráticos e de cidadania. Trata-se, de inserir a escola em um fazer pedagógico, curricular, funcionando numa dinâmica entre a liberdade e o engajamento, permitindo o desenvolvimento de políticas educativas voltadas às diversidades sociais, à autonomia, à equiparação de oportunidades e, também, à diversidade no contexto escolar, no cotidiano das salas de aula. Seguindo o pensamento de Carvalho (2000), pode-se dizer que a educação é um processo demorado e não temos a certeza de que to- dos (os profissionais) que se colocarem nessa situação construirão o perfil almejado, hoje tão necessário em um mundo de rápidas trans- formações, em que se espera do profissional em educação dinamis- mo, criatividade, flexibilidade, autonomia e qualidades diferenciadas, como conhecimento das tecnologias da computação, além de boa comunicação. Esse parece ser o perfil esperado do profissional em educação nos dias atuais. 16 Psicologia da Educação 1.3 A sala de aula: o professor/aluno/ conhecimento Tendo por referência a consideração da psicolo- gia aplicada à educação compreendemos a sala de aula como campo relacional de ensino e de apren- dizagem, como espaço de possibilidades interativas, de trocas interpessoais, onde a ação educativa deixa de exercer o controle e passa a ser uma atividade que conduz ao crescimento e à flexibilidade para as mudanças dos agentes escolares. O desenho abaixo ilustra, caricaturalmente, o que o olhar e a palavra do professor, da escola tradicional despertavam no aluno: apenas o sentimento de temor, na desconsideração da sub- jetividade, dos aspectos afetivos que envolvem o sujeito aprendiz. Figura 2– Autoritarismo pedagógico. Fonte: Adaptado de HARPER, 2003, p. 46. Já a proposta para os dias de hoje é que o educador tenha um olhar crítico-dialético. Entende-se a educação como uma visão de mundo a ser compartilhada com a comunidade escolar, como um processo de construção no qual os procedimentos sociais, políticos e culturais são desencadeados. O novo paradigma educativo visa constituir uma rede de interdependências pessoais, para realizar as diversas atividades pedagógicas. A experiência escolar é também Vídeo O encontro entre a Psicologia e a Educação 17 uma relação consigo mesmo, uma relação com os outros agentes escolares e, finalmente, é uma relação com o conhecimento. No processo de ensinar e de aprender, temos uma relação de três elementos: o professor, o aluno e o conhecimento. No campo relacional de ensino e aprendizagem, que caracteriza a aquisição do conhecimento por meio das atividades escolares, podemos destacar as funções, conforme Almeida (2002), do campo imaginário, que remetem ao campo transferencial, campo do encontro entre profes- sor/aluno, da posição subjetiva dos sujeitos, porque ensinar depende do educador, mas aprender depende do aluno. Souza (2002, p. 107) relata: “É do aluno colocar-se ou não em movimento em direção ao saber”. Outro campo que se nos afigura é o do simbólico, ou seja, o conhecimento presente na cultura, na linguagem, no contexto só- cio-histórico. E, finalmente, há o campo do real, que se apresenta sem garantias, sem certezas de sucesso ou de fracasso escolar para o professor e para o aluno. Educar é um constante desafio, não é uma missão fácil para o educador. São múltiplas as variáveis que interferem na atividade docente, como a formação e a atualização profissional, as condi- ções salariais, as jornadas de trabalho, os recursos didáticos, entre outras, que decorrem das contingências do contexto social e das políticas educacionais. Como nos confirma Nóvoa (1999, p. 179): a mediocridade das condições de trabalho, os efeitos frus- trantes da rotina e da normalização impostas [...] associam- -se aos problemas resultantes do baixo nível remunerativo, às múltiplas solicitações exteriores, e levam o professor a responder às suas necessidades de afirmação e de expansão fora da escola. Dessa forma, não se pode questionar apenas as transformações no educar e no ensinar, uma vez que essas são inseparáveis das transformações sociais mais amplas. 18 Psicologia da Educação A fim de concluir, tem-se que na via da dimensão “psi” a subjeti- vidade integra a atividade educativa, desse modo, nos sugere que se deve criar um espaço na escola em que o professor seja ouvido sobre sua experiência de educar, sobre as dúvidas que cercam a atividade educacional, e sobre a solidão e as incertezas que giram em torno das práticas pedagógicas. Segundo Almeida (2002, p. 105), “só é capaz de educar e de ensinar aquele que suportar o fracasso constitutivo do ato educativo”. Dessa maneira, essa é uma ação escolar que fortalece a atividade docente, quando o professor pode usar da palavra, do diálogo, da fala visando a significação, a construção de um sentido para sua existência como educador-desejante, ainda, como pessoa afetiva aberta para aprender sempre. Por um momento, endossaríamos as palavras de Souza (2002, p. 114) sobre o professor e o movimento de educar, que deveria ser de: religar os professores à tradição que se encontra na raiz po- lítica de sua vocação. [...] é aquele que professa e ensina uma ciência, uma arte, uma técnica, uma disciplina. É um mestre e é um perito. É também aquele que professa publicamente sua crença numa verdade. Remeter os professores ao seu nome significa afirmar, acima de tudo, o direito à trans- missão, com todas as suas exigências internas, é certo, mas com todos os seus efeitos imponderáveis, contra todas as manobras que colocam o futuro do aluno como prefixado e num limite pré-indexado seu desejo. Queremos finalmente dizer que, na atividade do professor, com- parece a subjetividade. Esse campo subjetivo nutre-se da interação interpessoal, da afetividade, dos sentimentos, da maneira de per- ceber o real e a significação que ocorre em uma ou outra situação. Essas parecem variar sensivelmente, dependendo do grupo étni- co, religioso ou socioeconômico ao qual o sujeito pertence. Assim brevemente aproximamos as áreas do conhecimento psicológico, O encontro entre a Psicologia e a Educação 19 psicanalítico e educativo e justificamos a importância da conexão entre o “psi” e o educativo para o pleno desenvolvimento do ser humano. Dica de estudo • DAVIS, Cláudia. Psicologia na Educação. São Paulo: Cortez, 1994. p. 104-105. Procure aplicar o projeto 04 desse livro, onde a autora trata de uma observação do cotidiano de uma sala de aula. Desenvolver a capacidade de observação é um exercício que favorece o au- toconhecimento, a descoberta das potencialidades e limites pessoais. Favorece a convivência, a solidariedade com o outro. Ainda, abre a possibilidade de transformar e criar atitudes que sejam educativas e que possam ir ao encontro da satisfação, da realização pessoal e profissional e da afetividade. Atividades 1. Explique, com as suas palavras, como podemos compreen- der a sala de aula tendo por referência as contribuições da dimensão “psi“ para a educação. 2. Analise o trecho do texto “Triângulo do conhecimento”. Levante três pontos interessantes do texto e discuta-os com seus colegas. O triângulo do conhecimento procura traduzir a existên- cia de três grandes tipos de saberes: o saber da experiência (professores); o saber da pedagogia (especialistas em ciên- cias da educação); e o saber das disciplinas (especialistas dos diferentes domínios do conhecimento). Nos períodos de inovação educacional, há uma certa ten- dência a valorizar a ligação dos professores aos especia- listas pedagógicos. Nos momentos mais conservadores, 20 Psicologia da Educação procura-sedo campo “psi” à educação que não existem Gabarito 143 crianças que não aprendem, ou fracassadas escolares; o que existem são crianças em situação de fracasso, impedidas cir- cunstancialmente de aprender. Assim tem-se que focar na aprendizagem e não no fracasso; quer dizer, deve-se identifi- car os modos de aprender da criança, sua relação com o sa- ber. Deve-se considerar que são muitos os aspectos que estão presentes numa situação de fracasso escolar, o que significa que localizar o fracasso na criança é trabalhar numa leitura linear de causa-efeito. Entender que o sujeito é um ser huma- no, aberto para as relações interpessoais. 2. A escola como uma instituição social atrelada ao momento histórico contribuiu para o fracasso escolar do aluno. A escola, enquanto um organismo vivo, interage com a comunidade, faz alianças com ela, responde a realidades mais amplas, como o Estado e o país. É um organismo responsável pela transmis- são dos conhecimentos socialmente acumulados, dos valores sociais vigentes. A escola estabelece um perfil de aluno, e isso determina o olhar que é dirigido ao aluno, ao comportamen- to-padrão, às potencialidades do aluno e ao aproveitamento escolar esperado. Assim, a escola pode olhar o aluno de ou- tra maneira, relativizar atos e atitudes que não correspondem ao perfil idealizado de aluno; parece ser esse o caminho para transformar algo no cotidiano relacional da escola. 7 Questões relativas à violência na vida em sociedade 1. Nessa questão espera-se uma resposta de cunho pessoal, que parta de um profissional educador, portanto que esteja refe- renciada na lei social, nos documentos que regulamentam os direitos universais humanos. Vale aqui citar: 144 Avaliação do impacto e licenciamento ambiental Declaração Universal dos Direitos Humanos – 1948. O direito à vida. Artigo 1° Todos os seres humanos nascem livres e iguais em digni- dade e direitos e, dotados que são de razão e consciência, devem comportar-se fraternalmente uns com os outros. Artigo 3° Todo indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança de sua pessoa. O direito à integridade da vida. Artigo 5° Ninguém será submetido a torturas, penalidades ou trata- mentos cruéis, desumanos ou degradantes. O direito à vida privada e à honra. Artigo 12° Ninguém será objeto de ingerências em sua vida privada, sua família, seu domicílio ou sua correspondência, nem de ataques à sua honra ou reputação. Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais ingerências ou ataques. 2. Nessa questão espera-se que uma resposta de cunho pessoal, com a visão de um profissional educador, portanto que este- ja referenciada na lei social, neste caso deve circunscrever o Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei 8.069/90, Brasil. Artigo 3° A criança e o adolescente gozam de todos os direitos funda- mentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da prote- ção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilida- des, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, espiritual, moral e social, em condições de liberdade e de dignidade. Artigo 5° Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer aten- tado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais. Gabarito 145 Artigo 7° A criança e o adolescente têm direito à proteção, à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência. Artigo 53° A criança e o adolescente têm direito à educação, visan- do ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-se-lhes: I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II – direito de ser respeitado por seus educadores; III – direito de contestar critérios avaliativos, podendo re- correr às instâncias escolares superiores; IV – direito de organização e participação em entidades estudantis; V – acesso à escola pública e gratuita próxima de sua residência. Parágrafo único – É direito dos pais ou responsáveis ter ciência do processo pedagógico, bem como participar da definição das propostas educacionais. 8 O desafio da diferença 1. Espera-se que as respostas estejam circunscritas aos seguin- tes pontos: • refletir sobre sua prática, se está possibilitando ao alu- no uma atitude de inquietação, de curiosidade diante da situação-problema; • criar momentos em que o desejo do aluno possa aflorar; • refletir sobre o campo relacional professor-aluno, o su- cesso no ensinar e no aprender, a missão do educador nos dias de hoje; • atualização profissional constante. 146 Avaliação do impacto e licenciamento ambiental 2. Inicialmente entender que a diferença tomada a partir da dimensão psicológica refere-se às diferenças individuais decorrentes de idade, história escolar e pessoal, estilos de aprendizagem, potencialidades, habilidades, interesses e aspirações particulares. A diversidade tomada pelo viés antropológico e sociológico trata da diversidade humana e é um fato numa sociedade plural. Integra todos os segmentos populacionais representados por etnias, raças, nacionalidades, culturas. Num segundo momento espera-se que a resposta possa tratar da atitude do educador frente à diversidade cultural e às diferenças individuais do aprendiz, que é de acolher o aluno, mediar a relação professor-aluno pela linguagem, reconhecer a condição humana e o caráter essencialmente humano que estão no campo relacional (consciente/inconsciente). Reconhecer no processo de aprender a presença dos aspectos subjetivos (afetivos e emocionais) entre os dois sujeitos (professor/aluno). 9 O campo transferencial 1. O poema trata da dimensão psíquica humana inconscien- te, sua subjetividade, os sentidos e os significados dados em consequência das relações com o outro. Por subjetivo, con- sidera-se a capacidade do sujeito de perceber o sentido, de fazer alguma coisa com ele e de produzir outro sentido, quer dizer, a cada encontro de sujeito com o outro, abre-se a pos- sibilidade de um sentido novo, isso vai se dar num campo de transferência (sujeito com sujeito). 2. • No campo da relação transferencial, proposto pela psica- nalise, o que está em jogo é o que representa este ou aquele aluno no inconsciente do professor. Gabarito 147 • Transferência como um conceito fundamental da teoria psicanalítica trata da experiência do particular, faz pensar sobre o lugar do professor como suporte de transferência na relação com o aluno, o desejo do aluno deve aflorar em detrimento ao desejo do professor. • Transfere-se (inconsciente) na relação com o outro, as imagens que se relacionam com as antigas vivências (de significados e sentidos) com outras pessoas, especialmen- te com as figuras significativas afetivo-emocionalmente. 10 O campo da ética e o mal-estar na educação 1. Estar tomado pela ética, segundo a referência psicanálise, significa que na relação educativa deva-se dar lugar ao sujei- to (do inconsciente, de desejo), estilhaçando a dominância da imagem, do ideal, ou seja, se reconhece que para o ser humano não existe um modelo único, não existe sistema fixo de representações. O sujeito é único e será reconhecido pelo outro, pela via ética, como singular. 2. Espera-se que a resposta esteja circunscrita nas distinções entre moral e ética. Entendendo que ambas têm que estar presentes numa convivência social. Embora, historicamente, na cultura brasileira, carrega-se o estigma “jeitinho brasilei- ro”, “levar vantagem em tudo”. Referências ALMEIDA, S. Psicanálise e educação: revendo algumas observações e hi- póteses a respeito de uma (im)possível conexão. Revista Psicanálise Infância Educação, São Paulo: Linear B./USP, 2002. ANDRADE, C. D. de. Corpo. Riode Janeiro: Record, 1997. AQUINO, J. G. O aqui-agora escolar. Nova Escola, São Paulo: Abril, n.154, ago. 2002. ______. A escola como ela é: o aqui-agora e escolar. Nova Escola, Brasília: v. 17, n. 154, p. 16, ago. 2002. ______. Ética e cotidiano escolar: as regras do convívio democrático em sala de aula. In: AQUINO, J. G. Licenciatura em História: pesquisa e práti- ca pedagógica IV. Disponível em: . Acesso em: 18 maio 2009. ARENDT, H. A Condição Humana. 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PSIC O LO G IA D A ED U C A Ç Ã O Irene C arm em P ico ni P restes / M aria d e Fátim a Jo aq uim M inetto Código Logístico 57561 Fundação Biblioteca Nacional ISBN 978-85-387-6459-5 9 788538 764595 Página em branco Página em brancojuntar o saber da experiência ao saber das disci- plinas. Atualmente, o saber dos professores tende a ser des- valorizado em favor de um saber científico (da pedagogia ou das outras disciplinas). Saber da experiência Saber da pedagogia Saber das disciplinas Um dos principais paradoxos na história dos professores reside no fato de os tempos-fortes da reflexão científica em educação contribuírem para um maior prestígio social da profissão, mas também, e simultaneamente, para uma cer- ta desvalorização dos seus saberes próprios. Na verdade, a afirmação do saber da pedagogia (dos especialistas em ciências da educação) faz-se, frequentemente, a partir de uma depreciação do saber da experiência (dos professores). As práticas de racionalização do ensino contêm os elemen- tos de uma deslegitimação dos professores como produtores de saber. (NÓVOA, Antonio (Org.). Profissão Professor. Porto, Portugal: Porto, 1999. p. 9-10.) 2 O mundo moderno e as tecnologias Irene Carmem Piconi Prestes Como ninguém pode ao mesmo tempo deter um grande renome e uma grande quietude, que cada um tire vantagens do seu tempo onde lhe é dado viver sem precisar denegrir o tempo dos outros. Tácito Na consideração da complexidade das questões do mundo mo- derno e da sociedade, neste texto, busca-se salientar os aspectos afetivos e emocionais presentes nas relações entre as pessoas nos dias de hoje. Destaca-se a direção das páginas a seguir sob a óti- ca psicológica, da dimensão subjetiva. Ainda, as contribuições dá Psicologia e da Psicanálise ao espaço relacional escolar. Como re- trata Antonio Nóvoa (1999), quando discorre sobre a passagem dos anos e os efeitos nas relações cotidianas e a identidade profissional de professor: “vivemos um tempo de fascínio pela imagem, pelo espetáculo que parece captar-nos, envolver-nos no movimento, no efêmero, esvaziando memórias, quebrando o sentido das coisas que garantiam estabilidade e segurança” (NÓVOA, 1999, p.179). Nessa direção pode-se dizer que o mundo atual se revela como reconhecedor dos problemas e detentor da solução para os problemas humanos. A sociedade na dinâmica da organização e das relações sociais, propõe regras a serem seguidas para se ter sucesso profis- sional, sucesso financeiro, sucesso no amor, realização dos sonhos, e não faltam receitas de como consegui-los. A sociedade, desse modo, 22 Psicologia da Educação reconhece que todos têm direitos e deveres iguais, não há diferenças entre: crianças, adolescentes, adultos, idosos, homens ou mulheres. Dessa maneira, o que o nosso tempo parece produzir é aquilo de que a pessoa precisa, antes mesmo de ela saber do que precisa, pa- recendo, assim, antecipar-se à dimensão subjetiva do sujeito, às suas escolhas e à sua dúvida, à sua incerteza e ao seu sofrimento. Sob essa ótica, compreende-se que a dinâmica das relações sociais, por estar- mos vivendo numa democracia capitalista, valoriza sobremaneira os objetos que estão aí para serem livremente produzidos, descartados e consumidos. O que significa dizer que as relações pessoais são aná- logas às relações cotidianas com os objetos e sua posse. No poema a seguir, Carlos Drummond de Andrade descreve o perfil social do indivíduo nos dias de hoje; leia com atenção: Eu, etiqueta Em minha calça está grudado um nome que não é meu de batismo ou de cartório, um nome... estranho. Meu blusão traz lembrete de bebida que jamais pus na boca, nesta vida. Em minha camiseta, a marca de cigarro que não fumo, até hoje não fumei. [...] Estou, estou na moda [...] (ANDRADE, 1997, p. 85) Hoje, parece que o que importa é estar na moda, atender aos proclamas da moda, aos logotipos do mercado, à etiqueta, ou seja, a supervalorização está nos objetos de consumo. Vive-se num mundo do “descartável”, onde tudo e todos podem ser trocados a qualquer hora, por qualquer motivo. O que a vida de hoje impõe é uma ética voltada ao individual, ao prazer imediato e instantâneo, muito adequada ao modo das rela- ções do capital, de produção de lucratividade e de competitividade. E há infinitas possibilidades de ter os objetos de consumo, desde “pagamentos parcelados, a perder de vista” ou “a primeira prestação O mundo moderno e as tecnologias 23 só daqui a noventa dias”, entre outras, bastante tentadoras (SODRÉ, 1987). Desse modo, no contexto social atual, em que as referências de base (regras e leis) para a organização social não fornecem uma efetiva regulação (moral e ética), as relações se caracterizam como sendo mais impessoais e, por consequência, vê-se um afrouxamento dos laços sociais e familiais. Um lembrete importante, o contexto social interfere também no significado social da família. Os objetos determinam como a pessoa deve ser, tal como escreve Carlos Drummond de Andrade (1997, p. 85-86) no texto a seguir: “[...] hoje sou costurado, sou tecido sou gravado de forma universal, saio da estamparia, não de casa, da vitrina me tiram, recolocam, objeto pulsante mas objeto [...]” Vive-se em meio a mudanças contínuas, nas quais o sujeito vale mais pelo que ele tem, pelo que possui, do que por si mesmo. Convive-se numa sociedade do universal, da integração mundial com a globalização, com as tecnologias avançadas, com os satélites de comunicação e a comunicação virtual, que convoca o sujeito a uma unificação, a uma unicidade, a uma só voz, uma só língua para o homem. O Mercosul e o Mercado Comum Europeu apontam para um mundo sem fronteiras e sem limites para as relações humanas, num apagamento das diferenças culturais e da história individual. O movimento do pensamento contemporâneo tende, desse modo, a negar a existência do sujeito do inconsciente, do desejo de cada pessoa, valorizando os processos da consciência, do Eu. O mo- mento atual exige mudanças rápidas e, rapidamente, as coisas estão sendo superadas. Por exemplo, vejamos o que são os manuais dos utilitários (notebook, câmeras digitais, MP3, GPS), quando terminarmos de lê-los, já serão obsoletos. Ah! Isso só se aplica aos adultos, pois as crianças mexem e remexem e os fazem funcionar sem que para isso 24 Psicologia da Educação tenham que ler os manuais. Parece que não temem o novo, o desco- nhecido, vão tentando e fazendo descobertas. Com certeza, as crianças de hoje são muito mais habilidosas e talentosas do que as de 30 anos atrás. Nossos alunos também o são. Por que elas conseguem e nós, adultos, não? Talvez a resposta esteja no fato de que, para elas, a tecnologia é um dado da sua cultura, da cultura à qual elas pertencem. Ao adulto, só resta estar pronto para aprender as novas tecnologias. E o que dizer da tecnologia nuclear? Sodré (1987) diz que os conflitos de guerra têm sido adiados devido ao poder de destruição das armas nucleares, pois seu uso destruiria os dois lados do com- bate, e só haveria perdedores. A ficção cinematográfica tem mate- rializado, com belíssimas imagens, os efeitos das guerras atômicas. Desse modo, as políticas internacionais exigem diplomacia e uma convivência internacional harmoniosa que, se não chega a ser coo- perativa, assume uma postura de aceitação pacífica e de tolerância. Como nos relata Arendt (1993, p. 303), vivemos um momento de passagem do conflito entre ge- rações para um conflito de acomodação de espaço entre as gerações. Antes, o olhar social era vertical, havia o certo, ou seja, a virgindade, a honestidade, o trabalho, a religiosidade e o errado. Hoje, é mais horizontal, sabemos melhor que a hipocrisia de nada adianta, não se julga, compara-se. Menos ética, mais estética, ou talvez mais etiqueta. Mais uma vez, Carlos Drummond de Andrade (1997, p. 85-86) convida-nos a refletir sobre isso no poema “Eu, Etiqueta” que, de certo modo, vai ao encontro do pensamento de Arendt . [...] Eu é que mimosamente pago para anunciar, para vender em bares festas praias pérgulas piscinas, e bem à vista exibo esta etiqueta [...] O mundo moderno e as tecnologias 25 O poema “Corpo” (ANDRADE, 1997,p. 85) nos convida a uma atitude reflexiva sobre os modismos importados e a relação com a identidade pessoal: [...] É doce estar na moda, ainda que a moda seja negar minha identidade, trocá-la por mil, açambarcando todas as marcas registradas, todos os logotipos do mercado. Com que inocência demito-me de ser eu que antes era e me sabia tão diverso de outros, tão mim-mesmo, ser pensante, sentinte e solidário com outros seres diversos e conscientes de sua humana, invencível condição. Agora sou anúncio, ora vulgar ora bizarro, [...] Assim, o poeta nos convoca a pensar sobre a atual condição humana, sobre o mundo em que estamos imersos, onde a realidade e o virtual, o ser e o ter, o sujeito e o objeto, o imaginário e o real se (con)fundem. 2.1 Tecnologia da imagem e do olhar A tecnologia nos traz outra questão e esta se refere à imagem e ao olhar. Segundo Sodré (1987), trata-se do “efeito de vitrina”, que se tem dissemi- nado, nos dias de hoje, desde os projetos arquitetô- nicos gráficos, que constroem “casas paradisíacas”, “casas de vidro“, com uma riqueza de detalhes in- críveis da realidade virtual, mostrando-se quase reais. Até na de- coração do ambiente interno das casas destaca-se e valoriza-se a imagem visual. Outra situação, muito difundida, é o uso das lâminas escuras nos vidros dos carros, que faz ver sem ser visto, comerciali- zadas como acessório de segurança. Ainda, por outro lado, a tecnologia avançada dos computadores nos mostra o que não poderia ser visto de qualquer outro modo, tal Vídeo 26 Psicologia da Educação como uma célula viva se multiplicando, a formação e a atividade vulcânica, mostradas por meio de animação científica, e o interior do corpo humano vivo, mostrado por radioscopia. O que temos, de um lado, é a extraordinária capacidade criati- va do homem; do outro, sua completa disponibilidade, a absorção. No aspecto do perfil social que compõe o leitor, ou o receptor, o es- pectador ou o ouvinte, podemos entender que se parte de um perfil abstrato, bizarro, sem identidade pessoal. Pensa-se na contradição entre a capacidade criativa, sensível e inovadora e a impotência, a insensibilidade e a apatia do homem atual. É o que nos relata Sodré (1987, p. 27): aquele que agora não se deixa ver é o mesmo que detém o poder, as regras de organização disciplinar daqueles que são vistos. Esta dicotomia entre ver e ser visto é correlata à outra, fundadora da função individualizante moderna: a separação radical, por parte do indivíduo, entre si mesmo e seu papel social. O mundo moderno parece viver a chamada realidade virtual. Estamos na era da imagem. E ela nos fascina, é encantadora e unificadora dos campos imaginário e real. A era da imagem resulta numa forma de relacionamento social e impõe um outro modo de comportamento, uma outra forma de organização social. Novamente, recorremos à poesia de Carlos Drummond de Andrade (1997, p. 85-86) para explicar o perfil social do homem atual: [...] meu isso, meu aquilo, desde a cabeça ao bico dos sapatos, São mensagens, letras falantes, gritos visuais, ordens de uso, abuso, reincidência, costume, hábito, premência, indispensabilidade, e fazem de mim homem-anúncio itinerante, escravo da matéria anunciada. [...] O mundo moderno e as tecnologias 27 Mas falar de imagem, da irresistível fascinação que nos cau- sa, é discorrer sobre a comunicação veiculada por meio dela, que está presente na vida do homem, desde muito tempo, na mitologia. Na Pré-História, a imagem nos pictogramas e nos grafismos tinha uma função mágica, que representava a impotência do homem fren- te à soberania da mãe natureza. A comunicação visual que primeiro se manifesta na história tem uma função complexa, em que, muitas vezes, são superpostas intenções utilitárias, técnicas, narrativas, ar- tísticas ou religiosas. Isso quer nos dizer que o olhar comunica, tem um significa- do, uma direção e está presente na história da evolução do homem. Na era da imagem, vem a importância do olhar, do ver e do ser visto. O olhar é um meio de possuir ou de ser possuído. O olhar é tido como suscetível de evocar sentimentos de temor, mistério e amor. O olhar interfere no desenvolvimento social-afetivo do bebê e está presente na constituição subjetiva do sujeito. Vamos recordar o que nos diz Cunha (2002, p. 378): Uma mulher consegue interagir olho a olho com seu filho quando deixa de olhar seu bebê internalizado. E o bebê real consegue sentir-se em segurança e organizar seus ritmos quando seu olhar se alinha ao da mãe. Ao se observar na prática, não é exagerado afirmar que, quando os olhares se encontram, estará garantida a comunicação intersubjetiva e empática que livra o recém-nascido da sensação de desam- paro e concede à mãe a individualidade do seu bebê e de quais limites ele necessita. Então, essa troca interativa pelo olhar está presente, desde o nascimento, no processo de constituição da subjetividade, na estruturação psíquica do sujeito. Assim, o olhar-se mutuamente faz-se essencial nas relações interpessoais (mãe/bebê, homem/mu- lher, professor/aluno, eu/outro) durante a vida. Os autores Lebovici (1987) e Winnicott (1999) também desta- cam como fundamental para o desenvolvimento social-afetivo do 28 Psicologia da Educação bebê a interação pela via do olhar entre a mãe e o bebê. Por meio do olhar a mãe transmite seus sentimentos e emoções e essa vivência refletirá nos sentimentos do bebê, favorecendo a constituição da imagem de si mesmo, o sentimento de bem-estar, de confiança, se- gurança no ambiente. Citamos agora um exemplo do cotidiano relacional. Por vezes, desconfiamos das pessoas que quando falam não dirigem o olhar ao seu interlocutor. Ainda, a experiência do olhar, a troca de olhares com o outro, remete, por vezes, à cumplicidade entre os pares, entre os casais: “nós nos entendemos por um simples olhar”. É um impor- tante elemento para o fundamento emocional e sua manifestação no campo social. Recordemos a narrativa mitológica que valoriza a importância do olhar. Trata-se de Eros e Psiquê, filha de rei, e dotada de uma beleza excepcional, objeto de grande admiração e também de medo: ninguém quis se casar com ela. O rei, seguindo a indicação do orá- culo, levou a filha ao alto de um rochedo. Psiquê adormece e, quan- do acorda, está no jardim de um palácio magnífico. Foi acolhida por vozes que a guiaram e se puseram ao seu serviço. À noite, veio vê-la seu marido que, sem lhe revelar o nome, advertiu-a de que jamais deveria olhar para ele. Psiquê viveu feliz dessa forma até que, um dia, cedeu à tentação e voltou o seu olhar para o rosto do marido, Eros, deus do amor. Eros a abandona como punição por ter violado o tabu (HAMILTON, 1983). O que podemos inferir é que Eros queria ver sem ser visto, o que aponta para as relações amorosas no aspecto importante do olhar, da imagem. Temos, atualmente os programas de reality show, os sites on-line de encontros para casais, que buscam pelo par ideal. Os interessados cadastram-se e o sistema de computação ocupa-se de apresentar o par ideal, a partir do perfil indicado pelos candida- tos, aquele que virtualmente é o par perfeito, aquele que suposta- mente atende às necessidades do interessado. É, dessa maneira, uma O mundo moderno e as tecnologias 29 relação entre “espelhos sociais” (SODRÉ, 1987), em que cada um dos parceiros extrai do outro a imagem de si mesmo, ou seja, suas iden- tidades sociais, seus perfis sociais. É interessante pensarmos que a proposta de casamento ideal, do par perfeito, nega aquilo que Sodré (1987, p. 16-17) discute: a relação entre ambos precisa da diferença para existir, mas também da experiência de não deixar que a imagem con- tinue sendo apenas uma imagem, ou seja, precisa também de se aventurar no real. Assim, na identificação imaginá- ria, homem-mulher, primeiro aparece a diferença, mas para logo ser abolida. O prazer e o gozo residem na abolição da diferença, na morte dos termos de sujeito e objeto:homem e mulher reafirmam o poder de se assemelhar, de buscar o duplo imaginário de si mesmos. Assim, temos que homem e mulher atraem-se pelas diferenças e, equivocadamente, permanecem juntos pelas suas semelhanças, por aquilo em que acreditam que “se combinam”; esquecem-se do que os atraiu, a sedução, o mistério, a inquietação pelo outro, a falta. Segundo Freud, a escolha do objeto de amor faz-se por oposição do objeto sexual, pela diferença. Para os candidatos ao par ideal, o objeto é eleito conforme a pró- pria imagem, que busca a si mesmo como objeto erótico narcísico. Assim, parecem trocar a sedução causada pelo olhar do outro, que lhe põe em falta consigo mesmo, por uma fascinação, uma adoração pelo outro como completude de si mesmo, partindo do campo da realidade, das diferenças (de gênero, crença, cultura, etnia), das im- perfeições, para um campo do imaginário (da ilusão da perfeição, da não contradição, da fascinação). Como pensar, atualmente, os efeitos da imagem da televisão na vida humana? É fato que a televisão ocupa um lugar importante no cotidiano das pessoas, pois, muitas vezes, ela é uma parceira. De olho na telinha, o indivíduo, independentemente da idade, aprende comportamentos aceitos socialmente. 30 Psicologia da Educação A televisão, enquanto veículo transmissor de informações, acaba com a divisão hierárquica de classes, propõe novas relações sociais, pois todos têm o direito de ver a mesma programação, no mesmo horário. Portanto, a mensagem veiculada pelos meios de comunica- ção é única, como também é único o interesse de quem a transmite e tem o controle da mensagem que será transmitida. Na era da imagem, a comunicação passa de uma característica de circulação restrita para a circulação da massa. A comunicação de massa deve ser dirigida a um receptor genérico, de idade variável entre 8 a 80 anos, de condição social média, de interesses e neces- sidades genéricos, enfim, alguém que não existe pois seu perfil é abstrato e sem identidade pessoal, é um resultado estatístico. Isso é o que nos indicam os índices de circulação e de audiência. A imagem que é transmitida pelos meios de comunicação carre- ga um significado e um sentido predeterminado que lhe é próprio. A imagem opera mudanças na estrutura psíquica e nos modos de percepção do indivíduo contemporâneo. Esses veículos de comu- nicação estão articulados com todas as instâncias sociais de uma economia de mercado. Para Brandão (1994, p. 187), a capacidade que uma câmera tem de ampliar um objeto e penetrar onde nosso olhar não pode penetrar nos leva a um arrebatamento, ao encantamento das imagens. Esse encan- tamento proveniente do imediatismo como representação do mundo e dos seres vai produzir um choque direto na nossa afetividade e na nossa sensibilidade. A expectativa é que o telespectador, o admirador, fique fas- cinado, satisfeito, feliz e motivado ao consumir a mensagem. Vale, aqui, destacar o crescimento dos programas interativos com a participação do telespectador, como aquele que “decide”, que tem o poder decisório, onde “a vontade da opinião pública é sagrada”. O telespectador vota e determina sobre o desenlace que quer de uma dada situação, decide sobre o fim, o que vale é a sua vontade. O mundo moderno e as tecnologias 31 O telespectador vota sem sair de casa, na segurança do lar. Na can- ção de Oswaldo Montenegro, “Mistérios do mundo”, de 2001, é rela- tada a sensação do autor em participar dos mistérios do mundo, por meio da televisão: “[...] Eu gosto dos mistérios do mundo De olhar o mundo pela televisão Fechar os olhos num segundo Mistério profundo esse da escuridão eu te amo todo imundo [...]” Vemos que o telespectador ameniza a solidão que os tempos atuais lhe impõem, estando ligado à imagem da televisão, que demanda: “fique ligado na telinha”. Muitos serviços de comércio eletrônico têm-se propagado, como serviço de supermercado, domésticos, e outros, que se podem obter conectado à internet. Isso faz com que a pessoa não precise mais sair de casa para viver socialmente, compartilhar experiências, afetar-se com a presença do outro e emocionar-se com a convivência com o outro. Constatamos, também, a crescente busca por profissões que aju- dam na manutenção desse novo paradigma sociocultural, como: a informática, a comunicação social, o jornalismo, a publicidade e a propaganda. 2.2 O uso da tecnologia na escola A educação, como importante segmento da vida social, não poderia deixar de refletir as tendências de comportamento e de interação social das tecnologias. Portanto, se a escola não usar as tecnologias, será vista pelos agentes escolares (aluno, professor, pais) como estando em descompasso com o mundo de hoje, distanciando-se do emocionante e vibrante mundo das comunicações modernas. Vídeo 32 Psicologia da Educação O uso da tecnologia coloca a escola em sintonia com a era da imagem que nos cerca e os resultados motivacionais em sala de aula são marcantes. Os recursos educacionais da era da eletrônica podem apresentar-se como poderosos instrumentos para o novo paradigma educativo, como incorporar outra linguagem, a audiovisual, na me- diação do conhecimento. A inserção tecnológica na sala de aula deverá ser feita com plane- jamento, já que não se desenvolve desarticulada de outras mediações educativas. O importante é que o ambiente escolar, onde se usa estes instrumentos (DVDs, televisão, computador), possibilite assistir às formas de ver e de ouvir, para exercitar e desenvolver as diferentes maneiras de interpretação. As tecnologias são sofisticados instru- mentos educacionais de suporte ao trabalho do professor, e de nada valem sem a sua mediação. O professor encontrará as melhores condições ao se posicionar como interlocutor nas diferentes interpretações apresentadas pelos alunos para, em seguida, relacionar, comparar ou aproximar os con- teúdos e objetivos propostos à aula. “Portanto trabalhar didaticamente com as novas tecnologias im- plica uma série de conhecimentos necessários, que permitem que o professor atue “em estéreo”, em duas vias constantes, diferenciadas e complementares” (VITKOWSKI, 2000, p.152). Isso significa que, quando o professor reclama que não obteve o resultado esperado com o uso do recurso tecnológico, é porque está usando-o inade- quadamente com certa regularidade e sem definir previamente o objetivo da atividade escolar, apenas para preencher um espaço no tempo escolar ou para estar em dia com o tempo atual. O meio eletrônico, quando bem utilizado, pode dinamizar e faci- litar o desenvolvimento de qualquer proposta escolar, visto que aju- da a recriar situações comuns à linguagem dos alunos, a estimular O mundo moderno e as tecnologias 33 o processo da alfabetização e o hábito pela leitura, como também a desenvolver a capacidade crítica contra os efeitos “alienantes“ da televisão. Por exemplo, o aluno, após participar de uma atividade escolar em que um vídeo foi bem utilizado, certamente, em casa, ao assistir à televisão, começará a exercitar o processo de percepção audiovisual, de atitude crítico-reflexiva, obtendo como resultado os valores educativos que a televisão pode desempenhar. Essas considerações são confirmadas no relato de Sodré (1987, p. 33): o problema não se localiza nos conteúdos específicos dos meios de informação, que seriam hegemonicamente im- postos de cima para baixo. A verdadeira questão está na articulação dos conteúdos e formas produtivas da indústria cultural com as formações ideológicas e práticas institucio- nais da sociedade civil. Ou seja, é na articulação das condições socioambientais da es- cola com as condições socioprofissionais do educador que se veri- fica a possibilidade da realização de atividades educacionais com uso das tecnologias. Empregar a tecnologia como instrumento educativo permite ao aluno aprender através dele, sendo o professor um mediador, um elemento ativo, envolvido em um aprendizado conjunto; seupróprio aprendizado é, então, o desafio maior. Desse modo, os educadores escolares precisam dominar um saber sobre produção social de comunicação cultural e um saber ser comunicador escolar com mídias. Isso am- plia enormemente as condições e saberes necessários para a utilização das novas tecnologias, que não ocorre sem um trabalho de sensibilização e formação. (VITKOWSKI, 2000, p. 155) Estender os contatos presenciais, levando-os ao aprendizado a dis- tância, permite diminuir o distanciamento entre o professor e o aluno, circunscrito hoje à sala de aula. Permite ao professor, sem abandonar 34 Psicologia da Educação seus afazeres, atualizar-se e trocar ideias com outros educadores, apri- morando sua formação profissional. Ensinar é, também, aprender. Dica de estudo • O filme Eu, Robô, do diretor Alex Proyas, de 2004. Esse filme é um convite para o educador refletir crítica- -interpretativamente sobre as possibilidades de convivência social do humano com as tecnologias, o uso que se pode fazer das tecnologias. Considerando que se trata de uma situação ficcional, que coloca em questão os limites dos paradigmas, que precisam ser revistos e atualizados. Finalmente, espera- -se que o educador possa refletir sobre novas concepções de homem, natureza, sociedade, tecnologias e que surjam novas práticas educativas que atendam ao aprendiz. Atividades 1. Construa um parecer sobre a integração das novas tecnologia no espaço escolar. 2. Discorra sobre a seguinte afirmação de Merleau-Ponty (no li- vro Fenomenologia da Percepção. Rio de Janeiro: Freitas Bas- tos, 1971. p. 59.): “Não há determinismo ou escolha absoluta: jamais sou coisa, jamais sou consciência nua”. 3 Problemas dos pais: crescendo com o outro Irene Carmem Piconi Prestes Você me diz que seus pais não entendem Mas você não entende seus pais Você culpa seus pais por tudo Isso é absurdo São crianças como você O que você vai ser quando você crescer? Renato Russo 3.1 A família dos dias de hoje Tem-se discutido muito sobre a relação pais/filhos e a tarefa dos pais em educar filhos em diferentes cam- pos do saber: pedagogia, direito, medicina, sociologia, psicologia, psicanálise entre outros. Neste texto, pro- põe-se olhar essa relação a partir da dimensão psíqui- ca, quer dizer, voltada à subjetividade, à afetividade, aos significados e sentidos que pais e filhos dão, consciente e inconscien- temente, a esse encontro que se mostra difícil, para ambos, nos dias hoje. Trata-se então de refletir sobre os impasses, ambiguidades e contradições vividas por eles. Do lado dos filhos, estes se mostram atônitos, paralisados quando confrontados com a multiplicidade de opções e liberdade de escolhas sobre seus afazeres. Do lado dos pais, a angústia revelada na impossibilidade de dizer “não” e de sustentar seus efeitos diante do filho, sem esmorecer, vacilar ou ceder. Vídeo 36 Avaliação do impacto e licenciamento ambiental Nessa perspectiva observam-se pais com pouca implicação e dis- ponibilidade em estar com os filhos. Para suprir a ausência, equivo- cadamente, presenteiam os filhos com excesso de objetos, de coisas, de consumismos, de descartáveis; são presentes embrulhados em angústia, que podem aumentar a ansiedade no estabelecimento dos laços pessoais. E, por vezes, esses embrulhos despertam a culpa nos filhos por verem seus pais fazendo tantos sacrifícios para lhes dar tudo, até aquilo que não têm. Assinalando as mudanças ocorridas na organização familiar, en- quanto estrutura de sustentação do sujeito, percebe-se que a edu- cação dos filhos assume um caráter de maior permissividade junto aos pais, permitindo uma antecipação à liberdade e à autonomia dos filhos; eles esquecem que os filhos necessitam do apoio, do suporte, do balizamento, do amparo dos pais para um crescimento saudável. Nessa dinâmica familiar, temos visto a crescente “crise de gerações”, a dificuldade no relacionamento pais/filhos, a fragilidade nos laços familiais. Observa Ariès (1981, p. 238): “O sentimento da família não se desenvolve quando a casa está muito aberta para o exterior: ele exige um mínimo de segredo”. De outro modo, a família é vista como lugar de referência social capaz de produzir através de sua interferência efeitos no comportamento social do filho. Ao lado disso tem-se o educar e, como muito bem nos diz Charlot (2000, p. 53), a educação é uma produção de si por si mesmo, mas essa autoprodução só é possível pela mediação do outro e com a sua ajuda [...] Toda a educação supõe o desejo, como força propulsionadora que alimenta o processo. Mas só há força de propulsão porque há força de atração: o desejo sempre é “desejo de”, a criança só pode construir-se porque o outro e o mundo são humanos e, portanto, desejáveis. Se recorrermos a história da educação das crianças e seu contexto familiar, temos que a preocupação com a educação instala-se no seio da sociedade com as mudanças sociopolítico-culturais ocorridas Problemas dos pais: crescendo com o outro 37 durante o século XX. As pessoas foram aprendendo a respeitar, a dar lugar, a dar voz às crianças, mas essa atitude não foi sempre vigente nas relações educativas com o infante. 3.2 A responsabilidade social dos pais Um primeiro ponto sobre a questão da respon- sabilização parental trata da decisão de ter filhos, que está atrelada ao desejo de dar continuidade à existência familiar, dar conta de uma “expectativa” afetiva e de um ideal parental. Essa escolha confron- ta os pais sobre o modo como conduzem e condu- zirão a própria vida, também lhes possibilita uma permanente atua- lização de si mesmos, de suas crenças, dos seus sentimentos, da sua história pessoal, nos encontros com o filho. Do ponto de vista social, os pais funcionam como grupo de refe- rência aos filhos. Uma vez que o bebê ao nascer apresenta uma “de- pendência absoluta do adulto” (WINNICOTT, 1999), a natureza da responsabilidade dos pais é ética na tarefa de educar os filhos. Vale aqui lembrar que compreendemos por ética o espaço relacional bali- zado por normas, regras que viabilizam as relações dos homens uns com os outros e têm por princípio o respeito às diferenças individuais como único meio de se atingir a igualdade social. A ética da responsa- bilidade, do reconhecimento e do pertencimento do outro na cultura. Acerca do traço de “desamparo humano”, a psicanalista Brunetto discorre sobre o desamparo primordial humano ao nascer verificado na incapacidade do seu organismo em sobreviver; esse traço acompa- nhará o homem nos laços sociais, o “desamparo inicial criará a neces- sidade de ser amado que acompanhará por toda a vida” (BRUNETTO, 2008, p. 23) o que quer dizer que damos pouco valor à vida para a hu- manidade, à necessidade de ser acolhido, amado e educado em todo o seu viver, já que para sobreviver necessitamos do outro. Vídeo 38 Avaliação do impacto e licenciamento ambiental Um segundo ponto, no mundo atual está cada vez mais difícil encontrarmos um denominador comum sobre o que é certo ou erra- do, entre aquilo que é o tradicional e o moderno, entre o desconhe- cido e o conhecido. Os pais questionam como impor limites, como educar, sem ser severos demais, sem tomar posições extremas. O que podemos afirmar é que, com diálogo, amor e confiança mútuas entre pais e filhos, a tarefa de “educar” terá maior sucesso. E é nesse sentido que procuramos encontrar subsídios para auxiliá-los no processo de educar filhos. A seguir, o leitor verá um quadro proposto por Erick Erikson (apud DELDIME, 1999) para o desenvolvimento psicossocial. Esse autor concebe a construção da identidade pessoal como um pro- cesso decorrente da interação da criança no seu ambiente relacional, quer dizer, dependente da mediação que os pais estabelecem com ela no contexto sociocultural. Cada etapa do desenvolvimento psicosso- cial tem suas características específicas. Desse modo, em cada um dos momentos de sua vida, o filho necessita de uma atitude diferentedos pais. Observe o quadro abaixo e acompanhe o percurso do desenvol- vimento psicossocial do ser humano, apresentado por Erik Erikson. Tabela 1 – Desenvolvimento psicossocial proposto por Erick Erikson Estágios psicos-sexuais de Freud Idades aproximativas Crises psicossociais de Erikson Abrangência das relações significativas Modalidades psicossociais Virtudes de Erikson e qualidades dominantes Oral-respiratório cinestésico (incorporativo) 0-1 Confiança X desconfiança Mãe ou substituto materno Receber, dar em troca Esperança: a fim e convicção de que desejos podem ser acolhidos a despeito das “sombrias neces- sidades e das raivas que marcam o início da existência“. Problemas dos pais: crescendo com o outro 39 Estágios psicos-sexuais de Freud Idades aproximativas Crises psicossociais de Erikson Abrangência das relações significativas Modalidades psicossociais Virtudes de Erikson e qualidades dominantes Anal-uretral, muscular (retentivo, eliminador) 2-3 Autonomia X vergonha, dúvida Pais Reter, deixar ir Vontade: a determi- nação de exercer ao mesmo tempo a livre escolha e a restrição pessoal a despeito da vergonha e da dúvida experimentadas du- rante a infância. Genital infantil, locomotor, (intrusivo, inclusivo) 3-6 Iniciativa X culpabilidade Família base Terminar as coisas, colocá-las junto Finalidade: “a coragem de encarar e de perse- guir objetivos válidos sem ser inibido pela derrota das fantasias infantis, pela culpa e pelo medo inerente da punição“. Latência 7-12 aprox. Trabalho X inferioridade Vizinhos ou colegas de escola Assumir res- ponsabilidades Competência: o livre uso da habilidade e da inteligência para efetuar tarefas “sem ser limitado pela infe- rioridade infantil“. Puberdade e adolescência 12-18 aprox. Identidade X difusão Grupos de pares e grupos exteriores; modelos de liderança Ser ou não ser; partilha de si mesmo Fidelidade: livre apoio às lealdades asumidas a despeito das contra- dições nos sistemas de valores. Maturidade genital 20-30 aprox. Intimidade e solidariedade X isolamento Associações de amizade, sexo, competição, cooperação Perder-se e reencontrar-se no outro Amor: devoção mútua – sempre ultrapassam os antagonismos ine- rentes, em uma função partilhada. 30-50 aprox. “Generatividade“ X interiorização Trabalho dividido com pessoas da casa Realizar, cuidar para Desvelo: cuidado das obrigações geradas pelo amor, necessida- de ou acidente. além de 50 Integridade X desespero Humanidade: minha espécie Ser, depois de ter sido; aceitar não ser mais Sabedoria: atitude desprendida em rela- ção à vida e em face da morte. Fonte: Elaborada pela autora com base em Deldime, 1999, p. 169. 40 Avaliação do impacto e licenciamento ambiental Encaminhando a questão do lado dos filhos assinala-se que estes ficam à espera de afetividade, da possibilidade de compartilhar e, quando isso não acontece, acabam por querer chamar a atenção de alguma forma, às vezes negativa, exibindo problemas de aprendi- zagem, inibições e fracasso escolar. Podem também, quando não estão na escola, estar nas ruas, recebendo influências de padrões de conduta inadequados, conturbando suas relações sociais e a maneira como vêem e significam o mundo. Considera-se que a criança pro- cura um modelo de comportamento e, na ausência dos pais, absorve os padrões de atitude das pessoas que a cercam. Do lugar de pais, sabemos que educar filhos não é uma tarefa fá- cil ou isenta de culpa. No entanto, alguns, pais ainda optam por criar filhos obedientes, conformados, alienados na organização social, talvez para não se comprometerem mais tarde. Esses filhos, quando adultos, poderão apresentar atitudes de inibição e não saberão dar opiniões, sugestões, nem defender suas convicções. E o mundo atual tem outras formas de sociabilidade que exigem iniciativa, criativi- dade, autonomia, independência de ideias e atitudes das pessoas. Destarte atrela-se o futuro dos filhos à educação que receberam dos pais. Assim, dependendo da educação, do modo como significou e o sentido que deu a sua vivência de filho, quando adulto, poderá demonstrar muitas qualidades, cabendo-lhes a capacidade de gerir com responsabilidade e segurança a sua própria vida. Em um texto de Shinyashiki (1992, p. 40-41), encontramos al- guns indicadores que talvez possam subsidiar pais angustiados na tarefa de educar filhos: Educar é estimular a criança a agir por si própria. É dar orientações para ajudá-la a desenvolver a autono- mia e a responsabilidade. É deixar que ela experimente a vida mesmo que tenha de se arriscar um pouco. Problemas dos pais: crescendo com o outro 41 É deixá-la viver, experimentar suas emoções, valorizar cada conquista. É ajudá-la a superar desafios sem substituí-la nessa luta. É conversar e conversar e conversar. É escutar e escutar e escutar. Educar é ver o filho aprender a subir a escada resistindo à tentação de levá-lo ao colo. Educar é desenvolver nos filhos o senso crítico para saber o que é realmente importante para eles e, a partir daí, aprimo- rar a capacidade de realizar seus objetivos. A partir do exposto até o momento, salientamos que para educar filhos, os pais (educadores) precisam ter certeza de que educar é im- portante. É preciso acreditar que transmitir limites, valores, desejos ao filho é iniciar o processo de compreensão do outro e de convivên- cia com o outro. Os pais precisam compreender que as crianças só respeitarão seus semelhantes se aprenderem quais são seus limites (corporal e psíquico). E isso só será viável se os pais alicerçarem a tarefa de educar filhos na responsabilização, na tomada de iniciativa e na coerência. Por responsabilização entende-se que o sujeito deve interrogar-se sobre o que é preciso ser realizado, entendendo que é autor de suas ações e escolhas (ainda que inconsciente). A tomada de iniciativa significa a condição de lidar com o erro de maneira assertiva. É preciso aprender a redirecionar o curso da vida, a partir das experiências, dos acertos e desacertos. E, finalmente, a coerên- cia, é preciso que o pai reflita sobre se o seu comportamento traduz os traços que quer ver no seu filho. E são os pais que fornecem à criança os significantes primordiais, os traços fundamentais sobre os quais o sujeito psíquico vai mon- tar sua história de significados e sentidos. Segundo Prestes (2001, p. 186), “[...] o homem constrói conceitos que não traduzem um conhecimento da realidade, e sim, uma articulação significante para o homem lidar com a realidade”. Pais e filhos precisam aprender que, para satisfazer seus desejos, têm que articulá-lo ao direito do outro, 42 Avaliação do impacto e licenciamento ambiental em outras palavras, seus desejos é o desejo do outro. Ainda, o ato humano prevê a responsabilização do homem, uns com os outros. Portanto, o encontro pais/filhos significa crescer com o outro, numa relação de permanente troca, de construção de novos significados e sentidos, para um viver harmônico. Ilustramos com este belíssimo poema de Carlos Drummond de Andrade, que nos convida a refletir sobre os laços essencial- mente humanos. Verdade “[...] Assim não era possível atingir toda a verdade, porque a meia pessoa que entrava só trazia o perfil de meia verdade. E sua segunda metade Voltava igualmente com meio perfil. E os meios perfis não coincidiam [...] Chegou-se a discutir qual a metade mais bela. Nenhuma das duas era totalmente bela. E carecia optar. Cada um optou conforme Seu capricho, sua ilusão, sua miopia”. (ANDRADE, 1997, p. 41) Um último ponto para concluir este momento é lembrar que o ser humano, ao nascer, não tem ainda uma ética definida. E são os pais que têm essa tarefa fundamental e espetacular. Segundoo psica- nalista Françoise Dolto (1999, p. 30), “o ser humano é marcado pelos contatos verdadeiros que manteve com o consciente e o inconsciente das pessoas que viviam à sua volta, a mãe em primeiro lugar, o pai, e as primeiras pessoas que faziam o papel do outro de sua mãe”. Somos marcados pelas relações que nos afetam, que nos possibilitam cons- truir um sentido para nossa existência. Sendo assim, o que a autora destaca é que a primeira marca transmitida na relação parental do bebê é o nome próprio, que se re- cebe da família, ao nascer. Desse modo, o bebê tem existência reco- nhecida na sua família, a nível biológico e simbólico, pois carrega no seu nome toda a descendência, a história familiar, transmitindo para as novas gerações essas marcas, heranças culturais, tão importantes, Problemas dos pais: crescendo com o outro 43 que conferem ao homem sua humanidade. Somente depois de obter o reconhecimento familiar é que a pessoa buscará o seu lugar social, na escola, no início, e depois na carreira profissional. Sabemos que não existem regras que se adaptem a todas as rea- lidades familiares, não existe uma receita, mas indicações de como alcançar os objetivos propostos. Figura 1 – Onde é o mundo? Fonte: Tonucci, 1988, p. 27 3.3 O que é ser mamãe e papai? Nas páginas anteriores enfocamos as contri- buições do campo “psi” para a tarefa dos pais de educar filhos, discorremos sobre a responsabili- dade dos pais ao construir laços sociais com os Vídeo 44 Avaliação do impacto e licenciamento ambiental filhos e, ainda, a importância da relação pais/filhos para a estru- turação da subjetividade, da personalidade do sujeito. Neste mo- mento vamos nos deter na posição, no lugar subjetivo de mãe e de pai para com filho. Talvez devêssemos iniciar trabalhando com as palavras mamãe e papai. Desse modo, quando falamos em termos psíquicos, essas pala- vras designam funções psíquicas a serem cumpridas pelos pais na relação que têm com o bebê, com o filho; essas funções são necessá- rias para o desenvolvimento psíquico (afetivo e emocional) saudável da criança. A função de pai designa um papel, uma posição discursiva na re- lação com o outro que não se aplica de forma alguma à realidade, legal ou genética. Há pais (homens) que cuidam de seu filho porque ficam em casa enquanto a mãe (mulher) sai para trabalhar; há pais que são babás de seus filhos porque estão desempregados, responsabilizando- -se pelos serviços domésticos e pelos cuidados com os filhos. Na atualidade, multiplicam-se as situações de investigação de paternidade, por meio dos testes de DNA que visam descobrir quem é o pai biológico. E o que dizer dos casos de inseminação artificial? Como fica, de fato, a paternidade? Quem é o pai? A psicanalista infantil Dolto (1999, p. 103) discorre sobre essas funções psíquicas: função materna e função paterna. É um papel: mam-mã quer dizer que vem em mim para me fazer eu. É mole, ma-mã é o alimento, isso passa no tubo digestivo, é maleável, ao passo que pa-pa é a dureza da partida, e a tristeza pelo fato de que essa pessoa se vá e volte; é algo duro, a partida, e isso em todas as línguas. A palavra “papai” quer dizer a pessoa a quem se ama e que vai, que volta (há uma ruptura), ao passo que “mamãe” é o continuum. Mas o pai de nascimento é um homem, a mãe de nascimento é uma mulher, e nem sempre é uma mamãe. Muitas mães de nascimento não são mamães, e muitas mamães são mais maternais que as mães de nascimento. Elas assumem a função de mamãe, porque cuidam da criança. Problemas dos pais: crescendo com o outro 45 Dessa maneira, entendemos que essas duas funções são de- sempenhadas pelos pais na relação com o filho e contribuem na inscrição dos primeiros traços psíquicos, e estarão presen- tes inconscientemente nas relações interpessoais, nos laços sociais do sujeito. A função maternal é entendida como aquela que provê o bebê com segurança, confiabilidade, acolhimento, afeto e proteção. Inclui também a construção da rotina cotidiana. Já a função paterna des- taca-se por cumprir um papel de corte, de inscrição dos limites, da lei psíquica, quer dizer, o superego. Ou, ainda, a consciência moral de cada sujeito, permitindo, desse modo, uma convivência social harmoniosa, produtiva e saudável. Bernardino (1995, p. 15) diz que: Cada um tem que percorrer um caminho para responder a esta pergunta. E, neste percurso, é um lugar para si que acaba encontrando, é o “quem sou eu”? que se decifra. É na certeza de ser filho desta mulher que me ama, me olha, me fala e me diz ser minha mãe que encontro uma trilha a se- guir – é assim que tenho que ser [...] para ela. Mas é na dúvi- da sobre este que ela nomeia como meu pai que vou buscar meu reconhecimento próprio. [...] ponho-me na busca de um novo lugar – não mais para a mamãe, mas para mim. Ou seja: o pai aponta para um lugar além do desejo da mãe. Assim constitui-se a dimensão psíquica do sujeito e o modo como ele significa subjetivamente as funções: materna e paterna e, responde à questão de “quem eu sou?” Demonstra-se assim o ho- mem como um sujeito afetivo que não é desvinculado do intelectual. 3.4 A importância do laço família-escola Neste momento do texto destacamos a impor- tância dos laços familiares com a escola. Pode-se dizer que o laço família-escola é importante à arti- culação do afetivo e do intelectual. Vídeo 46 Avaliação do impacto e licenciamento ambiental A escola deve cumprir sua função social para o sujeito trabalhar os valores mais gerais, envolvendo situações problemáticas atuais e urgentes, visando à emancipação do aluno, do cidadão, no processo de escolarização. Dessa maneira, a integração da família com a es- cola proporciona a formação do cidadão para além da de aluno, o sujeito é integrante de uma comunidade relacional e tem responsa- bilidade com o seu ambiente participando solidariamente. 3.4.1 Laços família-escola Buscando o laço família-escola temos que as ideias apresentadas nos PCNs também devem servir de alicerces à família na educação dos filhos, por exemplo, o diálogo, que é um recurso essencial à in- serção na cultura. O diálogo, como destacam os PCNs, é uma arte a ser ensinada e cultivada, acontece quando se dá lugar à criança para opinar, refletir quando os pais têm voz ativa, enquanto adulto/edu- cadores. Ainda, o diálogo supõe considerar o que o outro tem a dizer sem que se busque unicamente impor visões de mundo. É na família que a criança, inicialmente, vivencia valores humanos como: justiça, solidariedade, respeito mútuo, que terão continuidade nas relações escolares. A atitude solidária deve permear as relações afetivas de pais/filhos, e, ainda, a oportunidade de vivenciar a justiça no funcio- namento familiar é um aprendizado que terá seus desdobramentos no ambiente escolar. Dessa maneira, a direção que o homem dá à sua vida é o resultado de premissas construídas, inicialmente, na família, e mantidas e/ou atualizadas no ambiente escolar para uma atitude solidária na comunidade. Um autor interessante para pensarmos o laço família-escola é Vygotsky que liga o desenvolvimento do sujeito à sua relação com o ambiente sociocultural. O que significa dizer que todas as rela- ções significativas contribuem para o desenvolvimento da pessoa nos espaços da família e da escola. Para Vygotsky (1998), um dos principais defeitos da prática educativa é a separação dos aspectos intelectuais de um lado, e os afetivos de outro, pois o funcionamento Problemas dos pais: crescendo com o outro 47 psicológico tipicamente humano, segundo ele, é o intelectual e o afe- tivo. Daí decorre a importância dos laços familiares e que antecedem os laços escolares. Figura 2 – Níveis de crescimento da psicologia desenvolvimentista da educação vygotskyana 0-1 ano Atividades perceptuais e de apreensão Contato intuitivo e emocional entre criança e adulto. 1-3 anos Atividades de manipulação de objetos Pensamento visual e per- ceptivo, competência