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TÓPICOS ESPECIAIS DE
EXISTENCIALISMO
AULA 4
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Prof. Marlon Ronald Fluck
CONVERSA INICIAL
Nesta aula, abordaremos o Existencialismo em Heidegger, o qual é tido como o maior filósofo
do século XX (Stein, 2013, p. 13). Ele cresceu em uma aldeia católica do sul da Alemanha e, financiado
pela igreja, queria seguir como sacerdote, mas depois rompeu com o catolicismo.
Heidegger estudou Teologia e Filosofia, tendo se doutorado em Friburgo, em Breisgau, no sul da
Alemanha, em 1914. Em 1916, Husserl se tornou professor ali, tornando Heidegger seu assistente.
De Husserl, Heidegger aprendeu a desenvolver sutis análises fenomenológicas, que vai aplicar na
sua obra magna Ser e tempo, tornada pública em 1927. É uma obra crucial para se entender
Heidegger, na qual ele  relaciona o ser (Sein) e o tempo (Dasein, “ser-aí”). A intimidade entre esses
dois aspectos é o cerne do pensamento de Heidegger (Kisiel, 2011, p. 447). Esse livro é tido como o
mais importante do século XX (Stein, 2013, p. 13).
A partir de 1929, Heidegger sucedeu Husserl como professor em Friburgo. Em abril de 1933, em
decorrência de sua adesão ao nacional-socialismo, se tornou reitor da Universidade de Freiburg, mas
foi destituído por discordar do partido, tendo deixado o cargo dez meses depois. Em escritos dessa
época, posteriormente descobertos, “Hitler figura explicitamente na curta lista dos ‘principais
criminosos do mundo e do século’” (Heidegger, citado por Kisiel, 2011, p. 456).
Heidegger elaborou ideias determinantes para o século XX, mas mostra também as
ambiguidades próprias de um grande filósofo que surgiu em meio aos períodos de crise relacionadas
às duas Guerras Mundiais.
A publicação póstuma das obras completas de Heidegger, iniciada em 1975, compreende cento
e dois volumes (Kisiel, 2011, p. 448; Stein, 2013, p. 13).
Vamos abordar adiante os temas: Heidegger e a analítica existencial; o ser no mundo e o ser com
outros; o entender/compreender; existência autêntica e inautêntica; o tempo.
TEMA 1 – HEIDEGGER E ANALÍTICA EXISTENCIAL
Para Heidegger, o fenômeno existencial está implícito em tudo aquilo que se manifesta, mas ele
costuma se esconder, sendo da filosofia a tarefa de torná-lo manifesto. Ele é parte do ser. “O
fenômeno por excelência é o ser. O ser é, ao mesmo tempo, o mais conhecido, porque implícito em
todos os outros conceitos, e o mais obscuro; tanto é verdade que tentar fixá-lo […] provoca
vertigens” (Rovighi, 2004, p. 399).
A característica do indivíduo é a compreensão do ser. A ontologia é uma descrição da existência,
ou seja, uma analítica existencial. Essa analítica perscruta as estruturas da existência
A existência em seu modo de ser é o Dasein, o “ser-aí”, indicando o “aí” o lugar em que se
manifesta o ser. O modo de ser é a existência. A existência é decidida. De acordo com Rovighi (2004),
na analítica de Heidegger:
O homem é o ente ontológico, isto é, aquele que tem a compreensão, o logos do ser. Elaborar uma
ontologia filosófica significa tornar explícita esta vaga compreensão do ser que todo homem
possui, e portanto desenvolver, aprofundar a característica fundamental do homem: a ontologia
está estreitamente relacionada à antropologia, e de fato Ser e tempo […] é uma “analítica
existencial”, isto é, uma descrição da existência. A existência é o modo específico de ser do homem,
é o homem, considerado em seu modo de ser, é o Dasein, o ser-aí, em que aí indica ao mesmo
tempo seu ser de fato, seu encontrar-se no mundo sem ter-se colocado ali por conta própria, e o
lugar em que se manifesta o ser. O modo de ser é, como dizíamos, a existência; ora, a existência é
um “referir-se a... (ein Zu-sein)”, um haver de ser. A existência não acontece, como os fatos
acontecem, é decidida. O ser do homem é sempre uma possibilidade a atualizar, e por isso o
homem pode escolher-se: conquistar ou perder-se. O homem é o ente para o qual o que está em
jogo é seu ser […], ou seja, o homem está para seu ser como para algo que lhe diz respeito, que é
fundamental para ele. (Rovighi, 2004, p. 399)
O alvo de Heidegger foi estabelecer “de modo adequado o sentido do ser”. O ser-no-mundo e o
ser-com-os-outros são sucedidos pelo ser-para-a-morte, sendo o último tipo “a possibilidade do
nada” (Reale; Antiseri, 2006, p. 201). A existência é, para Heidegger, “poder-ser; e é nesse poder-ser
que se baseia o projetar ou transcender do homem” (Reale; Antiseri, 2006, p. 206).
O homem é o ente para o qual o que está em jogo é seu ser. A ele cabe responder pelo seu
próprio ser, como ser no mundo. A sua essência deve ser concebida com base em sua existência. Para
não evitar confusão, será empregado “para o termo existentia a expressão interpretativa subsistência
e existência como determinação-de-ser unicamente para o Dasein” (Heidegger, 2012, p. 139).
Segundo sua essência, o ser humano tem a possibilidade de se apropriar de si, sendo que “o
Dasein é em geral determinado pelo ser-cada-vez-meu” (Heidegger, 2012, p. 141). A interpretação
ontológica ocorre “a partir da existenciariedade de sua existência”. Porém, o “Dasein não deve ser
interpretado pelo que um determinado modo de existir tem de diferente, mas ser posto a descoberto
no seu ser indiferenciado de pronto e no mais das vezes”. Esse é um caráter fenomênico positivo
desse ente (Heidegger, 2012, p. 143).
Na analítica existenciária do Dasein, Heidegger sublinha o “pôr-em-liberdade a priori que deve
ficar visível se a pergunta ‘que é o homem?’ deve poder ser filosoficamente discutida”. Ela precede a
psicologia, a antropologia e a biologia (Heidegger, 2012, p. 147). “O ser do homem é sempre uma
possibilidade a atuar e, consequentemente, o homem pode escolher-se, isto é, pode conquistar-se ou
perder-se” (Reale; Antiseri, 2006, p. 204-205, grifo do autor).
A pessoa não é “nem coisa, nem substância, nem objeto”. A essência da pessoa existe “somente
na execução dos atos intencionais”. Com isso, ela não é objeto. Ela é a “executora de atos
intencionais ligados pela unidade de um sentido” (Heidegger, 2012, p. 155).
Em Ser e tempo, Heidegger apresenta uma analítica existencial, ou seja, uma descrição da
existência. Para ele, o ser humano é considerado em seu modo do ser, apresenta seu ser de fato.
Ainda, o mundo é o lugar em que se manifesta o ser; a existência não acontece, ela é decidida. A
intencionalidade é importante para Heidegger.
A analítica existencial começa da descrição do que o indivíduo é no seu dia a dia. Ele é o ser que
existe no mundo. Aí se encontra a intencionalidade da vida humana.
TEMA 2 – SER NO MUNDO E SER COM OUTROS
Para Heidegger, o ser humano é o ente ontológico. Ele possui a compreensão (o logos) do ser. A
ontologia está, portanto, relacionada à antropologia.
Hegel identificou o ser com o nada. Na verdade, o ser está implícito em todos os outros
conceitos. “Ser” é um conceito especulativo. “A diferença entre ‘ser’ e ‘ente’ é chamada na metafísica
de ‘diferença ontológica’”. “O ser-em num mundo-circundante” é sempre interpretado e elaborado
pelo indivíduo. Em Heidegger, o ser é “ser-com com outros”. O centro é “a temporalidade do ser-aí”
(Helferich, 2006, p. 390-391).
Logo, o ser é sempre passível de ser atualizado. Para ele, o que está em jogo é seu ser. Cada vez
é o meu ser que está em jogo. O Dasein para Heidegger é, em geral, “determinado pelo ser-cada-
vez-meu” (Heidegger, 2012, p. 139-141). O ser humano está para seu ser como algo que lhe diz
respeito; é algo que é fundamental para sua vida.
O ser humano compreende algo quando sabe o que pode fazer com ele, bem como
compreende a si mesmo quando sabe o que pode ser, quando sabe o que pode fazer de si.
O ser-no-mundo é fundamental no Dasein. Ele possui um entendimento de ser de si mesmo.
Somos um ser no mundo e precisamos conhecer os fenômenos relativos ao mundo. Conhecer é “um
modo-de-ser do ser-no-mundo“. O ser humano precisa, no entanto, decidir se e em que sentido deve
conhecer. “O ser-no-mundo comoocupação é tomado pelo mundo de que se ocupa”. (Heidegger,
2012, p. 189-191, grifo do autor). Sempre o determinante é se deter junto com o ente. O Dasein
“conhece como ser-no-mundo” (Heidegger, 2012, p. 193), o ser recebe o sentido de realidade na
busca de entendimento ontológico. Os modos de ser são “determinados por referência à realidade”
(Heidegger, 2012, p. 559-561).
Heidegger aprofundará o problema da realidade em quatro dimensões que se mesclam:
1. Se o suposto ente “transcendente à consciência” em geral é; 2. Se essa realidade do “mundo
exterior” pode ser suficientemente provada; 3. Em que medida esse ente, se ele for real, pode ser
conhecido em seu ser-em-si; 4. Que significa em geral o sentido desse ente, a realidade. A
subsequente discussão do problema da realidade trata de três pontos relativos à pergunta
ontológico-fundamental: a) realidade como problema do ser e da demonstrabilidade do “mundo
exterior”, b) realidade como problema ontológico, c) realidade e preocupação. (Heidegger, 2012, p.
561)
O ser no mundo está profundamente relacionado à individualização da pessoa. A autenticidade
é entendida como “resistir ao conformismo e assumir a si próprio”, compreendendo decisão e
antecipação. A antecipação recorda a concepção de subjetividade, a qual continuamente expõe à
“instabilidade e à vulnerabilidade essenciais de meu mundo e minha identidade” (Carman, 2012, p.
217).
O escândalo da Filosofia não é ainda não ter se encontrado uma demonstração válida da
existência, mas de buscarmos tal demonstração. Vinculado ao ser no mundo se busca juntar o ser
isolado com um mundo procurando solucionar o “problema da realidade”. O ser se constrói no vazio
da interpretação da realidade (Heidegger, 2012, p. 577). O momento do ser-no-mundo “insere-se
ontologicamente na totalidade-estrutural do ser do Dasein, que foi caracterizada como
preocupação”. Assim, a análise da realidade se torna possível (Heidegger, 2012, p. 581).
O que acompanha a percepção da realidade é a experiência da resistência, que pressupõe um
mundo aberto. “‘A consciência-da realidade’ é, ela mesma, um modo de ser-no-mundo. A esse
fenômeno existenciário fundamental se reduz necessariamente toda a ‘problemática do mundo
exterior’.” (Heidegger, 2012, p. 585, grifo do autor).
Outro existencial é o ser-com (Mitsein), o ser uno em meio aos outros.
Para Heidegger, somente estou excluído de compreender minha própria morte. É isso que define
a morte na dimensão da primeira pessoa. Ela é necessariamente possuidora de inultrapassabilidade
para mim (Carman, 2012, p. 218).
Comentando-se a noção geral abordada por Heidegger,
Pode-se dizer que é a noção formal, não avaliativa, que aparece de modo mais decisivo no
argumento geral de Ser e tempo. Para além de meramente afirmar a desejabilidade de uma vida
vivida de forma responsiva à situação concreta e com um compromisso predestinado com seus
próprios projetos em toda a sua finitude e toda a sua vulnerabilidade, o objetivo filosófico de
Heidegger é mostrar como tais atitudes e comportamentos autênticos revelam a persistente e
irredutível estrutura em primeira pessoa da existência, sendo minha relação com minha própria
existência assimétrica a qualquer relação em que eu possa me encontrar com a existência de outra
pessoa. (Carman, 2012, p. 217-218)
Todos os modos de ser no interior do mundo são ontologicamente baseados na mundanidade
do mundo e no fenômeno do ser no mundo. A substância do ser no mundo é a existência.
TEMA 3 – ENTENDER/COMPREENDER
Vivendo no mundo encontramos sempre determinada atitude afetiva. Inclusive, a indiferença é
sentida como modo em que o ser é percebido como um peso. No entanto, “as possibilidades
cognoscitivas de manifestar o ser têm um alcance muito inferior à capacidade originária de
manifestar estados afetivos”. O que designamos com a expressão “encontrar-se” é “algo onticamente
o mais conhecido e o mais cotidiano; o estado-de-ânimo”. Esse fenômeno é visto como “um
existenciário fundamental”. O Dasein está “cada vez e sempre em um estado-de-ânimo”. Esse estado-
de-ânimo demonstra “como alguém está e como anda”. O caráter-de-ser do Dasein manifesta a
“determinidade existenciária do ente que é no modo do ser-no-mundo”. O estado-de-ânimo
demonstra-se no encontrar-se, é um desviar-se da fuga. Ele não tem caráter de fardo, bem menos ao
de livrar-se desse fardo (Heidegger, 2012, p. 383-389).
Esse estado de ânimo originário do Dasein se abre para si mesmo
Antes de todo conhecer e de todo querer e para além do alcance de sua capacidade de abertura. E,
além disso, nunca nos assenhoreamos de um estado-de-ânimo na ausência de estado-de-ânimo,
mas sempre a partir de um estado-de-ânimo oposto. Obtemos, assim, como o primeiro caráter
ontológico essencial ao encontrar-se: o encontrar-se abre o Dasein em sua dejecção e de pronto e no
mais das vezes no modo de desviar-se que se esquiva. Nisto já fica visível que o encontrar-se longe
está de ser a constatação de um estado da alma. E longe também o caráter de uma apreensão
reflexiva, pois toda reflexão imanente só pode encontrar “vivências” porque o “aí” já foi aberto no
encontrar-se. O “mero estado-de-ânimo” abre o “aí” mais originariamente, mas fecha-o também
mais obstinadamente do que todo não-perceber. (HEIDEGGER, 2012, p. 389-391, grifo do autor)
O estado de espírito não vem nem de dentro nem de fora da pessoa, mas é um modo de ser no
mundo e “vem à tona a partir do ser-no-mundo”. Esse ser no mundo vincula-se também ao
encontrar-se. “No encontrar-se reside existenciariamente um abridor ser-referido ao mundo, a partir do
qual o afetante pode vir-de-encontro. Com efeito, do ponto de vista ontológico devemos deixar
fundamentalmente a descoberta primária do mundo ao ‘mero estado-de-ânimo’.” (Heidegger, 2012,
p. 391-393, grifo do autor).
Ao se sentir, o ser humano se percebe como alguém que existe. Ao lado do sentir-se, Heidegger
coloca o compreender (Verstehen), o qual é a raiz de todo conhecimento, e do qual se originam as
várias formas de conhecimento.
A compreensão e a existência clareiam o sentido do ser:
Compreende-se já a empresa de uma determinada interpretação do que significa ser e, a partir daí
avança-se na existência com uma verdadeira preocupação com o ser. A compreensão e a existência
constituem, assim, os pontos de onde parte e para onde se orienta o questionamento, sua stasis
(estase) e sua dynamis (dinâmica). A unidade da tensão entre as duas relações se encontra no
próprio termo Dasein, onde o “da” alemão significa ao mesmo tempo “aqui” e “lá”, o que sugere
também que um sentido do ser é ao mesmo tempo o fundamento da questão e o que lhe dá uma
direção. Além disso, o contexto e a direção são duas dimensões temporais da significação e do
sentido, ambas primordiais: elas constituem o sentido mesmo do sentido. O movimento do
questionamento se funda, então, com o movimento do tempo, no centro da existência humana.
Sempre já aí, a própria temporalidade aparece claramente como o sentido originário do ser do
Dasein. (Kisiel, 2011, p. 449, grifo do autor)
O ser humano compreende algo quando sabe o que pode fazer com isso. No compreender se
revela a essência do indivíduo como um poder ser. Pelo compreender, ocorre o entender entre os
seres humanos. Isso é um derivado existencial. Quem é existente no mundo abre-se para entender e
perceber o próprio significado, bem como dos demais (Heidegger, 2012, p. 407). Assim se aprende as
estruturas do existencial. O entender conduz também a projetar, que se constitui como “modo de ser
do Dasein em que este é suas possibilidades como possibilidades” (Heidegger, 2012, p. 411-413, grifo
do autor).
Para Heidegger, “o entender abrange cada vez a plena abertura do Dasein como ser-no-mundo, o
comprometer-se do entender é uma modificação existenciária do projeto como um todo”. Ele
acrescentou que “no entender do mundo, o ser-em é sempre coentendido, pois o entendimento da
existência como tal é sempreum entendimento de mundo”. Um conhecimento de si se trata de
“aprender entendendo a plena abertura do ser-no-mundo, através de seus essenciais momentos de
constituição”. (Heidegger, 2012, p. 415-417, grifo do autor). Uma elucidação do sentido existencial do
entendimento-do-ser “só poderá ser alcançada sobre o fundamento da interpretação temporal do
ser” (Heidegger, 2012, p. 419).
O que fica evidente é que a essência do ser humano consiste em sua existência. O ser humano
tem a razão de ser última, o fundamento de tudo é a liberdade. O indivíduo é o ente que existe; ele
existe e tem de existir.
“O ser-no-mundo é uma estrutura originária e um todo constante”. O olhar fenomenológico
busca o todo como tal. O Dasein pergunta pela “unidade ontológica de existenciariedade e
factualidade” (Heidegger, 2012, p. 507, grifo do autor). Ele explica que
O ser do Dasein, que ontologicamente sustenta o todo estrutural como tal, torna-se acessível para
nós em um olhar completo que atravesse esse todo em direção a um fenômeno originariamente
unitário já residindo no todo e assim fundando ontologicamente cada momento da estrutura em
sua possibilidade estrutural. A interpretação “compreensiva” não pode consistir, portanto, numa
reunião que junte o que foi conquistado até agora. A pergunta pelo caráter fundamentalmente
existenciário do Dasein é por essência distinta da pergunta pelo ser de um subsistente. A
experiência cotidiana no mundo-ambiente, dirigida ôntica e ontologicamente ao ente do-interior-
do-mundo, não é capaz de pôr o Dasein ante a análise ontológica de um modo onticamente
originário. Da mesma maneira, à percepção imanente de vivências falta também um fio-condutor
ontologicamente suficiente. Por outro lado, o ser do Dasein não deve ser deduzido de uma ideia do
homem. A partir da interpretação que até agora se fez do Dasein, pode-se conseguir a via ôntico-
ontolólica de acesso ao Dasein, exigida por ele mesmo como a única adequada? (Heidegger, 2012,
p. 509-511, grifo do autor)
O encontrar-se e o entender constituem o modo de ser da abertura do Dasein. Ele se torna
acessível de forma simplificada. Em meio a situações de angústia, o ser se desvenda como
preocupação. Os fenômenos que se identificam de imediato com ela são: “a vontade, o desejo, a
inclinação e o impulso. A preocupação não pode derivar desses fenômenos, porque eles nela se
fundam.” (Heidegger, 2012, p. 511). O ser humano, como ente, é. Isso ocorre “independentemente de
experiência, conhecimento e apreensão, pelos quais é aberto, descoberto e determinado”. O ser
“pode ser não-concebido; nunca, porém, é por completo não-entendido”. Ser e verdade estão
reunidos desde a Antiguidade. O Dasein está conectado com a angústia, com a preocupação, a
realidade e a verdade (Heidegger, 2012, p. 515).
Para Heidegger, “somente no puro confronto existencial é que a compreensão-do-ser
autorreferencial pode percorrer o círculo completo do tempo, retornar à ‘sua própria matéria’, e
assim se tornar completamente ela mesma” (Kisiel, 2011, p. 450, grifo do autor).
O ser humano não se contenta com somente compreender o ser. Ele
pode também fazer dele um problema e se preocupar com ele como sendo sua tarefa mais
importante. A dimensão da existência constitui um eixo mais estendido da experiência: ela o
intensifica e torna a preocupação mais aguda. O estado de quase sonolência que consiste em se
colocar numa rede familiar de relações estruturadas pelo hábito é atravessado por esta tendência
de se destinar a algo, de se “propor”, de se desarraigar de seu estado inicial em direção a um futuro
aberto. Ainda que a compreensão sugerisse aparentemente que haveria uma certa proximidade do
homem com o ser, a existência cavaria um abismo entre eles a partir de seu entorno para as
margens mais longínquas do ser. Tal como a compreensão, a existência constitui o ser próprio do
homem como ser-aí. Enquanto a primeira testemunha o contexto estrutural onde os homens
acham que estão inicialmente, em outras palavras, o mundo, a segunda dá importância à atividade
temporal do ser-aqui projetado como ser-aí. Assim como a compreensão se aplica mais ao fato de
que o homem é do que ao fato de que ele possui o ser, também, na existência, o homem é a
possibilidade mesma de seu ser, seu único poder-ser. Assim, como modo de existência mais do que
como modo de conhecimento, nossa compreensão daquilo que significa “ser” consiste menos em
se fixar num sentido do ser do que em viver longe de sua significação temporal plena e inteira.
Numa palavra, o sentido aparece antes mesmo de sua conceituação. A exemplo de outras técnicas,
o “saber-como-fazer” que se aprende da vida é um “saber-fazer”, um “poder-fazer”, ou um “poder-
ser” em nome do qual o homem existe. Lançado naquilo que não é, mas naquilo que pode ser, o
homem é desafiado pelas consequências de sua existência: ele deve descobrir o sentido profundo
dela e se reconciliar totalmente com ela. Explicar este sentido aqui é, então, para o questionamento,
passar do que é implicitamente conhecido a um conhecimento explícito. (Kisiel, 2011, p. 450-451)
A essência do ser humano, para Heidegger, é a preocupação (Sorge). É na angústia que o ser
humano percebe essa sua estrutura essencial, sua situação fundamental. Essa é certamente uma
influência de Kierkegaard no pensamento de Heidegger.
TEMA 4 – EXISTÊNCIA AUTÊNTICA E INAUTÊNTICA
Existência tradicionalmente significa “a existência de um ente”, mas em Heidegger não possui
essência, nem envolve nenhum contraste com essência, ao contrário de Sartre, que defendia que a
existência precede a essência (Inwood, 2002, p. 58).
O conceito existencial de Heidegger está relacionado não com o ser individual, mas com o ser e
a relação com ele (Inwood, 2002, p. 59). Para ele, ser no mundo é bastante diferente de ser-dentro-
do-mundo, como a pedra e os utensílios são (Heidegger, 2012, p. 149-159).
Existencial aplica-se ao
leque de possibilidades abertas para Dasein, a compreensão que delas possui e a escolha que faz
(ou recusa) entre elas. Se Dasein faz o que o IMPESSOAL está fazendo ou, ao contrário, escolhe
escolher e decide tornar-se soldado ou filósofo, estes são problemas existenciários. A distinção
entre “existencial” e “existenciário” é análoga à distinção entre “ONTOLÓGICO” e “ôntico”, embora
estes termos não se restrinjam a Dasein. (Inwood, 2002, p. 59-60)
Para Heidegger, a angústia não pode ser provocada por nenhum ente do mundo. Em meio à
angústia, as coisas do mundo cotidiano perdem o significado. O fenômeno da angústia faz-nos voltar
para o ente, para o ser no mundo. “O diante-de-quê da angústia é o ser-no-mundo como tal. […]. O
mundo tem o caráter da total não-significatividade. Na angústia não vem-de-encontro isto ou aquilo,
com que o ameaçador possa se conjuntar. (Heidegger, 2012, p. 521-523, grifo do autor).
Em termos fenomenológicos, a angústia se manifesta diante do mundo como tal, mas isso não é
nada de utilizável no interior do mundo. “Aquilo diante de que a angústia se angustia é o ser-no-
mundo ele mesmo”. É a angústia que “isola o Dasein em seu ser-no-mundo mais-próprio que, como
entendedor, se projeta essencialmente em possibilidades”. A angústia torna “o ser livre para a
liberdade do-a-si-mesmo se-escolher e se-possuir” (Heidegger, 2012, p. 525-527, grifo do autor).
A angústia se angustia diante do ser-no-mundo. O “angustiar-se é um modo fundamental do
ser-no-mundo” (Heidegger, 2012, p. 527). É ela que “resgata o Dasein do seu decair no ‘mundo’ em
que é absorvido” (Heidegger, 2012, p. 529).
O indivíduo se encontra só diante do mundo. À medida que o ser humano filosofa, ele esclarece
e desenvolve até o fim os pressupostos que possui. A pergunta é se a interpretação existencial da
angústia conquistou uma base fenomenológica para expressar a totalidade da estrutura do Dasein
(Heidegger, 2012, p. 533).
O Dasein é completamente histórico. É o
eu historicamente situado. É um eu ou um nós que recebe sua identidadeda singularidade de sua
situação histórica. “Eu sou o meu tempo, nós somos o nosso tempo”. Este aspecto concreto atenua
o caráter abstrato do discurso sobre o ser e do movimento autorreferencial, que vai do ser ao ser
na compreensão do ser. Temos predecessores e tivemos antecessores e, por causa disso, fomos já
“interpretados”; e este mundo histórico do precedente e da tradição constitui inelutavelmente o
ponto de partida de nossa existência histórica. Incumbe então a cada geração tomar a chama da
tradição que a comunidade linguística veicula e trazê-la para seu tempo a partir de um ato de
repetição, de recapitulação, que exige um reexame e uma revisão para adaptá-lo a seu tempo. Mas
se o Dasein é completamente histórico, ocorre a mesma coisa com o ser. A primeira versão da
história do ser descrita por Heidegger é a história da ontologia ocidental, que ele acusa de ter
desconsiderado a questão existencial do ser e a relação íntima e profunda desse questionamento
com o tempo. […] A maneira como Heidegger coloca a questão do ser, no contexto do Dasein finito
e sempre buscando, inaugura seguramente um novo começo na história do pensamento do ser.
(Kisiel, 2011, p. 454)
O Dasein é ser-no-mundo e ser-com outros (Heidegger, 2012, p. 769). Isso é referenciado em
todas as experiências-de-consciência. A voz da consciência lembra ao ser humano o reconhecimento
e a aceitação da própria negatividade. Porém, a ideia de culpa não pode ser “imposta ao Dasein”. No
entanto, também se percebe a dimensão da violação de direito, quando alguém se torna culpado em
relação a outros, se tornando punível. Assim, se constituía “um defeito no Dasein de um outro”. “Essa
defeituosidade está em não satisfazer uma exigência posta pelo existente ser-com com outros.”
(Heidegger, 2012, p. 771-775).
Dasein é, na língua alemã, uma palavra composta comum para “existência”. É ser-aí. O ser
humano é Dasein quando está no mundo. Passa a significar, em Heidegger, “lá onde o ser ‘está’, o
ancoradouro ou morada do ser”. Há “um deslocamento de ênfase dos seres humanos para o próprio
ser” (Inwood, 2002, p. XXIII).
Para Heidegger, “a morte foi existenciariamente concebida como a possibilidade da não-
possibilidade da existência, isto é, como a pura e simples nulidade do Dasein”. Perguntado se na raiz
da interpretação ontológica da existência se manifestaria um ideal de humanidade, ele responde: é
assim. (Heidegger, 2012, p. 837).
TEMA 5 – TEMPO
Para Heidegger, o futuro não designa algo que ainda não se tornou real, mas o advento em que
o Dasein advém em si mesmo. Assim, o presente resulta de si. “A temporalidade descobre-se como o
sentido da preocupação própria.” (Heidegger, 2012, p. 887-889, grifo do autor).
Ele defendeu que “a temporalidade possibilita a unidade de existência, factualidade e decair,
constituindo, assim, originariamente, a totalidade da estrutura-da-preocupação”. A “temporalidade
não ‘é’ em geral nenhum ente. Ela não é, mas se temporaliza.” (Heidegger, 2012, p. 893, grifo do
autor).
Ele chamava os fenômenos característicos da temporalidade de “estases”, tendo o futuro uma
“precedência na unidade da temporalidade originária” (Heidegger, 2012, p. 895). “A temporalidade se
temporaliza originariamente a partir do futuro. O tempo originário é finito.” (Heidegger, 2012, p. 901).
Para Heidegger, o tempo é anterior ao espaço. Ele é apenas temporal, satisfazendo sua essência
quando individualiza o ser para si mesmo. O tempo é responsável pela individualidade do Dasein
(Inwood, 2002, p. 187).
Os três momentos temporais – futuro, presente e passado – são êxtases, no sentido etimológico.
O Dasein tem o seu ente constituído pela história. Na nossa existência, o ser é definido como
preocupação. A preocupação se funda na temporalidade (Heidegger, 2012, p. 1.035).
O ser humano passa a se entender à luz das próprias possibilidades, em especial a extrema, que é
a morte. No que respeita a isso, Heidegger expressa que
Quanto mais propriamente o Dasein se resolve, isto é, quanto mais se entende sem ambiguidade a
partir de sua mais-própria e assinalada possibilidade no adiantar-se para a morte, tanto mais
inequívoco e não contingente é o encontrar por escolha a possibilidade de sua existência. Somente
o adiantar-se para a morte elimina toda possibilidade fortuita e “provisória”. Somente o ser-livre
para a morte dá ao Dasein pura e simplesmente seu alvo e empurra a existência em sua finitude.
(Heidegger, 2012, p. 1.039, grifo do autor)
Considerando-se finita, a existência se sente como um ser para a morte. Só ao atingir seu fim,
que é a morte, a existência chega autenticamente a ser. A existência chega à integralidade na morte.
Ela é a realização do ser da existência. A existência autêntica significa aceitação da própria finitude
(Reale; Antiseri, 2006, p. 207).
A verdade é a descoberta do ser em si mesmo. O ser humano deve “tornar-se livre para a
verdade, concebida como desvelamento do ser. E, assim, liberdade e verdade se identificam. E, como
a verdade, também a liberdade é dom do ser ao homem, uma iniciativa do ser.” (Reale; Antiseri, 2006,
p. 210). O que depende do ser humano é o significado das coisas. Sua essência é a temporalidade. O
eu penso é sempre finito, subjetivo.
O peso essencial surge do futuro do Dasein. O ser para a morte é a “finitude da temporalidade, é
o fundamento oculto da historicidade do Dasein” (Heidegger, 2012, p. 1.045, grifo do autor).
O que fica claro em Heidegger não é que o tempo seja uma alternativa ao ser, mas sim que o
próprio ser é temporal. “Ser” é um conceito especulativo. A constituição ontológica se fundamenta na
temporalidade. O tempo originário pode nos conduzir ao sentido do ser? (Heidegger, 2012, p. 1.179).
NA PRÁTICA
Heidegger, o maior filósofo do século XX, nos mostrou que a existência é parte do ser e tem a
ver com as decisões tomadas pelos seres humanos. Também se percebeu que o ser humano no
mundo ocorre junto com o ser com outros. O ser no mundo se constrói na interpretação da
realidade.
O ser no mundo nos leva a compreender. O fundamento de tudo é a liberdade. Em meio à
angústia e à preocupação, o indivíduo descobre sua essência. A existência se manifesta como
autêntica e/ou inautêntica. Na angústia, o ser se torna livre para escolher e possuir.
O futuro advém da existência. O tempo possibilita a unidade da existência.
FINALIZANDO
Destacamos, em Heidegger, que:
a análise existencial sublinha o pôr em liberdade;
o ser em meio aos outros envolve entender e compreender;
a voz da consciência lembra ao indivíduo a aceitação da própria negatividade;
com a angústia, o ser humano se torna livre para escolher. O indivíduo (o ser) está só diante do
mundo;
o tempo possibilita a unidade do ser. O ser é temporal.
REFERÊNCIAS
CARMAN, T. O conceito de autenticidade. In: DREYFUS, H. L.; WRATHALL, M. A. (Org.).
Fenomenologia e existencialismo. São Paulo: Loyola, 2012. p. 213-222.
HEIDEGGER, M. Ser e tempo. Campinas: Unicamp; Petrópolis: Vozes, 2012. (Multilíngues
de Filosofia Unicamp).
HELFERICH, C. História da filosofia. São Paulo: Martin Fontes, 2006.
INWOOD, M. Dicionário Heidegger. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002. (Dicionário de
filósofos).
KISIEL, T. Martin Heidegger e seus herdeiros. In: PRADEAU, J.-F. (Org.). História da
Filosofia. Petrópolis: Vozes; Rio de Janeiro: PUC-Rio, 2011. p. 446-457.
REALE, G.; ANTISERI, D. História da filosofia: de Nietzsche à Escola de Frankfurt. São Paulo:
Paulus, 2006. v. 6. (Coleção História da Filosofia).
ROVIGHI, S. V. História da Filosofia Contemporânea. 3. ed. São Paulo: Loyola, 2004.
STEIN, E. Prefácio à edição brasileira. In: SAFRANSKI, R. Heidegger, um filósofo da
Alemanha entre o bem e o mal. São Paulo: Geração, 2013. p. 13-16.

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