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Abordagem metodológica para a pesquisa antropológica com crianças na fronteira[footnoteRef:1] [1: Trabalho apresentado à disciplina de Metodologia da Pesquisa Antropológica aos professor/a (s) Antonio Hilário Aguilera Urquiza e Graziele Acçolini] 
Joel Silveira Ledesma[footnoteRef:2] [2: Aluno Regular do PPGAnt – Programa de Pós-Graduação em Antropologia da UFGD – Universidade Federal da Grande Dourados] 
O objetivo deste trabalho é fazer algumas considerações metodológicas acerca da pesquisa antropológica especificamente com crianças na fronteira Brasil/Paraguai no ambiente escolar. Portanto, a discussão teórica estará centrada nas contribuições de Mariza Peirano (1992) em “A favor da etnografia”, Gilberto Velho (1978) em “Observando o familiar” e Eunice Durham (1986) em “A pesquisa antropológica com populações urbanas: problemas e perspectivas”.
Em se tratando de metodologia os debates acerca da relevância da etnografia tem acompanhado a própria história da Antropologia. Nesse sentido, assim como o conhecimento antropológico passou por diversas interpretações teóricas, a etnografia por sua vez foi passando por momentos de consolidação, supervalorização, reavaliação, críticas e até posições contrárias.
O método etnográfico consolidou-se a partir de então como um exercício sensível de distanciamento da cultura ocidental, apropriação do pensamento nativo em meio a imersão do universo de culturas diferentes do pesquisador, compreensão da língua nativa, permanência e vivencia em campo para que fosse logrado esse ideal de apreensão das formas nativas, conforme Peirano (1992, p. 04) “A forma como ela é vista hoje, isto é, como uma imersão no universo social e cosmológico do "outro", é relativamente recente; ela data da década de 20”.
Ao adentrar em uma realidade diferente do pesquisador está se fazendo um exercício de estranhamento. No entanto, este estranhamento não está condicionado apenas a sociedades exóticas ou geograficamente distantes como foi há mais de um século atrás com o nascimento da Antropologia. Bem como analisou Velho (1978, p. 37) citando Da Matta “[...] sobre a trajetória antropológica de transformar o exótico em familiar e o familiar em exótico.” Atualmente podemos fazer o estranhamento na própria sociedade de origem, do que é familiar, como nas palavras de Velho 
Assim, ao estudar o que está próximo, a sua própria sociedade, o antropólogo expõe-se, com maior ou menor intensidade, a um confrontos com outros especialistas, com leigos e até, em certos casos, com representantes dos universo que foram investigadores, que podem discordar das interpretações do investigador. (1978, p. 44). 
O desafio antropológico passa a ser o distanciamento que o pesquisador deve ter para tornar seu trabalho objetivo. Um distanciamento que não é exclusivamente geográfico, mas sim psicológico. O fato de eu estar pesquisando em um lugar distante e exótico da minha realidade não significa que estarei fazendo um distanciamento ao passo que, estar fazendo um trabalho que me é de certa forma familiar e próximo não quer dizer que meu trabalho será mais fácil ou menos objetivo. O que importa em ambos os casos é não me deixar levar pelos preconceitos, é o exame crítico, a interação intima de um trabalho qualitativo, o olhar, o ouvir, o escrever, o participar entre outros.
Nessa mesma perspectiva de mudança de padrões pesquisáveis na Antropologia Durham (1986, p. 17) considera que 
Essa recente popularidade da antropologia se deve também ao fato de que as pesquisas concentram-se em grande medida em temas de interesse geral imediato – não apenas os costumes exóticos das tribos indígenas (embora esses também constituam uma leitura fascinante), mas muito do que é cotidiano e familiar em nossa sociedade urbana ou que constitui reminiscência de um passado recente: [...]
 É o caso por exemplo, do estudo com crianças em escolas de fronteira. Superficialmente as crianças podem parecer familiar, visto que elas podem ser vistas na visão “adultocêntrica” como seres associais, adultos em miniatura, “inferiores”. Velho a esse respeito diz
Posso estar acostumado, como já disse, com uma certa paisagem social onde a disposição dos atores me é familiar, a hierarquia e a distribuição de poder permitem-me fixar, grosso modo, os indivíduos em categorias mais amplas. No entanto, isto não significa que eu compreenda a lógica de suas relações. O meu conhecimento pode estar seriamente comprometido pela rotina, hábitos, estereótipos. Logo, posso ter um mapa mas não compreendo necessariamente os princípios e mecanismos que o' organizam (1978, p. 41).
Ao se fazer um estranhamento é deixar esses preconceitos de lado e encarar as crianças como sujeitos sociais ativos de uma realidade distinta. 
 Sobretudo, as crianças em contexto de fronteira internacional, como é o caso do estado de Mato Grosso do Sul em específico nas cidades Aral Moreira, Coronel Sapucaia e Ponta Porã que estão muito próximas do país vizinho Paraguai e a existência de sociedades indígenas compreendem uma realidade mais distinta ainda comparada com crianças de outras regiões, devido a livre circulação e relações de pessoas com culturas diferentes. 
As escolas localizadas nessas regiões recebem essas crianças proveniente de uma complexa diversidade cultural. Assim, é interessante observar a partir desse viés como são negociadas essas relações entre as crianças, com as escolas e o ambiente de fronteira de forma geral.
O método etnográfico pode revelar essas relações o que de repente em um olhar superficial não seria possível. Identificando as necessidades, as falhas, as dificuldades nesse contexto intercultural. Também seria necessário extrapolar a observação para além da escola, percebendo como elas são socializadas na relação com os adultos e outras crianças, para se ter um panorama de como é concebida a infância. Assim, destacando a importância da etnografia para a Antropologia segundo Peirano
Como outros fenômenos sociais, a pesquisa de campo é, ao mesmo tempo, mito e evento histórico no desenvolvimento da antropologia. Concebida como "método" por excelência da disciplina, como "rito de passagem" na formação dos especialistas ou, ainda, como meramente a "técnica" de coleta de dados, a pesquisa de campo é o procedimento básico da antropologia há um século. (1992, p. 4).
Ao se colocar em favor da etnografia Peirano (1992) em seu artigo discorre sobre algumas reflexões acerca de como tem sido feito (contexto histórico) e o que deveria ser feito (reavaliação e críticas) pelo fazer etnográfico. Para Durham o sucesso etnográfico tal qual os moldes estudados em sociedades ditas primitivas em sociedades urbanas é inegável
Investigando esses “pedaços de sociedade”, as comunidades como se fossem aldeias indígenas, era possível utilizar os métodos de observação participante, documentação censitária, histórias de vida, entrevistas dirigidas e etc., formulando um retrato multidimensional da vida social e integrando o estudo das manifestações culturais à análise de seu substrato social e econômico. (1986, p. 21).
Portanto, muito dessas técnicas contribuem para que possamos lograr o objetivo de uma pesquisa antropológica com crianças na região de fronteira internacional. No entanto, é importante destacar que em se tratando de crianças outras metodologias podem ser acrescentadas como a utilização de desenhos, fotografias, filmagens, redações e outros, mas tudo isso aliado com a observação participante.
Contudo, além do desafio de distanciamento próprio do trabalho de campo, está a discussão sobre a subjetividade, imparcialidade e engajamento político no trabalho de campo. Velho não se aprofunda muito na questão de imparcialidade, mas destaca que o envolvimento não desqualifica a investigação e acrescenta o caráter interpretativo. Assim, destaca
A "realidade" (familiar ou exótica) sempre é filtrada por um determinado ponto de vista do observador, ela é percebida de maneira diferenciada. Mais uma vez não estou proclamando a falência do rigor científico no estudo da sociedade,mas a necessidade de percebê-Io enquanto objetividade relativa, mais ou menos ideológica e sempre interpretativa. (1978, p. 42-43).
A antropóloga Eunice sobre esse assunto também acrescenta
Tal como foi formulada inicialmente, a técnica implicava uma ênfase na observação, que se queria mais objetiva possível, e a participação se apresentava como condição necessária dessa observação. Na alteração recente do uso dessa técnica nota-se uma valorização crescente da subjetividade do observador – a experiência, os sentimentos, os conflitos íntimos do pesquisador são amplamente descritos e analisados. Concomitante, um esforço consciente de identificação do antropólogo com a população que estuda, privilegiando-se a participação. (1986, p. 26).
Para concluir essa discussão sobre método de fazeres antropológicos conforme os três autores, podemos inferir a importância de um comprometimento e um certo cuidado com as dificuldades de um trabalho de campo. É necessário um bom embasamento teórico, porém não existe uma receita pronta, visto que não sabemos o que pode acontecer durante a pesquisa de campo. Estar atento a certas “armadilhas” e seguir o bom senso poderá contribuir para um bom trabalho.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DURHAM, E. R. A pesquisa antropológica com populações urbanas: problemas e perspectivas. In CARDOSO, R. C. L. (Org.). A aventura antropológica: teoria e pesquisa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986, p.17- 37
PEIRANO, Mariza. A favor da etnografia. Série antropologia. Brasília: UNB, 1992.
VELHO, Gilberto. “Observando o familiar”. In, Edson de Oliveira Nunes (Org). A Aventura Sociológica. Rio de Janeiro, Zahar, 1978, p. 36-46.

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