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Realização: Apoio: OS CONCEITOS DE ESPAÇO, TERRITÓRIO, REGIÃO, PAISAGEM E LUGAR E SUA APLICAÇÃO NO CURRÍCULO DE GEOGRAFIA DO ENSINO BÁSICO NO BRASIL THE CONCEPTS OF SPACE, TERRITORY, REGION, LANDSCAPE AND PLACE AND THEIR APPLICATION IN THE GEOGRAPHY CURRICULUM OF BASIC EDUCATION IN BRAZIL Simone Affonso da Silva Universidade Federal de Alagoas (UFAL) simone.silva@igdema.ufal.br Resumo: O currículo de Geografia no ensino básico brasileiro se apropria dos principais conceitos utilizados no âmbito da Ciência Geográfica, no entanto, tais conceitos adquirem diferentes conteúdos ao longo da história do pensamento geográfico, bem como passam por modificações também no âmbito do ensino de geografia. Com base numa revisão de literatura, este artigo busca explicitar as nuances dos conceitos de espaço, território, região, paisagem e lugar no escopo das competências e habilidades da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para o Ensino Fundamental Anos Finais (EFAF) e para o Ensino Médio (EM). Nossa análise mostrou a predominância de alguns conceitos geográficos em detrimento de outros e também o predomínio de certas nuances no que diz respeito às escolas de pensamento. Por exemplo, embora conste na BNCC a temática regional e as discussões sobre paisagem e lugar, tais conceitos são mais restritos ao EFAF, sendo predominantes os conceitos de espaço e território. Concluímos que, de certa maneira, isso reflete os debates hegemônicos no âmbito acadêmico. Palavras-chave: Base Nacional Comum Curricular (BNCC); Epistemologia da Geografia; Ensino de Geografia. Abstract: The Geography curriculum in Brazilian basic education adopts the main concepts used within the scope of Geographic Science, however, such concepts acquire different contents throughout the history of geographic thought, as well as undergoing modifications also within the scope of geography teaching. Based on a literature review, this article seeks to explain the nuances of the concepts of space, territory, region, landscape and place in the scope of the competencies and skills of the National Common Curricular Base (BNCC) for Elementary Education Final Years (EFAF) and for o High School (EM). Our analysis showed the predominance of some geographic concepts over others and also the predominance of certain nuances with regard to schools of thought. For example, although regional themes and discussions about landscape and place appear in the BNCC, such concepts are more restricted to the EFAF, with the concepts of space and territory being predominant. We conclude that, in a certain way, this reflects hegemonic debates in the academic scope. Keywords: National Common Curricular Base (BNCC); Epistemology of Geography; Teaching Geography. Introdução O currículo de Geografia no ensino básico se apropria dos principais conceitos utilizados no âmbito da Ciência Geográfica, no entanto, tais conceitos adquirem diferentes conteúdos ao longo da história do pensamento geográfico, bem como passam por modificações também no âmbito do ensino de geografia. mailto:simone.silva@igdema.ufal.br Realização: Apoio: Os Parâmetros Curriculares Nacionais de Geografia (Brasil/MEC, 1998a, 1998b) enfocam os conceitos de paisagem, território e lugar e as escalas local e global, a partir de tópicos que abordam as paisagens e a diversidade territorial no Brasil. O conceito de região não aparece como um conceito basilar no documento. A Geografia teria por objetivo estudar as relações entre o processo histórico na formação sociedades humanas e o funcionamento da natureza por meio da leitura do lugar, do território, a partir de sua paisagem. Já as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica (Brasil/MEC, 2013), os conceitos de região e território se relacionam com as especificidades da educação no campo (pedagogia da terra; sustentabilidade ambiental, pedagogia da alternância; ambientes escolar e laboral), da educação indígena (docentes específicos, ensino intercultural e bilíngue, ordenamento jurídico e modelo de gestão próprios) e da educação quilombola (docentes específicos, valorização da diversidade cultural). Por fim, na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) (Brasil/MEC, 2018), a região aparece como um dos conceitos fundamentais da geografia e o princípio de diferenciação de áreas como a base do raciocínio geográfico (diversidades ambientais e culturais; transformações na paisagem de diferentes região ao redor do mundo), juntamente ao conceito de território (identidade socioterritorial; formação territorial do Brasil; formação de territórios e fronteiras em diferentes tempos e espaços; relações de poder que determinam as territorialidades e o papel geopolítico dos Estados-nações) e ao conceito de espaço (formas de representação do espaço por meio da cartografia; identificação de diferenciações espaciais decorrentes de fenômenos naturais e sociais; transformações espaciais decorrentes das atividades humanas). Além dessa síntese inicial, veremos adiante as nuances dos conceitos de espaço, território, região, paisagem e lugar e sua abordagem na BNCC. Metodologia Trata-se de uma revisão de literatura pautada em levantamento bibliográfico e documental, utilizando autores que abordam os conceitos geográficos e documentos que regem o currículo do ensino básico no Brasil. Realização: Apoio: Resultados e discussões Para Harvey (2015), há três acepções mais gerais sobre a categoria “espaço”: i) o espaço absoluto, considerado uma coisa em si mesma, tendo sua existência tomada independente da matéria circundante, e visto como recipiente ou compartimento no qual se dispõe ou depositam outras coisas; ii) o espaço relativo, que surge a partir da interação entre as coisas; iii) o espaço relacional, contido nas coisas mesmas, em face do qual um objeto existe apenas na medida em que contém (e representa em si mesmo) relações com outros objetos. No entanto, Harvey (2015) defende que o espaço é, ao mesmo tempo, absoluto, relativo e relacional, embora se possa reconhecer cada uma dessas acepções separadamente em função das circunstâncias. Destarte, a questão “O que é o espaço?” seria substituída pela questão “Como é que diferentes práticas humanas criam e usam diferentes concepções de espaço?”, argumenta Harvey. Conforme assinala o autor, não há regras para decidir onde e quando um quadro espacial é preferível a outro, embora a decisão de utilizar uma ou outra concepção dependa certamente da natureza dos fenômenos considerados. A matriz elaborada por Harvey (2012), apresentada no Quadro 1, a seguir, relaciona as acepções de espaço absoluto, relativo e relacional às noções de espaço material, de representações do espaço e de espaços de representação de Lefebvre (1979). Ainda que tal matriz apresente inconsistências já que os conceitos utilizados por Harvey e Lefebvre não são diretamente compatíveis, conforme argumenta Haesbaert (2008), ela nos é especialmente interessante na medida em que explicita diversas maneiras de se apreender o espaço, nos permitindo vislumbrar a dimensão espacial para além da perspectiva do espaço absoluto, sobretudo em sua relação com as representações do espaço. Outra questão central colocada por Harvey (2012) é que essas diversas acepções de espaço não devem ser tomadas de forma isolada, havendo o imperativo de construirmos um entendimento pautado na tensão dialética entre os diversos componentes da matriz que compõe o Quadro 1. Certas competências e habilidades para o Ensino Fundamental Anos Finais (EFAF) e o Ensino Médio (EM) da BNCC se aproximam de algumas nuances indicadas por Harvey (2012), conforme indicamos no Quadro 2. Realização: Apoio: Quadro 1 – Uma matriz dos possíveis significados do espaço como palavra-chave Espaço material (espaço experimentado) Representações do espaço (conceitualizado) Espaços de representação(espaço vivido) Espaço absoluto Muros, pontes, portas, solo, teto, ruas, edifícios, cidades, montanhas, continentes, extensões de água, marcadores territoriais, fronteiras e barreiras físicas, condomínios fechados Mapas cadastrais e administrativos; geometria euclidiana; descrição de paisagem; metáforas do confinamento, espaço aberto, localização, arranjo e posição (comando e controle relativamente fáceis) – Newton e Descartes Sentimentos de satisfação em torno do círculo familiar; sentimento de segurança ou encerramento devido a confi- namento; sentimento de poder conferido pela proprie- dade, comando e dominação sobre o espaço; medo de outros que “não são dali”. Espaço (tempo) relativo Circulação e fluxo de energia, água, ar, mercadorias, povos, informação, dinheiro, capital; acelerações e diminuições na fricção da distância. Cartas temáticas e topológi- cas (ex: o sistema de metrô de Londres); geometrias e topologias não euclidianas; desenhos de perspectiva; metáforas de saberes loca- lizados, de movimento, mobi- lidade, deslocamento, acele- ração, distanciamento e com- pressão do espaço-tempo (comando e controle difíceis requerendo técnicas sofis- ticadas). Einstein e Riemann Ansiedade por não chegar na aula no horário; atração pela experiência do desconhecido; frustração num engarrafamento; tensões ou divertimentos resultantes da compressão espaço-tempo, da velocidade, do movimento. Espaço (tempo) relacional Fluxos e campos de energia eletromagnética; relações sociais; superfí- cies econômicas e de renda potenciais; concen- trações de poluição; potenciais de energia; sons, odores e sensações trazidas pelo vento. Surrealismo; existencialismo; psicogeografias; ciberespaço; metáforas de incorporação de forças e de poderes (comando e controle muito difíceis – teo- ria do caos, dialética, relações internas, matemáticas quânti- cas) – Leibniz, Whitehead, Deleuze, Benjamin. Visões, fantasmas, desejos, frustrações, lembranças, sonhos, fantasmas, estados psíquicos (ex: agorafobia, vertigem, claustrofobia) Fonte: Harvey (2012, p.23). Quadro 2 – Conceito de espaço na BNCC e suas nuances Ensino Fundamental Anos Finais C o m p e tê n c ia s E s p e c íf ic a s 3. Desenvolver autonomia e senso crítico para compreensão e aplicação do raciocínio geográfico na análise da ocupação humana e produção do espaço, envolvendo os princípios de analogia, conexão, diferenciação, distribuição, extensão, localização e ordem. Espaço material em sua intersecção com os espaços absoluto, relativo e relacional. 4. Desenvolver o pensamento espacial, fazendo uso das linguagens cartográficas e iconográficas, de diferentes gêneros textuais e das geotecnologias para a resolução de problemas que envolvam informações geográficas Representações do espaço em sua relação com os espaços absoluto e relativo H a b il id a d e s (EF06GE03) Descrever os movimentos do planeta e sua relação com a circulação geral da atmosfera [...] (EF06GE04) Descrever o ciclo da água [...] (EF08GE01) Descrever as rotas de dispersão da população humana pelo planeta e os principais fluxos migratórios em diferentes períodos da história [...] (EF08GE04) Compreender os fluxos de migração na América Latina [...] (EF08GE09) Analisar os padrões econômicos mundiais de produção, distribuição e intercâmbio dos produtos agrícolas e industrializados [...] Espaço material em sua intersecção com o espaço relativo (EF08GE13) Analisar a influência do desenvolvimento científico e tecnológico na caracterização dos tipos de trabalho e na economia dos espaços urbanos e rurais da América e da África. Espaço material em sua intersecção com o espaço relacional Realização: Apoio: (EF08GE14) Analisar os processos de desconcentração, descentralização e recentralização das atividades econômicas a partir do capital estadunidense e chinês em diferentes regiões no mundo [...] (EF08GE17) Analisar a segregação socioespacial em ambientes urbanos da América Latina [...] (EF08GE20) Analisar características de países e grupos de países da América e da África no que se refere aos aspectos populacionais, urbanos, políticos e econômicos, e discutir as desigualdades sociais e econômicas e as pressões sobre a natureza e suas riquezas (sua apropriação e valora- ção na produção e circulação), o que resulta na espoliação desses povos. (EF06GE08) Medir distâncias na superfície pelas escalas gráficas e numéricas dos mapas. (EF06GE09) Elaborar modelos tridimensionais, blocos-diagramas e perfis topográficos e de vegetação, visando à representação de elementos e estruturas da superfície terrestre. (EF07GE09) Interpretar e elaborar mapas temáticos e históricos, inclusive utilizando tecnologias digitais, com informações demográficas e econômicas do Brasil (cartogramas), identificando padrões espaciais, regionalizações e analogias espaciais. (EF08GE18) Elaborar mapas ou outras formas de representação cartográfica para analisar as redes e as dinâmicas urbanas e rurais, ordenamento territorial, contextos culturais, modo de vida e usos e ocupação de solos da África e América. Representações do espaço em sua relação com os espaços absoluto e relativo Ensino Médio H a b ili d a d e s (EM13CHS206) Analisar a ocupação humana e a produção do espaço em diferentes tempos, aplicando os princípios de localização, distribuição, ordem, extensão, conexão, arranjos, casualidade, entre outros que contribuem para o raciocínio geográfico. Espaço material em sua intersecção com os espaços absoluto, relativo e relacional. (EM13CHS201) Analisar e caracterizar as dinâmicas das populações, das mercadorias e do capital nos diversos continentes, com destaque para a mobilidade e a fixação de pessoas, grupos humanos e povos, em função de eventos naturais, políticos, econômicos, sociais, religiosos e culturais [...]. (EM13CHS202) Analisar e avaliar os impactos das tecnologias na estru- turação e nas dinâmicas de grupos, povos e sociedades contemporâneos (fluxos populacionais, financeiros, de mercadorias, de informações, de valores éticos e culturais etc.), bem como suas interferências nas decisões políticas, sociais, ambientais, econômicas e culturais. Espaço material em sua intersecção com o espaço relativo (EM13CHS401) Identificar e analisar as relações entre sujeitos, grupos, classes sociais e sociedades com culturas distintas diante das transfor- mações técnicas, tecnológicas e informacionais e das novas formas de trabalho ao longo do tempo, em diferentes espaços (urbanos e rurais) e contextos. (EM13CHS402) Analisar e comparar indicadores de emprego, trabalho e renda em diferentes espaços, escalas e tempos, associando-os a processos de estratificação e desigualdade socioeconômica. Espaço material em sua intersecção com o espaço relacional (EM13CHS103) Elaborar hipóteses, selecionar evidências e compor argumentos relativos a processos políticos, econômicos, sociais, ambientais, culturais e epistemológicos, com base na sistematização de dados e informações de diversas naturezas (expressões artísticas, textos filosóficos e sociológicos, documentos históricos e geográficos, gráficos, mapas, tabelas, tradições orais, entre outros). (EM13CHS106) Utilizar as linguagens cartográfica, gráfica e iconográfica, diferentes gêneros textuais e tecnologias digitais de informação e comunicação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas sociais [...] (EM13CHS606) Analisar as características socioeconômicas da socie- dade brasileira – com base na análise de documentos (dados, tabelas, mapas etc.) de diferentes fontes – e propor medidas para enfrentar os problemas identificados [...] Representações do espaço em sua relação com os espaços absoluto e relativo Fonte: Organizado pela autora com base em Brasil/MEC (2018). Realização:Apoio: Moraes (2005) e Becker (2005) destacam a definição de território enquanto substrato do Estado-Nação, logo, um espaço de exercício de poder centralizado no Estado. Nesse sentido, o território é uma materialidade terrestre que abriga o patrimônio natural de um país, suas estruturas de produção e os espaços de reprodução da sociedade. Porém, face às rupturas de paradigmas nos anos 1990, Souza (2000) destaca a noção de território a partir das relações de poder em suas diversas escalas espaciais e temporais e em diferentes formas, prescindindo qualquer institucionalização político-jurídico-administrativa. Para Haesbaert (2005) há: territórios vinculados ao ciberespaço, controlado por meios informacionais sofisticados; o fortalecimento de territórios-rede, marcados pela descontinuidade e pela fragmentação (articulada) que possibilita a passagem constante de um território a outro, em detrimento dos territórios-zona, pautados num mosaico padrão de unidades territoriais em área, geralmente excludentes; território como abrigo e como recurso, sobretudo para populações cujos escassos recursos de sobrevivência fazem com que dependam de aportes físicos do meio. Por sua vez, Becker (2005) ressalta a concepção de território como espaço identitário e como espaço de prática social, que se aplica ao espaço geográfico estatal e ao espaço identitário e à apropriação simbólica. Quadro 3 – Concepções de território na BNCC e suas nuances Ensino Fundamental Anos Finais H a b ili d a d e s (EF07GE02) Analisar a influência dos fluxos econômicos e populacio- nais na formação socioeconômica e territorial do Brasil, compreendendo os conflitos e as tensões históricas e contemporâneas. (EF07GE04) Analisar a distribuição territorial da população brasileira, considerando a diversidade étnico-cultural (indígena, africana, europeia e asiática), assim como aspectos de renda, sexo e idade nas regiões. (EF08GE05) Aplicar os conceitos de Estado, nação, território, governo e país para o entendimento de conflitos e tensões na contemporaneidade, com destaque para as situações geopolíticas na América e na África e suas múltiplas regionalizações a partir do pós-guerra. (EF08GE21) Analisar o papel ambiental e territorial da Antártica no contexto geopolítico [...] (EF09GE08) Analisar transformações territoriais, considerando o movimento de fronteiras, tensões, conflitos e múltiplas regionalidades na Europa, na Ásia e na Oceania. Território como substrato do Estado-Nação (EF07GE03) Selecionar argumentos que reconheçam as territorialidades dos povos indígenas originários, das comunidades remanescentes de quilombos, de povos das florestas e do cerrado, de ribeirinhos e caiçaras, entre outros grupos sociais do campo e da cidade, como direitos legais dessas comunidades. Território como abrigo e recurso; como espaço identitário; como espaço de prática social (EF07GE07) Analisar a influência e o papel das redes de transporte e comunicação na configuração do território brasileiro. Territórios-rede Realização: Apoio: (EF07GE12) Comparar unidades de conservação existentes no Município de residência e em outras localidades brasileiras, com base na organização do Sistema Nacional de Unidades de Conservação. Territórios-zona (EF08GE18) Elaborar mapas ou outras formas de representação cartográfica para analisar as redes e as dinâmicas urbanas e rurais, ordenamento territorial, contextos culturais, modo de vida e usos e ocupação de solos da África e América. Território como substrato do Estado-Nação; Territórios-rede; Territórios-zona Ensino Médio C o m p e tê n c ia s E s p e c íf ic a s d e C H S A 2. Analisar a formação de territórios e fronteiras em diferentes tempos e espaços, mediante a compreensão das relações de poder que deter- minam as territorialidades e o papel geopolítico dos Estados-nações. 4. Analisar as relações de produção, capital e trabalho em diferentes territórios, contextos e culturas, discutindo o papel dessas relações na construção, consolidação e transformação das sociedades. Território enquanto substrato do Estado-Nação H a b ili d a d e s (EM13CHS203) Comparar os significados de território, fronteiras e vazio (espacial, temporal e cultural) em diferentes sociedades, contextuali- zando e relativizando visões dualistas (civilização / barbárie, nomadismo / sedentarismo, esclarecimento / obscurantismo, cidade / campo etc.). (EM13CHS204) Comparar e avaliar os processos de ocupação do espa- ço e a formação de territórios, territorialidades e fronteiras, identificando o papel de diferentes agentes (como grupos sociais e culturais, impérios, Estados Nacionais e organismos internacionais) e considerando os conflitos populacionais (internos e externos), a diversidade étnico- cultural e as características socioeconômicas, políticas e tecnológicas. (EM13CHS603) Analisar a formação de diferentes países, povos e nações e de suas experiências políticas e de exercício da cidadania, aplicando conceitos políticos básicos (Estado, poder, formas, sistemas e regimes de governo, soberania etc.). Território como substrato do Estado-Nação; como abrigo e recurso; como espaço identitário; como espaço de prática social (EM13CHS205) Analisar a produção de diferentes territorialidades em suas dimensões culturais, econômicas, ambientais, políticas e sociais, no Brasil e no mundo contemporâneo, com destaque às culturas juvenis. Território como espaço identitário; como espaço de prática social Fonte: Organizado pela autora com base em Brasil/MEC (2018). Sobre o conceito de região, Silva (2018) pontua que há concepções mais holísticas que partem do exame da relação sociedade-natureza, a exemplo das formulações de La Blache (1954) e de Hartshorne (1978) a respeito das regiões homogêneas. Ambos os autores concebiam a região homogênea como o resultado da diferenciação espacial produzida pela interação de múltiplos fatores naturais e humanos numa dada porção da superfície terrestre. Seria justamente o caráter exclusivo dessa combinação, regido por específicas relações causais, que culminaria na diferenciação espacial e, portanto, na formação de regiões. Em contraste, a concepção de região nodal ou funcional é mais restrita do ponto de vista do conjunto de critérios de diferenciação selecionados, que variam segundo os interesses do pesquisador ou a finalidade da regionalização. Dessa forma, uma região pode ser caracterizada por um critério único ou por um conjunto pré-estabelecido de critérios, podendo ser um artifício, ou seja, Realização: Apoio: caracterizada pela subjetividade e resultante de um método de classificação de áreas. Nesse panorama, sobressaem as formulações de Grigg (1974) e Faissol (1973, 1975), pautadas na Teoria dos Sistemas e em técnicas quantitativas, na busca pela formulação de modelos a serem aplicados em diferentes e contextos. Baseados nas teorias marxistas, Massey (1978, 1981), Markusen (1981) e Corrêa (1986) focam a Lei do Desenvolvimento Desigual e Combinado e o protagonismo da divisão territorial do trabalho nos processos de geração e acirramento das diferenciações e desigualdades ou disparidades regionais. Mais recentemente, se destacam abordagens que relacionam o fenômeno urbano e metropolitano aos processos de regionalização do espaço, como as contribuições de Scott, Agnew, Soja e Storper (2001) sobre as cidades-regiões globais e de Lencioni (2006, 2015) sobre a constituição de megarregiões. Quadro 4 – Concepções de região na BNCC e suas nuances Ensino Fundamental Anos Finais H a b ili d a d e s (EF07GE04) Analisar a distribuição territorial da população brasileira, considerando a diversidade étnico-cultural (indígena, africana, europeia e asiática), assim como aspectos de renda, sexo e idade nas regiões brasileiras. (EF07GE09) Interpretar e elaborar mapas temáticose históricos, inclusive utilizando tecnologias digitais, com informações demográficas e econômicas do Brasil (cartogramas), identificando padrões espaciais, regionalizações e analogias espaciais. (EF07GE10) Elaborar e interpretar gráficos de barras, gráficos de setores e histogramas, com base em dados socioeconômicos das regiões brasileiras. Regiões homogêneas (EF08GE23) Identificar paisagens da América Latina e associá-las, por meio da cartografia, aos diferentes povos da região, com base em aspectos da geomorfologia, da biogeografia e da climatologia. (EF09GE15) Comparar e classificar diferentes regiões do mundo com base em informações populacionais, econômicas e socioambientais representadas em mapas temáticos e com diferentes projeções cartográficas. (EF09GE17) Explicar as características físico-naturais e a forma de ocupação e usos da terra em diferentes regiões da Europa, da Ásia e da Oceania. Regiões funcionais (EF08GE04) Compreender os fluxos de migração na América Latina [...] e as principais políticas migratórias da região. (EF08GE05) Aplicar os conceitos de Estado, nação, território, governo e país para o entendimento de conflitos e tensões na contemporaneidade, com destaque para as situações geopolíticas na América e na África e suas múltiplas regionalizações a partir do pós-guerra. (EF08GE11) Analisar áreas de conflito e tensões nas regiões de fronteira do continente latino-americano e o papel de organismos internacionais e regionais de cooperação nesses cenários. (EF08GE14) Analisar os processos de desconcentração, descentralização e recentralização das atividades econômicas a partir do capital estadunidense e chinês em diferentes regiões no mundo, com destaque para o Brasil. (EF09GE11) Relacionar as mudanças técnicas e científicas decorrentes do processo de industrialização com as transformações no trabalho em diferentes regiões do mundo e suas consequências no Brasil. Regiões no âmbito da divisão territorial do trabalho Fonte: Organizado pela autora com base em Brasil/MEC (2018). Realização: Apoio: Para Alves e Scarlato (2019), na geografia de cunho possibilista de Paul Vidal La Blache, os conceitos de lugar e de região são indistintos. O lugar/região representa a interação única de fatores físicos e humanos. Ademais, seria por meio dos lugares que se pode compreender o conceito de gênero de vida trabalhado por La Blache, nos marcos da Geografia Tradicional. Contudo, a partir da segunda metade do século XX, a aproximação entre Geografia e fenomenologia teria trazido novas perspectivas sobre o conceito de lugar, ao ressaltar a subjetividade no tocante ao espaço geográfico. Este não mais seria compreendido como resultado de processos de adaptação entre sociedade e natureza regidos por causas e efeitos, mas de forma que transcende a sua simples materialidade produzida por tais processos, considerando-se, portanto, a percepção que o ser humano possui do espaço geográfico e como ela influencia sua relação com ele. Logo, a totalidade seria criada entre a intersubjetividade e as representações simbólicas baseadas nas experiências existenciais, possibilitando o surgimento de uma identidade entre as pessoas e os lugares. Yi-Fu Tuan teria se destacado dessa corrente de pensamento. Alves e Scarlato (2019) apontam que Milton Santos teria ido além da fenomenologia, abrindo novas vertentes para o conceito de lugar. Para Santos, a globalização criou laços de solidariedade entre os sujeitos e os lugares, transformando estes no lócus de encontro das adversidades, já que os lugares são condição e suporte de relações globais que sem eles não se realizariam. Já, no encontro do materialismo histórico com a Geografia, o conceito de lugar teria sido relacionado ao conceito de cotidiano e adquirido o caráter de espaço vivido, o lócus de reprodução da vida, tomando como plano de fundo o mundo moderno, de natureza intrinsecamente urbano-industrial, que mesmo os espaços agrários e rurais estariam sobre os ditames das lógicas urbano- industriais, pontuam Alves e Scarlato (2019). Amélia Damiani e Ana Fani Alessandri Carlos seriam dois expoentes dessa vertente do conceito de lugar. Acerca do conceito de paisagem, Furlan (2019) argumenta que se trata de uma busca pela superação da dicotomia homem-meio ou sociedade-natureza na medida em que o conceito contém tempo e espaço, natureza e cultura, ciência e estética. Ao longo da história do pensamento geográfico, diversos autores e Realização: Apoio: correntes de pensamento imprimiram sua perspectiva particular ao conceito de paisagem: a escola alemã o utilizou como método para descrever a unidade entre os fatores naturais e humanos; a escola francesa, cujo destaque foi Paul Vidal de La Blache, propôs o estudo da paisagem pelos gêneros de vida, que se caracterizaram pela interação do homem com o seu espaço físico; a escola anglo-saxã valorizou as concepções da paisagem cultural, em especial a partir das contribuições de Sauer; a ideia de paisagem ecológica ou natural surge na escola alemã mas é revisitada na escola americana e, especialmente, no Brasil a partir dos estudos que mesclam geomorfologia e ecologia. Para Furlan (2019), apesar das diversas conceituações, o termo paisagem sempre diz respeito a um conjunto de elementos e uma determinada extensão geográfica, ou seja, a paisagem é caracterizada por sua localização, composição e extensão. Quadro 5 – Concepções de paisagem e lugar na BNCC e suas nuances Ensino Fundamental Anos Finais H a b ili d a d e s (EF06GE01) Comparar modificações das paisagens nos lugares de vivência e os usos desses lugares em diferentes tempos. (EF08GE06) Analisar a atuação das organizações mundiais nos processos de integração cultural e econômica nos contextos americano e africano, reconhecendo, em seus lugares de vivência, marcas desses processos. Lugar como espaço vivido (EF06GE02) Analisar modificações de paisagens por diferentes tipos de sociedade, com destaque para os povos originários. (EF06GE06) Identificar as características das paisagens transformadas pelo trabalho humano a partir do desenvolvimento da agropecuária e do processo de industrialização. (EF06GE10) Explicar as diferentes formas de uso do solo [...] e de apropriação dos recursos hídricos [...], bem como suas vantagens e desvantagens em diferentes épocas e lugares. (EF06GE07) Explicar as mudanças na interação humana com a natureza a partir do surgimento das cidades. Lugar como interação de fatores físicos e humanos / gênero de vida; paisagens naturais; paisagem como um conjunto de fatores naturais e humanos (EF07GE01) Avaliar, por meio de exemplos extraídos dos meios de comunicação, ideias e estereótipos acerca das paisagens e da formação territorial do Brasil. Lugar e paisagem segundo subjetividade humana; como representações simbólicas; como identidade entre as pessoas e os lugares (EF07GE06) Discutir em que medida a produção, a circulação e o consumo de mercadorias provocam impactos ambientais, assim como influem na distribuição de riquezas, em diferentes lugares. (EF09GE01) Analisar criticamente de que forma a hegemonia europeia foi exercida em várias regiões do planeta, notadamente em situações de conflito, intervenções militares e/ou influência cultural em diferentes tempos e lugares. Lugar como lócus de encontro das adversidades (EF08GE23) Identificar paisagens da América Latina e associá- las, por meio da cartografia, aos diferentes povos da região, com base em aspectos da geomorfologia, biogeografia e climatologia. Paisagens naturais; paisa- gem como um conjunto de fatores naturais e humanos (EF09GE04) Relacionar diferenças de paisagens aos modos de viver de diferentes povos na Europa, Ásia e Oceania, valorizando identidades e interculturalidades regionais. Paisagens culturais Fonte: Organizado pela autora com base em Brasil/MEC(2018). Realização: Apoio: Considerações finais O breve resgate epistemológico dos conceitos de espaço, território, região, lugar e paisagem, à luz da história do pensamento geográfico, seguido do exame sobre como tais conceitos têm sido abordados no currículo de Geografia no ensino básico, em especial, na BNCC, nos mostrou a predominância de alguns conceitos e certas nuances. Por exemplo, embora conste a temática regional e as discussões sobre paisagem e lugar, contudo, mais restritos ao ensino fundamental, os conceitos predominantes são o de espaço e território e as escalas principais são a local, nacional e global. De certa maneira isso reflete os debates hegemônicos no âmbito acadêmico. Referências BECKER, B. Síntese das contribuições da oficina da Política Nacional de Ordenamento Territorial. In: Anais... Oficina sobre a Política Nacional de Ordenamento Territorial, 2003. Brasília: BRASIL/MI/SDR, 2005, p.71-78. BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO – MEC. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental - Geografia. Brasília: BRASIL/MEC, 1998a. ______. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio. Brasília: BRASIL/MEC, 1998b. ______. Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica. BRASIL/MEC, 2013. ______. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: BRASIL/MEC, 2018. CORRÊA, R. L. Região e organização espacial. 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