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Atitus Educação
Graduação em Psicologia
Gabrielle Soares Demutti
A constituição do Eu na Era Digital: Interfaces Contemporâneas sob o Enfoque Psicanalítico
Trabalho de Conclusão de Curso
Orientação: Prof. Mestre Mariana Steiger Ungaretti 
Porto Alegre/RS
2024
Gabrielle Soares Demutti
A constituição do Eu na Era Digital: Interfaces Contemporâneas sob o Enfoque Psicanalítico
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Atitus Educação, como parte das exigências para obtenção do título de Bacharel em Psicologia.
Orientador: Prof. Mestre Mariana Steiger Ungaretti 
Porto Alegre
2024
Projeto de Pesquisa apresentado pela acadêmica Gabrielle Soares Demutti, Graduanda de Psicologia, da ATITUS Educação, como requisito para desenvolver o Trabalho de Conclusão de Curso, indispensável para obtenção do grau de bacharel em Psicologia. Orientado pela professora Mariana Steiger Ungaretti.
RESUMO
As novas dinâmicas do cenário digital introduzem diversas formas de interação, que influenciam os processos de subjetivação, moldando a percepção de identidade e as relações do sujeito consigo mesmo e com o outro. Este trabalho investiga a constituição do Eu na era digital, considerando as transformações contemporâneas nas interações sociais e seus impactos. O estudo explora como as dinâmicas da hipermodernidade afetam o psiquismo no contexto atual. A metodologia utilizada é a revisão narrativa de literatura. Compreende-se que a era digital representa um novo campo de estudo para a psicanálise, no qual múltiplas identidades e formas de interação online exercem significativa influência sobre a estrutura psíquica do sujeito. Portanto, ainda que o psiquismo seja constituído de instâncias psíquicas originárias e atemporais, as formas de padecimento encontram-se marcadas por conflitivas identitárias e transformações profundas no sujeito contemporâneo.
Palavras-chave: Constituição do Eu, Psicanálise, Era Digital, Subjetividade, Hipermodernidade, Redes Sociais, Fragmentação do Eu.
ABSTRACT
The new dynamics of the digital landscape introduce various forms of interaction that influence the processes of subjectivation, shaping the perception of identity and the individual’s relationships with themselves and others. This paper investigates the constitution of the Self in the digital age, considering contemporary transformations in social interactions and their impacts. The study explores how hypermodern dynamics affect the psyche in the current context. The methodology used is a narrative literature review. It is understood that the digital era represents a new field of study for psychoanalysis, in which multiple identities and online forms of interaction significantly influence the psychic structure of the subject. Therefore, although the psyche is constituted by timeless and primordial psychic instances, the forms of suffering are marked by identity conflicts and profound transformations in the contemporary subject.
Keywords: Constitution of the Self, Psychoanalysis, Digital Age, Subjectivity, Hypermodernity, Social Networks, Fragmentation of the Self. 
SUMÁRIO
CONSIDERAÇÕES INICIAIS	6
1.1.	O Mal-Estar na Civilização Digital: Identidade e Conectividade	6
ERA DIGITAL: PERSPECTIVAS PSICANALÍTICAS	8
2.1.	Espelho Digital: Um Novo Espelho Narcísico?	11
2.2.	Fragilidade Psíquica e Padecimento: Expressões Arcaicas do Sofrimento na Era Digital	14
CONSIDERAÇÕES FINAIS	18
REFERÊNCIAS	19
CONSIDERAÇÕES INICIAIS 
	O cenário atual traz uma grande oferta de acesso fácil e farto ao mundo digital, onde o sujeito é criador de tal mundo e “criatura” deste mundo também, tornando-o um ser quase que onipotente neste universo das mídias. A compreensão psicanalítica faz-se necessária deste modo, analisando estes novos modelos de interações da humanidade e suas repercussões. As intensidades presentes na sociedade atual e suas reverberações são pontos importantes a serem pensados, atentando-se para as possíveis implicações que podem advir de um modus operante da contemporaneidade com a era digital. 
O Mal-Estar na Civilização Digital: Identidade e Conectividade 
Ao encontro dessas ideias, destaca-se o importante e sempre atual texto de Freud (1930), “O mal-estar na civilização”. Para o autor, a sociedade, através de suas proibições, produz um sujeito específico, sempre condicionado a repressões e as coerções culturais.  Nesta mesma obra, Freud traz reflexões acerca das dificuldades presentes nas relações humanas, bem como questionamentos levantados pela busca de satisfação frente aos paradoxos da sociedade.  Dessa maneira, evidencia-se a complexidade da vivência em sociedade e a implicações de regras, tabus e proibições que fazem parte deste contexto. São notórias as transformações na sociedade contemporânea e suas reverberações no modo como é percebida a liberdade e o padecimento humano.
Byung-Chul Han (2017) refere que em um contexto no qual a coerção não é vista como proibição, mas sim como liberdade, novas neuroses e obsessões podem surgir. Desse modo, sublinham-se algumas reflexões que o filósofo e ensaísta cultural levanta acerca dos rumos e transformações de uma sociedade não repressiva, mas que, para ele, se afunda em negatividade, ainda que descrita como afirmativa e fundada em positividade. É possível neste contexto vincular sociologicamente as hipóteses descritas por Han para repensar o mal-estar na contemporaneidade. A fim de corroborar com essas reflexões, entende-se ser necessário compreender e investigar as especificidades de um Sujeito de Inconsciente e suas relações com o outro que, por vezes, encontram-se em um contexto coercivo.
Neste sentido, Freud (1930, p. 425) também problematiza o tema da coerção versus liberdade, assinalando que:
Influência coerciva, que ordinariamente se baseia na posse da força. Vimos que duas coisas mantêm uma comunidade: a coação da violência e as ligações afetivas, identificações é o termo técnico, entre seus membros. Se falta um desses fatores, possivelmente o outro pode manter de pé a comunidade.
Dessa forma entende-se que na relação com o outro ocorre o processo de coerção, justamente porque existe a identificação; afinal quando o sujeito está identificado pode distorcer a experiência de coerção, que a princípio se trata de proibição, passando a ver como liberdade. Como consequência, ocorre a distorção de um ideal que denuncia o aprisionamento ao objeto de identificação, fazendo com que o sujeito tenha uma falsa sensação de liberdade. 
Nessa perspectiva, ao analisar as complexidades das interações entre os sujeitos, Freud (1921) descreveu o processo de identificação no texto Psicologia das massas e análise do eu. Segundo o autor, mediante um padrão específico de identificação, as massas se formam e, diante desse cenário, os indivíduos, como ideal do eu, se apropriam do mesmo objeto, resultando em uma identificação recíproca entre eles. De acordo com Freud, o sentimento de pertencimento acaba por diluir a imagem do indivíduo, transformando-o em parte da massa, ocultando assim sua consciência individual em prol do pensamento coletivo. Diante disso, evidencia-se a pertinência de explorar os desdobramentos da singular constituição do psiquismo frente às demandas contemporâneas, mais especificamente direcionando-se às peculiaridades da era digital que se impõe no mundo atual.
ERA DIGITAL: PERSPECTIVAS PSICANALÍTICAS
Na era da informação, o sujeito demonstra uma constante necessidade de manter-se conectado às redes sociais e, de forma geral, às notícias. Neste contexto, Byung-Chul Han (2017) discute o surgimento de um novo mal-estar na sociedade de alta modernidade, onde a hipermodernidade é o resultado de uma cultura da informação. O autor Lipovetsky (2004) descreve o conceito de hipermodernidade caracterizado pela intensificação da modernidade, devido a uma série de tendências e mudanças exacerbadas que impactam em múltiplos aspectos da economia, da vida social e cultural.
Devido a este cenário da era digital, que ocorre num contexto de hipermodernidade,é necessário refletir sobre como vem se modificando a interação da sociedade com a tecnologia. No passado, o avanço tecnológico foi frequentemente visto com grande otimismo e esperança. Atualmente as inovações prometem melhorar a qualidade de vida, aumentar a eficiência do indivíduo e abrir novas oportunidades em diversas esferas da sociedade. Em contrapartida, conforme a tecnologia continua a progredir rapidamente, surgem problemas e temores sobre seus impactos.
Dessa forma, tendo em vista que a tecnologia está presente na sociedade e apresenta um crescimento exponencial, de forma onipresente e multifacetada, permeando quase todos os aspectos da vida cotidiana, faz-se necessário refletir sobre esse modo de integração do sujeito na sociedade. Na contemporaneidade, o sujeito parece demonstrar proximidade e familiaridade com a tecnologia, possibilitando novas formas de vínculo com o outro e de inserção na sociedade. As digitais já não ficaram restritas a um carimbo de dedos em um documento de identidade, mas estão em todas as partes do mundo digital. Desse modo problematiza-se o tema identitário e suas implicações no cenário tecnológico à luz da teoria psicanalítica.
Freud (1923) descreve que a identidade é um conceito complexo que se refere ao senso de si mesmo que uma pessoa possui, imprescindível para que possa integrar-se a um determinado grupo. O tema da identidade se mostra no meio digital de forma singular, tendo em vista que a ambiguidade está presente no contexto das redes sociais. Afinal, de forma singular, o sujeito se inscreve e se apresenta neste meio, mas, ao expor essa singularidade que anteriormente era solitária, passa a ser uma ação de exposição instantânea, feita no coletivo. No entendimento de Han (2018, p. 13), “a falta de distância leva a que o privado e o público se misturem. A comunicação digital fornece essa exposição pornográfica da intimidade e da esfera privada. Também as redes sociais se mostram como espaços de exposição do privado”.
Entende-se, a partir dessas reflexões, que a forma com que o sujeito se inscreve no mundo digital parece trazer aspectos de um ser fragmentado. Neste contexto, questiona-se o quanto trata-se da apresentação, de uma “roupagem” no online que difere da sua realidade offline, ou se essas formas de expressão seriam uma extensão de si mesmo, expressando a subjetividade do sujeito.
Seguindo essa perspectiva, Birman (2023), em sua obra “O Sujeito na Contemporaneidade: Espaço, dor e desalento na atualidade", investiga o papel das tecnologias e das redes sociais na construção da identidade contemporânea. Ele destaca como as redes sociais permitem múltiplas apresentações do eu e como isso pode levar a uma fragmentação da identidade. Na psicanálise contemporânea, leva-se em conta a multiplicidade e a fluidez da identidade, na qual, esta não é vista como fixa ou estática, mas como algo que está em contínuo desenvolvimento e é moldada por diversos fatores. 
Corroborando com essas ideias, Dunker (2017), em sua obra "Reinvenção da Intimidade: Políticas do Sofrimento Cotidiano”, assinala que a identidade não é uma estrutura fixa, mas sim pautada em um processo contínuo de construção e reconstrução. A identidade é moldada, conforme o autor, por uma série de interações sociais e psíquicas, sendo constantemente influenciada por novas experiências e relações. Dessa forma, compreende-se que a multiplicidade e a fluidez da identidade se manifestam e são influenciadas no ambiente digital, ofertando dessa maneira um lugar, em que desejos e impulsos têm a chance de manifestar-se, evitando as restrições que o contexto social apresenta, o que pode conduzir a atitudes que seriam inibidas no mundo off-line.
A busca pela edificação e sustentação de uma identidade online que seja admissível e notável pelos outros parece tornar-se cada vez mais constante. A divergência entre o mundo online e o off-line pode se tornar nebulosa, tendo em vista que muitos processos ocorrem em instâncias diversas que habitam o sujeito. Freud (1923) abordou a multiplicidade do sujeito ao discutir as diversas forças e dinâmicas internas que influenciam no comportamento e na experiência subjetiva. Ele argumentava que o comportamento humano resulta da interação contínua e frequentemente conflituosa entre as três instâncias psíquicas por ele denominadas como Id, o Ego e o Superego. Assim, a multiplicidade do sujeito pode ser compreendida como a coexistência dessas forças internas, que em conjunto com a realidade externa moldam o psiquismo. Freud (1923) refere que enquanto o Id busca a satisfação imediata dos desejos, o Superego impõe restrições morais, e o Ego atua como mediador, tentando equilibrar esses impulsos dentro das limitações da realidade. 
A partir dessas perspectivas, é possível refletir sobre como essas instâncias do Id, ego e superego se manifestam no sujeito diante do cenário da era digital. O Id poderia permitir que o sujeito se expusesse de forma mais desprendida e oculta, sem ter que lidar com o rechaço que viria por parte do Superego. O Ego ficaria transitando entre a condição de manter uma imagem mais congruente com o Superego e contemplar os impulsos do Id, enquanto o Superego estaria a serviço de seguir as normas, regras e expectativas da sociedade. A partir desse entendimento, percebe-se como as mídias digitais viabilizam para que a sociedade exponha as múltiplas dimensões de sua identidade em diferentes contextos online. Assim, as mídias digitais revelam-se como espaços onde as diferentes instâncias psíquicas se expressam, permitindo ao sujeito uma negociação constante entre o desejo e as imposições normativas da sociedade.
1. 
Espelho Digital: Um Novo Espelho Narcísico?
De tempos em tempos, conforme a sociedade avança, surgem novos contextos de interação entre os sujeitos, contextos estes que podem se tornar 'novos espelhos', refletindo os narcisismos de uma sociedade. O conceito de narcisismo é explanado por Freud (1913) como um estágio no qual as pulsões sexuais unificam-se e investem o próprio eu como objeto de amor. Freud (1914) nomeia como narcisismo em referência ao mito de Narciso, aquele que se encanta com sua imagem refletida na água. Para o autor, a energia libidinal do ego é essencial para sua constituição. Além disso, Freud (1913), em sua obra 'Totem e Tabu', ressalta que o narcisismo não pode ser percebido como um passo de desenvolvimento evolutivo, um estágio transitório no que diz respeito à história libidinal do sujeito, mas sim como uma estrutura fixa que segue mantendo-se mesmo perante as reestruturações libidinais posteriores. Neste sentido, Freud (1914, p. 112) descreve que “um ser humano permanece narcisista em certa medida mesmo depois de ter encontrado objetos externos para a sua libido”. 
O investimento libidinal do eu, portanto, é fundamental para a sua preservação, uma vez que o narcisismo jamais é deixado de lado. Sendo uma parte pela qual todos estão sujeitos a passar, entende-se que nenhum objeto transitório será capaz de exilar por completo essa estrutura narcísica. No contexto da era digital, algumas particularidades do narcisismo podem ser reconhecidas através de práticas habituais nas redes sociais.
Em conformidade com essa ideia, Han (2017) afirma:
O mundo virtual é pobre em alteridade e em seu caráter de resistência. Nos espaços virtuais o ego pode se movimentar sem precisar lidar com o "princípio de realidade", que seria o princípio do outro e da resistência. Nos espaços imaginários da virtualidade o ego narcísico encontra sobretudo a si mesmo. (p.17)
De acordo com essa visão, as redes sociais se mostram como um ambiente propício frente a essas demandas, nas quais o narcisismo pode ser o protagonista e saciar-se de objetos externos. Tais comportamentos encontrados neste meio demonstram a necessidade de auto exposição contínua, em que os membros dessas redes buscam a aprovação que vem do outro, ou seja, do externo, para estruturar o interno, a sua própria imagem idealizada. Neste contexto, destaca-se um processo ilusório de satisfaçãonarcísica, uma vez que existe a possibilidade de os usuários criarem versões idealizadas de si mesmos, selecionando quais aspectos de suas vidas e imagem irão transmitir. A articulação do sujeito na relação com o outro e consigo mesmo neste cenário se mostra necessária na reflexão acerca da exposição e inserção nas mídias. Assim, o tema do narcisismo, que é historicamente reconhecido e discutido dentro da psicanálise, pode auxiliar a compreender as dinâmicas existentes nessa estrutura social.
Freud (1930), em seu tempo, já advertia sobre a chegada da tecnologia e seus impactos. Compreendia que os avanços tecnológicos e científicos eram fundamentais para o progresso da civilização, mas salientava que também poderiam aumentar a sensação de insatisfação e desconforto, uma vez que a tecnologia muitas vezes não consegue atender plenamente às demandas emocionais e psíquicas do sujeito. Desse modo, devido aos avanços da tecnologia, é relevante investigar como as interações online e a presença nas redes sociais no tempo atual influenciam na constituição do Eu, entendendo que o Eu é formado na interação com o outro. Logo, questiona-se como esse formato de relação da atualidade pode influenciar na constituição do psiquismo. Destaca-se, assim, a citação de Freud (1930, p. 111) ao mencionar que “o homem, por assim dizer, tornou-se uma espécie de ‘Deus de Prótese’. Quando faz uso de todos os seus órgãos auxiliares, ele é verdadeiramente magnífico; esses órgãos, porém, não cresceram nele e, às vezes, ainda lhe causam muitas dificuldades”.
Nessa linha de raciocínio, poderíamos refletir a partir deste pensamento Freudiano que as mídias possibilitam a sensação de extensão desses órgãos auxiliares, de uma liberdade maior, de controle e de uma escassez de fronteiras. Quando analisamos os desdobramentos disso, descobre-se que a alienação e dependência também surgem na mesma proporção e velocidade que a chegada das tecnologias. Os impactos na estrutura psíquica do sujeito já eram observados por Freud (1930) ao postular a ideia de que a aceleração da vida urbana e industrial poderia aumentar os níveis de estresse e ansiedade por conta da grande cobrança por produtividade e eficiência.
Essas exigências e seus efeitos são ilustrados e incrementados fundamentalmente pelo surgimento da era digital, em específico aos aparelhos digitais, como celulares e meios de comunicação em geral. Pode ser observado que as dinâmicas do imaginário e da comunicação interpessoal sofrem impactos. Byung-Chul Han (2017) argumenta que o uso do celular cria uma "esfera do imaginário", em que todos estão incluídos, mas de uma maneira que elimina a presença do "outro" e do Real. Por outro lado, Žižek (2008) assinala que neste contexto, o conceito de real para ele é o mesmo que para Lacan (1992), isto é, o real é percebido como aquilo que se desprende da simbolização, enquanto o imaginário é o campo da captura e apreensão das imagens. A teoria de Jacques Lacan traz uma perspectiva que compreende o psiquismo, enfatizando a importância dos registros do imaginário, do real e do simbólico. Essas três dimensões interligadas oferecem uma visão complexa e profunda das estruturas subjacentes à experiência humana e à formação do sujeito. Além dos registros do imaginário e do real, a perspectiva lacaniana apresenta o registro simbólico como parte de uma tríade entrelaçada com os demais. O simbólico, neste contexto, refere-se à linguagem, que desempenha um papel crucial na estruturação do psiquismo e na mediação das relações às estruturas sociais, convenções, leis e regras que determinam a realidade na qual o sujeito está inserido. O real representa, portanto, aquilo que está fora da linguagem e da simbolização, necessitando ser intermediado pelo imaginário e/ou pelo simbólico.
Dessa forma, pode-se entender que, apesar de se identificar a presença de muitos aspectos que impactam a sociedade de forma negativa, é possível observar também aspectos que nos levam a compreender que, por outra perspectiva, a era digital pode ser vista como um solo fértil para a manifestação simbólica tendo em vista que os desejos inconscientes podem revelar novos métodos para se manifestarem quando estão perante este contexto digital, que traz uma predominância do coletivo. Ainda que se identifique que para estes autores possa se identificar esses aspectos como solo fértil se faz necessário analisar os efeitos prejudiciais que implicam na constituição do eu e nas subjetividades contemporâneas. 
É plausível refletir sobre a contemporaneidade desse "real" mencionado pelos autores, que se encontra profundamente atravessado pela era digital, e como isso impacta a estruturação do eu e as dinâmicas das relações. Neste sentido, Freud (1921) aborda o funcionamento da sociedade no coletivo, destacando que a massa tende a despersonalizar o indivíduo, pois este não pode ser individualizado e acaba sendo contagiado pelo coletivo, mesmo sem ter uma conexão direta com o que está ocorrendo no ambiente. Tal contágio leva o sujeito a regredir em sua autonomia e agir de maneiras que não adotaria se estivesse sozinho. Assim, compreende-se que, mesmo em um contexto digital que aparenta ser solitário, mas que fomentam formas de relação em massa, que se estabelecem no coletivo. 
Fragilidade Psíquica e Padecimento: Expressões Arcaicas do Sofrimento na Era Digital
Na contemporaneidade, observa-se uma significativa intensificação de estruturas psíquicas fragilizadas, o que remete a uma vulnerabilidade subjetiva permeada por intensas angústias primitivas. A era digital, com sua capacidade de mediar e intensificar novas formas de interações e validações, cria um ambiente que desafia o psiquismo a enfrentar realidades que, muitas vezes, ultrapassam sua capacidade de simbolização e elaboração. Neste contexto, as fronteiras entre o mundo interno e externo tornam-se mais tênues, ampliando a vulnerabilidade do Eu. O aumento dos casos de ansiedade, depressão e outras formas de sofrimento psíquico está diretamente relacionado à incapacidade do Eu em criar defesas maduras e integradas, sendo constantemente levado a operar por mecanismos primitivos de sobrevivência psíquica (Dunker, 2015). 
Birman (2006) argumenta que o sujeito contemporâneo vive uma intensificação dos processos de fragmentação psíquica, uma vez que as condições sociais atuais colocam o sujeito em uma posição de constante exposição e vulnerabilidade. Para o autor, a contemporaneidade é marcada pela fragilidade das instâncias psíquicas, o que resulta na dificuldade de o sujeito simbolizar suas experiências de forma integrada. Esse quadro de fragilização amplia expressões nas quais o sofrimento psíquico se manifesta de modo direto, sem passar pelos processos elaborativos que envolvem a simbolização.
A era digital, ao promover uma exposição constante à validação externa, fomenta movimentos primitivos, os quais denunciam significativa suscetibilidade do sujeito a estes estímulos. Neste cenário, a construção de uma imagem idealizada é constantemente tensionada, seja pela busca incessante por reconhecimento, seja pela necessidade de conformidade aos padrões socialmente estabelecidos e amplamente divulgados nas redes sociais. Essas exigências, ao invés de fortalecerem o Eu, muitas vezes o desorganizam, resultando no que Lacan (1964/1998) descreve como o processo de alienação. O sujeito, ao depender do Outro para a constituição de sua própria identidade, acaba por se inscrever em uma cadeia simbólica que nem sempre lhe oferece sustentação. Ao se identificar com imagens ou ideais que não pertencem ao seu núcleo essencial, o Eu se aliena, fragilizando suas defesas psíquicas e abrindo espaço para formas de sofrimento mais arcaicas.
Patrício (2020) explora as dificuldades que o sujeito contemporâneo enfrenta na busca por reconhecimento em um mundo saturado de validações superficiais. Ele destaca que o sujeito, ao se projetar nas redes sociais, acaba criando uma imagem idealizada e, muitas vezes, dissociada da realidade. Essa projeção, de acordo com Patrício (2020)ao invés de gerar satisfação, intensifica o sentimento de vazio e alienação, uma vez que o sujeito tenta sustentar um Eu frágil, constantemente à mercê das aprovações e rejeições virtuais. O autor argumenta que a era digital, ao promover esse tipo de dinâmica, fomenta uma fragilidade estrutural no psiquismo, incapazes de lidar com as frustrações impostas pela realidade.
Portanto é possível compreender que a digitalização das interações sociais contribui para a amplificação de angústias primitivas. A incapacidade de simbolizar adequadamente as frustrações, somada à falta de contenção emocional em ambientes virtuais, acaba por expor o sujeito ao risco de regressão a formas de sofrimento psíquico mais arcaicas. Ao encontro dessa ideia destaca-se o postulado de Winnicott (1960) ao afirmar que, quando o ambiente falha em fornecer suporte adequado ao desenvolvimento emocional, o sujeito recorre a formas de sobrevivência psíquica menos simbólicas como por exemplo, o falso self. Para o autor, o falso self é uma estrutura defensiva que o indivíduo desenvolve para se adaptar às expectativas externas, ocultando o seu self verdadeiro e espontâneo. Essa condição surge como uma resposta a um ambiente que não atende suficientemente às necessidades emocionais iniciais, levando a pessoa a respostas prioritárias que asseguram sua acessibilidade e sobrevivência psíquica. Portanto, ainda que tal configuração permita ao sujeito funcionar socialmente, pode levar a um cenário vazio e de desconexão.
No contexto digital, o falso self é facilmente alimentado pelas dinâmicas das redes sociais, nas quais o sujeito busca incessantemente a aprovação do Outro e, muitas vezes, se desliga de sua autenticidade em prol de uma imagem idealizada. Essa desconexão entre o self autêntico e o self projetado nas mídias digitais contribui para uma crescente sensação de alienação e vazio. O Eu fragilizado, ao não conseguir sustentar sua coesão interna diante das critérios e comparações impostas pelo ambiente digital, tende a colapsar. Portanto, a psicanálise, ao lidar com essas questões contemporâneas, confirma a importância de compreender como as formas de padecimento psíquico dos sujeitos estão vinculadas a estruturas frágeis, constantemente expostas ao bombardeio de estímulos e demandas externas. 
CONSIDERAÇÕES FINAIS 
A era digital, com suas peculiaridades e desafios, proporciona uma série de implicações para a constituição do Eu. A partir do referencial psicanalítico, nota-se que as interações online, embora pareçam potencializar a autonomia e a liberdade do sujeito, frequentemente exacerbam processos de identificação e alienação, onde na qual uma vivência coletiva, em vez de ser estruturante, pode reforçar dinâmicas de dependência e diminuição da individualidade, prejudicando a capacidade do sujeito se afirmar de forma autônoma, especialmente no contexto virtual. 
O avanço tecnológico, como discutido ao longo deste trabalho, molda novas formas de vínculo e apresentação de si, evidenciando a coexistência das dimensões psíquicas descritas por Freud — o Id, o Ego e o Superego — que, no cenário digital, encontram novas maneiras de se expressar. Entende-se que a multiplicidade de identidades, expostas no ambiente online, podem intensificar a fragmentação do sujeito e a busca por validação externa, caracterizando um narcisismo exacerbado.
Ainda que as tecnologias digitais tenham transformado profundamente as formas de interação, é essencial reconhecer que os fundamentos psíquicos subjacentes, como o processo de identificação e as dinâmicas de coerção versus liberdade, permanecem relevantes. Neste sentido, cabe à psicanálise contemporânea continuar explorando essas transformações, compreendendo suas repercussões na constituição do psiquismo.
Por fim, é necessário refletir sobre os impactos das novas tecnologias não apenas em termos das vantagens oferecidas, mas também quanto aos desafios que impõem às subjetividades, com atenção especial às formas de sofrimento psíquico emergentes. O estudo da constituição do Eu na era digital é, portanto, um campo fértil para futuras pesquisas, que devem considerar as múltiplas dimensões envolvidas neste processo.
REFERÊNCIAS 
Birman, J. (2006). O sujeito na contemporaneidade: Espaço, dor e desamparo. Civilização Brasileira.
Birman, J. (2023). O Sujeito na Contemporaneidade: Espaços, dor e desalento na atualidade. Civilização Brasileira.
Dunker, CIL (2015). Mal-estar, sofrimento e sintoma: Uma psicopatologia do Brasil entre muros . Boitempo.
Dunker, C. (2017). Reinvenção da intimidade: Políticas do sofrimento cotidiano. Ubu.
Freud, S. (1913). Totem e tabu. Imago.
Freud, S. (1921). Psicologia das massas e análise do eu.  (P. S. Souza, trad.). Companhia das Letras.
Freud, S. (1923). O Eu e o Id. (P. S. Souza, trad.). Companhia das Letras.
Freud, S. (1930). O Mal-Estar na Civilização. (P. S. Souza, trad.). Imago.
Freud, S. (2020). Introdução ao narcisismo (4ª ed.). (P. S. Souza, trad.). Companhia das Letras. (Trabalho original publicado em 1914).
Han, B. C. (2017). Sociedade do cansaço. (E. P.Giachini, trad.). Vozes.  
Han, B. C. (2017). Topologia da violência. (E. P.Giachini, trad.). Vozes.  
Han, B. C. (2018). No enxame: Perspectivas do digital. (L. Machado, trad.). Vozes.
Lacan, J. (1992). O Simbólico, o Imaginário e o Real. Vozes.
Lacan, J. (1998). O sujeito e o Outro I: A alienação. In: O Seminário, livro 11: Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Zahar. (Original publicado em 1964).
Lipovetsky, G., Charles, S. (2004). Os tempos hipermodernos. Barcarolla.
Patrício, A. (2020). Psicanálise de boteco. Autêntica.
Winnicott, D. W. (1960). O Papel de Espelhos da Mãe e da Família no Desenvolvimento Infantil. In: O Ambiente e os Processos de Maturação. Artmed.
Winnicott, DW (1960). Distorção do ego em termos de self verdadeiro e falso . Em DW Winnicott, Os processos de maturação e o ambiente facilitador: Estudos na teoria do desenvolvimento emocional (pp. 140-152). Hogarth Press.
Žižek, S. (2008). The Sublime Object of Ideology. Verso.
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