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Abordagem do exame físico na criança Daniela Baptista Aluna do Curso de Graduação em Enfermagem. Damaris Gomes Maranhão Docente do Curso de Graduação em Enfermagem. Orientadora. RESUMORESUMORESUMORESUMORESUMO A sistematização da assistência de enfermagem da criança requer que o profissional saiba como abordá-la nas diversas faixas etárias. Esta revisão de literatura sobre exame físico da criança tem como objetivo de propor uma abordagem condizente com a fase de desenvolvimento. O foco de estudo foi a faixa etária de zero a três anos, pois nesta fase a criança constrói sua identidade corporal e simbólica na relação com o outro, que inclui a interação com o profissional de saúde que a acompanha. Na abordagem da criança ressalta- se características etárias, como aquelas peculiares ao primeiro semestre de vida relativa ao toque; estranhamento no segundo ano e o personalismo aos três anos. Esta revisão confirma a importância do profissional de saúde conhecer as diferentes teorias sobre o desenvolvimento humano nos primeiros anos de vida para que seja bem sucedido no atendimento destes clientes especiais. Descritores: Enfermagem pediátrica; Criança; Crescimento e desenvolvimento. Baptista D, Maranhão DG. Abordagem do exame físico na criança. Rev Enferm UNISA 2003; 4: 66-9. Rev Enferm UNISA 2003; 4: 66-9.66 INTRODUÇÃO Um dos passos da Sistematização de Assistência de Enfermagem à Criança é o exame físico. Este exame é padronizado entre os profissionais de saúde para que seja realizado no sentido céfalo - caudal. Essa diretriz é fornecida para que cada parte do corpo seja observada a fim de minimizar a omissão de algum sistema ou órgão e facilitar o registro e a troca de informações entre diferentes profissionais, comunicando-se pela mesma linguagem já que os instrumentos contidos no prontuário do cliente também são elaborados nesta seqüência. Na criança esta abordagem pode dificultar e até mesmo impossibilitar a continuidade do exame. Isto porque, a criança – principalmente o lactente - pode estranhar e temer as manobras e instrumentos utilizados para exame do ouvido, orofaringe e começar a chorar, inviabilizando a ausculta dos pulmões e palpação do abdome(1). Uma criança pode colaborar com o exame físico desde que preparada previamente pelo profissional de saúde, de acordo com seu processo de desenvolvimento. Se a criança for examinada à força, com restrição dos seus movimentos, poderá temer cada vez mais o contato com o profissional da saúde e até mesmo aumentar o seu estresse, agravando o seu quadro clínico, pela reação emocional. Embora o exame consista em procedimentos indolores, a criança pode temê-lo, por estar numa fase de desenvolvimento em que o toque no seu corpo é ameaçador além de ficar assustada com a aparência de estranhos instrumentos utilizados pelos profissionais. Assim, é necessário que os profissionais de saúde conheçam o desenvolvimento infantil, o significado do exame físico para a criança, seus medos, suas inseguranças em relação a este procedimento, para que possa adotar uma abordagem condizente com a idade, minimizando suas resistências. Ao observar e realizar exame físico de crianças menores de seis anos na prática clínica da Disciplina de Enfermagem na Assistência da Criança e Adolescente do Curso de Graduação em Enfermagem da Universidade Santo Amaro, constatou-se a necessidade de aprofundar o estudo do tema. Assim, o objetivo deste trabalho é realizar uma revisão bibliográfica das publicações nacionais e latinas sobre a abordagem do exame físico em crianças de zero a três anos, 67Rev Enferm UNISA 2003; 4: 66-9. propondo um preparo condizente com a fase de desenvolvimento. METOLOGIA Foi realizada uma primeira revisão bibliográfica selecionando-se trabalhos publicados em língua portuguesa e espanhola, nos últimos dez anos (2003-1993), indexados nas bases de dados LILACS e BDENF a partir das palavras chaves: abordagem do exame físico em geral e da criança, preparo da criança para exame físico, crescimento e desenvolvimento. A maioria dos trabalhos classificados como exame físico eram focados em patologias, sendo que apenas um abordava o preparo da criança. O período da pesquisa foi ampliado, mas ainda assim não foram encontrados artigos específicos, o que confirma a necessidade de produção sobre o tema. Foram selecionados três artigos que se referiam ao desenvolvimento e crescimento e um à consulta de enfermagem. Foram consultados livros da área de pediatria, enfermagem e psicologia que fundamentam teoricamente o desenvolvimento infantil e o exame físico da criança. RESULTADOS E DISCUSSÃO Ao realizar um exame físico em uma criança é preciso considerar idade, história pessoal e contexto em que se desenvolve para realizar uma abordagem adequada. Não se pode propor uma abordagem igual para todas, pois cada criança tem o seu ritmo de desenvolvimento e crescimento próprio, que está relacionado aos aspectos genéticos e ao contexto onde é educada e cuidada. Ao estudarmos o desenvolvimento da criança é preciso considerar as várias perspectivas teóricas para que não se fragmente este processo, ora focando apenas o aspecto biológico, emocional ou cognitivo. Segundo Vilanova, as pesquisas sobre desenvolvimento da criança são recentes. Este autor refere, que na década de 20, Gesell e Amatruda estudaram o comportamento maturacional, descrevendo as características presentes em cada idade(2). Na década de 40, Jean Piaget estudou o desenvolvimento cognitivo classificando-o em quatro estágios: sensório motor que corresponde ao período de zero a dois anos, pré- operacional que vai de dois a sete anos, operacional concreto que vai dos sete aos onze anos e operacional formal que vai dos onze anos à idade adulta(2-3). O desenvolvimento infantil também pode ser estudado na perspectiva da psicanálise que aborda os aspectos emocionais e da sexualidade humana. Henry Wallon, em uma perspectiva sócio-histórica do desenvolvimento infantil ressalta a interação entre os aspectos biológicos e culturais(4). Reis compara os dois teóricos genéticos - Piaget e Wallon. Conclui que as reduções teóricas podem fazer obstáculo a uma apreensão global da criança como ser biológico, social, cognitivo e emocional em desenvolvimento(4). Os dois partilham da idéia da existência de uma dinâmica propriamente dialética no processo de desenvolvimento uma vez que assumem que a criança constrói e manipula a realidade em seu interior, em função da realidade exterior vivenciada, uma vez que esta realidade atua sobre esta criança, impelindo-a a modificar-se em um esforço de adaptação(4). Este trabalho não tem a pretensão de aprofundar o estudo sobre estes diferentes teóricos, mas com base nas diferentes perspectivas sobre o desenvolvimento humano, propor uma abordagem da criança respeitando suas emoções, pensamento e linguagem. Considerando a amplitude do conceito de criança e a complexidade do processo de desenvolvimento, impossibilitando que neste trabalho se dê conta de todas as fases, optou-se por abordar o exame da criança nos primeiros três anos de vida. Este recorte foi feito considerando que é nos primeiros anos que a criança constrói sua identidade corporal e simbólica, na relação com o outro, o que inclui a interação com o profissional de saúde que a acompanha. Nesta fase também se realiza com maior freqüência consultas médicas e de enfermagem visando o acompanhamento do crescimento e desenvolvimento. Neste trabalho dividiu-se a abordagem do exame físico em três faixas etárias considerando as peculiaridades de cada uma: primeiro semestre, segundo semestre e de um a três anos de idade. Exame da criança até seis meses de vida Para todos os diversos teóricos o recém nascido se caracteriza pela total dependência. Nesta fase ele é incapaz de realizar qualquer coisa que seja sozinho. Por meio do contato com o outro que cuida e manipula seu corpo ele aprende sobre si mesmo, sobre o meio e constrói seus próprios movimentos e reações. Para Winnicott, pediatra e psicanalista, “não existeo bebê”, pois existe uma dependência absoluta que marca os momentos iniciais da vida, em que, sem o ambiente e sem a mãe, ou qualquer pessoa que cumpre esta função, ele não sobrevive. Nesta fase qualquer fracasso repetido no meio ambiente pode trazer sérias conseqüências(5). Wallon também refere esta dependência e considera-a positiva. Para este autor, do nascimento aos três meses, a criança expressa em seu comportamento o predomínio das necessidades orgânicas como fome, sono, vigília e apresenta uma sensibilidade corporal global e difusa que a confunde com o outro e com o ambiente(6). Durante os seis primeiros meses de vida, as interações do bebê com o seu meio consistem em intercâmbios emocionais difusos, revelando uma participação indivisa, uma fusão emocional com o ambiente, uma simbiose afetiva ligada a uma indiferenciação dos motivos e papeis nas situações entre o eu e o não eu(7). Muñhoz e Brand(8) ressaltam a importância do contato inicial com o recém nascido. Nesta fase deve-se tocar a criança com delicadeza, evitando-se utilizar movimentos bruscos o que pode ser ameaçador. Deve-se iniciar o exame com calma. A comunicação com os recém nascidos e lactentes nos Rev Enferm UNISA 2003; 4: 66-9.68 primeiros meses pode ser obtida olhando-os nos olhos, sorrindo, arrulhando e falando com ele. Além de estabelecer contato o examinador pode observar o desenvolvimento pelas respostas da criança(8-9). Nos primeiros meses a criança não se opõe à retirada da roupa, mas pode sentir frio e reagir a isto chorando. Há que se considerar a temperatura da sala. O ideal é que haja um sistema de aquecimento e ventilação adequados ao clima. Quando a temperatura está agradável algumas crianças até preferem ficar desnudas(8-9). Pode-se iniciar o exame com a criança no colo da mãe, auscultando os pulmões, o coração e palpando o abdome enquanto o lactente está satisfeito e cooperativo. Depois o examinador poderá prosseguir examinando os demais sistemas. Alexandre e Brown(9), preferem começar o exame do lactente pelos pés e avançar para a cabeça, considerando que o exame da orofaringe pode desencadear protestos irritados e choro. Grande importância deve ser dada ao consolo da criança logo após o procedimento e este deve ser feito principalmente pelo conforto físico, onde a mãe ou responsável pode rapidamente tranqüilizar a criança pegando-a no colo e falando calmamente. Sem dúvida isto pode variar dependendo do estado de saúde da criança e do seu comportamento no momento, assim como da relação mãe-filho. É importante observar a relação mãe e filho, observando o afeto da mãe ao falar com seu filho, a forma como o segura, troca e veste e como amamenta. Também é importante realizar o exame psicomotor(8). Exame da criança dos seis aos doze meses de vida Todos os cuidados abordados para a criança nos primeiros seis meses de vida são importantes durante o exame físico daquelas no segundo semestre. Entretanto o processo de desenvolvimento apresenta outras características que precisam ser consideradas nesta fase. Ao redor dos seis meses de vida os lactentes mostram uma nítida preferência pela mãe ou pelo seu cuidador primário, aprendendo a diferenciá-la das outras pessoas que lhe fornecem cuidados(1,10). Esta nova capacidade traz como conseqüência o que se denomina “ansiedade por estranhos”. Este comportamento faz parte de um processo resultante da melhora do desenvolvimento cognitivo. Veríssimo afirma que após os seis meses de vida, eventualmente, o lactante pode prever o que vai acontecer se já foi submetido à mesma vivencia anteriormente. Ele é capaz de prever a saída iminente da mãe por observar seu comportamento. A partir do 7º ou 8º mês, o sentimento do eu vai se desprender progressivamente da participação inicial por eliminações sucessivas do que não é seu: são primeiramente eliminadas as impressões vindas de fora, depois há reconhecimento dos pólos ativo - passivo, autor - alvo, enfim instaura-se a mobilidade das situações e dos papeis(7). Um cuidado básico que se deve ter antes, durante e após o exame é manter a presença da mãe ao lado da criança, dando-lhe conforto e segurança. Exame da criança do segundo ao terceiro ano de vida Com o desenvolvimento da fala que ocorre entre um e dois anos os pais conseguem preparar a criança para acontecimentos futuros o que ajuda a suportar experiências assustadoras como a ida ao médico, o que torna a consulta menos apavorante se houver palavras que as expliquem(11). Nesta fase conhecida como infante ou toddler que engloba de um a três anos, onde há um acentuado desenvolvimento motor segundo Jean Piaget e uma curiosidade aguçada, segundo Erik Erikson, a criança, apesar de afastar do lado da mãe para conhecer outros universos, precisa ter a certeza de que estará por perto, caso deseje retornar(1). Embora a criança não esteja na fase lactância ela continua precisando da presença da mãe durante a consulta. Assim, um cuidado importante durante o exame é manter a mãe ao alcance do olhar da criança(1). A maioria dos pacientes de dois anos podem se mostrar muito difícil, não gostam de tirar a roupa e, geralmente, não querem ser tocados pelo examinador nem desejam brincar. A criança de dois anos fica assustada e ninguém, nem mesmo a mãe, parece conseguir acalmá-la(9). Um aspecto que pode agravar estas características é o fato da maioria dos pais utilizarem a imagem do médico, da enfermeira e da injeção como recurso auxiliar da disciplina doméstica e uma criança nesta fase já consegue assimilar e compreender essas atitudes. Os pais devem ser aconselhados a evitar este recurso facilitando o contato com o profissional de saúde. A criança como citado acima, não quer ser tocada, pois ela ainda não tem seus limites corporais definidos. Assim a melhor abordagem é restringir o contato físico ao mínimo no início da consulta, expor apenas as partes do corpo que estão sendo examinadas e elogiar a sua cooperação para que ela se sinta importante(10). Por volta dos três anos a criança sofre uma brusca alteração em suas maneiras de relacionar-se com as pessoas e como o seu meio(7). A criança até os seus três anos já desenvolveu sua consciência corporal, iniciou a sua comunicação verbal, aprendeu a se relacionar com outras pessoas e objetos, e agora se encontra em uma fase definida pelo psicólogo Henri Wallon como personalismo. Esta característica está relacionada à percepção da criança de ser um “eu” separado dos outros, que ela “e” uma personalidade separada da mãe, do pai e do irmão. Entretanto como é uma descoberta recente ela precisa mostrar e afirmar e começa a usar o “não”, “eu não quero”, “eu quero assim”, o que pode dificultar o exame. Marcondes expõe o desafio freqüente que é examinar crianças que estão nesta fase, pois as mesmas se tornam crianças rebeldes quando submetidas ao exame físico(11). A alternativa mais propícia para examinar a criança nesta fase e oferecer a possibilidade dela escolher como quer ser 69Rev Enferm UNISA 2003; 4: 66-9. examinada, para não dar a oportunidade que ela negue totalmente o contato. Por exemplo – Vou examinar você. Você quer ficar no colo da sua mãe ou sentada no divâ? É neste período que os comportamentos espontâneos de imitação são os mais freqüentes, pois estão ligados diretamente com o “eu “ que a criança está atingindo(7). Sendo assim, para essa criança em especial deve-se solicitar sua ajuda para a realização do exame, utilizando um boneco, estetoscópio e instrumento de brinquedo, como material de apoio, dando a oportunidade da criança desenvolver a suas habilidades imitando os nossos movimentos no boneco criando para si mesma mais segurança e controle no que está sendo realizado. CONCLUSÃO A revisão de literatura sobre a abordagem do exame físico da criança confirma a importância do profissional de saúde conhecer as diferentes teorias sobre desenvolvimento humano nos primeiros anos de vida para que seja bem sucedido no atendimento destes clientes especiais. Os cuidados para abordagem das crianças em geral são:− Acolher a criança com atenção especial desde o momento em que ela entra no consultório; − Manter a mãe próxima; − Organizar e manter um ambiente adequado e lúdico para realização do exame físico; − Olhá-la nos olhos, falar em tom baixo e calmo e tocá-la com delicadeza. − Explicar os procedimentos utilizando técnica de brinquedo terapêutico e linguagem adequada ao desenvolvimento; − Realizar os procedimentos do exame na sequência adequada a cada faixa etária,como no caso do lactante onde deve deixar o exame da orofaringe por último. Ao realizar um exame físico em uma criança é preciso considerar ainda determinadas características etárias, como aquelas peculiares ao primeiro semestre de vida relativa ao toque; ao estranhamento próprio do segundo semestre de vida; ao desenvolvimento da fala e da consciência corporal no segundo ano de vida e ao personalismo aos três anos. Além de considerar as características etárias o profissional de saúde deverá adequar a abordagem as características cada criança de acordo com seu ritmo de desenvolvimento e crescimento próprio e o contexto onde é cuidada e educada. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Wong DL. Enfermagem Pediátrica. Elementos Essenciais a Intervenção Efetiva. 5º edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1999. 2. Vilanova LCP. Aspectos neurológicos do desenvolvimento do comportamento da criança. Rev Neuro Ciências 1998; 6(3):106-10. 3. Motta MGC. Princípios da teoria de Piaget como instrumento no processo de cuidar da criança. Texto e Contexto Enferm 1995; 4(1): 170-9. 4. Reis AOA. A criança integral e as teorias do desenvolvimento. Rev Bras Cresc Hum 1991; 1(1): 71-82. 5. Souza MLR. Desenvolvimento emocional primitivo. Uma Metáfora para a construção da clínica winnicottiana. Psic Rev 1999; (8):133-41. 6. Wallon H. Psicologia e educação da criança. Lisboa: Vega;1979. 7. Werebe MJ, Brulfert JN, Fernandes F, Henri Wallon. São Paulo: Ática; 1986. 8. Munhoz R, Brand G. De primordial importância: el contato inicial com el paciente pediátrico. Pediatria 1994;10(4): 207-10. 9. Alexandre MM, Brown MS. Generalidades Sobre o Exame Físico. Diagnóstico na Enfermagem Pediátrica. São Paulo: Organização Andrei Editora, 1978. 10. Rosenbluth D. Seu Filho de um ano – orientação psicológica para os pais. Rio de Janeiro: Imago; 1978. 11. Symitch MV. Exame físico da criança rebelde. In Marcondes, E. O pediatra e sua clínica particular. São Paulo: Serviços de Informação Científica Nestlé; 1997. p.29-33.
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