Buscar

Recomendações aos médicos

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 12 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 12 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 12 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

RECOMENDA‚ÍES
AO MƒDICO
QUE PRATICA
A PSICANçLISE
(1912)
TêTULO ORIGINAL: ÒRATSCHL€GE F†R DEN
ARZT BEI DER PSYCHOANALYTISCHEN
BEHANDLUNGÓ. PUBLICADO PRIMEIRAMENTE
EM ZENTRALBLATT F†R PSYCHOANALYSE
[FOLHA CENTRAL DE PSICANçLISE], V. 2, N. 9,
PP. 483-9. TRADUZIDO DE GESAMMELTE
WERKE VIII, PP. 376-87; TAMBƒM SE ACHA
EM STUDIENAUSGABE, ERG€NZUNGSBAND
[VOLUME COMPLEMENTAR], PP. 169-80.
ESTA TRADU‚ÌO FOI PUBLICADA
ORIGINALMENTE EM JORNAL DE PSICANçLISE,
SOCIEDADE BRASILEIRA DE PSICANçLISE
DE SÌO PAULO, V. 32, N. 58/59, PP. 427-36,
NOVEMBRO DE 1999; ALGUMAS DAS
NOTAS DO TRADUTOR FORAM OMITIDAS
NA PRESENTE EDI‚ÌO.
As regras tŽcnicas que ofereo me resultaram de longos anos de experincia,
depois de ˆ pr—pria custa encetar e abandonar outros caminhos. Logo se notar‡
que elas, ou ao menos muitas delas, podem se resumir a um œnico preceito. Es-
pero que sua observ‰ncia poupe esforos inœteis aos mŽdicos que exercem a
psican‡lise e lhes permita evitar alguma omiss‹o; mas devo enfatizar que essa
tŽcnica revelou-se a œnica adequada para a minha individualidade. N‹o me at-
revo a contestar que uma personalidade mŽdica de outra constitui‹o seja
levada a preferir uma outra atitude ante os pacientes e a tarefa a ser cumprida.
a) A primeira tarefa com que se defronta o analista que atende mais de um
paciente por dia lhe parecer‡ tambŽm a mais dif’cil. Ela consiste em reter na
mem—ria todos os inœmeros nomes, datas, detalhes de lembranas, pensamen-
tos espont‰neos e produ›es patol—gicas que um paciente traz durante o trata-
mento, no curso de meses e anos, e n‹o confundi-los com material semelhante
de outros pacientes, analisados antes ou no mesmo per’odo. Quando temos
que analisar diariamente seis, oito pacientes ou mais, a proeza mnem™nica que
isso implica despertar‡, nas demais pessoas, incredulidade, admira‹o ou atŽ
mesmo pena. De todo modo as pessoas estar‹o curiosas em rela‹o ˆ tŽcnica
que torna poss’vel dominar t‹o grande material, e esperar‹o que ela recorra a
meios especiais.
No entanto, essa tŽcnica Ž bem simples. Ela rejeita qualquer expediente,
como veremos, mesmo o de tomar notas, e consiste apenas em n‹o querer not-
ar nada em especial, e oferecer a tudo o que se ouve a mesma Òaten‹o flutu-
anteÓ,* segundo a express‹o que usei. Assim evitamos uma fadiga da aten‹o,
que certamente n‹o poder’amos manter por muitas horas ao dia, e escapamos a
um perigo que Ž insepar‡vel do exerc’cio da aten‹o proposital. Pois, ao in-
tensificar deliberadamente a aten‹o, comeamos tambŽm a selecionar em
meio ao material que se apresenta; fixamos com particular agudeza um ponto,
eliminando assim outro, e nessa escolha seguimos nossas expectativas ou in-
clina›es. Justamente isso n‹o podemos fazer; seguindo nossas expectativas,
corremos o perigo de nunca achar sen‹o o que j‡ sabemos; seguindo nossas in-
clina›es, com certeza falsearemos o que Ž poss’vel perceber. N‹o devemos es-
quecer que em geral escutamos coisas cujo significado ser‡ conhecido* apenas
posteriormente.
Como se v, o preceito de notar igualmente tudo Ž a necess‡ria contra-
partida ˆ exigncia de que o analisando relate tudo o que lhe ocorre, sem cr’t-
ica ou sele‹o. Se o mŽdico se comporta de outra maneira, desperdia em boa
parte o ganho que resulta da obedincia ˆ Òregra fundamental da psican‡liseÓ
por parte do paciente. Para o mŽdico, a regra pode ser formulada assim:
manter toda influncia consciente longe de sua capacidade de observa‹o e
entregar-se totalmente ˆ sua Òmem—ria inconscienteÓ, ou, expresso de maneira
tŽcnica: escutar e n‹o se preocupar em notar alguma coisa.
O que desse modo alcanamos satisfaz a todas as exigncias durante o trata-
mento. Os elementos do material que j‡ formam um nexo ficar‹o ˆ disposi‹o
consciente do mŽdico; outros, ainda n‹o relacionados, caoticamente desorde-
nados, parecem primeiro submersos, mas emergem prontamente na conscin-
cia, t‹o logo o paciente traz algo novo, ao qual aqueles podem se ligar e medi-
ante o qual podem ter continuidade. Ent‹o recebemos do analisando, com um
sorriso, o imerecido cumprimento por uma Òmem—ria extraordin‡riaÓ, quando
ap—s bastante tempo reproduzimos um detalhe que provavelmente teria con-
trariado a inten‹o consciente de fix‡-lo na mem—ria.
Erros nesse processo de recordar sucedem apenas em momentos e circun-
st‰ncias em que somos perturbados pelo envolvimento pessoal (ver adiante),
ficando muito aquŽm do ideal do analista, portanto. Mistura com o material de
outros pacientes acontece raramente. Numa eventual disputa com o analis-
ando, sobre ele ter ou n‹o dito certa coisa, ou o modo como o disse, geral-
mente o mŽdico est‡ certo.1
113/275
b) N‹o posso recomendar que se tomem muitas notas durante as sess›es,
que se redijam atas etc. AlŽm da impress‹o desfavor‡vel que isso causa em al-
guns pacientes, valem aqui as mesmas considera›es que tecemos a respeito da
aten‹o. Ao redigir notas ou estenografar, fazemos forosamente uma sele‹o
prejudicial do que ouvimos e ocupamos uma parte de nossa atividade mental,
que teria melhor emprego se aplicada na interpreta‹o do material. Pode-se
admitir exce›es a essa regra, sem qualquer obje‹o, no caso de datas, textos
de sonhos ou conclus›es isoladas dignas de nota, que facilmente s‹o destaca-
dos do contexto e se prestam a um uso independente como exemplos. Mas
tambŽm isso n‹o costumo fazer. Redijo os exemplos ˆ noite, de mem—ria, ap—s
o trabalho; os textos de sonhos que me interessam, fao os pacientes registrar-
em ap—s o relato do sonho.*
c) Tomar notas durante a sess‹o poderia ser justificado pela inten‹o de
tornar o caso objeto de uma publica‹o cient’fica. Algo que em princ’pio n‹o
se pode proibir. Mas deve-se ter em mente que protocolos exatos, num caso
cl’nico psicanal’tico, ajudam menos do que se poderia esperar. A rigor, osten-
tam a pseudoexatid‹o de que a ÒmodernaÓ psiquiatria nos oferece exemplos
not—rios. Geralmente s‹o cansativos para o leitor, e n‹o conseguem substituir
para ele a presena na an‡lise. A experincia mostra que o leitor, se estiver dis-
posto a crer no analista, lhe dar‡ crŽdito tambŽm pelo pouco de elabora‹o que
ele empreendeu no material; mas, se n‹o pretender levar a sŽrio a an‡lise e o
analista, ignorar‡ tambŽm protocolos fiŽis do tratamento. Este n‹o parece ser o
caminho para remediar a falta de evidncia que se enxerga nos relatos
psicanal’ticos.
d) Um dos mŽritos que a psican‡lise reivindica para si Ž o fato de nela coin-
cidirem pesquisa e tratamento; mas a tŽcnica que serve a uma contradiz, a
partir de certo ponto, o outro. N‹o Ž bom trabalhar cientificamente um caso
114/275
enquanto seu tratamento n‹o foi conclu’do, compor sua estrutura,* prever seu
prosseguimento, de quando em quando registrar o estado em que se acha,
como exigiria o interesse cient’fico. O xito Ž prejudicado, nesses casos desti-
nados de antem‹o ao uso cient’fico e tratados conforme as necessidades deste;
enquanto s‹o mais bem-sucedidos os casos em que agimos como que sem
prop—sito, surpreendendo-nos a cada virada, e que abordamos sempre de
modo despreconcebido e sem pressupostos. A conduta correta, para o analista,
est‡ em passar de uma atitude ps’quica para outra conforme a necessidade, em
n‹o especular e n‹o cogitar enquanto analisa, e submeter o material reunido ao
trabalho sintŽtico do pensamento* apenas depois que a an‡lise for conclu’da. A
distin‹o entre as duas atitudes n‹o faria sentido se j‡ tivŽssemos todos os con-
hecimentos Ñ ou pelo menos os essenciais Ñ sobre a psicologia do incon-
sciente e sobre a estrutura das neuroses, que podemos adquirir no trabalho
psicanal’tico. Atualmente estamos ainda longe desse objetivo, e n‹o devemos
nos interditar os meios de testar o que atŽ agora aprendemos e de acrescentar
coisas novas a isso.
e) Recomendo enfaticamente aos colegas que no tratamento psicanal’tico
tomem por modelo o cirurgi‹o, que deixa de lado todos os seus afetos e atŽ
mesmo sua compaix‹o de ser humano, e concentra suas energias mentais* num
œnico objetivo: levar a termoa opera‹o do modo mais competente poss’vel.
Nas circunst‰ncias de hoje, um afeto perigoso para o analista Ž a ambi‹o
teraputica de realizar, com seu novo e discutido mŽtodo, algo que tenha efeito
convincente em outras pessoas. Isso n‹o apenas o coloca numa disposi‹o pou-
co favor‡vel para o trabalho, como tambŽm o deixa inerme ante determinadas
resistncias do paciente, cujo restabelecimento depende em primeiro lugar,
como se sabe, do jogo de foras dentro dele. A justifica‹o para se requerer tal
frieza de sentimentos do psicanalista est‡ em que ela cria as condi›es mais
vantajosas para as duas partes: para o mŽdico, a desej‡vel prote‹o de sua
115/275
pr—pria vida afetiva; para o doente, o maior grau de ajuda que hoje podemos
dar. Um antigo cirurgi‹o teve por lema a seguinte frase: Je le pensai, Dieu le
guŽrit [Eu lhe fiz os curativos, Deus o curou]. O analista deveria se contentar
com algo assim.
f) ƒ f‡cil ver para qual objetivo essas diferentes regras convergem. Elas
pretendem criar, para o mŽdico, a contrapartida da Òregra fundamental da
psican‡liseÓ estabelecida para o analisando. Assim como este deve comunicar
tudo o que sua auto-observa‹o capta, suspendendo toda obje‹o l—gica e
afetiva que procure induzi-lo a fazer uma sele‹o, tambŽm o mŽdico deve
colocar-se na posi‹o de utilizar tudo o que lhe Ž comunicado para os prop—si-
tos da interpreta‹o, do reconhecimento* do inconsciente oculto, sem sub-
stituir pela sua pr—pria censura a sele‹o a que o doente renunciou. Expresso
numa f—rmula: ele deve voltar seu inconsciente, como —rg‹o receptor, para o
inconsciente emissor do doente, colocar-se ante o analisando como o receptor
do telefone em rela‹o ao microfone. Assim como o receptor transforma nova-
mente em ondas sonoras as vibra›es elŽtricas da linha provocadas por ondas
sonoras, o inconsciente do mŽdico est‡ capacitado a, partindo dos derivados
do inconsciente que lhe foram comunicados, reconstruir o inconsciente que
determinou os pensamentos espont‰neos do paciente.
No entanto, se o mŽdico for capaz de usar de tal forma seu inconsciente
como instrumento na an‡lise, ele pr—prio tem que satisfazer em grande medida
uma condi‹o psicol—gica. Ele n‹o pode tolerar, em si mesmo, resistncias que
afastam de sua conscincia o que foi percebido** por seu inconsciente; sen‹o in-
troduziria na an‡lise um novo tipo de sele‹o e distor‹o, bem mais prejudicial
do que a produzida pelo recurso ˆ aten‹o consciente. Para isso n‹o basta que
ele pr—prio seja um indiv’duo aproximadamente normal; pode-se exigir que ele
tenha se submetido a uma purifica‹o psicanal’tica e tenha tomado conheci-
mento daqueles seus complexos que seriam capazes de perturbar a apreens‹o
116/275
do que Ž oferecido pelo analisando. N‹o se pode razoavelmente duvidar do
efeito desqualificador dessas falhas pr—prias; a cada repress‹o n‹o resolvida do
mŽdico corresponde, na express‹o pertinente de Wilhelm Stekel, um Òponto
cegoÓ na sua percep‹o psicanal’tica.
Anos atr‡s, dei a seguinte resposta ˆ quest‹o de como alguŽm pode tornar-
se psicanalista: ÒPela an‡lise dos pr—prios sonhosÓ. Tal prepara‹o basta para
muitas pessoas, certamente, mas n‹o para todos que querem aprender a analis-
ar. AlŽm disso, nem todos conseguem interpretar os pr—prios sonhos sem
ajuda externa. Incluo entre os muitos mŽritos da escola psicanal’tica de
Zurique ter reforado essa condi‹o e t-la fixado na exigncia de que todo in-
div’duo que queira efetuar an‡lise em outros deve primeiramente submeter-se
ele pr—prio a uma an‡lise com um especialista. Quem levar a sŽrio este tra-
balho deveria eleger esse caminho, que promete v‡rias vantagens; o sacrif’cio
de franquear a intimidade a um estranho, sem que a enfermidade o obrigue a
isso, Ž amplamente recompensado. A pessoa n‹o apenas realiza muito mais
rapidamente e com menor gasto afetivo a inten‹o de tomar conhecimento do
que traz oculto em si mesma, como adquire na pr—pria carne, por assim dizer,
impress›es e convic›es que procura em v‹o nos livros e nas conferncias. Por
fim, deve-se apreciar tambŽm o benef’cio da duradoura rela‹o espiritual que
costuma se estabelecer entre o analisando e aquele que o guia.
Uma tal an‡lise de alguŽm praticamente sadio permanecer‡ inconclusa,
como Ž de se esperar. Quem estimar o valor do autoconhecimento e da elev-
a‹o do autocontrole, adquiridos por meio dela, prosseguir‡ no exame
anal’tico da pr—pria pessoa em forma de autoan‡lise, e se contentar‡ com o fato
de que, tanto dentro de si como fora, sempre deve esperar encontrar algo
novo. Mas quem, como analista, desdenhou a precau‹o de analisar a si
mesmo, n‹o apenas se v castigado com a incapacidade de aprender mais que
uma certa medida de seus pacientes, corre tambŽm um perigo mais sŽrio e que
117/275
pode se tornar perigo para os outros. Ele facilmente cair‡ na tenta‹o de pro-
jetar sobre a cincia, como teoria de validade geral, aquilo que em obscura
percep‹o ele enxerga das peculiaridades de sua pr—pria pessoa, carreando
descrŽdito para o mŽtodo psicanal’tico e desencaminhando os inexperientes.
g) Acrescento mais algumas regras, em que passo da atitude do mŽdico
para o tratamento do analisando.
ƒ sem dœvida atraente, para um psicanalista jovem e entusiasmado, colocar
muito de sua individualidade, para arrastar consigo o paciente e elev‡-lo acima
dos limites de sua estreita personalidade. Seria perfeitamente admiss’vel, e
mesmo adequado para a supera‹o das resistncias ativas no doente, que o
mŽdico lhe oferecesse um vislumbre dos pr—prios defeitos e conflitos mentais,
e lhe possibilitasse p™r-se em pŽ de igualdade, dando-lhe not’cias confidenciais
de sua vida. Pois uma confiana vale a outra, e quem solicita intimidade de
outro deve d‡-la em troca.
Mas na rela‹o psicanal’tica muita coisa transcorre de modo diferente do
que se esperaria conforme a psicologia da conscincia. A experincia n‹o de-
p›e a favor de uma tŽcnica afetiva semelhante. TambŽm n‹o Ž dif’cil ver que
com ela abandonamos o terreno psicanal’tico e nos aproximamos do trata-
mento por sugest‹o. Consegue-se que o paciente comunique mais cedo e mais
facilmente o que ele pr—prio j‡ sabe, e o que resistncias convencionais o fari-
am reter por algum tempo ainda. Quanto a p™r a descoberto o que Ž incon-
sciente para o doente, essa tŽcnica n‹o ajuda, apenas o torna ainda mais in-
capaz de superar resistncias mais profundas, e em casos mais dif’ceis fracassa
devido ˆ insaciabilidade que foi despertada no paciente, que ent‹o gostaria de
inverter a rela‹o e acha a an‡lise do mŽdico mais interessante do que a sua.
TambŽm a resolu‹o da transferncia, uma das principais tarefas do trata-
mento, Ž dificultada por uma atitude ’ntima do mŽdico, de sorte que o eventual
ganho do in’cio Ž mais que contrabalanado, afinal. N‹o hesito, portanto, em
118/275
rejeitar como defeituosa essa tŽcnica. O mŽdico deve ser opaco para o analis-
ando, e, tal como um espelho, n‹o mostrar sen‹o o que lhe Ž mostrado. Na
pr‡tica, Ž certo que nada se pode objetar quando um psicoterapeuta mistura
um qu de an‡lise com uma parte de influncia por sugest‹o, para alcanar xi-
tos vis’veis em tempo mais curto, tal como Ž necess‡rio, por exemplo, em in-
stitui›es; mas pode-se exigir que ele tenha dœvida acerca do que faz, que saiba
que o seu mŽtodo n‹o Ž o da verdadeira psican‡lise.
h) Outra tenta‹o vem da atividade pedag—gica que no tratamento psic-
anal’tico recai sobre o mŽdico, sem que haja inten‹o por parte dele.
Dissolvendo-se as inibi›es ao desenvolvimento, ocorre naturalmente que o
mŽdico chegue ˆ situa‹o de indicar novas metas para as tendncias* liberadas.
ƒ ent‹o compreens’vel que ele ambicione fazer algo extraordin‡rio da pessoa
em cuja liberta‹o da neurose ele tanto se empenhou, e prescreva elevados ob-
jetivos para os desejos dela. Mas tambŽm a’ o mŽdico deveria se manter em
xeque e orientar-se mais pela aptid‹o do paciente do que por seus pr—prios
desejos. Nem todos os neur—ticos possuem grande talento para a sublima‹o;
de muitospodemos supor que n‹o teriam adoecido, caso dispusessem da arte
de sublimar seus instintos. Se os pressionamos demasiadamente para a sublim-
a‹o e lhes tiramos as gratifica›es de instintos mais imediatas e c™modas, em
geral lhes tornamos a vida ainda mais dif’cil do que eles a sentem. Como mŽdi-
cos devemos sobretudo ser tolerantes com as fraquezas do doente, temos de
nos contentar em recuperar, ainda que seja para alguŽm de n‹o muito valor,
algo da capacidade de realiza‹o e de frui‹o. A ambi‹o pedag—gica Ž t‹o
pouco adequada quanto a teraputica. H‡ a considerar, tambŽm, que muitas
pessoas adoecem precisamente na tentativa de sublimar seus instintos alŽm do
montante permitido por sua organiza‹o, e que naqueles capacitados para a
sublima‹o este processo costuma se efetuar por si mesmo, t‹o logo as inib-
i›es s‹o vencidas pela an‡lise. Acho, portanto, que o esforo de regularmente
119/275
usar o tratamento anal’tico para a sublima‹o de instintos Ž sempre louv‡vel,
mas de modo algum aconselh‡vel em todos os casos.
i) Dentro de que limites devemos buscar a colabora‹o intelectual do anal-
isando no tratamento? ƒ dif’cil afirmar algo de aplica‹o geral neste ponto. A
personalidade do paciente Ž que decide em primeiro lugar. Mas de todo modo
se deve observar cautela e reserva. ƒ errado colocar tarefas para o analisando,
dizer que ele deveria juntar suas lembranas, meditar sobre um determinado
per’odo de sua vida etc. Ele tem que aprender, isto sim Ñ o que para ninguŽm
Ž f‡cil admitir Ñ, que com a atividade mental dessa espŽcie, com o esforo da
vontade e da aten‹o n‹o se resolve nenhum dos enigmas da neurose, mas
somente atravŽs da observ‰ncia paciente da regra psicanal’tica que manda
afastar a cr’tica ao inconsciente e seus derivados. De modo particularmente
implac‡vel devemos insistir nessa regra junto aos pacientes que praticam a arte
de escapulir para o ‰mbito intelectual no tratamento, e que ent‹o refletem
bastante, ˆs vezes sabiamente, sobre o seu estado, poupando-se de fazer al-
guma coisa para venc-lo. Por isso n‹o gosto que meus pacientes recorram ˆ
leitura de textos psicanal’ticos; peo que aprendam na sua pr—pria pessoa, e
lhes garanto que desse modo saber‹o mais do que o que toda a literatura psic-
anal’tica poderia ensinar-lhes. Mas reconheo que nas condi›es de um inter-
namento em institui‹o pode ser muito vantajoso utilizar a leitura para pre-
parar os analisandos e para produzir uma atmosfera de influncia.
Desaconselho enfaticamente que se procure o apoio e a aquiescncia de pais
ou parentes, dando-lhes uma obra de psican‡lise para ler, seja ela profunda ou
introdut—ria. Essa medida bem-intencionada basta, via de regra, para fazer sur-
gir prematuramente a natural Ñ e, cedo ou tarde, inevit‡vel Ñ oposi‹o dos
parentes ao tratamento psicanal’tico de um dos seus, de forma tal que o trata-
mento n‹o chega a ter in’cio.
120/275
Manifesto a esperana de que a progressiva experincia dos analistas levar‡
em breve a um acordo quanto ˆ tŽcnica mais adequada para o tratamento dos
neur—ticos. Com rela‹o ao tratamento de parentes, confesso minha perplexid-
ade e deposito bem pouca confiana no seu tratamento individual.
* No original, gleichschwebende Aufmerksamkeit. Uma nota da Standard inglesa informa que, ao
dizer que j‡ usou a express‹o, Freud alude provavelmente a uma passagem da "An‡lise da fo-
bia de um garoto de cinco anos" (1909), e que h‡ uma ligeira diferena entre as duas passagens.
De fato, no texto do "Pequeno Hans" Freud usa gleiche Aufmerksamkeit, "mesma aten‹o", en-
quanto o adjetivo que agora emprega Ž tambŽm formado de schwebend (do verbo schweben,
pairar). Strachey utiliza evenly-suspended, que parece ser a melhor vers‹o (n‹o considerando a
holandesa, que pode usar um composto exatamente igual ao alem‹o: gelijkzwevende). A antiga
tradu‹o espanhola utiliza flotante, a nova, argentina, optou por parejamente flotante, e a antiga
vers‹o francesa acrescenta aspas ao adjetivo: "flottante".
* O verbo aqui usado por Freud, erkennen, pode significar "conhecer, reconhecer, discernir,
perceber"; por isso as vers›es estrangeiras variam: descubrimos, uno [É] discernir‡, se rŽvle, re-
cognized, onderkend ("reconhecido").
1 Com frequncia o analisando afirma j‡ ter dito algo, enquanto podemos garantir, com tran-
quila superioridade, que o est‡ fazendo pela primeira vez. Ent‹o se verifica que o analisando j‡
teve antes a inten‹o de diz-lo, mas foi impedido por uma resistncia ainda em a‹o. A lem-
brana de tal inten‹o Ž para ele indistingu’vel da lembrana de sua realiza‹o.
* "Fao os pacientes registrarem ap—s o relato do sonho": lasse ich von den Patienten nach der
ErzŠhlung des Traumes fixieren. Essa ora‹o n‹o Ž totalmente clara. Por isso h‡ divergncias
nas tradu›es consultadas: hago que el mismo enfermo ponga por escrito su relato despuŽs de
habŽrselo o’do de palabra, hago que los pacientes mismos los fijen {por escrito} [sic; entre chaves]
tras relatar el sue–o, J'abandonne au patient le soin de fixer lui-mme [É], I get the patient to re-
peat them to me after he has related them so that I can fix them in my mind, laak ik door de pati‘n-
ten na het vertellen van de droom vastleggen. O problema Ž duplo: o sentido do verbo fixieren (Ž
registrar por escrito ou fixar na mem—ria?) e o agente desse verbo (Ž o analista ou o paciente?).
Os dois tradutores de l’ngua espanhola concordam na primeira e na segunda op›es, re-
spectivamente (as palavras "por escrito", entre chaves, acham-se no texto da edi‹o argentina).
A tradutora francesa omite parte da ora‹o, mas tambŽm v o paciente como sujeito de fixer, e
n‹o especifica esse verbo mais que o original. A vers‹o inglesa Ž a que mais discrepa: o analista
"fixa na mente" o sonho que fez o paciente repetir. Para o tradutor holands, est‡ claro que a
121/275
tarefa cabe ao paciente, e o verbo que usa para verter fixieren Ž vastleggen (aparentado ao
alem‹o festlegen), que significa "assentar, consignar". Um professor alem‹o Ñ e professor de
alem‹o Ñ que consultei acha bastante prov‡vel o sentido de "registrar por escrito".
* "Compor sua estrutura": seinen Aufbau zusammensetzen. Alguns tradutores preferiram "recon-
struir, reconstituir" para verter o verbo alem‹o: reconstruir su estructura, componer su edif’cio, en
reconstituer la structure, to piece together its structure, de loop ervan te construeren. O significado
literal de zusammensetzen Ž "colocar junto"; nada nele recomenda o recurso ao prefixo "re", em
portugus. E lembremos do pr—prio t’tulo de um importante artigo tŽcnico de Freud: "Con-
stru›es na an‡lise" (Konstruktionen in der Analyse, de 1937). Outro ponto pass’vel de dis-
cuss‹o, nesse trecho, Ž a vers‹o de Aufbau por "estrutura". Aufbau pode significar tambŽm
"constru‹o, edif’cio, montagem, organiza‹o, carroceria (de autom—vel)". Deve-se ter
presente que a Standard inglesa emprega com relativa frequncia o termo structure, para
traduzir diversas palavras alem‹s, e isso pode dar uma maior impress‹o de rigidez ou solidez
das forma›es ps’quicas do que a que o original nos transmite. ƒ talvez significativo que a
edi‹o holandesa (a mais nova entre essas) use a palavra loop ("curso", equivalente ao alem‹o
Lauf) para Aufbau.
* "Trabalho sintŽtico do pensamento": no original, synthetischen Denkarbeit; nas tradu›es con-
sultadas: labor mental de s’ntesis, trabajo sintŽtico del pensar, travail de synthse, synthetic process
of thought, synthetische denkarbeid.
* "Energias mentais": geistige KrŠfte Ñ energ’as ps’quicas, fuerzas espirituales, (omiss‹o na
tradu‹o francesa), mental forces, geesteskrachten.
* "Reconhecimento": Erkennung, no original; nas vers›es estrangeiras consultadas: descubrimi-
ento, discernimiento, dŽcouvrir, recognizing, doorgronden ["penetrar"]; ver nota sobre erkennen na
p. 150, acima.
** "Percebido": novamente o verbo erkennen, agora no partic’pio Ñ descubierto, discernido, les
perceptions, perceived, onderkend.
* "Tendncias": n‹o traduz exatamente Strebungen, substantivo(atualmente n‹o mais usado)
do verbo streben, que significa "esforar-se por, aspirar a, ambicionar"; os outros tradutores
usam tendencias, aspiraciones, pulsions, trends, strevingen.
122/275

Outros materiais