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Semiologia Laríngea: Avaliação Clínica da Voz 102 Osíris de Oliveira Camponês do Brasil Luiz Henrique Fonseca Barbosa Hugo Valter Lisboa Ramos A avaliação da laringe e da voz ocorre sempre que o paciente apresentar qualquer dificuldade na produção natural da voz falada ou cantada. Diferentes abordagens clínicas e laboratoriais são usadas com o objetivo de investigar as prováveis causas da disfonia. O médico laringologista deve ter a habilidade de associar ao conhecimento estruturado da anatomia e da fisiologia da laringe o domínio das avaliações perceptivas visual e auditiva, o uso da avaliação acústica e aerodinâmica e também o uso correto dos aparelhos endoscópicos. O avanço significativo do uso das imagens endoscópicas permitiu o diagnóstico ambulatorial mais preciso, diminuindo a necessidade de microlaringoscopia sob anestesia geral. Neste capítulo, serão abordadas essas novas tecnologias e será enfatizada a relevância do uso adequado desses meios direcionados ao diagnóstico. ANAMNESE DIRECIONADA À VOZ A avaliação otorrinolaringológica, como qualquer outra avaliação médica, passa obrigatoriamente pelo exame clínico, que envolve anamnese e exame físico do paciente. De forma dirigida e ao mesmo tempo abrangente, a anamnese deve focar o comportamento vocal do indivíduo, suas queixas, seus hábitos adequados, ou não, e seus antecedentes pessoais e familiares, sem se esquecer que várias doenças sistêmicas podem ter como seu primeiro sintoma uma disfonia. Além disso, a anamnese laríngea permite considerar o impacto psicossocial da alteração da voz, bem como a magnitude das alterações de vibração e produção sonora. Informações sobre a saúde em geral do indivíduo incluindo outras áreas da medicina que também podem acometer a laringe e/ou o trato vocal, como alergia, endocrinologia, gastroenterologia, neurologia, oncologia, psiquiatria, pneumologia, cirurgia, entre outras, bem como o uso de alguns medicamentos, são importantes não só para o diagnóstico vocal, mas também para fazermos o diagnóstico de outras doenças loco-regionais ou sistêmicas. Alterações dos estados físico, emocional e de personalidade do indivíduo também estão intimamente relacionadas à dinâmica vocal e devemos sempre nos lembrar que qualquer alteração sistêmica pode comprometer a voz. AVALIAÇÃO PERCEPTIVA E AUDITIVA DA VOZ A avaliação perceptivo-auditiva faz parte do “exame físico” da voz do paciente. Utilizando sua audição, o laringologista irá “inspecionar” a voz do paciente, observando parâmetros como: ressonância, ataque vocal, tessitura vocal, qualidade vocal, velocidade de fala e respiração, loudness, picht, tensão geral do aparelho fonador, ressonância e qualidade da emissão vocal. Todas essas informações são extremamente úteis na caracterização do tipo de voz ou mesmo na detecção dos distúrbios da voz, principalmente quando avaliada por profissionais devidamente treinados. Como Pinho e Pontes estabeleceram em 2008, usamos a escala RASATI, acrônimo que significa: rouquidão, aspereza, soprosidade, astenia, tensão e instabilidade. Quando feita por profissionais treinados, médicos ou fonoaudiólogos, a avaliação perceptivo-auditiva consegue apresentar boa reprodutibilidade nos resultados obtidos. Graduamos cada um dessas características vocais da escala RASATI em três graus (I, II e III), sempre procurando correlacionar a percepção auditiva da voz examinada com os demais resultados das outras avaliações e exames laringológicos. AVALIAÇÃO ACÚSTICA DA VOZ A avaliação acústica da voz ocorre com o registro espectrográfico do som. As características físicas da onda sonora são, então, registradas e quantificadas por softwares especializados, o que permite análise mais objetiva da voz. Usualmente realizada por fonoaudiólogos, são avaliados vários parâmetros – intensidade e variabilidade da intensidade, frequência fundamental (F0), variabilidade e perturbação da frequência fundamental, perfil de extensão vocal, espectrografia e medidas espectrais, medidas de perturbação e medidas não lineares. Muito embora os resultados da avaliação acústica da voz sejam muito úteis na monitorização do tratamento do paciente, além de permitirem o registro e a comparação dos resultados vocais, a avaliação perceptiva e auditiva da voz ainda é o método mais confiável, principalmente em quadros disfônicos mais intensos. Por isso, a interpretação dos resultados acústicos deve ser feita em conjunto com todos os outros dados da avaliação clínica. Assim, o médico laringologista deve estar familiarizado com o exame. Eletroglotografia A eletroglotografia (EGG) é um exame que utiliza a impedância elétrica para medir o tempo de contato entre as pregas vocais durante a fonação. Assim, quanto maior o contato entre as pregas vocais, mais corrente elétrica passa de um lado a outro no pescoço. VISUALIZAÇÃO LARÍNGEA A avaliação da laringe durante respiração, fonação e deglutição fornece informações importantes sobre a anatomia, a fisiologia e sobre as doenças da laringe. O médico laringologista também deve estar atento à biomecânica dos movimentos das pregas vocais, bem como à postura laríngea, já que essas informações também são muito úteis para o diagnóstico e tratamento do paciente. Novas tecnologias continuam a ser desenvolvidas, proporcionando melhor captura, armazenamento e análise de imagens. A própria interpretação dos padrões de vibração também evolui com o advento de novos conhecimentos sobre a ultraestrutura da lâmina própria e a fisiologia da prega vocal. A abordagem terapêutica clínica e/ou cirúrgica, por vezes, necessita de informações sobre a função vocal, que podem ser obtidas por meio de provas com manobras vocais e terapias comportamentais, geralmente realizadas em parceria com o fonoaudiólogo especialista em voz. O laringologista, o fonoaudiólogo e o professor de canto, sempre que necessário, devem formar a equipe multiprofissional responsável por avaliar e tratar o paciente. Laringoscopia Indireta Representa uma série de métodos usados para visibilização indireta da laringe, que usa luz refletida em espelho ou cabos de fibra óptica. Esses procedimentos permitem avaliar o paciente acordado com movimentos ativos da laringe. Pode-se usar ou não anestesia tópica na orofaringe. Isso possibilita a avaliação funcional da laringe e do trato vocal, trazendo informações importantíssimas para o diagnóstico e o tratamento do paciente. Laringoscopia por Espelho Manuel Garcia, no século XIX, utilizou um pequeno espelho posicionado na orofaringe para ver a laringe. Essa é a forma mais simples, mas muito útil, de se examinar a laringe, já que também permite a inspeção dinâmica durante a fonação. O espelho deve ser pré-aquecido, para evitar embaçamento, e utiliza-se uma luz externa que se transmite à laringe, permitindo uma visibilização do órgão. A captura da imagem não é fácil e não permite a sua magnificação, o que torna a laringoscopia por espelho um exame mais rudimentar quando comparado aos demais. Endoscopia Rígida ou Telelaringoscopia A telelaringoscopia utiliza endoscópios rígidos formados por um sistema de lentes e prismas que conseguem conduzir luz de alta intensidade à laringe, por um canal de fibra óptica, ao mesmo tempo em que transmitem a imagem do órgão de volta até ao visor do endoscópio. O sistema de prisma na ponta do laringoscópio pode ter um ângulo de 70° ou 90°, variando o modo de visibilizar a laringe. A imagem geralmente é magnificada e armazenada por um sistema de câmera e vídeo acoplado ao aparelho. Atualmente, novas tecnologias que usam o mesmo aparato rígido do laringoscópio convencional têm surgido, com algumas diferenças. Na ponta do laringoscópio, é acoplada uma microcâmera com chip e um sistema de iluminação a LED (light emitting diode), que substitui, respectivamente, o sistema de espelhos e a fonte de luz externa. Esse sistema evolui cada vez mais, provendo-nos imagens com crescente aumento de qualidade. O paciente é posicionado na posição sentada, com a língua mantida fora da boca enquantoo laringoscópio é inserido em direção à orofaringe, até se observar inferiormente a laringe. Por vezes, é necessária anestesia tópica. O paciente é instruído a emitir a vogal /e/, sustentada em sua frequência e intensidade vocais habituais, e depois a vogal /i/, porque esta permite a elevação da laringe e a anteriorização da epiglote, facilitando a visibilização da região anterior da glote e os recessos piriformes (Fig. 102-1). Podem-se avaliar emissões vocais em várias frequências, no entanto não é possível avaliar canto e fala encadeados, porque a língua se encontra protrusa. Durante a respiração, também são tomadas imagens, principalmente para documentar a região posterior da glote (área respiratória), a região subglótica e a traqueia (Fig. 102-2). FIGURA 102-1. Laringe normal em fonação vista à telelaringoscopia. FIGURA 102-2. Laringe normal em respiração vista à telelaringoscopia. FIGURA 102-3. Laringe em respiração vista por endoscopia flexível. Endoscopia Flexível A endoscopia flexível utiliza um cabo de fibra óptica que contém um conjunto de fibras transmissoras de luz e imagens. A extremidade distal da fibra ótica pode ser movida para anterior ou posterior com um controle, permitindo visibilização em diversos ângulos. Assim como na endoscopia rígida, também pode-se conectar a fibra a uma fonte de luz e a uma câmera, o que também permite magnificação e armazenagem das imagens. Geralmente a fibra óptica é introduzida pela cavidade nasal do paciente, sob anestesia tópica, o que permite a visibilização da função das estruturas do esfíncter velofaríngeo e também permite a avaliação da laringe e do trato vocal no canto, na fala encadeada e na deglutição. Comparando-se com a endoscopia rígida, a endoscopia flexível apresenta algumas desvantagens, já que a transmissão de luz pela fibra óptica é limitada, a resolução das imagens é menor e não há magnificação das imagens (Figs. 102-3 e 102-4). No entanto, assim como para os endoscópios rígidos, novas tecnologias que usam câmeras miniaturizadas na ponta do endoscópio têm superado essas limitações. FIGURA 102-4. Tumor de laringe – glótico T1b (tumor limitado às pregas vocais, envolvendo ambas, com mobilidade normal dessas) visto por endoscopia flexível. Laringoscopia Direta Também chamada de microlaringoscopia, já que frequentemente está associada ao uso do microscópio cirúrgico, na laringoscopia direta ocorre a visibilização direta da laringe, com o paciente sob anestesia geral. A laringe é exposta com a introdução de tubos de diferentes diâmetros, chamados de laringoscópios, na via aérea do paciente. O laringoscópio geralmente é suspenso em um sistema de alavanca, que se apoia no tórax do doente, e se mantém fixo. O cirurgião faz a inspeção da laringe tendo as duas mãos livres para fazer a palpação das pregas vocais. Por adicionar a inspeção palpatória da laringe, a laringoscopia direta traz informações importantes sobre a estrutura da prega vocal e sobre a articulação cricoaritenóidea. A laringoscopia direta geralmente está indicada nos casos de necessidade de biópsia e, mais raramente, para elucidação diagnóstica, quando os métodos indiretos não são passíveis de execução ou não conseguiram definir o diagnóstico (Figs. 102-5 e 102-6). A laringoscopia direta também pode ser acoplada a endoscopia de contato, que permite avaliar microscopicamente o epitélio em busca de sinais de malignidade. ESTUDO DA FUNÇÃO VIBRATÓRIA DAS PREGAS VOCAIS Videoestroboscopia Uma imagem quando apresentada ao olho humano permanece na retina por 0,2 segundo e, por isso, esse órgão consegue perceber até 5 imagens distintas por segundo. Imagens sequenciais produzidas em intervalos menores que 0,2 s são fundidas no córtex, ocasionando a ilusão óptica de movimento aparente. A laringoestroboscopia é realizada com fonte de luz estroboscópica, geralmente acoplada a um endoscópio rígido, para a visibilização da vibração das pregas vocais, trazendo um efeito de falsa câmera lenta. FIGURA 102-5. Papiloma em prega vocal esquerda. FIGURA 102-6. Tumor (carcinoma espinocelular [CEC]) em prega vocal direita. FIGURA 102-7. Estroboscopia – incidência do flash no ciclo fonatório. O estroboscópio capta a frequência de vibração das pregas vocais e emite a luz entrecortada adquirindo imagens sucessivas das pregas vocais, em ciclos sucessivos e regulares, com uma minúscula defasagem entre cada ciclo, o que nos dá a falsa impressão de câmera lenta. Esse efeito permite visibilizar em velocidade mais lenta detalhes da vibração da onda mucosa e da anatomia das pregas vocais (Figs. 102-7 a 102-11). É um dos instrumentos diagnósticos mais importantes no consultório do laringologista, pois permite avaliação da integridade da relação dinâmica e funcional do corpo e cobertura vocal. É crucial para auxiliar na realização de diagnóstico mais acurado, pois une à informação estrutural a funcional. No entanto, tem como principais desvantagens a incapacidade de avaliar o início e o fim das emissões, a incapacidade de avaliar vozes não regulares ou aperiódicas e o fato de basear-se em ciclos glóticos ilusórios e compostos. Observam-se parâmetros como padrão de coaptação glótica, amplitude de vibração, onda mucosa, presença de segmentos não vibrantes, fase de fechamento, simetria de fase e regularidade. Vale ressaltar que a estroboscopia deve ser sempre realizada em conjunto com a laringoscopia com luz contínua. Parâmetros a serem analisados na onda mucosa pela laringoestroboscopia: ■ Presença. ■ Ausência (zona silente): – Processos cicatriciais. – Distúrbios neurológicos. – Distúrbios neuromusculares. ■ Periodicidade ou aperiodicidade: ■ Aperiodicidade: – Distúrbios neurológicos e/ou neuromusculares. – Incoordenação pneumofônica. – Síndrome de tensão musculoesquelética. ■ Regularidade: – Onda mucosa regular. – Irregular, com variações nas características da onda mucosa. ■ Amplitude: – Medida da amplitude: prega vocal direita, prega vocal esquerda. – Simetria. – Assimetria: fase, amplitude. ■ Fase: – Equilíbrio das fases de abertura/fechamento. ■ Coaptação glótica: – Completa. – Incompleta (fendas): • Fenda triangular posterior. • Fenda mediotriangular. • Fenda triangular anteroposterior. • Fenda fusiforme anterior. • Fenda fusiforme anteroposterior. • Fenda dupla. • Ampulheta. • Fusiforme anterior + triangular medioposterior. • Fenda paralela. • Fenda irregular. FIGURA 102-8. Estroboscopia – incidência do flash e onda mucosa. FIGURA 102-9. Estroboscopia – desenvolvimento da onda mucosa. (A) Fases fechada (1) e aberta (2) do ciclo vocal. (B) Ciclo vocal em detalhes (1 a 7). FIGURA 102-10. A e B Estroboscopia – onda mucosa. Medida de amplitude e fase. Videoquimografia O videoquimógrafo é um aparelho que decompõe a imagem das pregas vocais, captada por um endoscópio rígido ou flexível, e estuda uma única linha transversal da imagem de um ponto específico das pregas vocais. Essa linha é escaneada em alta velocidade permitindo a avaliação da vibração em tempo real das pregas vocais. A videoquimografia mostra-se útil nos casos de aperiodicidade da onda mucosa das pregas vocais, o que dificulta a avaliação pela estroboscopia (Fig. 102-12). Câmera de Alta Velocidade A câmera de alta velocidade já está disponível para o estudo da vibração das pregas vocais. A alta velocidade de captura das imagens diferencia-se da videoquimografia por analisar toda a superfície das pregas vocais. Ela também não depende de periodicidade vibratória da onda mucosa e avalia eventos fisiológicos que a estroboscopia não consegue ver, como, por exemplo, o início e o fim das emissões. FIGURA 102-11. A a D Estroboscopia – onda mucosa. FIGURA 102-12. A a D Estroboscopia e videoquimografia. Podem-se capturar mais de 2.000 imagens por segundo, podendo a quantidade de imagens por segundo ser aumentada ao diminuir-se o tamanho da tela ou a resolução da imagem. Recentemente as câmeras monocromáticas estão sendo substituídas pelas coloridas e permitem avaliação de algunssegundos de exame, entre 2 a 8 s. Uma diferença das câmeras de alta velocidade em relação às câmeras convencionais, analógicas ou digitais é a necessidade de fonte de luz mais potente e de um computador com grande capacidade de memória e com alta taxa de transferência de dados. A laringoscopia com câmera de alta velocidade ainda está restrita ao uso em pesquisa, mas começa a ser usada na clínica laringológica diária. Ela analisa os mesmos parâmetros da estroboscopia e ainda apresenta a vantagem de observar comportamentos pré e pós-oscilatórios, no início e no fim das emissões. FONAÇÃO INSPIRATÓRIA DIAGNÓSTICA A fonação inspiratória diagnóstica (FID) é uma manobra diagnóstica que muito nos auxilia no diagnóstico das alterações de cobertura e, juntamente com a estroboscopia, nos fornece avaliação mais aprimorada das condições da lâmina própria. Deve-se lembrar que as lesões epiteliais fonotraumáticas são superficiais e, por isso, comprometem somente o epitélio e a membrana basal das pregas vocais, podendo se insinuar na lâmina própria. Por outro lado, também existem lesões exofíticas, como os pólipos, que crescem para fora da prega vocal, e lesões que se localizam profundamente ao epitélio, na lâmina própria, como as Alterações Estruturais Mínimas (AEM) de cobertura. Para a realização dessa manobra, geralmente feita durante o exame de telelaringoscopia rígida, pede-se ao paciente que, após uma expiração, realize a fonação da vogal /a/ no momento em ele que inspira profundamente o ar. Com isso, o efeito de Bernoulli promove aspiração da cobertura das pregas vocais, o que permite observar o quanto a cobertura das pregas voais se expande. Isso nos permite identificar ou não o ligamento vocal, que pode se apresentar regular ou com pinçamentos, além de, com frequência, identificar lesões ocultas “escondidas” nas camadas da lâmina própria. Assim, a fonação inspiratória é um procedimento que propicia avaliação do grau de flacidez da lâmina própria, principalmente da camada superficial, muito comprometida nas AEM de cobertura das pregas vocais. As Figuras 102-13 a 102-15 mostram imagens de laringe obtidas durante a respiração e a fonação inspiratória de três pacientes com diagnósticos laringológicos diferentes: Figura 102-13, A e B, espessamento epitelial sem comprometimento da lâmina própria; Figura 102-14, A e B, AEM com lesão comprometendo o ligamento vocal; e Figura 102-15, A e B, nódulo vocal. FIGURA 102-13. Espessamento epitelial sem comprometimento da lâmina própria. A Imagem de laringe obtida pela telelaringoscopia durante a respiração. Observar espessamento epitelial bilateralmente. B Imagem de laringe obtida pela telelaringoestroboscopia durante a fonação inspiratória. A tarefa de fonação inspiratória revela boa expansão da lâmina própria, com identificação ligamentar, que se apresenta regular. FIGURA 102-14. Imagens de laringe de paciente com alteração estrutural mínima (AEM). A Imagem de laringe obtida pela telelaringoscopia durante a respiração. B Imagem de laringe obtida pela telelaringoestroboscopia durante a fonação inspiratória. A tarefa revela boa expansão da lâmina própria na prega vocal direita, onde se observa ectasia vascular, que estava oculta. Ligamento identificado e regular. Prega vocal esquerda com expansão da lâmina própria menos evidente, com lesão comprometendo o ligamento vocal em seu terço médio. Trata-se de AEM, e não de nódulo vocal. FIGURA 102-15. Imagens de laringe de paciente com nódulo vocal. A Imagem de laringe obtida pela tele-laringoestroboscopia durante a fonação. Observar lesão nodular bilateral, terço médio para anterior, simétrica em localização e assimétrica em tamanho, sendo maior na prega vocal direita. B Imagem de laringe obtida pela telelaringoestroboscopia durante a fonação inspiratória. A tarefa revela boa expansão de lâmina própria bilateralmente, com identificação ligamentar regular e com lesão epitelial (membrana basal) que se insinua para a lâmina própria. ELETROMIOGRAFIA DA LARINGE A eletromiografia da laringe é um exame útil no diagnóstico das alterações de mobilidade das pregas vocais, sobretudo para diferenciar as paralisias das fixações. Fornece também dados para o prognóstico e a localização de lesões neuromusculares. Em geral, é realizado por via transcutânea, sem a utilização de anestesia, sendo bem tolerado pelos pacientes. Geralmente são avaliados os músculos cricotireóideo e tireoaritenóideo, que são inervados pelos nervos laríngeos superior e recorrente, respectivamente. Informações sobre o tipo e o grau das lesões neurogênicas podem ajudar no diagnóstico do quadro do paciente. O exame deve ser realizado a partir da terceira semana, período em que as fibras musculares desnervadas exibem potenciais característicos como fibrilação e ondas positivas, indicando a presença de restauração da função neural. Referências Bibliográficas American Speech-Language-Hearing Association. The roles of otolaryngologists and speech-language pathologists in the performance and interpretation of strobovideolaryn-goscopy. ASHA 40, (suppl.18), v. 40, p. 32, 1998. Biever, D. M.; Bless, D. M. Vibratory characteristics of the vocal folds in young adults and geriatric women. J. Voice, v. 3, p. 120-131, 2003. Bless, D. M.; Hirano, M.; Feder, R. J. Videostroboscopic evaluation of the larynx. Ear. Nose Throat. J., v. 66, p. 289-296, 1987. Brasil, O. C. C.; Biase, N.; Behlau, M.; Melo, E. C. M. Paralisias laríngeas. In: Campos, C. A. H.; Costa, H. O. O. (eds.). Tratado de Otorrinolaringologia. São Paulo: Roca, 2002. v. 4, p. 477-493. Brasil, O. O. C.; Domingues, M.; Behlau, M. 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Um exemplo de contexto da comunicação é a voz profissional; adotada por cantores, locutores, entre outros profissionais que dependem do uso da voz para o sustento; assunto abordado no capítulo de Voz Profissional. É importante mencionar a chamada voz adaptada, que é o equilíbrio entre o rendimento vocal para um determinado uso da voz em condições anatômicas e/ou funcionais não adequadas do trato vocal para o pleno desenvolvimento da fonação. Dessa forma, é importante o entendimento do que é a voz ou produção vocal, os elementos utilizados para produzi-la e o que são as condições adequadas e funcionais para o uso da mesma. A partir daí, fica mais simples compreender sobre as disfonias. A fala é o espelho da personalidade e do estado emocional das pessoas. Dessa forma, a voz é sensível a uma alteração psicológica, secundária, por exemplo, a um evento trágico ou catastrófico. A laringe pode ser um local de tensão neuromuscular decorrente de estresse associado ao medo, à ansiedade, à raiva e à depressão. A musculatura intrínseca e extrínseca da laringe é extremamente sensível ao estresse emocional, e a hiperconstrição dessa musculatura é o denominador comum dos quadros de disfonia de caráter psicogênico. A produção dos sons vocais ocorre por sons gerados pelo sistema fonador, quando as pregas vocais estiverem em vibração ou não, ou mais precisamente pelo fluxo de ar pulmonar que é modificado pelas pregas vocais em vibração e depois pelo trato vocal e por vezes também pela cavidade nasal. O conceito de voz também está associado às pregas vocais em vibração e ao efeito do trato vocal sobre o som produzido pela vibração das pregas vocais. A partir daí, compreendemos que uma alteração na cobertura da prega vocal como uma alteração estrutural mínima (um cisto epidermoide por exemplo) (Fig. 117-1), uma lesão de cobertura (uma hemorragia na prega vocal por exemplo) (Fig. 117-2), e uma alteração no uso da voz (como, por exemplo, um mau uso ou abuso) podem resultar em disfonia. Logo, uma alteração no trato vocal também pode resultar em disfonia. Para produzir a voz, dependemos do ar dos pulmões, da vibração das pregas vocais e do trato vocal, que moldará o som, composto pela laringe, faringe, boca, lábios e língua. A fisiologia da laringe está detalhada em um capítulo específico. Segundo Sundberg, podemos dividir o aparelho fonador em: sistema respiratório, pregas vocais e articuladores. O sistema respiratório é composto pelo diafragma e pelos músculos abdominais e intercostais, com a função compressora. As pregas vocais é o oscilar, ou a fonte, e os órgãos articuladores (que formam o trato vocal) são os ressonadores, ou o filtro. Assim sendo, mudanças na respiração também podem influenciar na produção da voz. FIGURA 117-1. Cisto epidermoide em prega vocal direita. FIGURA 117-2. Hemorragia de prega vocal esquerda. FIGURA 117-3. Neoplasia de prega vocal direita (classificação TNM - T1N0M0). É fundamental no diagnóstico das disfonias verificar se a mesma está relacionada a uma alteração respiratória, a fonte glótica, também chamada de registro, a ressonância ou filtro, ou a uma associação desses componentes, que serão detalhados mais adiante. O registro vocal é representado pela variação de frequências que são produzidas pela vibração das pregas vocais. Dessa forma, os registros vocais ocorrem pelos ajustes de duas musculaturas intrínsecas da laringe, o tireoaritenoideo e o cricotireoideo. A terminologia utilizada na literatura ainda não é clara. Podemos dividir os registros em basal (vocal fry), modal (subdividido em peito, médio e cabeça); falsete (ou registro de cabeça, relativo ao falsete feminino), além da flauta e assobio (Fig. 117-4). No registro modal, ocorre atividade dos músculos tireoaritenoideos (TAs) e músculos cricotireoideos (CTs), sendo no registro de peito predomínio do TA e no registro de cabeça o predomínio de CT. Como mencionamos, os registros de peito e cabeça são eventos glóticos, e, como esses nomes podem causar confusão, foi sugerido a substituição de registro de peito por registro denso (relacionado à forma mais arredondada da borda livre das pregas vocais) e de registro de cabeça por registro tênue (devido à forma pouco espessa do bordo livre das pregas vocais assumida nessa situação) (Pinho, Korn e Pontes, 2015). A transição de registro é denominada de zona de passagem. Se essa transição não acontece de forma adequada, ocorre a quebra de registro. O conhecimento dos tipos de registro é importante principalmente na voz cantada. Em relação à ressonância é importante verificar a ressonância nasal, pois podemos apresentar como distúrbios de hiper e hiponasalidade. E, em relação à ressonância na cavidade oral e faringe, podemos ter a ressonância metálica (ou faríngea), laringo-faríngea (incluindo a ressonância gutural), cul de sac, e em alguns casos dois ou mais focos de ressonância. A ressonância metálica é caracterizada por um estreitamento da faringe, abaixamento do véu palatino e elevação da laringe ao passo que na ressonância gutural, ocorre uma exacerbação do fechamento glótico por meio da compressão extrínseca, também com abaixamento do véu palatino e elevação da laringe. A ressonância cul de sac é caraterizada por tensão na língua, com som semelhante a uma “batata quente na boca”. CLASSIFICAÇÃO As disfonias podem ser classificadas de acordo com o tempo de evolução, as causas e a topografia do aparelho fonador acometida, isto é, se está relacionada mais a fonte de alteração glótica, ou de ressonância, envolvendo as estruturas do trato vocal. Vamos discorrer sobre o tempo de evolução e quanto as causas. Tempo de Evolução As disfonias, segundo o tempo de evolução, são classificadas em agudas e crônicas, sendo agudas com até 14 dias de história e crônicas com mais de 14 dias de história. Ressaltamos que todos os casos de disfonia devem ser avaliados com a inspeção da laringe e do trato vocal, principalmente nos casos crônicos, pois um possível diagnóstico diferencial é o câncer de laringe (Fig. 117-3), que no caso do diagnóstico precoce, as chances de cura são enormes. Nos casos de profissionais da voz, a inspeção é fundamental o mais breve, levando em conta que um dos possíveis diagnósticos é a hemorragia de prega vocal (Fig. 117-2) e o reconhecimento precoce é de vital importância para cuidados e orientações. Causas de Disfonia As disfonias podem ser classificadas como: disfonia funcional, disfonia organo-funcional e disfonia orgânica. Na disfonia funcional ocorre uma alteração na função, porém sem nenhuma lesão na laringe. Quandoa alteração do uso inadequado da voz resulta em uma lesão nas pregas vocais, a disfonia é classificada como organo-funcional. Por último, a disfonia orgânica é a disfonia na qual a alteração vocal independe do uso da voz. Vamos detalhar cada causa de disfonia. FIGURA 117-4. Representação esquemáticas dos tipos de registro em relação a atividade muscular intrínseca predominante (adaptada de Hirano, 1998 e Pinho, Korn e Pontes, 2015). Legenda: TA músculo tireoaritenoideo; CT músculo cricotireóideo. Disfonia Funcional Na disfonia funcional, a alteração vocal é causada pelo uso da voz, porém sem lesões nas pregas vocais secundárias ao uso inadequado. A disfonia funcional pode ser dividida em três subgrupos: (1) uso incorreto da voz: (2) inadaptação vocal; (3) disfonia psicogênica. A disfonia funcional por uso incorreto da voz ocorre pela falta de conhecimento vocal, e alguns exemplos são uso incorreto da respiração, em nível glótico uma compressão exagerada ou insuficiente, e alterações na ressonância, como o uso excessivo da ressonância faríngea (constrição faríngea) ou deficiente como em uma voz com hiponasalidade. A disfonia por uso incorreto também se origina no modelo vocal deficiente como, por exemplo, um cantor que inicia sua carreira e canta seguindo o modelo de outro cantor já consagrado. As disfonias por uso incorreto da voz também são classificadas como disfonia funcional primária. As inadaptações vocais são divididas em inadaptações anatômicas e inadaptações funcionais, também classificadas como disfonia funcional secundária. As inadaptações anatômicas se referem as alterações estruturais mínimas (AEM). Segundo Pontes et al. (1994), as AEMS são variações da anatomia da laringe que podem apresentar como único impacto clínico, quando existe, a função fonatória da laringe. São exemplos de AEMs: assimetria laríngea, alteração da proporção glótica e AEM de cobertura, como microdiafragma anterior, sulco vocal, cisto epidermoide, ponte de mucosa e a vasculodisgenesia. O diagnóstico e tratamento das AEMs serão abordados em um capítulo específico. Quanto as inadaptações funcionais, existem as alterações miodinâmicas da laringe, como as alterações posturais da laringe (p. ex., uma laringe muito alta em um cantor erudito) e as alterações posturais das pregas vocais (relacionadas às fendas glóticas, como a fenda triangular médio-posterior, situação de hiperfunção que pode levar ao aparecimento dos nódulos de pregas vocais), e as inadaptações funcionais por incoordenação como a incoordenação pneumofônicas. Nas disfonias psicogênicas, as alterações psicológicas utilizam o mecanismo de fonação como forma de manifestação. Algumas formas são bem conhecidas como a disfonia por tensão muscular, disfonia ou afonia por conversão e alterações da muda vocal, sendo o exemplo mais comum a muda vocal incompleta, na qual um adulto do sexo masculino apresenta a voz de uma criança, podendo gerar um impacto emocional e social. A disfonia ou afonia por conversão é gerada por um estresse agudo ou crônico, na qual existe um significado simbólico para a voz, em alguns casos é observado uma tendência a indiferença dos efeitos incapacitantes da voz. Nessa situação, ocorre uma perda do controle voluntário sobre o sistema motor ou sensorial como o reflexo de um estresse ou conflito psicológico. Segundo Freud, a energia de uma ideia inaceitável é transmutada em uma forma de expressão corporal. Disfonia Organo-funcional As disfonias organo-funcionais representam os casos de disfonia funcional que evoluíram para as lesões secundárias. São as disfonias funcionais diagnosticadas tardiamente. Nesses casos, são observadas lesões como pólipo de prega vocal, nódulos de pregas vocais, granuloma do processo vocal, entre outras lesões. O diagnóstico e tratamento das lesões benignas das pregas vocais são abordadas em capítulo específico. Disfonia Orgânica As disfonias orgânicas são caracterizadas por alteração vocal independente do uso da voz. Como exemplos podemos citar as disfonias neurológicas (como a distonia, Parkinson, paralisia de prega vocal, que serão descritas em capítulo específico), câncer de laringe (sendo a disfonia na maioria das vezes o primeiro sintoma, também descrito em capítulo específico), papilomatose laríngea (também descrito em capítulo específico), laringites agudas e crônicas (como as doenças granulomatosas, autoimunes e o refluxo), e doenças psiquiátricas. DIAGNÓSTICO O diagnóstico da disfonia ocorre principalmente pela anamnese, avaliação perceptivo auditiva da voz, pelo exame físico otorrinolaringológico incluindo a inspeção da laringe e do trato vocal, por meio da nasofibrolaringoscopia, a telelaringoscopia associado à estroboscopia. Anamense O tempo de duração da disfonia já direciona para algumas hipóteses diagnósticas. Por exemplo, na disfonia súbita, especialmente em profissionais da voz, temos que considerar duas hipóteses: hemorragia de prega vocal e laceração de mucosa. Outra hipótese, no caso de afonia, é a disfonia por conversão, descrita no grupo das disfonias funcionais. No caso da disfonia com mais de 14 dias de duração, temos sempre que ter em mente a suspeita de uma neoplasia de laringe. No caso do profissional da voz, a anamnese é ainda mais elaborada, como por exemplo no caso do cantor, na qual se deve perguntar sobre a voz falada e a voz cantada. Em muitos casos, a disfonia está relacionada ao abuso vocal, e por isso, a anamnese deve abordar o uso da voz do paciente. Na anamnese, podemos colher informações que podem dirigir o diagnóstico para quadros infeciosos (infecção de vias aéreas superiores — IVAS, laringite, faringite, rinossinusite, entre outras), ou para o quadro de refluxo, e por isso são muito importantes as informações sobre os cuidados alimentares e hidratação. Da mesma forma, devem ser investigados hábitos como tabagismo, etilismo e uso de drogas. Tabagismo e excesso de consumo de bebida alcoólica são os principais fatores de risco para o câncer de laringe. Alguns sinais e sintomas auxiliam no diagnóstico de afecções neurológicas, especialmente a presença de tremor. Histórico de abuso vocal sugere uma possível lesão de cobertura (p. ex., nódulos de pregas vocais e pólipo de prega vocal). Uma alteração vocal desde a infância, que pode piorar com o abuso vocal, e antecedentes familiares de disfonia sugerem a presença de uma alteração estrutural mínima (AEM). Alterações psiquiátricas, psicológicas e emocionais também devem fazer parte da anamnese, pois essas alterações têm grande potencial de repercutir na produção vocal. Por exemplo, um paciente que apresenta voz sussurrada, porém com tosse com sonorização normal, nos leva a suspeita de uma afonia por conversão. Alterações hormonais também devem ser investigadas. Nesse tratado, os tópicos lesões de cobertura, alterações estruturais mínimas, voz profissional, alterações hormonais na laringe, neurológicas e quadros infecciosos são descritos em capítulos específicos. Também é importante questionarmos sobre antecedentes cirúrgicos, mesmo em sítios extralaríngeos, pelo processo da intubação, e no caso da laringe, pensando em cicatriz ou fibrose. Os medicamentos utilizados também devem ser contemplados na anamnese, por exemplo, medicações anti-hipertensivas e psicotrópicas que podem gerar secura no trato vocal, e corticosteroides inalatórios que podem causar laringite fúngica. A presença de disfagia ou dispneia concomitante pode sugerir afecção neurológica ou neoplásica. Os sintomas globus pharuyngeus, pigarro, pirose retroesternal e azia são sugestivos de quadro de refluxo, o que é reforçado se a queixa de disfonia é pior no período da manhã. A hidratação e os cuidados alimentares também devem ser avaliados para posterior orientação. Avaliação Perceptiva Auditiva da Voz É muito importante o otorrinolaringologista ter um ouvido treinado em relação às alterações vocais, pois é possível obter muitas informações antes de realizar a laringoscopia. Existem duas escalas para a avaliação da fonte glótica(lembrando que aqui não estamos falando em ressonância, que também deve ser avaliada): RASATI e GRBAS. A escala GRBAS foi desenvolvida pela Sociedade Japonesa de Logopedia e Foniatria em 1969 no Japão que compreende: G- grade, grau de disfonia: B – breathiness, grau de soprosidade; R – roughness, grau de irregularidade da voz; A – asteny, grau de astenia, S – strain, grau de tensão. Posteriormente, foi anexado o parâmetro instabilidade, relacionado basicamente ao tremor vocal, e passou a se tornar GRBASI. Em nosso meio, Pinho e Pontes adaptaram a escala à língua portuguesa criando o RASAT, que posteriormente foi modificada para o RASATI. O RASATI compreende: R – rouquidão; A – aspereza; S – soprosidade; A – astenia; T – tensão; e I – instabilidade. A rouquidão traduz irregularidade vibratória ou fenda aliada à presença de alteração orgânica na mucosa vibratória, aspereza implica rigidez de mucosa, soprosidade indica fenda glótica; astenia sugere hipofunção (que pode ser observado, por exemplo, em alguns casos neurológicos, como a miastenia); tensão indica hiperfunção. A graduação realiza-se em 0 – ausente, 1 – leve, 2 – moderado, 3 – intenso, e valores intermediários (p. ex., de 2 para 3). Desse modo, apenas pela avaliação perceptiva auditiva da voz, podemos inferir em uma lesão de volume, uma insuficiência glótica, rigidez que pode traduzir uma possível alteração estrutural mínima, no caso de câncer a suspeita de invasão da lâmina própria, ou da presença de cicatriz/fibrose. Ao comparar as escalas, a GBRAS é conhecida e utilizada mundialmente, porém o R- rough, infere sobre irregularidade da voz não distinguindo rouquidão de aspereza, o que foi contemplado na escala RASATI. Essa distinção é muito importante para a suspeita diagnóstica. Em uma situação específica de um paciente que apresenta voz sussurrada, porém com tosse com sonorização normal, nos leva a suspeita de uma afonia por conversão. Outros parâmetros são loudness, que é a percepção subjetiva de intensidade, e pitch, que é a percepção subjetiva de frequência. Em relação à ressonância, avalia-se a ressonância nasal (hipo ou hipernasalidade) e faríngea. A hiponasalidade pode ter caráter funcional ou estrutural obstrutiva (nos casos de desvio septal, hipertrofia de cornetos, quadro infeccioso agudo ou crônico). Tal diferenciação é fundamental no momento de optar pela conduta (terapia de voz ou tratamento cirúrgico e/ou clínico). Uma hipernasalidade pode ter componente funcional e/ou orgânico (como uma fissura palatina, um evento neurológico que acometa o nervo faríngeo, ramo do nervo vago). A insuficiência e incompetência velofaríngea serão abordados em capítulos específicos. A ressonância oral e faríngea também devem ser avaliadas, pois muitas disfonias funcionais são caracterizadas por distúrbios de ressonância. Por fim, o padrão respiratório e a coordenação pneumofonoarticulatória também deve ser verificados. Exame Físico Otorrinolaringológico Na palpação cervical, é importante a avaliação da membrana tireo-hioidea, pois em alguns casos nota-se que esse espaço está encurtado, ou seja, a cartilagem tireoidea e o osso hioide estão praticamente encostados. E ao tentar com a palpação digital (polegar e dedo médio) mobilizar lateralmente observa-se resistência, desconforto e até dor, geralmente unilateral (Fig. 117- 5). Esse é um sinal da disfonia por tensão muscular, ou disfonia por tensão músculo esquelética, uma disfonia na qual se observa alteração funcional, que pode ou não estar associada a uma alteração orgânica (nesse caso, uma disfonia organo-funcional). À palpação do pescoço também pode-se observar a presença de linfonodos que, dependendo do contexto da anamnese, pode indicar tumor de laringe em estágio mais avançado. Da mesma forma, a palpação e avaliação da articulação temporomandibular também merece consideração, pois pode gerar disfonia, pelo comprometimento da musculatura envolvida com essa articulação. Nessa situação é fundamental a avaliação de um odontologista. A avaliação da audição também é importante, pois qualquer alteração que acarrete comprometimento auditivo pode influenciar na produção vocal. Alterações nasais como desvio septal, hipertrofia de cornetos inferiores e processos inflamatórios agudos ou crônicos também acarretam influência. Na avaliação da boca e orofaringe é importante avaliar além das estruturas a mobilidade da língua e palato, avaliando alguma alteração sugestiva de afecção neurológica, como comprometimento de mobilidade de língua e palato, além da própria faringe, verificar frênulo lingual, e avaliar integridade do palato (descartando fenda). Endoscopia Laríngea e Outros Exames Como arsenal diagnóstico, também contamos com a avaliação computadorizada da voz (realizada pelo fonoaudiólogo, descrita no capítulo “abordagem fonoaudiológica nas disfonias”), eletromiografia laríngea (de grande importância para auxílio do diagnóstico etiológico das imobilidades e outras afecções neurológicas da laringe, descrita no capítulo “distúrbios neurológicos da laringe”), videoquimografia entre outros exames. FIGURA 117-5. Imagem da palpação do espaço tireo-hióideo. Existem diversos questionários relacionados a alterações vocais sendo mais conhecido e utilizado no mundo o voice handicap index (VHI) (índice de desvantagem vocal), inicialmente composto por 30 questões cujas respostas podem ser “nunca”, quase nunca”, “às vezes”, “quase sempre” e “sempre” e posteriormente por uma versão reduzida para o VHI-10 (apenas 10 questões de maior relevância clínica). Ambos questionários foram validados para o português brasileiro. A avaliação clínica é descrita em maiores detalhes no capítulo de “Semiologia da Fonação”. Consideramos de grande importância a realização conjunta da fibronasolaringoscopia com a telelaringoscopia. A fibronasolaringoscopia permite a avaliação de todo o trato vocal, não apenas estrutural, mas também funcional. Todas as alterações devem ser verificadas e documentadas, pois dessa forma poderemos oferecer ao nosso paciente uma abordagem mais global. Isso inclui o comportamento da faringe e da supraglote (especialmente a presença de constrição anteroposterior e mediana). Por exemplo, no caso da disfonia psicogênica podemos observar as pregas vocais normais, ou discreto edema, uma hiperadução, ou falha de adução completa, e até um discreto arqueamento, sendo que nesses casos uma discreta alteração na laringoscopia pode ser incongruente com a alteração vocal. O otorrinolaringologista sempre deve associar os achados do que ouve ao que observa ao exame, o que torna a laringologia uma área tão fascinante da especialidade. A avaliação da mobilidade é fundamental, desde o véu palatino, até a laringe. No comprometimento unilateral do nervo faríngeo do vago, ocorre ausência da mobilidade ipsilateral. No comprometimento do nervo laríngeo superior unilateral, alguns sinais, apesar de não patognomônicos, podem ser encontrados, como rotação da parte posterior da laringe para o lado comprometido, desnivelamento das pregas vocais, a estroboscopia assimetria de fase, entre outros achados no comprometimento do ramo motor (externo) do laríngeo superior. No caso do ramo interno (sensitivo) do nervo superior diminuição da sensibilidade da laringe até o nível das pregas vocais podendo gerar disfagia. E no comprometimento do nervo laríngeo inferior ou recorrente unilateral uma paresia ou paralisia da hemilaringe. Esses sinais serão descritos em mais detalhes no capítulo de doenças neurológicas da laringe. Alterações nasais como uma rinossinusopatia também são melhor caracterizadas por esse exame. A telelaringoscopia, por dispor de uma imagem de melhor definição, é fundamental para avaliação da laringe, especialmente da cobertura das pregas vocais. E a estroboscopia nos auxilia no diagnóstico pela avaliação da onda mucosa. A atual desvantagem da nasofibrolaringoscopia é a qualidade da imagem, o que já está em fase de superação pelo desenvolvimento de fibras flexíveis com o chip na ponta, oque oferece uma imagem de excelente definição e em formato digital. TRATAMENTO O tratamento da disfonia varia de acordo com o diagnóstico. No caso da disfonia funcional, a principal arma terapêutica é a terapia de voz. Porém, nos casos de disfonia psicogênica, o suporte psicológico pode ser considerado aliado à fonoterapia. No caso da disfonia organo-funcional, a fonoterapia é fundamental, porém em muitos casos é necessário tratamento por microcirurgia de laringe. E após a cirurgia, o suporte fonoterápico deve ser considerado. No caso da disfonia orgânica, o tratamento é direcionado para a doença de base. Dependendo do caso, o tratamento cirúrgico, seja por microcirurgia de laringe, cirurgia do arcabouço laríngeo, ou outras abordagens, deve ser considerado. Os cuidados relacionados a hábitos como tabagismo, consumo excessivo de bebidas alcoólicas, e até uso de substâncias também merecem atenção. A hidratação adequada e a correção de hábitos alimentares são de grande importância, especialmente nos pacientes com quadro de refluxo faringo- laríngeo. A terapia de voz é descrita em um capítulo específico da mesma forma como o tratamento da maior parte das afecções que geram a disfonia. O tratamento das disfonias é multidisciplinar, envolvendo além do médico otorrinolaringologista, a fonoaudióloga, outras especialidades médicas quando necessárias (como o gastroenterologista, pneumologista, neurologista, psiquiatra e o endocrinologista), o psicólogo (quando necessário), a nutricionista (especialmente nos casos de refluxo), e em casos de voz profissional a participação de professores de canto, preparador vocal, entre outros profissionais. O suporte ao paciente, sendo o melhor termo, o apoio, é fundamental, especialmente em profissionais da voz. Devemos sempre ter cuidado com as palavras ao falar com o paciente e com a equipe do profissional da voz, sempre considerando o sigilo médico. Por fim, é importante mencionar, exceto em casos de neoplasia, que o tratamento cirúrgico deve considerar principalmente a qualidade vocal e as necessidades do paciente, e não apenas o aspecto da laringoscopia. Referências Bibliográficas Aronson AE, Bless DM. 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