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Texto 02 Tema 1 - A quarta ferida narcísica. Tema 2 - Psicoterapia de grupos. Tema 3 - Psicodrama. Tema 4 - Psicologia das massas. Tema 5 - Psicanálise de grupos. CONVERSA INICIAL Nesta etapa, temos como objetivo situar a experiência com grupos de Bion no contexto de outras experiências com psicoterapia de grupos, considerando a história e o desenvolvimento desse método de tratamento. Inicialmente vamos recordar o histórico de desconfortos que a psicanálise já provocou na humanidade e dentro de sua própria instituição. Diversos são os consensos e dissensos, dentre eles o reconhecimento da psicanálise de grupos como parte do método clássico psicanalítico. Há diferenças teórica e metodológica quando se fala em psicoterapia de grupos e psicanálise de grupos. Vamos destacar alguns dos pioneiros no tratamento psicoterapêutico com grupos, especialmente falando de Jacob Moreno, que foi um aluno de Freud, alinhado com a noção de inconsciente, mas que se distanciou em outros pontos e deu início ao psicodrama, sem perder a conexão com a psicanálise em diversas questões. Especificamente falando do trabalho com grupos na psicanálise, vamos ver que houve um período em que a instituição da “psicanálise clássica” acolheu o método, mas depois o evitou, de modo que ainda hoje não é um consenso essa modalidade de tratamento, não pelo seu fracasso terapêutico, pelo contrário, mas pela sua ameaça a o que está estabelecido como técnica pura, ou método clássico da psicanálise. Desde que Freud escreveu a Psicologia das massas, ou Psicologia de grupo e a análise do eu, publicado em 1921, há sustentação teórica para o trabalho com grupos na psicanálise freudiana. Foi nessa base que Bion se sustentou para desenvolver os seus modelos conceituais, também influenciado por outros estudiosos sobre as dinâmicas dos grupos, tais como Jacob Moreno. É esperado que ao final desta etapa cada um de vocês consiga situar historicamente o atual momento do trabalho psicanalítico com grupos e em instituições, para que seja possível, com base nisso, imaginar os desafios e as perspectivas possíveis. TEMA 1 – A QUARTA FERIDA NARCÍSICA A psicanálise é revolucionária desde sua origem. É inovadora, contestadora e incômoda por subverter o establishment, ou seja, o estabelecido, o que é considerado correto. Foi assim quando Freud situou a psicanálise entre a medicina e a religião, quando desenvolveu um método de tratamento que escapava à ciência positivista da época e também não permitiu que fosse incorporado pela mitologia ou pela fé. A psicanálise é caracterizada como uma revolução epistemológica que produziu uma grande mudança diante da medicina neurológica e das psicologias centradas na consciência. Segundo Marcondes (2010), três teorias a partir do Renascimento até os dias atuais constituem rupturas em relação à concepção de centralidade do homem como centro do universo, como centro das espécies e finalmente como o centro de si mesmo. 1. Teoria heliocêntrica de Copérnico, que desloca a Terra como centro do universo e a coloca em movimento entorno do Sol. Segundo o autor (2010, p. 258), “[…] esse novo modelo de cosmo abala profundamente as crenças tradicionais do homem da época, não só quanto à ordem do universo, mas também quanto ao seu lugar central nessa ordem”. 2. Publicação da obra de Darwin A origem das espécies, que consiste em uma teoria da seleção natural que afirma que a espécie humana resulta de um processo de evolução natural, tendo o macaco como ancestral. 3. Teoria psicanalítica, de Sigmund Freud, fundamentada com base na concepção do conceito do inconsciente. A teoria freudiana (metapsicologia) afirma que não temos controle pleno de nossas ações e que há causas determinantes da nossa ação que nos são desconhecidas (Marcondes, 2010). No livro Grupos: uma perspectiva psicanalítica, de 2016, o autor Lazslo Antonio Ávila apresenta textos contemporâneos de R. Kaës e D. Anzieu que definem grupalidade como a quarta ferida narcísica da humanidade, junto com a revolução copernicana, o darwinismo e a psicanálise: 4. O fato novo é a consideração do “eu” como decorrente da psique grupal, ou seja, o eu como indivíduo surge com base nas relações intersubjetivas precoces. A ideia de eu nasce dentro da configuração de um desejo do outro, afirmativa que ainda não foi aceita e ainda é bastante polêmica para a psicanálise clássica. TEMA 2 – PSICOTERAPIA DE GRUPOS Os pressupostos da psicologia social já podem ser identificados nos ensinamentos dos filósofos Platão (428-347 a.C.) e Aristóteles (384-322 a.C.) e mais recentemente em Augusto Comte (1793-1847). Em tempos de guerra, os pesquisadores buscam entender os fenômenos sociais, tais como a motivação humana e os padrões de comportamento, no entanto o interesse científico nas relações sociais era muito mais para atender necessidades dos países que precisavam ser reconstruídos do que para atender necessidades individuais das pessoas. As pesquisas sobre a dinâmica de grupos se popularizaram após a II Guerra Mundial (1939-1945), mas o interesse e a sistematização teórico-metodológica surgiram muito antes. Por ocasião do 1º Congresso Latino-americano de Psicoterapia de Grupo, que ocorreu em Buenos Aires, na Argentina, em setembro de 1957, o professor e psicanalista brasileiro David Zimmermann atribuiu a Joseph H. Pratt o início desse método psicoterapêutico, em 1905 nos Estados Unidos. Em um artigo de revisão sobre o panorama histórico do surgimento e da evolução da psicoterapia de grupo, os autores Bechelli e Santos (2004) também apontam Joseph H. Pratt como o fundador da psicoterapia de grupo, em 1905, terapia empregada em pacientes tuberculosos, no Massachussetts General Hospital (Boston/EUA). Ao mesmo tempo que Pratt desenvolvia suas atividades na América, do outro lado do Atlântico Moreno começava a lançar as sementes da psicoterapia de grupo e do psicodrama. Entre 1910 e 1914, formou grupos com crianças nos parques de Viena e improvisou representações nas ruas com prostitutas, procurando desenvolver grupos de discussão e de autoajuda. Bechelli e Santos (2004) classificam historicamente o desenvolvimento da psicoterapia de grupos da seguinte maneira: ● Fase de expansão teórica, nos anos 50 e 60. ● Fase de consolidação, na década de 70. ● Fase de amadurecimento, nos anos 80 e 90. Finalmente, examina-se sua evolução recente, dando ênfase especial à construção de novos modelos. Nos últimos anos, diversas técnicas desta modalidade de tratamento têm sido desenvolvidas para atendimento de populações específicas de pacientes, com as mais diversas condições médicas e psicossociais, o que sugere uma tendência crescente rumo a uma maior especificidade de sua aplicação. (Bechelli; Santos, 2004, p. 242) Pela psicanálise, Sigmund Freud publicava em 1921 o texto Psicologia das massas ou Psicologia de grupo. Quando Bion teve suas primeiras experiências com grupos no exército inglês, foi especialmente com Freud e Klein que manteve alinhamento teórico, no entanto, para o alinhamento metodológico, a experiência de Jacob Moreno (psicodrama) com a sistematização da psicoterapia de grupos também foi considerada. ● Jacob Levy Moreno a partir de 1910 teve experiências com psicoterapia de grupos nas praças. Em 1921 criou o teatro da espontaneidade. Em 1932, sistematizou o método da psicoterapia de grupo: psicodrama. ● Freud em 1921 publicou Psicologia de grupo e a análise do eu. ● A teoria geral dos sistemas (1930), de Ludwig Bertalanffy. ● Sherif em 1936 publica A psicologia das normas sociais, na qual aponta como os sujeitos se aproximam no grupo para criar normas para situações ainda não estruturadas. ● W. Bion (1948): Experiência com grupos na psicanálise. ● Kurt Lewin, psicólogo alemão, criador da teoria de campo, fundou após a 2ª Guerra Mundial, nos Estados Unidos, o Centro de Pesquisapara Dinâmicas de Grupo, na Universidade de Michigan, desenvolvendo estudos experimentais sobre o relacionamento humano. Lewin popularizou a expressão dinâmica de grupo e a introduziu no discurso das ciências sociais. ● Serge Moscovici (1978), com a publicação do livro A representação social da psicanálise, na França. ● S. H. Foulks, a partir de 1948, em Londres, cria a prática da psicoterapia psicanalítica de grupo com enfoque na Gestalt: o grupo forma uma nova identidade diferente da soma das identidades individuais. ● Pichon-Rivière, da Escola Argentina de Psicanálise, sistematizou o trabalho com grupos operativos. Grande interface com processo de ensino-aprendizagem. ● D. Anzieu e R. Kaes, membros da Escola Francesa de Psicanálise, na década de 60, propõem o conceito de aparelho psíquico grupal. No Brasil, com abordagem psicanalítica, foram institucionalizados serviços de psicanálise de grupos em diversos estados por iniciativa dos psicanalistas: Alcyon Baer Bahia, Walderedo Ismael de Oliveira, David Zimmermann, Werner Kemper, Júlio Gonçalves dos Santos, Oscar Rezende de Lima, Luis Miller de Paiva, Lygia Amaral, Bernardo Blay Neto, dentre outros. No entanto, para Silveira (2015, p. 257), essa parte da história corre risco de ser esquecida, pois, a partir dos anos 1970, a busca pela "verdadeira psicanálise" marca o início do afastamento entre o trabalho com grupos e o movimento analítico, principalmente o ligado à IPA. A partir desse momento, o grupo cada vez menos será uma questão para essas “sociedades de psicanálise”. TEMA 3 – PSICODRAMA Moreno é o criador do psicodrama. Estudou filosofia e medicina em Viena e teve Sigmund Freud como professor. “Elaborou suas ideias em Viena, à sombra de Freud e da psicanálise” (Marineau, 1992, p. 9). O contexto no qual desenvolveu o seu trabalho era o de pós-guerra, em que Viena vivia um ambiente confuso e tenso, sem uma liderança definida. Moreno coloca uma cadeira vazia no palco, com uma coroa, e propõe como tema que cidadãos experimentassem ocupar o papel de líder, cabendo à plateia o julgamento. O estilo de Moreno era provocativo, tanto na maneira de ser quanto na de agir. Criava polêmicas com seu trabalho, por exemplo: fazia grupos com prostitutas vienenses com o objetivo de ampliar a conscientização de sua situação e fortalecê-las como grupo, além do seu trabalho em campo de refugiados. Nos Estados Unidos, Moreno sistematizou o psicodrama como um método alternativo de psicoterapia (Marineau, 1992). O psicodrama é um método prático, e seu aprendizado inicial é pela prática, buscando posteriormente a sua compreensão teórico-metodológica, assim como os psicanalistas recomendam que idealmente deve ser compreendida a psicanálise: primeiro pela experiência prática de se envolver com a análise pessoal e depois buscar compreensão teórica e metodológica. O psicodrama tem um ritual: aquecimento, dramatização e compartilhamento. Essa ritualística é resultado da influência que Moreno recebeu do teatro. Suas referências eram no teatro grego, no teatro mambembe e em antigos rituais tribais. O psicodrama tem três etapas básicas e uma complementar, que acontece apenas em grupos quando o objetivo é o ensino-aprendizagem do método: ● Aquecimento: primeiro momento da sessão, quando o diretor avalia como o grupo ou ocliente/paciente está e promove estimulações para gerar espontaneidade e emergir o tema protagonista ou a pessoa protagonista de um grupo. ● Dramatização: segundo momento da sessão, em que o protagonista coloca sua história em cena, por meio da ação dramática. ● Compartilhamento: terceiro momento, quando o grupo (ou, no caso de uma sessão bipessoal, o cliente/paciente) é convidado a refletir sobre como a dramatização o impactou. ● Processamento: quarto momento, acontece opcionalmente em grupos de aprendizagem, em que todos são convidados a olhar para a sessão de psicodrama sob os aspectos técnicos-metodológicos. Em uma sessão de psicodrama, o terapeuta é o diretor e tem várias funções: produtor, terapeuta e analista. Para Moreno, o ser humano é um ser espontâneo e criativo. Ele discordava de Freud em relação ao nascimento ser considerado uma experiência traumática. Para Moreno, “o ato natal é o oposto do trauma. É uma catarse de profundo alcance tanto para a mãe como para o bebê” (Moreno, 1975, p. 118). Moreno considerava, concordando com Freud, que existem processos inconscientes individuais. No entanto, para ele, além do inconsciente individual, há processos inconscientes que englobam a inter-relação. Moreno também criou o conceito de brecha entre a fantasia e a realidade, considerando que, em determinado momento da vida, a pessoa começa a fazer a distinção entre o que é real e o que é imaginário. Antes, a realidade e a fantasia são uma coisa só (Moreno, 1975, p. 84). Moreno fala em estados conscientes e inconscientes, contrapondo-se à ideia de entidade psíquica. Para ele, os estados conscientes e inconscientes são como um corredor, em que a pessoa anda indo e vindo, passando por estados conscientes e inconscientes, sem separação topográfica. Para Moreno (1975), a maneira como me vejo e a maneira como enxergo o mundo são construídas socialmente. Na perspectiva do psicodrama, aquilo que chamamos de realidade é, na verdade, uma realidade social. Pode-se perceber que Moreno coloca uma ênfase maior nas relações sociais, enquanto Freud coloca ênfase maior nas relações significativas, nas relações parentais (grupo social primário), enquanto as relações sociais já seriam um grupo secundário. ● Grupos sociais primários: aqueles formados pela família nuclear, pois desde o nascimento o bebê interage com membros de sua família, estabelecendo relações que vão se ampliando à medida que crescem e expandem suas atividades (creche, família de amigos próximos). Nesse caso, os membros possuem contato pessoal direto e estabelecem laços mais íntimos de relação (Zimerman, 2011). ● Grupos sociais secundários: a relação é impessoal e ocorre pelas trocas de interesses mútuos. As relações são mais racionais, o contato social geralmente é temporário e determinado por trabalho, as comunicações são temporárias e podem ser anônimas. Os canais de comunicação são presenciais, por telefone, e-mail etc. Como exemplo, podemos citar grupos políticos, colegas de sala de aula ou de trabalho (Zimerman, 2011). TEMA 4 – PSICOLOGIA DAS MASSAS Pelo título do livro, pode-se criar uma expectativa de que Freud se posicione em relação à psicanálise de grupos, quando na verdade não é exatamente sobre isso que os textos tratam, no entanto é um fundamento teórico essencial especialmente para psicanálise social e institucional. Publicado em 1921, o livro tem a tradução para o inglês e a tradução brasileira definindo como título Psicologia de grupo e a análise do ego, quando no original a referência era para as massas, e não para os grupos. Freud (1976, p. 92) inicia esclarecendo que a psicanálise não despreza as relações do indivíduo com os outros e que a psicologia individual não se distingue da psicologia social ou coletiva e diz que a psicologia de grupo se interessa “pelo indivíduo como membro de uma raça, de uma nação, de uma casta, de uma profissão, de uma instituição, ou como parte componente de uma multidão que se organizaram em grupo, numa ocasião determinada, para um intuito definido.” Cada indivíduo participa de vários desses grupos, e, sendo assim, são várias mentalidades grupais, algumas delas contraditórias. Freud falou em mente grupal e considerou que ela fica evidente quando há alguma homogeneidade, ou alguma afinidade, um laço que una os membros do grupo. A questão importante, para Freud, era entender por que as pessoas cedem ao contágio quando estão em grupo. O texto de Freud foi especialmente importante para o estudo do que Hittler, na década de 20, conseguiu fazer,ao tornar-se chefe supremo do Partido Nazista e comandar a nação em um regime completamente totalitário de dominação. Ao longo dos capítulos que compõem esse livro de Freud, o que se fortalece é o delineamento conceitual de uma teoria da identificação. Freud apresentou a suposição de que as relações amorosas ou os laços emocionais estão na essência da mente grupal. Acreditava que os membros se deixavam influenciar pelos outros para se manter em harmonia com eles, o que seria um impulso de amor. Considerando que os grupos podem se diferenciar em temporários ou permanentes (ou duradouros), homogêneos ou não homogêneos, naturais ou artificiais, primitivos ou altamente organizados, com ou sem líder, Freud escolheu problematizar os grupos altamente organizados, permanentes e artificiais, tais como: o exército e a igreja católica. Nesses dois casos, há um líder (comandante/Cristo), e habitualmente seus membros são tratados como iguais/irmãos. Com isso, Freud aponta uma relação de amor entre eles: um laço que os une. Esse laço prende as pessoas e implica em restringir a liberdade das pessoas em um grupo. Especialmente no exército, quando essa relação libidinal deixa de existir, quando um membro já não se orienta com base no comando do líder e preocupa-se apenas consigo mesmo, frequentemente se observaram sintomas de ansiedade e medo/pânico. O perigo parece maior quando se está sozinho. Para Freud (1976), é a presença do laço que caracteriza um grupo. Se não houver essa relação libidinal, haverá apenas uma reunião de pessoas, mas não um grupo. Será pelo laço/libido que as antipatias e peculiaridades indesejadas serão toleradas, concluindo que o amor atua como fator civilizatório no desenvolvimento da humanidade. Freud (1976, p. 133) vai dizer que “a identificação é conhecida pela psicanálise como a mais remota expressão de um laço emocional com outra pessoa.” E continua dizendo que a simpatia surge da identificação e relaciona comportamentos sociais de massa com esse mecanismo da identificação, tais como os sintomas de massa: quando há uma aparente imitação do sintoma ou do comportamento do outro. Poder-se-ia dizer que os intensos vínculos emocionais que observamos nos grupos, são inteiramente suficientes para explicar uma de suas características: a falta de independência e iniciativa de seus membros, a semelhança nas reações de todos eles, sua redução, por assim dizer, ao nível de indivíduos grupais. (Freud,1976, p. 127) Sobre a premissa de alguns escritores contemporâneos de Freud de que o homem é um animal gregário, Freud discorda dizendo que “o homem é um animal de horda, uma criatura individual numa horda conduzida por um chefe” (Freud, 1976, p. 154). Zimerman (2011) reconhece nítida influência do texto Psicologia das massas e análise do ego. Bion parte dos modelos do exército e da igreja, considerando que são “grupos de trabalho especializados”. O que Bion definiu como “supostos básicos” é uma referência ao funcionamento do processo primário nos grupos desestruturados, caracterizados por Freud. TEMA 5 – PSICANÁLISE DE GRUPOS A premissa da psicanálise de grupos é que o indivíduo forma o grupo, e o grupo forma o indivíduo. A realidade psíquica não é apenas individual. “Na verdade, nenhum indivíduo, por mais isolado que esteja no tempo e no espaço, deve ser encarado como externo a um grupo ou não possuidor de manifestações ativas de psicologia de grupo” (Bion, 1970, p. 156). Com base nas referências psicanalíticas, Ávila (2016) resgata alguns elementos para construir o conceito de grupo: ● O indivíduo não existe. ● O eu é feito de relações. ● O eu é múltiplo. ● O eu é “eu – outro”. ● O eu é plural. Ávila (2016) considera que o indivíduo e o grupo são como as duas faces de uma mesma moeda. Os processos humanos são processos de participação. Um ato agressivo, por exemplo, tem que ser entendido com base nas relações em que o individuo está imerso quando se forma esse ato. A agressividade,embora expressa no indivíduo, manifesta-se como fenômeno interacional, produto do contexto, ato superdeterminado pela história do seu autor e dos coparticipantes. Grupo e indivíduo são, então, fenômenos imbricados. Desta maneira, o eu (unitário, individual) só existe em relação ao outro, e isso também é reconhecido pela psicanálise clássica, de forma que a ideia de indivíduo é ilusória, pois o indivíduo nunca foi sozinho nem independente, mas sim sempre afetado pelos outros e os afetando. O “indivíduo” não é o mesmo em todos os grupos. “Cada sujeito carrega uma grupalidade antes de vir para o grupo e uma vez em grupo ele, interagindo, gera uma nova totalidade. Esta é a realidade psíquica grupal” (Ávila, 2009, p. 46). O autor também afirma que o grupo é invisível, pois o que nos interessa no grupo é uma dimensão latente. Bion nos mostrou que os indivíduos contribuem anonimamente para produzir o grupo e que o grupo tem experiências emocionais através do indivíduo. A realidade do indivíduo é grupal e o que é grupal é gerado pelos indivíduos em suas inter-relações. Em um grupo existem indivíduos com as suas mentes, emoções e capacidades, mas a partir do momento que estão em grupo passam a ter experiências que os coletivizam. (Ávila, 2009, p. 50) A psicanálise de grupos se insere no campo das relações humanas, ampliando assim a interface da psicanálise clássica individual com outras ciências e com a sociedade. O conceito de indivíduo passa a ser utilizado psicanaliticamente para se referir ao grupo. Os indivíduos são parte do grupo, que por sua vez também pode ser estudado em sua individualidade. NA PRÁTICA Podemos identificar diversos exemplos em que o livro sobre a psicologia das massas se aplica à realidade: Revolução Francesa, movimento nazista, polarização de eleitores durante eleições presidenciais, torcidas de futebol durante um campeonato e aparência física são exemplos de como se pode observar o laço emocional (libido) que une seus membros. É da identificação que surge a empatia e a grupalidade. Cada grupo, com seu líder, protege sua verdade. Vivendo em uma sociedade livre e democrática, é frequente a existência de tensões entre grupos que defendem pautas ou times diferentes. Mesmo se tratando do grupo psicanalítico (sociedade psicanalítica), alguns de seus membros, tais como Sándor Ferenczi, Carl Jung e W. Bion, inicialmente foram incorporados como membros do grupo de psicanalistas, mas, quando começaram a defender pontos diferentes daqueles do grupo, sofreram represálias e ameaças de serem expulsos do grupo. Os que continuam defendendo seus próprios ideais, mais do que os ideais do grupo, rompem o laço que os une e desintegram-se do grupo. Não é fácil bancar essa posição. Há muita ansiedade, medo e pânico envolvido. Por isso é fácil encontrar quem recue para não perder a segurança e a proteção do grupo, que também pode ser um casamento, um trabalho. Quando suportam sair do grupo, é possível que outro grupo seja criado, e foi assim com o método da psicoterapia breve, reconhecido por volta de 1950 como outro método de tratamento, fundamentado na psicanálise de Ferenczi, mas se diferenciando do método clássico; foi assim com Jung, que fundou a psicologia analítica, e o desenvolvimento da psicanálise de grupos que atualmente vêm sendo apresentada como psicanálise vincular ou grupanálise. FINALIZANDO A principal premissa da psicanálise de grupos é a noção de indivíduo. A questão em discussão é que o eu se forma com base nas inter-relações e que o grupo também é um indivíduo. Nesta etapa, foi possível perceber o quanto o método de tratamento de grupos é desconfortável para a psicanálise clássica, pela ameaça que causa a esta de perder sua especificidade. O problema não é por desmerecimento, mas sim por ser diferente do que está preestabelecido para o que a psicanálise deve ser. Bion foi recomendadoa deixar de lado o trabalho com grupos para se manter como membro da sociedade psicanalítica. Este movimento de grupo se dá pela manutenção de laços que unem seus membros, e esses laços só são mantidos se houver identificação. A psicologia social, a filosofia e outras ciências sociais, assim como outras abordagens psicológicas, tais como gestalt, sistêmica e psicodrama, têm nos grupos o seu objeto principal de intervenção, mas a psicanálise sempre teve o indivíduo como objeto principal de intervenção e ainda resiste em considerar o grupo como um indivíduo e pensar em tomá-lo como cliente em um processo psicanalítico. Desta etapa, também podemos destacar que reunião de pessoas não é necessariamente um grupo e que as primeiras relações significativas do bebê são com o seu grupo primário (os de casa) para só depois se expor a relações com o grupo social secundário. Com base em Freud (Psicologia das massas), os grupos podem se diferenciar em: ● Temporários ou permanentes (ou duradouros). ● Homogêneos ou não homogêneos. ● Naturais ou artificiais. ● Primitivos ou altamente organizados. ● Com ou sem líder. É importante diferenciar o estudo dos grupos, tal como Freud fez em Psicologia das massas, do método de tratamento psicanalítico de grupos terapêuticos. Uma coisa é o estudo, e a outra é a finalidade terapêutica. O estudo dá base teórica (fundamentação) para o método. No entanto, nossa regra é que a clínica é soberana à teoria, pois é a clínica que afirmará ou não o que foi teorizado sobre ela. Neste caso, Bion contribuiu mais sobre o tratamento psicanalítico de grupos do que Freud, pois a experiência de Bion foi prática, enquanto a de Freud, não. O que Bion escreveu surgiu da sua clínica, da mesma forma como aconteceu com a produção teórica de Freud sobre a histeria e de Lacan sobre a psicose. O psicanalista francês René Kaës está entre as referências contemporâneas mais relevantes, junto com Didier Anzieu (falecido em 1999). No Brasil, temos importantes publicações sobre o tema feitas por psicanalistas membros do Núcleo de Estudos em Saúde Mental e psicanálise das configurações vinculares – NESME, dentre os quais estão: Pablo Castanho e Lazslo Antônio Ávila. A psicanálise de grupos é especialmente importante para pensar em intervenções em diferentes contextos, para além da clínica individual em consultório, mas também em instituições, em escolas e na sociedade.