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Texto 02 
 
Tema 1 - A quarta ferida narcísica. 
Tema 2 - Psicoterapia de grupos. 
Tema 3 - Psicodrama. 
Tema 4 - Psicologia das massas. 
Tema 5 - Psicanálise de grupos. 
 
CONVERSA INICIAL 
Nesta etapa, temos como objetivo situar a experiência com grupos de Bion no contexto 
de outras experiências com psicoterapia de grupos, considerando a história e o 
desenvolvimento desse método de tratamento. 
Inicialmente vamos recordar o histórico de desconfortos que a psicanálise já provocou 
na humanidade e dentro de sua própria instituição. Diversos são os consensos e dissensos, 
dentre eles o reconhecimento da psicanálise de grupos como parte do método clássico 
psicanalítico. 
Há diferenças teórica e metodológica quando se fala em psicoterapia de grupos e 
psicanálise de grupos. Vamos destacar alguns dos pioneiros no tratamento psicoterapêutico 
com grupos, especialmente falando de Jacob Moreno, que foi um aluno de Freud, alinhado 
com a noção de inconsciente, mas que se distanciou em outros pontos e deu início ao 
psicodrama, sem perder a conexão com a psicanálise em diversas questões. 
Especificamente falando do trabalho com grupos na psicanálise, vamos ver que houve 
um período em que a instituição da “psicanálise clássica” acolheu o método, mas depois o 
evitou, de modo que ainda hoje não é um consenso essa modalidade de tratamento, não 
pelo seu fracasso terapêutico, pelo contrário, mas pela sua ameaça a o que está 
estabelecido como técnica pura, ou método clássico da psicanálise. 
Desde que Freud escreveu a Psicologia das massas, ou Psicologia de grupo e a 
análise do eu, publicado em 1921, há sustentação teórica para o trabalho com grupos na 
psicanálise freudiana. Foi nessa base que Bion se sustentou para desenvolver os seus 
modelos conceituais, também influenciado por outros estudiosos sobre as dinâmicas dos 
grupos, tais como Jacob Moreno. 
É esperado que ao final desta etapa cada um de vocês consiga situar historicamente o 
atual momento do trabalho psicanalítico com grupos e em instituições, para que seja 
possível, com base nisso, imaginar os desafios e as perspectivas possíveis. 
TEMA 1 – A QUARTA FERIDA NARCÍSICA 
A psicanálise é revolucionária desde sua origem. É inovadora, contestadora e 
incômoda por subverter o establishment, ou seja, o estabelecido, o que é considerado 
correto. Foi assim quando Freud situou a psicanálise entre a medicina e a religião, quando 
desenvolveu um método de tratamento que escapava à ciência positivista da época e 
também não permitiu que fosse incorporado pela mitologia ou pela fé. 
A psicanálise é caracterizada como uma revolução epistemológica que produziu 
uma grande mudança diante da medicina neurológica e das psicologias centradas na 
consciência. 
Segundo Marcondes (2010), três teorias a partir do Renascimento até os dias atuais 
constituem rupturas em relação à concepção de centralidade do homem como centro do 
universo, como centro das espécies e finalmente como o centro de si mesmo. 
1. Teoria heliocêntrica de Copérnico, que desloca a Terra como centro do universo e a 
coloca em movimento entorno do Sol. Segundo o autor (2010, p. 258), “[…] esse novo 
modelo de cosmo abala profundamente as crenças tradicionais do homem da época, não só 
quanto à ordem do universo, mas também quanto ao seu lugar central nessa ordem”. 
2. Publicação da obra de Darwin A origem das espécies, que consiste em uma teoria 
da seleção natural que afirma que a espécie humana resulta de um processo de evolução 
natural, tendo o macaco como ancestral. 
3. Teoria psicanalítica, de Sigmund Freud, fundamentada com base na concepção do 
conceito do inconsciente. A teoria freudiana (metapsicologia) afirma que não temos controle 
pleno de nossas ações e que há causas determinantes da nossa ação que nos são 
desconhecidas (Marcondes, 2010). 
No livro Grupos: uma perspectiva psicanalítica, de 2016, o autor Lazslo Antonio Ávila 
apresenta textos contemporâneos de R. Kaës e D. Anzieu que definem grupalidade como a 
quarta ferida narcísica da humanidade, junto com a revolução copernicana, o darwinismo e 
a psicanálise: 
4. O fato novo é a consideração do “eu” como decorrente da psique grupal, ou seja, o 
eu como indivíduo surge com base nas relações intersubjetivas precoces. A ideia de eu 
nasce dentro da configuração de um desejo do outro, afirmativa que ainda não foi aceita e 
ainda é bastante polêmica para a psicanálise clássica. 
TEMA 2 – PSICOTERAPIA DE GRUPOS 
Os pressupostos da psicologia social já podem ser identificados nos ensinamentos dos 
filósofos Platão (428-347 a.C.) e Aristóteles (384-322 a.C.) e mais recentemente em 
Augusto Comte (1793-1847). 
Em tempos de guerra, os pesquisadores buscam entender os fenômenos sociais, tais 
como a motivação humana e os padrões de comportamento, no entanto o interesse 
científico nas relações sociais era muito mais para atender necessidades dos países que 
precisavam ser reconstruídos do que para atender necessidades individuais das pessoas. 
As pesquisas sobre a dinâmica de grupos se popularizaram após a II Guerra Mundial 
(1939-1945), mas o interesse e a sistematização teórico-metodológica surgiram muito 
antes. 
Por ocasião do 1º Congresso Latino-americano de Psicoterapia de Grupo, que ocorreu 
em Buenos Aires, na Argentina, em setembro de 1957, o professor e psicanalista brasileiro 
David Zimmermann atribuiu a Joseph H. Pratt o início desse método psicoterapêutico, em 
1905 nos Estados Unidos. 
Em um artigo de revisão sobre o panorama histórico do surgimento e da evolução da 
psicoterapia de grupo, os autores Bechelli e Santos (2004) também apontam Joseph H. 
Pratt como o fundador da psicoterapia de grupo, em 1905, terapia empregada em pacientes 
tuberculosos, no Massachussetts General Hospital (Boston/EUA). 
Ao mesmo tempo que Pratt desenvolvia suas atividades na América, do outro lado do 
Atlântico Moreno começava a lançar as sementes da psicoterapia de grupo e do 
psicodrama. Entre 1910 e 1914, formou grupos com crianças nos parques de Viena e 
improvisou representações nas ruas com prostitutas, procurando desenvolver grupos de 
discussão e de autoajuda. 
Bechelli e Santos (2004) classificam historicamente o desenvolvimento da psicoterapia 
de grupos da seguinte maneira: 
● Fase de expansão teórica, nos anos 50 e 60. 
● Fase de consolidação, na década de 70. 
● Fase de amadurecimento, nos anos 80 e 90. 
Finalmente, examina-se sua evolução recente, dando ênfase 
especial à construção de novos modelos. Nos últimos anos, diversas 
técnicas desta modalidade de tratamento têm sido desenvolvidas 
para atendimento de populações específicas de pacientes, com as 
mais diversas condições médicas e psicossociais, o que sugere uma 
tendência crescente rumo a uma maior especificidade de sua 
aplicação. (Bechelli; Santos, 2004, p. 242) 
Pela psicanálise, Sigmund Freud publicava em 1921 o texto Psicologia das massas ou 
Psicologia de grupo. 
Quando Bion teve suas primeiras experiências com grupos no exército inglês, foi 
especialmente com Freud e Klein que manteve alinhamento teórico, no entanto, para o 
alinhamento metodológico, a experiência de Jacob Moreno (psicodrama) com a 
sistematização da psicoterapia de grupos também foi considerada. 
● Jacob Levy Moreno a partir de 1910 teve experiências com psicoterapia de grupos 
nas praças. Em 1921 criou o teatro da espontaneidade. Em 1932, sistematizou o 
método da psicoterapia de grupo: psicodrama. 
● Freud em 1921 publicou Psicologia de grupo e a análise do eu. 
● A teoria geral dos sistemas (1930), de Ludwig Bertalanffy. 
● Sherif em 1936 publica A psicologia das normas sociais, na qual aponta como os 
sujeitos se aproximam no grupo para criar normas para situações ainda não 
estruturadas. 
● W. Bion (1948): Experiência com grupos na psicanálise. 
● Kurt Lewin, psicólogo alemão, criador da teoria de campo, fundou após a 2ª Guerra 
Mundial, nos Estados Unidos, o Centro de Pesquisapara Dinâmicas de Grupo, na 
Universidade de Michigan, desenvolvendo estudos experimentais sobre o 
relacionamento humano. Lewin popularizou a expressão dinâmica de grupo e a 
introduziu no discurso das ciências sociais. 
● Serge Moscovici (1978), com a publicação do livro A representação social da 
psicanálise, na França. 
● S. H. Foulks, a partir de 1948, em Londres, cria a prática da psicoterapia 
psicanalítica de grupo com enfoque na Gestalt: o grupo forma uma nova identidade 
diferente da soma das identidades individuais. 
● Pichon-Rivière, da Escola Argentina de Psicanálise, sistematizou o trabalho com 
grupos operativos. Grande interface com processo de ensino-aprendizagem. 
● D. Anzieu e R. Kaes, membros da Escola Francesa de Psicanálise, na década de 
60, propõem o conceito de aparelho psíquico grupal. 
No Brasil, com abordagem psicanalítica, foram institucionalizados serviços de 
psicanálise de grupos em diversos estados por iniciativa dos psicanalistas: Alcyon Baer 
Bahia, Walderedo Ismael de Oliveira, David Zimmermann, Werner Kemper, Júlio Gonçalves 
dos Santos, Oscar Rezende de Lima, Luis Miller de Paiva, Lygia Amaral, Bernardo Blay 
Neto, dentre outros. 
No entanto, para Silveira (2015, p. 257), essa parte da história corre risco de ser 
esquecida, pois, a partir dos anos 1970, a busca pela "verdadeira psicanálise" marca o 
início do afastamento entre o trabalho com grupos e o movimento analítico, principalmente o 
ligado à IPA. A partir desse momento, o grupo cada vez menos será uma questão para 
essas “sociedades de psicanálise”. 
TEMA 3 – PSICODRAMA 
Moreno é o criador do psicodrama. Estudou filosofia e medicina em Viena e teve 
Sigmund Freud como professor. “Elaborou suas ideias em Viena, à sombra de Freud e da 
psicanálise” (Marineau, 1992, p. 9). 
O contexto no qual desenvolveu o seu trabalho era o de pós-guerra, em que Viena vivia 
um ambiente confuso e tenso, sem uma liderança definida. Moreno coloca uma cadeira 
vazia no palco, com uma coroa, e propõe como tema que cidadãos experimentassem 
ocupar o papel de líder, cabendo à plateia o julgamento. 
O estilo de Moreno era provocativo, tanto na maneira de ser quanto na de agir. Criava 
polêmicas com seu trabalho, por exemplo: fazia grupos com prostitutas vienenses com o 
objetivo de ampliar a conscientização de sua situação e fortalecê-las como grupo, além do 
seu trabalho em campo de refugiados. 
Nos Estados Unidos, Moreno sistematizou o psicodrama como um método alternativo 
de psicoterapia (Marineau, 1992). O psicodrama é um método prático, e seu aprendizado 
inicial é pela prática, buscando posteriormente a sua compreensão teórico-metodológica, 
assim como os psicanalistas recomendam que idealmente deve ser compreendida a 
psicanálise: primeiro pela experiência prática de se envolver com a análise pessoal e depois 
buscar compreensão teórica e metodológica. 
O psicodrama tem um ritual: aquecimento, dramatização e compartilhamento. Essa 
ritualística é resultado da influência que Moreno recebeu do teatro. Suas referências eram 
no teatro grego, no teatro mambembe e em antigos rituais tribais. 
O psicodrama tem três etapas básicas e uma complementar, que acontece apenas em 
grupos quando o objetivo é o ensino-aprendizagem do método: 
● Aquecimento: primeiro momento da sessão, quando o diretor avalia como o grupo 
ou ocliente/paciente está e promove estimulações para gerar espontaneidade e 
emergir o tema protagonista ou a pessoa protagonista de um grupo. 
● Dramatização: segundo momento da sessão, em que o protagonista coloca sua 
história em cena, por meio da ação dramática. 
● Compartilhamento: terceiro momento, quando o grupo (ou, no caso de uma sessão 
bipessoal, o cliente/paciente) é convidado a refletir sobre como a dramatização o 
impactou. 
● Processamento: quarto momento, acontece opcionalmente em grupos de 
aprendizagem, em que todos são convidados a olhar para a sessão de psicodrama 
sob os aspectos técnicos-metodológicos. 
Em uma sessão de psicodrama, o terapeuta é o diretor e tem várias funções: produtor, 
terapeuta e analista. 
Para Moreno, o ser humano é um ser espontâneo e criativo. Ele discordava de Freud 
em relação ao nascimento ser considerado uma experiência traumática. Para Moreno, “o 
ato natal é o oposto do trauma. É uma catarse de profundo alcance tanto para a mãe como 
para o bebê” (Moreno, 1975, p. 118). 
Moreno considerava, concordando com Freud, que existem processos inconscientes 
individuais. No entanto, para ele, além do inconsciente individual, há processos 
inconscientes que englobam a inter-relação. Moreno também criou o conceito de brecha 
entre a fantasia e a realidade, considerando que, em determinado momento da vida, a 
pessoa começa a fazer a distinção entre o que é real e o que é imaginário. Antes, a 
realidade e a fantasia são uma coisa só (Moreno, 1975, p. 84). 
Moreno fala em estados conscientes e inconscientes, contrapondo-se à ideia de 
entidade psíquica. Para ele, os estados conscientes e inconscientes são como um corredor, 
em que a pessoa anda indo e vindo, passando por estados conscientes e inconscientes, 
sem separação topográfica. Para Moreno (1975), a maneira como me vejo e a maneira 
como enxergo o mundo são construídas socialmente. Na perspectiva do psicodrama, aquilo 
que chamamos de realidade é, na verdade, uma realidade social. Pode-se perceber que 
Moreno coloca uma ênfase maior nas relações sociais, enquanto Freud coloca ênfase maior 
nas relações significativas, nas relações parentais (grupo social primário), enquanto as 
relações sociais já seriam um grupo secundário. 
● Grupos sociais primários: aqueles formados pela família nuclear, pois desde o 
nascimento o bebê interage com membros de sua família, estabelecendo relações 
que vão se ampliando à medida que crescem e expandem suas atividades (creche, 
família de amigos próximos). Nesse caso, os membros possuem contato pessoal 
direto e estabelecem laços mais íntimos de relação (Zimerman, 2011). 
● Grupos sociais secundários: a relação é impessoal e ocorre pelas trocas de 
interesses mútuos. As relações são mais racionais, o contato social geralmente é 
temporário e determinado por trabalho, as comunicações são temporárias e podem 
ser anônimas. Os canais de comunicação são presenciais, por telefone, e-mail etc. 
Como exemplo, podemos citar grupos políticos, colegas de sala de aula ou de 
trabalho (Zimerman, 2011). 
TEMA 4 – PSICOLOGIA DAS MASSAS 
Pelo título do livro, pode-se criar uma expectativa de que Freud se posicione em 
relação à psicanálise de grupos, quando na verdade não é exatamente sobre isso que os 
textos tratam, no entanto é um fundamento teórico essencial especialmente para 
psicanálise social e institucional. 
Publicado em 1921, o livro tem a tradução para o inglês e a tradução brasileira 
definindo como título Psicologia de grupo e a análise do ego, quando no original a 
referência era para as massas, e não para os grupos. 
Freud (1976, p. 92) inicia esclarecendo que a psicanálise não despreza as relações do 
indivíduo com os outros e que a psicologia individual não se distingue da psicologia social 
ou coletiva e diz que a psicologia de grupo se interessa “pelo indivíduo como membro de 
uma raça, de uma nação, de uma casta, de uma profissão, de uma instituição, ou como 
parte componente de uma multidão que se organizaram em grupo, numa ocasião 
determinada, para um intuito definido.” Cada indivíduo participa de vários desses grupos, e, 
sendo assim, são várias mentalidades grupais, algumas delas contraditórias. 
Freud falou em mente grupal e considerou que ela fica evidente quando há alguma 
homogeneidade, ou alguma afinidade, um laço que una os membros do grupo. A questão 
importante, para Freud, era entender por que as pessoas cedem ao contágio quando estão 
em grupo. O texto de Freud foi especialmente importante para o estudo do que Hittler, na 
década de 20, conseguiu fazer,ao tornar-se chefe supremo do Partido Nazista e comandar 
a nação em um regime completamente totalitário de dominação. 
Ao longo dos capítulos que compõem esse livro de Freud, o que se fortalece é o 
delineamento conceitual de uma teoria da identificação. Freud apresentou a suposição de 
que as relações amorosas ou os laços emocionais estão na essência da mente grupal. 
Acreditava que os membros se deixavam influenciar pelos outros para se manter em 
harmonia com eles, o que seria um impulso de amor. 
Considerando que os grupos podem se diferenciar em temporários ou permanentes (ou 
duradouros), homogêneos ou não homogêneos, naturais ou artificiais, primitivos ou 
altamente organizados, com ou sem líder, Freud escolheu problematizar os grupos 
altamente organizados, permanentes e artificiais, tais como: o exército e a igreja católica. 
Nesses dois casos, há um líder (comandante/Cristo), e habitualmente seus membros são 
tratados como iguais/irmãos. Com isso, Freud aponta uma relação de amor entre eles: um 
laço que os une. Esse laço prende as pessoas e implica em restringir a liberdade das 
pessoas em um grupo. Especialmente no exército, quando essa relação libidinal deixa de 
existir, quando um membro já não se orienta com base no comando do líder e preocupa-se 
apenas consigo mesmo, frequentemente se observaram sintomas de ansiedade e 
medo/pânico. O perigo parece maior quando se está sozinho. 
Para Freud (1976), é a presença do laço que caracteriza um grupo. Se não houver 
essa relação libidinal, haverá apenas uma reunião de pessoas, mas não um grupo. Será 
pelo laço/libido que as antipatias e peculiaridades indesejadas serão toleradas, concluindo 
que o amor atua como fator civilizatório no desenvolvimento da humanidade. Freud (1976, 
p. 133) vai dizer que “a identificação é conhecida pela psicanálise como a mais remota 
expressão de um laço emocional com outra pessoa.” E continua dizendo que a simpatia 
surge da identificação e relaciona comportamentos sociais de massa com esse mecanismo 
da identificação, tais como os sintomas de massa: quando há uma aparente imitação do 
sintoma ou do comportamento do outro. 
Poder-se-ia dizer que os intensos vínculos emocionais que 
observamos nos grupos, são inteiramente suficientes para explicar 
uma de suas características: a falta de independência e iniciativa de 
seus membros, a semelhança nas reações de todos eles, sua 
redução, por assim dizer, ao nível de indivíduos grupais. 
(Freud,1976, p. 127) 
Sobre a premissa de alguns escritores contemporâneos de Freud de que o homem é 
um animal gregário, Freud discorda dizendo que “o homem é um animal de horda, uma 
criatura individual numa horda conduzida por um chefe” (Freud, 1976, p. 154). 
Zimerman (2011) reconhece nítida influência do texto Psicologia das massas e análise 
do ego. Bion parte dos modelos do exército e da igreja, considerando que são “grupos de 
trabalho especializados”. O que Bion definiu como “supostos básicos” é uma referência ao 
funcionamento do processo primário nos grupos desestruturados, caracterizados por Freud. 
TEMA 5 – PSICANÁLISE DE GRUPOS 
A premissa da psicanálise de grupos é que o indivíduo forma o grupo, e o grupo 
forma o indivíduo. A realidade psíquica não é apenas individual. “Na verdade, 
nenhum indivíduo, por mais isolado que esteja no tempo e no espaço, deve ser 
encarado como externo a um grupo ou não possuidor de manifestações ativas de 
psicologia de grupo” (Bion, 1970, p. 156). 
Com base nas referências psicanalíticas, Ávila (2016) resgata alguns elementos para 
construir o conceito de grupo: 
● O indivíduo não existe. 
● O eu é feito de relações. 
● O eu é múltiplo. 
● O eu é “eu – outro”. 
● O eu é plural. 
Ávila (2016) considera que o indivíduo e o grupo são como as duas faces de uma 
mesma moeda. Os processos humanos são processos de participação. Um ato agressivo, 
por exemplo, tem que ser entendido com base nas relações em que o individuo está imerso 
quando se forma esse ato. A agressividade,embora expressa no indivíduo, manifesta-se 
como fenômeno interacional, produto do contexto, ato superdeterminado pela história do 
seu autor e dos coparticipantes. Grupo e indivíduo são, então, fenômenos imbricados. 
Desta maneira, o eu (unitário, individual) só existe em relação ao outro, e isso também 
é reconhecido pela psicanálise clássica, de forma que a ideia de indivíduo é ilusória, pois o 
indivíduo nunca foi sozinho nem independente, mas sim sempre afetado pelos outros e os 
afetando. O “indivíduo” não é o mesmo em todos os grupos. “Cada sujeito carrega uma 
grupalidade antes de vir para o grupo e uma vez em grupo ele, interagindo, gera uma nova 
totalidade. Esta é a realidade psíquica grupal” (Ávila, 2009, p. 46). O autor também afirma 
que o grupo é invisível, pois o que nos interessa no grupo é uma dimensão latente. 
Bion nos mostrou que os indivíduos contribuem anonimamente 
para produzir o grupo e que o grupo tem experiências 
emocionais através do indivíduo. A realidade do indivíduo é 
grupal e o que é grupal é gerado pelos indivíduos em suas 
inter-relações. Em um grupo existem indivíduos com as suas 
mentes, emoções e capacidades, mas a partir do momento que 
estão em grupo passam a ter experiências que os coletivizam. 
(Ávila, 2009, p. 50) 
A psicanálise de grupos se insere no campo das relações humanas, ampliando assim a 
interface da psicanálise clássica individual com outras ciências e com a sociedade. O 
conceito de indivíduo passa a ser utilizado psicanaliticamente para se referir ao grupo. Os 
indivíduos são parte do grupo, que por sua vez também pode ser estudado em sua 
individualidade. 
NA PRÁTICA 
Podemos identificar diversos exemplos em que o livro sobre a psicologia das massas 
se aplica à realidade: Revolução Francesa, movimento nazista, polarização de eleitores 
durante eleições presidenciais, torcidas de futebol durante um campeonato e aparência 
física são exemplos de como se pode observar o laço emocional (libido) que une seus 
membros. É da identificação que surge a empatia e a grupalidade. Cada grupo, com seu 
líder, protege sua verdade. Vivendo em uma sociedade livre e democrática, é frequente a 
existência de tensões entre grupos que defendem pautas ou times diferentes. 
Mesmo se tratando do grupo psicanalítico (sociedade psicanalítica), alguns de seus 
membros, tais como Sándor Ferenczi, Carl Jung e W. Bion, inicialmente foram incorporados 
como membros do grupo de psicanalistas, mas, quando começaram a defender pontos 
diferentes daqueles do grupo, sofreram represálias e ameaças de serem expulsos do grupo. 
Os que continuam defendendo seus próprios ideais, mais do que os ideais do grupo, 
rompem o laço que os une e desintegram-se do grupo. Não é fácil bancar essa posição. Há 
muita ansiedade, medo e pânico envolvido. Por isso é fácil encontrar quem recue para não 
perder a segurança e a proteção do grupo, que também pode ser um casamento, um 
trabalho. Quando suportam sair do grupo, é possível que outro grupo seja criado, e foi 
assim com o método da psicoterapia breve, reconhecido por volta de 1950 como outro 
método de tratamento, fundamentado na psicanálise de Ferenczi, mas se diferenciando do 
método clássico; foi assim com Jung, que fundou a psicologia analítica, e o 
desenvolvimento da psicanálise de grupos que atualmente vêm sendo apresentada como 
psicanálise vincular ou grupanálise. 
FINALIZANDO 
A principal premissa da psicanálise de grupos é a noção de indivíduo. A questão em 
discussão é que o eu se forma com base nas inter-relações e que o grupo também é um 
indivíduo. 
Nesta etapa, foi possível perceber o quanto o método de tratamento de grupos é 
desconfortável para a psicanálise clássica, pela ameaça que causa a esta de perder sua 
especificidade. O problema não é por desmerecimento, mas sim por ser diferente do que 
está preestabelecido para o que a psicanálise deve ser. Bion foi recomendadoa deixar de 
lado o trabalho com grupos para se manter como membro da sociedade psicanalítica. 
Este movimento de grupo se dá pela manutenção de laços que unem seus membros, e 
esses laços só são mantidos se houver identificação. A psicologia social, a filosofia e outras 
ciências sociais, assim como outras abordagens psicológicas, tais como gestalt, sistêmica e 
psicodrama, têm nos grupos o seu objeto principal de intervenção, mas a psicanálise 
sempre teve o indivíduo como objeto principal de intervenção e ainda resiste em considerar 
o grupo como um indivíduo e pensar em tomá-lo como cliente em um processo 
psicanalítico. 
Desta etapa, também podemos destacar que reunião de pessoas não é 
necessariamente um grupo e que as primeiras relações significativas do bebê são com o 
seu grupo primário (os de casa) para só depois se expor a relações com o grupo social 
secundário. 
Com base em Freud (Psicologia das massas), os grupos podem se diferenciar em: 
● Temporários ou permanentes (ou duradouros). 
● Homogêneos ou não homogêneos. 
● Naturais ou artificiais. 
● Primitivos ou altamente organizados. 
● Com ou sem líder. 
É importante diferenciar o estudo dos grupos, tal como Freud fez em Psicologia das 
massas, do método de tratamento psicanalítico de grupos terapêuticos. Uma coisa é o 
estudo, e a outra é a finalidade terapêutica. O estudo dá base teórica (fundamentação) para 
o método. No entanto, nossa regra é que a clínica é soberana à teoria, pois é a clínica que 
afirmará ou não o que foi teorizado sobre ela. Neste caso, Bion contribuiu mais sobre o 
tratamento psicanalítico de grupos do que Freud, pois a experiência de Bion foi prática, 
enquanto a de Freud, não. O que Bion escreveu surgiu da sua clínica, da mesma forma 
como aconteceu com a produção teórica de Freud sobre a histeria e de Lacan sobre a 
psicose. 
O psicanalista francês René Kaës está entre as referências contemporâneas mais 
relevantes, junto com Didier Anzieu (falecido em 1999). No Brasil, temos importantes 
publicações sobre o tema feitas por psicanalistas membros do Núcleo de Estudos em 
Saúde Mental e psicanálise das configurações vinculares – NESME, dentre os quais estão: 
Pablo Castanho e Lazslo Antônio Ávila. 
A psicanálise de grupos é especialmente importante para pensar em intervenções em 
diferentes contextos, para além da clínica individual em consultório, mas também em 
instituições, em escolas e na sociedade.

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