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PATOLOGIA AULA 6 Profª Tatiana Zuccolotto 2 CONVERSA INICIAL Nesta aula, veremos sobre os processos neoplásicos. O que é um processo neoplásico e como acontece sua evolução. Veremos ainda sobre os tipos de neoplasias, como podemos diferenciar as neoplasias benignas de neoplasias malignas e as principais técnicas histológicas que nos auxiliam neste processo de diferenciação. TEMA 1 – INTRODUÇÃO, CLASSIFICAÇÃO E EPIDEMIOLOGIA DOS PROCESSOS NEOPLÁSICOS Nos organismos vivos saudáveis, as células coexistem em perfeita concordância citológica, histológica e funcional com o objetivo central de manutenção do equilíbrio do organismo, e com isso, consequentemente, a manutenção da vida. Para isso, as células estão agrupadas em tecidos, os quais formam os órgãos, de acordo com suas características morfológicas e funcionais, que são determinadas geneticamente. Em um ciclo normal, as células se dividem, amadurecem e morrem, favorecendo, assim, a renovação a cada ciclo e a garantia de um bom funcionamento do organismo. Durante este ciclo, o crescimento celular acontece de acordo com as necessidades do organismo, sendo um processo altamente regulado que envolve o aumento de massa celular, duplicação do material genético (DNA) e formação de duas células filhas idênticas. Estes eventos acontecem de maneira cíclica, em um processo conhecido como ciclo celular, o qual é composto por diversas fases, que são denominadas de G1 / S / G2 / M / G0 (Figura 1). 3 Figura 1 – Ciclo celular Créditos: Emre Terim/Shutterstock. A mitose é a parte do ciclo celular na qual acontece o processo de divisão celular, em que uma célula dá origem a outras duas células, exatamente iguais. No entanto, este processo pode sofrer regulação por meio de estímulos que atuam na superfície celular, os quais podem ser originados tanto do contato com as outras células como da redução na produção ou disponibilidade de fatores de crescimento específicos. Contudo, algumas vezes, ocorre uma alteração nos mecanismos reguladores da multiplicação celular e, de maneira aleatória, uma determinada célula passa a crescer e a se dividir de maneira desornada, além disso, estas células perdem sua capacidade de diferenciação. A partir deste fato, pode haver o surgimento de células propensas a manter este ciclo de proliferação desordenado, as quais não respondem aos mecanismos de controle normais, resultando na formação de tumores ou neoplasias. Em geral, as células neoplásicas são capazes de evitar o processo apoptótico, o que torna sua capacidade de proliferação uma propriedade constitutiva. Embora seja difícil determinar o início de formação das lesões pré- neoplásicas e sua evolução para uma neoplasia propriamente dita, sabe-se que alguns fatores são determinantes para essa condição. Normalmente, o início dessas alterações acontece quando uma célula normal sofre uma modificação no seu DNA, ou seja, sofre uma mutação genética, a qual passa a receber informações erradas para suas atividades. Estas alterações acontecem em genes especiais, conhecidos como proto-oncogenes, os quais, geralmente, são inativos em células normais. Uma vez ativados, estes proto-oncogenes 4 transformam-se em oncogenes, os responsáveis pelas alterações nas células normais. Além dos oncogenes, outra categoria importante no desenvolvimento de tumores são os genes supressores tumorais. Os principais fatores que predispõem a ativação de um proto-oncogene incluem: fatores químicos, físicos e biológicos. Entre estes fatores podemos citar os raios X e os exames de tomografia computadorizada, muito comuns para o diagnóstico de algumas enfermidades; a radiação solar; toxinas presentes no ar, e a estas podemos estar expostos no ambiente de trabalho, na rua e até mesmo em casa; além de agentes infecciosos, como é o caso da exposição ao HPV. Outro fator associado ao desenvolvimento de tumores é a idade, pois alguns tipos de câncer podem afetar, quase exclusivamente, crianças, como é o caso do tumor de Wilms, o retinoblastoma e o neuroblastoma. Estes três cânceres, em particular, são resultado de mutações herdadas do gene supressor ou, ainda, de mutações durante o desenvolvimento fetal. Contudo, a maior parte dos cânceres é detectada em indivíduos idosos, com mais de 65 anos. Isso se deve, provavelmente, a uma maior exposição a agentes carcinogênicos, e, também, ao enfraquecimento do sistema imunológico. Os fatores ambientais também contribuem, significativamente, para o desenvolvimento de tumores. Muitos poluentes, provenientes de resíduos industriais, escapamentos de veículos automotores, entre outros, são capazes de desencadear a ativação dos proto-oncogenes. O amianto, por exemplo, muito utilizado há algum tempo, para fabricação de caixas d’água e como isolante térmico, tem relação com o desenvolvimento de câncer de pulmão e mesotelioma, que é o câncer da pleura. O linfoma não Hodgkin e alguns tipos de leucemia são associados, por exemplo, à exposição aos pesticidas. O ambiente geográfico em que se vive também pode ser um fator determinante para o desenvolvimento de alguns tumores. Embora essa condição não esteja muito clara, acredita-se que faça parte de um sistema multifatorial, o qual inclui pré-disposição genética, dieta e ambiente. Um exemplo clássico da influência geográfica diz respeito ao baixo risco de desenvolvimento de câncer de cólon e câncer de mama no Japão, quando comparado ao alto índice em japoneses que emigraram para os Estados Unidos. As dietas ricas em gorduras saturadas e os altos índices de obesidade já foram relacionados ao aumento no número de casos de câncer de mama, cólon e próstata. O alto consumo de bebidas alcoólicas aumenta o risco de 5 desenvolvimento de câncer de cabeça, pescoço e esôfago. Os alimentos defumados, em conserva ou tipo churrasco aumentam o risco de desenvolvimento de câncer de estômago. Alguns tratamentos médicos também estão relacionados com o surgimento de tumores malignos. Entre estes, podemos citar o uso de contraceptivos orais, os quais exibem altas dosagens de estrogênio, substância relacionada a um ligeiro aumento nos casos de câncer de mama. Ou, ainda a utilização de hormônios masculinos, como a testosterona ou danazol, os quais aumentam as chances de desenvolvimento do câncer de fígado. A partir do desenvolvimento de uma célula cancerígena, há a necessidade de classificação do câncer em estádios, ou seja, é necessário avaliar o grau de disseminação do tumor maligno para se pressupor as taxas de sobrevida e propor o melhor tratamento para cada caso. TEMA 2 – NEOPLASIAS BENIGNAS E NEOPLASIAS MALIGNAS Os tumores ou neoplasias são classificados em malignos (câncer) e benignos, e isso vai depender dos efeitos que eles causam no organismo do hospedeiro e das suas características de crescimento. Em geral, os tumores benignos apresentam um crescimento mais lento e expansivo, além de serem bem tolerados pelo organismo. Estas células tumorais benignas apresentam uma boa diferenciação, diferente dos tumores malignos, que apresentam pouca diferenciação, ou são indiferenciados. Assim, os tumores benignos são constituídos por células muito parecidas com as células do tecido em que o tumor teve origem. Estas ficam dispostas de tal maneira, que a arquitetura das células tumorais lembra o tecido original, por isso, em muitos casos, as células se mantêm funcionantes. No caso, por exemplo, de tumores benignos glandulares, estes mantêm sua função de secreção, entretanto, em essa secreção tende a se acumular, pois mesmo que a estrutura tumoral seja semelhante à do tecido, muitos destes tumores não apresentam ductos excretores eficientes. Dessa forma, ocorre o acúmulo destas secreções no interior do tumor, o que leva à formação de cistos, uma característicaestrutural importante dos tumores glandulares benignos. Já nos tumores malignos, a diferenciação celular, praticamente, não existe, o que dificulta muito o estabelecimento de um limite entre o tecido tumoral e o tecido de origem. 6 Contudo, os tumores glandulares malignos também podem apresentar cistos, embora em condições menos frequentes. Uma característica importante dos tumores benignos diz respeito ao crescimento. Como este é expansivo, o tumor apresenta limites bastante nítidos, tanto quando crescem na superfície como quando crescem no interior de um órgão. Além disso, por apresentarem um crescimento lento e um estroma bem constituído, os tumores benignos dificilmente exibem processos degenerativos, necróticos ou hemorrágicos significativos. Já no caso de tumores malignos, estes não apresentam uma proporção ideal de parênquima e estroma, o que acaba por favorecer o desenvolvimento dos processos degenerativos, necróticos e hemorrágicos. Outra característica importante das neoplasias malignas é a infiltração das células tumorais na cápsula e interstício do tecido sadio, tornando- se muito frequente a identificação destas, no interior dos vasos linfáticos e vasos sanguíneos. Estes tumores são capazes de se disseminar para outros locais do corpo, num processo conhecido como metástase, diferentemente dos tumores benignos, que são localizados e nunca originam metástases. Mesmo que as diferenças estruturais entre tumores benignos e malignos sejam muito importantes para esta diferenciação, existe ainda a localização do tumor. Mesmo que as características estruturais sejam de um tumor benigno, este pode causar sérios danos ao organismo do paciente, dependendo da sua localização. Como exemplo podemos citar os tumores cerebrais localizados na parede do aqueduto de Sylvius, também conhecido como ducto mesencefálico, que podem levar os pacientes ao óbito. Outro exemplo é o feocromocitoma, um tumor benigno que se desenvolve nas glândulas adrenais, as quais são localizadas sobre os rins. Embora seja um tumor benigno, este pode levar os pacientes a óbito, pois sua localização impede que hormônios importantes sejam secretados de maneira correta, levando os pacientes ao desenvolvimento de hipertensão e comprometimento do sistema cardiovascular. TEMA 3 – BIOLOGIA DO CRESCIMENTO TUMORAL Para que possamos entender como acontece o crescimento tumoral, vamos iniciar relembrando o ciclo celular (Figura 2). Como vimos anteriormente, em um ciclo normal de vida, as células se dividem, amadurecem e morrem, favorecendo, assim, a renovação a cada ciclo e a garantia de um bom funcionamento do organismo. 7 Figura 2 – Ciclo celular Créditos: Designua/ Shutterstock. Embora o ciclo celular seja sempre o mesmo, a duração de cada uma de suas fases é variável, independentemente de a divisão estar ocorrendo em células saudáveis. As três primeiras fases do ciclo fazem parte da interfase, sendo a primeira a fase G1, também conhecida por pré-sintética, que se caracteriza por ser a fase preparatória para a síntese de DNA. É nessa fase que a célula aumenta de tamanho, acontece a formação dos nucleotídeos, por meio da ligação entre uma das bases nitrogenadas (adenina, guanina, citosina, timina e uracila), um fosfato e uma molécula de açúcar, no caso a ribose (Figura 3) e a síntese de RNA. Figura 3 – Nucleotídeo Créditos: Grayjay/ Shutterstock. 8 Ainda na fase G1 acontece a mobilização de aminoácidos para a síntese de proteínas e enzimas. A duração da fase G1 depende do tipo celular envolvido. Em geral, é uma fase mais longa quando as células apresentam baixo índice de duplicação, por exemplo, as células nervosas que após sua síntese permanecem em G0, uma fase de repouso que veremos a seguir, ou as células hepáticas que entram em G0, mas retornam à G1 quando necessário. Células com divisão constante como as epiteliais têm uma G1 muito curta, e pode-se dizer que estas não têm a fase G0 inclusa em seu ciclo. Na fase G1 existem pontos de controle, os quais são responsáveis por verificar sinais de DNA danificado ou algum sinal externo que impeça a divisão. Em algumas células, após a fase G1, existe a fase G0, na qual as células apresentam atividade metabólica reduzida. Em geral, esta é uma fase de repouso prolongado, em que as células não respondem aos estímulos que dão início à síntese de DNA. As células que entram em G0 são provenientes da fase G1, embora não façam parte do ciclo proliferativo. A fase seguinte é a fase S, na qual há a produção de uma proteína desencadeante, responsável por fazer a interação entre o DNA e a DNA polimerase. Após esta reação o DNA é duplicado, garantindo que as células filhas recebam o mesmo material genético da célula progenitora. Após a duplicação do DNA a célula entra na fase G2, ou período pré- mitótico. Nesta fase há síntese de proteínas, duplicação de organelas e um ligeiro aumento de tamanho celular. Outro aspecto importante desta fase é a condensação dos cromossomos, a qual marca o final da fase G2 e início da fase M. Nesta fase, também, existem pontos de controle que visam impedir a duplicação de células consideradas inapropriadas. Com o final da interfase, a célula entra na fase M, ou fase mitótica, a qual é mais curta, representando cerca de 10% de todo o tempo do processo de divisão celular. É nessa fase que ocorre a divisão propriamente dita, na qual o material genético será dividido entre as duas células resultantes. Ela é subdividida em quatro subfases: prófase, metáfase, anáfase e telófase. Em seguida a célula entra na citocinese, caracterizando o fim da divisão celular. É nesta etapa que acontece a separação dos citoplasmas, originando as duas células filhas. As células tumorais iniciam seu desenvolvimento a partir de mutações genéticas. Assim, de acordo com o que vimos anteriormente, o início dessas 9 alterações acontece quando uma célula normal sofre uma modificação no seu DNA, o qual passa a receber informações incorretas para execução de suas atividades. Estas alterações acontecem em genes especiais, conhecidos como proto-oncogenes, os quais geralmente são inativos em células normais. Uma vez ativados, estes proto-oncogenes transformam-se em oncogenes, responsáveis pelas alterações nas células normais. Além dos oncogenes, outras duas categorias importantes no desenvolvimento de tumores são os genes supressores tumorais e os genes que participam do reparo do DNA. O processo de formação de um tumor maligno, ou câncer, é conhecido como carcinogênese ou oncogênese. Esse processo, normalmente, é lento e pode levar muitos anos para que uma célula se prolifere e se torne parte de um tumor visível. O processo de formação de um tumor é composto por três fases, ou estágios: • Estágio de iniciação: nesta fase os genes são afetados pelos agentes cancerígenos, momento em que são passíveis de mutação. É nesta fase que as células são alteradas geneticamente, contudo, ainda não há detecção de um tumor. • Estágio de promoção: neste estágio entram em ação os oncopromotores, agentes cancerígenos que atuarão sobre as células geneticamente modificadas no estágio de iniciação. A partir deste ponto, se o contato com o agente cancerígeno promotor persistir continuamente, há a formação da célula maligna. Em alguns casos, a interrupção deste contato cessa, também, o processo de formação do tumor. Como exemplo de agentes cancerígenos promotores podemos citar componentes da alimentação, ou, ainda, exposição hormonal prolongada. • Estágio de progressão: nesta fase ocorre a multiplicação descontrolada das células que sofreram mutação. Aqui, já é um processo irreversível, no qual o tumor já está instalado e há o aparecimento dos primeiros sintomas da doença. Podemos citar como exemplo de um agente oncoacelerador, o fumo. Este é um carcinógenocompleto, pois atua nos três estágios de formação do tumor. Estes estágios de formação de um tumor maligno podem ser desmembrados nos seguintes passos, os quais estão ilustrados na imagem a seguir: 10 Figura 4 – Estágios de formação de um tumor maligno Créditos: solar22/shutterstock. 1. Alteração genética da célula: uma determinada população celular sofre mutação genética, a qual aumenta sua capacidade proliferativa, dando início ao desenvolvimento de um tumor. 2. Hiperplasia: é o aumento acelerado tanto da célula alterada quanto das suas descendentes. Porém, sua aparência continua sem alterações. Com o passar do tempo, estas células podem sofrer novas mutações, o que leva à perda do controle sobre o crescimento celular. 3. Displasia: as células descendentes da célula alterada apresentam alterações na proliferação, na forma e na orientação. 4. Câncer in situ: as células apresentam muitas anormalidades no crescimento e na aparência. Nessa fase o tumor não atravessou as barreiras, este encontra-se, ainda, delimitado, sendo possível permanecer desta forma por tempo indeterminado. 11 5. Câncer invasivo: é o tumor que consegue, devido às mutações genéticas das células, ultrapassar as barreiras e invadir novos tecidos, sendo as células espalhadas pelos vasos sanguíneos ou linfáticos. 6. Tumor maligno: apresenta um crescimento irregular com emissão de tentáculos em diversas direções, como uma forma de defesa das suas células, conforme observa-se na imagem a seguir, que mostra uma célula cancerígena entre células normais. Figura 5 – Célula cancerígena Créditos: CI Photos/shutterstock. Nesse caso há formação de metástases, as quais interrompem os processos normais do organismo levando, muitas vezes, o indivíduo a óbito. As células provenientes de um tumor maligno secretam substâncias que ativam o processo de angiogênese, levando à formação de novos vasos sanguíneos, os quais servirão para nutrição das células do tumor. TEMA 4 – BASES MOLECULARES DAS NEOPLASIAS As neoplasias constituem em um acúmulo anormal de células, provenientes de uma proliferação excessiva e descontrolada, desencadeada, normalmente, por uma mutação no DNA da célula. Como sabemos, o organismo humano é exposto, diariamente, a agentes carcinogênicos, os quais podem exercer efeitos aditivos ou multiplicativos. Aliado a este fator, existe ainda a predisposição individual, que pode exercer um papel crucial na resposta final, porém, não é possível presumir em que grau essa 12 predisposição influencia na relação entre a dose e o tempo de exposição ao agente carcinogênico e a resposta individual à exposição. Contudo, devemos lembrar que as células podem sofrer mutação espontânea, mas esse fato pode não alterar o desenvolvimento da população celular em geral. E, que estas mutações podem ocorrer em qualquer tempo, independentemente da etapa de crescimento e/ou diferenciação que a célula se encontre, sendo o acúmulo destas mutações um dos responsáveis pela origem da célula tumoral. Geneticamente, existem três responsáveis pela origem de uma célula tumoral: os genes supressores tumorais, os oncogenes e os genes que participam do reparo do DNA. Os genes supressores tumorais têm como função suprimir a formação de tumores por meio do controle do crescimento celular. Porém, algumas mutações que ocorrem nesses genes levam à sua inativação e, consequentemente, a um descontrole no processo de crescimento celular. Os oncogenes são formas anormais dos proto-oncogenes, e o processo de malignização de uma célula é desencadeado a partir da ativação de um oncogene, ou como já vimos, por meio, também, da inativação de um gene de supressão tumoral. Estes proto-oncogenes, assim como os genes supressores tumorais, estão envolvidos no controle do crescimento e/ou da diferenciação celular, sendo que as mutações ocorridas nesses genes podem acarretar a estimulação contínua de algumas vias biológicas, as quais são responsáveis por controlar inúmeros processos celulares. Dentre estes processos estão: o crescimento, a divisão e o metabolismo celular, os mecanismos de reparo de DNA e a angiogênese. Existem, atualmente, mais de 100 oncogenes conhecidos, os quais podem contribuir para o desenvolvimento de tumores se ativados. Entre estes, encontram-se, por exemplo: • gene RAS – codifica a proteína ras, que é anormal em, aproximadamente, 25% dos cânceres humanos. Mutações neste gene podem ativar, inapropriadamente, essa proteína, desencadeando um crescimento celular descontrolado. • gene HER2 – é uma proteína presente na membrana das células epiteliais, e normalmente, quando ativada, está relacionada ao 13 desenvolvimento do câncer de mama, câncer gástrico e menos comumente câncer de pulmão. • gene BCR-ABL1 – é proveniente de uma translocação entre os cromossomos 9 e 22. Este gene anômalo estimula a produção de uma proteína, também anormal, denominada “BCR-ABL tirosina quinase”, a qual está envolvida no surgimento da leucemia mieloide crônica. • gene NMYC – é um fator de transcrição, que também desempenha seu papel regulando o crescimento e a proliferação celular. Mutações neste gene são consideradas um mau prognóstico para os casos de neuroblastoma. No caso dos genes de reparo do DNA, estes têm como função corrigir os danos gerados ao DNA, sem que permaneçam efeitos lesivos. Porém, quando estes genes sofrem algum tipo de mutação, a capacidade de reparo da célula é alterada, impedindo que ela mantenha sua capacidade inicial de correção. E assim, os erros se tornarão repetitivos, acumulando-se em outros genes e favorecendo o desenvolvimento de algum tipo de câncer. Entre os cânceres provenientes de falhas no reparo do DNA podemos citar: • câncer de cólon – incompatibilidade de reparo nos genes MSH2, MLH1 e PMS2; • câncer de mama e câncer de ovário – danos na reparação por recombinação homóloga do gene BRCA-2; • linfomas - defeitos no reparo do gene ATM, o qual codifica uma proteína para gerar os sinais intracelulares produzidos em resposta a lesões no DNA; • câncer de pele – o desenvolvimento de xerodermia pigmentosa, por defeitos no mecanismo de reparo por excisão de nucleotídeos, pode levar ao desenvolvimento de alguns tipos de câncer de pele. TEMA 5 – TÉCNICAS HISTOPATOLÓGICAS APLICADAS ÀS NEOPLASIAS As técnicas de histologia começaram a ser utilizadas como métodos diagnósticos, cerca de duzentos anos após o desenvolvimento do microscópio, em meados do século XVI. Porém, as primeiras utilizações se deram por profissionais ligados às ciências naturais, e somente depois passou a ser utilizada por anatomistas e histologistas. Contudo, a histopatologia, 14 propriamente dita, começou a ser utilizada como ferramenta de diagnóstico em 1828, pelo médico Rudolph Virchow. A histopatologia faz parte da anatomia patológica, e consiste no estudo das células e tecidos do organismo a fim de confirmar, ou não, a presença de uma determinada doença. Esta técnica utiliza a microscopia óptica para analisar a presença de alterações e anormalidades estruturais dos tecidos e células, auxiliando no diagnóstico de neoplasias e anormalidades. Para que o exame histopatológico seja bem-sucedido é necessário que uma amostra de material biológico seja obtida, normalmente, por meio de biópsias ou peças cirúrgicas. A partir deste material é possível avaliar se as células do tecido ou órgão estão alteradas, se há formação de processos neoplásicos e se estes são benignos ou malignos. Contudo, um dos maiores desafios para a realização dos exames histopatológicos é a preservação dos tecidos, por isso, são realizadas diversas etapas de processamento até que a análise tecidual seja realizada. O primeiro passo para isso é aobtenção da amostra, ou seja, a coleta. Em seguida são realizados os procedimentos de fixação, desidratação, clarificação, inclusão, microtomia (corte) e coloração. 1. Coleta: é a retirada de uma amostra tecidual ou de um órgão comprometido para investigação da presença de alterações celulares. A coleta é chamada, também, de biópsia. A biópsia pode ser cirúrgica, a qual é realizada por meio de uma incisão no órgão ou tecido; endoscópica, a qual é realizada em órgãos ocos, como estômago e intestino; por agulha, a qual é realizada por punção do órgão; cirurgia ampla é a que corresponde a peças maiores, como retirada de tumores ou órgãos inteiros, como mama e útero; e, necrópsia, a qual é realizada para verificar a causa do óbito, sendo, assim, realizada após a morte. 2. Fixação: este processo tem o objetivo de impedir o processo de autólise celular e a proliferação de microrganismos, visto que, após a retirada do material (tecido ou órgão) de um organismo, imediatamente tem início um processo de autodigestão, conhecido como autólise, o qual envolve processos enzimáticos e proliferação de microrganismos. Sendo assim, esse processo preserva a morfologia tecidual e fornece resistência para as etapas subsequentes. Em geral, após a fixação as amostras devem 15 ser transferidas para uma solução de álcool 70%, na qual poderão permanecer por tempo indeterminado 3. Desidratação: é a remoção de água dos tecidos, a qual é realizada com solução alcoólica em várias concentrações. 4. Clarificação: também conhecida como diafanização, essa etapa remove o álcool utilizado na desidratação. Com isso há preparação do material para a próxima etapa. Na clarificação utiliza-se o xilol, que penetra no tecido forçando a retirada do álcool para preparar o tecido para a penetração da parafina. Neste processo de substituição do álcool pelo xilol, há um clareamento do tecido. 5. Inclusão: consiste na impregnação do tecido com uma substância de consistência firme, pois as amostras de tecidos são bastante delicadas, e esse processo facilita o corte em micrótomo. 6. Microtomia: é a etapa de corte do material. Após a impregnação do material com parafina, este é cortado em camadas extra finas com auxílio de um equipamento de precisão conhecido como micrótomo, o qual alcança uma espessura de 5 a 15 μm. Essa espessura extremamente fina é essencial para que haja a passagem de luz através do material, possibilitando a visualização em microscópio. Após os cortes, estas “fatias” são montadas em lâminas de vidro. 7. Coloração: as seções são coradas para que possam ser analisadas ao microscópio, uma vez que as seções de parafina são incolores. Antes da coloração, a parafina deve ser dissolvida e retirada da amostra. Depois da remoção da parafina, a amostra deve ser reidratada com soluções de álcool em concentrações decrescentes, e só então podem ser coradas com hematoxilina. Após a coloração com hematoxilina as lâminas são lavadas e coradas com eosina. A hematoxilina é um corante de caráter básico, por isso cora os ácidos nucleicos presentes no núcleo das células em um tom azulado escuro. Já a eosina tem caráter ácido, o que favorece a coloração dos componentes básicos presentes no citoplasma das células, de rosa. Após a coloração, as lâminas contendo o material estão prontas para visualização no microscópio (Figura 6). 16 Figura 6 – Histopatologia Créditos: Hivkova/ Shutterstock; Maliutina Anna/ Shutterstock; Kateryna Kon/ Shutterstock. NA PRÁTICA De acordo com o que estudamos nesta aula, vimos que a técnica principal para diagnóstico de uma neoplasia é a histopatologia, que consiste em avaliar a presença de alterações e anormalidades celulares. Além disso, vimos também que por meio do exame histopatológico é possível dizer se o tumor é maligno ou benigno. Com base nos conhecimentos adquiridos, e em literatura apropriada, analise o caso clínico a seguir e descreva os passos que foram realizados para execução do exame histopatológico até a liberação do resultado da biópsia do paciente. É necessário que você faça uma breve explicação da importância e dos cuidados que devem ser tomados em cada etapa do exame. 17 Caso clínico: paciente do sexo masculino, 65 anos de idade, apresentando antecedente de sintomas do trato urinário inferior que caracterizou como jato urinário médio com sensação de esvaziamento incompleto da bexiga. O paciente relatou, também, que levanta em média duas vezes durante a noite para urinar, e não tem antecedentes de câncer de próstata na família. Os exames clínicos demonstraram abdome globoso, flácido e indolor. O exame digital de próstata apresentou próstata indolor, volume maior que 40 g, endurecida bilateralmente, e sem nódulos palpáveis aparentes. O resultado do exame laboratorial incluiu PSA com dosagem de 7,9 ng/mL, entretanto, o PSA do ano anterior foi dosado em 1,5 ng/mL. FINALIZANDO Nesta aula vimos sobre os processos neoplásicos. Começamos entendendo que em organismos vivos saudáveis, as células coexistem em perfeita concordância citológica, histológica e funcional com o objetivo central de manutenção do equilíbrio do organismo, e com isso, consequentemente, a manutenção da vida. Todas as células do organismo, em um ciclo normal, entram em um processo de divisão, amadurecem e morrem, favorecendo, assim, a renovação a cada ciclo e a garantia de um bom funcionamento orgânico. Estes eventos acontecem de maneira cíclica, em um processo conhecido como ciclo celular, o qual é composto por diversas fases, que são denominadas de G1 / S / G2 / M / G0, sendo a mitose (fase M) a parte do ciclo celular, no qual acontece o processo de divisão celular, em que uma célula dá origem a outras duas células, exatamente iguais. Nas células tumorais este processo encontra-se desregulado, pois, algumas vezes, ocorre uma alteração nos mecanismos reguladores da multiplicação celular e, de maneira aleatória, uma determinada célula passa a crescer e a se dividir de maneira desordenada. Elas perdem sua capacidade de diferenciação e são capazes de evitar o processo apoptótico formando as massas tumorais, que poderão ser benignas ou malignas. Entre os principais fatores responsáveis por esta desregulação, encontram-se: fatores químicos, físicos e biológicos. Entre estes fatores podemos citar os raios X e os exames de tomografia computadorizada, muito comuns para o diagnóstico de algumas enfermidades; a radiação solar; toxinas presentes no ar, e a estas podemos estar expostos no ambiente de trabalho, na rua e até mesmo em casa; 18 além de agentes infecciosos, como é o caso da exposição ao HPV. Além destes, ainda temos a idade e o tipo de dieta. Os tumores benignos apresentam um crescimento mais lento e expansivo, além de serem bem tolerados pelo organismo. Estas células tumorais benignas apresentam uma boa diferenciação, dessa maneira, estes tumores são constituídos por células muito parecidas com as células do tecido em que o tumor teve origem, as quais ficam dispostas de tal maneira, que a arquitetura das células tumorais lembra o tecido original, por isso, em muitos casos as células se mantêm funcionantes. Além disso, os tumores benignos não se disseminam para outros locais, ou seja, não formam metástases. Quanto aos tumores malignos, estes apresentam pouca diferenciação, ou são indiferenciados, o que dificulta muito o estabelecimento de um limite entre o tecido tumoral e o tecido de origem. Além disso, estes tumores não apresentam uma proporção ideal de parênquima e estroma, o que favorece o desenvolvimento dos processos degenerativos, necróticos e hemorrágicos. Estes tumores são capazes de se disseminar para outros locais do corpo, formando metástases. No geral, o processo de formação de um tumor é composto por três fases, ou estágios. O estágio de iniciação,no qual os genes são afetados pelos agentes cancerígenos, momento em que são passíveis de mutação. É nesta fase que as células são alteradas geneticamente, contudo, ainda não há detecção de um tumor; o estágio de promoção, em que entram em ação os oncopromotores, agentes cancerígenos que atuarão sobre as células geneticamente modificadas no estágio de iniciação. A partir deste ponto, se o contato com o agente cancerígeno promotor persistir continuamente, há a formação da célula maligna; o estágio de progressão, no qual ocorre a multiplicação descontrolada das células que sofreram mutação. Aqui, o processo já é irreversível, o tumor já está instalado e há o aparecimento dos primeiros sintomas da doença. Geneticamente, existem três responsáveis pela origem de uma célula tumoral: os genes supressores tumorais, os quais podem sofrer mutações que levam à sua inativação e, consequentemente, a um descontrole no processo de crescimento celular; os oncogenes, que são formas anormais dos proto- oncogenes, e o processo de malignização de uma célula é desencadeado a partir da ativação de um oncogene; e os genes que participam do reparo do DNA, os quais, quando sofrem algum tipo de mutação, perdem sua capacidade de reparo da célula, impedindo que ela mantenha sua capacidade inicial de correção. E, 19 assim, os erros se tornarão repetitivos, acumulando-se em outros genes e favorecendo o desenvolvimento de algum tipo de câncer. Para auxiliar no diagnóstico destas neoplasias, foi desenvolvida a técnica de análise histopatológica, na qual é possível avaliar se as células do tecido ou órgão estão alteradas, se há formação de processos neoplásicos e se estes são benignos ou malignos. Um dos maiores desafios para a realização dos exames histopatológicos é a preservação dos tecidos, por isso, são realizadas diversas etapas de processamento até que a análise tecidual seja realizada. O primeiro passo para isso é a obtenção da amostra, ou seja, a coleta. Em seguida são realizados os procedimentos de fixação, desidratação, clarificação, inclusão, microtomia (corte) e coloração. 20 REFERÊNCIAS ANGELO, I. C. Patologia geral. São Paulo: Pearson Education do Brasil, 2016. BRASILEIRO FILHO, G. Bogliolo patologia. 9. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan Ltda., 2016. INCA (2020). Ministério da Saúde. Instituto Nacional do Câncer. Disponível em: . Acesso em: 20 abr. 2021. KUMAR, V.; ABBAS, A. K.; ASTER, J. C. Robbins patologia básica. 9. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013. MCPHEE, S. J.; GANONG, W. F. Fisiopatologia da doença: uma introdução à medicina clínica. 5. ed. Porto Alegre: AMGH, 2011. MSD (2021). Manual Professional Version. Disponível em: . Acesso em: 20 abr. 2021. 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