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TEORIA GERAL DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA AULA 1 Prof. Willian Batista de Oliveira 2 CONVERSA INICIAL Nesta abordagem, daremos início aos temas introdutórios, abrangendo os diferentes conceitos que envolvem a construção do estudo da administração pública, com enfoque na administração brasileira. Para tanto, vamos percorrer a formação do Estado, seus elementos essenciais, as relações com os demais termos como governo, administração, gestão, entre outros, adentrando, nos dois últimos tópicos, na organização da administração pública no Brasil. O objetivo primordial é aprofundar os conhecimentos sobre esses assuntos, como um panorama geral aos acadêmicos, mas sem perder de vista tópicos importantes e úteis para o desenvolvimento do nosso estudo, e, mais ainda, relevantes para a prática diária da vida pública. TEMA 1 – CONCEITOS GERAIS E INTRODUTÓRIOS Seja na vida privada, nas empresas e demais instituições, sempre estarão presentes níveis de planejamento e execução visando ao alcance de melhores graus de trabalho e produção. Ao se falar das organizações de forma geral, o estudo da administração como área de conhecimento abrange temas “do planejamento, da organização (estruturação), da direção e do controle de todas as atividades diferenciadas pela divisão de trabalho que ocorram dentro de uma organização” (Chiavenato, 2003, p.2). Para além do estudo da administração geral, em grande parte direcionadas ao enfoque das empresas privadas, segrega-se disciplina autônoma da administração pública, considerando diversas peculiaridades atinentes apenas a essas organizações. No caso, a administração pública possui determinados objetivos distintos do ambiente privado, sendo o principal deles o alcance do chamado “bem comum”, e também determinadas vinculações e discricionariedades que devem estar nas estritas balizas legais. Em linhas gerais, o conceito de administração pública (a ser apresentado em tópico específico) se confunde na linguagem informal do dia a dia com outros temas como Estado, governo, serviço e gestão pública, sendo importante ao acadêmico as devidas distinções, especialmente para a utilização na linguagem formal. Ao se falar em Estado e governo, por exemplo, a “forma de Estado”, “forma de governo” e “sistema de governo” muitas vezes se misturam, sendo 3 cada um deles distintos significativamente. Nosso país se constitui como República Federativa do Brasil (art. 1º da Constituição Federal), esclarecendo- se, só nisso, distinções sobre a forma de Estado e forma de governo (Figura 1): Figura 1 – Classificações da República Federativa do Brasil Fonte: Oliveira, 2024. Para melhor entender cada um dos assuntos, os quais também direcionam o entendimento sobre a administração pública brasileira, é necessário trilhar o caminho desde os conceitos de sociedade, a sua conjugação como Estado (sociedade política com determinados elementos essenciais – povo, território, soberania e finalidade), avançado para os conceitos de governo, administração pública e gestão pública, discorridos nos tópicos seguintes. TEMA 2 – SOCIEDADE E ESTADO “A sociedade é o produto da conjugação de um simples impulso associativo natural e da cooperação da vontade humana” (Dallari, 2016, p. 23). Partindo dessa premissa, temos a construção conceitual de sociedade como algo inerente ao homem, dentro de suas relações de convivência, criando- se conexões conforme fatores específicos. É famosa a frase de Aristóteles (1985), ao dizer que o homem é um animal político. Nessa linha, a busca por associação é instintiva, não sendo natural ao homem a vida em isolamento. Por outro lado, há aqueles que se opõem à ideia de sociedade fundada apenas na natureza do homem, indicando que sua construção se apoia especialmente na vontade humana. Assim, a sociedade é produto de um acordo de vontades, afastando o conceito de mero impulso dos homens, amoldando-se aos autores chamados de contratualistas. Em Hobbes fundam-se as linhas do chamado contrato social, como forma de se assegurar a liberdade e paz, instituindo-se pelos indivíduos um poder central comum. Citem-se em semelhança os ensinos de Rousseau, para o qual a ideia de contrato social funda-se na alienação dos interesses pessoais em prol da comunidade, formando-se a base para uma vontade popular que substancia Forma de Estado • Federativo Forma de governo • Republicano Sistema de governo • Presidencialista 4 a ideia de democracia, trazendo-se ideais de liberdade e igualdade (Dallari, 2016). Adiante, esclarecida a origem da sociedade pela conjugação de fatores naturais (impulso) e sociais (vontade humana), demonstra-se na Figura 2 a necessidade mínima de elementos para que se reconheça a sua existência, quais sejam: Figura 2 – Elementos da sociedade Fonte: elaborado com base em Dallari, 2016. Em síntese, a finalidade ou valor social decorre da existência de objetivo conscientemente (ação livre) estabelecido, em prol do bem comum, com resguardo de fins particulares. As manifestações de conjunto ordenadas ultrapassam a ideia de simples reunião de pessoas, mas versam sobre a ideia de reiteração, ou seja, um conjunto permanente em harmonia, com estabelecimento de ordem, pautada na ideia de leis/obrigações que geram imputação, e adequação às exigências e possibilidades da realidade social, cujas ações não contrariem o bem comum. Ainda, o poder social, como o mais essencial, versa sobre a possibilidade de intervenção para preservação da ordem, em geral por uma vontade predominante que se estabelece por meio da força (primitivamente material e física, após, uma fase divina e atualmente jurídica). Importante o comentário de que o poder social se estabelece na ideia de legitimidade, como consentimento daqueles que se submetem, sendo decorrente, conforme hipóteses de Weber, no poder tradicional (como nas monarquias), poder carismático (líderes que representam o povo) e poder racional (autoridades investidas pela lei). Avançando, a sociedade classificada como política é aquela de fins gerais, na qual se criam as condições necessárias para que os indivíduos alcancem fins particulares, não existindo, necessariamente, um objetivo determinado. As ações, neste caso, visam à coordenação das ações humanas Uma finalidade ou valor social Manifestações de conjunto ordenadas O poder social 5 para consecução do bem comum. Sem dúvida, o principal exemplo de sociedade política é o Estado. Abrindo-se um novo assunto, decorrente do primeiro, Dallari (2016) explica as origens do termo Estado: A denominação Estado (do latim status = estar firme), significando situação permanente de convivência e ligada à sociedade política, aparece pela primeira vez em O Príncipe de Maquiavel, escrito em 1513, passando a ser usada pelos italianos sempre ligada ao nome de uma cidade independente, como, por exemplo, stato di Firenze. Durante os séculos XVI e XVII a expressão foi sendo admitida em escritos franceses, ingleses e alemães. Na Espanha, até o século XVIII, aplicava-se também a denominação de estados a grandes propriedades rurais de domínio particular, cujos proprietários tinham poder jurisdicional. De qualquer forma, é certo que o nome Estado, indicando sociedade política, só aparece no século XVI, e este é um dos argumentos para alguns autores que não admitem a existência do Estado antes do século XVII. Para eles, entretanto, sua tese não se reduz a uma questão de nome, sendo mais importante o argumento de que o nome Estado só pode ser aplicado com propriedade à sociedade política dotada de certas características bem definidas. Para além do nome Estado, há também duas principais doutrinas sobre sua formação originária, existindo a teoria de formação natural ou espontânea, explicada pelo seu próprio nome, no qual inexiste ato puramentevoluntário, e a de formação contratual, cujas determinantes seriam de i) origem familiar ou patriarcal, ii) por atos de força e conquista, iii) por causas econômicas ou patrimoniais, ou iv) por desenvolvimento interno da sociedade. Já na formação derivada do Estado, pode-se falar em desmembramento, separação, união, ou outro fator atípico (ex.: divisão de guerra). Adiante, foram diversos os estágios históricos de formação do Estado, (antigo, grego, romano e medieval), chegando-se então ao denominado Estado moderno, pautado na unidade territorial e no poder soberano, no qual se fixam alguns pontos que formam os chamados elementos essenciais do Estado, nos conceitos de diversos autores. Figura 3 – Elementos do Estado Fonte: elaborado com base em Dallari, 2016. Soberania Território Povo Finalidade 6 Em linhas gerais, a soberania versa sobre a independência estatal com a existência de um poder jurídico mais alto, sendo classificado por Bonavides (2010) como o grande princípio que inaugurou o Estado moderno; o território é o espaço geográfico onde o Estado exerce seu poder, delimitando sua soberania; o povo é o conjunto de indivíduos que se unem para o estabelecimento do Estado, possuindo vínculo jurídico com este, distinguindo-se dos conceitos de nação e população; e a finalidade trata dos fins objetivos e subjetivos, em geral pautados pelo bem comum e desenvolvimento da personalidade humana. A doutrina ainda cita o poder como um elemento essencial do Estado, sendo este um poder dominante, seja originário, quando imposto pelas leis, e também irresistível, ao impor seu mando de modo incondicional. Ademais, ele também se manifesta como poder jurídico, em que o Estado se funda como uma realidade normativa, atuando como poder de império, com o estabelecimento de condutas como dever jurídico. Em síntese, o conceito de Dallari (2016) estabelece o “Estado como a ordem jurídica soberana que tem por fim o bem comum de um povo situado em determinado território”. O exercício do poder estatal demanda sua noção como uma pessoa jurídica, titular de direitos e obrigação, cuja força se impõe de forma organizada, visando à realização de seus fins. “Como sociedade política, voltada para fins políticos, o Estado participa da natureza política, que convive com a jurídica, influenciando-a e sendo por ela influenciada, devendo, portanto, exercer um poder político” (Dallari, 2016, p.128). No caso, o poder político é o poder social, influenciando os comportamentos dos sujeitos, incluindo-se a conjunção de interesses individuais e coletivos. Para tanto, em contrariedade aos poderes absolutistas monárquicos do Estado moderno, estabelece-se a consolidação do poder social como governo do povo, falando-se assim no chamado Estado democrático. Os principais marcos históricos dessa transição foram as Revoluções Inglesa (1688), Americana (1776) e Francesa (1789), esta última com o famoso lema Liberdade, igualdade e fraternidade. Em linhas gerais, podem-se citar como premissas fundamentais das exigências democráticas a supremacia da vontade popular, preservação da liberdade e igualdade de direitos. A compilação desses princípios fica evidente 7 com a formalização por meio de constituições, que se fundam como lei fundamental do Estado. Não se pode deixar de citar, ao se falar do que se classifica como Estado constitucional, a teoria da separação dos poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), como um dos pilares para o equilíbrio do poder estatal, comumente chamado de sistema de freios e contrapesos. Ainda no assunto, a ampliação do constitucionalismo pelo Ocidente tornou o Estado constitucional um paradigma universal, compreendido também como um Estado de direito, que ao longo da história reuniu-se nos modelos de Estado Constitucional Liberal (Estado Liberal de Direito), Estado Constitucional Social (Estado Social de Direito) e Estado Democrático de Direito (Sarlet, 2019). Por último, as formas de Estado versam sobre a organização interna em termos de divisões políticas, podendo-se falar em Estado unitário, com concentração de força em um poder central, e Estado federal, com múltiplos poderes políticos, cujas divisões de competências se estabelecem na Constituição. Pela doutrina, tais formações federais podem derivar de um movimento centrípeto (de fora para dentro), quando Estados antes soberanos se unem (exemplo norte-americano), ou de um movimento centrífugo (de dentro para fora), quando há uma fragmentação do poder central uno em diversas unidades (exemplo brasileiro). TEMA 3 – GOVERNO, ADMINISTRAÇÃO E GESTÃO PÚBLICA Como visto, a soberania é um dos elementos essenciais do Estado, o qual se manifesta pela concepção de poder, em especial por intermédio da coerção (em geral, jurídica) para imposição das normas de conduta interna, denominando-se como poder jurídico mais alto (Dallari, 2016). No Estado Democrático de Direito, sendo esse poder exercido pelo poder social, nominado como governo do povo, são necessários os mecanismos democráticos que permitam a participação de todos, os quais podem ser realizados de modo direto, semidireto, participativo e representativo. Destaque-se, entre estes, o modo representativo, exercido por meio de pessoas eleitas (mandato) para exercerem a vontade popular em nome de todos. A toda essa organização para o exercício da soberania estatal se demanda o estabelecimento de um denominado governo. 8 As formas de governo decorrem de fatores históricos e estruturas políticas, sendo mais classificados, conforme Montesquieu (1996), nas espécies como republicano, monárquico e despótico, dizendo: (...) a natureza do governo republicano é que, nele, o povo em conjunto, ou certas famílias, possuem o poder soberano; a do governo monárquico, que o príncipe nele possui o poder soberano, mas exerce- o segundo leis estabelecidas; a do governo despótico, que um só nesse governa segundo suas vontades e seus caprichos. Quanto ao governo, ainda, classifica-se o seu sistema de representação como parlamentarista (distinção entre o chefe de Estado e chefe de governo – este escolhido pelo Parlamento e chamado de primeiro-ministro) ou presidencialista (unificando-se o presidente como chefe de governo e de Estado), com inúmeras características de cada um que os distinguem na prática. Pois bem, enraizados todos os pontos sobre os elementos e as classificações estatais, têm-se no Estado o espaço para o exercício da cidadania pelos cidadãos, cabendo ao governo (no sentido formal, como conjunto de órgãos e poderes) a busca das finalidades estatais, em geral fixadas como bem- estar, segurança e justiça, como desdobramentos do objetivo maior de realização do bem comum (Matias-Pereira, 2014). Para tanto, implicam-se aos governos (como dirigentes da esfera política, advinda da representação democrática) o planejamento e as diretrizes para consecução de políticas e serviços públicos, com enfoque na garantia e no exercício de direitos individuais e coletivos – muitos deles fundamentais, conforme assim classificados constitucionalmente. Nisto, estabelece-se o entendimento sobre a administração pública, como “conjunto das atividades diretamente destinadas à execução concreta das tarefas ou incumbências consideradas de interesse público ou comum, numa coletividade ou numa organização estatal” (Bobbio, 1998, p.10). Também, administração pública, no conceito de Matias-Pereira (2014), versa sobre o (...) conjunto de serviços e entidades incumbidos de concretizar as atividades administrativas, ou seja, da execução das decisões políticas e legislativas. Assim, a administração pública tem como propósito a gestão de bens e interesses qualificados da comunidade no âmbito dos três níveis de governo: federal, estadual ou municipal, segundo preceitos de direito e da moral, visando ao bem comum.Ainda, Di Pietro (2020) conceitua administração pública nos sentidos subjetivo e objetivo, nas seguintes linhas: 9 a) em sentido subjetivo, formal ou orgânico, ela designa os entes que exercem a atividade administrativa; compreende pessoas jurídicas, órgãos e agentes públicos incumbidos de exercer uma das funções em que se triparte a atividade estatal: a função administrativa; b) em sentido objetivo, material ou funcional, ela designa a natureza da atividade exercida pelos referidos entes; nesse sentido, a administração pública é a própria função administrativa que incumbe, predominantemente, ao Poder Executivo. Adiante, se a administração pública abrange toda a atividade e função administrativa e respectivos órgãos e entidades que realizam o propósito estatal com vistas ao bem comum, a plena execução das tarefas pelos gestores e servidores públicos fica no encargo da disciplina de gestão pública, como subdisciplina da administração pública. Assim, a “gestão pública é o planejamento, a organização, a direção e o controle dos bens e interesses públicos, agindo de acordo com os princípios administrativos, visando ao bem comum por meio de seus modelos delimitados no tempo e no espaço” (Santos, 2014). Por último, é importante trazer, objetivando uma visualização prática, algumas distinções entre a gestão pública (abrangendo assim a própria administração pública) e a gestão privada, em face de prerrogativas e sujeições específicas do regime jurídico administrativo que tipificam o direito administrativo, que diferencia a administração pública (Di Pietro, 2020): Quadro 1 – Gestão pública versus gestão privada GESTÃO PÚBLICA GESTÃO PRIVADA ASPECTO POLÍTICO Funcionamento e resultados, bons ou maus, têm impacto político. O processo decisório sofre fortes ingerências políticas. Há autonomia decisória. O impacto político é menor. ASPECTO ECONÔMICO Orientada para o bem-estar social. Output em grande parte não mensurável. Organizações não competitivas no mercado. Rentabilidade dispensável (custo/benefício). Orientada para o lucro. Output mensurável. Organização competitiva. Rentabilidade vital para o crescimento e a sobrevivência. ASPECTO ORGANIZACIONAL Muito afetada e/ou dirigida por forças externas. Objetivos econômicos e sociais. Alto grau de interdependência entre as organizações. Tem controle mais amplo sobre ela mesma. Objetivos predominantemente 10 Órgãos com funções múltiplas e concomitantes. Carência de bancos de dados. Gerência com grande rotatividade. Gerentes não assumem riscos próprios. econômicos. Maior autonomia em relação a outras organizações. Órgãos com funcionalidade específica e bem discriminada. Existência frequente de bancos de dados. Gerências mais estáveis. Há riscos de emprego de capital se houver insucesso. Para o funcionamento do setor público, outros aspectos relativos à gestão de pessoas (admissão, demissão, número, remuneração etc.), compras e contratações, obtenção de recursos financeiros etc. têm leis específicas. Fonte: Freitas,1980, citado por Santos, 2014. TEMA 4 – ORGANIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA BRASILEIRA: ADMINISTRAÇÃO DIRETA Analisando a administração pública brasileira pelo sentido orgânico, esta se organiza, com base no art. 37 da Constituição Federal, em administração direta (órgãos dos três poderes) e indireta (entidades com personalidade jurídica de direito público ou privado), mais bem visualizadas pelo Quadro 2: Quadro 2 – Administração direta e indireta Administração Direta Órgãos da Presidência da República do Poder Executivo (ministérios) dos poderes Legislativo, Judiciário e do MPU Conselhos diversos Administração Indireta Entidades Autarquias Fundações Empresas públicas Sociedade de economia mista 11 Consórcios constituídos como associação pública Fonte: Paludo, 2024. Analisando em primeiro plano a organização da administração direta, observa-se sua estruturação em órgãos, como “unidade que congrega atribuições exercidas pelos agentes públicos que o integram com o objetivo de expressar a vontade do Estado” (Di Pietro, 2020). Primeiramente encabeça a lista o chefe do Poder Executivo (presidente da República no âmbito federal – este chefe de Estado e de governo; governador no âmbito estadual e prefeito no âmbito municipal). Em específico do presidente, o art. 84 detalha em 28 incisos as competências privativas deste, com destaque para a organização e o funcionamento da administração pública federal e a iniciativa legislativa para criação e extinção de órgãos públicos. Adiante, estão os ministérios (âmbito federal), que a própria redação constitucional define como atribuição de auxílio ao presidente, com coordenação de área específica atribuída (ex.: educação, saúde, segurança), aos quais cabe também a expedição das devidas instruções sobre o tema designado, conforme normas superiores; a definição está no art. 87 da Constituição Federal. Para as esferas estaduais e municipais, atribui-se o nome de secretarias, com funções semelhantes ao federal. No mais, estão também os demais poderes Legislativo e Judiciário, como partes da administração direta, cada qual com as respectivas funções típicas, mas sem prejuízo, também, da prática de funções atípicas, assim como aplicável para o Poder Executivo. Vejamos no Quadro 3: Quadro 3 – Função típica e atípica dos poderes Função típica Função atípica Executivo Atos de administração Execução das leis Chefia de Estado e governo Instruções e organização internas Medida provisória Julgamentos administrativos (ex. tributário) Legislativo Elaboração de leis Fiscalização do Executivo Instruções e organização internas Julgamento do presidente da República (crimes de responsabilidade) 12 Judiciário Função jurisdicional Solução de conflitos normativos Instruções e organização internas Fonte: Oliveira, 2024. Ademais, vale citar que o Ministério Público (da União – MPU ou dos estados) é uma instituição que goza de independência e autonomias específicas para o exercício da defesa da ordem jurídica (art. 127 da Constituição Federal), sendo controversa a sua atribuição como vinculado ao Poder Executivo. Do mesmo modo, os Tribunais de Contas (da União – TCU ou dos estados ou municípios) também são órgãos independentes, embora não se trate de um “quarto poder”, cujas atribuições de auxílio ao Legislativo para o julgamento das contas públicas não os colocam em posição de subordinação. TEMA 5 – ORGANIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA BRASILEIRA: ADMINISTRAÇÃO INDIRETA A existência da administração indireta se pauta no conceito de descentralização (que não se confunde com desconcentração – ditribuição interna de competências). “A descentralização por serviços, funcional ou técnica é a que se verifica quando o Poder Público (União, estados ou municípios) cria uma pessoa jurídica de direito público ou privado e a ela atribui a titularidade e a execução de determinado serviço público” (Di Pietro, 2020). No caso, a descentralização prescinde da existência de personalidade jurídica da entidade, capacidade de autoadministração, patrimônio próprio, capacidade específica (especialidade) e sujeição ao controle e tutela nos termos da lei (Di Pietro, 2020). Ainda, “a autonomia concedida às entidades da administração indireta é administrativa e diferente da autonomia política concedida a União, estados, DF e municípios” (Paludo, 2024). As entidades da administração indireta se dividem em autarquias, fundações (instituídas pelo poder público), empresas públicas, sociedades de economia mista e consórcios públicos. As autarquias (pessoas jurídicas de direito público) são criadas por lei específica e com patrimônio e receitas próprios, atuando como continuição da administração direta.As atividades envolvem prestação de serviços públicos, estes típicos de Estado, atuando com autonomia administrativa e financeira. Nas 13 palavras de Paludo (2024), “as autarquias correspondem a uma especialização da administração pública”. As fundações públicas (pessoas jurídicas de direito público ou privado) são autorizadas por lei específica, criadas por decreto do Executivo (exceção para criação direta por lei), e com patrimônio próprio (total ou parcial público), atuando em atividades sociais de interesse público (educação, saúde etc.). Seus recursos advêm da União e outras fontes, atuando com autonomia administrativa. Di Pietro (2020) diz que “quando tem personalidade pública, o seu regime jurídico é idêntico ao das autarquias, sendo, por isso mesmo, chamada de autarquia fundacional”. As empresas públicas (pessoas jurídicas de direito privado) são autorizadas por lei específica, criadas por decreto do Executivo, com capital social público, integralmente do respectivo ente federativo que as instituiu. Seus fins visam à exploração de atividade econômica, “quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo” (art. 173 da Constituição Federal), podendo adotar diversas formas societárias, mas preferencialmente como sociedade anônima. As sociedades de economia mista (pessoas jurídicas de direito privado) são autorizadas por lei específica, criadas por decreto do Executivo, com capital social público e privado, com ações majoritárias do Estado (respectivo ente federativo que as instituiu). A maior parte visa à exploração de atividade econômica (nos mesmos termos do art. 173 da Constituição Federal), adotando- se apenas a forma de sociedade anônima. Figura 4 – Diferenças entre EP e SEM que exploram atividade econômica e que prestam serviços públicos Principais diferenças – quanto à finalidade EP e SEM que exploram atividade econômica Predomina o regime de direito privado Não há privilégios fiscais diferenciados Não têm imunidade recíproca Não sujeitas à responsabilidade civil objetiva EP e SEM Predomina o regime de direito público 14 que prestam serviços públicos Podem ter privilégios fiscais exclusivos Podem ter imunidade recíproca Sujeitas à responsabilidade civil objetiva Fonte: Paludo, 2024. Por fim, os consórcios públicos (pessoas jurídicas de direito público – associação pública - ou privado – associação civil) são disciplinados na Lei n.11.107/2005, com a finalidade de “gestão associada de serviços públicos prevista no art. 241 da Constituição” (Di Pietro, 2020). “Para o Decreto n.6.017/2007, trata-se de pessoa jurídica formada exclusivamente por entes da Federação para estabelecer relações de cooperação federativa, inclusive a realização de objetivos de interesse comum” (Paludo, 2024). NA PRÁTICA Conhecer a formação e a estrutura do Estado e da administração pública é fundamental para o bom exercício da cidadania. Em um contexto democrático, a participação popular direta e indireta auxilia na formulação de políticas públicas. Como visto, para além dos elementos do Estado como soberania, povo e território, os ensinos de Dallari (2016) tornam a finalidade elemento importante, já que a existência do Estado serve, sobretudo, para o atendimento do bem comum. Assim, é importante o entendimento prático de que o governo, enquanto detentor do poder político que define as diretrizes estatais, deve ser criteriosamente escolhido, sendo as eleições o principal momento de representação do poder social. Ao se definir quem exercerá o governo, seja em qualquer esfera (federal, estadual e municipal), abarca-se uma determinada agenda de políticas públicas. Por sua vez, as propostas de governo não podem ser simplesmente avaliadas pelos seus benefícios, mas devem também ser vistas por suas viabilidades. Ao se olhar apenas para as benesses, corre-se o risco de se criarem expectativas irreais, que jamais poderão ser atendidas. No caso, a administração pública, enquanto executora dos objetivos estatais, precisa abranger inúmeras tarefas para o seu pleno funcionamento, viabilizando a 15 continuidade de inúmeros serviços públicos. Logo, para recursos finitos, possibilidades finitas. FINALIZANDO Nesta abordagem, trabalhamos os conceitos principais para o conhecimento da administração pública, que prescinde do entendimento da formação e estrutura do Estado. Tudo parte da sociedade, como manifestações de conjunto ordenadas, com finalidade ou valor social e com poder social. No caso, há um consentimento dos sujeitos visando à preservação da ordem e promoção de interesses comuns. A inter-relação de interesses classifica o agrupamento como sociedade política, na busca de condições para a implementação do bem comum. Esta é a base para que essa conjunção de fatores se denomine como Estado. O entendimento sobre a existência fática do Estado se substancia na presença de alguns elementos, como soberania, território, povo e finalidade (bem comum). Ainda, entende-se como primordial (para manutenção do Estado) o poder, o qual, ao se fundar nas leis (em sentido geral), chama-se de poder jurídico. Do poder social, pautado no governo do povo, se denomina o Estado democrático, que, ao se fundar na Constituição (lei fundamental), estabelece o Estado Democrático de Direito, sendo no Brasil estruturado na forma de federação. Como elemento intrínseco do exercício da soberania está o governo, responsável pela realização das medidas de interesse comum, entre elas bem- estar, segurança e justiça, realizado pelo conjunto de atividades, serviços e órgãos classificados como administração pública. Já o estudo da parte gerencial da administração pública se dá na disciplina de gestão pública, que se diferencia em muitos pontos da gestão privada. Finalmente, a organização da administração pública brasileira se dá pela esfera da administração direta, abrangendo os diversos órgãos da União, estados e municípios, nos âmbitos dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Já a administração indireta se pauta na ideia de descentralização, seja como extensão da administração direta ou pela exploração de atividades econômicas; abrangem-se assim as autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista e os consórcios públicos. 16 REFERÊNCIAS ARISTÓTELES. Política. Tradução de Mário da Gama Kury. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1985. BOBBIO, N. Dicionário de política I. Tradução de Carmen C. Varriale. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1998. BONAVIDES, P. Teoria geral do estado. 8. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2010. CHIAVENATO, I. Introdução à teoria geral da administração: uma visão abrangente da moderna administração das organizações. 7. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Elsevier, 2003. DALLARI, D. A. Elementos da teoria geral do Estado. 33 ed. São Paulo: Saraiva, 2016. DI PIETRO, M. S. Z. Direito administrativo. 33 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020. MATIAS-PEREIRA, J. Curso de administração pública: foco nas instituições e ações governamentais. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2014. MONTESQUIEU. O espírito das leis. Tradução de Cristina Murachco. São Paulo: Martins Fontes, 1996. PALUDO, A. Administração pública. 11. ed., rev., atual e ampl. São Paulo: Editora JusPodivm, 2024. SANTOS, C. S. Introdução à gestão pública. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. SARLET, I. W. Curso de direito constitucional. 8.ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019.