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Humanística Sociologia Jurídica e Filosofia do Direito EMERJ

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EMERJ – CP VI								 Matérias Humanísticas
Tema I
Cidadania, cultura cívica e desigualdade sócio-econômica. Sociabilidade e juridificação das relações sociais. Relações entre os poderes e judicialização da política
Notas de Aula�
A sociologia do direito passou no século passado a ser encarada somente sob o ponto de vista jurídico, negando a própria fonte científica que lhe originou. No entanto, nas últimas duas décadas, a doutrina reverteu essa situação. Passou a analisar a sociologia do direito sob o aspecto das ciências sociais, isso porque a sociologia do direito, em sua essência, é autônoma ao campo do direito. Por isso, não se deve falar mais no termo sociologia jurídica. O tema está no campo das ciências sociais.
Neste ramo das ciências sociais, um fenômeno novo no mundo ocidental passou a ser estudado com bastante dedicação: a judicialização da política, da vida social. É um fenômeno que se verifica presente nas variadas democracias contemporâneas e que decorre de mutações nas estruturas sociais e políticas dos Estados. No Brasil, hoje essa discussão acerca da judicialização está deveras difundida, porém somente passou a ser estudada e compreendida após o início da década de 90. Antes, nem mesmo a palavra judicialização existia no vocabulário das ciências sociais. Fato marcante é que aqui ocorreu um caso de forte judicialização.
Veja que hoje é comum no Brasil a presença, a atuação dos Tribunais Superiores na vida pública, nas questões mais relevantes do país. O Judiciário foi alçado a um papel protagonista na vida pública do Brasil. A questão é entender os motivos, as razões e os fundamentos desse processo de judicialização.
Sobre a matéria, vale como indicação bibliográfica inicial os trabalhos de Mauro Cappelletti, em especial, os livros Juízes legisladores? e Acesso à Justiça. Esses dois livros são importantes porque trazem um diagnóstico justamente a respeito das mutações que vem ocorrendo no âmbito das democracias constitucionais ocidentais. São mudanças que trouxeram a ideia do terceiro gigante. Segundo Cappelletti, se o século XIX foi marcado pela predominância do Poder Legislativo, se o século XX foi do Poder Executivo (Welfare State), o século XXI será do Poder Judiciário. Está ocorrendo um fenômeno de transferência de autoridade e poder, inclusive político, dos demais Poderes para o Judiciário.
Cappelletti analisa o processo de judicialização levando em consideração duas dimensões. A primeira situa-se no plano institucional entre os Poderes, quando, após a Segunda-Guerra Mundial, surgem os constitucionalismos democráticos que prevêem a instituição de Tribunais Constitucionais com a finalidade de interpretar o direito e proteger os direitos individuais fundamentais. Põe-se fim ao malfadado juspositivismo, até então vigente, e surge um pós-positivismo, no qual o Judiciário tem como atribuição produzir, criar, complementar a noção de direito.
Até mesmo na França, onde em 1789 o legislador ganhou forte afirmação e a função do Judiciário ficou bastante restrita, há hoje um tribunal constitucional com a tarefa de interpretar as leis.
No livro Juízes Legisladores? Cappelletti faz uma reflexão importante segundo a qual o Welfare State cria uma administração pública muito complexa que faz com que o Legislativo perca a capacidade de controlar o Executivo, razão pela qual o próprio Legislativo vai abrir passagem para permitir que o Judiciário complemente a lei, de forma a quase institucionalizar a atuação do Juiz como um dos criadores do direito. É daí que começa a surgir o fenômeno da jurisprudência forte nos países que adotam o civil law. 
Como síntese, verifica-se que no Welfare State, o aparato público passa a ser fornecedor das políticas públicas sociais (saúde, educação, previdência etc). Com a crise e falência do Welfare State, associadas a transformações na lógica de funcionamento do capitalismo, o legislador permite que o Judiciário corrija, com sua atuação as falhas desse sistema. Ainda, no contexto do pós-guerra, surge o constitucionalismo democrático com uma noção de Constituição viva, dinâmica que garante ao Judiciário a atuação na interpretação do direito.
Veja que não se trata de ativismo judicial. Não é o Judiciário que toma para si as funções e atribuições do Legislativo. O fenômeno da judicialização decorre de um incentivo do legislador que sente a necessidade de chamar o Judiciário na tarefa de controlar o Poder Executivo.
Como consequência desse fenômeno, faz-se fundamental repensar o conceito de democracia, bem como de soberania. Os doutrinadores já vem tentando relativar a noção de democracia. De forma sintética, tentam conciliar o conceito de democracia de Rousseau, John Locke e Montesquieu.
Segundo Rousseau, democracia é regime de governo no qual prevalece a vontade da maioria. É Estado em que a maioria governa. Não permite a idéia do Judiciário considerar inconstitucional a produção legislativa, pois esta representa a vontade máxima de um povo. Os doutrinadores liberais, dentre eles, Alex de Tocqueville, fizeram críticas ferrenhas ao modelo rousseauniano, alertando para o risco da tirania da maioria, cuja maior expressão se deu com o modelo nazi-fascista, na primeira metade do século XX.
Para John Locke, democracia é regime de governo no qual a autoridade constituída goza de um consentimento dos governados, motivo pelo qual deve respeitar o direito natural do ser humano, de vida, liberdade e propriedade. A sociedade política existe por conta de um contrato entre os indivíduos, porém cabe ao Estado assegurar a lei natural. Também defende a democracia como regime de governo pela maioria e com a existência do Legislativo e Judiciário separados.
Já Montesquieu, entende a democracia como regime de governo atrelado ao conceito de república. Defende a existência dos três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) e critica a democracia pura e simples por não garantir uma efetiva igualdade entre os governados.
A atual doutrina se atém ao questionamento de como compatibilizar a vontade da maioria com a proteção das minorias. Veja que o Parlamento é, em regra, uma instituição que defende a vontade da maioria, logo, dificilmente irá refletir a vontade da minoria. Nos constitucionalismos democráticos coube às Constituições a defesa dos interesses das minorias, com fundamento em um diálogo entre as idéias de Rousseau e Locke. O mesmo diálogo que inspirou a tradição liberal americana de conciliar a ideia de democracia com os direitos e liberdades individuais.
A noção de soberania também mudou. Se complexou. No século XIX, a soberania era encarnada no povo e exercida pelo Legislativo. Esse conceito ainda é válido, porém deve ser mitigado pelos direitos fundamentais contidos na Constituição. Marcel Gouchet traz a seguinte observação: o Parlamento representa a maioria conjuntural, mas a Constituição representa a vontade perpétua de um povo. Essa dicotomia abre espaço para proteção das liberdades. A tentativa é conciliar essa vontade conjuntural com a vontade perpétua contida na Carta Federal, função dada aos Tribunais Constitucionais.
Portanto, não foi por um ativismo judicial que o Judiciário ganhou força. Foi por conta de um fenômeno decorrente da entrega de poder, representatividade aos Juízes. Um modelo no qual a Corte Constitucional vai interpretar o direito através da seguinte premissa: as leis infraconstitucionais tem que respeitar as liberdades contidas na Carta Magna.
A outra dimensão que Capelletti menciona está relacionada com a visão societal em que o Estado é o responsável pelo desenvolvimento empresarial. Como exemplo, tivemos esse modelo no Brasil com o programa de governo de Juscelino Kubitschek entitulado “50 anos em 5”.
A relação desse aspecto societal com o processo de judicialização apontada por Cappelletti é o seguinte: o desenvolvimento empresarial, visão econômica do estudo, que ocorre após a Segunda Guerra, acompanhando ainda o modelo de Welfare State, faz surgir as grandescorporações empresariais. É o que Cappelletti chama de Big Business. Esse desenvolvimento empresarial coloca os indivíduos em uma situação permanente de impotência em face do mercado. A conclusão é que a expansão dos mercados se faz acompanhar por uma crescente demanda de acesso à Justiça.
Houve uma explosão do acesso à Justiça, fato este que logo de início Cappelletti identificou e traduziu em sua obra Acesso á Justiça, demonstrando como os Estados deveriam atuar para garantir as três ondas de acesso ao Judiciário.
Definiu que, na primeira onda, deve o Estado garantir o acesso gratuito à Justiça, permitindo os hipossuficientes se aproximar da tutela jurídica. Na segunda onda, deve o Estado desenvolver meios processuais que protejam os direitos coletivos (representação processual com repercussão política: ação popular, ação civil pública etc). Na terceira onda, o Estado tem a tarefa de trazer celeridade aos processos com a criação de novas instituições, tais como os Juizados Especiais, que também permitem a aproximação do direito ao homem comum – pequenas demandas.
A terceira onda não precisa se restringir necessariamente à criação de instituições judiciais. Podem ser também extrajudiciais: arbitragem, escritório modelo das faculdades etc. No campo extrajudicial, o Brasil ainda não avançou, principalmente pelo fato de que buscou o foco nas instituições judiciais.
Sobre o conceito de soberania complexa de Marcel Gouchet deve-se coadunar as ideias de Pierre Rosanvallon. Este pensador francês traz o conceito de representação funcional, prevista na Constituição, a par da representação política exercida pelo Congresso.
A figura da representação funcional permite dar conta de uma dinâmica nova em que atores, não eleitos pelo povo, podem proteger direitos coletivos. Exemplo: as associações. O exercício da soberania não se dá mais apenas pelo voto, outras formas de participação democrática são asseguradas ao povo: participar de associação que poderá acionar o Judiciário, o qual, por sua vez, nos casos de demandas procedentes, vai tutelar e também representar a vontade da sociedade, inclusive das minorias.
A idéia de orçamento participativo também é instrumento de representação funcional no próprio campo legislativo: acontece quando o Legislativo perde representação e permite a oitiva do povo para definir o orçamento anual. Conselhos comunitários, em geral, são reflexos da representação funcional.
A soberania complexa permite a conclusão de que a soberania e a representatividade de um povo não são mais exercidas exclusivamente pelo voto e posterior atuação do Legislativo. Como vimos, há meios complementares dispostos aos cidadãos.
O fenômeno da judicialização é perceptível até mesmo na produção quantitativa de doutrinas no país. Até final da década de 80, predominava demasiadamente os estudos acerca dos Poderes Legislativos e Executivos. Somente no final da década de 90, é que surge doutrina expressiva sobre o papel do Poder Judiciário no Brasil. Foi quando percebeu-se que, pouco a pouco, a atuação do Supremo Tribunal Federal - STF, principalmente no exercício do controle de constitucionalidade, passou definitivamente a fazer parte da dinâmica política do país.
Exemplo expressivo dessa atuação política do STF se deu com a insistente propositura de Ações Diretas de Inconstitucionalidades pelo Partido dos Trabalhadores, na época do governo do Fernando Henrique Cardoso, como forma de se opor principalmente às decisões políticas tomadas, via medida provisória, por aquele governo. Percentualmente, o êxito do Partido dos Trabalhadores foi pequeno, porém teve grande importância, pois acabou por pressionar o STF a atuar na dinâmica política do país. Passou a ocorrer o que a ciência política chama de “vasos comunicantes”: o Executivo, sabedor de que suas decisões podem ser anuladas pelo Judiciário, começa a atuar de forma mais parcimoniosa.
Reforça-se que o fenômeno não pode ser considerado ativismo judicial, pois na judicialização o Judiciário é chamado pelo Legislativo a complementar as leis, que lhe dá margem à interpretação do direito. Essa atuação política do Judiciário decorre da vontade do legislador e de determinação da própria Constituição Federal.
No caso brasileiro, o fenômeno da judicialização foi bastante forte, principalmente pela existência de um Ministério Público com multiplicidade de atribuições e prerrogativas. O MP se demonstrou como um aliado poderoso nesse processo de judicialização, principalmente por conta de sua estrutura institucional que praticamente lança ao Judiciário a tarefa de decidir questões políticas. Empiricamente, em determinadas áreas, o MP é responsável por até 80% das ações civis públicas propostas. Uma característica que propulsiona a judicialização.
Veja que são as próprias leis e a CRFB/88 que traçam a atuação do MP. É o Parlamento que cria a figura do MP atuante. Alguns críticos vão dizer que esse arquétipo de MP desestimula a atuação da sociedade. Porém, para outros, essa atuação faz parte de um processo democrático mais amplo. Os fatos revelam que a sociedade tem que encarar o MP como um auxiliar de suas lutas e não que essa instituição irá sozinha resolver todos os problemas. A sociedade vem incorporando o MP como uma dimensão de luta, mas também sabe que se limitar-se à atuação do MP nada vai acontecer.
Não se tem um MP em nenhum lugar do mundo com essa estrutura, com essas prerrogativas e atribuições, com a possibilidade inclusive de atuar de ofício.
Portanto, a ideia de soberania complexa (representação do povo não decorre mais exclusivamente do Legislativo, mas também do Judiciário e da própria participação direta da sociedade) serve de forte argumento para afastar as teses de falta de legitimidade do Judiciário para atuar nas políticas públicas. Alguns outros doutrinadores, tais como Ronald Dworkin e Luís Roberto Barroso, também defendem essa idéia de soberania complexa. Veja que o campo das ciências sociais apenas produz interpretações sobre fenômenos que acontecem na realidade. O pensamento jurídico é diferente; ele toma partido, defende uma posição e não apenas observa fatos, mas é plenamente possível se valer de fundamentos das ciências sociais para sustentar teses jurídicas.
O Direito brasileiro é muito Rousseauniano? A tradição da cultura jurídica brasileira tem muito mais a ver com as ideias de Kelsen do que com Rousseau, porém é certo que não existiria Kelsen sem Rousseau. Há um processo de alquimia intelectual que vai se dando no século XIX e que transforma o princípio da vontade geral em algo que legitima a concepção normativista, imperativista do direito. Isso vai dar lugar a uma cultura jurídica muito forte.
No Brasil, tínhamos um Código Civil (1916) extremamente liberal, porém o país também sempre apresentou uma tradição estatal muito forte. Essa tensão, no início do século XX, entre uma matriz liberal e estatal, era resolvida no sentido de garantir ao Judiciário apenas uma atuação para intervir nas questões privadas levadas à Juízo. Fugia ao Judiciário a tarefa de enfrentar as questões sociais, de natureza pública, cuja atuação ficava a cargo dos Poderes Executivos e Legislativos. 
Boaventura de Souza Santos, pensador português, traz uma lição importante acerca da transformação do Estado Liberal em Estado Providência (Welfare State). Ele fala da desneutralização política do Judiciário. Observa que na Europa do início do século passado, enquanto eclodiam intensos levantes sociais, as lutas de classes não chegavam ao Judiciário. Isso porque a atuação do Judiciário era dominada pela ideia do liberalismo, com base em uma igualdade abstrata, sem reconhecer por exemplo a legitimidade dos sindicatos para representar os direitos coletivos de seus filiados.
Porém, a transformação do Estado em providencial promove um processo crescente de materialização dos direitos, principalmente sociais, com abandono da concepção da igualdade abstrata. No Brasil, a partir de 1930 intensificou-se a tradição estatal navida pública e privada. Raimundo Faoro, em suas teses, demonstra como o Brasil vai deixando para traz a visão liberal pura e parte para a concepção de um Estado mais forte. O legado dessa história é a existência de uma tensão muito grande entre uma tradição liberal e uma tradição estatal. Tudo isso, de algum modo, vai ser avivado no debate científico dos anos 70 a 80. Exemplo é a difusão nos anos 70 por José Carlos Barbosa Moreira das idéias de Mauro Cappelletti sobre acesso à Justiça, relacionadas ao Welfare State.
A CRFB/88 tenta conciliar essas duas matrizes: estado liberal e estado forte. De certa forma, nesse processo o direito acabou por aproximar-se do homem comum. Isso não ocorreu somente por um processo político, mas também pelo fato de que a CRFB cria instituições que também vão permitir a aproximação do direito ao homem comum.
O processo de elaboração da CRFB, segundo Adriano Pilates, acadêmico da PUC-RJ, foi capitaneado por políticos mais progressistas, sobrepondo-se aos congressistas conservadores, permitindo assim a criação de uma Carta Magna com um cunho bastante protetivo. Veja que esse modelo de Constituição protetiva não era o defendido pela maioria congressista, porém foi o que prevaleceu, tendo em vista a pressão de associações de classes (OAB, ABI, AMB etc) e condução dos trabalhos por congressistas progressistas. É uma vitória da minoria.
Esse conceito de Constituição, a par das ideias welfarianas, também vai se inspirar no constitucionalismo democrático (pós guerra – pós positivismo): a Constituição deve funcionar como um limite a vontade da maioria; deve proteger os direitos das minorias como forma de evitar a tirania. É uma visão que se opõe a onipotência do legislador e que traz ao Judiciário a tarefa de interpretar a Carta no sentido de proteger a minoria e fazer prevalecer a vontade perpétua de um povo. Trata-se de uma Constituição nitidamente social democrata.
Contudo, a dimensão welfariana é anacrônica a certo ponto, pois foi adotada na CRFB/88 quando o Welfare State, tanto na Europa como nos EUA, dava sinais de crise. Era época em que no mundo ocidental aumentava a concepção do neoliberalismo. 
De qualquer forma, é o reflexo processual do Welfare State no modelo constitucional brasileiro que vai permitir a atuação do Judiciário na vida política, tal como Mauro Cappelletti previu em seus ensaios. Essa é uma concepção que vai de encontro com os próprios interesses dos congressistas conservadores: estariam submetidos agora a um controle muito mais rígido do Judiciário.
Aconteceu no Brasil o mesmo que, segundo Tocqueville, se deu nos EUA em 1789: a aristocracia americana promulgou uma Constituição contrária aos seus interesses pessoais. Diz Tocqueville que a aristocracia americana não foi destruída pela guilhotina tal como na França e sim por um conjunto de leis que gradualmente a fez desaparecer. Mutatis mutandis, podemos pensar que nossa Constituição também foi idealizada por uma minoria intelectual elitizada que dispôs contrariamente aos interesses conservadores.
Indo de encontro com essa posição welfariana estabelecida na CRFB/88, a população elege em 1989 Fernando Collor para Presidente, o qual afirma categoricamente a adoção de uma política econômica neoliberal, abrindo as portas do Brasil para o mercado mundial. Veja que novamente há uma nítida tensão entre modelo welfariano, previsto na CRFB e que fortalece a atuação do Judiciário, e as práticas de uma política econômica neoliberal. Uma tensão permanente entre a vontade perpétua e vontade conjuntural de um povo.
O pensamento neoliberal inclusive defende a ideia de mercantilização da política: a transformação da política em um jogo no qual o que vale é o dinheiro. Coube às instituições do direito limitar esse fenômeno de mercantilização da política. O maior exemplo é a previsão constitucional de uma Justiça Eleitoral, algo raro no mundo. No Brasil, é a Justiça que define, limita e corrige a atuação dos partidos políticos. A princípio, essa regulação caberia somente aos próprios partidos, porém o modelo welfariano adotado impõe a atuação do Judiciário na tarefa de limitar a mercantilização da política.
Mais tarde, o Congresso passou a discutir a necessidade de edição de Emenda Constitucional para reformar o Poder Judiciário, pois a elite congressista e conservadora se deu conta do tiro no pé que tinha dado. Estavam incomodados com a força do Judiciário. O questionamento culmina na edição da Emenda Constitucional n.º 45/2004 que prevê a figura do Conselho Nacional de Justiça – CNJ.
Um limite encontrado pelo próprio Judiciário para evitar que o fenômeno da judicialização descambe para o ativismo jurídico é o conceito de direitos programáticos (conceito jurisprudencial e doutrinário). Relativiza a efetividade imediata dos direitos fundamentais, principalmente os direitos sociais. Exemplo: moradia é direito social assegurado pela CRFB, porém é inviável imaginar que o Governo tem o dever imediato de assegurar casa a todos indivíduos.
Há uma visão também mais procedimentalista da Constituição: permite que o direito gradualmente faça parte da vida do homem comum. Trata-se de uma mudança da própria subjetividade do homem comum. Ele passa a se encarar como sujeito de direitos (cidadão) e não mais dependente de favores do Governo. Renato Lessa, cientista político, chama esse processo de decantação constitucional do direito (aproximação do direito ao homem comum).
Essa leitura da Constituição de 1988 aponta para consequências profundas que eram pouco perceptíveis nos anos 90, dentre elas, a dimensão programática dos direitos. O que parece mais indelével é que a CRFB trouxe a aproximação do direito à sociedade. O Direito deixa de ser a linguagem unicamente do Estado e passa a ser a linguagem do povo. O Judiciário, o advogado, o MP têm papel fundamental nesta tarefa, pois têm que interpretar o direito sob a linguagem do povo. 
A Constituição passa a ser um instrumento de defesa do cidadão contra o Estado e contra o mercado. O Judiciário, de guardião dos interesses do Estado, dotado de uma racionalidade hegeliana�, acima da sociedade, passa gradualmente a ser o guardião da sociedade contra o Estado e contra o mercado. Veja que o STF, ao julgar ADI`s, por vezes, homogeniza a Administração Pública.
Porém, o fenômeno da judicialização também traz riscos. Jürgen Habermas, no livro Faticidade e Validade entre Direito e Democracia, traz conclusão importante. Diz que esse caminho coloca em risco a democracia, uma vez que a construção de um conceito de vontade geral é aquele que surge do debate (que não necessariamente represente a vontade da maioria rousseauniana, pois há minorias a serem defendidas) e não de uma visão estrita do Judiciário acerca das questões políticas, da vida social. É preciso criar espaço de discussão e debate público, pois é por falta de vida associativa e da existência de autoridades societais que a sociedade se vale do Judiciário.
Ressalta que a atuação do Judiciário pode tornar o conceito de vontade política da sociedade restrita à visão do próprio Judiciário. O doutrinador alemão, defende que a tarefa de levar o direito ao povo, ao homem comum não necessariamente precisa da atuação jurisdicional. A sociedade tem que ser capaz de se estruturar e resolver os seus problemas mais corriqueiros, discutindo o direito sem levar a questão ao Juiz. As pessoas tem que apresentar suas razões, argumentar, debater antes de se valer do Judiciário, para evitar um excesso de judicialização. Exemplo de excesso é o que se deu com os Juizados Especiais. A princípio, faziam parte de instrumentalização da terceira onda de acesso à Justiça, porém descambaram para o excesso de demandas.
Antoine Garapon observa que a máxima das sociedades ocidentais no século XX foi a afirmação da igualdade e a busca da liberdade, fato que culminou em um individualismo exacerbado nas décadas de 60 e 70, cuja principal consequência foi o obscurecimento da ideia de autoridade societal (figura dos pais,professores etc). A juventude se desprendeu daqueles que tinham o poder de impor limites. Por conta disso, hoje falta aquele que vai servir de referência para conduzir os debates, as discussões. Falta a autoridade societal para conciliar as partes, antes da utilização do Judiciário.
Philippe Nonet e Philip Selznick desenvolveram recente trabalho no qual defendem a tese de que a história do direito ocidental pode ser contada, cronologicamente, em três partes: o direito repressivo, o direito autônomo e o direito responsivo. O conceito de Juízes responsáveis surge no terceiro momento: direito responsivo, com uma concepção de Justiça que seja capaz de dar resposta efetiva aos pleitos.
O modelo brasileiro de certa forma minimiza bastante as hipóteses de responsabilidade dos Juízes, uma vez que tem um direito processual pautado na pluralidade de instâncias revisoras. Mas, veja que a reforma do Código de Processo Civil pretende enxugar a quantidade de recursos buscando a valorização do Juiz singular de 1ª instância. De qualquer forma quem tem a tarefa de controlá-lo? Das instituições hoje existentes, o CNJ é a que apresenta a melhor estrutura para desempenhar esse papel.
Como conclusão geral, a lição principal que se pode tirar é de que, como visto, hoje o Judiciário, constitucionalmente, não tem mais uma função de defesa dos interesses do Estado e sim dos interesses dos cidadãos.
Tema II
Estado, cidadania e massificação do acesso à Justiça. Controle social e democratização da administração judiciária. Controle político e administrativo da gestão judiciária. Descentralização, eficiência e inovação administrativa.
Notas de Aula�
1. Contexto Histórico:
Para definir o conceito atual de Estado faz-se necessário buscar no âmbito da era moderna as origens históricas que versam sobre o Capitalismo. O processo que permitiu o surgimento do capitalismo no mundo foi a acumulação primitiva de capitais, a qual pode ser conceituada como toda acumulação feita com o ser humano sendo coisificado. Trata-se de processo de multiplicação de riqueza que tem início lá em meados do século XVII com a Revolução Industrial Inglesa.
Veja que no mundo, até a Revolução Industrial, vigia o Estado Absolutista. Dificilmente existia o instituto do salário. Por isso, até então não havia acumulação de capital, pelo qual era possível obter mais valia: lucro. Quando tem início a era moderna (difusão do pensamento liberal), também começa-se a fase da macnofatura e um consequente processo de substituição da mão de obra do homem pela máquina. Surge o problema do desemprego.
Esse problema se acentua quando nas primeiras décadas do século XX tem início uma segunda revolução industrial por conta do processo de manumecanissismo. A industria começava um novo período chamado pela doutrina de “breve século XX”. Intensifica-se a substituição da mão de obra pelas mãos mecânicas. Começa a aparecer a figura do cérebro de obras (mão de obra qualificada).
Acrescenta-se a esse processo o fato de que o mundo capitalista em 1870 já tinha passado pela sua primeira grande crise. Posteriormente, em 1929 veio a crise derradeira. Era a crise do Liberalismo Econômico com os fenômenos da estagflação (estagnação econômica + inflação) e da superprodução.
Veja que, nesse momento, a noção de cidadania já estava intimamente relacionada com o emprego, o trabalho, a mão de obra. É pelo trabalho que o homem aufere salário, renda e consegue se posicionar na sociedade, se encarar como sujeito de direitos.
Diante desse panorama, era o Estado que tinha a tarefa de reagir e impedir o excesso de desemprego. A visão filosófica vigente na época ainda era o Cartesianismo. As teses de René Decartes�, de certo modo, conseguiram perdurar desde o Iluminismo até as últimas décadas do século XX. Com base no pensamento cartesiano, diante da crise, haveria uma solução a ser encontrada na previsibilidade e nos fatos.
Como solução, John Maynard Keynes, economista americano, postula em 1932 a ideia do Estado Providência (Welfare State), Estado Regulacionista. Trata-se do dirigismo econômico. Estado Ditatorial. É a fase do keynesianismo.
Nesta época, passou a viger o império da lei. A forma do Estado regular o mercado, a vida, a sociedade era através da lei. A produção legislativa era o instrumento de atuação do Estado. Acontece que muitas das vezes o império da lei transmudava-se para a lei do império: nazismo, fascismo.
De qualquer forma, nessa época foram postas as premissas do Welfare State que perduraram até a década de 80, quando se iniciou a Revolução Tecnológica, a qual trouxe o conceito de infomotricidade: a capacidade de se locomover sem sair do lugar. Além disso permitiu o trânsito de mensagens eletrônicas (ubiquidade).
É quando começa a surgir um conflito entre a razão concreta (cartesianismo) e o recente conceito de razão sensível (holística). Razão concreta é o tudo, o aspecto local dos fatos. Já a razão holística é o todo, a noção global dos acontecimentos. A primeira é marcada pela previsibilidade. A segunda leva em consideração aspectos subjetivos, volitivos como a intenção. Exemplo: podemos valorar a prova no processo judicial com uma razão concreta ou com uma razão sensível. O fato é que o pensamento não podia mais ser puramente cartesiano.
Tudo isso acontece quando o Capitalismo também está mudando para adotar o conceito de acumulação flexível de capital: bolsas eletrônica, dinheiro virtual. É o neocapitalismo que tem como consequênciais o enfraquecimento dos sindicatos, o corte de gastos sociais, o distanciamento entre classes. É o momento em que a natureza artificial imita a natureza natural.
Posto isso, pode-se entender melhor o conceito, a forma, a origem e as funções do Estado de acordo com as teses desenvolvidas nos últimos séculos.
2. Conceito de Estado:
Para MacIver e Page (1849), o Estado se distingue de todas as associações para seu exclusivo poder final de coerção. Para Max Weber (1864-1920), o Estado é fixado em termos de meios estatais e o uso da força física. Vai falar em sociedade paralela, paraeconomicidade: lógica econômica. O conceito será melhor detalhado quando, a frente, analisarmos as diferenças entre Estado, Governo e aparelho estatal.
3. Formas e origens do Estado:
Para Ginsberg o Estado existe em todas as comunidades em que a proteção dos membros e o estabelecimento de normas comuns são funções de um sistema de órgãos diferenciados. Quando as normas não são impostas pela ação coletiva, confiadas a proteção dos indivíduos, às famílias, a líderes que não possuam autoridade definida, não são Estados. 
Kaplan define o Estado como um grupo territorial soberano que serve-se de 4 elementos: povo, território, governo e independência. Conceito que foi mais aprofundado no campo da Teoria Geral do Estado e que foge ao tema da aula.
Esses dois pensadores tem em comum o fato de não suscitarem certas questões filosóficas como: por que o Estado existe? por que devemos obedecer ao Estado? que fundamentos justificam o Estado?
Para Ballard, na concepção sociológica, o Estado é a instituição que organiza a vontade de um povo, politicamente constituído. No que diz respeito a seus interesses coletivos, introduz a noção de que o poder coercitivo está relacionado à vontade popular e, que o povo possui interesses comuns. O Estado lida com muitos interesses gerais e as outras associações concentram-se em poucos interesses especiais. Para ele, governo é o mecanismo pelo qual agem os Estados e mantém o poder, sendo a estrutura pela qual a atividade é definida e regulada. Tem-se início a problematização do conceito.
4. Funções do Estado:
Wilson e Kolb dizem que o Estado tem como função básica manter a ordem social. Afirmam ser parte da sociedade e não sua totalidade. Hiller define que o objetivo do Estado é a promoção do bem-estar geral e manter a ordem social (Welfare State).
Sorokin define que o Estado serve de uma espécie de “câmara de compensação” para as “relações epressões mútuas” de todos os grupos de uma determinada população, submetida ao poder governamental. O problema é que o poder governamental estava em crise, logo, não conseguia garantir a compensação entre as pressões mútuas. 
Há quem trace a função do Estado com base na dicotomia entre Estado e Sociedade. Para Reuter e Hart o Estado é uma organização com um propósito particular, assemelhando-se à Igreja, exceto pela extensão de seus poderes a outros grupos de controle de interesses.
Já para Hans Kelsen, o Estado é uma ordem legal. O problema do conceito de Kelsen é que parte da premissa de que os Estados são perfeitamente organizados, quando no mundo dos fatos, o Estado dificilmente atinge uma perfeição organizacional. Os fatos revelam a existência, em muitos casos, de um Estado paralelo ao Estado formal. Postula que a esfera pública, campo de atuação do Estado, é definido por exclusão do conceito de esfera privada, dando continuidade ao privatismo excessivo, em declínio da vida pública.
5. Fortalecimento das teses liberais:
Jürgen Habermas (1962) afirmou que a publicidade, como princípio crítico, cedeu lugar, afastando-se do conceito de natureza do Estado: desde Regan e Margaret Thatcher. Trata-se das teses liberais, legitimadas diante dos fatos do fim de 1980, que abriram a última década do século XX passado.
Quais fatos então legitimaram as teses liberais? Dentre muitos, pode-se citar o desmoronamento do Estado Burocrático Socialista (fim da União Soviética) e a crise fiscal dos Estados Capitalistas. Os dois sistemas, socialismo e capitalismo, de certa forma, ruíram na década de 80.
O grande equívoco do modelo socialista foi não levar em consideração a premissa axiológica do liberalismo: o individualismo. As sociedades de massa não podem ser tratadas com base em uma isonomia formal, pois a diferença é inerente aos indivíduos.
A crise fiscal nos Estados Capitalistas ocorreu por conta do excessivo desperdício financeiro, ineficiência produtiva, corrupção, fatos que afundaram o antigo modelo de Estado Keynesiano.
Como resultado, surgem as teses extremas dos liberais panfletários que pregam o Estado Técnico, o neutro, o mínimo, como a melhor solução para regular a vida da população. Como silogismo, fala-se no Estado “forno de cozinha”, que fica apenas administrando a temperatura no mínimo, ora no médio, ora no máximo, tudo de acordo como o excesso ou insuficiência dele próprio.
Assim, para tratar sobre o tema Estado, deve-se enfatizar o tipo de sociedade em que está inserido: feudal, capitalista, pois remete, a outros procedimentos metodológicos, tais como, grau de maturidade de suas estruturas, o grau e tipo de inserção da sociedade-indivíduo na totalidade mundial diante do fenômeno da globalização.
6. Distinção necessária entre Estado, Governo e aparelho estatal:
A noção de aparelho estatal e Governo é endógeno ao conceito de Estado, o qual é a extensão das relações sociais no sentido público (lembre-se do conceito de Estado obtido por exclusão do campo das relações privadas). De qualquer forma, o Estado não está acima das classes sociais, como aparelho administrativo universal.
Tem natureza de classe derivada do jogo do capital, da relação social em si: é a sociedade que se organiza em Estado. É uma relação institucional entre as classes sociais, podendo ser de compromisso ou conflito, que pode ser definido como uma luta por valores e reivindicações de status, poder e recursos escassos, em que o objetivo dos oponentes é neutralizar, lesionar ou eliminar os rivais. Os estudiosos têm procurado estabelecer uma distinção entre conflito e competição, sem muito sucesso. O certo é que um conceito é consequência do outro.
Simmel, sobre o assunto, demostra que o termo conflito pode ser definido com sentidos diversos. Segundo a escola de Park, o termo conflito é considerado uma das formas centrais de interação. MacIver define conflito como toda atividade em que os homens lutam entre si por qualquer objetivo.
Já a competição, tem sido vista como a forma de interação que implica a luta por metas escassas. Regulada por normas, pode ser direta ou indireta, pessoal ou impessoal, e tende a excluir o uso da força e da violência.
Desde Cooley, os sociólogos têm chamado a atenção para o fato de que um indivíduo pode procurar bens escassos que outros também estão procurando, e fazê-lo sem tomar conhecimento dos outros, ou aceitando-os sem conflito. Afirma que a competição não é forçosamente uma disputa hostil, nem algo de que o concorrente tenha plena consciência. O que torna o indivíduo um competidor é a capacidade para desempenhar certa função social. Caso ciente dessa capacidade, pode ou não se opor aos outros.
Park e Burgess, influenciados pelos pontos de vista biológicos e econômicos do fim do século XIX e começo do século XX, descreveram a competição como a forma elementar, universal e fundamental da interação, acrescentando, no sentido rigoroso da palavra o conceito de interação sem contato social. Consideravam a função da competição como a criação de uma ordem social impessoal, onde cada indivíduo livre, quando obrigado a competir, torna os outros indivíduos um meio para alcançar esse fim.
Outros definem o Estado com base em sua separação da economia (Marx) ou da sociedade civil (Hegel). Trata-se de um recurso didático-metodológico, auxiliado por uma conceito de Estado caracterizado por uma composição de elementos superestruturais à sociedade civil ou elementos estruturais ligados à produção.
Para Karl Marx, o Estado é o aparelho administrativo do Poder. Crítica ao conceito marxista: apenas definiu o conceito com olhar econômico. Quis ter uma visão mecanicista do Estado, se esquecendo do aspecto volitivo, subjetivo. Esqueceu do corpo vivo do Estado: o governo.
Para Salama (1979) o Estado é abstração concreta que espelha a estrutura e os princípios fundamentais e constitucionais do modo de produção capitalista. Para ele não convém afirmar que a postura intervencionista do Estado, pois considera que o Estado não é sujeito vivo, dotado de capacidade de ação. Postula que o Estado é uma superestrutura, pronta para ser movimentada pelos elementos sociais hegemônicos presentes na sociedade civil. Se o Estado é uma abstração, a categoria governo é uma representação concreta dele. É o responsável pelas ações estatais públicas, na sociedade civil. É o elemento vivo do Estado, fornecido e renovado para a sociedade civil (frações, grupos ou classes hegemônicas, homens políticos, tecnocracia, juristas, lobistas etc).
Já para Poulantzas, Estado é a condensação de uma relação de força entre classes e frações de classes, o que é mais apropriada ao Governo do que a ele próprio. Outro diferencial entre Estado e Governo é que, enquanto o primeiro tem sua natureza determinada diretamente por valores estruturais e subjetivos do modo de produção, o segundo recebe influência direta da sociedade civil. O Governo exercita o poder, preenche a natureza do Estado, mas não se faz sem a interferência imediata da sociedade civil (democracia). Enquanto que em relação ao Estado, essa interferência é mediata.
Por fim, o aparelho estatal é a composição estrutural do Estado, suas bases de funcionamento, meios de trabalho do governo. Embora sirva ao Governo num determinado tempo presente, é uma estrutura historicamente determinada, uma espécie de catedral antiga, que em vez de conter multi estilos arquitetônicos, adquiridos pelo longo tempo de construção, contém multi emblemas e valores incorporados por inúmeros governos.
O Aparelho Estatal é um campo de contradições sociais ou de interesses particulares, porque, através dos funcionários públicos, serve de elo entre a estrutura pública e a privada.
7. Teoria ampliada do Estado:
Relevante compreender a teoria ampliada do Estado proposta por Gmmsci (1975), segundo a qual o Estado é igual a soma da sociedade política e da sociedade civil. Entende-se sociedade política como o aparelho governamental que monopolizaa coerção aceita socialmente como legítima. Já sociedade civil seria o conjunto dos aparelhos privados de hegemonia. Por isso, segundo Gmmsci, Estado é hegemonia revestida de coerção.
Ressalta ainda que o Poder Legislativo se vincula mais à sociedade civil, como forma de garantir a unidade do Estado na dimensão dos poderes. Trata-se do Parlamento ligado à sociedade civil. O Poder Judiciário entre Governo e Parlamento, representa a continuidade da lei escrita. Observa que, naturalmente, os três poderes são órgãos da hegemonia política, em diversa medida, tal como o Parlamento e Magistratura.
8. O Estado Global:
Michael Hardt e Antonio Negri produziram um texto intitulado Império: a Ordem Mundial, onde traçam pensamentos importantes para entender o fenômeno do Estado global, com base em um inicial Estado Imperial.
Segundo seus ensinamentos, a problemática do império é determinada em primeiro lugar pela existência de uma ordem mundial expressa como uma formação jurídica que está em constante desenvolvimento e mudanças.
O principal objetivo é entender a ordem que está sendo formada hoje, eliminando duas concepções comuns: a primeira surge da interação de forças globais heterogêneas e a segunda o o fato do poder ficar concentrado em uma única potência.
Vão postular que a possibilidade de a ordem internacional estar em curso vem impulsionando a criação do império ao longo dos anos. A partir daí, começa a se formar um novo conceito de ordem global, onde a Organização das Nações Unidas - ONU tem um papel fundamental, sendo um novo centro de produção normativa do mundo e desempenhando ainda um papel jurídico soberano e de escala global, para examinar mais de perto essas transações em termos jurídicos.
É importante relacionar a figura de um grande doutrinador com a criação da ONU: Hans Kelsen. O jurista alemão propôs a necessidade do sistema jurídico internacional ser reconhecido como a fonte suprema de formação e constituição nacional. Segundo Kelsen, é necessária a organização de uma ideia racional apresentando uma base real de eficácia para um projeto situado acima do Estado-Nação.
No entanto, observa-se que as respostas teóricas a essa constitucionalização de um poder mundial supranacional foram completamente inadequadas, porque tentaram ressuscitar modelos anacrônicos ultrapassados e aplicá-los a nova realidade.
Veja que duas ideologias surgiram: as hobessianas e as lockianas, que tinham em mente a formação de um estado-soberano. A variante hobessiana, além disso, pregava pelo poder concentrado nas mãos dos militares sendo a única saída para constituir um sistema internacional seguro. Segundo a variante lockiana, o mesmo processo é projetado em termos mais descentralizados e pluralistas.
Michael Hardt e Antonio Negri informam que o desenvolvimento do capitalismo se deu com a formação de um mercado mundial global, onde agora, a globalização é também uma fonte jurídica que tende a projetar uma configuração única e supranacional de poder político.
Ressaltam que a globalização gerou uma concentração de poderes, onde os Estados-Nação capitalistas continuam a exercer domínio imperialista sobre outras nações do globo. Dessa forma, verifica-se que o novo conceito de ordem mundial, em seu curso de formação, é apenas o aperfeiçoamento do imperialismo. 
Argumentam que hoje sofremos uma transição da lei internacional tradicional, que era definida por tratados e contratos, para a construção de um novo poder soberano e supranacional. Isso porque o direito internacional sofreu mudanças constantes e se aperfeiçou rapidamente para um novo conceito de direito, onde a legitimidade dos Estados soberanos tem que ser ajustada a nova realidade política, econômica e social em que vivemos.
A transição para o Império Global não tem características puramente negativas (não organizar a ordem interna dos Estados), visto que isso leva a resultados anárquicos. O novo paradigma é ao mesmo tempo sistema e hierarquia, construção centralizada de normas e produção de legitimidade, espalhada sobre o espaço mundial. O processo deve ser articulado horizontalmente.
Podemos repensar o uso do termo jurídico "direito". Devido à transformação contemporânea da lei supranacional o processo imperial de constituição tende direta ou indiretamente a penetrar e reconfigurar a lei interna dos Estados-Nação. Ponto principal dessa transformação é a desenvolvimento do direito de intervenção. Intervenção em territórios de outros senhores no interesse de prevenir ou resolver problemas humanitários (ONU).
O Estado de Emergência e Exceção passam a ser justificado pelo apelo a valores essenciais de justiça. Os valores universais legitimam o poder de polícia. Essa definição sobre o desenvolvimento do poder imperial com ciência da polícia fundamentada na prática da guerra justa pode estar correta, porém incompleta. Essa nova formação jurídica já vem sendo impactada sobre nós, homens. Participamos ativamente desse mundo globalizado em que vivemos. Nossa moral interna tende a ser determinada pelas categorias e éticas, políticas e jurídicas do Império.
A moralidade externa de cada ser humano e de cada cidadão é agora proporcional apenas ao contexto do Império. Não existem mais as formas individuais e privadas de valores. Já não há mais a confrontação local e sim o confronto com o próprio universo.
Portanto sobre o atual conceito de Império global podemos verificar a existência de uma processo de globalização-produção de longo alcance, o uso da função policial como forma de conter bárbaros e rebeldes que ameacem a sua ordem. O poder do império está subordinado a flutuações da dinâmica do poder local e aos arranjos jurídicos parciais e mutáveis que buscam, mas nunca conseguem, plenamente, levar de volta a um Estado normal em nome da excepcionalidade de métodos administrativos. Os processos são, continuarão sendo contraditórios. Trata-se do constante conflito entre Justiça e paz.
Tema III
Mídia, justiça e política. Sociedade civil e novas formas de acesso à justiça. Tribunais superiores e casos difíceis. Tribunalização da política e politização do Judiciário.
Notas de Aula�
As questões que aqui merecem ser analisadas, repisadas versam sobre a judicialização da política. E como entender esse fenômeno? Novamente, vale citar a obra de Mauro Cappelletti, em especial sua obra Juízes legisladores? como referência bibliográfica. A solução que a Europa vai encontrar no pós guerra é o constitucionalismo democrático rígido, aberto à utilização do cidadão e de toda sociedade. É uma resposta ao positivismo jurídico então vigente, que permitiu e “legitimou” as atrocidades cometidas pelo regime nazista na Alemanha comandada por Hitler. Esse positivismo dogmático não foi capaz de conter os absurdos cometidos na Segunda Guerra, sobretudo de garantir os direitos fundamentais, razão pela qual tinha que ser superado.
Quais são os dois pilares do constitucionalismo democrático: amplo controle de constitucionalidade e centralização axiológica dos direitos fundamentais. Veja que até mesmo antes da primeira guerra os países ocidentais já adotavam um tipo de controle de constitucionalidade, porém este controle ainda era muito tímido. Como exemplo temos a Constituição brasileira de 1891 que já adotava o controle difuso de constitucionalidade.
A marca característica do constitucionalismo democrático rígido é a centralização dos direitos fundamentais. Esses direitos passam a ser as premissas axiológicas do sistema. Passa-se a um processo de constitucionalização das normas infraconstitucionais que previam direitos fundamentais. As demais normas passam a ser editadas e interpretadas de acordo com esses direitos fundamentais previstos agora na Carta Magna. Trata-se do fenômeno da constitucionalização dos direitos infraconstitucionais.
Esse é um primeiro aspecto que vai trazer o protagonismo do Judiciário no processo de afirmação do direito, antes capitaneado apenas pelo Legislativo. Pela tradição do civil law, os juízessempre tiveram um poder restrito de interpretação e aplicação da lei. Na França de 1789, esse aspecto tornou-se extremado: os juízes, antes os pilares do Estado absolutista francês, com a revolução francesa passaram apenas a aplicar a lei. Surge a ideologia de codificação das leis (Código Napoleão), onde o Juiz deveria ter um papel acessório, apenas aplicando a lei criada pelo Poder Legislativo. Nas palavras de Montesquieu (O Espírito das Leis), o Juiz deveria ser apenas la bouche inanimé de la loi, ou seja, a boca inanimada da lei. Do contrário, o Juiz estaria alvitrando um dos dogmas levantados na Revolução Francesa: a supremacia do Legislativo (representação do povo).
Até hoje, na França, paira a ideia de Cortes Constitucionais limitadas. Veja que a Corte Superior francesa apenas faz controle preventivo de constitucionalidade. Diferentemente, no sistema da common law, o fato do direito ser criado por Juízes não é algo estranho, uma vez que funda-se no direito jurisprudencial, bem como que lá os Juízes inclusive podem ser eleitos pelo povo. Há representatividade. Como referência bibliográfica acerca das diferenças do fenômeno de criação do direito entre os países de tradição romano-germânica e aqueles de tradição common law, vale a leitura do livro “A tradição da Civil Law” de John Merryman.
As premissas do constitucionalismo democrático rígido desembarcam no Brasil nas décadas de 70 e 80. Veio da Europa Continental do pós guerra, passou pela Europa Ibérica e desembocou no país que buscava uma saída ao regime militar da época. O processo constituinte da década de 80 estava imbuído desse espírito do constitucionalismo democrático, representados por uma doutrina jurídica bastante intelectualizada (José Afonso da Silva, Paulo Bonavides etc).
O segundo ponto que reforça o processo de judicialização é a constitucionalização dos direitos sociais. Trata-se do modelo do Estado do bem estar social (Welfare State). Não é apenas a valorização dos direitos sociais. Tais direitos são alçados à normas constitucionais. Quando a Constituição passa a ter normatividade, carente de efetividade, o Poder Judiciário vai ser trazido à solucionar essas questões relativas aos direitos sociais. Vai ter o poder de interferir nas políticas públicas. Repita-se, esse não é um modelo exclusivo do Brasil. Ocorreu em boa parte da Europa e atualmente difunde-se em toda América Latina. Induz que os Juízes tenham um papel mais relevante no processo de afirmação dos direitos.
Atenta-se que enquanto o constitucionalismo tem mais de 200 anos, a constitucionalização dos direitos sociais, a inserção dos direitos sociais na Carta Maior não tem nem um século. Esse processo começa com a Constituição Social Mexicana (1917) e a Constituição Alemã da República de Weimar (1919). No Brasil, a ideia de constitucionalização de direitos sociais somente vem com força na CRFB/88. Veja que as demais Constituições já previam a proteção dos direitos sociais, em especial a Carta de 1934, bastante welfariana, porém somente na atual Carta os direitos sociais foram extremamente detalhados.
O surgimento do constitucionalismo está atrelado a garantia dos direitos de primeira geração (liberdade); eram direitos de abstenção do Estado. Bastava ao Estado se abster de condutas violadoras desses direitos, caso contrário, as ações mandamentais (habeas corpus etc) serviam, e até hoje servem, para assegurar esses direitos.
No momento em que a Revolução Industrial se intensifica e modifica a sociedade (urbanização, mecanização etc) os problemas sociais tomam relevância. O Estado se vê obrigado a tomar medidas para conter esses problemas. Passa a providenciar educação e outros direitos sociais (consequente laicização do Estado, pois vai substituir a Igreja na concretização de algumas tarefas sociais: educação, proteção dos menores abandonados, dos idosos etc).
Surge a noção dos direitos de segunda geração: os direitos sociais que dependem de uma atuação positiva do Estado. Quando na década de 20 do século passado esses direitos passam a ser constitucionalizados, na falta de prestação do serviço, restava ao cidadão acionar o Poder Judiciário para garantir seu direito: o Juiz passou a atuar nas políticas públicas. Quais são os instrumentos processuais de garantia dos direitos sociais: mandado de injunção, (dar eficácia a normas constitucionais que não foram objeto de regulamentação pelo legislador) e o mandado de segurança coletivo.
Como síntese, dois pilares fomentaram o processo de judicialização da política: o constitucionalismo democrático rígido (controle de constitucionalidade amplo e direitos fundamentais como premissas axiológicas de todo sistema jurídico) e a constitucionalização dos direitos sociais.
Parte-se, posteriormente para os direitos de terceira geração (direitos coletivos lato sensu). Assim como no pós guerra se percebeu uma necessidade de positivação dos direitos fundamentais, também se percebeu que as atrocidades da guerra traziam a percepção de que alguns direitos, tais como o direito a paz, ao meio ambiente, tinham que ser encarados efetivamente como direito.
São direitos que para sua efetividade encontram um grande empecilho, por conta da sua titularidade coletiva (titular desses direitos é a coletividade). Também foram constitucionalizados e previstos seus meios processuais de defesa: ação popular, ação civil pública. O reconhecimento desses direitos também vem acompanhado pelo reconhecimento da legitimação das associações civis e sindicatos na tutela desses direitos. O Ministério Público ganha relevância nesse papel de proteção dos direitos coletivos. A afirmação desses direitos também é causa de judicialização da política pelo simples fato de que agora os conflitos coletivos podem ser levados aos Judiciário. Quando não havia esses instrumentos processuais de tutela a sociedade procurava os Poderes Executivo e Legislativo.
Embora esse processo seja mundial, há aspectos próprios que tornam o modelo brasileiro distinto. O Brasil é de certo o país latino-americano onde a política está mais judicializada, caminhando a passos largos para um modelo semelhante ao americano. Quais são as características brasileiras?
O nosso processo de redemocratização surgiu como um contraponto ao regime militar anteriormente vigente. Vigia no país um Estado de exceção, de livre arbítrio. A preocupação central dos constituintes originários eram o restabelecimento de um Estado democrático, no qual os cidadãos tivessem meios processuais de assegurar direitos (por isso classificar a CRFB/88).
O modelo tradicional é prever os meios processuais no âmbito da lei, porém em 1988 esses meios foram alçados à CRFB/88. Trata-se do processo chamado de descodificação do direito intimamente atrelado ao consequente processo de constitucionalização do direito. É a ideologia da descodificação do direito: abrandar, mitigar e até ultrapassar aquela ideia de atuação restrita do Juiz que surgiu com a Revolução Francesa em 1978 nos países de civil law. Parte-se para interpretação principiológica do direito.
A CRFB/88 exacerbou esse processo de constitucionalização e descodificação do direito. Uma das consequências desse processo é o fato de que a alteração, mitigação, abolição desses direitos fundamentais torna-se muito mais difícil. Não trata-se mais de mera produção legislativa. Não fica mais ao crivo do Legislativo determinar quais são os direitos fundamentais. O direito não se restringe mais a produção legislativa, mas açambarca também o direito jurisprudencial. As súmulas vinculantes hoje repercutem na vida social como se fossem lei. Há um processo de esvaziamento do Poder Legislativo e protagonismo do Judiciário.
Até mesmo a morosidade do Poder Judiciário hoje é ínfima quando comparada à lenta produção legislativa. Questões que muitas vezes não encontram espaço no Legislativo passam a ser tutelados pelo Poder Judiciário. É uma consequência direta do fato de que a agenda legislativa hoje reflete as necessidades contidas na agenda do PoderExecutivo.
Inclusive, vem havendo uma juridificação do Poder Executivo. Os procedimentos típicos judiciais estão sendo levados ao âmbito do Executivo, por meio das agências reguladoras: são elas que muitas vezes solucionam conflitos, justamente por conta da ineficiência do Legislativo em produzir normas para atuação da iniciativa privada.
Outra característica brasileira é o fato de que houve uma preocupação especial do constituinte com o acesso a Justiça. Não basta que a CRFB/88 estabeleça um rol vasto de direitos fundamentais se não forem assegurados os meios de acesso ao Judiciário. Exemplo disso é a legitimação para propositura de ADI`s. Antes, essa legitimação era restrita ao Procurador Geral da República - PGR. Hoje, o rol do artigo 103 da CRFB/88 possui 9 legitimados. Ainda, se falarmos no controle de constitucionalidade difuso, no qual todos Juízes tem competência para atuar, toda a sociedade poderá submeter aos Juízes esses questionamentos. Nesse último ponto, o modelo brasileiro é diferente do modelo alemão aonde somente há possibilidade de controle abstrato de constitucionalidade pela Corte Constitucional.
A interpretação da CRFB/88 passa a ser tangível a todos. Qualquer cidadão tem o poder de levar ao Judiciário a interpretação da Carta Magna, mesmo que pelo controle difuso. Caso emblemático ocorreu no Rio Grande do Sul, onde uma agente pública celetista, ao adotar uma criança recém nascida, solicitou a concessão de licença maternidade, que foi negada pela Administração Pública. A questão foi levada ao Judiciário e chegou até o Supremo que manteve a decisão da Administração Pública.
A decisão repercutir na mídia e fez surgir um movimento para garantir a licença maternidade às mães adotivas. O movimento resultou em uma mudança legislativa que passou a assegurar tal direito. O ponto interesse desse caso é o fato da possibilidade de um cidadão comum conseguir submeter à Suprema Corte a solução de uma questão constitucional. Trata-se de uma participação política do cidadão na construção do direito.
Peter Häberle, no livro Hermenêutica Constitucional - Sociedade Aberta dos Intérpretes da Constituição, defende essa ideia. Postula que com esse cenário de constitucionalismo democrático, constitucionalização de direitos sociais e ampliação do acesso à Justiça, ocorre também o fenômeno de oportunizar aos cidadãos participação de construção do direito.
Tal fenômeno corresponde a um ativismo social e não do Judiciário. Trata-se de ativismo da sociedade, que busca respostas no Judiciário. E veja que nem sempre a resposta final do Judiciário é a melhor solução. É final, nem por isso é a melhor. Na palavras de Ronald Dworkin, “ainda que os juízes devam ter sempre a última palavra, sua palavra não será a melhor por essa razão”. O caso da licença maternidade revela esse fato. Também não é final no sentido de imutável, pois as interpretações do Judiciário se alteram com o tempo. 
Por isso, também não podemos defender a tese de que o sistema político representativo (Legislativo) está morto, pois é ele que em muitos casos servirá como meio de resposta a uma decisão jurídica ruim.
O nosso modelo de democracia é um modelo que pressupõe a existência de duas esferas: uma democracia representativa e uma participativa. A representativa (democracia eleitoral) é aquela definida pelo exercício do voto universal e é tida como a regra. Já a participativa constitui a possibilidade da atuação popular no processo de construção normativa. Como exemplo de meio a garantir a democracia participativa: iniciativa popular (lei da ficha limpa é exemplo), referendo e plebiscito.
Porém, a melhor forma de participação democrática da sociedade se dá via Judiciário, por conta da atuação dos cidadãos, individualmente ou organizados (associações, sindicatos etc) e pelo Ministério Público, quando acionado pela sociedade.
Ativismo político passa a ser feito diretamente pelo Judiciário, local onde os direitos são afirmados. O risco do processo de judicialização encontra-se na deslegitimação da representação democrática, consubstanciada no processo de ativismo judicial e não social.
Neste ponto, importante estabelecer a diferença entre judicialização da política e politização do Judiciário. A judicialização da política é o processo que permite os Juízes participarem da vida social, construindo o direito. Já a politização do Judiciário é o processo caracterizado pelo fato de que os juízes possam, a partir desses novos papeis que desempenham, atuar de forma a impactar o processo de tomada de decisões, inclusive sob o sistema de democracia representativa.
Veja que decisão de natureza política não é consequência da politização do Judiciário. É consequência da judicialização da política. Politização do Judiciário é o fato de que o Juiz torna-se uma figura de representação democrática, um ator político, além do mundo dos autos judiciais. A mídia nesse ponto tem papel importante.
Uma visão alternativa e positiva do fenômeno de ativismo judicial é considerá-lo o quantum que os Juízes estão dispostos a discutir e decidir questões políticas que lhes são submetidas. Seria considerar o ativismo judicial como algo inerente ao processo da judicialização da política. Quando o Judiciário é acionado a decidir uma questão política poderá adotar uma posição mais progressiva ou mais conservadora. Trata-se da dicotomia entre o ativismo judicial (atitude progressista) e autocontenção judicial (posição mais conservadora). Por essa visão, o ativismo judicial seria uma atuação válida, na qual os Juízes assumem essa posição protagonista, que lhes foi dada e não usurpada, de decidir questões políticas. Exemplo recente de autocontenção do STF: decisão que negou um novo questionamento acerca da validade da lei de anistia.
A mídia e a opinião pública hoje estão muito mais atentas à atuação do Judiciário, pois perceberam a importância dos Juízes na tomada de decisões políticas e construção do direito. Há o risco da manipulação da mídia quanto às decisões judiciais. Consequência disso é que o Juiz ao decidir sabe que está sob holofotes. Tende a atuar com maior cautela. A atuação da mídia permite também a difusão das decisões judiciais, bem como a crítica a essas decisões, como forma de abrir a caixa preta do Judiciário.
Há ainda o problema da partidarização do Judiciário que ocorre quando o Judiciário, especialmente pela atuação do Supremo Tribunal Federal, deixa-se interferir pela posição política majoritária. Trata-se de influência governamental nas decisões políticas tomadas pelo Judiciário. Repita-se: tomar decisão política é uma das funções do Judiciário, mas deixar se influenciar, principalmente para atender posições partidárias específicas, não é sua tarefa.
Caso relevante acerca do tema judicialização da política ocorreu quando o STF teve que julgar recurso extraordinário em ação na qual o Juiz de 1ª instância decidiu por determinar a atuação do Poder Executivo no atendimento à educação infantil.
O Judiciário tem também a finalidade de determinar as políticas públicas? A resposta do STF foi positiva. O Executivo tem a responsabilidade de assegurar as políticas públicas essenciais: educação, saúde, saneamento básico etc. Quanto a forma que a Administração Pública irá utilizar para prover o atendimento dessas políticas públicas, estamos no âmbito da discricionariedade executiva. Porém, garantir o mínimo existencial, proteger o núcleo essencial dos direitos fundamentais não é tarefa açambarcada pela discricionariedade administrativa. Trata-se de dever constitucional, o qual não pode o Executivo se eximir de realizá-lo.
Se assim não atuarem, caberá o STF, como guardião e protetor dos direitos fundamentais, determinar a atuação do Poder Executivo. Não se está alvitrando o princípio da separação dos poderes, uma vez que adotamos os mecanismos de freios e contrapesos entre os Poderes, como forma de limitar os excessos de cada Poder. Sendo assim, caso o Executivo exceda, mesmo que por omissão, em sua atuação, poderáo Judiciário intervir. Nem mesmo vale as alegações de falta de previsão orçamentária ou da teoria da reserva do possível.
Luís Roberto Barroso fala que a função do Judiciário é corrigir distorções da representação eleitoral. Se a lei orçamentária não prevê a construção de creches e escolas, o Judiciário poderá corrigir essa distorção, no caso concreto, fato este que fomentará a previsão orçamentária neste sentido.
Enfim, a judicialização da política é fenômeno recente decorrente do constitucionalismo democrático e da constitucionalização dos direitos sociais, que apresenta riscos, mas também oportunidades, tal como tornar o Judiciário um espaço de cidadania, de debate político, presente na vida da sociedade.
Tema IV
Democratização das relações sociais, desigualdades sócio-econômicas e sociabilidade violenta. Justiça criminal e anomia social. Conflituosidade de menor potencial ofensivo e novas formas de administração de conflito.
Notas de Aula�
A intenção neste encontro é trazer uma visão antropológica do direito. Por isso, faz-se necessário primeiramente entender a metodologia adotada pelas ciências antropológicas. Os trabalhos de antropologia se valem de uma metodologia pautada pela uso da etnografia, com descrição profunda do tema, bem como do método comparativo, levando em consideração justamente essas descrições profundas. Mas veja que, o método comparativo antropológico compara as diferenças aferidas, diferentemente daquele método adotado no mundo jurídico em que são comparadas as semelhanças encontradas.
A etnografia é a busca profunda dos elementos que caracterizam uma determinada comunidade. Exemplo: indígenas, quilombolas, médicos, profissionais do direito etc. Com base nesses dados, o antropólogo estabelecerá as diferenças entre os grupos sociais e assim buscará identificar o que há de peculiar, próprio em cada comunidade.
Dois autores importantes valem ser citados: Foucault e Harold Berman�. O ponto em comum que une as ideias desses grandes autores é o fato de que eles situam o nascimento da tradição jurídica ocidental entre os séculos IX e XI, uma vez que é neste período que vão surgir as estruturas responsáveis pela centralização do poder e consequente formação dos Estados: o monopólio das armas (uso da força física) e o monopólio da Justiça (uso da administração como solução institucional dos conflitos).
Evidentemente, esses dois autores tem conceitos distintos acerca da lei e do direito, porém concordam em mais um ponto: o fato de que no direito ocidental há algumas formas de produção da verdade, dentre eles, a prova legal e o modelo indiciário do inquérito.
A prova legal (categoria jurídica), chamada de legal proof no modelo americano, é um sistema em que os fatos não interessam. As partes adotam um método de solução do conflito, não sendo importante definir quem inicialmente tinha razão. Antigamente, esse sistema era associado ao sobrenatural. Como exemplo, temos o sistema adotado na idade média, pelo qual eram amarradas às pernas das bruxas pedras e depois essas mulheres eram jogadas em um rio. Se conseguissem sobreviver, essa seria uma prova divina de que não eram culpadas. Lembrem que a noção de indivíduo, dotado de direitos, começa somente a surgir no século XVII.
Na Inglaterra, essas provas legais sobrenaturais somente foram banidas no início do século XIX. Até então, persistiram concomitantemente com outras formas de administração do conflito. Nesse momento, ganha prevalência o sistema de produção de provas pautada pelo testemunho, o qual já existia há tempos e também variou conforme o desenvolvimento da noção de direito no mundo ocidental. A primeira forma de testemunho aparece na Inglaterra do século XI, com os conflitos de terra.
Henrique II, quando era interpelado para solucionar os conflitos, resolveu instituir um modelo no qual era assegurado ao acusado levar o seu caso a julgamento, com a possibilidade de arrazoar (testemunho) e convencer um júri do seu direito. Trata-se do modelo indiciário do inquérito.
Esse modelo é chamado no direito inglês de trial by jury: tentativa de administrar o conflito pelo júri. Era uma alternativa ao modelo de prova legal. O acusado apelava para não se submeter às soluções dadas pelo modelo da prova legal. Tinha que convencer o Júri de sua verdade e não aquela prevista com a prova legal.
O acusado podia escolher suas testemunhas, as quais tinham que ser da sua mesma classe. Esse sistema se desenvolveu na Inglaterra ao longo dos séculos, quando no final do século XIX, essas testemunhas passam a ser assistentes do acusado, na figura dos jurados: árbitros escolhidos pelas partes. Antes, as testemunhas escolhidas tinham que convencer o Júri, já prédeterminado, pré-estabelecido. Agora, são as partes que escolhem o Júri, o qual tem o dever de proferir um veredito.
Essa é uma grande transformação jurídica, pois ultrapassa a tradição do inquérito, uma vez que não são mais as testemunhas que produzem a verdade no julgamento e sim o Júri. É o Júri que provoca o consenso da verdade, através da interlocução, das entrevistas e conversas com as testemunhas (conceito atual). Supera-se aquele modelo em que as testemunhas apenas narram os acontecimentos.
O modelo indiciário do inquérito possui uma outra vertente nos países ibéricos, especialmente em Portugal, onde ganhou a alcunha de inquirição devassa. Era um procedimento adotado nos casos mais graves em que o Juiz, ex ofício, poderia começar a inquirição devassa, determinando a oitiva de pessoas envolvidas, pela qual formava sua opinião. Após, chamava o acusado para ser interrogado e assim podia confirmar, confrontar o testemunho com as informações obtidas anteriormente.
O nosso inquérito policial hoje é bastante similar a esse sistema. Veja que, diferentemente do modelo inglês, o Juiz dava início ao procedimento de ofício, por conta do recebimento de uma denúncia feita por terceiro, pelo próprio acusado, ou pela queixa de um interessado. Ainda, no modelo português o inquérito é escrito e sigiloso. No modelo inglês o inquérito é verbal (produzido pelos debates no jury) e aberto ao público.
Baseado nesses formas de solução de conflitos, a doutrina propõe dois modelos jurídicos ideais de administração de conflitos, de controle social: modelo do individualismo igualitário e o piramidal. Note-se que os dois modelos não existem em nenhuma sociedade em seu estado puro. Apenas podem ser identificados como preponderantes em determinados Estados.
Vejamos primeiro o modelo do individualismo igualitário, que prepondera nos Estados Unidos. Neste modelo, a sociedade é pensada geometricamente como um paralelepípedo, no qual a base é igual ao topo, não existindo qualquer impedimento estrutural do sistema que impeça um indivíduo da base chegar ao topo. Alcançar o topo é tarefa que depende exclusivamente da performance pessoal dos membros dessa sociedade: uns tem mais sucesso, outros menos. As desigualdades de classes neste modelo não decorrem de entraves estruturais do próprio modelo e sim da própria atuação dos indivíduos.
O átomo desse modelo é o indivíduo, o qual possui uma trajetória própria, por conta de seus interesses pessoais, e que por vezes poderá colidir com a trajetória dos demais. A característica do modelo é a possibilidade de oposição entre indivíduos que tem os mesmos direitos, porém interesses distintos, o que afirma o direito a diferença. A noção de igualdade está atrelada a desigualdade.
Todas sociedades tem regras, e em todas sociedades há indivíduos que transgridem essas regras. Portanto, há necessidade de prever meios de solução de conflitos. Nesse modelo, esses conflitos são solucionados pela negociação em vários níveis, inclusive no âmbito judicial. Essa forma de solução de conflitos tem duas características: considera que as pessoas são iguais, por possuírem os mesmos direitos, bem como funda-se no fato dos indivíduos terem que escolher suas trajetórias de acordo com as opções dispostas no espaço público.
Quanto à primeiracaracterística, Marshall, sociólogo inglês, no livro “Cidadania, classe social e status”, postula que para esse tipo de modelo jurídico a desigualdade social e econômica é absolutamente normal, moralmente defensável, uma vez que o que não pode ser desigual é o direito. É o direito que tem a função de igualar os indivíduos em uma sociedade: igualdade formal.
Quanto à segunda característica, não pode o indivíduo valer-se de um caminho não previsto, não permitido, não posto a sua disposição. Nesse modelo as regras são locais, submetem-se a uma interpretação literal, com aplicação universal (aplicada a todos). As regras são pensadas de forma a favorecer o indivíduo que se submete à lei, que respeita a lei. A lei é protetora das liberdades. Max Weber dizia que o mercado somente existe porque as pessoas acreditam e se submetem ao mercado. Mutatis mutandis, nesse modelo, com a lei acontece o mesmo fenômeno: as pessoas respeitam a lei, pois acreditam na lei e a encaram como instrumento de proteção de suas próprias liberdades.
Diante desse cenário, conhecer as regras é essencial para a consequente obediência. Por conta disso o saber, o conhecimento tem que ser necessariamente disponível. Veda-se nesse modelo o conhecimento privilegiado. Se todos tem que cumprir a lei, seu conhecimento deve ser difundido sem privilégios. A regra tem que ser acessível. Não somente a lei, mas também as produções acadêmicas tem que ser difundidas sem privilégios no espaço público. Nesse ponto, veja que aqui no Brasil adotamos um inquérito policial sigiloso, cujo o conteúdo passa a ser privilegiado, mas que produz efeitos legais. No modelo proposto, o conhecimento privilegiado não tem essa qualidade de produzir efeitos legais, pois é proibido.
Neste sistema, a argumentação adota a lógica chamada de adversária, pautada pela produção de consenso, de convergência à um ponto comum. A verdade está associada à verossimilhança, tal como defende Antoine Garapon. Diz esse intelectual francês que esse sistema busca a verossimilhança, pois considera que a melhor verdade é aquela encontrada pelas partes e não a verdade real. Inclusive, no modelo americano há a figura das exclusionary rules: normas que limitam a produção de provas e excluem outras. São em grande número, justamente pelo fato de que lá a verdade buscada funda-se na verossimilhança e não na verdade real.
No nosso modelo vige a lógica do contraditório, o qual tende ao infinito e pauta-se pela criação de dissenso, cuja solução depende da intervenção de um árbitro, de um Juiz. Além do mais, adotados um modelo de inquérito policial pautado pela busca da verdade real. De regra, a única exclusionary rule que adotamos é a vedação à prova ilícita.
Como consequência, do sistema do individualismo igualitário surge o conceito de rule of law, ou seja, o governo dos direitos. Esse modelo não se contrapõe ao liberalismo econômico, por isso prepondera nos Estados Unidos.
O segundo modelo jurídico ideal de administração de conflitos é o piramidal. A figura geométrica da pirâmide caracteriza-se por ter um vértice no topo e uma base larga. Significa que nesse modelo nem todos chegarão ao ápice. Pauta-se por uma desigualdade estrutural. É um modelo típico e prevalente nos países de tradição civil law.
O átomo (indivíduo) nesse modelo é diferente do modelo de individualismo igualitário. No Brasil, a sociedade é composta de segmentos desiguais, que tem posições e interesses desiguais. Estão disposto na piramide em uma relação de complementariedade e hierarquia. No outro modelo os indivíduos estão dispostos em uma relação constante de oposição e estratificação.
Na pirâmide, desigualdade é sinônimo de diferença e igualdade é sinônimo de semelhança. No outro modelo, igualdade é ter direito a diferença: desigualdade. No modelo piramidal, geralmente, os conflitos ocorrem quando o indivíduo de um segmento quer subir um degrau e alcançar outra camada social. Com menor intensidade ocorrem os conflitos entre iguais (mesma classe social). Em ambos os casos, o papel da Justiça será apaziguar esses conflitos.
Nesse modelo, a lei também é geral, mas sua aplicação deve ser particularizada, uma vez que os conflitos por vezes acontecem entre desiguais. Daí o conceito de hipossuficiente, inversão do ônus da prova, e outros mecanismos que adotamos no Brasil, algo inimaginável no modelo americano, onde juridicamente não há hipossuficientes.
Por conta disso, alguém tem que definir como a lei tem que ser aplicada (não há aplicação universal da regra), alguém vai ter a tarefa de interpretar particularizadamente a lei. No Brasil, essa função coube aos magistrados. Veja que a aplicação particularizada da lei em um sistema onde desigualdade significa realmente diferença é forma de fazer Justiça. Do contrário, aplicar a lei de maneira uniforme seria em muitos casos fazer injustiça.
Uma consequência disso é fato de que aqui o conhecimento privilegiado da lei é algo positivo: o Juiz conhece o direito melhor do que ninguém, a ponto, de definir como ela tem que ser aplicada ao caso concreto. Antoine Garapon diz que nesse modelo vige a rule by law, ou seja, a sociedade é governada pelo Estado, através das leis.
Por conta disso, os indivíduos nesse sistema não internalizam a regra como uma proteção aos seus direitos. Vão na verdade internalizar a hierarquia entre as classes, uma vez que a lei é produzida sob o pálio da autoridade do Estado. A obediência toma outros contornos, pois se torna interessante não se pautar pela submissão à lei e assim esperar uma interpretação favorável, particularizada, do seu caso. A desobediência é ilegal, porém não é imoral.
Há duas formas de solucionar conflitos nesse sistema piramidal: o acusatorial e o inquisitivo ou inquisitorial. Para João Mendes de Almeida Júnior o sistema inquisitivo (escrito, sigiloso, prévio) se justifica porque o Estado precisa proteger os mais fracos dos mais fortes. Se a sociedade é feita de segmentos sociais desiguais, onde há indivíduos mais fortes e outros mais fracos, o Estado precisa intervir na solução do conflito como forma de igualá-los. O conceito está intimamente relacionado a desigualdade. Essa noção do modelo inquisitorial é distinto daquele previsto no sistema inquisitorial canônico, no qual o que se busca proteger é a honra dos poderosos.
Já o sistema acusatorial está associado a igualdade entre as partes. Aqui não é necessário publicizar o conflito com a interferência do Estado, pois não há hipossuficiência de uma parte em relação a outra.
O sistema inquisitivo tende também a ser repressivo, pois a concepção inicial do modelo piramidal é a possibilidade de conflito entre iguais e não entre desiguais. Sendo assim, ao solucionar o conflito entre desiguais o Estado procura também trazer uma mensagem repressora à sociedade.
O contraditório é ilimitado, inclusive, o acusado não tem a obrigação de dizer a verdade, pois entende-se que está no exercício do seu direito à ampla defesa. Veja que não há que se confundir o princípio do contraditório, que é o direito de ser chamado ao processo para ouvir e ser ouvido, com a lógica do contraditório, ou seja, a forma em que é feito esse processo. A lógica do contraditório, pautada pela possibilidade do acusado de mentir, permite a conclusão de que as suas manifestações sejam preconcebidas como falaciosas.
No Brasil, há uma mistura do modelo de individualismo igualitário e do modelo piramidal, sendo que este último prepondera sobre o primeiro.
Marshall expõe que as revoluções burguesas substituem os contratos de servidão pelos contratos da igualdade (direitos civis). Neste contexto, caso esses direitos fossem desrespeitados o indivíduo se salvaguardaria no Judiciário. No século XX, com a afirmação dos direitos sociais, o indivíduo vai procurar o Executivo.
No Brasil, não podíamos ter um sistema universal que assegurasse todos esses direitos civis a todos os indivíduos, por conta da escravidão. Por isso, o direito civil não era para todos, porém o direito penal sim.

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