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Energia parte 1

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UnB
Deptº Biologia Celular
Apostila I
Disciplina: Bioquímica Fundamental - 121240
Profs.: Pedro J. P. Zanotta
 Consuelo M. R. de Lima
Energia e Coisa e Tal
Parte I
	Um dos problemas com que nos defrontamos no estudo de Bioquímica é o da Energia. Nesta apostila, dividida em duas partes, pretendemos abordar alguns dos aspectos que consideramos fundamentais para um bom entendimento do assunto – sem a pretensão de esgotar tema tão rico e vasto. Nesta primeira parte veremos a energia em seus aspectos mais gerais e na segunda focaremos os aspectos relevantes bem como o formalismo matemático aplicado mais especificamente em Bioquímica.
	Na Natureza, tudo está em movimento, vibrando, oscilando – desde planetas estrelas, galáxias (Macrocosmo), como também moléculas, átomos, elétrons (Microcosmo) - e essa movimentação constante da matéria causa diversos e variados fenômenos. A causa de toda esta agitação é a Energia, um conceito relativamente novo em Ciência. A energia é observada pelos seus efeitos: assim, se atritarmos duas superfícies entre si, observamos um aumento de temperatura que pode resultar até na ignição de algum dos materiais (como ocorre com o fósforo, por exemplo). Ou pode ocorrer a eletrização dos materiais, ou ainda algum outro efeito. O ponto a ser salientado é que se for feito um balanço total de toda a energia envolvida (inclusive com a movimentação das superfícies em questão) verificar-se-á que o total de energia antes e depois do processo é o mesmo. Este é um resultado que é sempre observado. Poderíamos expressar isto como segue: “A energia pode ser interconvertida em várias outras formas, mas não pode ser criada”. Esta é uma das formas de expressar a Primeira Lei da Termodinâmica. Uma formulação mais geral desta Lei seria: a energia total no Universo é constante. Esta parece ser uma generalização algo temerária, mas até hoje ainda não foi encontrado nada que, de alguma forma, violasse esta Lei. 
	Mas se a energia no Universo é a mesma – desde quando surgiu a mais ou menos 13 bilhões de anos até os dias de hoje – como é possível o aparecimento de sóis, planetas, galáxias etc. (sem contar com os próprios átomos, moléculas...)? O problema é que apesar da energia total ser constante, a distribuição desta energia não é homogênea (como é facilmente verificável). A Primeira Lei nada nos diz sobre isto: apenas expressa a impossibilidade de se criar energia; sobre a sua distribuição, nem uma palavra. Por que e como a energia (após o surgimento do Universo) distribuiu-se desigualmente entre seus componentes? Não sabemos ainda, embora existam evidências de uma heterogeneidade (tecnicamente conhecida como anisotropia) já nos primórdios do Universo. 
Portanto, temos, no Universo, fontes significativas de energia. O que significa isto? É importante ter-se em mente que a energia não “permanece” em um lugar; ela sempre se desloca. A questão é que este deslocamento não é de qualquer jeito. Existe uma “regra” a ser cumprida. A regra é: a energia sempre se desloca de uma região de maior potencial para outra de menor potencial (energético). Esta é uma das formulações da chamada Segunda Lei da Termodinâmica. 
	Por que é assim? Talvez fique mais claro se pensarmos numa analogia com algo do nosso dia-a-dia: imaginem o degelo que ocorre nas montanhas com a chegada da primavera. A água vai descendo, formando pequenos córregos, depois riachos, rios até chegar ao mar. A água então foi de uma região de alto potencial gravitacional (nas montanhas) para uma região de menor potencial – o mar. Observe que o total de água nas geleiras de todo o planeta é bem inferior à quantidade presente nos mares. O fluxo se dá de onde há menos água para onde tem mais! Como isto pode ser explicado? Facilmente: é só considerarmos a atuação da força da gravidade. Outro exemplo: uma pedra de sal é lançada em um copo com água; com o tempo, observamos o “desaparecimento” desta pedra. O que ocorreu? As moléculas de água, ao se chocarem com a pedra, vão, aos poucos, removendo os íons que formam o cristal. Com o tempo (dependendo da relação volume de água/massa de sal) todo o sal poderá estar em solução (solubilizado). Como cada íon está “cercado” (camada de solvatação) por moléculas de água que se agitam em todos os sentidos, seria muito difícil que todos estes íons se reagregassem (no arranjo adequado!), regenerando a pedra. Além do mais, como as moléculas de água são dipolos permanentes, há uma “neutralização” das espécies iônicas do sal, de maneira que a interação entre elas (a força de atração eletrostática) encontra-se diminuída.
	Neste ponto, uma outra idéia está sendo introduzida: a idéia de aleatoriedade, ou seja, de algo (no caso movimento) que ocorre ao acaso ou de forma randômica (do inglês “random”) ou ainda aleatória, ou seja, não previsível. Portanto, o processo pode ser ainda descrito como sendo resultante de choques ao acaso entre as moléculas de água e o soluto com a subseqüente dispersão dos componentes do cristal, por todo o volume da solução. Esta é a base de todos os processos conhecidos como difusão.
Podemos considerar também que, no início, o sal está concentrado em um pequeno volume, o da pedra, e que, com a dissolução desta, a concentração final de sal é bem menor (já que, agora, a mesma massa de sal encontra-se dispersa por todo o volume da solução). Portanto, no início tínhamos alta concentração de sal (em um volume pequeno) – alto “potencial” - e uma concentração de sal no restante do sistema praticamente nula. Ao final do processo, temos uma concentração de sal menor e homogênea em todo o sistema, agora uma solução - menor “potencial”. Podemos dizer então que a difusão ocorre de uma região de maior concentração (“potencial”) para outra de menor concentração (“potencial”). Podemos afirmar ainda que, ao final, chega-se a um ponto de equilíbrio da distribuição do sal na solução. E este ponto de equilíbrio (concentração final do sal) pode ser calculado facilmente, independente do processo de dissolução ser aleatório: quer dizer, não podemos especificar o caminho que cada íon em particular percorrerá até ser atingido o equilíbrio mas sabemos seguramente o estado do sistema ao final do processo!
	Esta analogia nos permite afirmar que a energia se difunde de regiões de maior potencial para regiões de menor potencial. Fica fácil de entender isto se pensarmos na energia térmica: a temperatura dos corpos é função do grau de “agitação” das moléculas que o compõe. Quanto maior a “agitação”, maior a temperatura do corpo, Ora, se dois corpos, a temperaturas distintas, são postos em contato, as moléculas do que tiver maior grau de “agitação” terão, em média, mais energia que as do outro corpo. Considerando os choques que se estabelecem, podemos esperar que o corpo de maior temperatura “perca” energia para o de menor temperatura – até que seja atingido um ponto de equilíbrio térmico, no qual as temperaturas de ambos os corpos não mais variam e esta temperatura é a mesma para os dois corpos. Enquanto o equilíbrio térmico não se estabelece, há um fluxo de energia entre o corpo “mais quente” para o “mais frio”, fluxo este chamado de calor. (Cabe salientar que este é apenas uma das formas - ou mecanismos - de transferência da energia térmica.)
	Este, na realidade é o ponto chave: nós só podemos detectar a energia em trânsito, jamais a energia em si. Para ser mais claro, só podemos detectar (e mensurar) energia se houver uma diferença de potencial entre o sensor e o sistema em estudo. Na realidade, é mais do que detectar: na Natureza só pode ser “utilizada” a energia em trânsito! Todos os processos naturais, que ocorrem “espontaneamente”, resultam de fluxos energéticos devidos às diferenças de potenciais existentes. 
	Cabe uma pergunta: se tudo tende ao equilíbrio, por que este não é atingido? Quer dizer, vivemos em um mundo onde estão acontecendo, a todo momento, processos, os mais diversos e em diferentes graus e, claramente, nenhum deles está em equilíbrio: há fluxos de matéria e energia! Pararesponder a esta pergunta devemos considerar um outro fator importantíssimo nos processo naturais: a cinética. Para ilustrar, voltemos a nossa singela mistura de água e sal da página anterior. Como foi dito, sabendo a massa de sal e o volume de água (a propósito, o volume do sal também, ou ainda, o volume da mistura) podemos determinar o estado final do sistema, ou seja, a concentração da solução. Mas não temos como determinar quando este estado será atingido. Podemos acelerar o processo agitando a mistura mas, deixada por si mesma, o tempo necessário para atingir o equilíbrio seria extremamente longo. Portanto, por analogia, a análise “energética”, ou melhor, termodinâmica, permite-nos avaliar a tendência (de longo prazo) do sistema mas, com esta análise, não podemos afirmar nada com relação à cinética do processo. Nem, tampouco, sobre os mecanismos nele envolvidos. Além disto, tacitamente estamos admitindo que o sistema permanecerá o mesmo, sem alterações, ao longo do tempo. Se este pressuposto for violado, por exemplo, se alguém adicionar mais água (ou sal) ao sistema, ou ainda, alterar sua temperatura, um novo estado de equilíbrio será atingido. Desta forma, no caso do Universo, o estado final previsto pressupõe que ele é um sistema isolado não sujeito à influências externas. O que de forma alguma é algo que possa ser garantido pela Ciência, pelo menos com o conhecimento atual. 
	No caso da Terra, não podemos considerá-la um sistema isolado: recebemos um influxo energético significativo do Sol, energia esta que está na base de todas as transformações que ocorrem no planeta. É esta energia que permite a existência (e ocorrência) de diferentes processos, impedindo que o equilíbrio seja atingido. Em particular, os diferentes ecossistemas do planeta contribuem significativamente para este estado de coisas.

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