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Conteudista: Prof.ª Dr.ª Flávia Carolina de Resende Fagundes Revisão Textual: Pérola Damasceno Objetivos da Unidade: Estudar a origem dos partidos políticos; Apresentar a relação entre partidos políticos e democracia. ˨ Material Teórico ˨ Material Complementar ˨ Referências Partidos Políticos e Democracia Partidos Políticos e Democracia Nesta Unidade, discutiremos a relação entre democracia e partidos políticos. Embora esta relação pareça umbilical, não é, necessariamente, o caso. Como vimos anteriormente, a origem do que poderíamos chamar de partidos pré-modernos é no interior dos círculos de poder, em um momento em que a participação política era limitada a homens de elite. Da mesma forma, democracias podem existir sem partidos políticos, uma vez que alguns sistemas eleitorais permitem candidaturas avulsas. A complexa relação entre partidos políticos e democracia passa por vários momentos ao longo da história que se relacionam com a organização social e econômica, sistema eleitoral e questões ligadas à tecnologia disponível. Nas democracias modernas os partidos políticos desempenham um papel fundamental de mediação entre a sociedade e o governo. Neste sentido, a ampliação do sufrágio foi essencial para a democratização das sociedades modernas, uma vez que irá permitir a representação política de mais setores sociais, o que também irá se refletir na organização e funcionamento dos partidos políticos. Da mesma forma, os veículos de comunicação influenciam, de forma direta, a relação dos partidos e representação política com as sociedades, como por exemplo a internet transformou profundamente a relação entre as organizações políticas e o eleitorado. Dentro desta lógica, nesta Unidade, vamos discutir, em perspectiva histórica, a relação das formas de organização partidária, representação política e democracia. 1 / 3 ˨ Material Teórico A Relação entre Partidos e Democracia Primeiramente, vamos definir o que entendemos por democracia. Em seu sentido mais estrito, democracia significa um regime no qual os representantes políticos são escolhidos por meio de eleições justas e regulares, ou seja, as eleições contam com ampla concorrência, sufrágio universal e ocorrem com regularidade, com os atores aceitando os resultados eleitorais, tendo, assim, alternância de poder de acordo com a vontade popular. Nas democracias modernas, os partidos políticos desempenham um papel primordial de mediação entre os interesses da sociedade e o governo, bem como com as elites. Nesse sentido, os partidos políticos desempenham o papel de canalizador das demandas sociais e, posteriormente, a conjugação destas em políticas públicas. Os partidos políticos, por terem um programa e uma ideologia, mobilizam os cidadãos para apoiá-los, produzindo, assim, demandas políticas. Organizações partidárias, por se tratar de Reflita - BOBBIO, 1987 “A democracia é boa em gerar demandas e ruim em satisfazê-las. A autocracia, por outro lado, está em posição de sufocar as demandas e está mais bem posicionada para atendê-las.” grupos sociais, são o ambiente no qual indivíduos com interesses comuns podem articular essas demandas (DESCHOUWER, 1996) de forma coletiva. Porém, os partidos políticos, ao representarem interesses sociais (em ocasiões divergentes), podem ser considerados fonte de estresse para o sistema político, tendo em vista que fomentam lealdades parciais. Contudo, é importante ter em mente que esta é a natureza da democracia, uma vez que podemos dizer que é um sistema político que visa a conciliação. No entanto, muitas clivagens ou conflitos tornam a sua sobrevivência problemática. Para assegurar a sobrevivência dos regimes democráticos, duas soluções podem ser apresentadas: a visão pluralista clássica, que argumenta que um certo grau de homogeneidade é indispensável; e a visão de que a acomodação das elites é necessária. Aqui, argumenta-se que a sobrevivência do sistema pode ser assegurada se as elites forem leais ao sistema democrático (DESCHOUWER, 1996). Dentro desta lógica, a alternância de poder entre partidos e o respeito desses às regras do jogo podem ser consideradas como critérios para a avaliação da consolidação dos sistemas democráticos. Uma democracia pode ser considerada consolidada se um partido ascende ao poder em uma eleição e, em seguida, é derrotado e esta transição é realizada sem percalços. Saiba Mais Os partidos também podem ter plataformas programáticas fracas, estando focados na figura do líder. Para garantir a canalização dos interesses das elites no governo e o funcionamento tranquilo de uma democracia pluralista, os primeiros cientistas políticos do pós-guerra nos Estados Unidos argumentavam a necessidade de fortalecimento dos partidos para que fosse possível um governo partidário e não personalista. Estes argumentos também foram defendidos por observadores das jovens democracias na Europa Oriental e América Latina, que atribuem as deficiências dessas democracias à ausência ou fraqueza dos partidos políticos (STOKES, 1999). Assim, os partidos são vistos como fundamentais para o funcionamento da democracia. Dentro desta lógica, quando nos perguntamos para que servem os partidos, uma resposta importante é que a política legislativa é instável sem partidos, portanto, legisladores que desejam fazer algo e que desejam que suas políticas preferidas prevaleçam, formarão partidos. Longe de ser uma consequência infeliz da natureza humana somada às liberdades liberais, os partidos introduzem eficácia nas instituições democráticas (STOKES, 1999). O sistema partidário fornece um ambiente no qual a confiança nas elites pode ser baseada em outros fundamentos para além do exercício do governo. De acordo com Deschouwer (1996), os partidos fortes são as estruturas intermediárias que permitem às democracias conviver com a realidade de não poderem atender às demandas que elas permitiram e até mesmo incentivaram a serem levantadas. A pressão é parte integrante do regime democrático, e assim o papel dos partidos como estruturas intermediárias que podem acalmar ou mesmo reverter os distúrbios é essencial para isso. Dessa forma, evoluções organizacionais e no funcionamento dos partidos podem ser responsáveis pelo aumento da pressão sobre o sistema e pela diminuição do nível de apoio (DESCHOUWER, 1996). Nas últimas décadas temos assistido a perda de confiança das sociedades na representação exercida pelas instituições democráticas, o que tem se convertido tanto em desconfiança em relação aos governos, quanto aos partidos políticos, uma vez que há um déficit na canalização dos interesses sociais para as estruturas governamentais. De acordo com Deschouwer (1996), o sentimento antipartido expressa a falta de confiança nas elites dos partidos políticos (tradicionais). Além disso, o autor argumenta que a desconfiança dos partidos políticos prejudica a democracia, assim como a desconfiança com a democracia representativa também enfraquece os partidos. Partidos e Democracia em Perspectiva Histórica Como foi visto na Unidade I, podemos pensar em três estágios de desenvolvimento partidário, sendo estes: primeiro, o partido legislativo-eleitoral, ou partido de elite; segundo, o partido de massa; e terceiro, o partido eleitoral ou burocrático. No entanto, nesta Unidade focaremos nossa atenção em entender como tem se dado a relação entre essas formas de organização partidária e a democracia, considerando as suas relações com a estrutura social. Importante! - DESCHOUWER, 1996 “Enquanto os canais de mediação entre cidadãos e a elite, especialmente os partidos políticos, forem capazes de cumprir essa missão, o regime político não perderá suporte, sendo este baseado no apoio aos partidos e confiança nas elites partidárias. Isto significa que o apoio difuso à democracia está fortemente vinculado à capacidade dos partidos políticos em atrair apoio difuso.” Dentro desta lógica, é importante ter em mente que as mudanças sociais afetam os partidos políticos, bem como alteram o grau de apoio ao sistema político. Mudanças sociais afetam os partidos e, portanto, afetam o papel que desempenham como estruturas intermediárias entre os cidadãos e as elites, e como estruturas capazes de mobilizar apoio (DESCHOUWER, 1996). Tendo esses pressupostos em mente, vamos observar as diferentes tipologias de partidos políticos (definidas na Unidade I) e suas relações com a representação política e o regime democrático. As mudanças organizacionais e funcionais dos partidos se relacionam com as funções que os partidos políticos desempenham na democracia. Desde seu surgimento, os partidos desempenham diferentes funções ao longo do tempo, estando estas funcionalidades sempre atreladas ao contexto democrático (REBELLO, 2014). Como visto anteriormente, o primeiro momento de desenvolvimento partidário está ligado ao surgimento de agremiações políticas dentro das assembleias eleitas e grupos parlamentares (o que podemos entender como idade da pedra dos partidos políticos). Estes agrupamentos políticos são o que se convencionou chamar de partidos de elite ou de quadros. Neste momento a concepção de partido político está fortemente ligada à ideia de facção, no século XVIII, com exceção do filósofo Edmund Burke, poucos dissociavam partido de facção Saiba Mais A substituição de um modelo partidário para o outro não acontece de forma homogênea, existem formas intermediárias e modelos anteriores podem conviver com o modelo vigente. (REBELLO, 2014). Até 1850, por exemplo, somente os Estados Unidos poderiam ser incluídos na lista de países que possuíam alguma forma partidária moderna. - HISTORY EXTRA, 2019 “Origens do Partido Conservador Britânico As origens do Partido Conservador remontam ao grupo “Tory” no parlamento, que surgiu no último quarto do século XVII, liderado por Robert Harley e Lord Bolingbroke, dentre outros, e ocupou o poder durante os anos finais do reinado da Rainha Ana da Grã-Bretanha.” Figura 1 – Casa dos Comuns, 1886 Fonte: SCHOOL HISTORY, 2021 De acordo com Colemer (2007), as facções tendiam a ser agrupamentos frouxos de indivíduos que se uniam para apoiar um determinado líder ou política. As facções partidárias despertavam grande desconfiança entre os pensadores que discutiam democracia no século XVII e XVIII, como David Hume e Jean Jacques Rousseau. Para esses pensadores, as facções ameaçavam a unidade do consenso previamente existente. Tendo em vista esta preocupação, os fundadores da república americana tentaram criar instituições em que as facções políticas murchariam (STOKES, 1999). Contudo, com o passar do tempo foi se desenvolvendo uma tensão entre a suspeita de divisões partidárias e a aparente inevitabilidade da organização partidária, e os partidos passaram a ser concebidos como “males inevitáveis”. É importante observar que, no século XVIII e XIX, uma das principais preocupações entre os teóricos que estão pensando a democracia (John Stuart Mill, Alexander de Tocqueville e outros) é de que o sistema democrático se tornasse um modelo político que poderia permitir a ditadura da maioria e que as minorias não fossem representadas. Trocando Ideias... Muitos pensadores sobre a democracia liberal em seus estágios iniciais temiam a inserção das classes populares no jogo democrático. Por essa razão, Stuart Mill propõe votos com pesos diferentes de acordo com a escolaridade. É importante ter em mente que nos séculos XVII e XVIII também é o momento de avanço da consolidação da garantia das liberdades individuais, ou seja, a democracia moderna tem, em seu nascimento, o caráter liberal iluminista. Dessa forma, uma das grandes preocupações era balancear a representação dos interesses coletivos, concebendo o indivíduo como uma parte do todo e, ao mesmo tempo, preservar as liberdades individuais. Como prosseguimento da ideia de que partidos políticos eram males necessários, observou-se que a pluralidade também era benéfica. Dentro desta lógica, James Madison, um dos pais fundadores da democracia estadunidense e seu quarto presidente (1809 e 1817), observou que com partidos organizados em pequenas comunidades provavelmente haveria um único partido dominante, contagiado pelos preconceitos locais e esquemas de injustiça. Por outro lado, maiores unidades políticas forneceriam menos chances de opressão por uma maior variedade de partidos, evitando, assim, que um dos partidos fosse capaz de superar e oprimir os demais (COLEMER, 2007). Reflita - MADISON, 1787 “Amplie a esfera e você terá uma variedade maior de partidos e interesses; você torna menos provável que a maioria do todo e terá um motivo comum para invadir os direitos de outros cidadãos; ou se tal motivo comum existe, será mais difícil para todos os que o sentem descobrir sua própria força e agir em uníssono uns com os outros.” É importante notar que a participação política neste momento era limitada, se caracterizando como um regime censitário e os partidos políticos não se preocupavam em conquistar um número expressivo de votos, contando somente com o apoio das elites das quais faziam parte. Os chamados “notáveis” detinham uma boa penetração entre setores privados, como bancos e indústrias que financiavam as atividades partidárias através de doações. Dentro desta lógica, as bases sociais dos partidos políticos eram fracas (REBELLO, 2014), ficando restrita às elites proprietárias. Com o avanço do processo de industrialização e do crescimento das cidades que levou ao surgimento de uma classe operária urbana, bem como a ampliação do sufrágio, não foi mais possível manter as estruturas dos partidos de elite, uma vez que agora as cidades passam a ter uma classe operária crescentemente ativa na vida política. Assim, a necessidade de competir com organizações de trabalhadores cada vez mais estruturadas fez com que houvesse uma modificação nos partidos burgueses, ainda sob o rótulo de partidos de notáveis (REBELLO, 2014). Figura 2 – Revolução Industrial Fonte: HISTORY, 2021 Para Sartori (2005), a ideia de que o surgimento dos partidos de massa está diretamente ligado à industrialização não é apoiada por evidências adequadas, uma vez que os partidos estadunidenses se tornaram de massa antes do processo de industrialização, ou seja, quando os Estados Unidos se caracterizavam como uma sociedade agrícola. Nesse sentido, Sartori (2005) argumenta que o requisito básico para o surgimento de partidos de massa é o avanço da alfabetização. Isto não quer dizer que os novos cidadãos devam ter conhecimentos ou informações sobre política, mas sim a capacidade de abstração. Considerando a premissa de que para haver um partido de massa é necessário que o partido constitua um símbolo que substitui as lealdades personalizadas e notáveis locais. - STOKES, 1999 “Essa mudança também se refletiu nas preocupações presentes na definição dos sistemas eleitorais. Os partidos e eleitores liberais se preocupavam em como manter o controle das cadeiras legislativas, diante da emergência de uma classe trabalhadora emancipada e o surgimento de partidos socialistas. Se um dos partidos liberais preexistentes dominasse o outro eleitoralmente, esse partido poderia servir como um ponto focal para os eleitores liberais, e o governo da maioria permaneceria atraente. Se dois partidos liberais preexistentes tendessem a dividir o voto igualmente, a liderança liberal preferiria mudar para um sistema proporcional para assegurar a continuação da representação liberal.” Para Deschouwer (1996), os partidos de massa surgem da tensão inerente ao regime democrático entre o individualismo e a necessidade de encontrar mecanismos para lidar com este problema, concebendo o indivíduo como parte de um corpo social mais amplo. Assim, esses partidos mobilizaram as pessoas referindo-se a elas como subgrupos sociais, como coletividades com interesses comuns. Ao fazer isso, eles forneceram estruturas culturais que evitam uma avaliação dos resultados políticos em termos estritamente individuais. Mas, ao mesmo tempo, suas ideologias se referiam claramente aos direitos individuais, ao direito de cada cidadão poder ser realmente livre e realmente igual aos outros. Aqui, é importante notar que este também é o momento de ascendência das ideias socialistas que estão fortemente ligadas ao surgimento dos partidos de massa (REBELLO, 2014). Assim, podemos observar claramente que os partidos de massa estão nessa intersecção entre os interesses coletivos, as liberdades individuais e a constituição de uma democracia de massa. A sociedade do pós-Guerra é significativamente diferente do que a do início do século XX, o que levará à crise dos partidos de massa. Este é momento histórico dos anos dourados do capitalismo e da emergência do Estado de Bem-Estar Social (Welfare State). Grandes grupos de pessoas passam a ter o acesso ao conforto do bem-estar econômico e aos valores do Ensino Superior (DESCHOUWER, 1996), nos países europeus e nos Estados Unidos, o que irá Saiba Mais Para Sartori (2005) somente a ampliação do eleitorado não é suficiente para a constituição de partidos de massa. revolucionar a forma de pensar, as expectativas em relação ao sistema político e a organização dos partidos. Saiba Mais Acesso ao Ensino Superior nos Estados Unidos (Figura 3) A Lei de Reajuste dos Militares de 1944, conhecida como GI Bill, foi um marco para o acesso ao Ensino Superior nos Estados Unidos. A lei forneceu financiamento para que veteranos frequentassem faculdades ou escolas de comércio (HISTORY, 2019), transformando o corpo discente do Ensino Superior ao remover o maior obstáculo: o custo. Os grupos socioeconômicos mais baixos passaram a estar representados no campus, democratizando profundamente o acesso ao Ensino Superior. Figura 3 – Crescimento do número de estudantes no Ensino Superior nos EUA Fonte: Adaptado de WORLD WIDE LEARN, 2021 O número de estudantes universitários quase dobrou na década de 1940, de 1,5 milhão em 1940 para 2,7 milhões em 1950. O “tapete mágico para a classe média”, como era chamado o GI Bill, vinculava permanentemente o Ensino Superior ao sonho americano. Um diploma universitário agora era a passagem para uma vida melhor (WORLD WIDE LEARN, 2021). Como mostrado anteriormente por Sartori (2005), a educação tem um papel de grande importância para democratização das sociedades, estando a alfabetização ligada ao surgimento dos partidos de massa. E da mesma forma a popularização do Ensino Superior na Europa e nos Estados Unidos está ligada à mudança organizacional dos partidos, que agora buscam alcançar amplos eleitorados que não estão mais pautados em identidades coletivas setoriais, mas buscando a melhoria de suas vidas. Para Deschouwer (1996), a melhoria da condição de vida propiciada pelo Estado de Bem-Estar Social enfraqueceu a crença na ação coletiva, que era bastante importante para o funcionamento dos partidos de massa, fazendo com que estes tivessem que se adaptar à nova lógica eleitoral. As identidades sociais que pautavam os partidos de massa se deparam com um eleitorado em mudança, mais voltado para as questões individuais. Assim, os partidos, para se adaptarem, reduzem sua bagagem ideológica, fortalecendo a liderança para garantir o acesso ao maior número de eleitores possível. O partido catch-all é claramente mais político e menos social do que o partido de massa (DESCHOUWER, 1996). Na era dos partidos de massa, a função das agremiações era mobilizar e integrar os cidadãos ao regime político, bem como a articulação de interesses, a despeito de nunca ter sido exclusiva dos partidos, era realizada de maneira central pelas legendas. Ambas as funções expressam o caráter representativo das organizações partidárias e foram se perdendo com o tempo (REBELLO, 2014). Outra mudança que altera radicalmente a comunicação dos partidos com o eleitorado é a popularização da televisão. Na era dos partidos de massa, a mobilização eleitoral era feita de forma direta, por meio dos comitês, jornais sindicais e partidários. Com a televisão, a mediação entre o eleitor e candidato passa a ser direta em relação ao veículo de comunicação, assim, o partido perde a preponderância em influência a escolha dos eleitores (REBELLO, 2014). Para ter uma ideia, nos Estados Unidos o número de aparelhos aumentou de um milhão em 1949 para cinquenta milhões dez anos depois (LIBRARY OF CONGRESS, 2021). O efeito da televisão sobre a política dividiu as opiniões entre os políticos estadunidenses. Em 1951, o presidente Harry Truman, em uma comunicação da Casa Branca, relatou sua preocupação com a transmissão das audiências do Congresso, pela tendência em se transformarem em feriados romanos. O senador John F. Kennedy afirmava que o novo meio de comunicação dava ao público uma nova oportunidade de detectar, por si mesmo, os enganos e a honestidade na imagem de um político. Porém, alertava que a televisão poderia ser instrumentalizada por demagogos, apelos à emoção, ao preconceito e à ignorância (LIBRARY OF CONGRESS, 2021). Trocando Ideias... Com a consolidação de grandes democracias, os partidos estão em uma competição por votos e, assim, passam a sentir a pressão para se adaptarem nessa direção. Como se pode observar a televisão altera o funcionamento da democracia e a cultura política. O processo político se transformou em vida real, com isso o político e a política perdem a mística e passam para o campo das coisas seculares, agora todos podem medi-lo e criticá-lo usando parâmetros comuns (NOVOSEL, 1971). Tal processo, também aproxima o cidadão comum da vida política que passa a ser acompanhada no noticiário na hora do jantar, aumentando sua informação. Além disso, as emissoras de televisão passam a ter uma maior influência política, uma vez que se constituem um filtro entre a sociedade e o governo. A mídia, nesse sentido, passa atuar também como um canalizador das pressões sociais para o governo, ao expressar suas demandas em reportagens, bem como exerce uma função de vigilância da atuação dos governos. Dessa forma, as grandes emissoras passam a desempenhar algumas das funções exercidas anteriormente pelos partidos. Figura 4 – Primeiro Debate Presidencial entre Kennedy e Nixon, em 1960 Fonte: US NEWS, 2016 A partir deste momento, eleições passam a ser baseadas mais na figura do político do que no conteúdo programático. Além disso, a utilização de pesquisas focadas e outras técnicas de comunicação são fortalecidas. E, neste sentido, como visto na Unidade I, a figura dos técnicos substitui a figura do militante. É importante levar em consideração que o sistema eleitoral é um forte determinante das características da democracia e de como o jogo da política é jogado nas campanhas e mobilizações. Mais importante ainda, os sistemas eleitorais afetam fortemente quem ganha e quem perde em termos do número de "cadeiras conquistadas" – e quem, em última análise, forma um governo – e, dentro desta lógica, as eleições passam a ser a principal finalidade dos partidos. Saiba Mais - NOVOSEL, 1971 “Dentre as muitas mudanças sociais introduzidas pela televisão é que ela também passa a atuar como integradora e afirmadora de pequenos grupos de oposição isolados. Isso é especialmente importante para os sistemas políticos nos quais a vida política foi integrada em torno de dois ou três grandes partidos políticos, e tudo fora dela permanece despercebido. Quando um grupo político tão pequeno consegue uma parte do tempo na TV, ele, imediatamente, atrai o apoio de todos os elementos semelhantes da sociedade e, com isso, a chance de influenciar o processo político mais amplo.” Para Deschouwer (1996), os partidos passam a atuar como um intermediário entre o Estado e a sociedade, e tenta vender aos consumidores (eleitores) os produtos que estão encomendando. Dentro desta lógica, o marketing político é considerado a melhor estratégia, o que encareceu significativamente as campanhas eleitorais, fazendo com que os partidos tivessem que adaptar as suas estruturas organizacionais e funcionais para atrair um maior número de financiadores. As democracias também estão passando a ter uma concepção cada vez mais pluralista. Assim, a democracia está pautada principalmente na negociação e acomodação de interesses. Nesse sentido, os partidos constroem coalizões em torno destes interesses e atuando como facilitadores de concessões, sendo assim, as eleições são propriamente escolhas entre equipes de líderes (KATZ; MAIR, 1995). Como resultados destas mudanças, o sucesso dos partidos políticos passa a estar baseado na capacidade de entregar resultados concretos. Observando este quadro, Deschouwer (1996) argumenta que a perda da capacidade das organizações políticas de mobilizar incentivos sociais coletivos difusos torna os partidos mais vulneráveis. A concepção da democracia e partidos políticos baseados na entrega de resultados específicos, ao invés de valores coletivos, torna o sistema político mais vulnerável, uma vez que se perde o reservatório de apoio difuso que um sistema precisa, especialmente em democracias, que pressupõem a necessidade de selecionar algumas demandas e rejeitar outras (DESCHOUWER, 1996). Observando esta mudança, fazer parte do governo torna-se de vital importância para os partidos, porque os partidos governantes são capazes de controlar a produção do Estado e entregar os bens que têm prometido. Dentro desta lógica, para Katz e Mair (1995), alguns partidos aderem a cartéis, tendo em vista que o acesso aos recursos estatais requer a cooperação entre os concorrentes e acordos que requerem o consentimento e cooperação de todos (ou quase todos) participantes relevantes. Deschouwer (1996) argumenta que a adaptação para o partido catch-all e, mais ainda, ao partido cartel, é resultado da tentativa de sobrevivência em um mundo onde não há garantia de sucesso. Porém, essa adaptação falhou porque os partidos tradicionais ainda são vulneráveis e, na verdade, estão ainda mais vulneráveis do que nunca. A razão para isso é que as novas formas e estratégias organizacionais tornaram a democracia um jogo mais individual, menos mediado por organizações partidárias coletivas e, como resultado disso, o partido perdeu sua capacidade de canalizar a representação social. Os partidos, ao se tornarem máquinas governamentais, perderam contato com o público e, por consequência, passa a existir uma grande lacuna de confiança entre as elites dos partidos estabelecidos e o eleitorado. Este processo de erosão dos partidos abriu espaço para o surgimento dos candidatos antissistema (os chamados outsiders), que ameaçam as estruturas partidárias ao focar na figura do líder proeminente e questionar as instituições. Dessa forma, no mundo contemporâneo, as funções de integração, mobilização e articulação de interesses do cidadão não são mais realizadas pelos partidos políticos, o que alimenta a descrença e a perda de apoio difuso das sociedades ao sistema partidário, o enfraquecendo. Outra consequência deste processo é a personalização da política, o que ameaça a política partidária. Para muitos analistas, esses processos ameaçam as democracias liberais ao corroer os canais de mediação entre a sociedade e o governo. Trocando Ideias... Claro que irá haver partidos que permanecerão na periferia do poder, fazendo a oposição, o que não significa que não terão acesso aos recursos do Estado, uma vez que podem negociar seu apoio em determinados momentos. Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Filmes Sufragistas A ampliação do sufrágio promoveu grandes mudanças nos partidos políticos, dentro deste processo de expansão a conquista do voto feminino é uma das mais relevantes. O filme As Sufragistas (2015), da diretora Sarah Gavron, mostra a luta das mulheres para a conquista do direito ao voto. 2 / 3 ˨ Material Complementar As Sufragistas - Trailer O�cial All In: The Fight for Democracy O documentário All In: The Fight for Democracy (2020), das diretoras Lisa Cortes e Liz Garbus, aborda, de forma ampla, a história da supressão de eleitores na América e a luta contínua pelo direito de voto. Em última análise, concentrado nos problemas modernos e no que eles significam para o futuro próximo, o filme também fornece uma cartilha sobre os ganhos e regressões dos negros americanos desde a fundação da nação, bem como avanços para as mulheres. Leitura História do Partido Democrata O Partido Democrata, junto com o Partido Republicano, ocupa posição de centralidade na democracia norte-americana (a principal democracia liberal na atualidade). A matéria indicada ALL IN: The Fight For Democracy – O�cial Trailer | Prime Video da revista History conta a história do Partido Democrata desde suas origens na Guerra de Secessão norte-americana até a atualidade. Clique no botão para conferir o conteúdo. ACESSE A polarização do Sistema Partidário A polarização do sistema partidário nos Estados Unidos se dá entre o Partido Republicano e o Partido Democrata. A matéria da revista History conta a trajetória do Partido Republicano desde a sua fundação, em 1854, até a atualidade do partido com Donald Trump. Clique no botão para conferir o conteúdo. ACESSE BOBBIO, N. O Futuro da Democracia: uma defesa das regras do jogo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986. COLOMER, J. 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