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ECONOMIA BRASILEIRA AULA 4 Prof. Walcir Soares da Silva Junior 2 CONVERSA INICIAL Após o sucesso do Plano Real, o Brasil finalmente conseguiu controlar a inflação galopante que assolava a economia há décadas. Com a estabilização da moeda, as expectativas eram altas em relação a um cenário econômico mais equilibrado e próspero. No entanto, a realidade mostrou que a simples conquista da estabilidade não era suficiente para solucionar os enormes abismos existentes na economia brasileira. Nesse contexto, o governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC) assumiu a presidência em 1995 com a difícil tarefa de implementar políticas econômicas e sociais capazes de enfrentar os desafios estruturais do país. Durante seus dois mandatos consecutivos, de 1995 a 2002, FHC enfrentou uma série de obstáculos, incluindo uma crise financeira internacional e a resistência política às reformas propostas. Uma das principais marcas do governo FHC foi a busca pela estabilidade macroeconômica, por meio de medidas como o controle da inflação, a redução do déficit público e a adoção de uma política monetária responsável. Essas medidas trouxeram resultados positivos, como a retomada do crescimento econômico, o aumento dos investimentos estrangeiros e a conquista da confiança dos mercados internacionais. No entanto, as políticas de ajuste estrutural adotadas pelo governo FHC também geraram impactos sociais significativos. Setores como a indústria nacional, agricultura familiar e trabalhadores menos qualificados enfrentaram dificuldades, aumentando as disparidades sociais e a concentração de renda. Além disso, a falta de investimentos em áreas como educação e saúde fragilizou o sistema público, contribuindo para a perpetuação de desigualdades sociais. Após oito anos de governo FHC, em 2002, Luiz Inácio Lula da Silva assumiu a presidência da República. Seu governo, marcado por um forte discurso em favor dos mais pobres e das políticas sociais, representou uma mudança significativa na condução do país. Os dois primeiros governos de Lula, de 2003 a 2010, foram caracterizados por uma agenda econômica que buscava conciliar o crescimento econômico com a redução das desigualdades sociais. 3 TEMA 1 – ESTABILIZAÇÃO E REFORMAS: OS ANOS FHC (1995-2002) Segundo Silveira Filho (2000), apesar das sucessivas diminuições da taxa anual de inflação, o crescimento econômico, que foi de 5,6% em 1994, caiu para 3,4% em 1995 e 2,6% em 1996. A balança comercial, superavitária de 1981 a 1994, apresentou déficits sistemáticos de 1995 a 2000, conforme pode ser observado na Figura 1. Isso significava o fim da fonte de recursos próprios para pagar os juros da dívida externa e a necessidade de aumento dos fluxos de capital externo para compensar essa perda. O balanço de pagamentos (BP) de uma economia pode ser entendido pela metáfora de uma “catraca” que contabiliza todas as divisas (no presente momento, o dólar) que entram e saem do país. O BP pode ser dividido em duas partes básicas: a conta corrente e a conta capital e financeira. A conta corrente contabiliza todas as entradas e saídas que podem ser consideradas fluxos (bens e serviços, rendas e outros tipos de transferências). A conta capital e financeira, por sua vez, contabiliza todas as entradas e saídas que podem ser consideradas estoques (investimentos de todos os tipos). Portanto, um déficit sistemático na balança comercial (lado dos fluxos, conta corrente) precisa ser necessariamente compensado por entradas na conta capital e financeira, para que o país possa honrar seus compromissos em moeda estrangeira. De 1995 a 2000, o investimento estrangeiro, tanto direto (empresas que se instalaram no país, por exemplo) quanto em carteira (investimentos em títulos ou ações brasileiros), cumpriram esse papel. Figura 1 – Balança comercial (FOB) — Saldo em US$ (milhões) Fonte: Banco Central do Brasil, Balanço de Pagamentos (BPM5) (BCB / BP (BPM5)) - BPN_SBC. -10.000,0000 0,0000 10.000,0000 20.000,0000 30.000,0000 40.000,0000 50.000,0000 4 O Brasil concretizou essa compensação com sucesso por muitos anos. De acordo com Silveira Filho (2000), o investimento direto no Brasil passou de 2 bilhões de dólares em 1994 para 32 bilhões no ano 2000. Com isso, a dependência do cenário externo tornou-se cada vez maior, uma vez que a decisão dos investidores estrangeiros é incentivada ou interrompida de acordo com as expectativas do mercado em relação aos países em desenvolvimento, como o Brasil. Essa dependência foi o principal vetor das dificuldades econômicas desse período. Quadro 1 – Lista de presidentes da república de 1995 a 2010 Período Presidente Denominação 1995-2003 Fernando Henrique Cardoso Sexta República 2003-2011 Luiz Inácio Lula da Silva Eleito em 1994 (vide Quadro 1), o primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC) tinha como trunfo o sucesso do Plano Real. No entanto, de acordo com Silveira Filho (2002), em seus dois mandatos, o crescimento da inflação superou o crescimento do salário-mínimo, embora este estivesse sempre à frente da cesta básica. Mas isso era algo positivo apenas para aqueles que conseguiram manter seus empregos. Como mostra a Figura 2, a taxa média de desemprego de 1995 a 2002 foi de 12,69%, alcançando 14,70% em 1998 e 1999, reduzindo-se apenas após 2003. Figura 2 – Brasil: taxa de desemprego (%) Fonte: Fundo Monetário Internacional, World Economic Outlook database (FMI/WEO). 0,00 2,00 4,00 6,00 8,00 10,00 12,00 14,00 16,00 1 9 9 1 1 9 9 2 1 9 9 3 1 9 9 4 1 9 9 5 1 9 9 6 1 9 9 7 1 9 9 8 1 9 9 9 2 0 0 0 2 0 0 1 2 0 0 2 2 0 0 3 2 0 0 4 2 0 0 5 2 0 0 6 2 0 0 7 2 0 0 8 2 0 0 9 2 0 1 0 2 0 1 1 2 0 1 2 2 0 1 3 2 0 1 4 5 O superaquecimento da economia no início de 1995, a queda nas reservas internacionais e os desdobramentos da crise do México colocavam o Brasil sujeito a um potencial efeito dominó, amarrado pelo regime de câmbio fixo. Embora hoje seja considerado bem-sucedido desde a sua gênese, o Plano Real, à época, despertava muitas incertezas sobre as políticas que deveriam ser adotadas e o receio da volta da hiperinflação. Todas essas pressões levaram à adoção, já em março de 1995, de medidas como a desvalorização controlada da taxa de câmbio e o aumento da taxa de juros nominal. A sinalização de que o governo estava disposto a defender sua política cambial levou ao retorno dos investidores internacionais e à recomposição das reservas. Esse ambiente favorável levou a quedas sucessivas na taxa de inflação por quatro anos consecutivos (Giambiagi, 2005). No entanto, junto à estabilidade da moeda, dois problemas se tornaram cada vez piores: o desequilíbrio externo e a crise fiscal. O primeiro foi causado, principalmente, pelo aumento exorbitante das importações após a implementação do Plano Real em conjunto com a redução das exportações, levando ao déficit comercial apresentado na Figura 1. E a solução do primeiro problema, a necessidade de investimentos externos, aumentava o endividamento e os pagamentos de juros, lucros e dividendos, levando ao segundo problema. A crise internacional de 1998 e a decorrente queda nas exportações agravaram ainda mais a situação. A solução era sabida, uma necessária desvalorização do Real, sobrevalorizado desde o início do Plano Real. O temor era a volta da inflação, uma vez que a experiência mexicana em 1995 teve como consequência uma inflação de mais de 50%. O receio do governo, frente ao ano eleitoral, levou à decisão de desvalorizar a moeda, de maneira gradual, apenas no já esperado segundo mandato de FHC. Entre 1994 e 1998, três crises importantes afetaram o mercado financeiro internacional: a crise do México (final de 1994), a crise asiática (1997) e a crise da Rússia (1998). Nessas três crises, sendo partedo conjunto de países emergentes, o Brasil se viu diante da escassez de recursos internacionais que, dado o contexto da época, sustentavam a estabilidade da economia brasileira. No entanto, a última crise, a moratória russa, foi o estopim para uma necessária e imediata ação. 6 Como descreve Giambiagi (2005, p. 176), Depois de três ataques especulativos contra o Real — em 1995, 1997 e 1998, em cada uma das crises externas anteriores — o instrumento clássico de combate a esses ataques — a alta da taxa de juros — não mais se mostrava suficiente para debelar o problema, além de agravar seriamente a situação fiscal. Foi nesse contexto de crise que FHC iniciou o seu segundo mandato presidencial, em janeiro de 1999. A desvalorização cambial se tornou iminente em meados de janeiro de 1999, quando, após tentativas fracassadas de manter a política cambial, o governo permitiu que o câmbio flutuasse. Em apoio ao câmbio flutuante, o governo adotou duas providências importantes: a elevação das taxas de juros e o sistema de metas de inflação que, juntamente com outras medidas de ajuste fiscal, tiveram sucesso em não elevar a taxa de inflação. O governo FHC, principalmente em sua segunda gestão, apresentou diversos avanços no que diz respeito às políticas sociais. É desse período a criação de programas como o Bolsa-Escola, do Ministério da Educação, que garantia benefícios às famílias que mantivessem os filhos na escola; o Bolsa- Renda, do Ministério da Integração, que atendia famílias pobres que enfrentavam o problema da seca; o Auxílio Gás, do Ministério de Minas e Energia, para subsidiar o custo do botijão de gás para famílias pobres; e o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), da Secretaria de Assistência Social, que garantia bolsas de estudos para crianças em situação de trabalho infantil. Giambiagi (2005, p. 186) defende que Quando se compara a situação social do Brasil no início da década de 2000 com a de outros países da América Latina afetados por processos de ajuste fiscal, nota-se que, como resultado dessas iniciativas, o Brasil dispõe de mais instrumentos de proteção às classes mais desfavorecidas da população. Além disso, a distribuição dos recursos é feita de forma democrática, já que a verba de um modo geral é repassada diretamente para as pessoas, sem passar pela intermediação de lideranças políticas, como em outros países da região. Em resumo, o primeiro governo de FHC foi caracterizado por uma política cambial rígida, forte dependência do financiamento externo e um grande desequilíbrio fiscal. Já o segundo governo se caracterizou pelo câmbio flutuante, redução do déficit em conta corrente e políticas fiscais contracionistas. Como 7 ponto comum, ambos os governos tiveram o combate à inflação e a preocupação com a volta da hiperinflação sempre em destaque. De acordo com Giambiagi (2005), a herança deixada pelo governo FHC foi um tripé de políticas econômicas, a saber, metas de inflação, regime de câmbio flutuante e austeridade fiscal, que, se mantidas a longo prazo, criariam condições para o desenvolvimento econômico com baixa inflação e equilíbrio fiscal e externo. Além disso, o governo FHC deixou para seu sucessor um conjunto de mudanças estruturais, como a Lei de Responsabilidade Fiscal, a reforma parcial da Previdência Social, o ajuste fiscal nos estados, o fim dos monopólios estatais nos setores de petróleo e telecomunicações, e a reinserção do Brasil no mundo. TEMA 2 – O PRIMEIRO GOVERNO LULA (2003-2006) A ascensão da esquerda ao poder no Brasil, por meio do Partido dos Trabalhadores (PT), ocorreu em 2002, com a eleição em primeiro turno de Luiz Inácio Lula da Silva. As expectativas do mercado ao longo do ano foram marcadas por certo ceticismo em relação à continuidade das políticas em prol da estabilidade, introduzidas no governo FHC. Muitos acreditavam na possibilidade de uma moratória ou adoção de políticas populistas por parte de um governo liderado pelo PT (Giambiagi, 2005). O processo de moderação foi iminente. Ao longo do tempo, inclusive antes das eleições de 2002, o PT abandonou discursos mais extremos de seus principais interlocutores e adotou uma posição mais ao centro. Mas foi a partir de 2003, já no governo, com a publicação de um documento oficial intitulado Política Econômica e Reformas Estruturais, que o governo explicitamente propôs um modelo de desenvolvimento que buscava equilibrar a estabilidade econômica com o aumento dos gastos sociais. De acordo com Giambiagi (2005, p. 203): O citado texto enfatizava tópicos como a necessidade de rever a Lei de Falências; a concessão de autonomia operacional ao Banco Central; a importância de modificar as regras de aposentadoria do funcionalismo; a defesa de uma maior focalização do gasto público e outras propostas que, até então, o PT tinha tradicionalmente combatido. Emblemático da mudança de enfoque do Partido foi o reconhecimento, nesse documento do Ministério da Fazenda, do mérito de muitas das políticas sociais do governo anterior. 8 De fato, o primeiro governo de Lula começou com políticas restritivas de ajuste fiscal e aumento da taxa de juros, na tentativa de reduzir as tensões macroeconômicas. Outras sinalizações importantes, como a escolha de Henrique Meirelles — que era visto com muita confiança pelo mercado — para o cargo de presidente do Banco Central, reduções nas metas de inflação, aumento da meta de superávit primário e cortes de gastos públicos, demonstravam que o Partido dos Trabalhadores não era mais o mesmo dos anos anteriores. Esse conjunto de ações, somadas aos excelentes resultados da Balança Comercial, levaram a uma considerável melhora na confiança do mercado em relação ao novo governo. Essa neutralização do “efeito Lula” se traduziu em uma redução tanto na taxa de câmbio, que havia aumentado consideravelmente devido às expectativas da eleição de Lula, quanto no risco-país, que havia chegado a 2000 pontos, caindo para 800 pontos. De acordo com Carvalho (2018), o crescimento da economia foi de 5,8% já em 2004, impulsionado principalmente pelo crescimento de 14,5% nas exportações. Dificilmente isso poderia ser atribuído às políticas econômicas internas, mas principalmente ao boom das commodities, um fenômeno de expansão na demanda mundial por esses produtos. Em 2005, o crescimento foi de 3,2%, com um aumento das exportações de 9,6%. Já os investimentos, que haviam registrado um aumento de 8,5% em 2004, cresceram apenas 2%. O ano de 2006 fechou com um crescimento econômico de 3,96% e a promessa de um crescimento econômico mais robusto. Em suma, foram essas medidas adotadas para controlar a inflação e promover a estabilidade econômica que permitiram uma redução gradual dos juros ao longo do tempo. Somadas ao ambiente econômico internacional favorável da época, essas políticas possibilitaram a implementação de programas de transferência de renda, como o Bolsa Família, que contribuíram para reduzir os índices de pobreza e desigualdade. Além disso, houve um aumento, mesmo que insuficiente, nos investimentos em infraestrutura e um estímulo ao consumo interno, impulsionando o crescimento econômico. Em termos gerais, o primeiro governo Lula teve resultados econômicos mistos. Houve um aumento no crescimento econômico, com uma média de aumento de 3,5% ao ano no PIB durante o período. Além disso, houve uma 9 redução significativa na taxa de pobreza e uma melhoria na distribuição de renda. No entanto, persistiram alguns desafios estruturais, como a alta carga tributária, que continuou a ser um entrave para o desenvolvimento empresarial e a competitividade do país, além da burocracia excessiva e investimentos insuficientes em infraestrutura (Carvalho, 2018). TEMA 3 – O SEGUNDO GOVERNO LULA (2007-2010) O segundo governo de Lula marcou um período de continuidadee consolidação das políticas adotadas durante seu primeiro mandato como presidente do Brasil. Iniciado em 2007, o segundo mandato foi marcado por avanços econômicos e sociais significativos. Durante esse período, o governo enfrentou desafios, mas também implementou medidas que buscaram fortalecer a estabilidade do país e promover, simultaneamente, a redução das desigualdades sociais. Segundo Carvalho (2018), foi durante o segundo mandato que o crescimento das exportações deixou de ser o principal impulsionador do crescimento econômico, cedendo lugar para a expansão do mercado interno, impulsionada pelo aumento do consumo das famílias e pelos investimentos públicos em infraestrutura. A política econômica nesse período foi baseada em três pilares: distribuição de renda na base da pirâmide, maior acesso ao crédito e maiores investimentos públicos em infraestrutura física e social. O programa Bolsa Família, que em 2004 atendia 3,6 milhões de famílias, passou a atender 12,8 milhões em 2010. Carvalho (2018) cita estudos especializados que sugerem que de 10% a 31% da queda no índice de desigualdade de Gini, nesse período, pode ser atribuída aos efeitos do Bolsa Família. A lei de valorização do salário-mínimo, aprovada em 2011, mas em prática desde 2008, também contribuiu para ampliar a participação dos salários na renda e reduzir a disparidade salarial. O período, chamado de Milagrinho pelo renomado economista Edmar Bacha, de 2006 a 2010, diferentemente do Milagre Econômico observado de 1968 a 1973, permitiu o crescimento e, finalmente, a divisão do bolo. Esse crescimento significou a inclusão no mercado de consumo de uma parte importante da população brasileira, resultado das políticas de transferência de 10 renda, valorização do salário-mínimo e retroalimentação entre o consumo e a expansão da produção. Quanto à expansão dos investimentos públicos, destaca-se o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), lançado em 2007, e o Programa Minha Casa, Minha Vida, lançado em 2009. O PAC foi uma iniciativa estratégica implementada durante o governo Lula, com o objetivo de impulsionar o desenvolvimento econômico e social do Brasil. Teve como foco principal a realização de investimentos em áreas-chave, como infraestrutura, habitação, energia e saneamento básico. Ao longo de sua execução, o programa alcançou resultados significativos, como a construção e recuperação de rodovias, aeroportos e portos, a ampliação do acesso à moradia e o aumento da capacidade de geração de energia. Além disso, o PAC também contribuiu para a geração de empregos e o estímulo à economia, fortalecendo a posição do Brasil como um país em crescimento e transformação. O Programa Minha Casa Minha Vida foi criado como uma iniciativa para enfrentar o déficit habitacional e promover o acesso à moradia digna no Brasil. O programa ofereceu subsídios e facilidades de financiamento para a construção e aquisição de imóveis, beneficiando principalmente as famílias de baixa renda. O programa gerou impactos significativos na economia, como a criação de empregos no setor da construção civil e o aumento do consumo de materiais de construção. Além disso, contribuiu para a melhoria da qualidade de vida das famílias beneficiadas. Por fim, torna-se evidente a complexidade dos desafios enfrentados durante o segundo governo Lula. Embora tenha havido avanços notáveis, também surgiram questionamentos e críticas em relação à sustentabilidade da estratégia de crescimento adotada. Especialmente, a visão de que o país precisava fortalecer a competitividade das empresas nacionais diante da concorrência estrangeira ganhava cada vez mais apoio. A mudança da estratégia durante o governo Dilma, entre 2011 e 2016, resultou na adoção de uma política voltada para a redução de impostos, concessões e estímulos ao setor privado. Embora essa mudança tenha sido implementada com o objetivo de impulsionar o crescimento econômico e atrair investimentos, ela teve um custo significativo na forma de desaceleração da economia. 11 TEMA 4 – SISTEMA DE METAS DE INFLAÇÃO E O TRIPÉ DA POLÍTICA ECONÔMICA O regime de metas de inflação (SMI) adotado pelo Brasil a partir de junho de 1999 tem sido uma âncora nominal dos preços, com o compromisso institucional do Banco Central do Brasil (BCB) de manter a inflação próxima de uma meta estabelecida. Esse compromisso é essencial para controlar o nível geral de preços e tem se baseado em cinco elementos operacionais (Banco Central do Brasil, 2021). • Forte compromisso institucional do BCB de que a estabilidade de preços é o principal objetivo da política monetária. Isso é respaldado pela Lei de Responsabilidade Fiscal e pelo Conselho Monetário Nacional, que conferem autonomia operacional ao BCB. • Publicidade das metas de inflação, ou seja, a divulgação das metas para a inflação, que são definidas em horizontes temporais determinados. Essa transparência permite que o mercado e os agentes econômicos ajustem suas expectativas em relação à inflação. • Explicações de como as diversas variáveis econômicas afetam as decisões da política monetária. Isso implica fornecer informações claras sobre a estrutura de metas e os mecanismos utilizados para atingir essas metas. • Transparência na estratégia de política monetária, por meio da comunicação efetiva com o público e os mercados. O Banco Central do Brasil (BCB) divulga regularmente seus planos, objetivos e decisões, fornecendo informações que auxiliam na formação das expectativas dos agentes econômicos. • Atribuição de responsabilidade ao BCB para que a inflação convirja à meta. Isso significa que o BCB é responsável por adotar as medidas necessárias para alcançar e manter a estabilidade de preços, utilizando instrumentos de política monetária. Diferentemente de outras âncoras nominais, o SMI possui uma relação especial com as expectativas dos agentes econômicos. Ao institucionalizar o compromisso de manter a inflação dentro de um patamar determinado, o SMI 12 atua como um guia para as expectativas, fornecendo previsibilidade e orientação aos agentes econômicos. Além disso, o SMI se destaca pela transparência, pois fornece informações detalhadas sobre as metas e os mecanismos de política monetária, que são disponibilizadas ao público. Essa transparência contribui para a confiança na política monetária e na estabilidade de preços. O SMI faz parte de um tripé da política econômica brasileira, juntamente com o câmbio flutuante e o superávit primário. Esse tripé foi estabelecido no governo FHC com o objetivo de promover maior estabilidade econômica e viabilizar o crescimento sustentado do país. O câmbio flutuante permite que a taxa de câmbio varie de acordo com as condições de mercado, o que facilita o ajuste do fluxo de entrada e saída de recursos do país. Isso evita problemas no balanço de pagamentos e contribui para a estabilidade econômica. Por fim, o superávit primário consiste na política de controle fiscal, garantindo o pagamento dos juros da dívida pública e transmitindo segurança aos investidores. Além disso, o superávit primário também ajuda a evitar problemas de caixa do governo e reduz a necessidade de aumentos tributários. Juntos, o SMI, o câmbio flutuante e a política do superávit primário desempenham um papel crucial na promoção da confiança na economia brasileira. Durante o período de 1999 a 2014, esses elementos foram fundamentais para a estabilidade econômica do país, mantendo as contas públicas em ordem e controlando a inflação. No entanto, a partir de 2015, as contas públicas do Brasil se deterioraram e a inflação assumiu uma dinâmica que dificultou o cumprimento da meta estabelecida. Diversos fatores, como a crise econômica mundial, a instabilidade política e a queda na confiança dos agentes econômicos, contribuíram para esse cenáriodesafiador. É importante ressaltar que as políticas econômicas estão sujeitas a mudanças e desafios ao longo do tempo. O SMI e o tripé da política econômica podem ser ajustados e aprimorados para lidar com novas circunstâncias e garantir a estabilidade e o crescimento sustentado no Brasil. Além disso, é essencial considerar as críticas em relação ao SMI e ao tripé de políticas. Algumas preocupações apontam para a possível limitação da política monetária em lidar com outros objetivos macroeconômicos, como o crescimento econômico e o emprego. Questões relacionadas à desigualdade social e distribuição de 13 renda também são levantadas, questionando se essas políticas são capazes de promover um desenvolvimento mais inclusivo. TEMA 5 – CRISE ECONÔMICA GLOBAL DE 2008 Este tópico finaliza esse período da economia brasileira analisando os desdobramentos da crise mundial de 2008, marcando um ponto de partida para a compreensão dos desafios enfrentados pelo país a partir de então. A crise financeira global, desencadeada pela quebra do Lehman Brothers nos Estados Unidos, teve efeitos significativos em todo o mundo, afetando também a economia brasileira. A crise de 2008 expôs a vulnerabilidade do sistema financeiro global e teve um impacto profundo nos fluxos de comércio, investimentos e na confiança dos mercados. No Brasil, a economia sentiu os efeitos dessa crise por meio de diversos canais de transmissão, como a queda nas exportações, a diminuição dos investimentos estrangeiros e a retração do consumo doméstico. Segundo Carvalho (2008), a crise mundial chegou ao Brasil na forma de contração de crédito, queda no preço das commodities e saídas de capitais estrangeiros, levando à desvalorização do real frente ao dólar. Esses efeitos levaram a uma contração da demanda e dois trimestres consecutivos de queda no PIB. No entanto, já no segundo trimestre de 2009, o PIB registrou um aumento de 2,3%, mantendo-se com taxas de crescimento superiores à média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) até meados de 2011. Portanto, durante os anos iniciais da crise mundial de 2008, o Brasil foi relativamente menos afetado em comparação a outros países, especialmente aqueles com economias mais interligadas ao sistema financeiro global. Essa resiliência pode ser atribuída a uma combinação de fatores internos e externos. Uma das principais razões foi a situação econômica e financeira brasileira relativamente sólida na época. O país havia implementado reformas estruturais nas décadas anteriores, como a estabilização monetária e a melhoria do ambiente de negócios, o que ajudou a fortalecer os fundamentos econômicos e financeiros. Carvalho (2008) argumenta que além das políticas de transferência de renda, valorização do salário-mínimo e investimentos do PAC e da Petrobras, o 14 governo adotou uma política monetária expansionista, conferindo liquidez ao sistema financeiro, como a redução de depósitos compulsórios e a criação de linhas de crédito com juros subsidiados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e pelos bancos públicos, Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil. No âmbito fiscal, as medidas incluíram desonerações tributárias — redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para automóveis e, posteriormente, para outros bens de consumo duráveis (linha branca), móveis, materiais de construção, bens de capital e alguns alimentos —, transferências do governo federal para estados e municípios, aumento da participação federal em investimentos em parceria com outros entes federativos, ampliação da duração e do valor do seguro-desemprego, entre outros (Carvalho, 2018). No entanto, é importante ressaltar que, embora o Brasil tenha experimentado uma recuperação relativamente rápida nos anos subsequentes à crise, ele não ficou imune aos seus desdobramentos. À medida que a crise se aprofundava globalmente, o Brasil enfrentou desafios, como a desaceleração econômica, a queda nos preços das commodities e a pressão inflacionária. Além disso, os efeitos da crise se intensificaram nos anos seguintes, com a desaceleração do crescimento econômico, o aumento do desemprego e a deterioração das contas públicas. Esses desdobramentos tiveram um impacto significativo na economia brasileira e foram um dos elementos que moldaram o cenário enfrentado pelos governos Dilma Rousseff (2011 a 2016), que buscaram lidar com os desafios econômicos e políticos resultantes da crise mundial de 2008. A busca por soluções para impulsionar o crescimento econômico e enfrentar a deterioração das contas públicas tornou-se uma prioridade. No entanto, a expansão fiscal e o aumento dos gastos resultaram em pressões inflacionárias, desequilíbrios fiscais e aumento da dívida pública. Além disso, a deterioração da confiança dos investidores e a incerteza política contribuíram para um ambiente econômico instável, que moldou o cenário enfrentado pelos governos Dilma Rousseff. NA PRÁTICA 1. Explique a relação entre o Plano Real e a necessidade da âncora cambial, considerando as implicações e desafios decorrentes dessa escolha. 15 2. De que maneira as crises internacionais do México (final de 1994), a crise asiática (1997) e a crise da Rússia (1998) impactaram de forma diferenciada os países em desenvolvimento, em especial o Brasil? Analise também como o tripé econômico foi utilizado como estratégia para manter a estabilidade econômica diante dessas crises. 3. Como a crise de confiança enfrentada pelo primeiro governo Lula se relaciona com as políticas adotadas nesse período? Aborde as principais políticas implementadas e discuta como elas influenciaram a contenção da crise, levando em consideração os desafios políticos e econômicos enfrentados pelo governo. 4. Qual foi a abordagem adotada pelo segundo governo Lula para conciliar o crescimento econômico com a redução da desigualdade social? Analise as políticas implementadas nesse período e destaque as principais diferenças em relação ao período do Milagre Econômico (1968-1973), considerando as transformações sociais, econômicas e políticas ocorridas nesse intervalo de tempo. FINALIZANDO Neste capítulo, abordamos um período de intensos desafios econômicos e políticos no Brasil, que englobou os governos de Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva (primeiro e segundo mandatos) e a crise mundial de 2008. Durante esses anos, a economia brasileira passou por transformações significativas, enfrentando obstáculos e buscando soluções para garantir estabilidade e promover o desenvolvimento. O governo de Fernando Henrique Cardoso foi marcado pela implementação do Plano Real, que trouxe uma estabilização econômica inicial e a conquista de avanços importantes. No entanto, também enfrentou desafios, como as turbulências financeiras internacionais e a necessidade de adotar políticas para fortalecer o equilíbrio fiscal. Em seguida, os governos de Luiz Inácio Lula da Silva trouxeram uma nova perspectiva para o país. O primeiro mandato de Lula foi marcado pela continuidade das políticas de estabilidade econômica, mas também pela busca por uma maior inclusão social e redução das desigualdades. Foram implementadas políticas de transferência de renda, expansão do crédito e fortalecimento do mercado interno, que impulsionaram o 16 crescimento econômico e trouxeram benefícios para uma parcela significativa da população. No entanto, o segundo mandato de Lula enfrentou desafios adicionais, como a crise financeira mundial de 2008 e os sinais de esgotamento do modelo de desenvolvimento econômico adotado. Os desdobramentos dessa crise e as políticas utilizadas em resposta a ela foram elementos cruciais que moldaram o cenário enfrentado pelos governos seguintes, em especial o governo de Dilma Rousseff.17 REFERÊNCIAS BANCO CENTRAL DO BRASIL. Metas para a Inflação no Brasil. 2021. Acesso em: . Acesso em: 12 jul. 2023. CARVALHO, L. Valsa brasileira: do boom ao caos econômico. 1. ed. São Paulo: Todavia, 2018. GIAMBIAGI, F. et. al. Economia brasileira contemporânea. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005. SILVEIRA FILHO, J. da. Aquarela brasileira: um perfil econômico do país. Curitiba: Ed. do Autor, 2000.