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AGRADECIMENTOS Gostaria de agradecer inicialmente ao CNPQ pela concessão da bolsa de pós-doutorado que possibilitou a realização desse livro, bem como à minha querida orientadora, Cecília Loreto Mariz, pela atenção e o cui- dado na condução desse meu trajeto. Em seguida, quero ressaltar a con- tribuição dos meus colegas e amigos, que fazem parte desse grupo de pesquisa, pela confiança e partilha das suas investigações, experiências e intervenções, que resultaram na constituição desse livro. Enfatizo e agradeço também pelo estímulo e apoio que todos nós recebemos dos nossos familiares, que é fundamental nas nossas realiza- Créditos ções; o incentivo e o carinho dos nossos companheiros(as) de trabalho; Projeto Gráfico: Ana Farias a atenção e o cuidado dos funcionários (as) da Editora Universidade Capa: Érika Viviane Revisão: o autor Federal de Pernambuco, assim como da espiritualidade que possibilitou Montagem e Impressão esse nosso trajeto. Editora Universitária UFPE Rua Acadêmico Hélio Ramos, 20 I Várzea, Recife PE CEP: 50.740-530 Fones: (0xx81) 2126.8397 2126.8930 Fax: (0xx81) 2126.8395 www.ufpe.br/edufpe livraria@edufpe.com.br Editora associada Associação Brasileira de Editoras Universitárias Catalogação na fonte Bibliotecária Joselly de Barros Gonçalves, CRB4-1748 P474 Pesquisas e intervenções psicossociais / organizadora Rubenilda Maria Rosinha Barbosa. - Recife Ed. Universitária da UFPE, 2012. 215 p. il., figs. Vários autores. Inclui referências. ISBN 978-85-415-0070-8 (broch.) 1. Psicologia 2. Psiquiatria - Pesquisa. I. Barbosa, Rubenilda Maria Rosinha (Org.) 362.20425 CDD (23.ed.) UFPE (BC2012-067) TODOS os DIREITOS Proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo, especialmente por sistemas gráficos, microfílmicos, fotográficos, reprográficos, fonográficos e videográficos. Vedada a memorização e/ou a recuperação total ou parcial em qualquer sistema de processamento de dados e a inclusão de qualquer parte da obra em qualquer programa juscibernético. Essas proibições aplicam-se também às características gráficas da obra à sua editoração.Capítulo 4 PSICOLOGIA E A ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA: O APOIO COMO FERRAMENTA DE REFORMULAÇÃO DAS PRÁTICAS DE CUIDADO EM SAÚDE Pedro Renan Santos de Mayrá Lobato Flavia INTRODUÇÃO Na contemporaneidade a Psicologia tem sido convocada aos diversos espaços e, dentre elas, a Saúde Coletiva tem sido campo crescente de absorção desta categoria no âmbito da atuação no setor público (SPINK, 2007; DIMENSTEIN, 1998; OLIVEIRA et al, 2004). O cenário de práti- cas da Atenção Primária a Saúde (APS) nos parece propício para refle- tir criticamente sobre a inserção do profissional da Psicologia no SUS Sistema Único de Saúde. Problematizar esta inserção nos demanda reflexão sobre o fazer psicológico no campo de ações interdisciplinares, tão necessário na atuação em demandas complexas como as situadas nos centros urbanos das capitais brasileiras. Psicólogo e Residente em Psicologia no programa de Residência Multiprofissional em Saúde da Família e Comunidade do Sistema Municipal de Saúde Psicóloga e Residente em Psicologia no programa de Residência Multiprofissional em Saúde da Família e Comunidade do Sistema Municipal de Saúde Psicóloga e Especialista em Psicologia Hospitalar. Preceptora da categoria de Psicologia do programa de Residência Multiprofissional em Saúde da Família e Comunidade do Sistema Municipal de Saúde PESQUISAS E INTERVENÇÕES PSICOSSOCIAIS 71Esse trabalho se insere em uma nova coletânea de práticas e num MODELO PSICOLÓGICO HEGEMÔNICO E A contexto ético-político influenciado pelo fortalecimento e tentativa de CONSTRUÇÃO DE UM NOVO MODELO DE SAÚDE consolidação da Estratégia de Saúde da Família (ESF), no âmbito da Saúde Pública, como modelo organizador da APS. Modelo que tem Durante várias décadas do século XX a Psicologia enquanto ciência como foco de ação não mais a cura individual dos males clínicos, mas a se dedicou a instituir ou mesmo legitimar um sujeito construído por atenção à saúde da comunidade em sua complexidade social, tomando pensamento modelar, como afirma Andrade e Morato (2004). Ou seja, na prevenção e promoção de saúde o eixo estruturador da ação das um sujeito que se constitui a partir de configurações identitárias, pas- equipes de saúde de determinado território de abrangência de atuação síveis de generalizações, em detrimento das diferenças, negligenciando (ANDRADE; BARRETO; BEZERRA, 2006). os processos de singularização (ou subjetivação), significando esta dife- O desenvolvimento da ESF tem como consequência e desdobra- rença como desvios ou erros quando comparada às normas. Dito em mento a criação dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família NASF (BRA- outras palavras, SIL, 2008), que tem por finalidade ampliar a abrangência e o escopo das ações da atenção básica bem como sua resolubilidade, efetivando o pensamento modelar, predominante nas sociedades oci- equipes multiprofissionais em apoio as Equipes de Saúde da Família, a dentais, naturaliza valores morais e avalia a vida a partir des- tes, criando um processo perverso de reprodução de sistemas luz de princípios norteadores como integralidade e de responsabilidade sociais injustos (ANDRADE; MORATO, 2004, p. 346). sanitária. O objetivo deste capítulo, situado no cenário descrito acima, é discu- Foi nesse campo que a Psicologia configurou seu modelo hegemô- tir sobre os processos de "Apoio" o qual a Psicologia é demanda a reali- nico de práticas. A partir da década de oitenta, com associação de diver- zar pelo NASF, modelo amplificador da APS. O termo Apoio aparecerá, SOS motivos, dentre eles a derrocada econômica da clínica particular e portanto, neste trabalho não como verbo, mas como substantivo. Dito entrada da psicologia no serviço público (DIMENSTEIN, 1998), além de outra forma, o Apoio será refletido como um "operador-conceitual" de apontamentos teóricos e experiências práticas realizados pelas teo- introduzido nas práticas de Saúde Coletiva pela política do NASF. rias críticas da psicologia, como encontramos na América Latina em Situar e discutir, portanto, a psicologia enquanto categoria imersa Maritza Montero (1994), Martín-Baró (1997) e mesmo no Brasil com a neste modelo organizativo de Atenção a Saúde requer um exercício de Silvia Lane (1995), a psicologia se debruça em uma nova problemática, problematização das condições de possibilidades que fizeram a inserção que implica esta ciência com a transformação da sociedade e produção desta profissão nesse campo de atuação e também de refletir critica- de saber que abarque o sujeito em sua realidade concreta de vida. mente o desdobramento da atuação de uma categoria dita "especialista" Como aponta e problematiza o Conselho Federal de Psicologia num campo de práticas coletivas de produção de saúde. A como podem ser construídas práticas que atendam à real tização sobre os processos de "Apoio" o qual a psicologia realiza será e concreta demanda da população brasileira de modo a contextualizar trazido como mote para a reflexão do modelo de Psicologia que se tem as problemáticas emergentes em cada comunidade? Redimensionando feito no âmbito da Saúde Coletiva. a pergunta, como posicionar a produção de saberes e de práticas volta- dos para a transformação das relações de opressão e exclusão no bojo de um modo de organização social e econômica capitalista? 72 Rubenilda Maria Rosinha Barbosa PESQUISAS E INTERVENÇÕES PSICOSSOCIAIS 73A psicologia em todas as suas áreas, em maior ou menor escala, A Saúde passa a ser entendida como direito de todos e dever do sofre a ressonância dessas problemáticas. A Psicologia Social, entre- Estado (BRASIL, 1988), peso de relevância constitucional que garante tanto, concentra grande esforço de resposta a estes questionamentos. Os investimento dentro das políticas públicas no Brasil, abarcando um autores desta área (MONTERO, 1994, 1997; LANE, estado subjetivo de bem estar à população, obtida através de: 1995; SPINK,2007) fazem emergir um novo campo conceitual e prático, em que o sujeito psicológico é construído a parir de dinâmicas locais [...] reformulação e execução de políticas econômicas e e comunitárias (GÓIS, 2008), concebidos por dinâmicas vivenciais e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos no estabelecimento de condições que assegurem afetivas localizados histórico-culturalmente o qual o campo de inter- acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a venção não mais comporta o sujeito racional normatizado, mas sim o sua promoção, proteção e recuperação Art. da Lei sujeito e a comunidade em que vive, influenciados por modelos de pro- 8.080, BRASIL, 1990). dução social, nos quais se incluem processos de opressão e exclusão. Fruto também de questionamentos conceituais, políticos e ideoló- Portanto, as políticas públicas do setor Saúde, tomam também como gicos, a Saúde enquanto campo conceitual e de atuação sofreu diversas espaço de visão a possibilidade da atuação na saúde ser instrumento modificações ao longo do século XX. Como relata Andrade e Simon de mudança social, focando o campo interdisciplinar e sendo alvo de (2009, p.167), penetrações epistemológicas e práticas dos diversos saberes, que não seriam mais exclusivos da biomedicina, mas que indicassem o possível O processo de mudança do paradigma em saúde destacou- rompimento com o modelo hegemônico de enfoque privatista, curativo. -se na década de 1970 pela constatação da fragilidade do Entretanto, nem todos os movimentos e práticas nesse campo seguiram, modelo biomédico, diante do novo perfil epidemiológico de forma sincrônica as mudanças vislumbradas pelo novo aporte legal caracterizado não mais pelas doenças infecciosas, mas pelas doenças crônico-degenerativas. ético e político do Sistema Único de Saúde (SUS), percebendo-se con- tradições oriundas de uma herança de sistema público de saúde dual; Acrescido a isto, as tecnologias curativas se desenvolverem significa- uma tradição histórica de centralização e verticalização, vinculada ao tivamente e o gasto com tais cuidados se tornam cada vez mais onerosos mercado de trabalho previdenciário (COHN, 2006). para os governos, afirmam os autores supracitados. Magda Dimenstein (1998; 2000; 2001), importante estudiosa da prá- Nesse cenário de indagações e reformulações de gestões de saúde nos tica da psicologia na Atenção Primária, em diversas obras vem apon- governos nacionais e em meio à efervescência política dos movimentos tando para a formação do psicólogo, uma das profissões do campo de reformas sanitárias no mundo, uma série de eventos organizados saúde, distante das reais necessidades da população brasileira, como pela Organização Mundial de Saúde (OMS) dá origem a documentos preconiza o SUS. Vale salientar que a incursão desta profissão no campo que servirão mais tarde para, em conjunto as reivindica- da Saúde Pública se deu por diversos fatores, dentre eles, o fenômeno de ções das lutas do movimento de reforma sanitária brasileira, reformular retração de mercado de consultórios privados que atingiu o setor devido a política nacional de assistência a Saúde no Brasil. à crise econômica na década de 80, além da política de recursos huma- nos nas Políticas Públicas, e a difusão da psicanálise e psicologização da sociedade, além do, já citado, movimento de redefinição da psicologia na sociedade. Declaração de Alma-Ata (1978) e a Carta de Ottawa (1986) 74 Rubenilda Maria Rosinha Barbosa PESQUISAS E INTERVENÇÕES PSICOSSOCIAIS 75A prática do psicólogo, inserido nesse campo, por sua vez, foi mar- bém a formação em psicologia desconectada com as atuais demandas e cada pela simples transposição da clínica privada para a assistência inserção dos psicólogos nos campos sociais, inclusive a Saúde Pública. pública (DIMENSTEIN, 2000). Além disso, os estudos, como aquele apontado por Andrade e Simon (2009), comprovam que a formação mesmo com as devidas reformas de parâmetros curriculares, ainda INSERÇÃO DO PSICÓLOGO NA eram e estão distantes de uma habilitação real para o trabalho no SUS. ATENÇÃO PRIMÁRIA DO SUS Sobre a formação do psicólogo para este campo, importante pes- quisa de Guareschi et al. ( 2009) destaca que os eixos formativos dos Discutido, então, o modelo hegemônico que ainda orienta a psicolo- cursos de psicologia estão aquém do modelo compatível com o SUS. As gia, mesmo confrontado com teorias críticas a este modelo, como a Psi- formações ainda pautam como estruturantes dos currículos dos psicó- cologia Social, e atualizado o debate sobre o contexto em que a Saúde logos as disciplinas biomédicas e as de enfoque do desenvolvimento na Pública se encontra, legal ético e politicamente, no Brasil, podemos ini- psicometria (tais como a avaliação psicológica e estudos da psicopatolo- ciar o debate sobre a inserção da Psicologia na esfera da Atenção Primá- gia). A autora destaca que o fundamento e relação do desenvolvimento ria à Saúde (APS). majoritário dessas disciplinas estão no comprometimento da psicologia No âmbito do SUS, a assistência à saúde é dividida em níveis de aten- com a industrialização e medicalização da sociedade brasileira à época ção: primário, caracterizado por ser a porta de entrada da população da regulamentação da psicologia, em 1962. Em menor escala se vê a ao sistema; secundário, nível de atenção em que as especialidades se presença das disciplinas Sociais (psicologia social e comunitária) como encontram e tem como característica o trabalho de recuperação dos as menos presentes, entretanto as mais conectadas com o perfil do tra- indivíduos acometidos por agravos a saúde; o terciário, que se caracte- balho no SUS. Guareschi (2009, p. 41) destaca que a riza pelos serviços de alta complexidade, estando aqui os maiores gastos [...] importância da diversidade e multiplicidade das condi- do sistema de saúde. ções de vida, bem como a inter-relação teórico-metodoló- A Atenção Primária à Saúde, portanto é a chave organizacional do gica na formação em Psicologia para contemplar o enfoque sistema. De acordo com a Política Nacional de Atenção Básica (BRA- multidisciplinar que determinadas práticas psi passam a SIL, 2006), responsável pela organização da Atenção Primária brasileira, demandar por causa da complexidade dos contextos sociais, este nível de atenção é responsável pela coordenação e integração dos são propiciadas, em parte, pelos movimentos epistemológi- que a Psicologia Social proporciona às práticas. cuidados em saúde. A APS é considerada o nível mais próximo da vida concreta dos usuários do sistema de saúde, o que possibilita a ação com Dessa forma, podemos perceber que esta autora situa a produção enfoque nos determinantes de saúde, portanto, tem como eixo a atenção curricular da formação da psicologia fundamentada no mesmo campo aos indivíduos, suas famílias e a população, e não mais a doença. Dessa de poderes em que a psicologia enquanto ciência se propôs a desenvol- forma, procura descolar o enfoque da entidade doença dos indivíduos ver. Afirma Guareschi (2009, p. 37) que "o currículo é um campo em que para os processos de adoecer das pessoas e coletividades ao se debruçar estão em jogo múltiplos elementos, os quais estão implicados em relações para os possíveis riscos e vulnerabilidades inerentes em tais processos e de poder e compõem uma política cultural". Assim, temos justificado tam- propiciar formas de promoção e prevenção à saúde dentro de seus con- textos de vida sócio-histórico-comunitários 76 Rubenilda Maria Rosinha Barbosa PESQUISAS E INTERVENÇÕES PSICOSSOCIAIS 77No que concerne a atuação da categoria Psicologia na especificidade tal que os serviços de saúde devem ter "uma interação e integração com da atuação na Atenção Primária, a prática psicológica no contexto da o movimento da vida nos lugares onde as pessoas vivem". atenção primária à saúde ocorreu, inicialmente, por meio da importa- Para efetivação da ESF enquanto política que organiza a Atenção ção do modelo clínico tradicional, como supracitado. Ou seja, gerou-se Primária, mas que também muda o lócus da atuação da queixa-con- a transposição de uma prática psicoterapêutica tradicional em unidades duta para ações de uma clínica ampliada, o país adotou a política de de saúde com atendimentos exclusivamente individuais, muitas vezes implantação do NASF Núcleo de Apoio à Saúde da Família (BRASIL, desarticulados da corresponsabilização do cuidado com as equipes de 2008). O NASF, segundo a Portaria 154/GM saúde e sem considerar as próprias demandas sociais e comunitárias DA SAÚDE, 2008), tem como principal objetivo apoiar a inserção da envolvidas nos processos de saúde e doença da população. As particu- Estratégia de Saúde da Família na rede de serviços, além de ampliar a laridades deste campo de práticas não receberam a devida atenção do abrangência e o escopo das ações da APS, e aumentar sua resolutivi- profissional que se posicionou de maneira acrítica, descontextualizada dade, reforçando os processos de territorialização e regionalização em e não-histórica como bem discutido por Silva (1992), devido, princi- saúde. Este deve ser constituído por uma equipe, na qual profissionais palmente, à dificuldade curricular das formações em psicologia como de diferentes áreas de conhecimento, incluindo-se aí a psicologia, atuem também citado acima. em conjunto com os profissionais das equipes de Saúde da Família. Dessa forma, as equipes apoiadoras da Saúde da Família não deve- rão se constituir como porta de entrada do sistema para os usuários, A ESF E NASF: INSERÇÃO DO PSICÓLOGO ou seja, estas equipes deverão ampliar o leque de ações dos serviços de saúde possibilitando ação resolutiva e olhar integral sobre o sujeito em Desde 1994, o Brasil aposta no modelo reorganizador da APS, através sofrimento a partir da demanda já assistida pelas equipes de saúde de da Estratégia Saúde da Família (ESF). A ESF é uma das modalidades determinado território. Do ponto de vista operacional, o NASF é com- de organização dessa atenção primária, se configurando atualmente posto por nove áreas estratégicas, seguindo as diretrizes da atual polí- enquanto principal meio de organização e reorientação do modelo de tica dos núcleos. São elas: saúde da criança/do adolescente e do jovem; assistência às pessoas. Ela é operacionalizada mediante a implantação saúde mental; reabilitação/saúde integral da pessoa idosa; alimentação e de equipes em centros de saúde da família e com a responsabilização nutrição; serviço social; saúde da mulher; assistência farmacêutica; ati- por parte dessas equipes do acompanhamento de um número definido vidade física/ práticas corporais; práticas integrativas e complementares. de famílias, localizadas em uma área geográfica delimitada (BRASIL, A Psicologia, de acordo com as diretrizes nacionais do NASF, deve 2006). dar suporte especialmente as ações do eixo de Saúde Mental nos territó- A principal característica operacional que definiria de forma singu- rios das EqSF. O objetivo principal deste eixo de atuação seria aumentar lar a ESF da tradicional Atenção Primária é a longitudinalidade do cui- a capacidade das EqSF em lidar com o sofrimento psíquico e integrá-las dado em saúde. De acordo com Nepomuceno (apud CFP, 2009, p.52), com os demais pontos da rede assistencial, segundo a lógica da atual esse acompanhamento longitudinal nos territórios e comunidades de Política Nacional de Saúde Mental (BRASIL, 2001) que preconiza o abrangência das equipes de saúde da família (EqSF) se daria de forma cuidado o mais próximo da rede familiar, social e cultural do paciente, para que seja possível a reapropriação de sua história de vida e de seu processo de saúde/adoecimento. A lógica do apoio matricial, segundo Rubenilda Maria Rosinha Barbosa PESQUISAS E INTERVENÇÕES PSICOSSOCIAIS 79desenvolvido por Campos (2000) e Campos e Domitti (2007), é o apon Em outro dicionário5 encontramos semelhança conforme tamento teórico que trata do apoio que o profissional psicólogo prestará segue: apoio S. m.1. O que sustenta. 2. O que tem alguma coisa sobre em seu processo de trabalho. si; sustentáculo, base; esteio, arrimo. 3. Auxílio, protecção, proteção. Dessa forma, a atuação do psicólogo nessa estratégia é entendida Enquanto verbo, apoio torna a ação Apoiar, que no mesmo dicioná- como nova, mesmo porque o histórico de atuação psicológica esteve rio encontramos: como debatemos anteriormente, claramente desconectada com a real necessidade das políticas públicas e mesmo da população. A apoiar (espanhol apoyar, do italiano appoggiare) tr. 1. Prestar apoio a. 2. Encostar, estribar. 3. Aplaudir. 4. Basear, gia NASF inaugura um lugar específico ao Psicólogo no bojo da ESF fundar. 5. Tornar saliente, chamar a atenção para. V. pron. 6. Mas será que esse lugar comporta o modelo de atuação hegemônico, ou Contar com o apoio de. requer inovação, criatividade e redimensionamento de suportes teóri- e práticos? Percebemos que uma atuação baseada no Apoio pode criar sustento e base, fundamento e aplauso, tornar saliente e prestar auxílio. Esta pos- sibilidade torna as relações interpessoais mais horizontais, sendo esta PSICÓLOGO NA ESTRATÉGIA SAÚDE DA uma postura fundamental e urgente nas contingências atuais dos servi- FAMÍLIA: A PRÁTICA DE "APOIO" de saúde, quando se objetiva romper com padrões de fragmentações dos processos de trabalho enrijecidos por corporativismos e submissões A partir deste momento, algumas indagações sobre a prática psicológica de modelos herdados historicamente nos serviços públicos de saúde. A oriundas de reflexões sobre o cotidiano dos processos de trabalho nos palavra apoio surge para referenciar uma nova postura paradigmática de Centro de Saúde da Família se fazem necessárias, pois a problematiza um setor saúde capaz de gerar processos mais humanos e democráticos. ção norteadora aqui se coloca: está clara qual é a função do psicólogo Campos e Domitti (2007, p.402) destacam que atuante dentro dos NASF que servem de retaguarda às Equipes de Saúde da Família? Quem demanda os serviços da psicologia e em que estraté- apoio sugere uma maneira para operar-se essa relação horizontal mediante a construção de várias linhas de trans- gia operacional? Quais técnicas a utilizar? versalidade, ou seja, sugere uma metodologia para ordenar Neste campo de indagações, a palavra "apoio" surge enquanto mote essa relação entre referência e especialista não mais com base de reflexão teórico-prático nas atividades com as Equipes de Saúde da na autoridade, mas com base em procedimentos dialógicos. Família (EqSF). Para compreender este iniciaremos a trução do entendimento sobre o processo do Apoio a partir de sua eti- Deste lugar advém o Apoiador em Saúde, tarefa esta que queremos mologia. Em Cunha (1997, p.59) encontramos: imprimir também na forma de repensar uma psicologia não mais fun- dada unicamente numa clínica para poucos, mas em uma clínica aberta vb. 'dar apoio 'sustentar, amparar, XV. Do cas- ao cuidado das equipes de trabalhadores da saúde, aos usuários que teliano apoyar, derivado do italiano appoggiare e, este, do demandam estes serviços dentro de sua comunidade e não mais dis- latim (de pódium 'pojo, pedestal') // apoio. sociados de sua forma cultural de conceber a vida; e nos gestores que Disponível em :acesso em 29 de Ago de 2010. Rubenilda Maria Rosinha Barbosa PESQUISAS E INTERVENÇÕES PSICOSSOCIAIS 81regem ou não facilidades e organizações para que os processos fluam abordaremos as ações em moldes de ferramentas básicas para manejo dentro da rede. do apoio no dia a dia do trabalho da psicologia. O profissional apoiador, no caso deste capítulo, o psicólogo, não No entanto, concebemos que esses eixos de ações separados não são pode mais trabalhar sozinho e definir por si só o rumo de seu trabalho; suficientes para elucidar a prática psicológica na vivência real, e para ele deve estar atento a todas as frentes de trabalho que emergem e que tanto propomos que a noção de Apoio se entrelace com concepção de implicam todos os atores deste cenário. O apoiador está dentro e fora ao Cuidado, ensaiados pelos modelos que buscam integralidade e huma- mesmo tempo e tem um caráter que fomenta o planejamento de ações nização nas práticas de produção de saúde (MERHY, 1998, e AYRES, míninas entre equipes ou diretamente com os usuários. Ele também 2004), afim de que possamos entender as ações desse Apoio não como deve gerar interlocução e distribuição de tarefas no cotidiano dos ser- uma forma institucionalizada de "procedimentos" em saúde, típico do viços, na forma mais plausível de construir o conhecimento junto com modelo médico-centrado, mas em uma ação que fomente o Cuidado à equipes, usuários e gestores, quando necessário. Saúde. Dito de outra maneira, o Apoio pode ser entendido não só como O Apoiador não deixa sua agenda aberta na recepção dos serviços um ato de emprestar técnica e saber prático a aquele que é apoiado, mas, para marcação direta de consultas, mas cria conjuntamente com as sugerimos neste trabalho, deve ser também uma ação de cuidado, de equipes um fluxo organizacional saudável para filtrar demandas e prio- produção de sentido, e mesmo de produção de saúde. ridades a partir de um olhar comunitário. Este reconhecimento comu- O conceito de Cuidado também deve ser ampliado para ação em nitário dará sustento a configuração de sua assistência, de prática matri- saúde que enfoque o fortalecimento de vínculos comunitários, reco- cial e institucional e ação comunitária, pontos estes que serão melhor nhecendo as práticas populares e contribuindo em sua articulação com pontuados adiante. Em suma, o Apoiador será capaz de ofertar aspectos outras práticas, inclusive institucionais, de forma a promover um diá- originários de seu núcleo de conhecimento, de sua experiência e visão logo propiciador de transformações dos sujeitos. Dessa forma, o Apoio de mundo, quanto incorporando demandas trazidas pelos sujeitos com é uma postura que implica uma Ação de Cuidado, pois tem compro- seus conhecimentos, interesses e visão de mundo. misso estreito com a produção de saúde, no âmbito da Saúde Coletiva. Além disso, como coloca Campos e Domitti (2007), há de deixar No campo prático, este operador conceitual, o Apoio, consegue abar- claro, que refutamos a idéia de que o Apoiador traria equivalências aos car os eixos de ações (interdisciplinar, intersetorial, intrainstitucional, denominadores de Supervisores, Consultores, Analistas ou ainda Asses- núcleo) se entendemos esse Apoio em quatro grupos de Cuidado do sores. Pois estas denominações pressupõem características de controle, cotidiano do trabalho: Apoio Matricial, Apoio Institucional, Apoio poder, alianças com gestores, pareceristas ou propositores de protoco- Assistencial, Apoio Comunitário. Esta proposta esta esquematizada na los, deixando de lado o caráter dialético e mediador de inter-relações figura abaixo. que o Apoiador deve apresentar aos vários sujeitos coletivos envolvidos nos processos. Concebemos que o apoio é uma postura que o psicólogo na Atenção Primária à Saúde deve adquirir. Para discutirmos esta concepção de apoio no cotidiano das práticas psicológicas nos centros de saúde da família, trazemos eixos de ações: ações interdisciplinares, ações intersetoriais (MORENO ET AL., 2004), ações intrainstitucional e ações de núcleo da psicologia. Mais adiante, 82 Rubenilda Maria Rosinha Barbosa PESQUISAS E INTERVENÇÕES PSICOSSOCIAIS 83Figura buscarão a criação de modelos, mas a possibilidade de trazer ao leitor vida real as formulações propostas neste texto. Apoio Comunitário Nepomuceno (apud CFP, 2009, p.53) já indica que o profissional de Ação Intra- apoio, como o psicólogo do NASF, deve ter atenção neste apoio às diver- Ação institucional sas dimensões do cuidado, conforme segue descrito por ele: em uma dimensão, deve fortalecer os processos de amplia- ção de saberes e fazeres dos profissionais das equipes míni- Apoio Assistencial Apoio Apoio Matricial mas, que estão nas micro-áreas, para que sejam cada vez mais resolutivos. E, em outra dimensão, deve trabalhar dire- tamente junto aos usuários dos serviços da ESF, já que há a Ação Ação necessidade fundamental da presença dessas novas catego- Intersetorial rias profissionais, em diversos cenários de atuação. Apoio Institucional Esta primeira dimensão apontada pelo autor implica-se com a ação de suporte matricial, na medida em que foca a potencialização das práticas de acolhimento dos usuários dos serviços (recepção e escuta qualificada) e resolução dos casos de Saúde (mental e física), através da disseminação do saber da psicologia dentro do campo interdisciplinar. Ou seja, as ações que compõem o repertório de atividades da atuação O apoio matricial se pauta pela ação interdisciplinar, que por sua do psicólogo são percebidas como transversais, pois nenhuma ação se vez, é também atravessada pela ação de núcleo psicologia, de forma que dá isoladamente do contexto de práticas de cuidados ou de produção complemente a resolubilidade da prática de Cuidado, auxiliada pela de saúde, e se complementam entre as formas de apoio, seja em suporte perspectiva intersetorial que amplia a rede sócio-assistencial, impli- matricial, institucional ou da assistência aos usuários do SUS e ainda cando o usuário em uma trama de cuidado. Em última instância, é um comunitário. "fazer junto" onde psicologia e equipes de saúde (médicos, enfermei- ros, dentistas e agentes comunitários de saúde) se unem para atender os usuários conjuntamente, criando também um espaço de interlocução APOIO DO PSICÓLOGO NA ESF: POSSIBILIDADES que pode, inclusive, fomentar a reformulação de DE PRÁTICAS DE CUIDADO processos de gestão dentro do próprio centro de saúde, que falaremos mais adiante. A partir daqui tentaremos aprofundar as possibilidades de práticas de Como ilustração do apoio matricial, relataremos o atendimento Cuidado propostas a luz dos eixos de Apoio acima descritos. Para tanto, dentro do programa de Saúde da Mulher (que faz parte das ações pro- lançaremos mão de exemplos que se conectam com vivências de práti- gramáticas da ESF), o atendimento conjunto entre psicólogo e médica cas de atuação do psicólogo na ESF, através do NASF. Os exemplos não de família na consulta de devolutiva do exame preventivo de papanico- lau, cuja queixa era dores constantes vaginais no momento da relação 84 Rubenilda Maria Rosinha Barbosa PESQUISAS E INTERVENÇÕES PSICOSSOCIAIS 85sexual com o marido. Após acolhimento dos profissionais e interven- dade e situação de saúde (CAMPOS, 2007). Em outro exemplo, é notó- ção do olhar em entrevista com psicólogo, chegou-se a demanda de que ria a necessidade das equipes dos centros de saúde em demandar reso- a usuária tinha, há um tempo considerável, uma enorme dificuldade luções para dificuldades interprofissionais no dia a dia do trabalho, o conjugal, com problemas importantes no convívio do casal. Com apoio que muitas vezes acarretam em enorme desmotivação e reflexo na baixa do psicólogo, a médica conseguiu chamar o marido para consulta junto qualidade dos atendimentos em saúde. Gerar rodas de conversas e dinâ- da esposa e, com conversas e orientações, puderam ser dirigidas ações micas que facilitem a interlocução entre profissionais podem ser formas no caso de maneira mais confiante pela médica, aumentando o vínculo do psicólogo apoiador produzir saúde do trabalhador nos cotidianos com a família e respaldo às questões de ordem psicossocial. das rodas de gestão do serviço. Outra dimensão citada, o apoio assistencial, dar-se-á na atenção O Apoio Comunitário consiste em conhecer conjuntamente com a direta à saúde dos usuários pelo profissional da psicologia, mas que EqSF a realidade do território em que se está inserido, o modo de vida também se engendra com as diversas formas de ações interdisciplinares das pessoas, as instituições, pessoas-chave naquele lugar, história da e específicas do núcleo da psicologia, na medida em que se propõe a comunidade, mapeamento dos grupos existentes no território, enfim, romper os moldes da clínica tradicional. A ação de apoio aqui é conec- as dificuldades e potencialidades presentes no local de atuação. É estar tada com a produção de práticas de cuidados integralistas, não podendo junto e oferecer apoio no processo de territorialização e inserção comu- determinada técnica psicológica ser usada sem devido entrelaçamento nitária. Conhecer os modos de cuidado que existem nesse território, tais com as práticas da EqSF, mas sempre imersa em processo de negocia- quais os saberes e práticas populares como encontrados nas rezadeiras, ções, visando as reais necessidades de quem demanda o cuidado. raizeiras, nos terreiros. Ou mesmo nas instituições como nas Igrejas, Por exemplo, em visita domiciliar, psicólogo e a EqSF se depa- grupos culturais, de esporte, ou mesmo nas atividades de diversão e ram com usuário acamado por problemas físicos em que o cuidador se lazer, dentre outros. encontra com sinais de sofrimento psíquico importante. Após escuta Este apoio consiste em trazer contribuições da Psicologia Comuni- cuidadosa e descrição das redes de apoio social do bairro o psicólogo tária para a ESF nos processos de educação em saúde, articulação da pode ser a referência de vínculo no cuidado terapêutico direto ao cuida- rede de cuidados no território e também compreender os processos dor deste usuário acamado, a luz do olhar da clínica ampliada, (CUNHA, coletivos e comunitários como pertencentes à prática clínica de todos 2005) ou ainda, pela clínica "peripatética" (LANCETTI, 2006). os profissionais. O Apoio Institucional cuidará do olhar específico às práticas de Podemos visualizar esse apoio em diversas ações, como expressos saúde do trabalhador envolvidas dentro do próprio espaço institucional nos exemplos a seguir: o primeiro se trata de um grupo de articulação no qual o psicólogo se vinculará. Neste caso, a fomentação de democra- comunitária cujo mote é a saúde ambiental. O tema do lixo foi colocado tização da gestão da saúde, poderá gerar a implicação das equipes na em planejamento participativo como um problema enfrentado na rea- cogestão de seus próprios processos de trabalho e facilitação de ações de lidade do território, acompanhados da presença de casos de leishma- planejamentos locais participativos. niose visceral (calazar) em humanos na área, que em seu ciclo envolve o Dentre outros objetivos, o foco neste eixo é fomentar o Método Roda ambiente. Desta forma, o tema foi discutido com os ACS e em seguida de cogestão de coletivos em seus elementos: político, pedagógico, admi- realizado, em conjunto com eles, as rodas de quarteirão para conversa nistrativo e terapêutico, além de facilitar a participação da comunidade temática sobre o lixo com o foco na construção de ferramentas para na dinâmica do centro de saúde e implicá-la com a produção da reali- que a própria comunidade pudesse lidar com a situação. Neste grupo 86 Rubenilda Maria Rosinha Barbosa PESQUISAS E INTERVENÇÕES PSICOSSOCIAIS 87também houve a discussão com os jovens na escola para abordagem do base a experiência concreta de atuação no campo da Atenção Primária. tema de forma lúdica e artística agregando pessoas para a atuação nas Os eixos a seguir dão operacionalidade as posturas e possibilidades de ruas, buscando fortalecer o potencial do próprio lugar, conectando-se Apoio já discutidos ao longo deste capítulo. com as ações já pensadas na comunidade. Ainda nesta perspectiva trazemos em exemplo a vivência de um aten- Eixo I Ações Interdisciplinares estabelecer abordagens de atua- dimento individual, durante visita domiciliar a homem de 63 anos. O ção colaborativa entre as diversas categorias profissionais, em diversos idoso, com sinais depressivos, apresentava isolamento social (com longa espaços de Cuidado, desenvolvendo a possibilidade de educação per- permanência em sua residência, evitando contato com a rua) e humor manente e potência dos processos de trabalho. Podem ser elas: triste. O psicólogo, ao resgatar em atendimento história de participa- Visitas Domiciliares conjuntas com EqSF: olhar ampliado da famí- ção do processo de organização da comunidade, pôde desenvolver Pro- lia e sua comunidade, acompanhamento longitudinal e projeto tera- jeto Terapêutico que focasse reconstrução de autonomia e sentimento pêutico singular; de autovalorização com planejamento e execução de atividade em que Consulta compartilhada: entrevista dirigida por quem tem o vín- o paciente idoso fosse protagonista de "contação" de histórias do seu culo com o usuário, projeto terapêutico singular dentro da contra- bairro, em Praça localizado na frente de sua casa. O ato de sair de casa tualidade com o usuário; lhe valeu duplamente, por um lado pela ressignificação de seu papel na Facilitação na comunicação interprofissionais e profissional de rua e comunidade e, por outro, para resgate de autonomia de gerência saúde e usuário: utilizar devolutivas sobre as habilidades e afetos de sua própria vida, tomada pelos sentimentos de desvalorização e des- envolvidos nas relações interpessoais com seus impasses e avanços; motivação. Não menos importante, o processo iniciado pelo idoso pode Utilização de estratégias pedagógicas: utilizar de textos, recursos despertar em alguns membros da comunidade desejo de se reconhecer lúdicos e dinâmicas interpessoais; mais em seu bairro de origem. Facilitação de coletivos de promoção de saúde ou de prevenção de Por fim, ressaltamos que é o entrelaçamento desses quatro grupos agravos: valorizar sempre as necessidades locais, implicar os atores de Cuidado-Apoio ações interdisciplinares, ações intersetoriais, ações comunitários, utilizar técnicas compartilhadas pelo grupo, perceber intrainstitucional e ações de que poderá produzir potência no os papéis grupais e suas singularidades; aprimoramento coletivo nas técnicas de cuidado no âmbito da saúde. A Suporte matricial em Saúde Mental: avaliar e cuidar de casos com concepção de Apoio, imbricado a concepção de Cuidado, pode produ- demandas de sofrimento psíquico e transtornos mentais leves, tra- zir interface dos trabalhadores apoiadores com o território, o que garan- balhar estigmas sociais no tocante à loucura. tiria uma conexão real ao movimento local da Eixo II - Ações Intersetoriais estabelecer redes de apoio setorial (Educação, Assistência Social, etc) e interface das ações de saúde com os FERRAMENTAS OPERACIONAIS BÁSICAS DO APOIO condicionantes da mesma no cotidiano do trabalho. Articulação e pactuações com outros setores: contatar profissionais Neste tocante traçaremos algumas ferramentas mais operacionais de referência dos setores no território, como em escolas, centros básicas de atuação nos eixos de ações interdisciplinares, intersetoriais, comunitários, centros de referência especializados, entre outros; intrainstitucionais e de núcleo da psicologia. Aqui também temos por 88 Rubenilda Maria Rosinha Barbosa PESQUISAS E INTERVENÇÕES PSICOSSOCIAIS 89Mobilização de coletivos: reconhecer potencialidades e fragilidades como aponta Nepomuceno (apud CFP, 2009, p.59), "pouca consistência do território, gerar fóruns de discussão em equipamentos e espaços teórica, metodológica e epistemológica para a atuação no novo para- comunitários; digma de saúde, principalmente no que tange ao campo da intervenção Facilitação de grupos de maiores vulnerabilidades no território de social". O rompimento do modelo clínico hegemônico, entretanto, dá-se atuação com intersetores. em meio a um cenário legal, ético e político e a reflexão deve vir no seio da própria prática. Eixo III Ações Intrainstitucionais fomentar espaços de produção Neste cenário, a atuação da psicologia na especificidade da ESF mos- de saúde do trabalhador e de cogestão: tra fragilidade quando o modelo de clínica é continuamente atualizado, Participação ativa em rodas de gestão do Centro de Saúde: propiciar seja pela falta de técnicas e práticas neste campo de atuação, seja pela problematizações e dinâmicas vivenciais para o trabalho em equipe; representação social do psicólogo enquanto psicoterapeuta. Mas ao Reorganização dos processos de trabalho no serviço pactuada com mesmo tempo mostra potenciais instrumentações interventivas quando gestão e equipes de saúde; legitima o sujeito singular, respeitando a subjetividade no processo de Estimular a participação popular nos espaços de gestão; saúde-doença-cuidado, além de uma saúde não só contemplada pela Gerar espaço para o cuidado da saúde do trabalhador. ausência de doença, tão importante para as práticas que se pretendem humanizadas e integrais no SUS. Eixo IV Ações do núcleo da Psicologia tem o seu cerne no saber As correntes psicológicas que trazem à cena o sujeito psicológico psicológico aplicado ao dia a dia no centro de saúde, sendo competência construído a partir de dinâmicas locais e comunitárias, concebidos por da atuação do psicólogo. processos vivenciais e afetivos, localizados histórico-culturalmente aju- Acompanhamento de suporte psicossocial: atendimentos focais de dam essa nova atuação da psicologia na ESF. Nesse modelo há uma nova curto período; postura, o campo de intervenção não mais comporta o sujeito racional Orientação psicológica individual, familiar, pais, casais; normatizado, mas sim o sujeito em interação inequívoca com a comu- Facilitação de grupos terapêuticos; nidade. As estratégias de atuação preconizadas por essa orientação teó- Entrevista psicológica: focar aspectos psicossociais, afetividade e rica, dita fomentam técnicas de participação popu- cognição, relações interpessoais. lar, protagonização dos sujeitos envolvidos em nossa prática psicológica e fomenta disponibilização do nosso saber em campo disciplinar, como ferramenta de mudança de práticas de saúde e retira a figura do psicó- ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE logo do lugar de "suposto saber". A PRÁTICA PSICOLÓGICA Dimenstein (2001) sugere que o psicólogo na APS deve além de se apropriar de técnicas participativas, potencializar a resposta/ação e o poder de articulação intersetorial, assim como desenvolver habilidade A categoria psicologia, apesar do histórico de produção teórica voltada de mobilização de parcerias e de estratégias específicas na assistência a para a manutenção das elites, tem a oportunidade, na inserção em saúde. Entretanto, para atuação específica como apoiador de Equipes de cas públicas, de revisitar seu campo de produção teórica é prática. A Saúde da Família, conforme preconizado pela política NASF, ainda há a cologia ainda se mostra incipiente em atuação neste campo, mostrando, necessidade de aprofundamento das práticas de Apoio-Cuidado. 90 Rubenilda Maria Rosinha Barbosa PESQUISAS E INTERVENÇÕES PSICOSSOCIAIS 91Portanto, este operador teórico prático, o Apoio, pode ser entendido CAMPOS, G.W.S. Um método para análise e co-gestão de coletivos. São Paulo: como prática de Cuidado e percebido em todos os eixos transversais Editora Hucitec, 2000 de ação de todas as categorias profissionais que estejam no lugar de CAMPOS, G.W.S.; DOMITI, A.C. Apoio matricial e equipe de referência: uma apoiadores da ESF, em seus diversos cenários de atuação. O objetivo, metodologia para gestão do trabalho interdisciplinar em saúde. Cad. Saúde portanto, é de transformar os possíveis campos de infiltração do antigo Pública, Rio de Janeiro, 23(2), 399-407, fev, 2007. modelo de clínica, e promover potência do paradigma do modelo de COHN, A. O estudo das políticas de saúde: implicações e fatos. In: CAMPOS, promoção de saúde, operado por Práticas de Cuidados. G.W.S.; MINAYO, M.C.S.; AKERMAN, M.; DRUMOND JUNIOR, M.; CAR- VALHO, Y.M. (Org.). Tratado de Saúde Coletiva. São Paulo/Rio de Janeiro: Hucitec/Fiocruz, 2006, p. 231-258. REFERÊNCIAS CONSELHO FEDERAL DE Quem é o psicólogo brasileiro. São Paulo: Edicom, 1988 CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. 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Esse sistema (STI) associava a pesquisa participante e a prática da clínica psicossocial, cuja equipe era composta por professor-pesqui- sador, coordenador (segundo autor), estagiários, pré-estagiários e estu- dantes de iniciação científica. Não entendemos a função institucional do acompanhante tera- pêutico como uma modalidade especializada de tratamento em saúde mental (Carvalho, 2004). O tratamento deve ser realizado em equipe e na medida do possível de característica interdisciplinar, como é pre- visto para os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), no contexto da reforma psiquiátrica. Em nosso caso, como na Clínica não havia profis- Psicóloga da Clínica do Curso de Psicologia da UFPE Psicólogo, Doutor em Psicologia, Professor da Universidade Federal do Amazonas (UFAM). 94 Rubenilda Maria Rosinha Barbosa PESQUISAS E INTERVENÇÕES PSICOSSOCIAIS 95