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&'@A>3 BC A LEGITIMIDADE ATIVA DO SUPLENTE DA COLIGAÇÃO NA AÇÃO DE PERDA DO MANDATO ELETIVO EM RAZÃO DE INFIDELIDADE PARTIDÁRIA Cristiane Cavalcanti Barreto Campello ∗∗∗∗ RESUMO Averigua a legitimidade ativa para propositura da ação de perda de mandato eletivo em razão de infidelidade partidária, prevista na Resolução nº 22.610/2007 do Tribunal Superior Eleitoral. Por meio da análise do provimento judicial pretendido, estuda o interesse jurídico do partido político, bem como dos suplentes do partido e da coligação. Analisa a referida ação à luz do princípio constitucional da soberania popular e do sistema eleitoral proporcional. Apresenta o posicionamento da justiça eleitoral sobre o assunto e faz uma avaliação sobre o julgamento do Supremo Tribunal Federal ao analisar o papel das coligações e a necessidade de observância da ordem de candidatos eleitos e suplentes. Palavras-chave: Infidelidade partidária. Ação de perda do mandato eletivo. Legitimidade ativa. Suplente. Coligação. 1 INTRODUÇÃO O crescimento da quantidade de partidos políticos no Brasil e as constantes trocas de agremiações partidárias pelos filiados detentores de mandatos eletivos geraram a necessidade de dar efetividade à norma prevista no art. 17, §1º da Constituição Federal, que determina aos partidos políticos o estabelecimento de normas sobre fidelidade partidária. Diante disso, o Supremo Tribunal Federal, após o julgamento dos Mandados de Segurança nos 26.602, 26.603 e 26.604, abriu caminho para a edição da Resolução nº 22.610/2007 do Tribunal Superior ∗ Servidora do Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco, graduada em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, pós-graduada em Direito Público pela Escola Superior da Magistratura de Pernambuco. E-mail: cristianec@tre- pe.jus.br &'@A>3 BC Eleitoral, que regulamentou a matéria e estabeleceu a possibilidade de perda do mandato eletivo, caso reste comprovada a infidelidade partidária do filiado. Foi criada uma ação específica para decretar a perda do mandato eletivo em caso de infidelidade partidária. Tratando-se de uma nova ação, vários questionamentos surgiram e foram discutidos nos tribunais eleitorais. Um dos temas polêmicos diz respeito à legitimidade ativa para a propositura da ação, ou seja, quem seria parte legítima para pleitear, perante da Justiça Eleitoral, a decretação da perda do cargo eletivo. A resolução mencionada conferiu legitimidade ativa ao partido interessado e, caso este não proponha a ação em trinta dias contados da desfiliação, outros interessados poderão fazê-lo. Assim, para definir essa legitimidade é necessário fixar quem tem interesse jurídico no resultado prático pretendido pelo processo e, para tanto, analisar-se-á se a coligação (da qual fez parte o partido interessado) e os suplentes do partido e da coligação poderiam propor a ação. Tal análise é feita com base no princípio constitucional da soberania popular e no sistema eleitoral proporcional, tendo em vista que a ordem dos candidatos eleitos e suplentes é definida pela vontade expressada nas urnas e pelo papel da coligação na formação do quociente partidário. Será apreciado o posicionamento do Tribunal Superior Eleitoral e dos tribunais regionais eleitorais, a partir da fixação do entendimento segundo o qual o mandato pertence ao partido político e não ao candidato, bem como serão analisadas as decisões do STF acerca da observância da ordem de suplência no caso de formação de coligação. 2 A LEGITIMIDADE ATIVA DA AÇÃO PREVISTA NA RESOLUÇÃO - TSE nº 22.610/2007 Por meio de uma construção jurisprudencial, foi criada uma nova hipótese de perda do cargo eletivo, além daquelas previstas na Constituição Federal (art. 55). Ao editar a Resolução nº 22.610/2007, o Tribunal Superior Eleitoral estabeleceu a possibilidade de perda do mandato eletivo quando o seu ocupante praticar atos de infidelidade partidária. Inicialmente, registre-se que não será objeto de estudo a criação de normas pelo Tribunal Superior Eleitoral, em face da inércia do Poder Legislativo, bem como a existência de uma nova hipótese de perda de &'@A>3 BC mandado não prevista no texto constitucional. O Supremo Tribunal Federal admitiu essa possibilidade com base nos princípios implícitos da Constituição Federal (o tema foi abordado nos mandados de segurança nos 26.602, 26.603 e 26.604, anteriormente referidos). Por meio da Resolução TSE nº 22.610/2007, fixaram-se os legitimados ativos para a propositura da referida ação: Art. 1º O partido político interessado pode pedir, perante a Justiça Eleitoral, a decretação da perda do cargo eletivo em decorrência de desfiliação partidária sem justa causa. §1º () §2º Quando o partido político não formular o pedido dentro de 30 (trinta) dias da desfiliação, poderá fazê-lo, em nome próprio, nos 30 (trinta) subsequentes, quem tenha interesse jurídico ou o Ministério Público. (BRASIL, 2012, p. 663- 664) Nos termos da norma acima, primeiramente, o partido político interessado pode pedir, perante a Justiça Eleitoral, a decretação da perda de cargo eletivo. A legitimidade ativa é tratada pela doutrina como uma das condições da ação e, segundo Freddie Didier (2011, p.210) é necessário que os sujeitos da demanda estejam em certa situação jurídica que lhes autorize conduzir o processo em que se discuta a relação de direito material posta em juízo. Considerando que neste tipo de ação o conflito de interesses (lide) se instala, em princípio, entre a agremiação partidária e o filiado supostamente infiel, os legitimados , ou seja, aqueles que ocupam os polos subjetivos da demanda, no caso concreto, seriam apenas o partido político e o filiado. Porém, a resolução fixou mais dois legitimados, em face da natureza da ação, que não envolve apenas interesses privados do partido, mas de toda a coletividade, quais sejam: o Ministério Público, em face da sua missão de proteger o regime democrático, e quem tiver interesse jurídico. Assim, caso o partido político interessado não ajuíze a ação em trinta dias contados da desfiliação, poderá fazê-lo quem tem interesse jurídico ou o Ministério Público. A Resolução TSE nº 22.610/2007 determinou que será parte legítima quem tiver interesse jurídico em assumir o cargo vago. O interesse jurídico está fundamentado na necessidade e utilidade do &'@A>3 BC provimento jurisdicional. “Há utilidade de jurisdição toda vez que o processo puder propiciar ao demandante o resultado favorável pretendido” (DIDIER, 2011, p. 218). Já a necessidade reside na premissa de que a jurisdição seria a última forma de solução do conflito, já que a decretação da perda do mandato tem que ocorrer pela via judicial conforme o mesmo autor. Nesse contexto, cabe definir quem seriam os legitimados, ou seja, quem teria interesse para propor a ação quando o partido político interessado não o fizer. Tem interesse aquele que ocuparia a vaga aberta e, para tanto, é preciso verificar quem assumiria o cargo na hipótese de ser decretada a perda. Nas eleições pelo sistema majoritário, não há discussões na doutrina e jurisprudência, pois assumirá o mandato o vice, independente do partido a que estiver filiado. Caso o partido políticoao qual pertence o suposto infiel não proponha a ação no prazo, o vice poderá propor a ação, pois tem interesse em assumir o cargo se restar comprovada a infidelidade. Nesse ponto, interessante é a observação de Gomes (2011, p.99) ao afirmar que, nesse caso, o partido ao qual o suposto infiel é filiado não teria interesse jurídico em pleitear a perda do mandato, se o vice for integrante de partido diverso e, assim, “a perda do mandato do titular não implicará reposição no patrimônio jurídico do partido que o elegeu”. Isso mostra que a ação busca defender, primordialmente, a democracia representativa e não a relação privada entre o partido e o filiado, pois não caberia ao partido propor a ação apenas para retirar do seu quadro o parlamentar infiel, caso o vice não integrasse o seu quadro de filiados. Por isso, foi dada legitimidade ao Ministério Público. Destarte, conforme se observa do texto da mencionada resolução, não é qualquer partido envolvido que tem legitimidade, mas apenas o partido interessado. No caso das eleições proporcionais, o TSE já firmou entendimento no sentido de que só o primeiro suplente do partido teria legitimidade, já que os seguintes da ordem de suplência não assumiriam o mandato de imediato, não cabendo a ação apenas para avançar na lista. Como exemplo, segue abaixo trecho da ementa da decisão proferida na Petição nº 3019/DF, da Relatoria do Min. Aldir Guimarães Passarinho Júnior: &'@A>3 BC D Apenas o primeiro suplente do partido detém legitimidade para pleitear a perda do cargo eletivo de parlamentar infiel à agremiação pela qual foi eleito, uma vez que a legitimidade ativa do suplente condiciona-se à possibilidade de sucessão imediata na hipótese da procedência da ação. Precedentes. (BRASIL, 2010) Com relação à coligação partidária, a resolução foi silente, fazendo referência apenas ao partido político, porque ela existe especificamente para atuar no processo eleitoral, nos termos do art. 6º, §§ 1º e 4º da Lei nº 9.504/97. Por isso, a coligação não tem legitimidade para atuar fora do processo eleitoral. Porém, os seus efeitos perduram no tempo, pois não se pode negar que os votos obtidos pela coligação interferem no resultado das eleições proporcionais. Assim, não pode a coligação propor a ação, mas o primeiro suplente da coligação poderia fazê-lo, ainda que não filiado ao mesmo partido do infiel. Além disso, faz-se mister repisar que o art. 1º, da Resolução TSE nº 22.610/2007 utilizou a expressão “partido político ” (grifo nosso). Isso significa que só terá legitimidade o partido político que seria beneficiado com a vaga aberta. Dessa forma, pode-se concluir que há possibilidade de outro partido (que não aquele ao qual pertence o suposto infiel) ter legitimidade para propor a ação e isso, no caso das eleições proporcionais, só pode acontecer no caso de existência de uma coligação, em que o vice ou suplente da coligação assumiriam o cargo na hipótese de vaga. Se assim não fosse, a Resolução não falaria em “partido interessado”, pois sempre o partido ao qual pertence o infiel é que seria legitimado. 3 O PRINCÍPIO DA SOBERANIA POPULAR E O SISTEMA ELEITORAL PROPORCIONAL O princípio da soberania popular está previsto no art.1º, parágrafo único da Constituição Federal: “Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes ou diretamente nos termos desta Constituição” (BRASIL, 2012, p. 129). Bonavides (2010, p.141-142) registra a existência de duas doutrinas democráticas sobre a soberania. Segundo a doutrina da soberania popular, desenvolvida por Rosseau, cada indivíduo possui uma “parcela do poder soberano fragmentado” e, com isso, participa da &'@A>3 BC E escolha dos governantes. Já para a doutrina da soberania nacional, a Nação, entendida de forma geral, é a titular da soberania e também a exerce por meio de seus representantes. Percebe-se que ambas as doutrinas utilizam o conceito de democracia representativa, adotada pelo Brasil, que permite o exercício da soberania por meio do sufrágio, definido por José Afonso da Silva da seguinte forma: É um direito que decorre diretamente do princípio de que todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes ou diretamente. Constitui a instituição fundamental da democracia representativa e é pelo seu exercício que o eleitorado, instrumento técnico do povo, outorga legitimidade aos governantes (SILVA, 2010, p. 349). Para a eleição dos representantes, são utilizados sistemas eleitorais, a depender do tipo de representação: majoritária ou proporcional. No sistema proporcional, a vontade do eleitorado é representada proporcionalmente ao número de votos. O objetivo é fazer com que as minorias se sintam representadas e possam concorrer para a formação da vontade nacional. Sendo assim, o Código Eleitoral fixou as regras para tal sistema. Para o cálculo da quantidade de vagas a serem preenchidas por cada partido político ou coligação, devem ser fixados o quociente eleitoral e o partidário, segundo a quantidade de votos válidos recebidos pelos candidatos: Art. 108 Estarão eleitos tantos candidatos registrados por um partido ou coligação quantos o respectivo quociente partidário indicar, na ordem de votação nominal que cada um tenha recebido. (BRASIL, 2012, p. 67) Segundo Bonavides (2011, p.269), o sistema proporcional estimula o pluralismo político e a criação de novos partidos, bem como torna a vida política mais dinâmica em face da circulação de novas ideias e opiniões. Nesse contexto, os partidos políticos exercem papel fundamental para o exercício da democracia representativa, pois atuam como intermediário da vontade popular através dos votos conferidos pelo &'@A>3 BC F eleitor. O partido político escolhe, registra e apresenta a candidatura de seus filiados, representa o conjunto de ideias dos eleitores e é para ele que os votos convergem para a formação do quociente partidário e, consequentemente, para a definição do número de vagas por ele obtidas. Nesse sentido, o Código Eleitoral disciplina que o preenchimento das vagas dos cargos proporcionais com que cada partido for contemplado deve ser feito segundo a ordem de votação de cada candidato (art. 109, §1º). E da mesma forma deve ocorrer com os suplentes, em caso de vacância dos cargos ao longo do mandato eletivo. Também essa ordem de votação é fixada quando os partidos formarem coligações para concorrerem ao pleito eleitoral. A ordem de suplência é definida para cada coligação formada para o sistema proporcional, considerando que os partidos políticos, isoladamente, não teriam obtido aqueles votos ou aquela quantidade de vagas se não estivessem coligados. “Havendo vaga provisória ou permanente de titular de mandato da coligação, a ordem de preferência de suplência na eleição proporcional é para aqueles candidatos que foram mais votados pela junção de agremiações, e não de cada partido específico” (VELLOSO; AGRA, 2010, p.100). Destarte, considerando o princípio constitucional da soberania popular e a ordem de votação dos suplentes, seria natural que tal ordem fosse observada no caso de vacância do cargo, pois, para o eleitor não importa o motivo da vacância, mas sim ver respeitada sua vontade expressada nas urnas. 4 A POSIÇÃO DA JUSTIÇA ELEITORAL No julgamento da Consulta nº 1.398, formulada perante o Tribunal Superior Eleitoral, questionou-se se “os partidos têm o direito de preservar a vaga obtida pelosistema eleitoral proporcional, quando houver pedido de cancelamento de filiação ou de transferência do candidato eleito por um partido para outra legenda” (grifo nosso). Na oportunidade, o TSE respondeu afirmativamente à Consulta, cuja ementa é a seguinte: CONSULTA. ELEIÇÕES PROPORCIONAIS. CANDIDATO ELEITO. CANCELAMENTO DE FILIAÇÃO. TRANSFERÊNCIA DE PARTIDO. VAGA. AGREMIAÇÃO. RESPOSTA AFIRMATIVA. (Consulta &'@A>3 BC C 1.398/DF. Relator: Min. Francisco Cesar Asfor Rocha. 08/05/2007). Concluiu-se, portanto, que o mandato pertence ao partido político e não ao candidato eleito, porque toda a condução ideológica, estratégica, propagandística e financeira é definida pelo partido político. No voto proferido na consulta nº 1.398/DF, o Min. Cezar Peluso afirma que “o patrimônio dos votos deve entender-se, na lógica do sistema proporcional, como atributo do partido, e não, de cada candidato”. Segundo ele, não se admite que um candidato, tendo recebido recursos do partido, abandone a agremiação partidária após a repartição das vagas segundo a ordem de votação. De acordo com o levantamento realizado pelo Relator, Min. Cesar Asfor Rocha, nas Eleições de 2006, dos 513 deputados federais eleitos, apenas 31 obtiveram votos para atingir o quociente eleitoral. Os demais precisaram dos votos atribuídos a outros candidatos do partido ou da coligação. Tal dado reforça a ideia de que o mandato pertence ao partido político e não ao candidato individualmente, o que torna inconcebível a mudança do partido ao longo do exercício parlamentar. O mesmo fundamento utilizado na mencionada Consulta pode ser adotado em relação às coligações, pois a reunião dos partidos interfere no quociente partidário, no tempo de propaganda no rádio e televisão e nos recursos humanos e financeiros arrecadados para o financiamento da campanha. Em muitos casos, o partido, isoladamente, não alcançaria a quantidade de votos necessária para ter direito a uma vaga. Assim, no caso de perda do cargo por infidelidade partidária, não se deve levar em conta apenas a relação particular do partido com o seu filiado, mas também o resultado obtido na eleição em função da coligação dos partidos. Essa consulta foi o embrião da Resolução nº 22.610/2007, mas não se refere especificamente sobre a ordem de suplência, ou seja, quem assumiria o mandato eletivo no caso de vacância: o suplente do partido ou o da coligação. Com o julgamento da Consulta nº 1.439/DF, em 30/08/2007, o Tribunal Superior Eleitoral manteve o entendimento de que o mandato pertence ao partido e, se o parlamentar mudar de agremiação partidária, ainda que para outra integrante da mesma coligação, poderá perder o mandato: &'@A>3 BC B Consulta. Detentor. Cargo eletivo proporcional. Transferência. Partido integrante da coligação. Mandato. Perda. 1. A formação de coligação constitui faculdade atribuída aos partidos políticos para a disputa do pleito, conforme prevê o art. 6º, caput, da Lei n° 9.504/97, tendo a sua existência caráter temporário é restrita ao processo eleitoral. 2. Conforme já assentado pelo Tribunal, o mandato pertence ao partido e, em tese, estará sujeito à sua perda o parlamentar que mudar de agremiação partidária, ainda que para legenda integrante da mesma coligação pela qual foi eleito. Consulta respondida negativamente. (BRASIL, 2007b) A construção jurisprudencial do TSE foi no sentido de que seria chamado a assumir o cargo o suplente do partido e não o da coligação, já que a análise da infidelidade deve ser feita perante o partido e não perante a coligação, conforme ementa transcrita a seguir: AGRAVO REGIMENTAL. PETIÇÃO. PERDA. MANDATO ELETIVO. INFIDELIDADE PARTIDÁRIA. RES-TSE N.º 22.610/2007. ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM. SUPLENTE. COLIGAÇÃO PARTIDÁRIA. 1. Inviável o agravo que não ataca todos os fundamentos da decisão impugnada, permanecendo íntegra sua conclusão (Súmula 182/STJ). 2. Na linha de jurisprudência dessa Corte, o mandato pertence ao partido, e não à coligação, razão pela qual o suplente desta não detém legitimidade ativa para integrar a lide na qualidade de litisconsorte. 3. Agravo regimental desprovido. (Agravo Regimental na petição protocolo nº 26.864/2009. Agravante: Erasmo Rocha Lucena. Relator: Min. Marcelo Ribeiro. 11/02/2010) Todavia, a simples afirmação de que o mandato pertence ao partido e não à coligação parece não ser suficiente para afastar o princípio da soberania popular e o sistema eleitoral proporcional, pois as &'@A>3 BC coligações concorrem com recursos humanos e financeiros, bem como para a formação do quociente eleitoral. Se apenas o suplente do partido assumir o cargo, pode acontecer de um candidato com pouca quantidade de votos, sem qualquer expressão da vontade popular, venha a assumir o mandato em detrimento de outro candidato integrante da mesma coligação, mais bem votado, porém, a única diferença entre eles é que um é do mesmo partido do candidato infiel e o outro não. No âmbito dos tribunais regionais eleitorais, há uma tendência a seguir a posição do TSE. A corte do Regional de Pernambuco, na Petição nº 615-27, da relatoria do Des. Ademar Rigueira, confirmou decisão monocrática que extinguiu o processo sem apreciação do mérito, por entender que “faltava à litigante legitimidade para propor a presente ação, já que a condição de suplente da Coligação, e, não, do Partido Político ao qual pertencia o mandatário então demandado afasta o interesse jurídico a que se refere o §2º, do art.1º daquela Resolução”. Nessa mesma linha de entendimento: TRE/MG, TRE/PA e TRE/RN (PIMENTA, 2008, p. 77 - 85). Por outro lado, alguns regionais não adotaram esse posicionamento. O TRE do Rio Grande do Sul concluiu que a atribuição do cargo decorre da ordem de sucessão determinada pelo TRE e observa a participação de todos os partidos que integraram a coligação (Processos nos 1502007, 1682007, 1692007, Rel. Vanderlei Teresinha Tremeia Kubiak, 13/05/2008). No mesmo sentido é o posicionamento do TRE de Santa Catarina. De grande valia é o voto do Rel. Juiz Jorge Antônio Maurique, no processo nº 529 de 11/02/2008, o qual defende que a perda do mandato em razão de infidelidade não ocorre em função de conflito de interesses particulares entre o filiado e o partido político ou de danos causados a seu patrimônio (por exemplo: redução da representação no parlamento, diminuição do tempo de propaganda, redução das verbas do fundo partidário), mas sim “decorre do abandono, pelo mandatário, das idéias, interesses e projeto político que se comprometeu com os eleitores a defender”. Em defesa da assunção do mandato pelo primeiro suplente da coligação, o referido relator afirmou: “Os partidos que optaram por agregar seus esforços para disputar uma eleição, devem reunir-se em torno de um ideário comum, que não seja apenas a conquista de &'@A>3 BC votos, a fim de que possam, apesar de deixarem oficialmente de existir as coligações após a realização do pleito, trabalhar em conjunto pelo povo que os elegeu. Se isso ainda não acontece no Brasil nos dias de hoje, é problema que desafia uma reforma política séria. No entanto, pelas normas vigentes, apesar dos mandatos pertencerem aos partidos, há que se cumprir os acordos políticos estabelecidos oficialmente no período eleitoral, emdefesa do princípio da segurança jurídica e em respeito à vontade do eleitor.”(BRASIL, 2008) Por tais motivos, a infidelidade partidária deve ser analisada de forma mais ampla e de acordo com os princípios constitucionais, levando-se em conta a soberania popular e a democracia representativa. 5 ANÁLISE CRÍTICA DOS JULGAMENTOS DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL O Supremo Tribunal Federal, nos Mandados de Segurança 30.260 e 30.272, equiparou os partidos políticos às coligações e entendeu que deve ser observada a ordem de sucessão dos candidatos suplentes no caso de vacância do cargo eletivo, sobretudo porque as coligações formam quociente eleitoral próprio que não pode ser assumido isoladamente pelos partidos políticos que a compunham. Segundo o STF, o quociente partidário é definido em função da coligação, independente da quantidade de votos dados a cada partido isoladamente. Por isso, deve ser mantida a ordem de convocação dos suplentes: EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO. CONSTITUCIONAL. SUPLENTES DE DEPUTADO FEDERAL. ORDEM DE SUBSTITUIÇÃO FIXADA SEGUNDO A ORDEM DA COLIGAÇÃO. REJEIÇÃO DAS PRELIMINARES DE ILEGITIMIDADE ATIVA E DE PERDA DO OBJETO DA AÇÃO. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. SEGURANÇA DENEGADA. 1. A legitimidade ativa para a impetração do mandado de segurança é de quem, asseverando ter direito líquido e certo, titulariza-o, pedindo proteção judicial. A &'@A>3 BC possibilidade de validação da tese segundo a qual o mandato pertence ao partido político e não à coligação legitima a ação do Impetrante. 2. Mandado de segurança preventivo. A circunstância de a ameaça de lesão ao direito pretensamente titularizado pelo Impetrante ter-se convolado em dano concreto não acarreta perda de objeto da ação. 3. As coligações são conformações políticas decorrentes da aliança partidária formalizada entre dois ou mais partidos políticos para concorrerem, de forma unitária, às eleições proporcionais ou majoritárias. Distinguem-se dos partidos políticos que a compõem e a eles se sobrepõe, temporariamente, adquirindo capacidade jurídica para representá-los. 4. A figura jurídica derivada dessa coalizão transitória não se exaure no dia do pleito ou, menos ainda, apaga os vestígios de sua existência quando esgotada a finalidade que motivou a convergência de vetores políticos: eleger candidatos. Seus efeitos projetam-se na definição da ordem para ocupação dos cargos e para o exercício dos mandatos conquistados. 5. A coligação assume perante os demais partidos e coligações, os órgãos da Justiça Eleitoral e, também, os eleitores, natureza de superpartido; ela formaliza sua composição, registra seus candidatos, apresenta-se nas peças publicitárias e nos horários eleitorais e, a partir dos votos, forma quociente próprio, que não pode ser assumido isoladamente pelos partidos que a compunham nem pode ser por eles apropriado. 6. O quociente partidário para o preenchimento de cargos vagos é definido em função da coligação, contemplando seus candidatos mais votados, independentemente dos partidos aos quais são filiados. Regra que deve ser mantida para a convocação dos suplentes, pois eles, como os eleitos, formam lista única de votações nominais que, em ordem decrescente, representa a vontade do eleitorado. 7. A sistemática estabelecida no ordenamento jurídico eleitoral para o preenchimento dos cargos disputados no sistema de eleições proporcionais é declarada no &'@A>3 BC momento da diplomação, quando são ordenados os candidatos eleitos e a ordem de sucessão pelos candidatos suplentes. A mudança dessa ordem atenta contra o ato jurídico perfeito e desvirtua o sentido e a razão de ser das coligações. 8. Ao se coligarem, os partidos políticos aquiescem com a possibilidade de distribuição e rodízio no exercício do poder buscado em conjunto no processo eleitoral. 9. Segurança denegada. (Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança 30.260/DF. Relator: Min. Cármen Lúcia. 27/04/2011) Com base nesse julgado do STF, Gomes (2011, p. 101), concluiu que a vaga decorrente de infidelidade partidária seria ocupada pelo suplente da coligação: Após alguma oscilação (vide Medida Liminar concedida pelo STF no MS 29.988/DF, em 9-12-2010), firmou o órgão Pleno do Supremo Tribunal Federal a exegese de que a vaga decorrente da vacância de mandato parlamentar deve ser ocupada pelos suplentes da coligação. É esse o sentido dos acórdãos firmados nos MS 30.727/MG e 30.260/DF, ambos julgados na sessão plenária de 27/04/2011. Tal entendimento da Suprema Corte está de acordo com a ordem constitucional brasileira e com o sistema eleitoral adotado para a eleição dos representantes políticos. Porém, no caso prático, a vaga surgiu em virtude do afastamento do titular para ocupar o cargo de Secretário de Estado, como se observa no relatório do voto, e não de infidelidade partidária. Analisando os extensos votos proferidos pelos Ministros, percebe-se que alguns fizeram distinções sobre a origem da vaga e entenderam que, no caso de infidelidade partidária, não se aplica a decisão em questão. A Ministra Carmem Lúcia afirmou que não se deve confundir a ordem de suplência, definida no momento da diplomação dos eleitos e dos suplentes, com fidelidade partidária, “cuja observância ocorre no âmbito do candidato e do partido ao qual é filiado”. &'@A>3 BC No mesmo sentido, o Ministro Gilmar Mendes, no voto proferido no mandado de Segurança nº 30.260/DF, discorreu sobre “a titularidade das vagas decorrentes de infidelidade partidária”. Na ocasião, reforçou a tese segundo a qual o mandato parlamentar pertence ao partido político, o qual possui o direito fundamental de manutenção do mandato eletivo conquistado nas eleições proporcionais. Ao final, conclui que está havendo um “processo de inconstitucionalização do regime de coligações partidárias”: A combinação de coligações com listas abertas no sistema proporcional tornou-se incompatível com a noção forte de mandato partidário afirmada pelo STF. O problema gerado com a dúvida sobre a ordem de suplência – se da coligação ou do partido – é uma decorrência e ao mesmo tempo uma comprovação de que está em curso um processo de inconstitucionalização do regime legal de coligações com listas abertas adotado no sistema proporcional brasileiro. (BRASIL, 2011a) Tal entendimento foi seguido pelo Supremo Tribunal Federal no Mandado de Segurança n.º 30.459. Na ocasião, o Ministro Relator Ricardo Lewandowski denegou a segurança, pois o impetrante utilizou os precedentes referentes à infidelidade partidária para dizer que o suplente do partido e não o da coligação deveria assumir o mandato. Registrando tratar-se de situações diferentes, o relator afirmou que os precedentes invocados não dizem respeito à investidura de suplentes no caso de “vacância regular” da cadeira do titular, pois o mandato pertence ao partido quando restar configurada a infidelidade partidária. Assim, resta clara a diferenciação estabelecida pelo STF. Quando se tratar de vacância que não seja decorrente de infidelidade partidária, observa-se a ordem de suplência da coligação. Do contrário, a vaga será ocupada pelo primeiro suplente do partido ao qual o infiel era filiado. Todavia, , enquanto não se alterar o sistema eleitoral para as eleições proporcionais e as regras dos quocientes eleitoral e partidário, não há motivos para concluir que a vaga decorrente de infidelidade partidária pertence ao partido e nãoà coligação, pois não se pode tratar a mesma situação (vacância de cargo) de maneiras distintas. Não há motivos para o STF não aplicar o entendimento firmado nos &'@A>3 BC D Mandados de Segurança nos 30.260 e 30.272 também no caso de infidelidade partidária. 6 CONCLUSÃO Diante dos posicionamentos do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral acima relatados, bem como dos argumentos apresentados neste estudo, conclui-se ser necessária, por parte dos Tribunais Superiores, uma análise mais profunda sobre o tema. O partido político, de forma isolada ou em coligação, representa o conjunto de opiniões e ideologias compartilhadas pelos eleitores. Não se pode conferir de forma absoluta a titularidade do mandato ao partido político e, com isso, ignorar a ordem de suplência formada em razão dos votos conquistados pela coligação. Assim, o princípio da soberania popular e o papel da coligação na formação do quociente partidário são mais do que suficientes para embasar a legitimidade ativa do suplente da coligação para propor a ação de perda de mandato eletivo em razão de infidelidade partidária. Os argumentos levantados no julgamento do STF sobre a ordem de sucessão dos suplentes, quando houver formação de coligação, também devem ser aplicados no caso de infidelidade partidária. Destarte, não caberia ao STF instituir uma “inconstitucionalização” do sistema das coligações, mas sim fazer uma interpretação de acordo com a constituição, integrando-a com os princípios constitucionais da soberania popular e do sistema eleitoral proporcional. Além disso, não se pode afirmar que há contradição entre infidelidade partidária e coligação. A análise da infidelidade é feita no âmbito do partido, ou seja, se o filiado não observou as diretrizes daquele partido, porém, se ele foi infiel ao partido, não deixa de ser infiel também à coligação, já que ela foi fundamental na formação do quociente partidário e contribuiu para que o partido tivesse uma representação. Ante o exposto, considerando os princípios constitucionais citados, conclui-se que o primeiro suplente da coligação tem interesse jurídico no resultado prático da ação de perda do mandato eletivo em razão de infidelidade partidária e, consequentemente, é parte legítima para propor a referida ação. &'@A>3 BC E REFERÊNCIAS BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. BRASIL. Código eleitoral anotado. 10. ed. Brasília: Tribunal Superior Eleitoral, 2012. BRASIL. Constituição Federal (1988). Constituição Federal. In: BRASIL. Código eleitoral anotado. 10.ed. Brasília: TSE, 2012. P.125-267. BRASIL. Lei das Eleições. 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