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A criança na perspectiva do abusador sexual

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A CRIANÇA NA PERSPECTIVA DO ABUSADOR SEXUAL 
 
 
 
 
 
 
 
Andreína da Silva Moura 
 
 
 
 
 
 
 
 
Dissertação de Mestrado 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Porto Alegre/RS, 2007
 
 
 
 
 
A CRIANÇA NA PERSPECTIVA DO ABUSADOR SEXUAL 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Andreína da Silva Moura 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Dissertação apresentada como requisito parcial 
para obtenção do Grau de Mestre em Psicologia 
Sob Orientação da 
Profª. Dr.ª. Silvia Helena Koller 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Universidade Federal do Rio Grande do Sul 
Instituto de Psicologia 
Programa de Pós-Graduação em Psicologia 
Março, 2007
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Dedico este trabalho, a todas as 
famílias que sofrem com as 
situações de abuso sexual.. a todos 
as crianças, mães, pais.. enfim 
todos aqueles que sofrem ou 
sofreram com esta experiência em 
algum momento de suas vida.
 
 
AGRADECIMENTOS 
 
 
 É madrugada, e está é a última parte importante dessa dissertação. Como 
não sou poeta, serei clara, não vou usar metáforas. Vou apenas agradecer a todas as 
pessoas que amo e que contribuíram direta ou indiretamente para que eu concluísse 
o mestrado. Ao pensar nisso, dou-me conta de que muita gente (mas, muita mesmo) 
esteve me acompanhando nessa caminhada que começou em São Paulo no ano de 
2002, quando eu chorei ao ver uma palestra com os integrantes do CEP-RUA. Ter 
tantas pessoas como companheiras denota que tenho ao meu lado muitas pessoas 
importantes em minha vida. Isso me conforta e me deixa feliz. 
 Primeiro, agradeço a minha família, pois eles são sim meu alicerce, minha 
força, meus primeiros e grades amores. Agradeço a minha mãe, Walda, por ter me 
ensinado a lutar pelo que desejo, ao meu pai (Matos) por ter me dado o conselho 
certo na hora certa, a minha avó Isabel pela sua doçura e apoio e ao meu irmão 
(Júnior) pelo carinho e companheirismo. E claro, a todos eles pelo GRANDE amor 
que sempre me dirigiram. Agradeço a vocês por terem me ensinado a amar, por 
terem me ensinado que na vida as pessoas são bem mais importantes que as coisas. 
Enfim; Família, amo vocês! E tenho muitas saudades de nossa convivência diária. 
Agradeço também aos meus tios, primos e Vó Maria pelo carinho. Ao meu 
avô que, não está mais entre nós, por ter sido um grande homem. 
 Agradeço aos meus amigos. Tenho tantos! Amigos de verdade! Primeiro aos 
de Natal: A Karlinha, a Lara, a Júbis, a David, Carlão, Alyson, Tita, Rayanne, 
Débora, Maíra, João Felipe, Aninha, Karin. Kátya, Laali, Mateus, Felipe que foram 
meus melhores espelhos. Amo, de verdade, todos vocês! Muitos foram chamados 
pelos apelidos, pois é assim que os conheço... carinhosamente. Mesmo estando tão 
distantes fisicamente, vocês continuam em mim e continuarão pra sempre. Um 
agradecimento especial a Sol... Minha amiga brilhante, como seu apelido, com que 
divido minha vida em tudo! Te amo! Tu sabes que é irmã que não tive. Não poderia 
deixar de agradecer a Normanda, pois ela que me apresentou ao CEP. Mas, claro, 
os agradecimentos não são só por isso. Agradeço por ter sido uma companheira de 
casa tão amável e agradável, por me apoiar sempre, tanto nos assuntos acadêmicos 
quanto nos pessoais. 
 Quero agradecer também aos amigos que fiz em terras gaúchas. Cris e Mel 
por terem sido sempre tão prestativas e tão amáveis mesmo quando éramos ilustres 
desconhecidas. Obrigada, gurias! 
 
 
 Outros amigos feitos aqui nos pampas: Michele, Laíssa e Clarinha. A 
Michele, por ter sido uma boa amiga nessa fase final, a Laíssa por mesmo antes de 
me conhecer ter me orientado... ainda me lembro dela chegando com os livros pra 
me emprestar mesmo antes de eu pedir. A Clarinha pela sua meiguice e por ter me 
acompanhado em momento difícil a minha vida. 
 Agradeço ao Vicente, pelas tardes de trabalho que passamos juntos. Ao 
Lucas, pelas piadas que me fizeram rir sempre. Agradeço a ele também pela lucidez 
das conversas. A Airi pela força que me deu em tantos momentos: Brigada, Riri! 
Meus agradecimentos vão também para Ana Paula e Samara, por dividir um 
momento profissional tão delicioso quanto aquele de Cruz Alta. A Camila, essa 
cearense tão carinhosa que entrou na minha vida, pela sua dedicação. A Luísa e 
Martha por terem me ensinado tanto sobre esse difícil tema que é o abuso sexual 
contra crianças. A Carmem, tão querida, que sempre esteve ao meu lado. Ao Jan, 
pelo seu carinho. Ao amigo William pelas horas de conversa. 
 A minha querida orientadora Sílvia Koller, pelas suas orientações, correções 
e por acreditar em mim. Obrigada, Chefa! Terás para sempre minha admiração, 
apreço.. amor mesmo! 
Agradeço a minha equipe de pesquisa: Juliana, Marco, Renata e Carol, pelas 
reuniões tão produtivas e prazerosas. Um agradecimento especial para Juliana, pois 
começamos juntas na UFRGS, ela na graduação, eu no mestrado. 
 Agradeço também as professores da banca: Cleonice Bosa, Vera Ramirez e 
Renato Flores pelas suas disponibilidades e contribuições tão relevantes ao meu 
trabalho. Um agradecimento especial para o Renato que abriu as portas do 
Ambulatório de Genética para que eu pudesse realizar a coleta. 
Agradeço também ao CNPq por ter me proporcionado a oportunidade 
material de cursar o mestrado. 
Agradeço também as minhas professoras Martha, Rosangela e Magda, pois 
afinal eles me iniciaram na vida acadêmica. 
 Agradeço aos meus queridos sogros (Sérgio e Valquíria Duvoisin) pelo 
cuidado expresso de tantas maneiras nos últimos meses. Serei sempre grata a vocês. 
 Agradeço a Deus por ter-me feito capaz de levar meus sonhos adiante. 
 Finalmente, agradeço ao meu amor eterno Christian Duvoisin... meu 
companheiro, meu amado. Te agradeço por tudo: pelas conversas, pela paciência, 
pelo empréstimo do computador, pelas risadas, pelas nossas brincadeiras, pela 
nossa amizade, pelos nossos planos,por você sempre, sempre, e sempre acreditar 
 
 
em mim, por todo amor que me tens. Te amo, meu amor! Sempre! Todas essas 
palavras não são capazes de expressar o quão feliz e grata sou a você. 
 Acabo por aqui com tantas lágrimas nos olhos... lágrimas de alegria por ter 
me dado conta que tenho pessoas admiráveis a minha volta! Obrigada, sempre! 
Muito obrigada! 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
É preciso fé cega 
E pé atrás 
Olho vivo 
Faro fino 
E tanto faz 
(Engenheiros do Havaí) 
 
É preciso ainda 
Mudar de perspectiva 
Mudar de ângulo 
Olhar por trás 
E isso exige que a gente 
Mude 
De ponta cabeça 
E de frente pra trás 
 
 
SUMÁRIO 
 
 
 
CAPÍTULO I 
INTRODUÇÃO.................................................................................................. 10 
1.1 Modos de Perceber a Infância: Analisando as Crenças sobre as 
Crianças no Contexto Social e a partir da Fala de Adultos .......................... 11 
1.2 Abuso Sexual contra Crianças: Números, Conceitos e Definições.... 21 
1.3 Abusadores Sexuais: Classificações e Características ....................... 29 
1.4 Abusadores Sexuais e sua Visão sobre as Crianças........................... 33 
1.5 A Bioecologia do Desenvolvimento dos Abusadores Sexuais ............ 41 
 
CAPÍTULO II 
MÉTODO........................................................................................................... 45 
2.1 Delineamento ...................................................................................... 45 
2.2 Participantes ....................................................................................... 452.3 Instrumentos ....................................................................................... 49 
2.4 Procedimentos..................................................................................... 49 
 
CAPÍTULO III 
RESULTADOS E DISCUSSÃO........................................................................ 51 
 
CAPÍTULO IV 
CONCLUSÕES................................................................................................ 126 
 
ANEXOS 
ANEXO A: Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ............................ 139 
ANEXO B: Termo de Concordância para o Departamento de Genética ...... 142 
ANEXO C: Ficha Bio-Sócio-Demográfica ...................................................... 143 
ANEXO D: Entrevista Semi-Estruturada....................................................... 144 
 
7 
 
 
LISTA DE TABELAS 
 
 
Tabela 1: Fases do Ciclo Vital dos Participantes 51 
Tabela 2: Visão sobre as Crianças 54 
Tabela 3: Caracterização das Vítimas 58 
 
 
 
 
8 
Resumo 
 
 
O objetivo deste estudo foi investigar as relações de abusadores sexuais com 
crianças ao longo de suas vidas, de modo a obter sua visão sobre as crianças. 
Estudos indicam que abusadores possuem distorções cognitivas sobre crianças. 
Realizou-se um estudo exploratório descritivo com 5 homens, de 37 a 73 anos, 
acusados de abuso sexual contra pessoas de até 13 anos, recrutados no Ambulatório 
do Departamento de Genética da UFRGS. Os instrumentos utilizados foram: uma 
Ficha Bio-sócio-demográfica e uma Entrevista Semi-Estruturada contendo questões 
sobre visão acerca das crianças, relações entre participantes e crianças, etc. As 
entrevistas foram realizadas individualmente, em sessão única. Os resultados 
indicam relações saudáveis entre participantes e crianças, e uma visão não-
distorcida e positiva sobre crianças. Entretanto, essas respostas foram 
estereotipadas, pois eles demonstraram capacidade empática limitada em relação às 
crianças, depreciando suas vítimas infantis. Reflexões sobre a utilização de auto-
relatos na pesquisa com abusadores sexuais são discutidas. 
 
 
Palavras-chave: abusadores sexuais; abuso infantil; visão sobre as crianças. 
 
 
 
 
9 
Abstract 
 
The aim of this research was to analyze child sexual abusers’ view about children, 
through their relationship with them along their life spam. Researches indicate that 
abusers have cognitive distortions about children. A descriptive exploratory study 
has been carried out with 5 subjects, aged from 37 to 73 years old, accused of 
sexual abuse against 13 year old children. A bio-social-demographic protocol and a 
semi-structuralized interview containing questions related to view about children, 
relationship between participants and children, etc. were applied to participants, 
who were recruited at an ambulatory of genetics studies at the university. The 
results indicated healthy relationships between the participants and children, and a 
non-distorted and positive view about children. However, those answers were 
stereotyped, as the participants demonstrated a limited emphatic capacity related to 
children, depreciating their child victims. Self-report measures used in sexual 
abusers research are discussed. 
 
 
 
Keywords: Sexual abusers; child sexual abuse; perceptions about children. 
 
10 
CAPÍTULO I 
 
INTRODUÇÃO 
 
 
O presente estudo teve como objetivo investigar as relações de abusadores 
sexuais com crianças ao longo de suas vidas, de modo a obter sua visão sobre as 
crianças. O abuso sexual infantil tem sido considerado um fenômeno que preocupa 
a saúde pública, devido à freqüência com que tem sido identificado. O dano 
psicológico que provoca pode perdurar ao longo da vida das vítimas (La Fond, 
2005). Estima-se que a prevalência de abuso sexual na população brasileira seja de 
30% (Picazio, 1998; Silva, 2002). No entanto, há uma importante lacuna em 
pesquisas sobre as vítimas, que é ainda maior, quando relaciona-se com dados sobre 
abusadores. 
A maioria dos estudos tem se concentrado nas vítimas, e uma das razões 
para isto é a dificuldade que os pesquisadores têm em acessar e manter vinculados 
os abusadores durante o processo de coleta de dados, sobretudo no âmbito nacional 
brasileiro. Temas como empatia, presença de vitimização dos próprios abusadores 
na infância e distorções cognitivas figuram em alguns estudos publicados. 
Investigar a visão de abusadores sobre as crianças poderá auxiliar na 
identificação de aspectos prévios ao abuso, que indicariam possíveis problemas 
futuros, já que crianças protagonizam os atos de abuso nos quais os perpetradores 
são importantes coadjuvantes (Abel, Becker, & Cunningham-Rathner, in Horley, 
2000; Gannon, Polaschek, & Ward 2005). A visão que o abusador possui sobre as 
crianças está diretamente relacionada à que ele possui sobre ele mesmo (Horley, 
2000). Este é um aspecto fundamental a ser investigado, porque ao longo da vida o 
ser humano relaciona-se com outras pessoas e nestas relações vai construindo uma 
visão de si mesmo. O próprio desenvolvimento ao longo do ciclo vital faz com que 
a pessoa, em suas interações apresente, mantenha e revise sua visão pessoal. No 
entanto, como vai agir com outras pessoas está sempre relacionado a como se 
percebe (Horley, 2000). Entretanto, além da focalização deste estudo sobre este 
aspecto individual dos abusadores, deve também ser reconhecida a possível 
influência dos aspectos contextuais para ocorrência do abuso. 
 
 
11 
 
1.1 Modos de Perceber a Infância: Analisando as Crenças sobre as Crianças 
no Contexto Social e a partir da Fala de Adultos 
Ariès (1975/1981), em seu livro “História Social da Criança e da Família”, 
descreve como as formas de conceber as crianças em uma determinada época 
ocasionaram também modos diferentes de lidar com elas. Este autor foi um dos 
primeiros a investigar as concepções de infância no mundo ocidental, através de 
obras de artes contendo figuras de crianças. A partir disto, descreveu, então, a visão 
que os ocidentais possuíam sobre as crianças e como esta modificou-se através da 
história. Tal análise sobre a visão social da criança ao longo da história, como 
afirma Finkelhor (in Phelan, 1995) traz à tona importantes variáveis sociais 
envolvidas no cuidado e no abuso. 
Antes do século XIII, “a arte medieval desconhecia ou não tentava 
representar a infância. É difícil crer que esta ausência se devesse à incompetência 
ou à falta de habilidade. É mais provável que não houvesse lugar para a infância 
nesse mundo” (Ariès, 1975/1981, p.50). Até o século XIII, crianças não eram 
concebidas como seres em desenvolvimento, pois eram retratadas como adultos em 
miniatura, com rostos, corpos e vestimentas típicas da fase adulta apenas em 
tamanho menor. Ariès salienta que as crianças da época eram vistas como 
possuidoras das mesmas capacidades dos adultos, diferenciando-se deles apenas 
pelo tamanho e força física. 
A partir de meados do século XIII, a criança começa a obter destaque no 
mundo das artes, sendo retratada com características típicas da fase infantil. 
Surgiram figuras de anjos que representavam crianças que eram educadas para 
ajudar na missa. Este tipo de figura mantém-se presente até o século XV e, entre os 
séculos XIV e XV, o Menino Jesus e a Virgem Maria Menina aparecem na arte, 
representando a infância santa e sagrada. Ariès (1975/1981) conclui que a infância 
retratada nas obras de artes desta época ainda não representava uma infância 
comum, mas uma infância pertencente apenas aos santos católicos. 
Nos séculos XV e XVI, crianças começam a ser retratadas em cenas 
cotidianas, geralmente em grupos de pessoas, que eram na maioria adultos. Para 
Ariès (1975/1981), este fato revela que avida diária das crianças estava misturada 
às das pessoas mais velhas. Ainda não havia separação cronológica entre os 
períodos da vida, não havendo também divisão entre as funções destinadas a 
adultos e crianças. As crianças participavam de todas as atividades, inclusive das de 
trabalho. Ariès relata ainda que os pintores davam a estes quadros de crianças um 
12 
 
certo “ar pitoresco”. Esta característica era conferida pela representação de crianças 
como seres “engraçadinhos” e graciosos. O gosto por tais cenas coincide com o 
surgimento do primeiro “sentimento” de infância, que Ariès denomina como 
“paparicação” (p. 67). Tal “sentimento” diz respeito à consciência sobre uma 
natureza particular da infância e é definido pela noção de que as crianças eram 
indivíduos pitorescos, que servem para o divertimento dos adultos. A “paparicação” 
foi identificada, por Ariès como um “sentimento” precoce, pois nesta época havia 
ainda o que ele chamou de “desperdício necessário”. Tal “desperdício” era a idéia 
de que muitas crianças deveriam ser geradas, pois apenas algumas poucas 
sobreviveriam devido à alta mortalidade infantil da época. A morte precoce de 
crianças, não era sentida como algo desolador, pois era um fato costumeiro. Esta 
concepção denunciava a pouca importância dada à criança, pois o fato de morrer 
muito cedo, não provocava importância e atenção devidas. Por conseguinte, dar 
atenção às crianças, mesmo que fosse para fins de diversão dos adultos, pode ser 
considerada uma atitude precoce. 
A partir do século XVII, as crianças passam a ser retratadas sozinhas nas 
obras de artes e é apenas no século seguinte que surge, o que Àries (1975/1981) 
chama de segundo “sentimento de infância”. Várias influências são apontadas como 
causa para o “nascimento” deste segundo “sentimento”. A introdução das idéias 
malthusianas de controle da natalidade na sociedade européia começava a 
modificar a idéia de “desperdício necessário”. Por conseguinte, a criança, a partir 
deste momento, poderia ser conservada e sobreviver. Desta forma, a maior parte 
destas crianças precisa de cuidados especiais o que fez com que os adultos 
prestassem mais atenção às necessidades delas. Outro aspecto que influenciou o 
pensamento da época sobre as crianças, a partir do século XVIII, foi a 
cristianização dos costumes, que consistia em propagar o catolicismo entre as 
pessoas leigas não ligadas diretamente ao clero. Um dos alvos deste movimento foi 
o modo de tratamento das crianças. Estas passam a ser percebidas, então, como 
seres que tinham “movimento de alma” (p. 69) e, por conseguinte, mereceriam 
apreço e consideração dos adultos e da sociedade. Além disso, por ocasião da 
cristianização dos costumes, a criança passou a ser vista como um ser inocente, pois 
era livre dos pecados do sexo. 
Algumas idéias moralistas e o surgimento das escolas para crianças também 
foram fortes influências para o surgimento de um segundo “sentimento de 
infância”. Os preceitos moralistas dos organizadores dos primeiros bancos escolares 
13 
 
tinham como alvo aqueles indivíduos que por estarem no início de suas vidas 
seriam mais propensos a serem educados. A idéia de que a criança é uma tábua rasa 
é oriunda dessa época. A partir destes preceitos, a criança seria o centro das 
atenções dos educadores e das famílias. Este é o germe tanto das idéias atuais sobre 
a infância quanto da necessidade de oferecer cuidados e educação à criança para 
que se torne um adulto sadio (Ariès, 1975/1981). O valor dado a educação nos dias 
atuais ainda está associado a questão do desenvolvimento sadio da criança, o que 
por sua vez, asseguraria uma adultez também saudável. 
A ênfase nesta revisão busca demonstrar a importância que o estudo de 
Ariès (1975/1981) dá aos modos de perceber as crianças ao longo da história 
ocidental e, conseqüentemente, de como a visão de infância foi se modificando 
através dos tempos. A análise de obras de arte revela que tais modos de perceber 
refletem-se diretamente em formas de tratamento que são dedicadas à criança. Esta, 
então, alcança mais e mais importância social e cultural através dos tempos e passa 
a ser reconhecida como um ser em desenvolvimento, que merece ser tratada de uma 
maneira específica. Contudo, tal abordagem da infância ao longo da história 
apresenta alguns aspectos que vem sendo contestados. Alguns autores criticam o 
presentismo de Ariès (Archad, 1993; Pollock, 1983; Santos, 1996), que definem 
como uma forma de conceber os fenômenos a partir de uma perspectiva do 
presente. Tais críticos alegam que analisar os “sentimentos de infância”, a partir de 
uma perspectiva do presente impossibilita a percepção de particularidades destes 
“sentimentos” nas épocas passadas. Segundo os críticos, quando Ariès não encontra 
atitudes que mostrem o moderno “sentimento” de infância, conclui que há ausência 
deste “sentimento” ou da consciência da natureza particular da infância. Os 
opositores de Ariès afirmam ainda que ele apenas constata esta ausência, sem, 
contudo, indicar como as crianças eram percebidas antes do século XVIII. Segundo 
Santos (1996), antes do século XVIII, as crianças eram vistas a partir de 
características de vulnerabilidade, potencialidade e pouca responsabilidade, tais 
como nos dias atuais. Contudo, afirma que não havia a idéia de uma ligação entre a 
mentalidade do adulto e da criança, sendo “a passagem entre os estágios de 
desenvolvimento concebida como um problema de iniciação e não de formação” (p. 
82). Ou seja, não havia a idéia de que os acontecimentos ocorridos em uma 
determinada fase eram importantes para as posteriores. Desta forma, para os pais ou 
pessoas que estavam em contato com a criança, o importante era iniciá-la em certas 
atividades, não sendo tão essencial ajudá-la a se desenvolver nestas novas funções. 
14 
 
As fases da vida eram vistas como uma repetição de experiências, e não como uma 
etapa de preparação para a fase adulta. 
Como conseqüência desta crítica há outra, ainda mais contundente. Os 
críticos de Ariès alegam que ele exagerou ao afirmar que o sentimento de infância 
não existia antes do século XVIII. Santos (1996) destaca que a sociedade medieval 
já conhecia um sentimento de infância, que, contudo, era diferente daquele que se 
inaugurou na modernidade e que se faz presente nos dias de hoje. De qualquer 
forma, os estudos de Ariès foram importantes na medida em que impulsionaram 
várias outras pesquisas sobre a visão social de crianças ao longo da história 
ocidental. 
Além das idéias de cuidados e educação voltadas às crianças apontadas por 
Ariès (1975/1981), há ainda outras características, no âmbito social, associadas à 
fase infantil. Phelan (1995), por exemplo, salientou que há na sociedade ocidental a 
concepção de que a criança deve ser sempre obediente aos adultos. Este tipo de 
atitude perante as crianças pode ser um facilitador para as situações de abuso, já 
que elas dificilmente irão se opor com veemência às decisões tomadas pelos 
adultos, mesmo que estas sejam abusivas. As crianças também são comumente 
vistas como seres dependentes dos adultos em todos os sentidos (biologicamente, 
financeiramente e etc.). Ao conceber a criança desta maneira, não haveria, na 
sociedade ocidental, meios de a criança reivindicar os mais variados direitos 
(Kramer, 1999). Enfim, pode-se perceber que a visão atual que se tem acerca da 
criança se faz a partir de várias “marcas” que a colocam, ao mesmo tempo, como 
um indivíduo especial e como alguém que não é capaz de reivindicar os seus 
próprios direitos pela sua própria voz. As crianças têm este direito assegurado pela 
Convenção sobre os Direitos da Criança promovida pela Organização das Nações 
Unidas (United Nations Organization, UNO,1989). Há que se comentar ainda que 
os tratamentos diferenciadoscom os filhotes (no caso dos humanos, com as 
crianças), apesar de ser uma característica recente na história humana, já é 
percebida entre várias comunidades animais, inclusive entre os chimpanzés. Estes 
tratamentos, entre os chimpanzés são percebidos pela sucessão da época de 
acasalamento e de cuidado com a prole que raramente se misturam, atestando que 
as mães, quando seus filhos nascem, se dedicam ao cuidado integral de seus 
filhotes, pois estes dependem delas (Duhram, 2003). Analisar o cuidado com a 
prole em outras espécies é importante, pois esse aspecto atesta a ligação humana 
com os outros animais na cadeia evolutiva. 
15 
 
No Brasil, alguns estudos foram desenvolvidos avaliando concepções por 
trás das leis direcionadas para crianças (ver Londoño, 1999). Uma revisão destes 
aspectos também auxilia no entendimento da percepção que a sociedade tem das 
crianças e de como uma criança em desenvolvimento constrói a visão de si mesmo 
e das demais crianças ao longo de seu ciclo vital. Um levantamento no acervo 
bibliográfico da Faculdade de Direito na Universidade de São Paulo realizado por 
Londoño (1999) revelou que desde o fim do século XIX, o termo “criança” associa-
se freqüentemente ao termo “menor”. Antes desse período “menor” não era comum 
na literatura jurídica e que a partir da década de 20, do século passado, tal termo 
aparece associado à criança em situação de abandono e marginalidade, além de 
indicar uma condição jurídica e civil e os direitos que lhe correspondiam. O 
surgimento desse termo representou o “nascimento” de uma nova categoria para a 
área jurídica (a figura do menor) e também de uma nova atitude perante algumas 
crianças. Antes do fim do século XIX, a palavra menor como sinônimo de criança, 
jovem ou adolescente era utilizada para definir os limites etários relativos à 
emancipação paterna ou às responsabilidades civis e criminais. Até fins da década 
de vinte do século passado, não havia legislação voltada mais especificamente para 
crianças e adolescentes no Brasil, sendo que quaisquer determinações legais 
estavam em outros conjuntos de leis. Nestes códigos, segundo Londoño, havia 
disparidade entre os critérios de idade para definir responsabilidades civis e penais. 
Alguns artigos poderiam definir que menores de 17 anos fossem mandados às 
prisões, já que era entendido, naquela época, que estes indivíduos possuíam 
discernimento sobre o ato criminoso. No entanto, apesar de já serem tidos como 
conscientes sobre seus atos criminais nesta idade, apenas aos 21 anos sairiam da 
tutela do pátrio poder. As diferenças atribuídas às questões de idade demarcavam 
que em determinados momentos as crianças podiam ser concebidas como adultas. 
A definição do que é ser criança, a partir da lei, era bastante indefinida. 
Em 1927, surge o Código de Menores baseado na Doutrina do Direito do 
Menor. Este código tanto definia quem eram os “menores”, bem como ditava os 
modos de tratamento jurídico a algumas crianças e os direitos delas, em geral as 
abandonadas ou infratoras, passou a ser dever da lei. Entretanto, as crianças que 
possuíam uma família continuavam a ter seus direitos regidos pelo código civil da 
época. Tais fatos revelam duas visões muito distintas sobre as crianças no Brasil: as 
“filhas de família” com seus direitos garantidos e os “menores”, que além da sua 
situação de risco, eram também vistos como perigos para a sociedade. Tal noção de 
16 
 
periculosidade associada à figura da criança baseava-se no entendimento que sem a 
tutela dos pais sua natureza seria descontrolada, o que acarretaria comportamentos 
inadequados. O Estado tinha, então, a tutela destas crianças e esta ameaça potencial 
exigia repressão. 
Em 1979, surge o segundo Código de Menores, agora, balizado pela 
Doutrina da Situação Irregular, distinguindo os abandonados daqueles que eram 
“criminosos” (Silva, 2004). Mesmo com esta distinção, estas crianças e 
adolescentes estavam sob a mesma insígnia da situação irregular. A imagem da 
criança associada a noções negativas de abandono e marginalidade pode ser um 
facilitador de abuso de todos os gêneros, já que elas não teriam um cuidador 
responsável que lutasse por seus direitos. 
Apenas na década de 80 do século XX, a visão sobre as crianças e os 
adolescentes no Brasil começou a ser modificada (pelo menos na forma da lei). Em 
1990, foi promulgado o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA; Brasil, 1990) 
baseado na Doutrina da Proteção Integral, com base na Convenção sobre os 
Direitos da Criança (UNO, 1989), que tem direção oposta às duas anteriores 
(Doutrina do Direito do Menor e Doutrina da Situação Irregular), pois não 
preconiza a repressão ou o tratamento diferenciado entre as crianças. Para o ECA, 
todas as crianças são vistas como dever do Estado, da família e da sociedade, que 
devem zelar pelo bem estar destes indivíduos. Além disso, o ECA protege todos os 
direitos de todas as crianças sem distinção de raça, gênero, condição 
socioeconômica, etc. A criança é compreendida como um ser em desenvolvimento, 
sendo também um sujeito de direitos e deveres. Mesmo com o advento promissor 
do ECA (Brasil, 1990), como salienta Londoño (1999), o preconceito e a violência 
contra as crianças ainda existe. 
A visão sobre as crianças na sociedade brasileira tem uma história que 
certamente afeta o macrossistema social, as crenças e as ideologias compartilhadas 
pelos seus membros. A visão brasileira da criança partilha da visão ocidental, 
analisada na obra de Ariès (1975/1981) e outros autores (Kramer, 1999; Phelan, 
1995) nas quais a criança é um ser que deve ser educado e controlado e, ao mesmo 
tempo, é inocente. Além disso, a criança também é vista como um indivíduo que 
possui direitos a serem zelados. A contextualização dos modos de ver a criança em 
indivíduo que possui direitos a serem zelados. A contextualização dos modos de ver 
a criança em nível macrossocial suscita um entendimento sobre o que é ser criança 
17 
 
e o modo de lidar com ela, mesmo levando em conta estudos que tem como fonte 
de dados leis e obras de arte. 
Algumas pesquisas que investigaram o modo como as pessoas definem o 
que é ser criança podem expandir a compreensão sobre a visão social da infância na 
sociedade, que influencia a visão pessoal, especialmente quando é abordada a 
violação de direitos da criança. Uma pesquisa realizada por Heilborn (1997) 
revelou que pais moradores de bairros periféricos do Rio de Janeiro concebiam seus 
filhos como indivíduos que precisam ajudar nos afazeres domésticos ou com 
trabalhos remunerados, como uma forma de recompensar seus cuidadores. A 
compensação seria uma troca tanto pelos bens materiais quanto pelos cuidados 
físico-emocionais fornecidos pelos pais. O trabalho doméstico no caso das meninas 
e o trabalho remunerado no caso dos meninos seria algo permitido e estimulado. 
Tal visão de que crianças precisam trabalhar para compensar os cuidados que lhe 
são dados é um fator importante, pois influencia tanto a entrada e a manutenção de 
crianças no mercado informal de trabalho quanto o tipo de parentagem que elas 
estão recebendo. O trabalho, enquanto atividade remunerada e aprendizado de um 
ofício reveste-se de uma identidade social legítima para as crianças. Os valores que 
embasam essa visão de mundo estão na base das escolhas que realizam em suas 
vidas (Heilborn, 2000). 
Em estudo com professores, sobre as representações sociais das fases do 
desenvolvimento humano revelou uma concepção de infância definida como fase 
de brincadeiras e dependência (Almeida & Cunha, 2003). A dependência foi 
explicada como um “elemento estruturante” para a representação que estes adultos 
possuíam sobre as crianças. Por conseguinte, a partir da “dependência”, viam as 
crianças como incapazes de cuidar de si mesmas e menos capazescognitivamente. 
A adultez apareceu como ponto ótimo do desenvolvimento para estes professores, e 
as demais fases como incompletas em relação a esta. A criança vista como um ser 
lúdico e pueril e o adulto como um ser completo pode gerar uma relação de poder e 
atitudes de um ser superior dirigidas a quem não tem capacidade de se 
responsabilizar por si mesmo, neste caso a criança. 
Em um outro estudo, Gaiva e Paiao (1999) investigaram qual a visão que 
estudantes do curso de graduação de Enfermagem possuíam sobre as crianças. O 
estudo foi realizado em dois momentos: antes e depois de uma disciplina sobre as 
concepções da criança na atualidade. A disciplina tinha como objetivo esclarecer 
que tais concepções seriam uma construção determinada pelas mudanças sociais e 
18 
 
históricas, mostrando também que na época as crianças são vistas como sujeitos de 
direitos. Os autores relatam que, no momento anterior a esta disciplina, as respostas 
das enfermeiras realçaram a imaturidade, e o conseqüente despreparo da criança 
para a vida. Seriam também seres “engraçados” e “bonitinhos”. A criança seria 
também um ser frágil que necessitaria da proteção e do cuidado dos adultos. A 
imagem da criança também foi associada à diversão e às brincadeiras, elementos 
estes que as distanciavam do mundo do trabalho. No segundo momento, após o 
término da disciplina, as características anteriores continuaram a ser relatadas. 
Entretanto, nessa segunda etapa, as participantes destacaram que as crianças são 
sujeitos de direito, que merecem um espaço no qual possam ser ouvidos. Os 
resultados dessa pesquisa sugerem que a concepção da criança na sociedade atual 
ainda é marcada por elementos da concepção da modernidade (imaturidade, etc.) e 
por noções mais novas que compreendem a criança como sujeitos de direitos. 
As diferenças entre meninos e meninas também são importantes para uma 
compreensão mais abrangente sobre a visão que as pessoas possuem sobre as 
crianças. Em uma pesquisa com pais de escolares, detectou-se que os meninos 
foram vistos como mais agressivos, duros, agitados, esportistas e as meninas foram 
vistas como mais educadas, calmas e quietas (Souza, 2000). A visão dos pais sobre 
as características de meninos e meninos foi estereotipada e esse tipo de visão é 
comum na sociedade. Esta idéia aparece no estudo de Bonamigo e Koller (1995), 
que comentam que em qualquer cultura, até nas primitivas, existem diferenças nas 
funções delegadas a homens e mulheres. Tais diferenças podem se basear em vários 
fatores, conforme pontuam Rosaldo e Lamphere (1979), inclusive no fato de as 
mulheres serem as responsáveis pelo nascimento e cuidado dos filhos. Elas 
dedicariam boa parte do seu tempo a essa função, exercendo funções mais passivas 
e domésticas. As funções femininas de cuidado com os filhos e com a casa foram 
tornando-se secundárias, enquanto as masculinas por serem mais dinâmicas foram 
conservadas. Certamente, funções adultas diferenciadas por gênero têm sua origem 
na infância e em como esta é percebida. 
A partir das funções executadas pelos dois sexos, foram se consolidando 
características determinadas a cada um deles. As meninas foram tidas, então, como 
dóceis, passivas, afetuosas, pacientes enquanto os meninos foram vistos como 
agressivos, fortes, competitivos e independentes (Biaggio, 1981). Há, ainda, a idéia 
de que a mulher por possuir todas essas características seria um ser frágil que 
necessitaria dos cuidados masculinos (Strey, 1998). Essas características foram se 
19 
 
constituindo como os papéis sexuais que seriam o conjunto de normas referentes às 
atitudes, comportamentos, valores que são concebidos como adequados para cada 
sexo, em uma determinada cultura, em um determinado momento (Graciano, 1978). 
Vinculados aos papéis sexuais estão os estereótipos sexuais, atuando como padrão 
fixo do que significa ser homem ou mulher. Esses estereótipos são essenciais para a 
sociedade, pois permitem a conservação, nesse caso, dos papéis sexuais, servindo 
como mediadores de um acordo implícito em um grupo social. Contudo, apesar de 
serem tão importantes, os estereótipos sexuais são um grupo de características fixas 
e pré-concebidas sobre como gêneros diferentes devem se comportar e que, muitas 
vezes, ditam o que é ou não permitido em seu comportamento. O que não é 
permitido nesse grupo de características pode ser visto como anormal, necessitando 
ser modificado. Os estereótipos sexuais podem ser considerados como aplicáveis a 
todas as idades, inclusive às crianças. É comum que esses estereótipos se associem 
também a questão da sexualidade: a virgindade seria valorizada para as mulheres e 
os comportamentos sexuais seriam mais permitidos para os homens (Giffin, 1994). 
Embora, a valorização da virgindade feminina esteja declinando (Taquette, 1997), 
tendo como reflexo a diminuição na taxa de adolescentes virgens (Heilborn & 
Bozon, 2001), a castidade feminina ainda é valorizada. Em contraposição, os 
comportamentos sexuais masculinos são mais permitidos, pos embora haja a noção 
de que o sexo é algo natural para a espécie humana, essa premissa se aplica mais 
aos homens (Giffin, 1994). O homem possuiria uma natureza sexual irrefreável o 
que faria com que ele tivesse dificuldade em controlar tais impulsos. Além disso, 
Essas diferenças na concepção sobre a sexualidade de homens e mulheres se 
baseiam nas formas patriarcais da organização da sociedade (Narvaz, 2005). 
Outras questões são relevantes para um melhor entendimento da visão sobre 
as crianças. A nova concepção da infância e subdivisão das idades do ciclo vital, 
antes inexistente na sociedade ocidental foram fatores importantes na “invenção” 
do mais novo período da vida: a adolescência (Salles, 2005). As crianças sendo 
concebidas como seres completamente distintos e dependentes dos adultos 
necessitariam de uma fase de preparação para a chegada a adultez. A adolescência 
surgiu, então, como esta fase de preparo para a vida adulta. Salles comenta que a 
idéia da fase adulta como meta é inerente a idéia de desenvolvimento humano, pois 
a infância a adolescência seriam etapas a serem ultrapassadas para que o 
desenvolvimento pleno (adultez) se estabeleça. A partir dessa separação, a 
definição da infância e da adolescência só seria possível pela contraposição às 
20 
 
características do mundo adulto, o que determina uma posição adultocêntrica em 
relação às outras fases do desenvolvimento. Uma importante discussão feita por 
Salles diz respeito às mudanças que têm ocasionado uma certa dificuldade em 
demarcar os limites entre os ciclos da vida, pois há uma “uma desconexão nas 
diferentes dimensões que definem a entrada na vida adulta” (Salles, 2005, p.38). 
Assim, o processo de ingresso na adultez agora é feito com outros parâmetros 
distintos daqueles originados na modernidade. Os critérios usados para a entrada na 
adultez a partir da era moderna se baseavam no modelo clássico de socialização. 
Este modelo fundamenta-se na idéia de desigualdade entre adultos, crianças e 
adolescentes, no qual o adulto possuía autoridade e sabedoria superiores as do 
público infanto-juvenil. O acesso a informação pelas crianças adolescentes que faz 
com que este público entre em contato com conteúdos de violência, sexo e conflitos 
íntimos, e a maior autonomia dada as crianças e adolescentes, por exemplo, 
questionam esse modelo de socialização. Se antes o acesso a informações e os 
comportamentos eram controlados pelos adultos de acordo com a faixa etária de 
crianças e jovens, na atualidade é dado a adolescentes e criança o direito de 
questionar se o comportamento ditado pelo adulto é o mais adequado. Além disso, 
o público infanto-juvenil entra em contato com conteúdos que não são mais de 
posse exclusiva dos adultos. A partir dessas e de outrasmudanças, a organização 
das idades da vida torna-se mais complexa, pois ela não se baseia mais na 
hierarquia entre as idades. Ou seja, agora não se pode mais afirmar que certos 
comportamentos são permitidos apenas na infância, apenas na adolescência ou 
apenas na adultez. Assim, os critérios cronológicos, apesar de ainda válidos, não 
seriam mais uma dimensão básica para delimitar os ciclos vitais. Essas 
modificações na sociedade, além de desordenar as idades da vida, questionam 
também o adultocentrismo (Salles, 2005). 
A infância não se caracterizaria apenas pela oposição a adultez, mas também 
à adolescência. Hall (in Newcombe, 1999) inaugurou, na ciência psicológica, a 
idéia de que a adolescência seria um momento de crise e de conflitos. Essa fase 
seria atravessada pela descoberta da sexualidade, pela perda dos referenciais 
paternos, entre outros. Assim, ao contrário da infância tida como um momento 
destinado às brincadeiras, felicidade, ausência de problemas, etc. a adolescência 
seria um período turbulento. Tais idéias de crise e estresse da adolescência a muito 
ultrapassaram os saberes da psicologia. Atualmente, tais concepções estão 
distribuídas pelo senso comum, sendo corriqueiro, portanto, que as pessoas definam 
21 
 
os adolescentes, por exemplo, a parir da rebeldia e da revolta que naturais dessa 
época da vida (César, 1998). 
Após rever os estudos descritos até aqui, pode-se notar que a visão de 
criança na sociedade atual, ainda guarda elementos da modernidade (inocência, 
imaturidade, etc.), mas também começa a ter outros contornos que impulsionam 
uma maior autonomia delas. Os modos de ver as crianças podem ser partilhados 
entre pessoas de uma dada sociedade, e dependem de contextos sociais e culturais. 
A visão sobre as crianças que é gerada tem forte influência sobre os hábitos, 
atitudes e crenças das pessoas no cotidiano e sobre a percepção de si mesmas. 
Como afirma Salles (2005): “Há uma correspondência entre a concepção de 
infância presente em uma sociedade, as trajetórias de desenvolvimento infantil, as 
estratégias dos pais para cuidar de seus filhos e a organização do ambiente familiar 
e escolar” (p. 33). Muitas dessas crenças podem ser adequadas, uma vez que 
revelam cuidados e proteção. Entretanto, outras podem ser fragilizadoras, por não 
respeitarem os limites e as potencialidades que crianças e adolescentes apresentam. 
 
1.2 Abuso Sexual contra Crianças: Números, Conceitos e Definições 
Até 1997, não havia estatística sistematizada sobre o abuso sexual contra 
crianças e adolescente no Brasil (Safiotti, 1997). No entanto, esta dificuldade em ter 
estatísticas sobre os casos de abuso ocorre também em outros países. Nos Estados 
Unidos, Larson, Terman, Gomby, Quinn e Behrman (1994) relatam que os órgãos 
oficiais oferecem informações incompletas tanto sobre a incidência (número de 
casos relatados a cada ano) quanto sobre a prevalência (número de pessoas na 
população como um todo que já sofreu um determinado agravo de saúde, neste 
caso, o abuso sexual). Finkelhor (1994) examinou 19 artigos sobre abuso nos quais 
os números sobre a prevalência variavam de 3 a 62% entre as vítimas do sexo 
feminino e de 3 a 16% para as do sexo masculino. O alcance dos casos de violência 
tanto física como sexual é difícil de ser estimado, devido à subnotificação e à 
carência de amostras que representem a população de vítimas (Rich, Gidcyz, 
Warkentin, Loh, & Weiland, 2005). Por conseguinte, a falta de dados uniformes é 
obstáculo tanto para a realização de pesquisas que se aproximem da realidade 
quanto para formulação de políticas nacionais voltadas à resolução deste problema. 
Há, então, apenas estimativas para a prevalência dos casos de abuso. Finkelhor, por 
exemplo, estima que até 20% das mulheres, e entre cinco a 10% dos homens norte-
americanos já tenham sofrido alguma espécie de abuso sexual. No Brasil, é 
22 
 
estimado que o abuso sexual contra crianças e adolescentes atinja mais de 30% da 
população (Picazio, 1998; Silva, 2002). 
Alguns números sobre as situações de abuso em geral são importantes para 
contextualização do estudo. Um levantamento realizado no Ambulatório de Maus 
Tratos de Caxias do Sul/RS, sobre abusos sexuais, entre 1998 e 1999, revelou o 
predomínio de casos em vítimas do sexo feminino (77%; na maioria em crianças de 
seis a nove anos de idade), sendo o pai responsável pela maioria dos abusos (De 
Lorenzi, Pontalti, & Flech, 2001). Em Porto Alegre, uma análise realizada em 71 
processos jurídicos do Ministério Público do Rio Grande do Sul, no período entre 
1992 e 1998, por violência sexual (Habigzang, Azevedo, Koller, & Machado, 2005) 
apontou a maioria das vítimas do sexo feminino (80,9%), com idades entre cinco e 
dez anos (36,2%). Os pais foram os agressores em 79% dos casos (40), seguidos 
pelos padrastos (16) das vítimas. A violência sexual foi denunciada pela mãe da 
vítima em 37,6% dos casos, pela própria vítima em 29% dos casos, por outros 
parentes, em 15,1%, e, por instituições, tais como, escola, hospital e departamento 
de polícia em 6,5% dos casos. Entretanto, em 61,7% dos casos, alguém informou 
que já sabia da situação abusiva e não denunciou. Estes dados chamam a atenção 
sobre a mobilização da sociedade contra a posse e o uso da criança por aqueles que 
devem ser unicamente os responsáveis por ela. Na atualidade, uma atitude contra 
estas idéias pode influenciar positivamente no desenvolvimento de uma criança 
(Koller & De Antoni, 2004). 
Para a compreensão do que é considerado abuso sexual será fornecida a 
definição usada pela Organização Mundial da Saúde (World Health Organization -
WHO, 1999): 
 Abuso sexual infantil é todo envolvimento de uma criança em uma atividade sexual 
na qual não compreende completamente, já que não está preparada em termos de seu 
desenvolvimento. Não entendendo a situação, a criança, por conseguinte, torna-se 
incapaz de informar seu consentimento. São também aqueles atos que violam leis ou 
tabus sociais em uma determinada sociedade. O abuso sexual infantil é evidenciado 
pela atividade entre uma criança com um adulto ou entre uma criança com outra 
criança ou adolescente que pela idade ou nível de desenvolvimento está em uma 
relação de responsabilidade, confiança ou poder com a criança abusada. É qualquer 
ato que pretende gratificar ou satisfazer as necessidades sexuais de outra pessoa, 
incluindo indução ou coerção de uma criança para engajar-se em qualquer atividade 
sexual ilegal. Pode incluir também práticas com caráter de exploração, como uso de 
crianças em prostituição, o uso de crianças em atividades e materiais pornográficos, 
assim como quaisquer outras práticas sexuais ilegais. 
23 
 
A definição fornecida pela WHO é ampla, já que não define que atos 
específicos (exibicionismo, toques ou intercurso sexual) podem ser considerados 
como abuso. A definição, não esclarece se todos estes atos, ou apenas alguns deles 
podem ser tidos como abuso sexual. Por conseguinte, para fins deste estudo serão 
considerados como abuso atos de exibicionismo, toques, assédio, exposição à 
pornografia, intercurso sexual, e toda e qualquer atividade sexual entre um adulto e 
uma criança. Neste estudo optou-se por esta definição, pois ela não limita que atos 
específicos possam ser abuso. Esta amplitude permite que se considere, como abuso 
sexual, mesmo aqueles atos tidos como menos graves, tal como a exibição sexual 
na presença de crianças. Qualquer ato sexual entre um adulto e uma criança 
reconhecido como abuso, mesmo que não haja intercurso sexual, é levar em conta 
que mesmo os menos graves podem acarretar uma carga de sofrimento para a 
criança, havendo graves danos psicológicos para a vítima. Koller e De Antoni 
(2004) chamam a atenção para os efeitos do abuso sobre o desenvolvimento, 
pontuando que questõesrelacionadas à freqüência, severidade, intensidade e 
duração dos episódios podem ter efeitos psicológicos variados de uma criança para 
outra, mas que certamente todos influenciam na construção da identidade exposta 
ao risco. O abuso sexual é considerado grave, em qualquer de suas nuances, porque 
como afirmam Amazarray e Koller (1998), não há nele só a violência sexual, mas 
também abuso físico e emocional. 
A definição de abuso sexual contra criança pode ser diferenciada de incesto 
ou pedofilia, embora estas palavras sejam comumente usadas como sinônimos. 
Nem todo ato de abuso sexual contra criança pode ser considerado incestuoso e 
nem todo indivíduo que comete tal ato pode ser diagnosticado como pedófilo. O 
incesto pode ser caracterizado como a união entre parentes com qualquer laço de 
parentesco podendo tal laço ser de consangüinidade ou adoção (Cohen, 1993). Por 
conseguinte, o incesto pode ocorrer entre parentes da mesma idade (entre irmãos, 
por exemplo) sem necessariamente envolver um adulto e uma criança ou um 
adolescente que mantenha uma relação de confiança, cuidado ou responsabilidade. 
Portanto, nem todos atos incestuosos podem ser considerados atos sexuais abusivos. 
A pedofilia é caracterizada como uma patologia sexual inserida no grupo 
das parafilias, que são patologias psiquiátricas caracterizadas por fantasias sexuais 
recorrentes e intensas com pessoas “não-autorizadas”, animais ou objetos. O 
indivíduo portador deste tipo de distúrbio experimenta fantasias intensas e 
excitantes e impulsos sexuais cíclicos envolvendo crianças. Além disso, o portador 
24 
 
de pedofilia pode chegar a manter atividades de caráter sexual com crianças pré-
púberes (de zero aos nove anos). Para ser classificado como pedófilo, o indivíduo 
precisa ter pelo menos 16 anos e ter uma diferença de idade em relação à vítima de 
pelo menos cinco anos, critério esse estabelecido pelo Manual diagnóstico e 
Estatístico de Trantronos Mentais (American Psychiatric Association, 1994). 
Pessoas podem ter fantasias sexuais envolvendo crianças ou se sentirem excitados 
por elas, sem, entretanto, chegar a cometer o ato de abuso propriamente dito. As 
características atribuídas aos pedófilos dizem respeito tanto às tendências 
psicológicas quanto aos comportamentos sexuais propriamente ditos entre adultos e 
crianças. Assim, indivíduos portadores desse transtorno podem apresentar apenas 
os desejos e fantasias com crianças, sem se tornarem abusadores. 
O papel dos abusadores tem sido explicado por diversas teorias, que se 
ocupam, principalmente, em definir as motivações para tais atos (ver 
www.secasa.com.au). Uma breve compilação de diferentes teorias apresentadas 
neste site, embora de forma superficial, demonstra que estas abordagens podem 
fornecer um panorama das formas como o conhecimento nesta área tem sido 
produzido. Para teoria psicanalítica, por exemplo, algumas situações vivenciadas 
ainda na infância, tais como o Complexo de Édipo e a inabilidade para ultrapassar 
esta etapa, bem como outros eventos traumáticos podem explicar o comportamento 
abusivo. O conflito de Édipo se caracteriza pela saída de uma fase na qual o objeto 
da criança deixa de ser apenas a mãe, pois há percepção de que existe um terceiro 
(pai), que compete com ela pela atenção materna. Esse conflito ocorreria entre os 
três e os cinco anos e seria vital para a estruturação da vida psíquica do indivíduo, 
pois é nele que se originam o superego, com a interiorização de normas e valores 
(Gabel, 1997). A falha neste conflito ocorre quando os pais da criança não estão 
suficientemente amadurecidos, e satisfazem desejos dela, erotizando essa relação 
(Almeida, 2003). O comportamento sexualmente desviante poderia resultar desta 
relação erotizada entre pais e filhos, gerando ansiedade de castração, o que por sua 
vez, acarretaria sentimentos de inadequação sexual e necessidade de ser 
sexualmente dominante. Desta forma, os abusadores seriam, em geral, perturbados 
e perversos em conseqüência desse desenvolvimento psicossexual pobre 
(www.secasa.com.au). Uma limitação desta teoria é a sua focalização apenas nas 
dificuldades do desenvolvimento individual, principalmente nos aspectos 
psicopatológicos vinculados ao perpetrador do abuso, desconsiderando os fatores 
sociais e culturais. A partir da teoria da precipitação da vítima, com origem no 
25 
 
início do século XX, abusadores e vítimas agem segundo uma mesma intenção ou 
objetivo, ou seja, a vítima pode apresentar gestos, olhares, palavras que incentivam 
o agressor a cometer o ato abusivo. Portanto, tais comportamentos produzidos pelas 
vítimas seriam interpretados como formas de consentimento para o abuso. A 
atividade sexual entre adultos e crianças (na maioria das vezes entre uma criança do 
sexo feminino e um adulto do sexo masculino) é vista como um desejo inconsciente 
da criança. Seria um “desejo anormal da criança de obter satisfação sexual, e 
consequentemente de padecer de traumas sexuais” (Abrahan in Intebi, 1998). As 
crianças teriam um desejo semelhante aos das mulheres que sofrem violência física 
por parte de seus parceiros, pois possuem um intuito masoquista nessas relações 
sexuais com adultos (Intebi, 1998). Alguns estudos baseados nessa teoria, datados 
da segunda metade do século XX, separavam as vítimas de abuso em dois grupos: 
as acidentais e as participantes. As acidentais eram aquelas que eram abusadas 
apenas uma única vez por um adulto desconhecido. Já as participantes, eram 
aquelas que mantinham uma “relação” duradoura com um adulto conhecido. A 
manutenção dessa “relação” pressupunha, assim, uma participação da vítima, pois, 
a repetição dos episódios só seria possível mediante o constimento dela (Rogers in 
Intebi, 1998). Outros estudos, baseados nessa teoria, classificavam os abusadores 
como seres amáveis e inofensivos, enquanto as crianças eram vistas como perversas 
e manipuladores (Intebi). Apesar de essa teoria não ser usada atualmente, Intebi 
afirma que ainda em 1984 ainda havia estudos baseados nela. Esse tipo de teoria é 
perigosa, pois pode ser usado como justificativa para os atos de violência cometidos 
pelo abusadores. A responsabilização apenas da vítima é uma forte limitação desta 
teoria, pois propicia uma visão de igualdade de condições entre elas e os seus 
abusadores, embora o que ocorre seja uma situação clara de coação e violência. 
A família tem sido descrita pela teoria da disfunção da família, no caso de 
abuso, como disfuncional, pois revela um sintoma de desestruturação pela qual 
todos os membros são responsáveis. Baseada nas teorizações da área sistêmica, o 
foco de análise sobre a situação abusiva centra-se na dinâmica que se estabelece 
entre os membros do grupo familiar. Segundo esta teoria, em famílias abusivas 
sexualmente, as barreiras intergeracionais foram rompidas em algumas esferas das 
relações familiares, ocasionando uma inversão de papéis entre pais e filhos. Com 
esta inversão, filhos e filhas podem atuar ao mesmo tempo como parceiros de seus 
progenitores, e como filhos. Essa ambigüidade é gerada quando, ao procurar 
cuidados emocionais dos pais, as crianças recebem carinhos sexualizados, 
26 
 
caracterizando, portanto, a situação de abuso (Almeida, 2003). Devido a confusão 
entre carinhos emocionais e gestos sexuais, as vítimas do abuso podem apresentar, 
posteriormente, um comportamento sexualizado junto aos seus filhos, quando na 
realidade desejam expressar cuidado emocional. Esse fator seria importante na 
manutenção do abuso através das gerações de uma mesma família (Furniss, 1993). 
A mãe teria um papel central nestes casos, pois se considera que o abuso acontece 
por uma ausência dela no que diz respeito à satisfação de necessidades emocionais 
de seus filhos, tornando-os mais vulneráveis ao abuso. Disfunções sexuaise 
comportamentos depressivos da mãe podem desencadear comportamentos abusivos 
nos quais os filhos tentam satisfazer suas necessidades emocionais, buscando a 
figura do pai. O pai que não é satisfeito pela esposa vai, então em busca da filha, 
para satisfazer-se sexualmente. O abusador (geralmente o pai) é tido por essa teoria 
como alguém que está no mesmo nível de maturidade emocional da criança 
(Furniss, 1993). Os autores da teoria sistêmica consideram também que há fatores 
de personalidade individuais que contribuem para etiologia dos abusos sexuais nas 
famílias. Contudo, os motivos pessoais para início das situações abusivas não são 
os fatores mais importantes para esta teoria. O foco de análise recai sobre como 
estas motivações individuais atreladas a de outros membros da família interagem 
para criar as situações de abuso (Almeida, 2003). Esta teoria possui claras 
limitações, pois não aponta o pai como o principal responsável pelo abuso sexual, 
culpabilizando a mãe e todos os membros da família pelo início e manutenção dos 
atos de violência sexual contra crianças. O foco de teorias psicológicas desloca-se 
da vítima ou da família para a situação de abuso sexual propriamente dita. Na 
análise desta situação dois pontos são centrais: a identificação do perfil psicológico 
do agressor e o conhecimento das motivações para o abuso. Algumas tendências 
psicológicas do agressor são destacadas, tais como: introversão social, sentimentos 
de inadequação da masculinidade, necessidade de exercer graus elevados de 
dominação e controle nas relações familiares, além de responsabilizar a vítima pelo 
acontecimento do ato. Há, ainda, outros fatores importantes tais como tendências 
criminosas, doenças mentais, alcoolismo e baixo controle interno, citados como 
comuns em ocorrências de abuso. Pode-se afirmar que a maioria dos estudos sobre 
abusadores concentra-se neste tipo explicação, pois uma parcela significativa deles 
tem como objetivo investigar, por exemplo, a personalidade ou as patologias que 
estes indivíduos apresentam. Além disso, outros estudos se dirigem para a análise 
das variáveis desenvolvimentais (tais como um ambiente violento na infância) que 
27 
 
podem contribuir para o surgimento de problemas psicológicos associados ao 
cometimento de atos de abuso sexual contra crianças. Um exemplo de teoria 
psicológica é a cognitivo-comportamental. O trauma tem papel central nessa área. 
O trauma ocorreria, quando há a exposição a um evento avassalador que 
compromete as estratégias de coping e de defesa da pessoa. Quando esses eventos 
são percebidos como incontroláveis, eles podem ser uma fonte de trauma psíquico. 
Assim, as terapias derivadas desse pressuposto estariam preocupadas com a 
resolução desse trauma e dos efeitos negativos gerados no comportamento 
(Almeida, 2003). Vários estudos (ver Widon & Ames, 1994) analisam a prevalência 
de abuso de todos os tipos em abusadores sexuais, realçando que estes se 
configurariam como traumas que influenciariam o surgimento de estratégias 
comportamentais disfuncionais, entre elas o abuso sexual contra crianças. A teoria 
cognitivo-comportamental pode ser criticada na medida em que associada ao 
trauma, pode estar idéia de que as vítimas de abuso sexual são “danificadas” de 
maneira irrecuperável (Almeida, 2003). Esse tipo de prerrogativa pode dificultar a 
crença de que o tratamento pode ser realmente eficaz para a vítima. As teorias 
feministas ganharam destaque nos 80 e 90 após a constatação de que a maioria das 
vítimas de abuso sexual era de meninas e que a maioria dos agressores era de 
homens adultos (Almeida, 2003). Para esta teoria, o abuso sexual ocorre, sobretudo 
em um contexto social de desigualdades, no qual os homens (potenciais agressores) 
teriam direitos de explorar mulheres e crianças. As meninas (por serem do sexo 
feminino e crianças ao mesmo tempo) seriam as vítimas preferenciais para este tipo 
de violência (Almeida, 2003). Nesta abordagem não são considerados motivos 
psicológicos sendo citados apenas modelos sociais (ver www.secasa.com.br). As 
críticas a este modelo surgem a partir do momento em que houve um aumento nas 
denúncias de abuso sexual contra mulheres. Em decorrência disto, a prerrogativa 
fundamental de que a relação desigual entre homens e mulheres seria a variável 
mais importante para a ocorrência dos atos de abuso passa a ser questionada 
(Almeida, 2003). 
A teoria de quatro pré-circunstâncias baseia-se nas idéias psicológicas e 
sociológicas de Finkelhor (in Krivacska 1989). De acordo com esta teoria, haveria 
uma interação de fatores para que o abuso ocorra. Primeiro, o perpetrador precisaria 
ter motivações para cometer o ato de abuso. Segundo, ele precisaria superar 
inibições internas para executar o ato. Terceiro, o abusador necessitaria transpor as 
barreiras externas para chegar a abusar. Finalmente, ele deveria ultrapassar a 
28 
 
resistência da criança (quarta pré-circunstância). A motivação se relaciona aos 
fatores pessoais do abusador envolvidos no início dos atos de abuso. As inibições 
internas dizem respeito tanto à conscientização de que o contato sexual com 
crianças é inadequado quanto a habilidade de controlar tais impulsos sexuais 
dirigidos a elas. As inibições externas seriam as estratégias ambientais que 
impediriam os atos de abuso. A presença de outra pessoa que poderia testemunhar o 
ato e o pouco tempo privativo de um abusador com uma criança figuram como 
estratégias possíveis na inibição do abuso sexual infantil. Contudo, essas estratégias 
só são efetivas quando percebidas pelos abusadores como barreiras reais para o 
cometimento do ato. Em um número signitificativo de oportunidades, os abusadores 
racionalizam essas dificuldades, cometendo os abusos mesmo quando elas estão 
presentes. Assim, não é necessário apenas aumentar os impedimentos externos ao 
abuso, mas fazer com que os potenciais abusadores os percebam como ameaçadores 
aos seus intentos contra as crianças. Após ultrapassar esses fatores inibitórios, o 
abusador precisa vencer as resistências da criança. Estas resistências podem ser 
incrementadas, por exemplo, por fortes laços emocionais entre ela e a família que a 
deixam segura, estimulando-a revelar os atos ou as tentativas de abuso. Contudo, 
vale ressaltar que a resistência da criança não pode ser encarada como uma 
responsabilização dela, pois esse fator dependerá basicamente de como o entorno se 
organiza para lhe apoiar. Um aspecto importante da teoria de Finkelhor (in 
Krivacska) é que esses quatro aspectos ocorrem sequencialmente. Assim, se o 
primeiro não está disponível, os outros não ocorrerão. Esse modelo pode ser 
entendido como um continuum no qual de um lado está a motivação para o ato de 
abuso e do outro os três fatores restantes que representariam as inibições. Assim, 
para que o abuso ocorra, a motivação deveria ser mais intensa que a combinação 
das amplitudes dos fatores inibitórios. A teoria de Finkelhor não explica como 
ocorre o desenvolvimento das motivações sexuais desviantes do abusador 
(Krivacska, 1989). Esta pode ser vista como a principal crítica da teoria das quatro 
pré-circunstâncias, pois ela não explica os fatores primários nos quais se poderia 
concentrar a prevenção. Entretanto, a teoria de Finkelhor é positiva na medida em 
que fornece uma visão mais contextual sobre o abuso. 
 Azevedo e Guerra (1989) acrescentam três teorias às já mencionadas, 
buscando o entendimento do fenômeno do abuso sexual impetrado por adultos 
contra crianças. A teoria psicodinâmica propõe que o comportamento sexual 
agressivo seja resultado de traços de personalidade patológicos do agressor. É 
29 
 
necessário, entretanto, atentar para o fato de que os casos que apresentam 
perturbações graves somam apenas 10% do total de registros dos casos de abuso 
sexual.A teoria da aprendizagem social que tem como base o pressuposto de que o 
comportamento violento é aprendido, socializado e, portanto, repassado. Já a teoria 
sócio-psicológica considera a violência contra criança como resultado de uma 
multiplicidade de fatores, tais como posição social, valores pessoais, traços de 
personalidade, problemas neurológicos, stress, uso de drogas, etc. (Azevedo & 
Guerra, 1999). 
Outras teorias, em sua tentativa de explicar a situação de abuso sexual, 
provocam o aparecimento de algumas explicações que podem legitimar 
preconceitos e mitos. Burt (1980) afirma que há algumas crenças quanto ao estupro 
que são apoiados socialmente, tais como “as mulheres podem resistir ao estupro, e 
se isso acontece é por que eles querem”, “mulheres pedem pelo estupro” (p.217), 
entre outras. Em sua análise, aponta que muitos casos de estupro nos Estados 
Unidos são julgados de acordo com tais idéias, ocasionando a responsabilização das 
vítimas e salvando seus algozes das penas legais. Um estudo com adolescentes na 
África do Sul revelaram que tanto os jovens do sexo masculino quanto os do sexo 
feminino entrevistados por eles afirmaram que os homens possuem impulsos 
sexuais incontroláveis e que cabe às mulheres o controle de tais impulsos (Petersen, 
Bhana, & MacKay, 2005). Como pondera Marques (2005), apesar de haver 
diversas explicações sobre as causas do abuso sexual, estas sempre esbarrarão em 
algumas limitações, já que o tema do abuso é complexo por sua multideterminação 
com as teorias explicando apenas parte das variáveis envolvidas. Além disso, cada 
situação de abuso é específica e as explicações que servem para um caso podem 
não ser úteis para outros. Portanto, entender os abusadores sexuais e alguns 
aspectos que os constituem pode ser um esforço válido na direção da compreensão 
do fenômeno, além de propiciar informações para ações interventivas. 
 
1.3 Abusadores Sexuais: Classificações e Características 
Uma revisão de literatura, com consulta ao Index-Psi-Periódicos (www.bvs-
psi.org.br) e ao PsycInfo (http://www.apa.org/psycinfo/), revela a escassez de 
estudos, especialmente os brasileiros, realizados sobre abusadores sexuais. Alguns 
autores têm tentado classificar abusadores em grupos segundo semelhanças 
psicológicas e comportamentais (Azevedo & Guerra, 1989; Gijseghem, 1980; 
30 
 
Marcet, 2005; Smith & Sounders 1995). Embora, como reiteram Cohen (1993) e 
Marques (2005), ainda seja também escassa a literatura sobre tais classificações. 
Classificar abusadores, a partir de algumas características, envolve uma 
questão ética conforme salientam Cohen e Gobetti (2002). O tema do abuso sexual 
de adultos contra crianças e adolescentes suscita opiniões indignadas, que rotulam 
os indivíduos que cometem os atos de abuso, geralmente como “seres irracionais” 
desprovidos de qualquer semelhança com outros seres humanos. É necessário ter 
clareza, contudo, que estes indivíduos são seres humanos que portam patologias e 
precisam de tratamento.) Dirigir um olhar de compreensão e empatia ao abusador 
não significa que se deseja isentá-lo de sua responsabilidade perante o ato de abuso. 
Os estudos apresentados a seguir, portanto, não buscam atribuir um rótulo ao 
abusador sexual. Ao contrário, procuram fornecer um olhar compreensivo aos 
abusadores (Furniss, 1993). 
Em um estudo, com base em mais de noventa casos de abuso sexual, 
Gijseghem (1980), um perito canadense e pesquisador com referencial na 
psicologia jurídica agrupou os abusadores em oito categorias. Seu estudo 
referencial viabilizou a verificação do tipo de comportamento do abusador, as 
possibilidades de recidiva e de tratamento. A classificação usada por este autor é 
pouco prática, baseada fundamentalmente em características internas do abusador 
(tais como seus conflitos internos, seu complexo narcísico, ou sua vontade de 
superioridade) sendo de difícil identificação e operacionalização em termos de 
pesquisa. 
Ainda relatando as características dos abusadores, Azevedo e Guerra (1999) 
diferenciam dois tipos de abusador sexual. O primeiro tipo é chamado agressor 
sexual situacional. Há quatro subtipos dentro desse primeiro. O primeiro subtipo é 
denominado regredido. Estes indivíduos possuem como característica comum 
dificuldades para enfrentar desafios e sua motivação para a prática do abuso se dá 
pela substituição de parceiros sexuais adultos por crianças. Além disso, o critério 
para escolha das vítimas é a disponibilidade e o método de abordagem das crianças 
geralmente é coercitivo. Possivelmente estes indivíduos colecionam pornografia 
infantil. Um segundo subtipo dos agressores sexuais situacionais é o moralmente 
indiscriminado. Este indivíduo abusa de pessoas em geral. Por conseguinte, ele 
abusa sexualmente de crianças, pois o abuso torna-se algo comum para ele. É 
oportunista na escolha de suas vítimas, aproveitando-se de sua vulnerabilidade. Age 
coagindo, manipulando ou tentando sua vítima. É ainda sadomasoquista e coleciona 
31 
 
revistas de detetive. O terceiro subtipo é o sexualmente indiscriminado. Possuem 
como característica básica uma ampla experimentação sexual. A motivação para o 
abuso sexual infantil é o tédio e ele escolhe vítimas mais jovens e de aparência 
diferente. É altamente provável que colecione pornografia de natureza variada. 
Além disso, aborda a vítima se relacionando com elas em outras atividades 
anteriores (brincadeiras, por exemplo). O inadequado é o quarto subtipo. Tal 
indivíduo possui como característica básica demonstrar-se inadequado socialmente. 
A insegurança e a curiosidade são os motivos para o abuso sexual infantil. Estes 
escolhem vítimas que não pareçam ameaçadoras, abordando-as, explorando as 
vantagens (tamanho, por exemplo) que possuem em relação a elas (Azevedo & 
Guerra, 1999). 
Um segundo tipo de abusador sexual infantil apontado por Azevedo e 
Guerra (1999) é o agressor sexual infantil preferencial. Os três subtipos inseridos 
nesta classificação compartilham as características de preferência sexual por 
crianças e coleção de pornografia infantil. O primeiro subtipo é o sedutor. A 
motivação para abusar de crianças é a identificação com as características infantis. 
Eles, geralmente, escolhem as vítimas tendo como critério idade e sexo, abordando-
as através de um processo de sedução. O segundo subtipo é denominado 
introvertido. Eles se relacionam sexualmente com crianças por medo de 
comunicação com as pessoas de sua idade. Escolhem crianças jovens e estranhas e 
seu modo de operação para o abuso são contatos sexuais não-verbais. O terceiro e 
último subtipo é o sádico. Este indivíduo é motivado pela necessidade de infligir 
dor às suas vítimas. Operam com as vítimas através de várias tentativas ou força. 
Estes indivíduos escolhem suas vítimas por idade e sexo. A caracterização feita por 
Azevedo e Guerra é bastante útil para classificar abusadores, segundo suas práticas 
abusivas e não de acordo com características de personalidade internas e abstratas. 
Contudo, as classificações postas por estas autoras não podem ser vistas como 
definitivas, pois corre-se o risco de reduzir as características dos abusadores apenas 
a algumas categorias. Outros indivíduos podem agir de maneira distinta das 
descritas, entretanto, eles continuarão a ser abusadores pelo fato de terem cometido 
violência sexual contra crianças. 
Outros estudiosos, apesar de não classificarem os abusadores em grupos, 
identificaram uma série de patologias que podem estar associadas aos casos de 
abuso. Walsh, MacMillan e Jamieson (2001) investigaram a associação entre 
transtornos psiquiátricos de pais e o cometimento de vários tipos de abuso. Esta 
32 
 
investigação foi conduzida junto a 8548 homens e mulheres que responderam se 
haviam vivido algum tipo de abuso durante a infância.Os participantes também 
responderam se seus pais sofreram com algum tipo de transtorno mental durante 
suas vidas. Apesar de os dados não serem fornecidos pelos pais abusivos, os 
resultados apresentados são importantes, porque associam algumas doenças 
psiquiátricas a certos tipos de abuso. Foi encontrada uma alta correlação entre 
doenças como depressão, mania e esquizofrenia e abuso físico e sexual contra 
crianças. Esses três tipos de doenças apresentam índices semelhantes de correlação 
com as situações de abuso. Contudo, quando foram identificados comportamentos 
anti-sociais houve uma maior correlação com a ocorrência de abusos físicos e 
sexuais do que quando foi detectada a presença dos outros tipos de doenças citados. 
Portanto, a presença de comportamentos anti-sociais sugere um maior risco para 
estes tipos de abuso. Os autores fazem uma ressalva quanto a estes achados, já que 
nem em todos os questionários se pôde identificar quem foram os agressores. Ou 
seja, não ficou claro neste estudo se foram os pais dos participantes da pesquisa que 
cometeram os atos de abuso. A presença de transtorno, desta forma, não significa 
que os pais sejam abusivos. Contudo, os sintomas destas patologias podem 
acarretar alguns comportamentos negligentes por parte dos pais, o que pode deixar 
seus filhos mais vulneráveis à violência de outros adultos. 
Corroborando o estudo de Walsh et al. (2001), um estudo realizado com 
abusadores incestuosos notou que em um quarto dos participantes havia algum 
distúrbio de personalidade, com destaque para o Transtorno de Personalidade Anti-
Social (Trepper, Niedner, Mika, & Barret, 1996). Um estudo realizado com pais 
incestuosos e mães não-abusivas procurou investigar particularidades entre 
abusadores foi o de Smith e Saunders (1995). Os abusadores foram definidos tanto 
pelas mães das crianças vítimas quanto pelos pais abusadores de um lado como 
dominantes, abusivos e autoritários e por outro lado como dependentes e passivos. 
Esta diferença pode ser explicada pela ausência de uniformidade entre as 
características dos abusadores evidenciada por vários estudos obtidos na literatura. 
Uma parcela significativa de abusadores sofre de patologias que são 
classificadas como parafilias (Becker, 1994). As parafilias são patologias 
psiquiátricas caracterizadas por fantasias sexuais recorrentes e intensas com pessoas 
“não-autorizadas”, animais ou objetos. Para que uma pessoa seja diagnosticada com 
parafilia, é necessário também que ele aja segundo as suas fantasias ou que estas 
tenham uma natureza intrusiva. No caso dos abusadores, reitera-se que a pedofilia é 
33 
 
o tipo de parafilia diagnosticada mais comumente. Contudo, outras doenças 
psiquiátricas do grupo deste mesmo grupo podem estar presentes. 
No estudo realizado com três abusadores sexuais incestuosos, Marques 
(2005) notou certas similaridades em seus funcionamentos. Entretanto, destaca que 
apesar destas semelhanças não é possível deixar de observar a singularidade com 
que cada um dos participantes agia, tanto em termos do abuso sexual como em 
outros aspectos de suas vidas. A falta de uniformidade entre classificações de 
abusadores pode, em parte, dificultar as pesquisas que busquem algum tipo de 
categorização, já que não há um critério único a ser seguido. No Brasil, o perfil do 
abusador será considerado o perfil fornecido, com base em 1565 denúncias feitas 
entre os anos de 2000 e 2003, pela Associação Brasileira Multiprofissional de 
Proteção à Infância e Adolescência (ABRAPIA) disponíveis on-line no ano de 2003 
(www.abrapia.org.br). As denúncias foram realizadas através de telefonemas e 
revelaram o seguinte perfil: 90% do abusadores são do sexo masculino; 58% estão 
na faixa etária que se estende desde os 18 aos 45 anos; e 21% tinham mais de 45 
anos, 59% possuíam vínculo biológico ou de responsabilidade com a vítima, 
enquanto 41% não possuíam tal vínculo. Dados dos Estados Unidos que 
corroboram este perfil. Do total de abusos cometidos naquele país, 96% foi 
praticado por homens. Um outro dado importante mostrado no estudo americano é 
que em grande parte dos casos as vítimas conhecem seus agressores (La Fond, 
2005). Esta informação também está de acordo com o perfil traçado pela 
ABRAPIA, já que na medida em que um pouco mais da metade dos agressores tem 
vínculo com a vítima, está claro que no Brasil parte expressiva destas vítimas 
também conhece seus agressores. 
Considerando este perfil do abusador sexual no Brasil, na próxima seção 
serão descritos alguns estudos que versam sobre a visão que eles possuem sobre 
crianças. Serão apresentadas também algumas teorias que tentam explicar o modo 
como os abusadores vêem as crianças. 
 
1.4 Abusadores Sexuais e sua Visão sobre as Crianças 
As cognições sobre o abuso tem sido um tema de interesse entre os 
pesquisadores que se concentram em estudar os abusadores. Uma coletânea de 
estudos apresentada a seguir tangenciam tais cognições e a visão de infância, 
permitindo algumas inferências sobre características e crenças que abusadores 
possuem sobre as crianças. Ward e Keenan (1999) afirmam que investigar como os 
34 
 
abusadores pensam e percebem o mundo a sua volta é determinante para 
compreender o modo como eles agem. Os abusadores parecem organizar três tipos 
de teorias implícitas sobre o abuso. A primeira delas abrange as crenças sobre as 
pessoas e o mundo em geral. O segundo tipo de teoria diz respeito àquelas crenças 
intermediárias que categorizam os elementos em geral, como por exemplo, os 
significados atribuídos às crianças. O terceiro e último tipo de teoria implícita está 
ligado àquelas crenças que o abusador possui sobre objetos ou pessoas específicos. 
Neste nível estão inclusas as teorias implícitas sobre uma vítima em especial. 
Três modelos predominantes têm sido empregados para descrever o papel 
das cognições em abusadores sexuais (Murphy, in Geer, Estupinan, & Manguno-
Mire, 2000). O primeiro modelo deriva-se da literatura clínica (Abel, Becker, & 
Cunningham-Rathner, in Geer et al., 2000), que considera que as distorções 
cognitivas dos abusadores são erros consistentes no pensamento que ocorrem 
automaticamente (Beck, 1997). Segundo este modelo, estas distorções não são 
causas dos atos de abuso, mas uma justificativa construída após os atos abusivos. 
Um segundo modelo sobre as distorções cognitivas é derivada da abordagem 
feminista. Descreve vários tipos de atitudes direcionadas às mulheres, aceitando o 
“mito do estupro” e atitudes relacionadas ao papel dos estereótipos (Malamuth, 
1986). O terceiro e último modelo é proveniente da literatura criminal, que propõe 
que os padrões de percepções e pensamentos distorcidos são causas para a agressão 
sexual e para outros domínios de comportamento. 
Citando mais especificamente estudos que mostram como abusadores vêem 
as crianças, Swaffer, Hollin, Beech, Beckett e Fisher (2000) discutem que a 
percepção sobre características físicas e sobre tipo de relacionamento que o 
abusador pensa ter com a criança influenciam diretamente para a prática abusiva 
contra a criança. Por exemplo, se ele acredita que pode manipulá-la para conseguir 
o que deseja, tal crença será importante para a prática do abuso. Em acordo com o 
estudo de Swaffer et al. (2000), a investigação de Ward e Keenan (1999) revelou 
que os abusadores percebem as crianças como seres sexuais e que, portanto, este 
contato sexual apenas despertaria impulsos que já existiam antes do momento do 
abuso. Por conseguinte, segundo os abusadores, as crianças só teriam benefícios em 
ter contato sexual com adultos. Os resultados de outro estudo demonstram que 
abusadores justificam o abuso informando que as crianças querem o contato sexual 
tanto quanto eles, pois, elas não resistem e não contam a outros adultos. Por último, 
afirmam

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