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O MITO DA CRIATIVIDADE EM ARQUITETURA

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ARQUITETURA E URBANISMO 
METODOLOGIA DO PROJETO 2015.1 
MANOEL FARIAS / MANUELA DUARTE 
O MITO DA CRIATIVIDADE EM ARQUITETURA 
Edson da Cunha Mahfuz 
Existe grande confusão a respeito do que seria criatividade em arquitetura. Tal fato 
não seria preocupante se não tivesse tantos efeitos nocivos para a prática da 
arquitetura. Por um lado, uma noção equivocada por parte dos leigos leva a uma 
demanda por objetos com os quais a arquitetura não deveria se envolver. Por outro, 
basear uma prática sobre uma noção errada de criatividade significa produzir 
arquiteturas irrelevantes, na melhor das hipóteses. 
Criatividade, segundo o dicionário Aurélio (1ª edição), significa qualidade de criador. 
Criador é quem cria, e criar é dar existência a algo, tirar algo do nada; dar origem; 
produzir, inventar, imaginar. O dicionário já indica que o termo não designa uma 
qualidade especial que distingue um criador dos outros. O próprio ato de criar algo já é 
indicação de criatividade. 
Para leigos (usuários em geral, clientes, imprensa não especializada), estudantes de 
primeiros anos e até muitos arquitetos, criatividade é algo ligado ao imprevisto, ao 
insólito, ao surpreendente, cuja obtenção é dependente de um talento superior inato 1. 
Daí a existência e os elogios conferidos a edifícios de aparência estranha, cuja lógica 
é muito difícil de entender. Parece haver uma correlação entre criatividade e 
variedade, movimento, impacto visual, e outras categorias que levam ao 
estranhamento. Vista desse ponto de vista, a simplicidade e a elementaridade são 
sinonimos de monotonia e falta de criatividade. 
Existem experts em "criatividade" que sugerem todos os tipos de origens para a forma 
arquitetônica: em alguns círculos é considerado criativo transformar um cinzeiro ou um 
croissant num edifício. Outros desenvolvem oficinas de sensibilização visando "soltar" 
a criatividade de estudantes e arquitetos, aparentemente reprimida por uma vida tão 
preocupada em encontrar soluções para os problemas quotidianos. 
Nenhuma dessas pessoas chega realmente a entender o que significa a criatividade 
em arquitetura. A consequência mais importante e danosa do ponto de vista 
dominante é que a forma é vista como algo independente, como algo que se 
acrescenta aos aspectos específicamente arquitetônicos de qualquer problema. A 
mesma confusão envolve o entendimento do componente artístico da arquitetura, que 
para muitos é algo externo ao processo projetual. 
Como uma aproximação a uma definição mais precisa da criatividade arquitetônica, 
proponho que o seu significado é diferente do sentido comum e do sentido que tem 
para as artes plásticas, para a publicidade, para a moda, etc. 
Toda atividade criativa é essencialmente solução de problemas. O que divide as 
atividades criativas em pelo menos duas categorias é a existência, para algumas, de 
problemas auto-impingidos, consciente ou inconscientemente, como nas artes 
 
plásticas, enquanto outras como a arquitetura estão relacionados à problemas 
externos à disciplina, que podem ser mais ou menos restritivos à liberdade do autor. 
Em outras palavras, a criatividade só existe, só se exprime, face a um problema real. 
Simplesmente não há criatividade sem problema referente. Assim, o criativo (ou o 
artístico) em arquitetura se revela como um modo superior de resolver, através da 
forma, os problemas práticos que definem um dado problema arquitetônico. 
Se o problema da publicidade é persuadir e o da moda é dar forma ao vestir, qual 
seria o problema da arquitetura? O que estabelece que a criatividade em arquitetura 
seja algo específico são várias questões: o uso, o custo elevado e a permanência 
dos edifícios. 
A questão do uso parece óbvia. Sem programa não há arquitetura; no máximo alguma 
escultura em cujo interior se pode caminhar. O uso/ programa indica que necessidade 
da sociedade precisa de espacialização; sua extrapolação nos leva perigosamente 
próximos da irrelevância e da irresponsabilidade. Todo programa deriva de um cultura 
específica, que deve ser o pano de fundo de qualquer realização arquitetônica. 
A escassez de recursos na América Latina nos obriga a fazer muito com o pouco de 
que dispomos. Qualquer solução "criativa" -no sentido de elementos não justificados 
por uma rigorosa lógica de projeto- significará maiores custos sem garantia de 
aumento de qualidade. 
E quando falamos em permanência nos referimos não apenas à durabilidade do 
edifício, dependente da construção correta, mas também da sua capacidade de se 
contrapor ao caos visual da cidade contemporânea. 
O raciocínio desenvolvido até aqui quer indicar que não há nada de criativo em 
projetar e construir objetos de forma inusitada, empregando geometrias complicadas e 
caracterizados por diagonais, pontas e outras complicações formais, principalmente 
porque os recursos citados não respondem a nenhum problema real. 
Pelo mesmo motivo não há a menor criatividade em empregar estilos históricos para 
edifícios contemporâneos, como é a presente moda no Brasil. Pelo contrário, isso só 
demonstra como são limitados e pouco criativos tanto promotores quanto criadores 
dessa espécie bastarda de arquitetura. 
A verdadeira criatividade em arquitetura reside em resolver seus problemas 
específicos por meio da síntese formal do programa, do lugar e da técnica, resultando 
em objetos dotados de identidade formal intensa, a qual deriva do emprego de 
critérios tais como a economia de meios, o rigor, a precisão, a universalidade e a 
sistematicidade. 
 
Disponível em: 
http://www.arquitetando.xpg.com.br/texto%20nPAI06.htm

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