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Resenha - Crise de Legitimidade e Intervenção

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Faculdade Integrada do Recife
Relações Internacionais
Direito Internacional Humanitário
A CRISE DA LEGITIMIDADE DA NÃO INTEVENÇÃO
Aluna: Flávia Salazar Sousa
Matrícula: 200801443663
Professor: Rodrigo B. de Albuquerque
Recife, 2012
JUBILUT, Liliana Lyra. Não intervenção e legitimidade internacional. São Paulo: Saraiva, 2010. Título III, Capítulos 1, 2 e 3.
	A crise de legitimidade da não intervenção deve ser compreendida como um fenômeno multifacetado da realidade internacional contemporânea, na medida em que pode ser analisada desde uma perspectiva axiológica, no sentido de que o princípio da não intervenção não mais reflete os valores que embasaram sua consagração na Carta da ONU; até um enfoque institucional, no que tange à sua aplicação (ou não) pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas.
	Nesta esteira, Liliana L. Jubilut chama a atenção para o fato de que, quando da sua criação, logo após a Segunda Guerra Mundial, a Organização das Nações Unidas tinha como principal objetivo o estabelecimento de um novo sistema de segurança internacional, pautado na segurança coletiva. Buscava, desse modo, evitar o uso da força unilateral mediante a elevação da regra da não intervenção à sua lista de princípios, visto que as agressões interestatais eram então concebidas como a principal causa de ameaça à paz e à segurança internacionais.
	No entanto, a autora demonstra que, com o passar do tempo, mudanças ocorreram no cenário internacional a ponto do paradigma de ameaça à paz não mais se centrar nas agressões interestatais, mas sim nas graves violações aos direitos humanos e nos ataques terroristas. Fizeram-se necessárias, assim, adaptações de caráter material na aplicação das regras previstas na Carta de São Francisco, pois a grande parte dos conflitos passou a ocorrer no âmbito interno dos Estados, e o respeito à soberania e à não intervenção impediam uma interferência das Nações Unidas.
	Observa-se então que as necessárias adaptações entre a realidade e o direito positivado foram sendo feitas pelo Conselho de Segurança, muitas vezes à pedido de outros órgãos da ONU ou até mesmo da própria comunidade internacional, dada a sua competência como guardião da paz. Desse modo, o reconhecimento da necessidade da proteção de civis em conflitos armados, no final da década de 1990, teve como principal consequência a consagração da correlação entre temas de segurança e os de direitos humanos, com a decorrente ampliação da competência do CSNU para tratar do assunto.
	A partir desse reconhecimento, observou-se um aumento exponencial do número de autorizações dadas pelo CSNU para o uso da força, seja no que se refere às intervenções humanitárias stricto sensu, seja no tocante às operações de paz enviadas quando da ocorrência de conflitos internos nos failed states (como são chamados pela autora os Estados sem soberania política), o que demonstra, por sua vez, a relativização do princípio da soberania estatal e, consequentemente, da não intervenção.
	Nada obstante, Liliana Jubilut faz algumas ressalvas quanto a essa expansão competencial do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Em primeiro lugar, é preciso reconhecer que a composição deste órgão há muito vem sendo debatida, principalmente no que diz respeito aos seus membros permanentes, pelo fato de não representarem equitativamente as regiões geográficas mundiais, assim como em razão dos poderes a eles atribuídos, em especial o de veto, que vai completamente de encontro ao princípio da igualdade jurídica dos Estados.
	Em segundo lugar, questiona-se também a força do Conselho de Segurança tanto no seio das Nações Unidas, como perante a comunidade internacional, em razão do poder vinculatório das suas decisões sobre os Estados Membros da Organização, assim como da quase ausência de limites à sua atuação. Fala-se em quase ausência de limites, porque, em teoria, a competência do CSNU viria delimitada pela Carta da ONU e pelas normas de ius cogens internacional. No entanto, cabendo ao próprio órgão a interpretação do texto da Carta de São Francisco, resta claro que os preceitos ali positivados vêm sendo frequentemente relativizados, a fim de permitir-se uma expansão da competência do Conselho, e tampouco as normas de ius cogens estão bem definidas no Direito Internacional.
	Tudo isso contribui, portanto, para a falta de legitimidade na atuação do Conselho de Segurança, visto que ele consiste em “um órgão com um déficit de representatividade, com enorme força e que age com seletividade no que tange à aplicação de uma das regras essenciais do sistema que o criou e que justifica em si mesma a sua criação” (JUBILUT, 2010, p. 150).
	A seletividade a que se refere a autora diz respeito ao fato de que, no que tange à prática de agressões unilaterais pelos Estados, o CSNU mostrou-se imprevisível em sua valoração, apresentando ao longo de sua história posturas diferentes diante de situações similares. Isso demonstra, por sua vez, o caráter fundamentalmente político desse órgão, cujas decisões não se baseiam nos textos legais, mas nos interesses individuais e no prestígio dos Estados envolvidos.
	Como decorrência dessa seletividade, pode-se apontar, por outro lado, a inatividade do Conselho de Segurança no que toca à prevenção de catástrofes humanitárias, tais como as ocorridas em Ruanda e Kosovo na década de 1990. Liliana Jubilut ressalta que essa inação muitas vezes reflete uma má interpretação do princípio da não intervenção, dado que ele pressupõe uma doutrina de imparcialidade diante de conflitos armados, mas que vem sendo confundida com uma política neutralidade, dificultando, assim, uma atuação efetiva das tropas de paz.
	Neste sentido, faz-se mister uma mudança de postura nos mandatos das missões de paz da ONU, a fim de que interfiram nos conflitos internos (rompendo a postura de neutralidade), sem, contudo, tomar partidos, ajudando igualmente ambas as partes no que tange a questões não jurídicas e humanitárias. Somente assim poder-se-á resgatar um pouco da legitimidade das intervenções onusianas nos casos em que haja grave violações a direitos humanos.
	Diante do exposto, resta clara a necessidade de uma revisão do texto normativo da Carta de São Francisco, a fim de que ele possa refletir a realidade internacional hodierna, restaurando, desse modo, a legitimidade dos princípios da soberania e da não intervenção, de modo que se adequem às questões humanitárias; a legitimidade do Conselho de Segurança, para que possa atuar conforme o texto explícito da Carta, dando, portanto, maior segurança jurídica aos seus posicionamentos; assim como a legitimidade da própria ONU, como marco jurídico da ordem internacional contemporânea.

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