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SUMÁRIO INTRODUÇÃO ................................................................................................... 3 1 O DIREITO NO TEMPO ........................................................................ 3 2 CONSTITUCIONALISMO: CONCEITOS PRIMORDIAIS ..................... 3 2.1 Fundamentos históricos da construção do constitucionalismo no Estado5 2.2 O constitucionalismo e a Constituição de 1988 – movimentos sociais .. 7 3 A IMPORTÂNCIA DA DEMOCRACIA E OS MOVIMENTOS SOCIAIS NO BRASIL ............................................................................................................ 13 3.1 A democracia da atualidade ................................................................ 16 3.2 Constitucionalismo e democracia ........................................................ 19 3.3 As influências da Constituição de Weimar 1919 .................................. 20 4 SURGIMENTO DA DECLARAÇÃO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS ....................................................................................................... 24 4.1 O caminho percorrido pelos Direitos Humanos ................................... 25 4.2 Direitos humanos no Brasil .................................................................. 27 5 CONCEITO DE CIDADANIA E SUA RELEVÂNCIA NO ESTADO DEMOCRÁTICO .............................................................................................. 29 5.1 Cidadania e Democracia ..................................................................... 31 5.2 Atuação jurídica da cidadania .............................................................. 33 5.3 Atuação política: cidadania e políticas públicas ................................... 34 6 APRECIAÇÃO DE TEORIAS E CONCEITOS DOS DIREITOS HUMANOS: NACIONALIDADE, CIDADANIA, DEMOCRACIA ........................................... 36 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................ 42 INTRODUÇÃO Prezado aluno, O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil. Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que lhe convier para isso. A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida e prazos definidos para as atividades. Bons estudos! 3 1 O DIREITO NO TEMPO Conforme Motta (2021), o tempo traz consigo transformações às sociedades, influenciando sua maneira de viver, suas novas necessidades, conquistas, desafios e valores. Com o direito, não é diferente, pois ele deve acompanhar essas mudanças. As normas, concebidas à luz das exigências sociais de uma época e lugar específicos, variam conforme o contexto histórico e geográfico. A noção de tempo e suas consequentes mudanças encontram expressão no movimento do constitucionalismo, que congrega eventos históricos significativos alinhados às novas demandas sociais, resultando na criação de um documento normativo conhecido como Constituição. Através dela, testemunhamos importantes fatos determinadores de mudanças sociais. A transição do Estado Absoluto para o Estado de Direito, promovida pelo movimento do constitucionalismo, marca não apenas o surgimento de um documento jurídico precursor do Estado, mas também a concepção de que o governante, junto de seu povo, está sujeito às leis. Dessa forma, esse movimento não apenas resulta em uma mudança de regime político, mas também redefine a organização e aplicação do direito, deixando para trás a vontade arbitrária do soberano (MOTTA, 2021). 2 CONSTITUCIONALISMO: CONCEITOS PRIMORDIAIS O termo ‘constitucionalismo’, segundo Motta (2021), refere-se ao movimento surgido da vontade humana de controlar seu destino político e de participar na vida do Estado. Essa participação poderia ser exercida como governante ou, pelo menos, com a garantia de que os governantes respeitariam um conjunto mínimo de direitos. Teve seu início nas raízes da Idade Média, ganhando impulso durante o Renascimento e os debates políticos e religiosos da Reforma Protestante (MOTTA, 2021). O constitucionalismo representou a luta do homem por liberdade em oposição ao governo, muitas vezes tirânico, e pela garantia de um conjunto mínimo de direitos a serem respeitados, não apenas pelos governantes, mas também pelos cidadãos. Essas aspirações deveriam ser refletidas em Constituições originadas da vontade popular, mesmo que sob a autoridade de um imperador ou rei. 4 Tendo em mente que todos os Estados, de uma forma ou de outra, possuem regras básicas, o propósito do constitucionalismo foi incorporar a esses sistemas normativos um conjunto mínimo de garantias contra o arbítrio. Entre essas garantias, destacam-se a divisão das funções estatais e a proteção dos cidadãos em relação ao Estado, estabelecendo um composto de limitações para prevenir a invasão do domínio privado dos indivíduos pelo Estado, e prevendo os meios para enfrentar essa eventualidade. Os pactos que surgiram nas Idades Média e Moderna consistiam em acordos entre o monarca e os membros da burguesia ou da nobreza, com foco principalmente nas disposições relacionadas ao governo, aos direitos individuais e às garantias correspondentes. O mais famoso desses pactos foi a Magna Carta, de 1215, acordada entre os nobres ingleses e o rei João Sem Terra. Motivados principalmente pela tentativa do monarca de tributar suas propriedades, os nobres conseguiram estabelecer um documento que garantia diversas liberdades individuais, sendo estas: proteção da liberdade pessoal, garantia da inviolabilidade domiciliar, restrições à criação e cobrança de impostos e o reconhecimento do direito a um devido processo legal, entre outras (MOTTA, 2021). Posteriormente, na Inglaterra, durante a Idade Moderna, em 1628, outro pacto digno de nota foi o ‘Petition of Rights’, no qual o monarca Carlos I concordou que as contribuições ao tesouro público só poderiam ser estabelecidas com o consentimento dos súditos. Além disso, na Inglaterra, o ‘Bill of Rights’, de 1689, também merece destaque como um pacto de notória abrangência, que não apenas excluiu a dinastia Stuart do trono inglês, mas também abordou diversos direitos e garantias dos súditos, como a regulamentação do direito ao porte de armas e a liberdade nas eleições. As cartas de franquia, comuns na Europa medieval, foram instrumentos formais que concediam às corporações autonomia para exercerem suas específicas atividades, livres da influência do rei ou da nobreza feudal. Os forais, também comuns nesse período histórico, eram documentos mais abrangentes, concedendo aos burgos autonomia administrativa e política para se autogovernarem. Os ‘contratos de colonização’ foram acordos celebrados entre os puritanos ingleses que chegaram na América do Norte durante o período colonial da Inglaterra. 5 Devido à falta de um poder estabelecido na Colônia, os próprios imigrantes concordaram com regras de autogoverno. Destacam-se, nesse contexto, o pacto celebrado a bordo do navio Mayflower, em 1620, conhecido como Compact, e as Fundamental Orders of Connecticut, pactuadas em 1639. Embora uma análise detalhada desses documentos esteja além do escopo desteuma questão sempre controversa (GARCIA, 1998). No contexto delineado pela Constituição, a cidadania consiste em possuir direitos. A concretização da democracia ocorre por meio da cidadania, isto é, através da participação política nos rumos da nação. A cidadania plena emerge com a garantia dos direitos sociais. Não pode haver liberdade de expressão sem o acesso à educação. Ser cidadão é ter direito à vida, à liberdade, à propriedade e à isonomia perante a lei, resumidamente, é possuir direitos civis. Também envolve participação na vida da sociedade, votando, sendo votado e possuindo direitos políticos. No entanto, os direitos civis e políticos não asseguram a democracia sem os direitos sociais, que garantem a participação do indivíduo na prosperidade coletiva, como o direito ao trabalho, a um 31 salário justo, à educação, à saúde e a uma velhice digna. Exercer a cidadania plena significa possuir direitos civis, sociais e políticos (SIQUEIRA; OLIVEIRA, 2016). A cidadania, nesse sentido, implica a consciência de pertencimento à sociedade estatal como detentor dos direitos fundamentais e da dignidade como ser humano, integrando-se de forma participativa no processo do poder, com a consciência igualitária de que essa posição subjetiva também implica deveres de respeito à dignidade do próximo e a contribuição para o progresso de todos. Essa forma de cidadania requer ações estatais para garantir a satisfação de todos os direitos fundamentais em condições isonômicas. Embora a promoção dos direitos sociais tenha limitações financeiras, mesmo em tempos de recessão econômica, o princípio da igualdade continua sendo um princípio fundamental constitucional, que demanda a distribuição equitativa dos efeitos negativos dos períodos de crise. Cidadania é a incorporação do indivíduo nos desafios da sociedade. Dentro desse contexto, T. H. Marshall (1988) define a cidadania como "um status concedido àqueles que são membros integrais de uma comunidade". O mesmo autor descreve a cidadania em três partes distintas: 1. Civil, que engloba as garantias e liberdades individuais; 2. Político, relacionado ao direito de participar no exercício do poder político, incluindo a capacidade de votar, ser votado e organizar partidos; 3. Social, que abrange as condições mínimas necessárias para se gozar de uma vida digna, envolvendo desde o direito a um mínimo de bem-estar econômico e segurança até o direito de participar plenamente da herança social (MARSHALL, 1988). Essa apartação entregue por Marshall corresponde aos diferentes períodos de desenvolvimento. Cada um dos elementos está associado a um século distinto, os direitos os políticos relativos ao século XI, civis ao século XVIII, e os sociais ao século XX (SIQUEIRA; OLIVEIRA, 2016). 5.1 Cidadania e Democracia Ainda conforme Siqueira e Oliveira (2016), a democracia repousa sobre dois pilares institucionais: os partidos políticos e a sociedade civil. A prática da cidadania se desenrola nesses dois contextos, onde se materializa a atividade política do dia a dia. A cidadania é intrínseca à democracia e à participação política, manifestando-se por 32 meio das tomadas de decisão política nos municípios, estados ou na comunidade em que o indivíduo reside. É a junção da liberdade e da soberania do povo, garantidas pela Constituição Federal. A democracia é construída através da prática. Uma ideia essencial do conceito de cidadania reside em sua ligação com o princípio democrático. Logo, pode-se afirmar que, à medida que a democracia evolui e se enriquece ao longo do tempo, a cidadania também adquire novos traços. É por essa razão que a cidadania é o ponto focal para onde é voltado a soberania popular. Não havendo democracia, a prática da cidadania torna-se inviável, pois esta é exercida no âmbito público por pessoas conscientes. A cidadania implica um sentimento de pertencimento à comunidade, envolvendo processos de inclusivos da população e o reconhecimento de um conjunto de direitos civis, econômicos e políticos. No entanto, também implica inevitavelmente a exclusão do outro. Todo cidadão é um membro ativo da comunidade, o que lhe confere obrigações, mas também o capacita a reivindicar direitos, buscar mudanças nas relações dentro da comunidade e redefinir seus princípios e identidade simbólica, além de repartir os recursos comuns (SIQUEIRA; OLIVEIRA, 2016). A essência da cidadania reside precisamente nesse caráter público e impessoal, onde diversas situações sociais, aspirações, desejos e interesses conflitantes se confrontam dentro dos limites de uma comunidade. Embora existam comunidades ao longo da história que não possuam cidadania, a verdadeira cidadania só se manifesta dentro de uma comunidade concreta, que pode ser definida de várias maneiras, mas que sempre representa um espaço privilegiado para a ação em conjunto e o levantamento de projetos para o futuro. A Constituição fundamenta o Estado Democrático em dois pilares relacionados ao indivíduo: dignidade da pessoa humana e cidadania. A dignidade da pessoa humana representa o valor fundamental do indivíduo, enquanto a cidadania refere-se ao enfoque social. A cidadania implica em uma ação que permite ao cidadão participar ativamente da vida do Estado. É o exercício da construção do bem comum realizado pelos próprios cidadãos, sendo sinônimo de participação. No Estado Democrático e Social de Direito, essa participação é imprescindível, dada a amplitude da esfera de atuação estatal, que envolve garantias de liberdades positivas e negativas. 33 No paradigma do Estado democrático de direito, o conceito de cidadania expandiu-se, com a introdução constitucional da cláusula social, fixando novas formas de participação do indivíduo no Estado. Isso abrange não apenas o gozo dos direitos políticos e civis, mas também expandindo para os direitos civis e políticos, assim como os direitos econômicos, sociais e culturais. Busca-se, assim, superar as distinções da cidadania social, promovendo uma cidadania que concretize os direitos fundamentais e seja estendida a todos os segmentos sociais (SIQUEIRA; OLIVEIRA, 2016). Nessa perspectiva, o cidadão não é apenas um eleitor ou um candidato, mas sim um agente ativo, responsável pela história em que está inserido, participante do fenômeno político. Ele tem direitos e habilidades para participar das decisões do Estado, exigindo posturas e ações efetivas para atender às necessidades e aspirações sociais e individuais. Essa nova postura do cidadão o coloca em um papel de fiscalizador da Administração Pública. A democracia se efetiva através da cidadania. Ter um regime democrático não se resume à existência de liberdades e procedimentos democráticos na Constituição; é necessário que haja uma diversidade de opiniões e interesses representados em partidos políticos. Isto é, a democracia só se torna realidade quando os cidadãos reconhecem sua importância e participam ativamente, exercendo seus direitos. Nesse contexto, é importante ressaltar que a força normativa da Constituição se manifesta por meio de sua prática. A Constituição só é eficaz se houver vontade política de cumpri-la. Ela não tem capacidade de agir por si só, mas pode estabelecer tarefas a serem cumpridas. Ainda, se torna ativa quando essas tarefas são efetivamente realizadas e quando há disposição de seguir suas diretrizes, mesmo diante de questionamentos e reservas. Em resumo, a Constituição se torna uma força ativa quando há uma vontade geral, especialmente entre os principais responsáveis pela ordem constitucional, de não apenas buscar o poder, mas também de respeitar a Constituição. A cidadania se firma através de práticas de exercício, ou seja, pela conquista ou criação de mecanismos de comunicação que permitam a participação democrática do centro para a periferia. Em outras palavras, a cidadaniase manifesta na prática da Constituição Democrática (SIQUEIRA; OLIVEIRA, 2016). 5.2 Atuação jurídica da cidadania 34 A cidadania é um dos princípios fundamentais da República Federativa do Brasil, promovendo a democratização do acesso à justiça e a colaboração popular no processo de decisão governamental. O estudo do direito de ação e do acesso ao Judiciário vai além do âmbito jurídico, adentrando também o campo político, nos parâmetros de Siqueira e Oliveira (2016). Nessa circunstância, a Constituição Federal de 1988 estabeleceu mecanismos para que o cidadão possa fiscalizar as atividades do Estado por meio do Poder Judiciário. A atuação cidadã envolve a participação ativa e a fiscalização das atividades estatais, incluindo as jurisdicionais. A efetividade da justiça em prol da cidadania transcende o domínio jurídico, alcançando a esfera política da nação. A advocacia e cidadania são inseparáveis, enquanto a cidadania se manifesta dentro de uma nação que se fundamenta na ordem, nas leis, na Justiça, no Estado Democrático de Direito, a advocacia, por sua vez, é o instrumento a serviço da cidadania. A Constituição de 1988 prevê explicitamente duas ações de defesa da cidadania: a ação civil pública e a ação popular. Esses instrumentos são de extrema importância para garantir os direitos coletivos. A origem da tutela coletiva tem dois fundamentos: social e político. No aspecto social, reflete a influência da sociedade contemporânea, uma sociedade de massa. No aspecto político, essas ações buscam consolidar o Estado Democrático e Social de Direito (SIQUEIRA; OLIVEIRA, 2016). O modelo jurídico adotado pelo Estado brasileiro demonstra uma preocupação em relação a tutela coletiva, visando proteger o interesse social, conforme preconizado pelo Estado Democrático e Social de Direito estabelecido na Constituição Federal de 1988. A efetividade dos Direitos Sociais se materializa por meio da atuação processual contida na própria Constituição Federal. As ações coletivas têm como propósito fundamental conferir maior eficácia ao processo. Enquanto em Portugal e em outros países da Europa a principal forma de proteção dos direitos massificados é a ação popular, no sistema jurídico brasileiro, além desse instrumento, também se encontra prevista a ação civil pública (SIQUEIRA; OLIVEIRA, 2016). 5.3 Atuação política: cidadania e políticas públicas Siqueira e Oliveira (2016) ressaltam que a cidadania se refere à participação ativa do indivíduo nos assuntos do Estado. Um cidadão é alguém que se envolve no 35 desempenho estatal. Em um Estado Democrático e Social de Direito, essa participação dos cidadãos não se limita apenas ao ato de votar, mas inclui a atuação na formulação das decisões sobre questões de interesse público, muitas vezes concretizadas por meio de políticas públicas. A democracia participativa se efetiva por meio da cidadania plena, que não se restringe ao voto, mas abrange uma atuação efetiva na definição dos rumos e nas políticas públicas estatais. A participação popular busca garantir a legitimidade política das ações governamentais. Sendo a cidadania uma manifestação da participação política, na terminologia comum das ciências políticas, a expressão 'participação política' é comumente utilizada para descrever uma ampla gama de atividades: desde o ato de votar, passando pelo engajamento em um partido político, até a participação em manifestações, a contribuição para uma determinada organização política, a discussão de eventos políticos, entre outras. É evidente que esse uso da expressão reflete práticas, orientações e processos característicos das democracias ocidentais (SIQUEIRA; OLIVEIRA, 2016). Ainda existem pelo menos três formas ou níveis de participação política que precisam ser destacados. A primeira forma, que pode se chamar de 'presença', é a menos intensa e mais periférica forma de participação política; refere-se a comportamentos essencialmente receptivos ou passivos, como participar de reuniões, expor-se voluntariamente a mensagens políticas, etc., eventos em que o indivíduo não contribui pessoalmente. A segunda forma intitulada de 'ativação', o indivíduo desenvolve, fora ou dentro de uma organização política, uma série de atividades a ele delegadas permanentemente, ocasionalmente ou mesmo promovidas por ele mesmo. Isso ocorre em ações de proselitismo, engajamento em campanhas eleitorais, disseminação de informações do partido, participação em protestos, etc. O termo 'participação', usado em sentido estrito, poderia ser reservado, por fim, para eventos em que o indivíduo contribui direta ou indiretamente para uma decisão política. Essa contribuição, pelo menos para a maioria dos cidadãos, só pode ocorrer de forma direta em contextos políticos muito específicos; na maior parte das situações, a contribuição é indireta e se reflete na escolha dos líderes, ou seja, das pessoas investidas de poder por um determinado período para analisar alternativas e tomar 36 decisões que afetam toda a sociedade. É claro que a participação política em sentido estrito só é possível para uma quantidade reduzida de pessoas, nos sistemas políticos ou organismos que não são competitivos e que utilizam procedimentos eleitorais, se os utilizam para fins muito diferentes (SIQUEIRA; OLIVEIRA, 2016). Os partidos políticos e a sociedade civil organizada, como portadores naturais dos interesses e valores sociais, têm o direito assim como o dever de influenciar o processo decisório das políticas públicas. É importante ressaltar que todo o poder emana do povo. A legitimidade do Estado não deriva apenas da expressão legislativa da soberania popular, mas também da consecução de objetivos coletivos, a serem alcançados de forma planejada; o critério distintivo das funções e, portanto, dos poderes estatais, deve ser o das políticas públicas ou programas de ação governamental. Na democracia, quanto mais ampla e disseminada for a participação popular, mais legítima e democrática será a política pública adotada. A formulação e o procedimento das políticas públicas são funções do governo, assim como sua implementação e responsabilidade. No entanto, a sociedade civil e os partidos políticos devem cooperar ativamente do processo de elaboração das políticas públicas. O verdadeiro cerne da democracia está ligado à cidadania, que implica a atuação efetiva nos assuntos do Estado. O cidadão pleno deve contribuir na definição das políticas públicas, indo além do simples ato de votar em eleições. Não é somente o Poder Judiciário o órgão responsável pela realização da cidadania e, em consequência, pela efetivação da Constituição. O próprio sistema jurídico oferece outros mecanismos para o exercício da cidadania. O Estado Democrático e Social de Direito demanda a atuação conjunta do poder público e da sociedade civil para a elaboração das políticas públicas. O conceito de cidadania é abrangente e inclusivo. A participação nos assuntos do Estado ocorre por meio de diversos instrumentos políticos que garantem o pleno exercício da cidadania (SIQUEIRA; OLIVEIRA, 2016). 6 APRECIAÇÃO DE TEORIAS E CONCEITOS DOS DIREITOS HUMANOS: NACIONALIDADE, CIDADANIA, DEMOCRACIA 37 A nacionalidade está intrinsecamente ligada ao episódio de uma pessoa nascer como cidadã de um país ou adquirir a cidadania desse país ao longo da vida, conforme Coelho (2023), muitas vezes em consonância com o desenvolvimento e a democracia. De acordo com o Dicionário de Políticas Públicas, os termos ‘cidadão’ e ‘cidadania’ comumente se referem a indivíduos que fazem parte de uma comunidade e possuem um conjunto de direitos e deveres. Nas palavras de Costa e Ianni (2018), a palavra ‘cidadão’ tem origem no latim ‘civitas’. O conceito remonta à Antiguidade, em que na civilização grega o termo estava associado à virtudes, liberdade e igualdaderepublicanas. Na obra ‘A Política’, Aristóteles (1973) define quem poderia ser considerado cidadão e gozar desse status. Ser cidadão significava ser detentor de um poder público e colaborar nas decisões coletivas realizadas nas chamas ‘polis’ ou cidades (COSTA, IANNI. 2018). No entanto, como já mencionado anteriormente, historicamente nem todos os indivíduos eram considerados cidadãos. Em relação à igualdade, o status de cidadão era restrito a um pequeno grupo de homens livres, excluindo escravos, mulheres e estrangeiros. Com o passar do tempo e a modernização da sociedade, juntamente com a garantia de direitos individuais, o conceito de cidadania evoluiu. A moderna cidadania nacional atinge os direitos sociais globais, garantindo direitos individuais e permitindo o pluralismo político por meio de eleições (COELHO, 2023). Essa distinção entre a cidadania da antiguidade e cidadania moderna é apresentada por Constant (1985). Sob essa análise, a liberdade da antiguidade tinha como referência a república, enquanto a dos modernos está associada à tradição liberal. No posicionamento moderno de Marshall (1967), cidadania é a capacidade concedida a um indivíduo para ser detentor de certos direitos políticos, sociais e civis, além de poder exercê-los dentro de um Estado-Nação. Assim, a cidadania tem suas fronteiras delimitadas pelas dimensões do Estado nacional, e o cidadão é o sujeito que mantém um vínculo jurídico com o Estado, sendo detentor de direitos e deveres estabelecidos por uma determinada estrutura legal, sendo estas a constituição e as leis (COSTA, IANNI. 2018). Portanto, o cidadão é aquele que pertence a um Estado-Nação que detenha direitos e deveres em um determinado nível de igualdade. Nesse sentido, o princípio da igualdade está presente no conceito de cidadania, uma vez que se apresenta como 38 uma condição que assegura aos indivíduos pertencentes a uma comunidade que são iguais em direitos e deveres, restrições e liberdades. A cidadania é a posição dos indivíduos reconhecidos como membros de uma comunidade, acompanhado de direitos e deveres e que possuem em relação à sociedade da qual fazem parte. Ao longo da história, a cidadania tem sido moldada por referências espaciais, constituídas a partir das interações entre os indivíduos em determinada região (organização sociopolítica do espaço). Essa noção de cidadania é construída socialmente e adquire significado através das experiências sociais e individuais, tornando-se uma identidade social e política. A identidade pessoal ou individual compreende o conjunto de características humanas, e o comportamento social é uma dessas características que diferencia um indivíduo de outros membros da sociedade. É a consciência de que fazer parte de uma sociedade implica pertencer a um coletivo maior, a uma comunidade. Portanto, as características sociais e políticas que definem uma identidade coletiva em relação a outras sociedades incluem aspectos como cultura, linguagem, religião, música, culinária e outros hábitos que representam a comunidade. Assim, a identidade social também assume uma dimensão política, vinculada ao pertencimento a uma comunidade política, construída por um Estado-Nação, que possui suas próprias bases legais para regular a contato do cidadão com o Estado e com o restante dos membros da sociedade. Isso parte do princípio da necessidade do cidadão de adquirir direitos e cumprir deveres dentro da comunidade (COELHO, 2023). Nesse contexto, a cidadania é entendida como uma identidade social e política, derivada do conjunto de práticas culturais, políticas, jurídicas e econômicas que determinam o indivíduo como membro de uma comunidade. Sob tal prospectiva, a concepção de cidadania como identidade social e política é composta por elementos como: os vínculos de pertencimento, a participação política e coletiva, e a consciência de ser portador de direitos e deveres (COSTA, IANNI.2018). É por meio da identificação com o ambiente em que vive que as pessoas se tornam cidadãs, desenvolvendo seu entendimento sobre si mesmo e sobre o mundo ao seu redor. Costa e Ianni (2018) oferecem uma perspectiva sobre como o indivíduo se torna cidadão, destacando o conceito de vínculo de pertencimento, onde o conceito de Estado-Nação é primordial na caracterização de uma identidade nacional, de pertencimento coletivo e de inserção em determinada comunidade política. O que 39 articula esse espaço de Estado-Nação é a afirmação de uma cultura nacional homogênea que promove e assegura o sentimento de pertença. O vínculo de pertencimento surge da incorporação de uma cultura específica daquela nação, onde o indivíduo reside, e ocorre quando ele passa a reconhecer costumes, fatos, tradições, lendas e diversas narrativas sobre o passado. Essa identidade nacional é fundamental para sustentar, organizar e possibilitar a existência do Estado, conferindo ao indivíduo o status de cidadão. Em concordância com Habermas (1994), o papel do Estado na definição das culturas nacionais é dual: de um lado, diferencia a cultura do território nacional em relação ao exterior; de outro lado, proporciona a homogeneidade cultural dentro do território nacional. As nações modernas buscavam uniformizar culturalmente seus cidadãos, fomentando sua unificação linguística, religiosa e de costumes, e instituíam direitos exclusivos, símbolos e rituais que os reconheciam como membros de uma única nação. O Estado-Nação, logo, pode ser compreendido como uma entidade política e cultural que confere significado à identidade nacional (COELHO, 2023). Destarte, de acordo com uma visão mais restrita e conforme o senso comum, a cidadania poderia ser simplificada à nacionalidade, ou seja, à filiação formal de indivíduos aos Estados-Nacionais. Essa concepção está ligada ao sentimento de lealdade para com um grupo, uma comunidade, a sociedade civil e o Estado, o que associa a cidadania a uma identificação subjetiva e a um sentimento de pertencimento a uma determinada sociedade. Portanto, a cidadania é uma forma institucionalizada de filiação e constitui uma expressão de pertencimento formal e pleno. Envolve uma série de interações recíprocas que estabelecem laços entre o cidadão e o Estado, e é a percepção de que pertence a um Estado, validada pelo reconhecimento público desses laços, que confere a identidade de cidadão (COSTA, IANNI. 2018). O indivíduo que integra uma comunidade com interesses comuns e possui cidadania, respeitando suas leis, recebe reconhecimento por meio de uma filiação reconhecida pelos vínculos públicos que conferem identidade e nacionalidade ao cidadão. A Participação política coletiva, entende-se que a cidadania não está exclusivamente ligada à ideia de identidade nacional, mas também está vinculada ao costume pelo qual os cidadãos desempenham seus direitos civis e políticos. A cidadania não é apenas um critério estático de pertencimento a uma comunidade 40 nacional, regida por direitos e deveres conferidos pelo Estado. Ela também é uma prática social que os indivíduos constituem para além do Estado, por meio de instituições da sociedade civil e de ações civis (COELHO, 2023). A contar da participação política coletiva, o conceito de cidadania se torna mais árduo, podendo ser empregado não apenas para fazer alusão ao regras legais do indivíduo e à sua filiação a uma nação, mas também para definir sua participação ativa na esfera pública. Portanto, além dessa participação, o nacionalismo é apenas um dos elementos que compõem o conceito de cidadania, mas não o define integralmente. Nesse ponto de vista, o comprometimento cívico permite o diálogo com o Estado e a integração da política na sociedade, e a efetivação da cidadania está profundamente ligada a um Estado democrático. A democracia não é apenas entendida como um sistema político com eleições e partidosliberais, mas especialmente como uma maneira de existência social. Os governos democráticos consentem com a formação de sociedades abertas, onde novas liberdades são desenvolvidas e as pessoas podem participar da tomada de decisões políticas. Entende-se, então, que um Estado democrático é aquele que leva em consideração as disputas legais e age no interesse dos órgãos jurídicos públicos e internacionais de forma universal (COELHO, 2023). A envolvimento do indivíduo na política, tanto de forma individual como coletiva, teve início após as lutas ligadas a procura dos direitos individuais e sociais. Essas lutas asseguraram um ambiente de cidadania e nacionalidade e conquistaram a tão sonhada democracia. A atualidade do direito trouxe consigo uma nova concepção de indivíduo, considerado como um ser dotado de valor intrínseco e de direitos naturais. Nesse contexto, surgiram perspectivas individualistas que colocam o indivíduo como precedente ao Estado e à sociedade, contestando a visão orgânica na qual a sociedade é vista como um todo coeso. Hobbes (1999) e Locke (2006) compartilham a ideia de que os homens são detentores de direitos, sendo indivíduos autônomos que antecedem a organização social e política. Essa crença na primazia dos direitos humanos é uma característica da modernidade, na qual se acredita que tais direitos são inerentes à própria natureza humana. 41 No entanto, Bobbio (2004) argumenta que as perspectivas individualistas podem levar à inconsistência e desintegração nos sistemas políticos, tornando difícil a criação de um caminho claro. Mesmo assim, a visão contemporânea coloca o indivíduo em primeiro plano, seguido pelo Estado, que é erguido pelos próprios indivíduos. Essa inversão de perspectiva fundamenta o reconhecimento dos direitos humanos e dá origem ao chamado direito público subjetivo, característico do Estado de direito. Cada cidadão, ao se conscientizar de seus direitos e deveres, contribui para a consolidação de orientações civis, políticas e sociais. Os direitos civis e individuais, fundamentados na Constituição de 1988, incluem direitos como liberdade de expressão, reunião, opinião, pensamento e fé, ir e vir, além do direito à propriedade, trabalho, acesso à justiça e outros. Essa dimensão dos direitos teve origem no século XVIII, na Europa. Os direitos políticos, de outro modo, como o direito de votar e ser votado, foram conquistados no século XIX, também na Europa, enquanto os direitos sociais, que garantem acesso a benefícios como saúde, educação e previdência, surgiram no século XX. A promulgação legal desses conjuntos de direitos reflete a busca por igualdade em uma sociedade que os reconhece como fundamentais. O direito civil estabelece a igualdade perante a lei e o Estado, o direito político assegura a participação política independente de diferenças econômicas, e o direito social busca amenizar as desigualdades existentes. O reconhecimento e a efetivação desses direitos têm sido impulsionados por diversas organizações na sociedade, como os movimentos pelos direitos humanos (COELHO, 2023). 42 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. CARNEIRO, P. C. Acesso à justiça, juizados especiais cíveis e ação civil pública: uma nova sistematização da teoria geral do processo. Rio de Janeiro: Forense, 2007. CASTELLS, Manuel. Ruptura: a crise da democracia liberal. Rio de Janeiro: Zahar, 2018. p. 10. CASTRO, Gabriel Henrique. A evolução do constitucionalismo brasileiro sob a perspectiva do direito fundamental à liberdade: a liberdade econômica como vetor da democracia. 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Porto Alegre: EDIPUCRS, 2010.texto, é importante enfatizar que eles demonstram que o constitucionalismo, com sua exigência de Constituições escritas e dos valores nelas contemplados, não foi um fato isolado na história, mas sim o resultado de um longo e significativo processo de conscientização coletiva sobre a importância de um documento que estabelecesse regras de governo e garantisse os direitos e as liberdades individuais dos membros da sociedade (MOTTA, 2021). 2.1 Fundamentos históricos da construção do constitucionalismo no Estado Conforme Ferdinand Lassalle (2015) observa, "uma Constituição real e efetiva é algo que todos os países possuíram e continuarão a possuir, pois é um equívoco pensar que a Constituição é uma prerrogativa dos tempos modernos". Isso implica que, em qualquer época e lugar, todos os Estados sempre tiveram e sempre irão ter uma Constituição, pelo menos em seu sentido material, denotada por um conjunto de normas fundamentais para sua estruturação. Com a chegada dos tempos modernos, surgiram as Constituições escritas, materializadas em documentos que estabelecem os princípios fundamentais de uma sociedade específica. Alexandre de Moraes (2022) argumenta que, "o constitucionalismo escrito emerge com o Estado, com seu propósito de racionalizar e humanizar, conduzindo ao seu lado a necessidade de proclamar declarações de direitos". A partir do século XVIII, a Constituição real adquiriu características jurídico- normativas, baseadas na ideia de organização formal dos Estados e na salvaguarda dos direitos fundamentais, alcançando seu ápice nas revoluções liberais da América do Norte e da França. As Constituições norte-americana (1787) e da francesa (1791) apresentaram duas características distintivas nesse sentido: a limitação do poder estatal e a estruturação do Estado. Com efeito, as Constituições dos Estados Unidos e França representam a primeira progressão dos direitos fundamentais. Durante as revoluções americana e francesa, o foco principal era estabelecer uma esfera de autonomia pessoal que 6 resistisse às expansões do poder. Os direitos reivindicados naquela época eram principalmente de abstenção por parte dos governantes, estabelecendo obrigações de não interferência, baseadas na ideia de que o Estado não deveria se intrometer na autonomia de cada indivíduo. Contudo, o ideal de não intervenção, que surgiu das revoluções americana e francesa, com o passar do tempo, deixou de atender satisfatoriamente às necessidades da sociedade. O avanço da industrialização, o aumento populacional e o agravamento das desigualdades internas geraram novas demandas, que agora exigiam do Estado um papel mais ativo na promoção da igualdade material, indo de encontro ao que havia sido postulado nas revoluções citadas (CASTRO, 2023). A consagração de uma igualdade meramente formal, combinada com a ausência de intervenção estatal, deu origem a diversos movimentos sociais, como a Revolução Mexicana de 1910 e a Revolução Russa de 1917. Nesse período, as tensões estavam relacionadas à necessidade de incluir nos textos constitucionais direitos sociais e econômicos, ocasionando um grande impacto no desenvolvimento da segunda geração dos direitos fundamentais. Como observa Gilmar Mendes (2023), "os direitos de segunda geração são chamados de direitos sociais, não porque sejam direitos de coletividades, mas porque estão ligados a demandas por justiça social, na maioria dos casos, esses direitos são reivindicados por indivíduos específicos". Por outro lado, há os direitos de terceira geração, que são garantias fundamentais de titularidade difusa ou coletiva. Esses direitos são desenvolvidos para proteger coletividades ou grupos, e não apenas indivíduos isoladamente considerados. Surgiram nesse momento os direitos à qualidade do meio ambiente, à paz, ao desenvolvimento, à preservação do patrimônio histórico e cultural, entre outros. A atual Constituição é resultado de um extenso processo histórico de evolução de ideias e demandas sociais. A compreensão dessa progressão se concretiza por meio do estudo do constitucionalismo, que se concentra na constituição política do Estado, delineando sua estrutura, a organização de suas instituições e os mecanismos de limitação e aquisição do poder (Alexandre de Moraes, 2022). Pode-se afirmar que a premissa essencial do constitucionalismo não se limita apenas a elaborar Constituições escritas, mas sim a garantir que princípios que assegurem o ideal de liberdade, como a separação dos poderes e os direitos e garantias fundamentais, sejam estabelecidos como instrumentos de limitação do poder 7 do estado. Tanto é assim que o art. 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, resultante da Revolução Francesa, declarava que "a sociedade na qual não tenha estabelecido a separação dos poderes e nem esteja assegurada a garantia dos direitos, não tem Constituição". Nota-se, portanto, que um dos fundamentos do constitucionalismo é garantir ao indivíduo o direito à liberdade. Essa concepção é claramente articulada por Dirley da Cunha Jr. (2019), que argumenta que o constitucionalismo "busca realizar o ideal de liberdade humana por meio da criação de mecanismos e instituições necessárias para estabelecer limites e controlar o poder político, opondo-se, desde sua origem, a governos arbitrários, independentemente de época ou lugar". Ao reconhecer que a liberdade é o fundamento do constitucionalismo, torna-se inegável estudar sua evolução, especialmente para compreender como esse direito fundamental representa um marco no Estado Democrático de Direito (CASTRO, 2023). 2.2 O constitucionalismo e a Constituição de 1988 – movimentos sociais Conforme Simões (2022), essa temática teve início em junho de 2013, com manifestações contra o aumento da tarifa de ônibus no Estado de São Paulo, que evoluíram para discussões relativas a regimes políticos, democracia direta (claramente uma das principais demandas dos manifestantes) e democracia representativa, além da Constituição de 1988. Essas discussões ocorreram diante de um clima de agitação e clamor por transformações por parte da sociedade nas grandes cidades brasileiras (SIMÕES, 2022). Durante esse período, espaços pertinentes ao poder político, como o Palácio do Itamaraty e o Congresso Nacional em Brasília, o Palácio dos Bandeirantes em São Paulo, a Prefeitura de São Paulo, a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) e a Câmara Municipal de Belo Horizonte, foram cercados por multidões e, em várias ocasiões, alvo de depredação, resultando em danos ao patrimônio público, histórico e particular. Além disso, agências bancárias, lojas, caixas eletrônicos, ônibus, terminais de ônibus e estações de metrô foram alvos de ataques, pichações e saques por parte dos manifestantes, durante protestos realizados em 12 capitais brasileiras, além de dezenas de cidades de médio e pequeno porte. As manifestações contra o aumento das tarifas de transporte urbano, que começaram naquele mês, capturaram a atenção 8 do país por um longo período. Os protestos, que ocorriam praticamente a cada hora, alcançaram 353 cidades brasileiras no total, atingindo seu ápice em 20 de junho, quando ocorreram em 150 municípios. Nesse dia, foram feitas 467 mil citações às manifestações nas redes sociais Facebook e Twitter. Em Brasília, os manifestantes tomaram a cúpula do Congresso, clamando: "o Congresso é nosso!". No Palácio do Itamaraty, sede da diplomacia brasileira, pilares externos foram incendiados e vidros quebrados pelos manifestantes, que somente foram impedidos na rampa de acesso ao local pela ação da Polícia Militar. Durante os tumultos, o diretor-geral da Câmara dos Deputados e 2 coronéis da Polícia Militar foram agredidos. Em São Paulo, foi pichado pelos manifestantes o Teatro Municipal, bem como a Faculdade de Direito da USP, no Largo deSão Francisco, e um edifício da Universidade Mackenzie. Nesta data, aproximadamente 1 milhão de pessoas saíram às ruas em 75 cidades, incluindo 12 capitais estaduais, para reivindicar em relação a uma série de problemas. Marcos Delafrate, um dos manifestantes, de 18 anos, foi fatalmente atropelado em Ribeirão Preto (SP) por um motorista em um veículo blindado que tentava passar por uma área onde ocorria um protesto. Em 18 de junho, os jornais divulgaram uma pesquisa que estimava que cerca de 79 milhões de pessoas haviam discutido os protestos nas redes sociais no decorrer daquela semana (SIMÕES, 2022). Inicialmente planejado como uma manifestação do Movimento Passe Livre (MPL) em discordância ao aumento das tarifas dos ônibus urbanos, metrô e trem em São Paulo, as manifestações logo evoluíram para abordar uma série de temas tanto diversos quanto complexos. Além da revogação da PEC 37, que limitava a atuação do Ministério Público, em discussão no Congresso, as manifestações abordavam questões como os gastos com a Copa do Mundo de 2014 no Brasil, a corrupção, educação, saúde, transporte, redução da maioridade penal, críticas relativas ao presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB), e ao presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal, o deputado Marco Feliciano (PSC-SP), além de pedidos pela prisão dos envolvidos no Mensalão do PT e pela reforma política, entre muitos outros tópicos relacionados aos direitos civis garantidos pela Constituição de 1988. Faixas e palavras de ordem expressavam uma rejeição prolixa aos políticos convencionais, à democracia representativa e aos partidos políticos. Demandas por democracia direta eram frequentes nos cartazes, como uma solução universal para as 9 adversidades políticas brasileiras. O debate direto dos problemas e sua subsequente resolução pareciam ser o foco central das multidões. Na capital paulista, houve por exemplo, a praticamente uma paralisação sob o slogan "São Paulo vai parar se a tarifa não baixar", ecoado pelos manifestantes, que em grande parte eram jovens. No Rio de Janeiro, inicialmente, utilizou-se outra expressão: "acabou o amor, isso aqui vai virar a Turquia", em referência à luta dos turcos, na mesma época, contra o regime do primeiro-ministro Recep Tayyp Erdogan. Em todo o país, a frase "o gigante acordou" ganhou destaque entre os manifestantes. Os protestos em São Paulo, iniciados em 6 de junho de 2013, exigiam do governo municipal (Fernando Haddad - PT) e estadual (Geraldo Alckmin - PSDB) a revogação da elevação das tarifas de metrô, ônibus e trem, que foi alterada no dia 2 daquele mês, de R$ 3,00 para R$ 3,20. Começaram com relativa modéstia, com um número superior a mil manifestantes interrompendo a Avenida Paulista e causando danos a 2 estações de metrô em enfretamentos com a polícia. Os protestos perduraram durante os dias 7, 11, 13, 17, 19 e 20, com um aumento progressivo no número de manifestantes, alcançando 65 mil no dia 17, segundo o Instituto Datafolha (SIMÕES, 2022). Já no 2º dia de protestos, o promotor de Justiça Rogério Zagallo, com restrição de locomoção devido à efetuação de um dos atos, escreveu em uma rede social: "estou há duas horas tentando voltar para casa, mas um grupo de manifestantes está bloqueando a Faria Lima e a Marginal Pinheiros. Por favor, alguém pode avisar à Tropa de Choque que essa região faz parte do meu Tribunal do Júri e que se eles machucarem essas pessoas eu arquive o inquérito policial". Posteriormente, diante da negativa repercussão, o promotor deletou a postagem e publicou outra, na qual afirmava que os manifestantes têm o direito de expressar sua insatisfação. Pesquisadores das ciências sociais se reuniram no Instituto de Estudos Avançados (IEA) da Universidade de São Paulo (USP), buscando discutir as questões levantadas pelos manifestantes logo nos primeiros dias, tentando compreender o significado e o direcionamento dessas manifestações. Renato Janine Ribeiro, professor de filosofia política na USP, que mais tarde viria a se tornar ministro da Educação no governo de Dilma Rousseff (PT), atribuiu as manifestações ao desapontamento com a democracia e equiparou o cenário brasileiro ao da Espanha, onde também ocorreram protestos. "Talvez o problema, para nós, não seja tanto a opressão, mas o tédio", 10 afirmou. Conforme Renato, a falta de possibilidades entre os jovens também foi um dos motivos que ocasionou as revoltas de maio de 1968 em Paris. Em outra perspectiva, Sylvia Dantas, professora de Psicologia na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), expressou uma opinião análoga durante o debate. Segundo ela, o estado psicológico dos brasileiros alternava entre a impotência e a melancolia. Ela descreveu as manifestações como um momento de vida e esperança, uma oportunidade de catarse onde a insatisfação encontrou voz (SIMÕES, 2022). O professor José Álvaro Moisés do curso de Ciência Política da USP, também presente no encontro, observou um grande mal-estar em relação à democracia no Brasil. Ele comentou sobre o fracasso dos partidos políticos, inclusive os que surgiram de movimentos sociais, como o PT. Sergio Adorno, coordenador do Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da USP, destacou que as manifestações refletiam uma interrupção na comunicabilidade entre os atores políticos, onde os canais tradicionais pareciam ilegítimos. Os pesquisadores apresentaram uma possível guinada conservadora dos protestos como um dos desdobramentos prováveis. Essa previsão se confirmou posteriormente, quando as manifestações foram capturadas pela direita política e começaram a refletir temáticas conservadoras. Monika Dowbor, cientista política do Centro de Análise e Planejamento (Cebrap), fez uma comparação entre a estratégia dos grupos manifestantes no Brasil e os movimentos pelos direitos civis nos Estados Unidos da década de 1960. Segundo ela, assim como naquele contexto, as lideranças escolheram cidades com histórico de violência e racismo para protestar, visando provocar reações que os tornassem heróis aos olhos do público. Dowbor destaca que os protestos no Brasil nos anos 1970 eram marcados pela violência devido à falta de diálogo com as autoridades. Entretanto, nos anos 1980, houve uma mudança relevante quando o Estado passou a abrir espaço para membros desses grupos em conselhos e cargos públicos. Ela sugere que o confronto nas ruas das cidades brasileiras pode ser uma estratégia para diferenciar esses grupos. Dowbor enfatiza que, ao se engajar no conflito, esses grupos se distinguem politicamente, destacando o Movimento dos Sem- Terra (MST) como um exemplo dessa abordagem diferenciada. Segundo Roberto Romano, professor de Filosofia na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), as manifestações, rotuladas por alguns grupos de esquerda como ‘de direita’ e ‘fascistas’, revelaram que os movimentos sociais e os partidos 11 políticos, de modo geral, se transformaram em ‘palácio’, isto é, integrantes das estruturas de poder, em contraposição à ‘praça’, que representa a população em geral. Romano argumenta que todos os partidos se tornaram oligarquias, controladas por grupos, e por vezes por um único indivíduo, que permanecem no comando da máquina partidária por décadas sem qualquer abertura para suas bases. Ele aponta que mesmo o PT, que anteriormente mantinha certa democracia interna, sucumbiu a essa prática, especialmente após a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (SIMÕES, 2022). Além disso, Romano critica o fato de que os movimentos sociais passaram a agir de maneira semelhante aos órgãos de Estado, buscando privilégios como carros oficiais e verbas de representação, adotando uma postura burocrática e oligarquizada. Essas reflexões foram feitas durante uma palestra no evento Café Filosófico CPFL. O filósofo enfatizou em uma entrevista, que seria um equívoco subestimaras manifestações que eclodiram nas principais cidades brasileiras, reduzindo-as a simples reivindicações pela redução das tarifas de transporte público. Ele argumentou que tais protestos vão além disso, revelando a capacidade dos brasileiros de exigir seus direitos. O intelectual observou que, de certa forma, a estabilidade econômica proporcionada pelo Plano Real havia deixado a população em um estado de dormência em relação a outros problemas, como serviços públicos sem qualidade. Contudo, ele destacou que esse cenário estava começando a mudar. O filósofo apontou que, ao pegar um ônibus nas primeiras horas da manhã em cidades como Porto Alegre, Salvador e São Paulo, tornava-se evidente o tipo de serviço insatisfatório oferecido à população. Ele ressaltou que essa insatisfação ocorria simultaneamente ao aumento da percepção de corrupção em várias esferas da administração pública, exemplificada pelos escândalos envolvendo empresas de transporte. Esses fatores, segundo ele, estavam desgastando a população, levando ao surgimento das manifestações. Na análise do filósofo, os protestos evidenciam a falta de respeito do Estado pelo cidadão, que paga altos impostos por serviços de qualidade insatisfatória e sem transparência. Ele expressa incerteza sobre até que ponto esses protestos podem progredir, mas reconhece que representam um sinal positivo da capacidade da população em reivindicar seus direitos. Além disso, Romano critica a abordagem do governo da então presidente Dilma Rousseff (PT), que, em sua opinião, baseava-se exclusivamente em propaganda, tentando dissociar-se das manifestações. Ele também 12 aponta a inércia das instituições como um fator que amplifica a força dos protestos (SIMÕES, 2022). No Brasil, os três monopólios essenciais do Estado: o da força física, da norma jurídica e da taxação do excedente econômico através de impostos, estão se desintegrando como gelo. Um exemplo disso é a erosão intencional da Lei da Ficha Limpa pelos legisladores. Aqui, enfrentamos o conceito de anomia, onde a lei não é efetiva. O país está quase retornando ao estado de natureza; não confiamos mais na polícia, no prefeito, no vereador, no Judiciário ou no promotor, porque os mesmos defendem somente interesses particulares. Hoje, com essas manifestações, a sociedade é tratada como inimiga a ser combatida. Precisamos de uma polícia capacitada para gerenciar e controlar multidões. No entanto, como é comum no Brasil, há um uso excessivo da força, e esses excessos são ineficazes. Quando há controle pela força, não há verdadeira autoridade. A polícia deveria inspirar respeito e confiança, mas, na prática, é temida. No Estado brasileiro, há um poder que gera medo, mas não incute respeito e confiança. O pensador refuta a ideia, considerada falsa, de que o povo brasileiro é pacífico e não luta por seus direitos. Ele aponta eventos históricos como a Revolução Farroupilha, Canudos e a Balaiada, todos reprimidos pelo monopólio da força física, como evidências de setores inteligentes enfrentando as forças do poder. Ele ainda argumenta que ainda estamos longe de uma verdadeira democratização política. À medida que os serviços públicos se deterioram, um número crescente de cidadãos se organiza e expressa sua insatisfação com o Estado e a estrutura política brasileira. Em 2013, Romano destaca que o povo despertou da anestesia causada pelo Plano Real, que temporariamente controlou a inflação, mas não provocou mudanças significativas no modo de governar e na implementação de políticas públicas no país. Ele critica a análise política que se concentra apenas na orientação ideológica dos manifestantes, rotulando-os como de esquerda ou direita. Mesmo que haja uma inclinação para a direita, ele observa que a grande massa está insatisfeita com o sistema tributário brasileiro, a falta de mudanças no campo, a deficiente prestação de serviços públicos e a falta de segurança. Concluiu ainda, apontando que as últimas notícias confirmam o que todo brasileiro negro, pobre ou pertencente a minorias já sabe que a polícia brasileira é uma das mais violentas do mundo. 13 Uma semana após o primeiro protesto, os movimentos já adquiriam uma dimensão de massa, comparável à maior manifestação popular desde o impeachment do então presidente da República, Fernando Collor, em 1992. No auge dos eventos, conforme reportagens da imprensa, uma multidão diversifica de cerca de 1 milhão de pessoas marchou pelas ruas de 12 capitais brasileiras em protesto, marcados por confrontos com a Polícia Militar e os guardas civis municipais, além de atos de vandalismo contra mobiliário urbano, ônibus e lojas. Durante os eventos, militantes de partidos de esquerda, incluindo o PT, que carregavam bandeiras, foram alvo de hostilidades por parte de grupos de extrema direita e foram expulsos de diversas manifestações. Além disso, jornalistas foram agredidos tanto por policiais quanto por manifestantes. Esses episódios ressaltaram a intensidade das tensões políticas e sociais presentes nos protestos, que refletiam uma profunda insatisfação da população com diversos aspectos da governança e da estrutura política do país (SIMÕES, 2022). 3 A IMPORTÂNCIA DA DEMOCRACIA E OS MOVIMENTOS SOCIAIS NO BRASIL Consoante com Lopes (2018), o termo ‘democracia’ tem suas origens em Atenas, na Grécia, por volta do século V a.C., e é derivado das palavras ‘demos’, que significa povo, e ‘kratos’, que significa poder. Em seu sentido amplo, democracia é uma referência política na qual o poder tem sua base na participação do povo, seja de forma direta ou indireta, nas decisões políticas. Embora, na Grécia Antiga a prática da democracia não tenha abrangido toda a população, excluindo mulheres, idosos, escravos, entre outros, o famigerado modelo democrático grego, conhecido como aquele no qual o povo detinha o poder de influenciar a direção política do Estado. Para isso, a estrutura governamental deveria manter um meio de comunicação acessível para que as demandas populares pudessem ser consideradas. Na arcaica Grécia, a ‘ágora’ era o local onde as questões populares eram debatidas, e ali os representantes de parte da população apresentavam diversas questões, transmitindo os anseios populares aos governantes (LOPES, 2018). Atualmente, a democracia apresenta algumas características distintas de suas origens gregas. De forma positiva, a democracia contemporânea engloba uma ampla parcela da população, respeitando a diversidade de religião, etnia, gênero e orientação 14 sexual, reconhecendo a participação de todos como fundamental para o desenvolvimento da sociedade. No entanto, de maneira negativa, a participação popular passou a se limitar à prática do voto, ou seja, à escolha entre opções previamente apresentadas como propostas, com a elaboração dessas propostas sendo reservada aos políticos, considerados os representantes legítimos da população. Nesse contexto, no atual cenário, a democracia depende da participação ativa do público para que os representantes legítimos da população possam elaborar projetos e leis que atendam às necessidades de todos os cidadãos. Os movimentos sociais trazem total notoriedade nesse processo, manifestando as reivindicações daqueles que sentem não serem representados pela atual conjuntura política. Através das redes sociais, da mídia e de manifestações nas ruas, esses movimentos clamam pelo reconhecimento e pela implementação de leis que combatam o preconceito e garantam os direitos dos cidadãos, encontrando na democracia um ambiente propício para que pelo menos o debate possa acontecer. É importante ressaltar que, em um estado democrático, os movimentos sociais não representam apenas os grupos oprimidos pelo sistema, mas englobam todos os esforços em prol das reivindicações daqueles que não se sentem amparados pela ordem políticaestabelecida, podendo até mesmo se opor a certas mudanças que beneficiem a maioria ou exigindo a manutenção de políticas discriminatórias (LOPES, 2018). No Brasil, os movimentos sociais firmam-se em torno das demandas de grupos que utilizam ações coletivas para garantir que suas necessidades sejam reconhecidas por toda a população e, consequentemente, chamem a atenção das autoridades governamentais. Dessa forma, promovem um princípio de transformação efetiva. Com sua maior expressão durante o período do regime militar brasileiro, que ocorreu entre os anos de 1964 e 1985, as manifestações populares levaram para as ruas as reivindicações políticas que culminaram no fim de um longo período de hegemonia política e na implantação da democracia. Durante esse período, os movimentos sociais que se opunham ao regime eram categorizados em 2 ideologias políticas: • Os movimentos liberais, identificados como defensores de uma política de direita, tinham como objetivo, de maneira geral, promover o bem-estar social através da redução da intervenção econômica em função do Estado. Isso possibilitaria que trabalhadores e empregadores 15 conseguissem, em teoria, progredir economicamente por meio da livre negociação. • Por outro lado, os movimentos socialistas, associados a uma política de esquerda, buscavam, de maneira geral, promover o bem-estar social através da intervenção direta na política econômica do estado. Isso teoricamente garantiria direitos a todos os trabalhadores, impedindo que a desigualdade perpetuasse, considerando inerente à relação entre empregador e empregado. Esses posicionamentos, inicialmente bastante radicais, deram origem a partidos políticos, muitos dos quais ainda ativos na atualidade, e possuem em sua estrutura diversas variantes que tornam mais flexíveis aquilo que antes era conhecido como direita e esquerda (LOPES, 2018). Hoje em dia, as diversas orientações de movimentos sociais encontraram na política democrática brasileira um espaço fértil para atuar, muitas vezes sendo representados diretamente por algum partido político. Entre os movimentos sociais de grande destaque atualmente, estão: • Os movimentos trabalhistas, que pleiteiam melhores condições de trabalho e salários, além de buscar a conquista de mais direitos relacionados à atuação profissional em diversos setores. Geralmente, são representados pelos sindicatos de cada categoria profissional. • Os movimentos educacionais, que se dividem em duas grandes vertentes: os professores e os estudantes. Ambos clamam por uma melhoria na qualidade do sistema educacional como um todo, incluindo salários mais dignos para os professores, melhores infraestruturas nas instituições de ensino, reformas curriculares e garantias de condições de trabalho adequadas para docentes e discentes. • Os movimentos civis, que têm representantes engajados em reivindicações relacionadas a questões de gênero, etnia e sexualidade. Em geral, esses movimentos trabalham pela aprovação de leis contra o preconceito e buscam modificar comportamentos socialmente indesejáveis e naturalizados. Na sociedade brasileira, diversos movimentos sociais recorrem a manifestações, tanto físicas quanto virtuais, como forma de fazer com que suas reivindicações alcancem êxito e, consequentemente, sejam atendidas. No entanto, alguns recorrem à 16 violência para alcançar seus objetivos, enfrentando as consequências de suas ações. Nesse último caso, frequentemente acabam prejudicando suas próprias causas ao impossibilitar o diálogo através do uso da violência e da imposição de suas ideias pela força física. Portanto, é importante lembrar que a democracia, como sugere sua etimologia, é o poder do povo: o poder de garantir que todas as vozes sejam ouvidas e que, mesmo diante de divergências, seja possível construir um Estado baseado no bem comum (LOPES, 2018). 3.1 A democracia da atualidade Há regimes híbridos que se harmonizam com elementos dos regimes totalitários com perfis dos regimes democráticos, não se referindo, portanto, àquela dicotomia mencionada, em concordância com Simões (2022). São os intitulados regimes de ‘democracia controlada’. Um exemplo contemporâneo é a Rússia, que não se enquadra como um regime verdadeiramente democrático, assim como o México até pouco tempo atrás. Não é por acaso que os relatórios anuais da Freedom House, sobre a situação das liberdades e da democracia no mundo, repartem os Estados em três notáveis categorias: livres, parcialmente livres e não livres (SIMÕES, 2022). Alguns estudiosos argumentam que a democracia é uma forma de governo superior, em razão de maximizar a oportunidade dos cidadãos de participarem plenamente das tomadas de decisões coletivas. Outros afirmam que a democracia promove formas conscientes de desenvolvimento da justiça, como destacou o estudioso indiano Rajni Kothari. Há ainda aqueles que exaltam a democracia como melhor do que outros sistemas para estimular o crescimento econômico. Além disso, há argumentos de que a democracia domestica promove a "paz democrática", além de reduzir ameaças "terroristas" à "segurança nacional". Outros, como Dahl, sugerem que a democracia fomenta o desenvolvimento humano mais completamente do que qualquer outra opção realizável. Ele destaca que, para nossos ancestrais, a ideia de democratizar o próprio ideal da democracia era impensável e até mesmo inimaginável. Nenhum democrata sensato teria acusado o ideal democrático de ser absolutista, seguindo em direção a um metadiscurso arrogante que transformava a democracia em um dogma, vinculando sua existência a princípios que a faziam parecer um Absoluto terreno, uma substituta para Deus. 17 Naquela época, os democratas não consideravam que seus princípios arrogantes estavam em desacordo com uma compreensão da democracia que permitisse uma diversidade de justificações diferentes, ou que esses princípios conflitassem com a realidade de que as pessoas, independentemente de viverem em sociedades democráticas ou não, geralmente seguiam uma variedade de noções conflitantes e muitas vezes incompatíveis do que constitui uma boa vida (SIMÕES, 2022). Propor democratizar o próprio ideal da democracia, estar atualizado sobre as mais recentes reflexões sobre os ideais democráticos, à primeira vista, parece fazer pouco ou nenhum sentido nos dias de hoje. Grande parte das pessoas simplesmente não compreende; demonstram confusão quando se menciona a sugestão de que a democracia precisa aprender a falar de si mesma de maneira diferente. Isso se deve em grande parte ao fato de que, na era da democracia monitorada, milhões de pessoas ao no mundo iniciaram uma crença de que a democracia é a correção contínua do poder público, um modo de vida que abre espaços para minorias dissidentes e uniformiza a competição pelo poder entre cidadãos iguais. Portanto, é difícil para a maioria das pessoas apreciar que, no passado, o ideal democrático abrigava seus próprios demônios; teorias filosóficas grandiosas, questões metafísicas e certezas dogmáticas. Houve uma época, em que a democracia exercia uma dominação. Ela se apresentava ao mundo de forma imprescindível, sua linguagem tinha nuances de dominação estranhas. Considere a era da democracia de assembleia, em que a própria palavra transmitia poderosas sugestões de conquista e controle militar. Apesar de não existirem tratados dos democratas defendendo o ideal da democracia, de acordo com os padrões atuais, os discursos atenienses mais memoráveis sobre o assunto, era grau zero do pensamento sobre a democracia. Não apenas retratavam a democracia ateniense como algo belo e harmonioso, o que perceptivelmente não era, mas também, de maneira estranha, os defensores ativos da demokratia frequentemente a justificavam associando-a ao império (SIMÕES, 2022). No século V a.C., o poder e a buscapor ele estavam no centro das vidas, experiências e perspectivas dos atenienses. A política de poder e o imperialismo eram considerados típicos de Atenas e, por extensão, típicos da democracia; a reputação de Atenas como uma intrometida nos assuntos alheios, envolvida em constantes batalhas 18 pelo poder sobre outros, tornou-se sinônimo da própria democracia. Daí as palavras bem conhecidas de Péricles para os cidadãos de luto ligados para honrar os soldados mortos. Lembrem-se, a razão pela qual Atenas tem o maior nome no mundo inteiro é porque nunca cedeu diante do infortúnio, mas gastou mais esforços e vidas em guerras do que qualquer outra cidade, adquirindo assim o maior poder que já existiu na história. A memória de sua grandeza, será deixada para sempre à posteridade. Parece que nos países do mundo ocidental, como Inglaterra, Estados Unidos e França, a ideia de uma ‘democracia liberal’ prevaleceu, e seus princípios decorrem da filosofia iluminista dos séculos XVII e XVIII. As noções de liberdade e igualdade, consagradas pela Declaração de Independência americana de 1776 e pela Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, proclamada na França em 1789, não têm um status claro na doutrina em que é definida, pois não foram formuladas de maneira simples, uma vez que não têm uma fonte única e homogênea. Ao longo dos séculos, as reformas constitucionais concepções à luz do ideal normativo da democracia e de suas aspirações por igualdade, justiça e liberdade nunca conseguiram refutar as acusações de Platão de que a anarquia, potencial ou real, espreita em toda democracia. Essa crítica deixou marcas profundas. No século XIX, frente ao avanço rigoroso do ‘fato democrático’, Tocqueville evocou os temores já expressos por Platão: a democracia é afligida por um mal político intrínseco, na qual as raízes residem na ideia popular e que corrói até mesmo as instituições visivelmente mais promissoras e sólidas. Ainda hoje, ecoa-se que a democracia é o epicentro de uma crise endêmica que, ao segregar, através de seus próprios avanços, a despolitização da política, torna-se vítima dos esforços que sempre efetuou para se consolidar e se proteger. A democracia antiga, direta e escravista, assim como a moderna, compartilha, ao contrário, um caráter vertiginoso que as condena: possuem a face de Jano, que simultaneamente revela a sombra sinistra da anarquia sociopolítica e a luminosidade da autonomia dos cidadãos. Além disso, a democracia cria uma ilusão carregada com as ameaças do sufocamento totalitário. Dentro de seus princípios, a democracia não pôde evitar, a introdução da ambiguidade de sua própria natureza em suas instituições. Isso não se tornar suficiente para condenar a ideia. No entanto, não se pode negligenciar as lições de uma reflexão sobre a essência de seus princípios, nem o que a experiência ensina: desde seu surgimento, a 19 democracia não conseguiu escapar de dilemas essenciais que deram seguimento a miná-la. Portanto, mesmo diante de suas promessas, ela está repleta de ameaças e, sob as luzes do progresso da consciência política que ela ilumina, espreita uma sombra mortífera. A democracia revela-se simultaneamente inquietante e fascinante. Desde os dias em que Platão criticava ‘a sociedade aberta’, seguido rapidamente por Aristóteles, que advertia contra um sistema cuja Constituição é ‘desviada’, o impulso político do povo nunca cessou de crescer, gerando, por sua própria dinâmica, uma crise que se intensifica inexoravelmente e que ameaça, um dia, resultar na negação da política (SIMÕES, 2022). 3.2 Constitucionalismo e democracia O liberalismo e a democracia estão diante de um ponto fundamental na virada para a década de 2020, de acordo com Vale (2022). Enquanto enfrentam a pressão crescente para cumprir sua promessa de criar comunidades políticas de indivíduos livres e iguais, também lidam com uma crise sem precedentes na credibilidade de suas instituições. A crise de legitimidade abalou profundamente as estruturas políticas das democracias liberais, revelando sua incapacidade de resolver uma variedade de crises, desde econômicas e políticas até ambientais. Como observou o sociólogo Manuel Castells (2018), a crise da democracia liberal é a mãe de todas as crises. Para os politólogos e juristas desta década, os desafios são ainda mais complexos, exigindo uma redefinição essencial dos modelos e das instituições da democracia constitucional (VALE, 2022). A ascensão da biotecnologia e da inteligência artificial continuará desafiando a narrativa liberal, tornando imperativa uma reconstrução das instituições democráticas. Como destaca o historiador Yuval Noah Harari (2018), a democracia em sua forma atual não será capaz de sobreviver à fusão da biotecnologia com a tecnologia da informação. Em suas perspectivas, a democracia se reinventa com sucesso em uma forma radicalmente nova, ou os humanos acabarão vivendo em ditaduras digitais. Indubitavelmente, nos próximos anos, o direito constitucional e seus conceitos centrais relacionados à estrutura normativa e à defesa judicial dos direitos fundamentais enfrentarão grandes desafios devido ao avanço da biotecnologia e da inteligência artificial. As noções jurídicas fundamentais de liberdade, igualdade e privacidade serão 20 submetidas a uma análise rigorosa em um contexto no qual algoritmos altamente precisos e poderosos terão a capacidade de monitorar e influenciar todos os aspectos da vida humana em tempo recorde. O liberalismo, de certa forma, manterá sua influência e atratividade como a narrativa predominante para o contínuo aprimoramento da proteção dos direitos individuais fundamentais. No entanto, nos próximos anos, as teorias liberais dos direitos enfrentarão o desafio de questionar suas próprias suposições para enfrentar os novos desafios emergentes. As democracias constitucionais precisam ser entendidas em relação aos seus limites para enfrentar as mudanças complexas, possibilitando uma compreensão mais profunda e a correção de suas falhas, levando à adaptação de suas instituições políticas. Acredita-se que o projeto iluminista do constitucionalismo e da democracia, embora cada vez mais contestado, continuará em sua determinada trajetória histórica como a melhor alternativa para o progresso civilizatório das sociedades. Isso exigirá a persistente defesa dos ideais iluministas de razão, ciência e humanismo na resolução dos desafios complexos enfrentados pelas sociedades contemporâneas. A fé contínua no potencial revigorante dos valores liberais e a confiança na capacidade de revitalização institucional das democracias serão elementos necessários para os estudos e pesquisas em direito constitucional e ciência política (VALE, 2022). 3.3 As influências da Constituição de Weimar 1919 Em consonância com Vale (2022) todas as Constituições elaboradas após as duas guerras do século XX foram de certa forma influenciadas pela Constituição de Weimar de 1919. Por conseguinte, o centenário de Weimar representa um marco histórico de grande relevância, proporcionando às democracias contemporâneas uma oportunidade valiosa de reflexão e aprendizado sobre a vasta experiência jurídica, cultural e política de um dos momentos de extremo valor da história do direito constitucional moderno (VALE, 2022). Apesar de sua curta vigência efetiva (1919-1933), a Constituição de Weimar estabeleceu uma nova democracia e um programa social inovador no início do século XX na Europa. Essas características a tornaram alvo de diversas críticas, desencadeando um intenso debate público em razão do seu significado, suas 21 expectativas normativas e os limites de sua aplicação. Como resultado, ela se tornou um dos documentos constitucionais mais discutidos e influentes do mundo. A Constituição de Weimar teve uma repercussão imediata no Brasil, nadoutrina do direito público durante a década de 1920 e serviu de inspiração para a elaboração da Constituição de 1934, que se destacou no constitucionalismo brasileiro ao introduzir um determinado capítulo dedicado aos direitos fundamentais de natureza social. Como se sabe, tanto a Constituição de Weimar quanto a Constituição do México de 1917 foram pioneiras no que ficou conhecido como ‘constitucionalismo social’, ao garantirem uma série de direitos sociais demandados pelos principais movimentos populares contestatórios do início do século XX. É relevante observar que o projeto original da Constituição alemã, desenvolvido por Hugo Preuss, não incluía um capítulo próprio para os direitos fundamentais. Foi somente na Assembleia Constituinte de Weimar, seguindo a proposta de Friedrich Naumann, que se adicionou a chamada ‘segunda parte’ do texto constitucional, abordando uma série de direitos e deveres dos cidadãos alemães. Foi justamente essa parte da Constituição, particularmente os novos direitos sociais, que gerou considerável controvérsia nos debates políticos e estimulou um rico debate metodológico no campo do direito público em relação ao seu potencial normativo (VALE, 2022). A República de Weimar foi um verdadeiro ‘laboratório constitucional’, onde, apesar das crises políticas e econômicas que a marcaram, surgiram métodos e conceitos jurídicos inovadores. O debate metodológico no campo do direito público foi liderado por uma geração de eminentes pensadores da política e do direito, incluindo nomes como Hans Kelsen, Max Weber, Carl Schmitt, Rudolf Smend, Gerhard Anschütz, Hermann Heller, Hugo Preuss, Erich Kaufmann e Heinrich Triepel. Carl Schmitt, por exemplo, foi um dos principais críticos da chamada segunda parte da Constituição, considerando-a um mero anúncio político programático, de outra forma, Hermann Heller e Rudolf Smend defendiam os novos direitos sociais como importantes avanços constitucionais. Em meio à crise do Estado, os debates jurídico-políticos foram extraordinariamente ricos, caracterizando um período excepcional na história constitucional. De fato, há quem compare a importância de Weimar no discurso jurídico da primeira metade do século XX à Revolução Francesa para os juristas do século XIX. 22 Ambos os eventos encapsularam momentos de profunda crise político-institucional juntamente com a idealização e criação engenhosa de modelos e conceitos jurídicos. Além de suas características inovadoras, as contribuições teóricas dos juristas de Weimar adquiriram um significado universal e influenciaram gerações de professores de direito público ao redor do mundo. Como destacaram Arthur Jacobson e Bernhard Schlink, os debates sobre o direito do Estado em Weimar desempenham hoje, na Alemanha, um papel semelhante ao dos Federalist Papers nos Estados Unidos da América, cujas lições sobre os fundamentos de um Estado democrático específico ganharam importância global (VALE, 2022). Em Weimar, o direito e a política foram abordados por meio de categorias teóricas que resultaram em avanços nunca vistos na Teoria do Estado, com as notáveis contribuições de Hans Kelsen e Hermann Heller, culminando na estruturação de uma Teoria da Constituição, na qual Carl Schmitt se destacou com sua obra Verfassungslehre. É fundamental ressaltar que os pensadores de Weimar, ao abordarem o direito público sob a ótica do fenômeno político, desenvolveram a ‘teoria jurídica do político’. Democracia, liberalismo, governo e socialismo, como próprios objetos da reflexão política, passaram a ser analisados teoricamente por meio de modelos e conceitos jurídicos. Cada jurista de Weimar, a sua forma, buscou compreender a política em sua essência, para capturá-la teoricamente. Carl Schmitt e Hans Kelsen foram, sem dúvida, dois dos principais expoentes dessa teorização do político, enquanto Max Weber contribuiu com uma das mais importantes obras da teoria política moderna durante o período weimariano. No dia 28 de janeiro de 2019, comemorou-se o centenário da famosa conferência de Max Weber intitulada ‘Politik als Beruf’ (Política como vocação), um marco na literatura política que continua a fornecer análises éticas do comportamento político até os dias atuais. A revista The Economist destacou esse evento, enfatizando a importância desse centenário ao ressaltar que o pensamento político-liberal de Weber, que moldou os debates sobre constitucionalismo e democracia em Weimar, oferece lições valiosas para o cenário político das democracias contemporâneas, marcado por desafios e críticas semelhantes aos enfrentados durante a experiência política de Weimar. 23 A presente relevância da reflexão sobre a experiência de Weimar sucede principalmente do fato de que muitas democracias contemporâneas enfrentam desafios semelhantes aos enfrentados pela República de Weimar. Cem anos após, Weimar permanece como um modelo considerável para o estudo do direito e da política, proporcionando uma compreensão mais profunda dos riscos e das potencialidades de uma democracia (VALE, 2022). Não são poucos os pensadores contemporâneos que expressam forte preocupação com uma crise atual da democracia liberal, observada em vários países com características distintas. Essa crise é evidenciada por processos político-sociais facilmente perceptíveis, como a falta de representatividade e a constante perda de legitimidade democrática, manifestadas pelo declínio dos índices oficiais de confiança popular no regime. Além disso, há o recrudescimento na garantia e proteção das liberdades fundamentais, especialmente a liberdade de expressão e de consciência religiosa, resultando em um aumento da intolerância. A incapacidade dos sistemas democráticos de cumprir suas promessas sociais, como a redução das desigualdades, também é uma preocupação, juntamente com a ascensão, em alguns casos, de figuras políticas demagógicas e com instintos autoritários ao governo, através de processos legais e democráticos. A democracia atual tem muito a aprender com as lições de Weimar. Como observaram Arthur Jacobson e Bernhard Schlink, em períodos de crise do Estado de Direito, o interesse por Weimar ressurge. Para esses autores, Weimar oferece um paradigma sombrio, porém útil, para os Estados em que o constitucionalismo e o Estado de Direito enfrentam forças antiliberais e antidemocráticas. A breve história de Weimar é marcada por suas crises. Não apenas a crise política abalou as estruturas do regime democrático, do sistema de governo e da organização dos poderes, mas também uma grave crise econômica contribuiu para a ineficiência dos programas sociais pressupostos na constituição. Weimar, portanto, oferece aos juristas contemporâneos um exemplo dos desafios difíceis e complexos que o constitucionalismo e a democracia podem enfrentar diante da conjunção de uma crise política com uma profunda crise econômica. As crises política e econômica que o Brasil enfrentou nos últimos anos impuseram vários desafios à sobrevivência do regime democrático, à organização dos poderes, à estrutura do sistema de governo e, principalmente, à normatividade da Constituição de 1988 (VALE, 2022). 24 4 SURGIMENTO DA DECLARAÇÃO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS Os direitos humanos são princípios ou valores ético-políticos que possibilitam a todo indivíduo assegurar suas condições e dignidade enquanto ser humano, destaca Lopes (2018). Posteriormente ao término da Segunda Guerra Mundial, em 1945, os países se uniram com o objetivo de recompor a paz entre os povos. A Organização das Nações Unidas (ONU) foi oficialmente estabelecida em 1945, mediante a ratificação da carta por parte das nações vencedoras da guerra (Estados Unidos, China, França, União Soviética e Reino Unido). Com o propósito de promover a paz e evitar um novo conflito mundial, a Declaração Universal dos DireitosHumanos foi assinada em 10 de dezembro de 1948 pelos mesmos países. Nesta carta estão arrolados 30 artigos dos direitos humanos e das liberdades fundamentais que mulheres e homens possuem e que devem ser respeitados (LOPES, 2018). A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi assinada em um contexto histórico e político marcado pelo período da Guerra Fria. Nesse período, o mundo encontrava-se dividido e em disputa entre duas potências principais: os Estados Unidos, líder do bloco dos países capitalistas, e a União Soviética, líder dos países socialistas. O conflito entre esses blocos abrangia questões militares, políticas, tecnológicas, sociais, econômicas e ideológicas. O cerne da Declaração Universal dos Direitos Humanos reside na dignidade da pessoa humana, que deve prevalecer sobre qualquer interesse de ordem governamental ou econômica. Os direitos humanos são os princípios ou valores que capacitam um indivíduo a assegurar sua condição humana e a participar plenamente da vida. Esses direitos devem permitir que o indivíduo viva plenamente sua condição política, psicológica, biológica, econômica, social e cultural. Com base na prioridade dada à dignidade humana e na igualdade de direitos entre homens e mulheres, a Assembleia Geral das Nações Unidas proclamou a Declaração Universal dos Direitos Humanos. É destacado no preâmbulo da Declaração: "[...] considerando ser essencial que os direitos humanos sejam protegidos pelo império da lei, para que o ser humano não seja compelido, como último recurso, à rebelião contra a tirania e a opressão [...]" (ONU, 1948). Dessa forma, a Declaração apresenta o Estado como responsável pela garantia, proteção e efetivação dos direitos (LOPES, 2018). 25 4.1 O caminho percorrido pelos Direitos Humanos A construção da Declaração Universal dos Direitos Humanos ocorreu em um processo histórico de lutas e conquistas que incluíram, desde a Modernidade, os campos sócio-político, jurídico e cultural. Na Modernidade, um primeiro conjunto de direitos se manifestou por meio das revoluções burguesas dos séculos XVII e XVIII, como a Revolução Inglesa em 1688, a Revolução Americana em 1776 e a Revolução Francesa em 1789. O debate em torno da liberdade foi central nessas revoluções, reivindicando as liberdades individuais. Nesse contexto, o liberalismo político dominava as discussões sobre direito político e civil (LOPES, 2018). Os direitos civis e políticos referem-se aos direitos individuais vinculados à liberdade, à igualdade, à propriedade, à segurança e à resistência às diversas formas de opressão. Direitos inerentes à individualidade, tidos como atributos naturais, inalienáveis e imprescritíveis, que, por serem de defesa e serem estabelecidos contra o Estado, têm especificidade de direitos “negativos” (WOLKMER, 2010, p. 15). Inicialmente, a geração de direitos visava estabelecer os direitos em oposição ao Estado absolutista, sendo este o violador dos direitos individuais. No entanto, em um segundo momento histórico, outras gerações colocaram o Estado como o garantidor desses direitos. A segunda geração de direitos é composta pelos intitulados ‘direitos sociais, econômicos e culturais’. Esses direitos incluem o direito à saúde, ao trabalho e à educação, fundamentados nos princípios da igualdade e com abordagem positiva, pois não são contra o Estado, mas requerem a garantia e concessão a todos os indivíduos por parte do poder público (WOLKMER, 2010). Com a concretização desses direitos, o Estado se apresenta como garantidor, enquanto a sociedade civil se torna o sujeito ativo que busca a realização desses direitos. A necessidade de o Estado intervir ao longo do período liberal, para garantir direitos, especialmente no âmbito social, que o livre funcionamento do mercado não possibilitava, marca uma nova etapa na história dos Estados desenvolvidos. Estamos na era do Estado social, no qual o Estado interveio para assegurar não apenas uma igualdade puramente formal, utópica, idealizada pelo Liberalismo, mas sim buscar uma igualdade material. Isso permitiu que os menos favorecidos tivessem acesso à educação, cultura, participação, saúde e à busca pela felicidade. 26 O pensamento marxista exerceu grande influência na transformação dos direitos durante os séculos XIX e XX que, anteriormente, eram centrados na figura do sujeito individual, para serem discutidos como direitos sociais em uma nova fase. Os chamados direitos de segunda geração, voltados para a garantia social realizada pelo Estado em relação ao trabalho digno, salário justo, assistência social, educação, lazer, saúde, moradia, cultura, livre associação sindical, greve, saneamento básico, entre outros, ainda têm suas bases no direito individual (LOPES, 2018). No século XXI, foram estabelecidos os direitos de terceira geração, que visam proteger grupos humanos, povos, nações e grupos étnicos, além de promover a paz, solidariedade entre os povos, cuidados com os recursos naturais, dignidade das diversas culturas e relações mais justas, igualitárias e pacíficas entre os povos. Com os avanços científicos e tecnológicos, surgiram os direitos humanos de quarta geração, relacionados à bioética e à tecnologia na medicina, respeito ao patrimônio genético de indivíduos e grupos étnicos. Alguns estudiosos, como Carneiro (2007), destacam esse período como posterior ao Estado social, marcado pelo progresso do neoliberalismo, no qual a intervenção do Estado é cada vez mais reduzida. Historicamente, esse período é marcado pela queda do Muro de Berlim em 1990, o que impulsionou o avanço do liberalismo econômico, sem encontrar perspectivas adequadas para limitar essa tendência. Com o mercado livre para se organizar em várias sociedades, os campos político, social e econômico adquiriram características de globalização. Os vínculos entre capital e trabalho, anteriormente intermediados pelo Estado de bem-estar social, foram absorvidas pelo mercado. O mercado, como principal ator no âmbito econômico, ganhou espaço em diversos campos, incluindo os políticos, culturais e sociais, alterando as relações que, desde a Modernidade, estavam estruturadas no Estado Democrático de Direito (LOPES, 2018). Na atual terceira fase, a intervenção estatal está diminuindo cada vez mais devido às limitações econômicas dos Estados, que tornam inviável a manutenção de programas sociais importantes. Como resultado, há uma tendência à privatização de serviços não essenciais e à redução dos investimentos em serviços considerados fundamentais, o que gera crises, incluindo desemprego e assistência inadequada a direitos básicos como proteção à infância, saúde e cuidados para idosos (CARNEIRO, 2007). 27 Esse novo contexto traz diversas consequências para os direitos conquistados em períodos passados. Os direitos anteriormente garantidos pelo Estado de bem-estar social, tais como o direito ao trabalho, à educação e à saúde, estão sob ameaça devido às políticas de privatização, que priorizam o lucro financeiro em detrimento do bem- estar social. Essa tendência coloca em risco os direitos sociais, especialmente em relação à privatização de serviços públicos essenciais, os quais estão alinhados com os princípios estabelecidos na Declaração Universal dos Direitos Humanos, tais como o acesso aos direitos trabalhistas, à saúde e à educação (LOPES, 2018). 4.2 Direitos humanos no Brasil Em concordância com Lopes (2018), no Brasil, os direitos humanos são assegurados pela Constituição Federal de 1988. No cenário brasileiro, os direitos humanos representaram um grande avanço jurídico para uma sociedade que enfrentou cerca de 20 anos de Ditadura Civil-Militar (1964-1985). Flores (2009) destaca que, se os direitos humanos não são dados ao povo, mas sim construídos, é importante enfatizar que as violações a esses direitos se tornam também construídas.Em outras palavras, as discriminações, exclusões, desigualdades, injustiças e intolerâncias são frutos de um processo histórico que precisa ser urgentemente desconstruído. Frente a uma realidade em que a violência era institucionalizada por meio de torturas, desaparecimentos e assassinatos, os direitos humanos emergiram como um dispositivo crucial para salvaguardar a dignidade humana e promover a cidadania. O ressurgimento do viés democrático no Brasil e em outros países latino-americanos a partir dos anos 1970/1980 foi uma conquista essencial tanto da classe política quanto da sociedade civil, fundamental para criar espaços nos quais a dignidade humana seja respeitada e os direitos sejam efetivados. Conforme Dagnino (1994), a temática da cultura democrática assume uma importância imprescindível no Brasil e em toda a América Latina. Esta é uma sociedade em que a miséria, a desigualdade econômica e a fome são os aspectos mais evidentes de uma estrutura social caracterizada pela organização hierárquica e desigual das relações sociais, o que podemos denominar de autoritarismo social. Nesta situação de conflitos nos quais o Brasil está imerso, resultante de um ‘autoritarismo socia’, Dagnino (1994) enfatiza que se trata de uma cultura 28 fundamentada predominantemente em critérios de raça, classe e gênero. Esse ‘autoritarismo social’ se manifesta em um sistema de classificações que determina diferentes categorias de pessoas, posicionadas em seus respectivos lugares na sociedade. É uma sociedade na qual as elites exercem uma indúctil influência, e as adversidades aos direitos humanos ainda é uma realidade a ser superada. Esse autoritarismo gera formas de sociabilidade e uma cultura de absoluta exclusão que permeia todas as práticas sociais e perpetua a desigualdade nas relações sociais em todos os níveis (DAGNINO, 1994). O Brasil tem progredido em direção à efetivação dos direitos humanos, contudo, pesquisas realizadas por entidades nacionais e organizações não governamentais revelam que muitos desafios ainda precisam ser superados. Conforme dados do Ministério dos Direitos Humanos, no ano de 2016, foram registradas 133.061 denúncias de violações a direitos humanos no país, de acordo com o balanço divulgado pelo Disque 100, um serviço ligado à Secretaria de Direitos Humanos, isso equivale a 364 casos por dia. Os efeitos da exclusão e da cultura antagônica aos direitos humanos contribuem para tornar a sociedade brasileira violenta. Segundo o Anuário de Segurança Pública do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (2016). A cada 9 minutos, uma pessoa era vítima de homicídio no Brasil, totalizando 58.492 mortes violentas intencionais em 2015. Esses números incluem lesões corporais seguidas de morte, vítimas de homicídios dolosos, latrocínios e mortes decorrentes de intervenções policiais. Entre as pessoas assassinadas, 54% eram jovens com idades entre 15 e 24 anos, e 73% eram pretas ou pardas. Nessas estatísticas, a polícia brasileira é destacada como a que mais morre (fora do trabalho) e a que mais mata. Entre 2009 e 2015, os policiais brasileiros registraram um aumento de 113% nas mortes em serviço em comparação com os policiais americanos. Além disso, o Brasil registrou mais vítimas de mortes violentas intencionais em 5 anos do que a guerra na Síria ocorrida no mesmo período. Enquanto a guerra na Síria, entre março de 2011 e novembro de 2015, contabilizou 256.124 vítimas mortas, no Brasil, foram contabilizadas 279.592 pessoas mortas. A violência policial também é uma ameaça aos direitos humanos, conforme indicado pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública (FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA, 2016). As mortes por consequência de intervenções policiais 29 totalizaram 3.345 em 2015, e entre 2009 e 2015, esse número chegou a 17.688. A militarização adotada pelas polícias estaduais corrobora uma cultura antidireitos humanos. Além disso, o Brasil enfrenta desafios relacionados à alta taxa de homicídios, abusos policiais, condições críticas do sistema prisional, vulnerabilidade dos defensores dos direitos humanos, violência contra a população indígena devido a falhas nas políticas de demarcação de terras e inúmeras formas de violência contra mulheres, populações LGBTQIA+ e outras minorias, que são enfrentadas diariamente. Conforme o balanço feito por estudiosos, as pessoas trans enfrentam violações de direitos humanos diariamente. Em relação aos avanços legais para a promoção dos direitos das pessoas trans, houve progresso limitado, destacando-se principalmente a política do nome social. No entanto, ainda persistem constrangimentos na prática e falta de preparo para acolhimento em serviços públicos (LOPES, 2018). Apesar da criação da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340, sancionada em 2006) como um salto importante na evidência da violência contra a mulher, essa realidade ainda persiste como um desafio a ser superado. De acordo com o Mapa da Violência de 2015, o Brasil registra 4,8 assassinatos a cada 100 mil mulheres, colocando-o como o 5º país com maior incidência desse tipo de crime. Em relação aos assassinatos de mulheres, dos 4.762 registrados em 2013, 50,3% foram cometidos por familiares, sendo que em 33,2% dos casos, o crime foi praticado pelo ex-companheiro ou companheiro. Esses quase 5 mil óbitos representam uma média de 13 homicídios femininos diários em 2013. O sistema prisional brasileiro há muito tempo representa um aspecto negativo no que se refere aos direitos humanos. Dados de 2014 e 2015 indicam que os presídios brasileiros excederam seu limite de pessoas reclusas, ocorrendo superlotação prisional. Destarte, os direitos humanos não são um processo estático; eles surgem de uma constante tensão que não se encerra com a Declaração Universal dos Direitos Humanos. No entanto, é na recorrência da luta e da resistência que os direitos humanos se fortalecem contra as formas de perpetuação da desigualdade, que violam o princípio dignidade da pessoa humana (LOPES, 2018). 5 CONCEITO DE CIDADANIA E SUA RELEVÂNCIA NO ESTADO DEMOCRÁTICO 30 A cidadania habilita o indivíduo a participar ativamente na vida do Estado como membro da sociedade política, conforme Siqueira e Oliveria (2016). Ao ser reconhecido como cidadão, ele se torna parte integrante da estrutura estatal, legitimado a exercer seus direitos perante o Estado. É de grande importância aprimorar os meios e instrumentos para estabelecer uma relação justa e produtiva entre o Estado e o cidadão. A cidadania pode ser compreendida como o conjunto de normas que regem, por um lado, o respeito e a obediência que o cidadão deve ao Estado e, por outro, a proteção e os serviços que o Estado deve oferecer, na medida do possível, ao cidadão. Os direitos humanos, no Estado Democrático, são garantidos a todos os indivíduos. O cidadão é aquele que se envolve na dinâmica do Estado, buscando preservar, conquistar ou proteger seus direitos. A cidadania representa o exercício efetivo desse engajamento político. É o momento em que o ser humano se torna um agente político em sentido amplo, contribuindo significativamente a sociedade em que vive. De acordo com Garcia (1998), a cidadania é a essência da liberdade, o ponto mais alto das capacidades de ação individual, o aspecto fundamentalmente político da liberdade. Ela também argumenta que a ideia de uma liberdade puramente defensiva, entendida primordialmente como resistência a um poder arbitrário, não é mais adequada para o nosso tempo. A liberdade deve se tornar cada vez mais participativa, o cidadão deve estar envolvido na formulação das principais decisões políticas, deve participar de maneira mais ativa na administração de questões locais e também na gestão de serviços econômicos e sociais, como a Seguridade Social, e, principalmente, na implementação de medidas que protejam as liberdades,