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ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO
–FUNDAMENTOS E
METODOLOGIAS NA EDUCAÇÃO
BÁSICA
AULA 1
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Profª Sônia de Fátima Radvanskei
Profª Jane Aparecida Radvanskei da Silva
CONVERSA INICIAL
Nossas aulas serão organizadas como um itinerário reflexivo sobre nossa temática principal. As
discussões permearão conceitos essenciais em torno das metodologias e didáticas da alfabetização e
letramento, das especificidades e características do ensino e das mudanças dos métodos
alfabetizadores no decorrer da história, e das teorias de autores importantes na temática com as
permanências e inovações nos princípios metodológicos da aprendizagem da leitura e da escrita. No
entanto, serão apenas paradas rápidas, pois, para melhor conhecimento e desenvolvimento de
habilidades e competências, a pesquisa e estudo dos autores clássicos é fundamental. Isso porque os
conceitos não são apenas desenvolvidos nas crianças, mas se trata de um processo permanente de
aprendizagem de qualquer conteúdo.
Há necessidade também de relacionar as experiências e práticas dos professores em relação aos
métodos empregados em sala de aula e os que são utilizados em escolas públicas e particulares, além
do método proposto pelos documentos norteadores em torno da organização dos currículos nos
municípios e estados. Sabemos que a discussão sobre o tema da alfabetização, letramento e
aprendizado da leitura e da escrita é muito amplo e complexo, mas priorizamos as discussões mais
atuais e aquelas consolidadas pela perspectiva histórica. Assim, evidenciamos a importância da
utilização de alguns métodos e desvantagens de outros em seu uso na alfabetização das crianças
brasileiras.
Por isso, convidamos você, aluno(a), a participar dessa aula e iniciar o processo de conhecimentos
nesse mundo. Nosso objetivo é estimulá-lo(a) para novos conhecimentos e para as aulas que irá
planejar como professor(a), ou, como pedagogo(a), orientar os futuros alfabetizadores desse país. O
conhecimento é essencial para essa profissão porque amplia as possibilidades de trabalho e
potencializa a aprendizagem dos alunos com metodologias significativas, ativas e hibridas, que vão ao
encontro da sociedade.
Essa aula permeará as concepções de linguagem e de alfabetização e o papel do professor nesse
processo. Antes de iniciar, é interessante você se perguntar: como fui alfabetizado? Como aprendi a
ler e escrever? Consigo escrever um texto com facilidade utilizando os elementos coesivos com
desenvoltura? Sei como irei alfabetizar meus alunos? Como pedagogo(a), como assessorarei os
professores? Tenho conhecimentos sobre os princípios geradores da alfabetização e letramento?
Como desenvolver os processos de letramento dos alunos sem deixar em segundo plano o processo
de alfabetização? Qual concepção de linguagem utilizo para alfabetizar e letrar meus alunos?
Essas são algumas das indagações que permeiam o universo dos alfabetizadores, mas, com estas
aulas, aos poucos as perguntas serão respondidas. Essas indagações serão fomentadas durante o
nosso encontro e discutidas conforme algumas teorias e contextos. Portanto, para esta aula, com base
no tema alfabetização e letramento: discursos em curso na aprendizagem da língua portuguesa,
proporemos os seguintes objetivos:
a) identificar os objetivos do ensino da língua portuguesa;
b) compreender o conceito de linguagem e as concepções utilizadas no aprendizado da
leitura e da escrita nas escolas brasileiras;
c) relacionar as concepções de linguagem com as práticas em sala de aula dos professores
alfabetizadores;
d) compreender a importância do letramento do professor no processo do aprendizado da
leitura e da escrita pelos alunos.
Então, vamos a nossa aula sobre alfabetização e letramento?
TEMA 1 – CONCEPÇÕES DE LINGUAGEM: COMPREENSÕES
ESSENCIAIS PARA O PROCESSO DE APRENDIZAGEM DA LÍNGUA
Há muitos métodos e técnicas de ensino para o aprendizado da leitura e da escrita, porém, é
necessário que o professor alfabetizador compreenda todo esse processo e reflita por que realiza
algumas atividades em sala de aula. Isso é essencial para o processo de alfabetização, principalmente
pela concepção de linguagem que se utilizará na organização do planejamento de ensino.
No sentido geral, compreende-se como linguagem o conjunto de todos os sinais que cada
indivíduo utiliza para se comunicar, como palavras, gestos, símbolos, desenhos, placas, músicas etc.
Contudo, não é tão simples assim, pois, como salienta Bakhtin (2011), a língua é um fenômeno social,
dialógico e se constitui nas relações sociais. Isso significa que nos constituímos como sujeito na e pela
linguagem.
Portanto, todo discurso falado ou escrito possui alguma intenção, que concomitantemente
reelabora a linguagem a partir de seus objetivos. Essa relação sócio-ideológica discursiva apresenta-
se como um jogo de interação, ação e reflexão, que assim determina o modo como se vai dizer
alguma coisa ao interlocutor, tudo em seu contexto de comunicação.
Por isso, o ensino da língua portuguesa é um trabalho amplo e complexo. Não se pode trabalhá-
lo isoladamente, pois na prática é muito difícil separar a concepção de linguagem e sua organização
metodológica do tipo de avaliação que comumente o professor usa em sala de aula. O essencial é
conhecer as funções sociais da escrita; o domínio dos códigos e convenções constitutivas do sistema
alfabético de escrita; e o desenvolvimento de competências e habilidades básicas envolvidas na
leitura e produção de textos.
Para fins didáticos, vamos separar cada concepção e suas características para que você possa
escolher e refletir em qual vertente teórica o seu trabalho será desenvolvido. Castro (2005, p. 1)
salienta a seguinte ideia:
podemos não saber dizer a que teórico ou teorias seguimos em nosso processo docente diário, mas
o fato é que quando entramos em sala de aula e desencadeamos todas as nossas ações didáticas,
estamos colocando em prática aquilo que lá no fundo achamos que é correto, justo e verdadeiro
para nós em termos de linguagem.
Percebe-se, nesse sentido, que muitas vezes os professores ensinam como foram alfabetizados
ou pelas experiências na vida acadêmica e estágios. Assim, existe uma resistência de aprendizagem
do professor para os encaminhamentos em que realmente há o aprendizado da leitura e da escrita,
 não apenas uma memorização, descrição ou cópia sem sentido. Há uma grande confusão entre as
concepções de língua e gramática normativa. Foca-se muitas vezes no ensino da língua em manuais,
livros ou cartilhas em que se pretende ensinar o que é certo ou errado, centrando-se apenas na forma
de escrita e de que, se falar bem e usar as regras gramaticas, o estudante será um bom escritor ou
conseguirá escrever sem dificuldade.
Vejamos, agora, como as concepções estão intimamente ligadas às atividades e à avaliação do
professor com base nas explicações sobre as concepções de língua presentes no ensino em sala de
aula.
TEMA 2 – CONCEPÇÃO TRADICIONAL DE ENSINO DA LÍNGUA:
LÍNGUA COMO EXPRESSÃO DO PENSAMENTO
Língua como expressão do pensamento é uma concepção tradicional da linguagem e remete à
forma e aos fundamentos da tradição gramatical grega, como a primeira compreensão de linguagem
(estudos de Dionísio de Trácia no século II a.C. – organizador da primeira gramática prescritiva, com a
noção de certo ou errado). No Brasil, o ensino da língua portuguesa teve início com a educação
estruturada pelos jesuítas, cujos objetivos eram alfabetizar e catequizar os índios, tendo a mesma
organização da primeira gramática, ensinar o certo e o errado de acordo com a norma culta da
sociedade em vigor. A organização do ensino nesse período centrava-se na concepção de linguagem
como expressão do pensamento e focalizava o ensino de gramática latina, retórica e de grandes
autores clássicos.
Essa concepção é focada no sujeito psicológico, individual, dono de sua vontade e de suas ações.
Um indivíduo que constrói uma representação mentale deseja que esta seja captada pelo interlocutor
da maneira como foi mentalizada. Nessa relação, todo discurso dito pelo sujeito possui uma
expressão adequada, pronta e disponível, assim há a representação do mundo e as ações que nele se
praticam. Soares (1986) salienta que o ensino considerado como legítimo era baseado no
reconhecimento da língua que segue as regras da norma culta, da gramática tradicional. Nessa
mesma visão da língua como sistema, Travaglia (1996, p. 21) explica que
Para essa concepção as pessoas não se expressam bem porque não pensam. A expressão se
constrói no interior da mente, sendo sua exteriorização apenas uma tradução. A enunciação é um
ato monológico individual, que não é afetado pelo outro nem pelas circunstâncias que constituem a
situação social em que a enunciação acontece. (grifo nosso)
Segundo essa concepção de linguagem, é utilizado um manual, como a gramática tradicional, em
que há uma normatização da língua e apenas o desenvolvimento de um dom natural que já está na
mente do sujeito, cabendo ao professor desabrochar essa capacidade. Nesse caso, saber a gramática
é sinal de que se fala e escreve bem. Para essa concepção de linguagem, “o modo como o texto, que
se usa em cada situação de interação comunicativa, está constituído não depende em nada de quem
se fala, em que situação se fala (onde, como, quando), para que se fala” (Travaglia, 1996, p. 22).
As atividades de leitura centram-se em encontrar no texto o pensamento do autor; as
informações estão ali, não há necessidade de compreensão maior, tratando-se, portanto, de uma
leitura que se limita apenas à decodificação do texto. As atividades de escrita e oralidade centram-se
em regras gramaticais, seguindo um conjunto sistemático de normas e regras para falar e escrever
bem. Não se leva em conta as diferenças dialetais, mas as correções diretas baseadas nas normas do
dialeto culto.
2.1 LÍNGUA COMO INSTRUMENTO DE COMUNICAÇÃO
A concepção de língua como instrumento de comunicação não se difere muito da concepção
anterior, porém, centra-se na linguagem como meio exclusivo de informação. De acordo Travaglia
(1996, p. 22), “a língua é vista como um código, ou seja, como um conjunto de signos que se
combinam segundo regras, que é capaz de transmitir uma mensagem, informações de um emissor a
um receptor”. Nesse sentido, esse código deve ser compreendido pelo falante para que haja
comunicação.
Essa concepção vê a língua como apenas um código, ou seja, um conjunto de signos que se
combinam de acordo com regras específicas e isso possibilita a transmissão da mensagem ao ouvinte.
Há uma única possibilidade no entendimento da mensagem dada pelo emissor e basta ao receptor
entendê-la. Assim, nessa concepção, o sujeito é compreendido como assujeitado pela sociedade,
caracterizado por uma espécie de “não consciência” (Koch, 2002, p. 14). Esse assujeitamento é
caracterizado quando o sujeito não é dono de seu discurso e de sua vontade. O sujeito que emite a
mensagem é responsável pelo sentido, como se fosse um repetidor da sociedade e dependente desse
discurso. A língua é um instrumento, uma estrutura pronta que se encontra à disposição dos sujeitos,
que a utilizam como se ela não fosse histórica.
O texto nessa concepção é entendido como uma “codificação de um emissor a ser decodificado
pelo leitor/ouvinte, bastando a este, para tanto, o conhecimento do código, já que o texto, uma vez
codificado, é totalmente explícito” (Koch, 2003, p. 16). Na leitura de textos, há o afastamento do autor
e das circunstâncias de escritas para focalizar na estrutura textual que fala por si. A escrita e a
oralidade devem seguir um conjunto sistemático de normas para falar e escrever bem. Assim, a
gramática e os encaminhamentos dados pelos professores em sala de aula partem de atividades
prescritivas e descritivas.
TEMA 3 – CONCEPÇÃO DE LÍNGUA COMO INTERAÇÃO SOCIAL: A
TÃO SONHADA E INCOMPREENDIDA
Castro (2005) esclarece que as práticas em sala de aula ainda são pautadas por estratégias
metodológicas de língua, em que se coloca as regras gramaticais como o objetivo único e último da
educação escolar. Na maioria das vezes, escrever uma frase sem erro já é sinal de que o aluno está
dominando a língua, porém a interpretação, tentativas e expansão de ideias não são levadas em
conta, porque dá trabalho mediar toda essa produção. Nesse sentido, o ensino centra-se no ensino
da língua normativa, deixando de lado “outros fatores e variáveis que concorrem de forma inalienável
para o sucesso no aprendizado da escrita na escola por parte das crianças” (Castro, 2005, p. 11).
Muitos autores clássicos de áreas distintas como a psicologia, linguística e pedagogia, desde os
anos de 1970, 1980 e 1990, salientaram e registraram que não se pode ignorar a forte determinação
dos fatores sociais na formação cognitiva da criança e suas potencialidades de desenvolvimento
escolar:
Fatores como a classe social, econômica, escolarização dos pais, região em que habita,
descendência, determinadas características históricas e culturais são aspectos que estão a todo
momento mediando as possibilidades de sucesso ou insucesso escolar dos alunos, conforme
estejam programadas as expectativas metodológicas e avaliativas da escola. (Castro, 2005, p. 12)
Nesse contexto, compreender a língua não como código mas que se constrói nas e pelas
relações sociais é essencial para o trabalho significativo em sala de aula. Como explica Travaglia (1996,
p. 23), na concepção de língua como forma de interação social, “o que o indivíduo faz ao usar a língua
não é tão-somente traduzir e exteriorizar um pensamento, ou transmitir informações a outrem, mas
sim realizar ações, agir, atuar sobre o interlocutor (ouvinte/leitor)”.
Bakhtin (2011) salienta que o sujeito se constitui na e pela linguagem, construída por uma língua
heterogênea, suscetível a mudanças históricas, sociais e culturais, valorizando o enunciado na
interação social, e não a fala individualizada. Assim, desde que nasce, o sujeito percebe que sua ação
sempre causará uma reação, e é na interação com o outro que sua fala e discurso se construirá. É esse
o processo de interlocução que ocorre nas práticas sociais, as quais se diferenciam historicamente e
dependem das situações de comunicação e/ou interação dos sujeitos, uma vez que
A verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema abstrato de formas linguísticas
nem pela enunciação monológica isolada, nem pelo ato psicofisiológico de sua produção, mas pelo
fenômeno social da interação verbal, realizada através da enunciação ou das enunciações. A
interação verbal constitui assim a realidade fundamental da língua. (Bakhtin; Volochinov, 2006, p.
125)
Bakhtin (2011) explica que o sujeito é fruto de uma diversidade de vozes e de suas relações
dialógicas, dos diferentes temas do cotidiano, da gama de informações que recebe e da oralidade
permeia a construção o tempo todo. Os sujeitos, portanto, são tomados como construtores sociais,
pois é por meio da interação que ocorrem as trocas de experiências e conhecimentos.
Koch (2003) esclarece que
Já na concepção interacional (dialógica) da língua, na qual os sujeitos são vistos como
atores/construtores sociais, o texto passa a ser considerado o próprio lugar de interação e os
interlocutores, como sujeitos ativos que – dialogicamente – nele se constroem e são construídos.
Desta forma há lugar, no  texto, para toda uma gama de implícitos, dos mais variados tipos,
somente detectáveis quando se tem, como pano de fundo, o contexto sociocognitivo dos
participantes da interação. (p. 17)
Assim, nessa concepção de língua como interação entre os sujeitos, a língua não é compreendida
como uma simples captação da representação mental ou decodificação de mensagem para a
comunicação; a língua é uma atividade de interação altamente complexa. A produção de sentidos
necessita, sim, de elementos linguísticos presentes na superfície textual e na organização do texto,mas também requer a mobilização de um grande saber quanto às relações textuais e contextuais que
são produzidas.
A metodologia nessa concepção deve levar em conta os falantes que atuam sobre o interlocutor
e estabelecem vínculos e compromissos. O diálogo caracteriza a linguagem nos contextos de
produção–enunciado–enunciação. A produção dos sentidos se dá entre interlocutores em uma dada
situação e em um contexto sócio-histórico e ideológico. As variações linguísticas são levadas em
conta e vistas como formas diferentes para o processo interacional (incluindo os registros formais e
informais).
A escrita e a oralidade devem focalizar em textos orais e escritos dos vários gêneros discursivos e
prioritários no ensino. Com as potencialidades discursivas, aumenta-se os recursos linguísticos de
modo que os alunos tenham ao seu dispor a maior escala possível de competências de habilidade e
competências de sua língua, para seu uso adequado. Nessa relação entre oralidade e escrita,
Marcuschi (2001, p. 17) afirma que “ambas permitem a construção de textos coesos e coerentes,
ambas permitem a elaboração de raciocínios abstratos e exposições formais e informais, variações
estilísticas, sociais e dialetais e assim por diante”. As realizações e a limitação dos textos orais e
escritos são determinadas pela potencialidade do contexto de realização.
É nessa concepção de língua que os PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais) e a BNCC (Base
Nacional Comum Curricular) têm os princípios orientadores para o ensino nas escolas brasileiras, que
serão explicitados nas próximas aulas.
TEMA 4 – REFLEXÕES SOBRE A ALFABETIZAÇÃO: CONCEITOS
ESSENCIAIS
O processo de alfabetização não é um ato mecânico, pois a criança em processo de aprendizado
constrói sistemas interpretativos, raciocina e usa a criatividade na invenção de regras na tentativa de
compreender a complexidade da aprendizagem da escrita e como ela existe no contexto social. Nesse
sentido, a escrita não pode ser ensinada somente como uma habilidade motora, mas como uma
atividade cultural complexa, como enfatiza Vygotsky (1989). Mello (2010), ao refletir sobre as ideias de
Vygotsky, salienta que “a apropriação da escrita como um instrumento cultural complexo é elemento
essencial na formação da inteligência de cada sujeito” (p. 181).
A autora ainda enfatiza que 
Lendo Vygotsky entendo que o maior equívoco que cometemos no processo de ensino da escrita é
a utilização de um método artificial criado especialmente para ensinar a criança a escrever e que
enfatiza o domínio da técnica e não considera nem cria a necessidade de escrita na criança. [...] da
mesma forma que a linguagem oral é apropriada pela criança sem grandes esforços, a partir da
necessidade de se comunicar com os outros – necessidade que é criada nela ao viver numa
sociedade que fala –, a escrita precisa se tornar uma necessidade da criança que vive em uma
sociedade que lê e escreve. (Mello, 2010, p. 183-184)
Então, a pergunta que se faz é: como se deve ensinar a ler e a escrever? Nos itens anteriores,
ficou muito claro que, sem o conhecimento teórico dos conceitos que permeiam o ensino da língua e
escrita, é difícil encontrar um caminho que realmente leve ao aprendizado. Os esclarecimentos sobre
língua oral, língua escrita, fonética, fonologia sons da fala nos aspectos interpretativos de sua
estrutura funcional; as letras na escrita; as variedades de pronúncias das palavras e como elas podem
afetar o aprendizado são essenciais para que o professor alfabetizador conheça o objeto de ensino
com o qual trabalhará.
Inicialmente, é interessante compreender  que a linguística é o estudo da linguagem humana e
como ela funciona, e possui vários campos de interesse: fonética, fonologia, morfologia, sintaxe,
semântica, análise do discurso, pragmática, sociolinguística, psicolinguística, entre outros. Aqui
explicaremos resumidamente apenas os conceitos de fonética e fonologia para ilustrar o quanto a
linguística nos ajuda no ensino da língua portuguesa, compreendendo por que os alunos escrevem de
determinadas formas consideradas incorretas pela normal culta.
A fonética preocupa-se com os estudos dos sons da fala, com a realidade fônica da língua, as
pronúncias diferentes. Como explica Cagliari (2010, p. 37), “a fonética procurar analisar e descrever a
fala das pessoas da maneira como ela ocorre nas mais variadas situações de vida”. Entretanto, a
fonologia também estuda os sons da língua, mas em sua função, ou seja, com os aspectos
interpretativos desses sons. Segundo Cagliari (2010), enquanto a fonética constata as pronúncias
diferentes dos sons, a fonologia interpreta essa diferença atribuindo um valor único a eles,
interpretando o valor linguístico que esses sons têm no sistema da língua:
A noção de valor linguístico não é igual à de certo ou errado. O valor linguístico diz respeito às
funções, atribuições de um som dentro da organização sistemática das línguas,. Um som, por
exemplo, pode ter um valor distintivo ou não. Se substituo o [p] de pato por um [b], tenho um novo
significado e uma nova palavra, que é bato. Então, [p] e [b] tem valores distintivos nessas palavras,
porque trocando-se um pelo outro ocorre uma mudança de significado. (Cagliari, 2010, p. 75)
Percebe-se, dessa forma, o quanto de estudo o professor alfabetizador precisa para compreender
todo esse processo complexo que é ensinar a ler e escrever. Por isso, o docente deve, desde o início
do aprendizado, salientar aos alunos o que é a escrita, as maneiras especificas de escrever, “a
arbitrariedade dos símbolos, a convencionalidade que permite a decifração, as relações variáveis entre
sons e letras que permitem a leitura. Enfim, é preciso não camuflar a complexidade da língua (Cagliari,
2010, p. 85).
Vygotsky (1989, p. 119) salienta que, muitas vezes, os professores ensinam nas escolas “as
crianças a desenhar letras e construir palavras com elas, mas não se ensina a linguagem escrita.
Enfatiza-se de tal forma a mecânica de ler o que está escrito que se acaba obscurecendo a linguagem
escrita como tal”. Por isso é necessário o cuidado do professor ao compreender a linguagem como
símbolo, e não como índice.
Percebemos que o conceito de símbolo é um dos aspectos que necessita de atenção especial por
parte do professor alfabetizador, pois “um símbolo e a coisa que ele simboliza é inteiramente
arbitrária, ou seja, a razão da forma de um símbolo não está nas características da coisa simbolizada”
(Lemle, 2007). Para Vygotsky (1989, p. 120) “a linguagem escrita é constituída por um sistema de
signos que designam os sons e as palavras da linguagem falada, os quais, por sua vez são signos das
relações e entidades reais”. Nesse sentido, um estudante que ainda não compreendeu o que seja uma
relação simbólica entre dois objetos não terá condições de aprender a ler.
Nessa mesma linha de pensamento, Bakhtin e Volochinov (2006, p. 69) esclarecem que “a palavra
isolada de seu contexto, inscrita num caderno e aprendida por associação a uma coisa, a uma
imagem, torna-se sinal, uma coisa única” e “o signo é, por sua natureza, vivo, móvel, plurivalente”.
Essa mobilidade do signo é uma das principais características da linguagem humana. Segundo Vilas
Boas (1988, p. 15),
A palavra só ganha valor social quando está inserida em frases e frases inseridas em situações
sociais concretas. [...] a análise da frase, surgida  nesse contexto social vivo, será fita de modo  a
possibilitar a criança brincar com as palavras, fazer novas associações, atribuir aquele enunciado um
sabor pessoal. Para a efetivação desses desígnios, os jogos propostos devem propiciar o contato do
aluno com situações variadas e com a pluralidade de falas daí emergentes. Permitir mudanças nas
frases, instaurando a relação real de diálogo, tal como ele é usado fora da escola, no dia a dia de sua
comunidade.
Vejamos um exemplo sobre essas situações da linguagem como símbolo. Veja as seguintes
formas:
Figura 1 – Exemplode linguagem como símbolo
 
Se forem formas conhecidas, você diz retângulo, triangulo, círculo e outro triângulo, pois leu
individualmente. Se as formas representarem letras, por exemplo, quadrado = letra C; triângulo =
letra A e círculo = letra S, faremos a transposição e teremos: CASA. As letras para as crianças que
ainda não se alfabetizaram são pontos ou riscos sem significados que são obrigados a copiar. Todavia,
quando aprendem que cada uma dessas formas são letras e representam um símbolo na língua
escrita, inicia-se o processo de compreensão, ainda mais porque as formas das letras do alfabeto
possuem semelhanças e exigem refinamento na percepção. O uso de símbolos na sala de aula é
importante para explicar a relação de representação. O professor pode utilizar como exemplos
escudos de time de futebol, bandeiras, sinais de trânsito etc.
Lemle (2007) traz um exemplo muito pontual sobre essa dificuldade na aprendizagem da relação
entre letras e símbolos:
Tomemos alguns exemplos: a letra p e a letra d diferem apenas na direção da haste vertical,
colocada abaixo da linha de apoio ou acima dela. O b e o p diferem entre si por esse mesmo traço,
isto é, a posição da barriguinha. Note que os objetos manipulados em nosso dia a dia não se
transformam, ao mudarem de posição. Uma escova de dentes é sempre uma escova de dentes,
esteja virada para cima ou para baixo. (p. 9)
Esse reconhecimento minucioso das formas das letras é imprescindível para aprender a ler. Outra
situação que exige cuidado na aprendizagem da leitura e da escrita é a dificuldade dos alunos na
conscientização da percepção auditiva, ou seja, consciência fonológica. Para Lemle (2007, p. 9), “é
preciso saber ouvir diferenças linguisticamente relevantes entre esses sons, de modo que se possa
escolher a letra certa para simbolizar cada som”. No entanto, somente essa percepção não é
suficiente, visto que um fonema pode ter várias maneiras de ser escrito, pois quem determina é a
ortografia.
Nota-se que o problema mais sério para alguns alunos é não saberem lidar com a escrita
ortográfica. A solução é fácil: basta lhes ensinar as noções básicas sobre ortografia e, depois, ensiná-
los a educar as dúvidas ortográficas. Quando se escreve uma palavra nem todas as letras apresentam
os mesmos graus de dificuldades ortográficas. Onde  pode haver variação, pode ocorrer erro de
escolha. Fazer exercícios de análise desse assunto ajuda a educar as dúvidas ortográficas. Por
exemplo, em uma palavra como casa, apenas o C e o S podem criar embaraço (cf. qaza, qaxa, caza,
caxa...), assim mesmo, somente alunos bem no início dos estudos acham que o C representa uma
dificuldade gráfica. Diante da dúvida, como saber qual é a forma correta? O único jeito é perguntar a
quem sabe ou olhar no dicionário. Esse tipo de aluno precisa mesmo deste tipo de exercício e de um
dicionário para resolver as suas dúvidas. (Cagliari, 2010)
Certificamos, assim, a necessidade de os professores terem competência técnica e teórica e
compreenderem esses processos de aprendizagem para que possam dar explicações condizentes e
convincentes aos alunos.          As situações analisadas anteriormente são apenas algumas partes
componentes da relação entre a fala a escrita, porém a língua é muito mais complexa, pois há
relações cruzadas e arbitrárias que apenas a fonética e fonologia não dão conta (Cagliari, 2010).
TEMA 5 – CONCEPÇÕES DE ALFABETIZAÇÃO
Percebemos pelas discussões anteriores que para alfabetizar os alunos não basta apenas entrar
em sala de aula, apresentar as letras, formar palavras, depois frases e textos. O conhecimento de
língua portuguesa é importante para compreender as especificidades e dar explicações convincentes
aos alunos a respeito dos fenômenos da língua. Notamos também que o melhor método na
alfabetização é o professor, pois é ele quem escolherá o caminho significativo para a aprendizagem.
Helena Vilas Boas (1988) salienta que
O professor que alfabetiza também é um professor de língua. E em terreno tão complexo como o
ensino da língua materna, e, em particular o de alfabetização, o desconhecimento dos princípios
gerais  da ciência da linguagem pode levar a consequências bastante negativas no processo geral
da aprendizagem escolar, muitas vezes por não ter explicito como esse objeto de estudo está
organizado, por desconhecer sua natureza, suas condições de funcionamento e produção, o
professor faz da fixação sua principal estratégia: ditados e cópias, memorização de regras e palavras.
(p. 12)
Nesse sentido, compreender as concepções de alfabetizações atreladas às concepções de língua
é fundamental, pois o professor, ao escolher a maneira como desenvolverá seu planejamento,
propiciará a reflexão sobre a língua e não uma passividade do aluno, como se o professor sempre
desse a regra pronta e o aluno executa a atividade. O professor consegue bons resultados em sala de
aula quando seleciona os problemas um de cada vez, organizando a atividade de modo que o
aprendiz descubra as regras que organizam aquele objeto do conhecimento (conteúdo) e as relações
internas existentes entre os elementos, para assim poder usá-los em outros contextos, estabelecendo
novas relações.
Soares ( 2007), em seu livro Alfabetização e letramento, sobre os métodos de alfabetização,
afirma que
É interessante notar como, em toda essa bibliografia preocupada em apresentar orientações
pedagógicas, proposições metodológicas para o ensino da leitura e da escrita, numa perspectiva
psicogenética procura-se evitar o termo método substituindo-o por proposta. É preciso, porém,
advertir: essa estratégia não será mais do que uma mera “substituição” de termos se se atribui a
método o sentido que propus: somas de ações baseadas em um conjunto coerente de princípios ou
de hipóteses psicológicas, linguísticas, pedagógicas, que respondem a objetivos determinados, se,
porém, se atribui a método o conceito estereotipado que esse termo adquiriu, isto é, método de
alfabetização identificado com os tipos tradicionais de métodos – sintéticos e analíticos (fônico,
silábico, global, etc.), e que é confundido com manual, conjunto de prescrições geradoras de uma
prática rotineira, não será apenas uma substituição de termos, mas uma radical mudança conceitual.
(p. 95)
Percebemos, assim, que as várias prescrições de ensinar aos alunos ficam muitas vezes no mesmo
discurso de “que método adotar?”, porém, esquecemos que o professor precisa dominar esses
conceitos para que possa realmente mediar seus alunos na aprendizagem da leitura e da escrita.
Sugerimos a leitura desse livro sobre os métodos/prescrições de alfabetização, mas não se esqueça
de que o papel principal é compreender o processo, e não produto.
NA PRÁTICA
Organize um quadro sinóptico com as metodologias de ensino da língua para alfabetizar os
alunos. Procure novas bibliografias e faça uma síntese para que possa compreender todo esse
emaranhado de discussões sobre os métodos de alfabetização. Organize as informações no quadro:
Métodos mais conhecidos Como é desenvolvido Papel do professor Papel do aluno Fontes pesquisadas
FINALIZANDO
Chegamos ao fim dessa aula sobre o aprendizado da leitura e da escrita – alfabetização e
letramento – e observamos que o conhecimento e clareza nos conceitos são essenciais para que o
professor organize seu planejamento no ensino. Lembre que há concepções de língua diferentes
dependendo dos autores e teorias que irá utilizar e que a alfabetização e o letramento possuem
diversos métodos de ensino, mas o professor com sua clareza na compreensão de método poderá
organizar um caminho profícuo de aprendizado. Os métodos global ou misto, métodos que partem
da frase, das letras, do texto, da palavra, dos fonemas podem chegar ao mesmo lugar, mas cuidado
para não ficar apenas na soletração, no fonema solto, na pura visualização da palavra e na associação
com as figuras. Não se pode  relegar a segundo plano a necessidade de buscar o sentido parao que
se lê e se escreve.
REFERÊNCIAS
BAKHTIN, M. Marxismo e filosofia da linguagem. 12. ed. São Paulo: Hucitec, 2006.
______. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2011.
BRANCO, V. O desafio da construção da educação integral: formação continuada de
professores alfabetizadores o município de Porecatu – Paraná. Tese (Doutorado) – Universidade
Federal do Paraná, 2009.
BROTTO, I. J. O. Alfabetização: um tema, muitos sentidos. Tese (Doutorado) – Universidade
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