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Página 1 de 9 UNIDADE VI - DA EFICÁCIA JURÍDICA DO CASAMENTO 1. EFEITOS JURÍDICOS DO CASAMENTO Os efeitos produzidos pelo casamento são numerosos e complexos. A união conjugal não é só relação jurídica, mas — e antes de tudo — relação moral. As relações que formam a teia da vida íntima pertencem ao domínio da moral. São consequências imediatas da afeição recíproca e o seu estudo não compete à técnica do direito. O Direito apenas intervém para normatizar os efeitos mais importantes do casamento, uns efeitos regulados como direitos e deveres decorrentes da convivência entre os cônjuges, cuja inobservância, contrariando o fim do casamento, pode ocasionar graves perturbações; outros efeitos resultantes das ligações entre os diversos integrantes da família; outros, ainda, decorrentes das relações destes com terceiros. O casamento irradia os seus múltiplos efeitos e consequências no ambiente social e especialmente nas relações pessoais e econômicas dos cônjuges, e entre estes e seus filhos, como atos de direito de família puros, gerando direitos e deveres que são disciplinados por normas jurídicas. Pode-se, em consequência, afirmar que as relações que se desenvolvem como corolário da constituição da família pertencem a três categorias: � as da primeira têm cunho social; � as da segunda têm caráter puramente pessoal; � e as da terceira são fundamentalmente patrimoniais. AS RELAÇÕES DE CARÁTER PESSOAL limitam-se, em regra, aos cônjuges e aos filhos e são essencialmente de natureza ética e social. Assumem, no entanto, caráter propriamente jurídico pela consideração especial que lhes dá a ordem legal. Referem-se aos direitos e deveres dos cônjuges e dos pais em face dos filhos. AS DE CUNHO PATRIMONIAL, que abrangem o regime de bens, a obrigação alimentar e os direitos sucessórios, podem eventualmente estender-se aos ascendentes e aos colaterais até o segundo grau (CC, art. 1.697), ou ainda até o quarto grau (art. 1.839). 1.1. EFEITOS SOCIAIS DO CASAMENTO Os efeitos do casamento projetam-se no ambiente social e irradiam as suas consequências por toda a sociedade. O matrimônio legaliza as relações sexuais do casal, proibindo a sua prática com outrem e estabelecendo o “debitum conjugale”. O SEU PRINCIPAL EFEITO, no entanto, é a constituição da família legítima ou matrimonial. Ela é a base da sociedade e tem especial proteção do Estado, conforme estatui o art. 226 da Constituição Federal, que reconhece também a união estável e a família monoparental como entidades familiares (§§ 3º e 4º). OBSERVAÇÃO: A família constituída pelo casamento, e só por isto, pode continuar sendo chamada de legítima, para se distinguir das outras duas, não se confundindo com as expressões “filiação legítima” ou “ilegítima”, não mais permitidas pelo art. 227, § 6º, do diploma constitucional. Pode também ser denominada matrimonial. Página 2 de 9 Por sua significação social, o Estado não se limita a chancelar o casamento e atribuir responsabilidades aos cônjuges, mas disciplina a relação conjugal, impondo-lhe deveres e assegurando-lhe direitos e, muitas vezes, interferindo na vida íntima do casal. O Código Civil de 2002 procurou, todavia, estabelecer uma espécie de reserva familiar, ao proibir “a qualquer pessoa, de direito público ou privado, interferir na comunhão de vida instituída pela família” (art. 1.513), sem com isso afastar o Estado, em várias hipóteses, de sua função promocional e protetiva. A presunção de concepção dos filhos na constância do casamento tem como marco inicial o estabelecimento da convivência conjugal (CC, art. 1.597), e como termo final a dissolução da sociedade conjugal (art. 1.598). A sua realização antecipa a maioridade, emancipando o cônjuge menor (CC, art. 5º, parágrafo único, II), bem como estabelece vínculo de afinidade entre cada cônjuge e os parentes do outro (CC, art. 1.595, §§ 1º e 2º). Com relação à atuação do Estado para com o casamento, proclama o § 2º do art. 1.565 do Código Civil de 2002: “O planejamento familiar é de livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e financeiros para o exercício desse direito, vedado qualquer tipo de coerção por parte de instituições privadas ou públicas”. O planejamento familiar envolve aspectos éticos e morais. Assunto de tal magnitude para qualquer casal não pode prescindir da ética, da religião e de certa dose de maturidade. Por essa razão, a lei submete-o à livre decisão do casal, devendo, no entanto, ser orientado pelo princípio da paternidade responsável, que impõe ainda ao Estado o ônus de estabelecer programas educacionais e assistenciais nesse campo, propiciando os recursos financeiros necessários. A Lei n. 9.263, de 12 de janeiro de 1996, visando regulamentar o planejamento familiar prevê no art. 10, as situações em que é permitida a esterilização voluntária e pune com reclusão de dois a oito anos quem realizar esterilização cirúrgica em desacordo com o estabelecido no mencionado art. 106 da referida lei. 1.2. EFEITOS PESSOAIS O principal efeito pessoal do casamento consiste no estabelecimento de uma “comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges” (CC, art. 1.511). O casamento, ao estabelecer “comunhão plena de vida”, como proclama o art. 1.511 do CC, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges, IMPLICA NECESSARIAMENTE UNIÃO EXCLUSIVA, uma vez que o primeiro dever imposto a ambos os cônjuges no art. 1.566 do Código Civil é o de fidelidade recíproca. Com efeito, dispõe o art. 1.565 CC, que, por meio do casamento, “homem e mulher assumem mutuamente a condição de consortes, companheiros e responsáveis pelos encargos da família”. O legislador de 2002, ao destacar o estabelecimento da comunhão plena de vida priorizou as relações pessoais no casamento, considerando tal comunhão como o seu efeito por excelência. Salienta-se que do casamento advém uma situação jurídica relevante para os cônjuges, que adquirem um status especial, O ESTADO DE CASADOS, que se vem somar às qualificações pelas quais se identificam no seio da sociedade e do qual decorrem inúmeras consequências, que não se aferem em valores pecuniários, mas têm expressiva significação, especialmente no tocante às relações jurídicas com a prole e com terceiros. Página 3 de 9 Prevê o § 1º do art. 1.565 do CC que “qualquer dos nubentes, querendo, poderá acrescer ao seu o sobrenome do outro”. O cônjuge, ao se casar, pode permanecer com o seu nome de solteiro; mas, se quiser adotar os apelidos do consorte, não poderá suprimir o seu próprio sobrenome. Essa interpretação se mostra a mais apropriada em face do princípio da estabilidade do nome, que só deve ser alterado em casos excepcionais, princípio esse que é de ordem pública. Ao contrário do cód. 1916 que estabelecia deveres próprios do marido e da mulher, o Cód. de 2002, princípio da plena igualdade de direitos e deveres entre os cônjuges, de sorte que não há mais deveres próprios do marido e da mulher. Ambos assumem a condição de “consortes, companheiros e responsáveis pelos encargos da família” (art. 1.565). Aos deveres de ambos os cônjuges acrescentou-se o de “respeito e consideração mútuos”. “A direção da sociedade conjugal será exercida, em colaboração, pelo marido e pela mulher, sempre no interesse do casal e dos filhos” (art. 1.567). “Havendo divergência”, aduz o parágrafo único, “qualquer dos cônjuges poderá recorrer ao juiz, que decidirá tendo em consideração aqueles interesses”. A direção da família caberá exclusivamente a um dos cônjuges, caso o outro esteja “em lugar remoto ou não sabido, encarcerado por mais de cento e oitenta dias, interditado judicialmente ou privado, episodicamente, de consciência, em virtude de enfermidade ou de acidente”(CC, art. 1.570). 1.3. EFEITOS PATRIMONIAIS O casamento gera, para os consortes, consequências e vínculos econômicos, consubstanciados no regime de bens, nas doações recíprocas, na obrigação de sustento de um ao outro e da prole, no usufruto dos bens dos filhos durante o poder familiar, no direito sucessório etc. O regime de bens tem por termo inicial a data da realização do casamento e pode ser alterado “mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros”. O regime de bens é, EM PRINCÍPIO, irrevogável, só podendo ser alterado nas condições mencionadas. Antes da celebração, podem os nubentes modificar o pacto antenupcial, para alterar o regime de bens. Celebrado, porém, o casamento, ele torna-se imutável. Mesmo nos casos de reconciliação de casais separados judicialmente, o restabelecimento da sociedade conjugal dá-se no mesmo regime de bens em que havia sido estabelecida. No sistema do código de 1016, a imutabilidade do regime de bens era absoluta. A única exceção constava da Lei de Introdução ao Código Civil, que a instituiu em favor do estrangeiro casado, a quem ficou facultado, com a anuência do outro cônjuge, no ato de se naturalizar brasileiro, optar pelo regime da comunhão parcial, que é o regime legal entre nós, respeitados os direitos de terceiros. A jurisprudência tem admitido, também, tanto no regime da separação legal como no da separação convencional, a comunicação dos bens adquiridos na constância do casamento pelo esforço comum dos cônjuges, atuando como verdadeiros integrantes de uma sociedade de fato. Página 4 de 9 No Código Civil de 2002 foi afastada a imutabilidade absoluta do regime de bens, permitindo-se a sua alteração “mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges” (art. 1.639, § 2º). A alteração não pode ser obtida unilateralmente, ou por iniciativa de um dos cônjuges em processo litigioso, pois o novel dispositivo citado exige pedido motivado de “ambos”. Visando ainda proteger o patrimônio comum e de cada cônjuge, especifica os atos que não podem ser praticados por um dos cônjuges sem a anuência do outro (art. 1.647). Com o intuito de aprimorar a redação do aludido art. 1.831 do Código Civil, o Projeto de Lei n. 6.960/2002, apresentado ao Congresso Nacional, propõe a inclusão da expressão “enquanto permanecer viúvo ou não constituir união estável”. 2. DEVERES RECÍPROCOS DOS CÔNJUGES São deveres recíprocos do cônjuge (art. 1.566 CC): � “I - fidelidade recíproca; � II - vida em comum, no domicílio conjugal; � III mútua assistência; � IV - sustento, guarda e educação dos filhos; � V - respeito e consideração mútuos”. Embora o casamento estabeleça vários deveres recíprocos aos cônjuges, a lei ateve-se aos principais, considerados necessários para a estabilidade conjugal. A infração a cada um desses deveres constituía causa para a separação judicial, como o adultério, o abandono do lar conjugal, a injúria grave etc. (CC, art. 1.573). Com o advento da Emenda Constitucional n. 66/2010, ficam eles contidos em sua matriz ética, desprovidos de sanção jurídica, EXCETO no caso dos deveres de “sustento, guarda e educação dos filhos” e de “mútua assistência”, cuja VIOLAÇÃO PODE ACARRETAR, conforme a hipótese, a perda da guarda dos filhos ou ainda a suspensão ou destituição do poder familiar, e a condenação ao pagamento de pensão alimentícia. 2.1. FIDELIDADE RECÍPROCA O dever de fidelidade recíproca é uma decorrência do caráter monogâmico do casamento. É dever de conteúdo negativo, pois exige uma abstenção de conduta, enquanto os demais deveres reclamam comportamentos positivos. A infração a esse dever, imposto a ambos os cônjuges, configura o adultério, indicando a falência da moral familiar, além de agravar a honra do outro cônjuge. Se extrapolar a normalidade genérica, pode ensejar indenização por dano moral. O dever em apreço inspira-se na ideia da comunhão plena de vida entre os cônjuges, que resume todo o conteúdo da relação patrimonial. Impõe a exclusividade das prestações sexuais, devendo cada consorte abster-se de praticá- las com terceiro. Quando a conduta pessoal reflete uma variedade de situações desrespeitosas e ofensivas à honra do consorte, uma forma de agir inconveniente para pessoas casadas, inclusive a denominada “INFIDELIDADE VIRTUAL” cometida via Internet, pode também caracterizar-se a ofensa ao inciso V do aludido art. 1.566, que exige “respeito e consideração mútuos”. Página 5 de 9 Todavia, o diploma de 2002 admite, no art. 1.723, § 1º, a união estável entre pessoas que mantiveram seu estado civil de casadas, estando, porém, separadas de fato, como já vinham proclamando alguns julgados, que entendiam não haver mais o dever de fidelidade em caso de separação de fato e que o animus de pôr um fim na relação conjugal bastaria para fazer cessar a adulterinidade. Embora sob o prisma psicológico e social o adultério da mulher seja mais grave que o do marido, uma vez que ela pode engravidar de suas relações sexuais extramatrimoniais e, com isso, introduzir prole alheia dentro da vida familiar, a ser sustentada pelo marido enganado, não se justifica, DO PONTO DE VISTA JURÍDICO, qualquer distinção entre a infidelidade masculina e a feminina, por constituir fator de perturbação da estabilidade do lar e da família, além de séria injúria ao consorte. 2.2. VIDA EM COMUM, NO DOMICÍLIO CONJUGAL A vida em comum, no domicílio conjugal, ou dever de coabitação, obriga os cônjuges a viver sob o mesmo teto e a ter uma comunhão de vidas. Essa obrigação não deve ser encarada como absoluta, pois uma impossibilidade física ou mesmo moral pode justificar o seu não cumprimento. Assim, um dos cônjuges pode ter necessidade de se ausentar do lar por longos períodos em razão de sua profissão, ou mesmo de doença, sem que isso signifique quebra do dever de vida em comum. O que caracteriza o abandono do lar é o animus, a intenção de não mais regressar à residência comum. Por essa razão, proclama o art. 1.569 do Código Civil que “o domicílio do casal será escolhido por ambos os cônjuges, mas um e outro podem ausentar-se do domicílio conjugal para atender a encargos públicos, ao exercício de sua profissão, ou a interesses particulares relevantes”. Só a ausência do lar conjugal durante um ano contínuo, sem essas finalidades, caracteriza o abandono voluntário, como dispõe o art. 1.573, IV, do Código Civil. Cessa, todavia, o dever de vida em comum, havendo justa causa para o afastamento do lar: O cumprimento do dever de coabitação pode variar, conforme as circunstâncias. Assim, admite-se até a residência em locais separados, como é comum modernamente. Porém, nele se inclui a obrigação de manter relações sexuais, sendo exigível o pagamento do “debitum conjugale”. Já se reconheceu que a recusa reiterada da mulher em manter relações sexuais com o marido caracteriza injúria grave, salvo se ela assim procedeu com justa causa. No entanto, a obrigação não envolve o atendimento a taras ou abusos sexuais. A “traditio corporum e o jus in corpus” não devem ser confundidos com a sujeição às aberrações sexuais, mas devem ser entendidas no interesse pessoal de cada um dos cônjuges, com o respeito à sua liberdade sexual, de forma que esse bem da personalidade deve ser respeitado pelo cônjuge no que se refere à escolha e prática de atividades sexuais normais”. A comunhão de vida sexual é, contudo, apenas um dos aspectos da comunhão de vida, sendo dominada pela ideia diretriz de dedicação exclusiva, mostrando íntima conexão com o dever de fidelidade recíproca. Página 6 de 9 A união de vida abrange, além dos aspectos materiais da comunidadede vida sexual e coabitação (comunhão de cama, mesa e casa), o aspecto espiritual. Com o casamento “não desaparece o comportamento social dos cônjuges, sendo cada um deles livre para empregar seu tempo como desejar e escolher suas atividades dentre as que lhes agradam... Assim, a liberdade de lazer deve ser respeitada pelos cônjuges, não podendo o esposo ou a esposa impedir que o seu consorte pratique o esporte favorito, ou leia o livro de sua predileção, ou seja, que tenha suas distrações favoritas, como, também, deve ser respeitada a liberdade de relacionamento de cada um dos cônjuges, que não pode ser impedido de manter amizade e certo convívio com seus familiares e amigos”. A vida em comum desenvolve-se no local do domicílio conjugal. A fixação do domicílio competia ao marido. Hoje diante da isonomia de direitos estabelecida na Constituição Federal e do mencionado art. 1.569 do Código Civil, a escolha do local deve ser feita pelo casal. Caberá ao juiz solucionar eventual desacordo no tocante a essa escolha, bem como à direção da sociedade conjugal (CC, art. 1.567, parágrafo único). 2.3. MÚTUA ASSISTÊNCIA O dever de mútua assistência obriga os cônjuges a se auxiliarem reciprocamente, em todos os níveis. Assim, inclui a recíproca prestação de socorro material, como também a assistência moral e espiritual. Envolve o desvelo próprio do companheirismo e o auxílio mútuo em qualquer circunstância, especialmente nas situações adversas. Trata-se de dever que se cumpre, na maior parte das vezes, de modo imperceptível, uma vez que se trata de um conjunto de gestos, atenções, cuidados na saúde e na doença, serviços, suscitados pelos acontecimentos cotidianos. Não só o abandono material como também a falta de apoio moral configuram infração ao dever de mútua assistência. No primeiro caso, constitui fundamento legal para a ação de alimentos. Se qualquer dos cônjuges faltar ao dever de assistência, pode ser compelido compulsoriamente à prestação alimentar. A igualdade dos cônjuges no casamento, assegurada em nível constitucional, não mais permite qualquer distinção baseada na diversidade de sexos ou em concepção hierarquizada que impute à mulher dever de obediência e ao marido dever de proteção da mulher, como ocorria outrora. O modelo do marido-provedor e da mulher dona de casa, que correspondia ao quadro consagrado pela legislação das nações do Ocidente, não se coaduna com o estágio atual de nossa legislação. 2.4. SUSTENTO, GUARDA E EDUCAÇÃO DOS FILHOS O sustento e a educação dos filhos constituem deveres de ambos os cônjuges. A guarda é, ao mesmo tempo, dever e direito dos pais. A infração ao dever em epígrafe sujeita o infrator à perda do poder familiar e constitui fundamento para ação de alimentos. Página 7 de 9 Subsiste a obrigação de sustentar os filhos menores e dar-lhes orientação moral e educacional mesmo após a dissolução da sociedade conjugal, até eles atingirem a maioridade. A jurisprudência, no entanto, tem estendido essa obrigação até a obtenção do diploma universitário, no caso de filhos estudantes que não dispõem de meios para pagar as mensalidades. O dever de sustento ou de prover à subsistência material dos filhos compreende o fornecimento de alimentação, vestuário, habitação, medicamentos e tudo mais que seja necessário à sua sobrevivência. O de fornecer educação abrange a instrução básica e complementar, na conformidade das condições sociais e econômicas dos pais. O de guarda obriga à assistência material, moral e espiritual, conferindo ao detentor o direito de opor-se a terceiros, inclusive pais. A cada um dos pais e a ambos simultaneamente incumbe zelar pelos filhos, provendo à sua subsistência material, guardando-os ao tê-los em sua companhia e educando-os moral, intelectual e fisicamente, de acordo com suas condições sociais e econômicas. Preceitua o art. 1.634, I a VII, do CC, que dispõe sobre o exercício do poder familiar, ao estatuir que compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores, “dirigir--lhes a criação e educação” e “tê-los em sua companhia e guarda”, bem como praticar outros atos que decorrem dos aludidos deveres. 2.5. Respeito e consideração mútuos O respeito e a consideração mútuos constituem corolário do princípio esculpido no art. 1.511 do Código Civil, segundo o qual o casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges. Tem relação com o aspecto espiritual do casamento e com o companheirismo que nele deve existir. Demonstra a intenção do legislador de torná-lo mais humano. Incluem-se no dever de respeito e consideração mútuos, “além da consideração social compatível com o ambiente e com a educação dos cônjuges, o dever, negativo, de não expor um ao outro a vexames e descrédito. É nesta alínea que se pode inscrever a ‘infidelidade moral’, que não chega ao adultério por falta da concretização das relações sexuais, mas que não deixa de ser injuriosa. O dever ora em estudo inspira-se na dignidade da pessoa humana, que não é um simples valor moral, mas um valor jurídico, tutelado no art. 1º, III, da Constituição Federal. O respeito à honra e à dignidade da pessoa impede que se atribuam fatos e qualificações ofensivas e humilhantes aos cônjuges, um ao outro, tendo em vista a condição de consortes e companheiros de uma comunhão plena de vida. A vida conjugal muitas vezes se torna desajustada, sem violação, todavia, dos deveres recíprocos mencionados. Em geral o fato decorre de intolerância de pensamentos e ideias, do fracasso no diálogo e da total ausência de “affectio maritalis”, que tornam inviável a relação conjugal e a convivência, acarretando a falência do casamento. Página 8 de 9 A jurisprudência criou ao lado dos deveres legais ou explícitos, outros tantos deveres conjugais, dentre os quais destacam-se: � o dever de sinceridade, � o de respeito pela honra e dignidade própria e da família, � o dever de não expor o outro cônjuge a companhias degradantes, � o de não conduzir a esposa a ambientes de baixa moral. O grau de educação, a sensibilidade dos cônjuges, a religiosidade de um ou de outro, são alguns dos aspectos a considerar, diante das circunstâncias objetivadas nos procedimentos judiciais em que se cogite de sopesar o relacionamento conjugal. Com o advento da Emenda Constitucional n. 66/2010 a infração ao dever de respeito e consideração mútuos só será considerada para fins de indenização se configurar dano moral ao outro cônjuge. 3. DIREITOS E DEVERES DE CADA CÔNJUGE O Código Civil de 1916 regulava os direitos e deveres do marido e da mulher em capítulos distintos, porque havia algumas diferenças. Em virtude, porém, da isonomia estabelecida pelo art. 226, § 5º, da Constituição, o novo Código Civil disciplinou somente os direitos de ambos os cônjuges, afastando as referidas diferenças. O art. 233 do Código anterior estabelecia que o marido era o chefe da sociedade conjugal, competindo-lhe a administração dos bens comuns e particulares da mulher, o direito de fixar o domicílio da família e o dever de prover à manutenção da família. Todos esses direitos agora são exercidos pelo casal, em sistema de cogestão, devendo as divergências ser solucionadas pelo juiz. Não há mais que falar em poder marital. Não cabe ao marido interferir nos assuntos particulares da mulher, impor-lhe ou proibir-lhe leituras e estudos, nem abrir-lhe a correspondência. O mesmo se diga da mulher em relação ao marido. O dever de prover à manutenção da família deixou de ser apenas um encargo do marido, incumbindo também à mulher, de acordo com as possibilidades de cada qual. Preceitua, com efeito, o art. 1.568 do Código Civil: “Os cônjuges são obrigados a concorrer, na proporção de seus bense dos rendimentos do trabalho, para o sustento da família e a educação dos filhos, qualquer que seja o regime patrimonial”. No regime do Código Civil de 1916, como consequência do poder marital, cumpria ao marido prover à mantença da família, ressalvada a obrigação de a mulher contribuir para as despesas do casal, com os rendimentos de seus bens, salvo estipulação em contrário no contrato antenupcial (arts. 233, V, e 277). O Código de 2002, contudo, reafirmando o princípio constitucional da igualdade de direitos e deveres entre os cônjuges, seguindo a trilha das modernas tendências do direito de família, estabeleceu que marido e mulher são obrigados a contribuir para a manutenção da família e educação dos filhos, não apenas com os rendimentos de seus bens, como ainda com o produto de seu trabalho. 4. O EXERCÍCIO DE ATIVIDADE EMPRESÁRIA PELOS CÔNJUGES A abertura do livro do “Direito da Empresa” no Código Civil de 2002 cria uma série de direitos e deveres que interessam diretamente às relações entre os cônjuges, sem correspondência no diploma de 1916. Página 9 de 9 O art. 977 do novo Código faculta aos cônjuges “contratar sociedade, entre si ou com terceiros, desde que não tenham casado no regime da comunhão universal de bens, ou no da separação obrigatória”. O dispositivo aplica-se, por analogia, à união estável, autorizando os companheiros a constituírem sociedade entre si, tendo em vista que o art. 1.725 do aludido diploma estabeleceu, quanto às relações patrimoniais, o regime da comunhão parcial, salvo contrato escrito. A proibição da contratação de sociedade no regime da comunhão universal é compreensível, uma vez que os bens de ambos os consortes já lhes pertencem em comum e, por tal razão, “a sociedade seria uma espécie de ficção, JÁ QUE A TITULARIDADE DAS QUOTAS DO CAPITAL DE CADA CÔNJUGE NA SOCIEDADE NÃO ESTARIA PATRIMONIALMENTE SEPARADA NO ÂMBITO DA SOCIEDADE CONJUGAL. No que tange ao regime da separação obrigatória, a vedação ocorre por disposição legal, nos casos em que sobre o casamento possam ser levantadas dúvidas ou questionamentos acerca do cumprimento das formalidades ou pela avançada idade de qualquer dos cônjuges”. Permite-se, desse modo, a sociedade empresária ou simples entre marido e mulher nos regimes de comunhão parcial e da separação total, pois em ambos os cônjuges podem fazer suas contribuições individuais para a formação do patrimônio social. O art. 978 do Código Civil autoriza o empresário casado a, “sem necessidade de outorga conjugal, qualquer que seja o regime de bens, alienar os imóveis que integrem o patrimônio da empresa ou gravá-los de ônus real”. No caso das sociedades comerciais, a aplicação desse princípio decorre, diretamente, da separação patrimonial objetiva entre os bens da sociedade e os bens particulares dos sócios”. Anotem-se, ainda, as inovações introduzidas nos arts. 979 e 980 do Código Civil de 2002, concernentes, respectivamente, à obrigatoriedade da inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis dos “pactos e declarações antenupciais do empresário, o título de doação, herança ou legado, os bens clausulados de incomunicabilidade ou inalienabilidade”, e do arquivamento e averbação no Registro Público de Empresas Mercantis, para validade perante terceiros, da sentença que “decretar ou homologar a separação judicial do empresário e o ato de reconciliação”. É que a partilha, no regime da comunhão parcial, sempre acarreta redução do patrimônio do cônjuge que exerce atividade empresarial. O registro visa dar publicidade à disponibilidade dos bens do empresário, após a modificação de seu estado civil e da consequente partilha do patrimônio anteriormente pertencente ao casal.
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