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29/09/13 Clonagem II: construção de bibliotecas de cDNA www.ufpe.br/biolmol/aula6_clonagem2.htm 1/14 5. Clonagem de DNA - continuação (sexta e sétima aulas) 5.6. Clonagem e expressão: o problema dos introns Um dos principais objetivos da clonagem é a expressão do segmento clonado. Em geral entendemos por expressão do gene a proteína que ele codifica. Assim, se clonarmos um gene qualquer de um mamífero, desejamos em geral que ele possa ser expresso num outro organismo, digamos, uma bactéria, de forma que possamos obter grandes quantidades da proteína do mamífero a partir de uma cultura bacteriana. É o que imaginamos quando ouvimos falar na produção de insulina humana por bactérias. Entretanto, expressar genes eucariotos em bactérias não é uma tarefa tão fácil quanto a princípio possa parecer. Neste e nos próximos sub-itens vamos discutir as razões pelas quais um gene eucarioto em geral não pode ser expresso num procarioto se clonado diretamente num plasmídeo ou fago. Vamos discutir que estratégia pode ser adotada para contornar esta limitação. Vamos também discutir como deve ser o desenho de um plasmídeo (ou outro vetor) de expressão para permitir a produção de proteína a partir do gene clonado. E veremos como deve ser a hospedeira para que o produto final seja de interesse para o pesquisador. Por fim, vamos discutir como são as proteínas recombinantes, ou quimeras, e como podemos nos beneficiar destas construções protéicas artificiais. Como mostrado na aula 3 (transcrição), é comum nos eucariotos que o quadro aberto de leitura ou ORF (a região do gene que vai deste o primeiro ATG a ser traduzido até o códon de terminação) seja interrompido por um ou mais trechos de DNA que não serão posteriormente traduzidos, pois serão retirados do conjunto, no nível do RNA, no processo de maturação do RNA mensageiro. Este mecanismo de retirada de segmentos de DNA não codificantes, chamados íntrons, é conhecido como splicing. A figura abaixo mostra uma estrutura hipotética, genérica, de um gene eucarioto, e a geração de um mRNA eucarioto por splicing e adição de cauda poli-A, acompanhadas de modificação da extremidade 5 (´capping). Adicionalmente, mostramos como seria a organização de um mRNA com introns, produzido a partir do mesmo segmento gênico, por um procarioto (por exemplo, a bactéria hospedeira de um plasmídeo recombinante). 29/09/13 Clonagem II: construção de bibliotecas de cDNA www.ufpe.br/biolmol/aula6_clonagem2.htm 2/14 Figura 5.7: Após a produção do transcrito primário, os spliceossomos aproximam o fim e o início de exons adjacentes e formal um laço com o intron, preparando o conjunto para a retirada da região intrônica (1). O RNA gerado após o splicing dos introns (2) ainda não é um mRNA maduro, pois terá ainda retirada uma porção 3 ´após o sinal de poliadenilação, deverá receber uma cauda poli-A e a modificação da extremidade 5 (´cap 7-metil-guanosina) (3). Um procarioto não é capaz de realizar o splicing e o sistema de tradução considerará como mRNA válido o RNA transcrito primário (4), desde que os ribossomos possam se ligar ao RBS da sequência (nos sistemas de clonagem com expressão veremos que o RBS faz parte do vetor). É fácil, após a análise da figura acima, entender que um procarioto não será capaz de produzir uma proteína igual àquela produzida pelo eucarioto, se iniciar o processo com genes contendo introns. Na verdade, mesmo um outro eucarioto poderá não fazê-lo se o sistema de splicing não compreender os sinais de splicing (sequências de bases) contidos no início e no fim dos introns. Por isso, a estratégia para se clonar e expressar genes eucariotos tem que ser distinta da apresentada na aula 5. 5.7 Como fazer um DNA eucarioto sem introns? Precisamos necessariamente partir de genes cujos introns já foram retirados (salvo algumas exceções, quando os genes não contiverem introns, como é o caso de muitos protozoários, por exemplo). Portanto, precisamos partir de RNAs mensageiros (que não contêm introns) e seguir um caminho inverso, inicialmente, produzindo DNA, para depois, então, clonar este DNA no vetor e permitir que seja traduzido de volta num mRNA sem introns. Há vários procedimentos para se produzir um DNA fita dupla a partir de um mRNA. Este DNA é chamado cDNA, pois a primeira etapa de sua construção envolve a produção de um DNA complementar (daí o C...), como será visto na próxima figura. Neste capítulo vamos discutir um método que permite criar um DNA fita dupla com extremidades 29/09/13 Clonagem II: construção de bibliotecas de cDNA www.ufpe.br/biolmol/aula6_clonagem2.htm 3/14 coesivas diferentes nas pontas 5´e 3 ,´ de tal forma que, na hora de se clonar o segmento no vetor, a clonagem será uni-direcional, isto é, o inserto entrará apenas num sentido. O processo se inicia pela extração do mRNA. Este processo é, do ponto de vista bioquímico, semelhante ao processo de extração de DNA, porém o RNA é muito lábil, sujeito à ação das RNAses do próprio organismo e de praticamente qualquer fluido biológico, inclusive a água não autoclavada. Tomadas as devidas precauções (e empregando kits comerciais, de preferência) pode-se obter uma boa quantidade de RNA praticamente a partir de qualquer célula eucariota. Mas o que queremos é mRNA, e não RNA total (uma mistura de RNA heterogêneo nucelar, RNA transportador, RNA ribossomal e pequenos RNAs do núcleo, além de mRNA). Por isso, empregamos uma segunda etapa de purificação, onde o mRNA é separado por cromatografia de afinidade dos demais RNAs. Geralmente se usa um kit, no qual uma pequena seringa cheia de gel de sepharose ligada a oligonucleotídeos poli-T serve de sistema de captura dos mRNAs (pela extremidade poli- A, que vai parear com os poli-T do gel). Após lavar com tampão tudo o que não ficou aderido, desloca-se o mRNA da coluna com uma solução de alta força iônica e, pronto! Temos em três ou quatro gotas de tampão mRNA suficiente para obter uma biblioteca de cDNA. Em seguida vamos discutir o processo de produção do DNA fita dupla a partir de mRNA. O processo, que é todo conduzido em tubo de ensaio, se inicia pela produção de um DNA complementar fita simples, a partir do mRNA. Como a transcriptase reversa necessita de um primer para iniciar sua tarefa, empregamos oligonucleotídeo poli-T. No caso mostrado na figura, detalhe (1), o oligo dT é prolongado, no sentido 5 ,´ por um conjunto de bases que contém o sítio de restrição para uma enzima A (neste caso, a enzima XhoI, cujo sítio de restrição é 5´- CTCGAG - 3 )´. Esta é a forma de adicionarmos ao nosso futuro DNA um sítio de restrição conhecido bem na extremidade 3 .´ Uma vez pareado, o primer vai permitir a síntese da primeira fita de DNA, que será estendida com a ajuda da transcriptase reversa e com dNTPs (desoxirribonucleotídeos tri-fosfato), como na síntese de DNA normal (etapa (2)). Para proteger a fita de DNA contra a ação de enzimas de restrição (que serão empregadas mais adiante), o sistema de reação tem, no lugar de desoxicitosina-trifosfato, um precursor metilado, a 5´-metil-citosina-trifosfato, que vai impedir a ação das duas enzimas de restrição sobre o DNA recém sintetizado, numa etapa posterior que já iremos comentar. A transcriptase reversa tende a parar seu processo de síntese de DNA complementar antes de chegar ao início do mRNA (estamos produzindo o cDNA de "trás para frente"). Esta parada é ocasionada, em parte, por uma atividade RNásica residual da enzima, que pode degradar o RNA que ela mesma está prestes a copiar como DNA. Nos kits modernos a transcriptase reversa recombinante empregada tem uma atividade RNásica muito pequena, mas ainda assim se observa uma parada da produção do cDNA antes da extremidade do mRNA, por razões ainda não completamente compreendidas, e que acaba gerando um cDNA mais curto queo mRNA original. Mais adiante discutiremos a importância da perda de 29/09/13 Clonagem II: construção de bibliotecas de cDNA www.ufpe.br/biolmol/aula6_clonagem2.htm 4/14 informação genética nesta região 5 ´do cDNA. Para a síntese da segunda fita de DNA a maior parte dos kits comerciais usa um artifício, denominado nick translation (tradução por cortes), que é uma denominação muito mal encontrada pelos seus inventores para o processo de replicação de DNA descrito a seguir. Inicialmente, com o uso da atividade endonucleásica de uma enzima adequada, inserimos pequenos cortes na cadeia de fosfatos do RNA (os chamados nicks). Estes cortes criam automaticamente extremidades 3´-OH, que servirão de apoio para que a DNA polimerase (em geral o chamado fragmento Klenow da DNApol I bacteriana, que polimerisa mas não faz revisão da síntese). Estes nicks estão mostrados na etapa (3). A partir deles a DNApol I (ou o fragmento Klenow) sintetiza pequenos trechos de DNA, apoiando-se nas extremidades 3´-OH criadas pelos nicks. Ao término desta etapa a DNA pol produz uma série de fragmentos e reconstitui, em fita dupla, o sítio Xho I na extremidade 3 ´do DNA (detalhe (5)). 29/09/13 Clonagem II: construção de bibliotecas de cDNA www.ufpe.br/biolmol/aula6_clonagem2.htm 5/14 Figura 5.8 Síntese de cDNA para clonagem uni-direcional em vetor de expressão. Cada etapa está discutida no texto. Os círculos vermelhos representam as bases metiladas. A seta na etapa 4 aponta para um nick ou corte. Em seguida os fragmentos são ligados entre si pela ação da ligase (etapa (6)) e eventuais saliências (overhangs) da fita são retirados pela ação de uma exonuclease adicionada ao tubo. Esta ação é chamada de trimming (segundo detalhe (6)). A próxima etapa é a adição de adaptadores, que são pequenos fragmentos de DNA fita dupla contendo um sítio de restrição para uma segunda enzima (no exemplo, o sítio GAATTC, da 29/09/13 Clonagem II: construção de bibliotecas de cDNA www.ufpe.br/biolmol/aula6_clonagem2.htm 6/14 enzima EcoRI). Estes adaptadores são colados durante algumas horas pela incubação do DNA 'trimado" na presença de ligase. O resultado é o que está mostrado na etapa (7). A adição de vários adaptadores em cada extremidade é minimizada por um artifício bioquímico, que envolve a desfosforilação de uma das extremidades 5 ´dos adaptadores. O penúltimo passo é o corte do fragmento de DNA fita dupla com as duas enzimas de restrição para as quais adicionamos sítios (neste caso, Xho I e Eco RI), mostrado na etapa (8). As duas enzimas cortam o DNA formando extremidades coesivas, isto é, deixando bases despareadas, numa saliência (overhang) 5 .´ As duas enzimas não podem cortar o DNA recém sintetizado em algum sítio de restrição interno, pois ele está protegido pela adição das bases metiladas na primeira etapa de síntese. Os adaptadores e o sítio XhoI, contudo, não têm esta proteção e podem ser clivados. Os fragmentos de DNA gerados por estes cortes são eliminados de nosso tubo por uma reação de filtração ou de precipitação e o DNA fita dupla, pronto para ser clonado unidirecionalmente, fica disponível finalmente (etapa (9)). 5.8 Biblioteca de cDNA e características de um vetor de expressão para Escherichia coli. A clonagem dos insertos de cDNA em plasmídeo e a transformação de bactérias com estes plasmídeos gera uma biblioteca de cDNA. Assim, da mesma forma que definimos para biblioteca genômica, a biblioteca de cDNA é o conjunto de bactérias, cada qual transportando múltiplas cópias de um plasmídeo carreando um inserto representando um cDNA qualquer obtido do material biológico doador de mRNA. Se o plasmídeo tiver certas características básicas que permitam a expressão do inserto clonado, será produzida uma proteína recombinante. Como deve ser este plasmídeo? Inicialmente, devemos ter em mente que os cDNAs gerados pelo sistema descrito acima nem sempre contêm toda a ORF (o quadro aberto de leitura) do gene. O esquema abaixo mostra as várias possibilidades, fruto do fato de que a transcriptase reversa encerra aleatoriamente seu trabalho de síntese da primeira fita . 29/09/13 Clonagem II: construção de bibliotecas de cDNA www.ufpe.br/biolmol/aula6_clonagem2.htm 7/14 Figura 5.9 Vários cDNAs de tamanhos diferentes são produzidos a partir do mesmo mRNA. A razão desta variação é o abandono da síntese da primeira fita pela enzima transcriptase reversa em diferentes momentos da síntese, provavelmente devido à clivagem do RNA mensageiro adiante dela pela ação remanescente de RNAseH que existe naturalmente nesta enzima. O mRNA original (1) é em geral mais longo do que qualquer um dos cDNAs gerados pela ação da trascriptase reversa. O mais curto (4) não contém sequer um trecho da ORF. UTR = "untranslated region" ou região não traduzida. Como as ORFs costumam ser muito mais longas do que as UTRs (veja proporções no alto da figura 5.10), a maior pare dos cDNAs gerados cai no caso descrito em 3, isto é, contém uma parte da ORF e a região 3 ´não traduzida (3´- UTR). Se clonarmos unidirecionalmente o cDNA com a estrutura mostrada em (3), Figura 5.10 num vetor de expressão, teremos que disponibilizar no vetor um promotor à esquerda (5 )´ do fragmento clonado. Deveremos também adicionar um operador ao sistema para que a hospedeira não corra o risco de se intoxicar e morrer com uma quantidade grande de proteína recombinante (que, por não ser normalmente um produto da hospedeira, perturba seu metabolismo, sobretudo quando está em grandes quantidades, o que é geralmente o caso de proteínas recombinantes). Além disso, pelo fato de que a ORF clonada é em geral incompleta e não contém o ATG inicial, precisamos também acrescentar um ATG (e um RBS antes dele) para garantir a síntese de proteína a partir do mensageiro. A figura abaixo mostra esquematicamente estas propriedades do plasmídeo e a conseqüente proteína recombinante gerada pela clonagem. 29/09/13 Clonagem II: construção de bibliotecas de cDNA www.ufpe.br/biolmol/aula6_clonagem2.htm 8/14 Figura 5.10 Esquema representativo de um vetor de expressão que emprega parte do operon lac (muito modificado) para garantir a expressão controlado dos insertos clonados no sítio múltiplo de restrição (MRS). Veja o texto abaixo para detalhes. A cabeça do cavalo é a parte aminoterminal da proteína (NH2) e cauda da tartaruga a extremidade carboxi-terminal (COOH). O exemplo dado na figura é bem próximo à realidade, isto é, assemelha-se a plasmídeos comerciais que são frequentemente usados nos laboratórios de pesquisa e desenvolvimento. A seguir analisamos detalhadamente cada parte da figura. Entetanto, recomendamos fortemente a visita à página de plasmídeos. Observe que o local onde a clonagem será feita é chamado MRS ou sítio múltiplo de restrição, por conter vários sítios de restrição muito próximos e únicos em todo o plasmídeo. A vantagem deste arranjo sobre aquele que emprega uma única enzima é que o experimentador tem muito mais liberdade de escolher a enzima de restrição que irá empregar para contar o DNA doador. Além disso, ele pode cortar o vetor com duas enzimas e obter extremidades diferentes à esqueda (5 )´ e à direita (3 )´, o que permitirá a clonagem unidirecional dos fragmentos gerados com a técnica descrita na figura 5.8. A clonagem será feita, neste exemplo, dentro do gene lacZ. Consequentemente, se 29/09/13 Clonagem II: construção de bibliotecas de cDNA www.ufpe.br/biolmol/aula6_clonagem2.htm 9/14 a bactéria hospedeira for lacZ-, ela se tornará lac+ quando receber o plasmídeo vazio (sem inserto) e permanecerá lac- se receber um plasmídeo recombinante (carregando um inserto). Mediante o uso de um indutor do sistema (no caso, um análogo de latose, o IPTG ou isopropil-tio-galactosídeo) e um indicador da atividadeda b-galactosidase (a X-gal), é possível visualizar como colônias azuladas aquelas formadas por bactérias com plasmídeos vazios e como colônias transparentes aquelas formadas por bactérias com plasmídeos recombinantes. É a chamada "seleção por cor". Após o gene lacZ é indispensável um sinal de terminação da tradução, que terminará a síntese do mRNA. Ele está indicado como uma pequena caixa preta, marcada com um t. O mRNA, por sua vez, termina num grampo, seguido de um poli-U, representado por uma pequena elipse rosa cortada por 3 Us. A síntese de mRNA é iniciada no promotor e está sob controle do operador. Assim, a bactéria só irá expressar a proteína recombinante se houver indutor no meio, evitando que ela morra intoxicada com a proteína recombinante que está fazendo. Embora o promotor lac seja fraco na Natureza, o que se emprega para clonagem é um promotor mutante forte. Como não podemos ter certeza de que o primeiro ATG da ORF original do gene obtido do organismo doador está disponível (o que implicaria dizer que a transcriptase reversa teria copiado toda a região 3´não-traduzida mais toda a ORF antes de parar), convém contar com a presença de um ATG no plasmídeo, que é justamente o ATG do gene lacZ. É indispensável também ter um RBS procarioto antes deste ATG, como indicado pelas caixas azuis na figura, para fazer do RNA transcrito um verdadeiro mRNA. Na figura acima o inserto clonado contém parte da ORF do organismo doador e a extremidade 3 ´ não traduzida (3 ´ UTR). Quando se dá a clonagem, o gene lacZ fica interrompido. A primeira parte do gene servirá para codificar os primeiros aminoácidos da proteína recombinante (representados pela cabeça de cavalo ao final do esquema). A segunda metade nunca será expressa porque os ribossomos terminarão a síntese num códon de terminação muito anterior ao início do trecho restante do lacZ. No caso específico do exemplo da figura, o inserto contém parte da ORF (presumivelmente no mesmo quadro de leitura do lacZ, 1a. parte) e portanto há no fim desta ORF um códon de terminação do gene do organismo doador. Se o quadro de leitura estiver errado ou se apenas a extremidade 3´ UTR for clonada, existe uma pequena chance de que os ribossomos alcancem a 2a. parte do lacZ, mas provavelmente fora do quadro de leitura (2 chances em 3). De uma forma geral, podemos afirmar que a segunda parte do lacZ nunca é traduzida. A partir do ATG após o RBS plasmidial, forma-se então uma ORF que termina em geral no códon de terminação (stop) do gene doador. É necessariamente uma ORF recombinante, que dará consequentemente origem a uma proteína recombinante, ou 29/09/13 Clonagem II: construção de bibliotecas de cDNA www.ufpe.br/biolmol/aula6_clonagem2.htm 10/14 quimérica. A proteína é sempre muito menor do que o mRNA sintetizado a partir do promotor lac do plasmídeo. A "cabeça" beta-galactosidase da proteína recombinante (ou quimérica) não é enzimaticamente ativa. Esgotada a discussão da figura, podemos ainda discutir outras características do plasmídeo de clonagem e expressão. Como o exemplo de plasmídeo discutido na construção de bibliotecas genômicas (aula 5), este também deve conferir à bactéria uma marca seletiva. Em geral, esta marca é a resistência a um antibiótico. Os plasmídeos comerciais em geral empregam a marca de resistência à ampicilina. Por fim, o plasmídeo deve ter uma origem de replicação autônoma e relaxada, que permita a geração de um grande número de cópias por bactéria. Muitos plasmídeos apresentam outras características interessantes, mais ou menos comuns a todos. Uma delas é a existência de sequências de bases antes e depois do inserto que permitirão a hibridização de primers para o sequenciamento do inserto. No capítulo seguinte falaremos em maiores detalhes sobre esta estratégia. Como saber se a biblioteca de cDNA que construímos tem qualidade, isto é, têm a maior parte dos clones cheia com insertos? No exemplo dado na figura acima temos um poderoso recurso, a seleção por cor. De fato, basta plaquear no meio indicador (contendo IPTG e X-gal) a bactéria e poderemos em poucas horas avaliar se a porcentagem de colônias brancas é muito maior que a de colônias azuis. Uma biblioteca razoável deve ter ao menos 90% de colônias brancas. Outro aspecto importante é a representatividade de nossa biblioteca. Assim que a construímos, podemos calcular quantos clones (uma bactéria carregando um grande número de cópias do mesmo plasmídeo recombinante) independentes geramos no volume total de nosso ensaio. Se a maior parte dos clones estiver com inserto, podemos assumir que a biblioteca será representativa se tiver ao menos 500.000 clones. Mas porque um número tão grande, se não há nenhum organismo que expresse um número tão grande de genes? De fato, 100.000 genes é quase o limite para o número de genes de um organismo complexo como o homem. Entretanto, devemos nos lembrar que os genes muito expressos gerarão muitos cDNAs e, conseqüentemente, muitos clones, enquanto que os genes pouco expressos poderão gerar apenas um clone na mistura total. Por isso, é necessário sempre um número de clones independentes muito maior do que o total esperado de genes expressos no material empregado para a construção da biblioteca de cDNA. 5.9 Seleção (triagem ou screening) de clones pela expressão da proteína recombinante. Se desejarmos encontrar em nossa biblioteca de cDNA um clone qualquer, 29/09/13 Clonagem II: construção de bibliotecas de cDNA www.ufpe.br/biolmol/aula6_clonagem2.htm 11/14 geralmente o que fazemos é procurar pelo clone que está expressando a proteína que queremos. Mesmo considerando que a proteína é quimérica, ela terá ao menos uma porção (final) da proteína de interesse. Para uma triagem voltada à proteína, geralmente empregamos como sondas anticorpos, obtidos pela imunização de camundongos ou coelhos com uma proteína de mesma função, purificada de outro organismo, ou mesmo recombinante, mas de outra origem. Como os anticorpos produzidos são policlonais e dirigidos contra múltiplos epitopos ao longo da proteína, é muito provável que reconheçam a parte da proteína recombinante que teve origem no inserto (o corpo de tartaruga da figura acima), mesmo que os anticorpos tenham sido feitos contra uma proteína semelhante de outro organismo. Todos os passos principais da triagem com anticorpos estão representados na figura abaixo. Para que os anticorpos possam encontrar as proteínas recombinantes, é essencial que as bactérias sejam rompidas e o conteúdo protéico fixado num substrato adequado. De forma semelhante ao que fazemos na triagem de bibliotecas genômicas, uma membrana circular (desta vez de nitrocelulose, que adere proteínas; no caso das bibliotecas genômicas a membrana é de nylon, que adere o DNA) é colocada sobre uma placa de Petri quando as colônia de uma pequena alíquota da biblioteca ainda estão pequenas. Deixa-se que as colônias cresçam algumas horas em contato com a membrana, que é então retirada. A placa (master) deve ser mantida na geladeira. As bactérias são lisadas, o conteúdo bacteriano é sondado pelos anticorpos, que se ligarão às manchas protéicas onde há a proteína recombinante que eles reconhecem. O excesso de anticorpos é lavado com tampão e os anticorpos fixados são revelados pelo uso de um conjugado adequado (anticorpo anti-anticorpo, ligado à enzima peroxidase, por exemplo) e de um substrato que possa ser visualizado facilmente (no caso da peroxidase, pode ser empregada a tetrametilbenzidina como substrato cromogênico e o peróxido de hidrogênio como doador de oxigênio reativo). As manchas reativas indicarão na placa de Petri master a posição das colônias de interesse. É evidente que também podemos empregar, como fizemos para a triagem de bibliotecasgenômicas, sondas marcadas, mas os clones encontrados não necessariamente estarão expressando os insertos na forma de proteínas recombinantes, porque os insertos podem estar fora do quadro de leitura inicial do lacZ. Há muitos detalhes técnicos na triagem que não discutimos, porém a base do processo está adequadamente esclarecida. 29/09/13 Clonagem II: construção de bibliotecas de cDNA www.ufpe.br/biolmol/aula6_clonagem2.htm 12/14 Figura 5.11 - Esquema representativo da triagem de uma biblioteca de cDNA em plasmídeo de expressão empregando anticorpos. O princípio da triagem é a descoberta da proteína recombinante pelo anticorpo, presente no soro de animais imunizados ou de animais ou serem humanos infectados com um patógeno. 5.10 Que genes estão representados numa biblioteca de cDNA? Ao contrário de uma biblioteca genômica, que contém em princípio qualquer fragmento de DNA do organismo doador, a biblioteca de cDNA contém apenas os genes expressos pelas células empregadas na extração de mRNA, e ainda assim apenas aqueles expressos imediatamente antes do processamento das células no laboratório. Isto implica dizer que uma biblioteca feita com células do meristema apical de uma planta terá muitos genes diferentes de uma outra biblioteca feita a partir de estame. Mas também terá muitos outros iguais, pois há genes que são expressos em diferentes tecidos e mesmo outros expressos em qualquer tecido. 5.11 Proteínas recombinantes: as quimeras são desejáveis? Ao examinarmos a proteína recombinante esquematicamente representada na 29/09/13 Clonagem II: construção de bibliotecas de cDNA www.ufpe.br/biolmol/aula6_clonagem2.htm 13/14 figura 5.10 poderíamos nos perguntar: para que serve uma proteína híbrida, parte beta- galactosidase bacteriana e parte proteína de meu organismo de estudo? Não seria mais sensato ter apenas a parte não bacteriana para ensaiar? Mesmo uma proteína quimérica pode ter aplicação imediata. Apenas como exemplo discutimos duas aplicações rotineiras: como antígeno diagnóstico e como vacina. Se desejamos empregar uma proteína recombinante para diagnóstico (suponhamos, uma proteína que se inicia com a beta-gal e termina com uma fração carboxi-terminal da tubulina de Leishmania), podemos fixá-la aos micropoços de uma placa de ELISA. Em seguida, o soro dos pacientes pode ser previamente misturado com uma solução contendo extrato de Escherichia coli, de forma a imunoadsorver na fase líquida todos os eventuais anticorpos do paciente contra proteína bacteriana, em geral, e contra a beta- galactosidase em particular. Por fim, basta pipetar o soro imunoadsorvido sobre os micropoços. Os anticorpos livres contra atubulina de Leishmania (presentes no soro dos pacientes com leishmaniose) vão aderir à à parte recombinante da tubulina e ficarão presos ao plástico. O excesso de anticorpos é lavado e a presença dos anticorpos fixados à tubulina detectada como descrito acima para a triagem de colônias. Poder-se-ía argumentar que os anticorpos humanos são produzidos contra a tubulina completa, e não reconheceriam apenas parte dela. Entretanto, com dito acima, a produção de anticorpos numa imunização e numa infecção é, em geral, policlonal, e dirigida contra muitos epitopos, que podem estar na parte amino (não presente na nossa proteína recombinante) ou na parte carboxi-terminal (representada pelo corpo de tartaruga da figura 5.10). Esta abordagem é especialmente interessante quando o antígeno (uma proteína ou uma mistura de componentes do organismo infectante) é difícil de conseguir. É o caso da filariose bancroftiana, pois o único hospedeiro do parasita Wuchereria bancrofti é o ser humano. Não é ético e viável obter grandes quantidades de microfilárias de um paciente para diagnosticar os demais! A produção de uma biblioteca de cDNA também depende de microfilárias ou vermes adultos de um paciente, mas é evento único e uma vez construída a biblioteca não será mais necessário voltar a obter parasitas do paciente. No caso de desejarmos fazer uma vacina, a abordagem é semelhante: basta inocularmos a proteína recombinante no mamífero que desejamos imunizar, com ou sem adjuvantes. É preciso apenas ter atenção para a imunogenicidade da parte plasmidial da proteína recombinante. A beta-galactosidase é pouco imunogênica e pode ser empregada, mas outras construções usam polipeptídeos mais imunogênicos, que devem ser empregados com cautela. Se, por qualquer razão, não podemos de forma alguma usar uma proteína quimérica, podemos lançar mão de vetores que têm imediatamente antes do sítio de restrição empregado na clonagem uma sequência de bases que codifica um pequeno peptídeo reconhecido e cortado por uma enzima adequada. Na figura 5.10 é como se a 29/09/13 Clonagem II: construção de bibliotecas de cDNA www.ufpe.br/biolmol/aula6_clonagem2.htm 14/14 cabeça de cavalo estivesse ligada ao corpo da tartaruga por uma pequena haste de peptídeo, que pode ser cortada por uma enzima. Podemos então capturar as proteínas recombinantes da lise bacteriana por uma coluna de cromatografia de afinidade com anticorpos dirigidos contra a parte plasmidial da proteína recombinante (a cabeça de cavalo). Uma vez lavada a coluna para retirar o material não fixado, adiciona-se a ela um pequeno volume de tampão contendo a enzima que corta a união entre a cabeça e o corpo, e recolhe-se no efluente da coluna apenas a parte que interessa (proteína do organismo doador) da proteína quimérica. Brevemente teremos aqui toda a parte de clonagem de genes diretamente por PCR. Para compreender esta seção o leitor deverá antes ter estudado o capítulo referente ao PCR (pelo menos os primeiros 3 itens). volta ao topo volta à página de distribuição de aulas
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