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UNIVERSIDADE FEDERAL DO SEMI-ÁRIDO DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS VEGETAIS GERMINAÇÃO DE SEMENTES Prof. Dr. Jeferson Luiz Dallabona Dombroski Mossoró-RN 2007 SUMÁRIO Página 1. Apresentação .............................................................................................................. 3 2. Introdução: Os estádios do desenvolvimento das plantas e a germinação de sementes...................................................................................................................... 4 3. Fatores ambientais que condicionam a germinação de sementes .......................... 8 3.1. Disponibilidade de água 8 3.1.1. Potencial hídrico 9 3.1.2. Padrão de hidratação de sementes (fases da hidratação) 11 3.2. Temperatura 12 3.3. Luz 15 3.4. Gases 17 3.4.1. Oxigênio 17 3.4.2. Etileno 21 3.4.3. Dióxido de carbono (CO2) 23 3.5. Fatores bióticos 24 4. Mecanismos endógenos que regulam a germinação de sementes ....................... 24 4.1. Eventos associados à germinação 24 4.1.1. Transição de fase das membranas 25 4.1.2. Respiração 27 4.1.3. Síntese protéica, de RNA e DNA 28 4.1.4. Retomada do crescimento do embrião 28 4.2. Fatores da planta-mãe 29 4.3. Mecanismos de percepção ambiental 30 3 4.4. Mecanismos físicos de controle da germinação 31 4.5. Mecanismos hormonais de controle da germinação 32 4.5.1. Giberelinas 33 4.5.2. Ácido abscísico 33 5. Mobilização das reservas nutritivas após a germinação ....................................... 34 5.1. Reservas nutritivas de sementes 35 5.2. Carboidratos de reserva 35 5.2.1. Carboidratos solúveis 36 5.2.2. Amido 36 5.2.3. Polissacarídeos de parede 37 5.3. Fenomenologia do catabolismo de carboidratos 38 5.3.1. Catabolismo das reservas do endosperma de cereais 38 5.4. Regulação da mobilização de carboidratos 41 5.4.1. Regulação da mobilização dos carboidratos em cereais 41 5.4.2. Regulação da mobilização dos carboidratos em cotilédones de leguminosas 43 5.4.3. Regulação da mobilização dos polissacarídeos de parede de reserva 43 5.5. Lipídeos de reserva 44 5.6. Proteínas de reserva 45 6. Bibliografia recomendada ........................................................................................ 46 1. APRESENTAÇÃO O presente texto apresenta o ponto de vista do autor sobre o processo germinativo, e está aberto à discussão. O texto foi baseado em revisões produzidas por autores de renome, e as referências, em geral, não são citadas no corpo do texto. Os 4 leitores são convidados a consultar as referências citadas ao final do texto para refinar as informações e verificar detalhes ou exceções que são propositadamente desconsideradas nesse texto, como estratégia de simplificação das informações. É importante notar que, como esse texto é uma releitura de textos clássicos, reflete a interpretação do autor sobre esses textos. Em alguns casos, hipóteses ainda não plenamente comprovadas são apresentadas sem a discussão de seus prós e contras, para se evitarem longas discussões metodológicas, que dificultam a leitura e a formação de conceitos. Há o risco, com isso, da apresentação de conceitos incorretos. No entanto, acreditamos que a clareza conseguida compensa os riscos de erros. O texto foi estruturado em quatro partes. Na primeira parte as fases do desenvolvimento de plantas são apresentadas, com ênfase nos fenômenos associados à germinação de sementes, na segunda são discutidos os fatores ambientais mais importantes que condicionam o processo germinativo, na terceira são discutidos os mecanismos internos de controle da germinação, e na quarta parte com a mobilização das reservas das sementes após a germinação. 2. INTRODUÇÃO: Os estádios do desenvolvimento das plantas e a germinação de sementes A vida de uma planta se inicia com a fecundação do óvulo e passa basicamente por três fases, a embriogênese, o desenvolvimento juvenil e a fase madura. A embriogênese inicia-se com a fecundação do óvulo, e a principal característica da planta nessa fase é que ela permanece ligada, é nutrida e protegida pela planta-mãe. Durante a embriogênese é produzida uma plântula com potencial para atingir a maturidade e com alguns recursos que lhe permitem se estabelecer e iniciar o crescimento juvenil. O recurso mais importante é uma reserva nutricional para suprir as necessidades da planta nos primeiros dias após a germinação, em que a planta jovem ainda é incapaz de fotossíntese. As principais substâncias de reserva são os polissacarídeos, as proteínas e os lipídeos. Essas substâncias são armazenadas em grandes quantidades em órgãos próprios, como os cotilédones ou o endosperma, e são digeridas no final da germinação, sendo produzidas, principalmente, a sacarose, a glutamina e a asparagina, as quais são transportadas até os meristemas, onde são usadas para iniciar a formação do corpo da planta, fornecendo a estrutura de carbono, o nitrogênio (no caso da glutamina e da asparagina) e a energia para a construção, representada pelo trifosfato de adenosina (ATP), que é um dos produtos da digestão das substâncias de reserva. 5 Há outros recursos desenvolvidos durante a embriogênese, como estruturas de facilitação da dispersão (por exemplo: uma polpa comestível envolvendo a semente, asas, ou ganchos), mecanismos de sobrevivência a períodos com condições climáticas adversas (os principais mecanismos são associados com a redução do teor de água das sementes), mecanismos de percepção das condições ambientais (luz e temperatura), e defesas contra ataques de herbívoros e patógenos (morfológicos e químicos). A formação desses recursos depende das condições ecofisiológicas da planta- mãe. Qualquer limitação ambiental imposta ao seu desenvolvimento reflete na qualidade e/ou na quantidade das sementes produzidas. A qualidade das sementes, por sua vez, refletirá no desenvolvimento juvenil da planta, principalmente nos estádios iniciais do crescimento, e sob condições de estresse. Durante a embriogênese, as sementes são impedidas de germinarem quando ainda ligadas à planta mãe. No início do seu desenvolvimento o embrião é incapaz de germinar, mesmo se for removido da planta mãe e cultivado in vitro em meio de cultura adequado. Quando o embrião já está histodiferenciado, com órgãos e meristemas formados, o que ocorre após cerca de 50 a 70% do período de embriogênese, ele se torna capaz de germinar, ou seja, ele adquire competência para responder aos fatores ambientais que controlam a germinação. Os dois principais fatores que impedem a germinação durante a embriogênese são o ácido abscísico (ABA) e a alta concentração de solutos, que provoca a diminuição da disponibilidade de água. O final da embriogênese é marcado pelo acúmulo de reservas orgânicas insolúveis, pela paralisação do crescimento/desenvolvimento do embrião e pela desidratação da semente. É interessante observar que o início do desenvolvimento juvenil é marcado pela retomada do crescimento do embrião após a sua reidratação, e pela solubilização das reservas armazenadas. Um ponto importante desse raciocínio é que, em algum momento entre o final da embriogênese e a protrusão da radícula ocorre uma alteração importante (inversão?) da programação celular que leva à transição entre esses dois padrões distintos de desenvolvimento. Essa inversão da programação celular parece ocorrer em pelo menos duas etapas, a primeira durante a desidratação das sementes, ao final da embriogênese, quando os mecanismos de acumulação de reservas e de crescimentodo embrião são paralisados. Após a desidratação, se uma semente é removida da planta-mãe e colocada em um meio de cultura nutritivo, ela não retoma seu padrão de acumulação de reservas, mas dispara a germinação, desde que as condições sejam favoráveis, ou seja, a semente está determinada (programada) a germinar, mas assume uma condição de latência, esperando as condições ambientais adequadas. Com a reidratação ocorre a 6 segunda etapa, que é a transição do estado latente, com a retomada do crescimento do embrião e o consumo das reservas. Durante o período inicial entre a liberação das sementes pela planta-mãe e a germinação, a planta normalmente não está presa ao solo. É potencialmente móvel, e essa mobilidade é importante para que a semente seja afastada da planta-mãe e atinja novos nichos ambientais. Essa movimentação da semente ocorre principalmente logo após a liberação, quando são acionados os mecanismos de facilitação da dispersão desenvolvidos durante a embriogênese, como, por exemplo, as asas e flutuadores nas sementes e os anexos carnosos atrativos de animais dispersores, como as frutas. Ao entrar em contato com um substrato úmido, há o início da entrada de água na semente, desde que o tegumento seja permeável. A absorção de uma quantidade mínima de água é a primeira e principal condição necessária para que a germinação ocorra. Assim, considera-se que a embebição marca o início da germinação. Porém esse fenômeno é puramente físico, e mesmo sementes mortas absorvem água. Os primeiros eventos metabólicos se iniciam após o início da embebição, como os mecanismos de respiração aeróbia. É possível que sementes com bom suprimento de água não germinem, em função de temperaturas muito baixas ou muito altas; da presença, da ausência ou do espectro da luz incidente; e de outros fatores ambientais, como a presença de substâncias inibidoras ou estimuladoras dissolvidas na água de hidratação. Também é comum a presença de mecanismos internos às sementes que impedem a germinação mesmo sob temperatura adequada e boa disponibilidade de água, chamados de mecanismos de dormência, com as funções principais de distribuir a germinação no tempo e/ou de só permitir a germinação quando forem detectadas condições ambientais favoráveis ao crescimento da planta jovem. Em locais com épocas do ano desfavoráveis ao crescimento vegetativo, com ocorrência de seca prolongada ou temperaturas excessivamente baixas é importante que a germinação das sementes só ocorra em locais e épocas do ano favoráveis ao posterior crescimento da planta jovem. Isso é conseguido, em alguns casos, pela coordenação temporal do final da embriogênese com o início da época adequada ao desenvolvimento da planta. Assim, ao ser dispersa, a semente está na época adequada do ano, e deve germinar prontamente. Isso implica em que parte da embriogênese aconteça durante o final da época inadequada, o que limita o potencial de produção de sementes. Algumas plantas com esse padrão de desenvolvimento possuem sementes recalcitrantes, que não toleram a desidratação e possuem viabilidade por um período relativamente curto. 7 Em outros casos ocorre um padrão bianual de desenvolvimento. A embriogênese ocorre durante uma época favorável, e as sementes são dispersas perto do início da época desfavorável, e permanecem sem germinar até o início da fase favorável do ano seguinte, permanecendo dormentes nesse intervalo. Como sementes ortodoxas, as plantas podem sobreviver por longos períodos com pouco dano, e reiniciar o processo de crescimento no início do próximo período favorável, cerca de nove ou dez meses após a dispersão. Para que a germinação ocorra em uma época favorável, é importante que a semente característica desses ambientes apresente mecanismos que permitam a identificação das condições ambientais e da época do ano, e impeçam a germinação sob condições inadequadas ao estabelecimento da planta (dormência). A sobrevivência da semente durante esses longos períodos depende da existência de estruturas de proteção. Dois fatores são fundamentais, a presença de mecanismos de proteção contra os predadores e os baixos níveis de hidratação alcançados pelas sementes ortodoxas. Quando as sementes são dispersas, seu teor de água é relativamente baixo, sendo que as sementes ortodoxas podem atingir teores menores do que 10% após a dispersão. Algumas espécies também possuem sementes com tegumentos impermeáveis e mecanismos de eliminação de água. Nessas condições a atividade metabólica das sementes é muito baixa o que lhe permite sobreviver por longo tempo em condições bastante desfavoráveis, com temperaturas excessivamente baixas, indisponibilidade de água, e mesmo exposição ao fogo. O final da germinação é difícil de ser identificado, pois não existem marcadores bioquímicos utilizáveis. O único fenômeno claramente observável é a retomada do crescimento do embrião, marcada pela protrusão da radícula ou outro órgão. Esse evento indica que a germinação já terminou, ainda que não informe quando. A protrusão da radícula é bastante útil como marcador, pois é facilmente observável mesmo a olho nu, para a maioria das espécies. Pode ocorrer, porém, a protrusão da radícula por alguns milímetros mesmo em sementes mortas, devido à reidratação dos tecidos. No início do desenvolvimento juvenil, a nova planta é nutrida pelas reservas da semente, que permitem que ela cresça até que possa realizar fotossíntese suficiente para se manter. Normalmente o desenvolvimento juvenil se inicia pelo crescimento radicular, o que permite a manutenção dos níveis de hidratação da planta pela melhoria da absorção de água. Isso é fundamental, pois a planta jovem, ao contrário das sementes ortodoxas, não resiste à desidratação. Logo após ocorre o crescimento da 8 plúmula até o rompimento da camada de solo que geralmente cobre as sementes. Uma vez que o ápice é exposto ao sol, ocorre a abertura das folhas e o início da fotossíntese. 3. FATORES AMBIENTAIS QUE CONDICIONAM A GERMINAÇÃO DE SEMENTES Só haverá germinação, no caso das sementes não dormentes, se as condições ambientais forem adequadas. Isso implica água disponível e temperatura dentro de uma faixa adequada. Algumas sementes também requerem um regime específico de luz, só germinando depois de expostas à luz, ou só germinando no escuro. Outras ainda são indiferentes à luz. As condições ambientais de água, temperatura e luz também condicionam a ocorrência de dormência. As principais interações conhecidas são discutidas nos itens seguintes. 3.1. Disponibilidade de água A relação de todos os seres vivos com a água é de grande dependência. Os mecanismos de regulação do uso da água nas plantas são numerosos e complexos. A disponibilidade de água é considerada como o recurso mais essencial para a germinação de sementes, e é no mínimo, tão importante quanto a temperatura como fator condicionante da germinação. Isso acontece, pois durante o final da embriogênese das sementes ortodoxas ocorre a desidratação dos tecidos da semente, como já foi mencionado, e esse mecanismo produz um ser latente, com metabolismo muito baixo, e com um nível tão reduzido de água que impede o desenvolvimento de outros organismos vivos. Algumas sementes ortodoxas têm potencial para sobreviverem nessas condições por até mais de um século, o que dá uma vantagem ecológica muito importante a essas espécies. Essas sementes formam bancos de sementes de longa duração no solo, e é comum que algumas sementes demorem alguns anos para germinarem, mas mesmo assim produzindo plantas normais. A compreensão da relação das sementes com a água depende do entendimentode uma propriedade física fundamental, o potencial químico da água, ou potencial hídrico (simbolizado pela letra grega ). É o potencial hídrico que condiciona a disponibilidade de água para as reações químicas e enzimáticas, e o movimento da água. A água se move de regiões com maior potencial hídrico para outras com potencial hídrico mais baixo, desde que haja um caminho. Se duas regiões ligadas têm o mesmo potencial hídrico, não há movimento de água entre elas. 9 3.1.1. Potencial hídrico O potencial hídrico é formado por quatro componentes, que refletem os fatores que afetam a disponibilidade de água. Eles são o potencial gravitacional, o potencial de pressão, o potencial osmótico e o potencial matricial. O potencial hídrico é calculado pela soma dos componentes. Alguns são positivos e outros negativos. A unidade mais usada para potencial hídrico é o MegaPascal (MPa). Um MPa corresponde a 10 bar e a 100 metros de coluna de água, m.c.a., essa última unidade, ainda que menos usada do que o MPa e o bar, dá uma boa noção das forças envolvidas, pois é fácil imaginar a energia contida em uma coluna de água com 100 metros de altura, por exemplo. O potencial gravitacional ( g) reflete os efeitos da gravidade, da energia gasta para elevar a água a uma certa altura. Na prática, para elevarmos uma certa quantidade de água para a altura de 100 metros, é necessária a energia de 100 m.c.a., ou 1 MPa. Esse fator é normalmente desprezível em plantas, pois a altura é baixa, e totalmente desconsiderável no caso de sementes, pois para a entrada de água não há variação de altura. O aumento da altura provoca aumento do potencial hídrico. O potencial de pressão ( p) também é fácil de se entender. Refere-se à pressão hidrostática. Imagine uma caixa d’água com 100 metros de altura. Em cima, a água tem um potencial gravitacional de 100 m.c.a., como foi dito acima. Qual seria a pressão exercida por essa coluna de água na sua base? Esse cálculo é muito fácil, pois, como o potencial hídrico governa o movimento da água, se a água da caixa está parada, o potencial hídrico em cima é igual o potencial hídrico em baixo, na prática, toda a energia dos 100 metros de coluna de água da caixa é convertida em pressão sobre as paredes da caixa, ou seja, o potencial de pressão na base da caixa também é de 100 m.c.a.. O potencial de pressão é importante em plantas. No interior das células são comuns potenciais positivos, da ordem de 0,3 a 0,5 MPa. Essa pressão interna nas células é a força motora do crescimento celular, e é por isso que quando falta a água, um dos primeiros sintomas é a diminuição do alongamento celular. Dentro das plantas também há regiões em que a pressão é negativa, que é o caso do xilema. A água sobe pela planta porque é “sugada” pelas folhas, ou seja, é criado um potencial de pressão negativo, exatamente da mesma forma que o líquido sobe por um canudinho de refresco. Ao sugarmos o ar do canudinho, provocamos o abaixamento da pressão dentro do canudo, e isso provoca a subida do líquido. Em sementes secas, p é igual a zero, pois as células estão plasmolizadas (murchas). Com a embebição, as células se tornam túrgidas, adquirindo um potencial de pressão. A retomada do crescimento do embrião depende da formação de um potencial de pressão positivo na região do crescimento. 10 O potencial osmótico (simbolizado pela letra grega ) reflete o efeito da mistura de sólidos solúveis na água. O efeito também é de fácil entendimento pela seguinte comparação: pode-se aliviar a sede bebendo-se um copo de água pura. Porém, se adicionarmos à água duas colheres de sopa de sal de cozinha, essa água não servirá mais. Isso acontece porque os sólidos ocupam as ligações químicas da água, tornando-a indisponível para outras funções. O potencial osmótico depende diretamente do número de moléculas de sólidos dissolvidas, e afeta negativamente o potencial hídrico, ou seja, é subtraído na equação geral. Um fenômeno importante associado ao potencial osmótico é a osmose, e daí seu nome. Quando duas soluções com potenciais osmóticos diferentes são colocadas em contato através de uma membrana semi-permeável, ocorre o movimento de água do lado com menor concentração de solutos para o lado mais concentrado. O é de extrema importância em plantas, pois as células têm capacidade para aumentar ou diminuir a concentração de sólidos (açúcares ou íons), e com isso podem controlar, dentro de certos limites, a entrada e saída de água das células. Esse mecanismo é fundamental, por exemplo, no controle da abertura e do fechamento dos estômatos. O potencial osmótico em plantas varia entre 0,3 a cerca de 1,5 MPa, mas em espécies de mangue pode atingir valores acima de 5,0 MPa. O potencial matricial ( m) é semelhante ao potencial osmótico, pois também reflete a interação da água com sólidos, mas é usado quando esses sólidos não são solúveis, e formam uma matriz que interage com a água. Um exemplo em plantas são as paredes celulares. A celulose tem alta afinidade com a água, e reterá uma película fina de água com uma força considerável. O potencial matricial atinge valores muito altos em situações em que há uma interface entre o sólido, a água e a atmosfera, o que ocorre, em plantas, no parênquima lacunoso das folhas. Da mesma forma que o potencial osmótico, esse componente é subtraído na fórmula de potencial hídrico. A fórmula do potencial hídrico é então: = g + p - - m (em sementes, g = 0; em sementes secas p = 0) Assim, o potencial hídrico de sementes secas depende unicamente da sua composição de sólidos solúveis ( ) e do potencial matricial ( m), sendo sempre negativo. De fato, sementes secas tem um potencial hídrico muito baixo, normalmente entre –50 e –350 MPa (o que significa a mesma energia de uma coluna de água com 35000 metros de altura). Se uma semente com esse potencial é colocada em água pura ( = 0 MPa), e o tegumento permitir a entrada de água, a entrada de água pode ser rápida ao ponto de provocar dano mecânico, que é chamado de dano de embebição. 11 3.1.2. Padrão de hidratação de sementes (fases da hidratação) As sementes têm um padrão característico de embebição, que ocorre em três fases (Figura 1). Na primeira, a semente com baixo teor de água começa a absorver água até entrar em equilíbrio com o substrato ( semente = substrato). Esse fenômeno é puramente físico, independe do metabolismo das sementes e acontece também com sementes mortas. Como já foi mencionado, se a embebição for muito rápida, ocorrerá dano mecânico nas sementes. Quando o da semente se aproxima do do substrato, a velocidade de embebição diminui, até quase paralisar, dando início à segunda fase de embebição, chamada de fase platô. Essa fase tem duração variável dependendo da espécie, das condições ambientais e do vigor das sementes, podendo durar meses em sementes dormentes. Ao final desse período ocorre a retomada do crescimento do embrião, e com isso há uma nova entrada de água, que caracteriza a terceira fase de embebição, quando a germinação já ocorreu. tempo Ab so rçã o de ág ua (a um en to do p es o fre sc o) Germinação visível fase 1 fase 2 fase 3 Figura 1. Padrão trifásico da embebição de sementes. Para que haja o crescimento do embrião é necessário que o mesmo seja capaz de desenvolver uma força suficiente para superar a resistência do tegumento. Essa força motora é o potencial de pressão ( p), que depende basicamente da concentração de sólidos solúveis no embrião (potencial osmótico - ). Assim, para que haja o crescimento, é necessário que as forças de crescimento ( p) sejam maiores do que a resistênciado tegumento. Sementes dormentes podem ser incapazes de aumentar o seu p ou apresentarem alta resistência tegumentar, e o alívio da dormência pode acontecer tanto pelo aumento da concentração de solutos como pela diminuição da resistência dos tegumentos. 12 Figura 2. Esquema das forças e mecanismos envolvidos na retomada do crescimento do embrião de tomate. Com a germinação ocorre aumento do potencial de crescimento da radícula e enfraquecimento do endosperma, provocado pela digestão das paredes celulares, particularmente por endo-β-mananases. (extraído de Castro e Hilhorst, 2004) Um efeito importante que ocorre na maioria das sementes é que, depois de embebida, se a semente sofrer desidratação, não morre, mas recupera seu estado latente. No entanto, se a planta já tiver germinado, ou seja, tiver atingido a terceira fase de embebição, e sofrer desidratação, ela normalmente morre. Poucas sementes são capazes de suportar a desidratação mesmo por curtos períodos após a germinação. Por isso é muito importante a “decisão” entre permanecer na fase platô ou reiniciar o crescimento do embrião. 3.2. Temperatura A vida ocorre tipicamente entre temperaturas acima de zero graus Celsius e abaixo de 100 C. A maioria das espécies não resiste a temperaturas acima de 50 C. Essa dependência de uma faixa adequada de temperatura ocorre porque a vida depende do funcionamento de proteínas, que só ocorre em uma faixa estreita de temperaturas. Cada proteína tem uma temperatura ótima de funcionamento. Quando a temperatura é muito baixa, a atividade é pequena, e aumenta com o aumento da temperatura até um ótimo. Após esse limite, a atividade da proteína cai de novo, em virtude da degradação da sua estrutura. No caso da germinação, que envolve a atividade de várias proteínas, a 13 temperatura ótima vai refletir a temperatura mínima, a ótima, e a temperatura máxima de cada proteína. A germinação de sementes ocorre apenas sob uma faixa de temperatura que é característica da espécie, do seu nível de dormência e do seu vigor (Figura 3). A faixa de temperatura para germinação da maioria das sementes se situa aproximadamente entre 15 e 30 C, mesmo para plantas de climas frios, assim a germinação só pode ocorrer, nessas regiões, do final da primavera até o fim do verão. Além da relação da temperatura com a atividade protéica citada acima, sementes possuem relações mais complexas, que envolvem o mecanismo de dormência. Alguns tipos de dormência só são aliviados após vários dias ou semanas sob temperaturas baixas, acima de 0 C e tipicamente abaixo de 15 C, que são temperaturas desfavoráveis ao crescimento da planta (Figura 4). Esse fenômeno é um mecanismo de detecção da época do ano, e é importante em regiões com inverno rigoroso, para as plantas anuais de verão. Por ser necessário que a semente passe por um longo tempo sob baixas temperaturas, ela só será capaz de germinar no final do inverno. Não ocorre a germinação quando a temperatura é muito baixa, mas com o aumento da temperatura com a primavera, a germinação pode ocorrer. Como as sementes são dispersas com dormência primária, elas não germinam assim que são dispersas, ainda no fim do verão. Se a semente germinar nessa época, a planta jovem não resistirá às baixas temperaturas do inverno. Figura 3. Efeito de temperatura sobre a germinabilidade (% de sementes germinadas – linha cheia) e na velocidade de germinação de Catharanthus roseus (linha 14 tracejada). A faixa térmica de 22°C a 27°C foi considerada ótima. (Extraído de Kerbauy, 2004). Nessas regiões de inverno rigoroso, para as plantas anuais de verão, na época da dispersão, a germinação só ocorre em uma faixa muito estreita de temperatura (janela de germinação). No entanto, se as sementes forem armazenadas por algum tempo sob baixas temperaturas (chilling ou estratificação a frio), a janela de germinação aumenta, e a semente se torna capaz de germinar sob temperaturas mais baixas. Esse fenômeno é maior quanto maior o tempo de exposição à temperatura baixa, e depende também da temperatura. Temperaturas mais baixas são mais eficientes, desde que acima de 0 C ou outro limite mínimo, dependendo da espécie. Outro fenômeno interessante é que, se durante o período de chilling, houver a exposição a temperaturas muito altas, isso parece reverter o efeito do chilling. Também nas regiões de inverno rigoroso, as plantas anuais de inverno mostram um padrão diferente de germinação, mas também controlado pela temperatura. Temperaturas mais altas de estratificação promovem a abertura da janela de germinação, permitindo a germinação sob temperaturas mais altas. Esse mecanismo provoca a germinação no final do verão, quando as espécies anuais de verão diminuem sua atividade em função da sua maturação. Temperaturas altas também podem induzir dormência em sementes após a dispersão (dormência secundária), como também propiciar o alívio de dormência, dependendo da espécie. Temperaturas altas podem, por exemplo, induzir a síntese de ABA, que é um hormônio inibidor de germinação, ou proporcionar a ocorrência de fraturas no tegumento, que facilitam a entrada de água e gases. 15 Figura 4. Efeito da temperatura ambiente sobre a germinabilidade de sementes dormentes no escuro (Escuro) e sob luz (luz). As linhas sólidas representam as temperaturas máximas (Tmax.) e mínimas (Tmin.) sob as quais as sementes podem germinar. As linhas tracejadas indicam a temperatura média diária no campo (Tcampo). A área rachurada indica os períodos em que a germinação pode ocorrer. (A) Planta anual de verão (Ambrosia artemisifolia). A diminuição da temperatura ambiente durante o outono/inverno provoca um aumento da faixa térmica adequada para germinação (pela redução da temperatura mínima). Quando a temperatura ambiente começa a subir, no final do inverno, ocorre a germinação (B) Planta anual de inverno (Lamium amplexicaule). A redução da temperatura no final do verão provoca aumento da faixa térmica adequada para germinação, porém pelo aumento da temperatura máxima. Com a diminuição da temperatura ambiente, ocorre a germinação, no final do verão/outono. Nesse caso a germinação também pode ocorrer no início da primavera. 3.3. Luz Algumas sementes têm mecanismos de percepção da disponibilidade de luz. Existem sementes que só germinam após serem iluminadas e outras que só germinam na ausência completa de luz (Figura 5). Acredita-se que ambos os tipos refletem o mesmo mecanismo de detecção de profundidade ou de sombreamento. Assim, sementes muito pequenas só podem germinar se estiverem próximas da superfície. Se estiverem muito fundas, não terão reservas suficientes para atingir a superfície do solo, e morrerão. Por outro lado, para sementes grandes, com grandes reservas, é interessante que a semente esteja enterrada a uma certa profundidade, onde a disponibilidade de água é mais constante. 16 Figura 5. Germinação de sementes de Cucumis anguria sob luz branca (LB) e no escuro (E), provenientes de frutos amadurecidos sob dias curtos (DC) ou dias longos (DL) (extraído de Castro e Hilhorst, 2004). Quando a luz atravessa a copa de uma planta, parte da energia é absorvida pela planta, parte é refletida e parte chega ao solo (Figura 6). Essa luz que chega ao solo tem um aumento da proporção de luz na faixa de 730 nm (VE) com relação à luz na faixa dos 660 nm (V). Essa diferença é detectada pelas sementes de diversas plantas, e condiciona a sua germinação. Quando ocorre a formação de uma clareira em uma floresta, há alteração na proporção de V/VE, o que provoca o aumento da germinação das sementes de algumas espécies.17 Figura 6. Esquema simplificado dos principais “filtros” naturais de luz. Os números representam a relação entre luz vermelha (660 nm) e luz vermelha-extrema (730 nm) após os filtros citados (extraído de Cardoso, 2004). 3.4. Gases A germinação do embrião é geralmente afetada pela composição gasosa dos substratos em que a semente se encontra imersa. Os gases mais importantes parecem ser o oxigênio, o gás carbônico e o etileno. 3.4.1. Oxigênio Para a maioria das espécies, as sementes não germinam em ambientes sem oxigênio, e a baixa disponibilidade de oxigênio inibe o crescimento pós-germinativo do embrião (Figura 7). As espécies são classificadas em dois tipos quanto à dependência de oxigênio para a germinação. As sementes do tipo I, em sua maioria ricas em reservas lipídicas como a alface, o girassol, o rabanete, o repolho, o linho e a soja têm germinação inibida quando a concentração de oxigênio é reduzida para cerca de 2%. As sementes do tipo II são compostas, na maior parte, por espécies ricas em amido (ervilha) 18 e por monocotiledôneas (arroz, milho, trigo, sorgo). As sementes do tipo II podem germinar em atmosferas com menos de 1% de oxigênio. Sob condições hipóxicas, a produção de energia pelas células cai mais em sementes ricas em lipídeos do que em sementes amiláceas, possivelmente por uma taxa de fermentação mais alta em sementes amiláceas. Figura 7. Tempo para a germinação de sementes de tomate a 25°C, em atmosferas contendo oxigênio a 3% (1), 5%(2), 10%(3), 15% (4) e 21% (5) (Extraído de Corbineau e Côme, 1995). A absorção de oxigênio pelas sementes exibe um padrão trifásico semelhante à curva de absorção de água (Figura 8). Com o início da embebição há um aumento rápido da taxa de absorção de oxigênio, que atinge um platô mais ou menos ao mesmo tempo em que a absorção de água. Nessa fase platô, a absorção aumenta lentamente, e com a retomada do crescimento do embrião, há um novo aumento da taxa de absorção de oxigênio. O nível de oxigênio no solo geralmente não cai abaixo de 19%, porém pode cair abaixo de 1% em solos que são mantidos em capacidade de campo ou saturados com água. Já foi observado que a formação de uma camada compactada superficial reduz rapidamente o oxigênio do solo para valores inferiores a 10%. A quantidade requerida de oxigênio para a germinação depende de uma série de fatores como a temperatura, o potencial osmótico e a luz. Além de afetar a sensitividade do embrião, a temperatura afeta a solubilidade do oxigênio na água. Temperaturas mais altas provocam diminuição da disponibilidade de oxigênio. A concentração de solutos no meio também afeta a solubilidade do oxigênio na água. 19 O nível de oxigênio no solo geralmente não cai abaixo de 19%, porém pode cair abaixo de 1% em solos que são mantidos em capacidade de campo ou saturados com água. Já foi observado que a formação de uma camada compactada superficial reduz rapidamente o oxigênio do solo para valores inferiores a 10%. A quantidade requerida de oxigênio para a germinação depende de uma série de fatores como a temperatura, o potencial osmótico e a luz. Além de afetar a sensitividade do embrião, a temperatura afeta a solubilidade do oxigênio na água. Temperaturas mais altas provocam diminuição da disponibilidade de oxigênio. A concentração de solutos no meio também afeta a solubilidade do oxigênio na água. Figura 8. Efeito do oxigênio sobre a produção de ATP em plantas. (A) Curva comparada de absorção de água e de oxigênio durante a germinação, e percentagem de germinação durante essas fases ( ). (B) nucleotídeos produzidos, (N2 - - - -). Efeito da substituição da atmosfera por nitrogênio gasoso. (C) Efeito de cianeto (inibidor de respiração) e da substituição da atmosfera por nitrogênio gasoso sobre a relação ATP/ADP. A necessidade de oxigênio para a germinação depende da espécie, mas também do nível de dormência. É o embrião quem necessita de oxigênio, mas as estruturas que o envolvem podem consumir ou impedir o suprimento de oxigênio para o embrião, e 20 assim participar da formação da sensitividade da semente ao oxigênio. O tegumento de várias sementes contém grandes quantidades de compostos fenólicos, e a sua oxidação pelas polifenoloxidases (PFO) diminui o suprimento de oxigênio para o embrião. Nessas sementes a inibição é maior com o aumento da temperatura, que além de diminuir a solubilidade do oxigênio provoca aumento da atividade das PFO. Figura 9. Efeito da concentração de oxigênio na germinação de sementes de tomate (A) e ciclâmen (B). (A) Percentagens de germinação obtidos após 10 dias a 15°C (1), 20°C (2), 25°C (3), e 30°C (4). (B) Percentagens de germinação obtidas após 4 semanas a 15°C (1), 20°C (2), 25°C (3). (Extraído de Corbineau e Côme, 1995). O tegumento das sementes secas é relativamente permeável a gases, porém os tegumentos embebidos se tornam uma barreira para a difusão de oxigênio, uma vez que elas constituem uma camada molhada que reveste o embrião. A escarificação ou a remoção dos tegumentos promove a germinação de sementes em hipoxia, e embriões isolados requerem menos oxigênio do que sementes inteiras. Em várias espécies, a dormência é quebrada pelo aumento da tensão de oxigênio, como a beterraba e o arroz. Esse efeito tem sido associado ou com a oxidação de inibidores de germinação ou com o estímulo aos processos respiratórios dependentes de oxigênio. Em outras espécies, como a macieira, a dormência das sementes é considerada devida a um excesso de oxigênio, e é aliviada em atmosferas com tensão de oxigênio inferior a 10%. 21 A falta de oxigênio tem sido considerada como um fator de indução de dormência secundária, podendo ser responsável pela indução de dormência secundária em sementes enterradas ou sob altas temperaturas com excesso de água. Por outro lado, condições anaeróbias podem prevenir a indução de dormência secundária provocada por altas temperaturas em alface e outras espécies. Quanto aos eventos metabólicos afetados pela disponibilidade de oxigênio, a redução do oxigênio disponível provoca diminuição da carga energética das células (Figura 8) e produção de etanol. O acúmulo de etanol, por sua vez, pode provocar a quebra de dormência de várias sementes. Considera-se que o etanol pode afetar as propriedades das membranas, e com isso aliviar a dormência. A exposição de sementes ou plantas à hipoxia também provoca alterações na expressão gênica, especialmente de enzimas envolvidas na glicólise e na fermentação. Ainda, a redução da disponibilidade de oxigênio provoca inibição da conversão do ácido aminociclopropano carboxílico (ACC) em etileno, com acúmulo de ACC e diminuição da concentração de etileno. Ao retornar a uma atmosfera com oxigênio, ocorre aumento da produção de etileno, em virtude da quantidade acumulada de ACC. 3.4.2. Etileno Apesar de o oxigênio ser o gás mais importante para a germinação, o etileno também pode desempenhar um papel significativo. O etileno age em concentrações muito baixas como regulador de crescimento. Como ele pode se acumular no solo próximo às sementes, seus efeitos na germinação e dormência devem ser considerados. Em várias espécies, o etileno estimula a germinação de muitas sementes dormentes ou não (Figura 10). Porém, esses efeitos variam muito entre as espécies e à responsividade das sementes a esse gás. Dentre as espécies cuja germinação é estimulada pelo etileno, algumas são parasitas, como a Striga asiática. A aplicação de etileno no solo provoca a germinação de 90% das sementes, a até 30 cm de profundidade e 70 cm de distância do ponto de aplicação.22 Figura 10. Tempo para germinação de sementes de girassol a 15°C em ar sem etileno (1), com 1 ppm (2), 5 ppm (3), 20 ppm (4), e 50 ppm (5). (Extraído de Corbineau e Côme, 1995). O etileno é efetivo na quebra de dormência primária em sementes de macieira e girassol, e para quebra de termodormência em sementes de alface. O etileno, por outro lado, inibe a germinação de Chenopodium rubrum, Plantago major, Plantago marítima, e Potentilla norvegica. Várias espécies não respondem ao etileno. Em vários casos, as sementes sensitivas ao etileno são também sensitivas à luz. O etileno amplia o efeito da luz, mas não substitui a necessidade de luz para a germinação das sementes fotoblásticas positivas. Parece que o etileno e a luz agem independentes, ou que a ação do etileno também é mediada pelo fitocromo. A impressão é que o etileno aumenta a faixa de germinação sob diversas condições ambientais. O etileno promove a germinação sob temperaturas não ótimas em Xhantium pennsylvanicum, alface, e Amaranthus retroflexus. Em alface e em Cicer arietinum, o efeito inibitório de altas temperaturas pode ser aliviado pela aplicação de etileno. Essas observações sugerem que é possível que o etileno previna o estabelecimento de dormência secundária nessas espécies. O etileno também interage com vários fatores ambientais, estimulando a germinação em condições pouco próprias, como por exemplo, sob alta tensão de oxigênio, hipoxia, estresse hídrico, agentes osmóticos (o que simula o efeito de estresse hídrico) e ácido abscísico (que é um hormônio (regulador endógino de crescimento de 23 plantas) inibidor da germinação, e também associado ao estresse hídrico e aos estresse por altas temperaturas em plantas - Figura 11). Em arroz, o alongamento do coleóptilo é estimulado pelo etileno, possivelmente pelo aumento do potencial osmótico celular. Em Xhantium pennsylvanicum, o aumento do potencial osmótico provocado pelo etileno é associado a um aumento na concentração de aminoácidos, em particular a glutamina, arginina, asparagina, alanina e serina. As concentrações efetivas de etileno para a germinação de sementes estão na faixa de 0,1 a 200 L.L-1, dependendo da espécie. O efeito promotor aumenta com a concentração de etileno, mas a responsividade da semente depende da época de aplicação do gás durante a embebição. A produção de etileno se inicia imediatamente após a embebição das sementes e aumenta com o tempo, mas seu desenvolvimento difere bastante entre as espécies. Por outro lado, a protrusão da radícula é sempre associada com um pico de liberação de etileno. Figura 11. Efeito da concentração de etileno na germinação de girassol após 7 dias a 15°C em água (1) ou na presença de 10-4 M ABA (2) ou 10-3 M ABA (3). 3.4.3. Dióxido de carbono (CO2) O dióxido de carbono estimula a germinação de amendoim e aveia, porém para Xhantium pennsylvanicum e girassol, as concentrações efetivas são altas, não 24 representando as condições normais do solo. Existem casos documentados de inibição da germinação sob concentrações acima de 10%, indicando que essa inibição não é importante em condições naturais, uma vez que o nível de CO2 no solo geralmente permanece abaixo de 1 a 2%. Em sementes de várias espécies, o CO2 e o etileno agem simultaneamente ou sucessivamente, mas a forma da interação não está clara. 3.5. Fatores bióticos No ambiente natural, as sementes interagem com outros organismos vivos de diversas formas, como por exemplo: a. A cobertura vegetal modifica a qualidade e quantidade de luz incidente. b. Substâncias alelopáticas são liberadas pelos organismos, que podem afetar a viabilidade ou a germinação das sementes. c. Outras plantas removem água e nutrientes (como o nitrato) do solo, reduzindo sua disponibilidade. d. Animais, além de participarem da dispersão e da escarificação das sementes, revolvem o solo, enterrando ou expondo sementes. e. Diversos organismos, como fungos e larvas, atacam os tegumentos, provocando dano às sementes ou promovendo a escarificação do tegumento. f. Interações complexas podem ocorrer, como entre sementes de orquídeas e micorrizas. A presença da micorriza pode ser necessária para que ocorra a germinação. 4. MECANISMOS ENDÓGENOS QUE REGULAM A GERMINAÇÃO DE SEMENTES 4.1. Eventos associados à germinação A partir do início da embebição, ocorrem vários eventos fisiológicos, em períodos específicos que são comumente associados às fases da embebição. Um resumo dos principais eventos é apresentado na Figura 12. Alguns eventos são discutidos em maior detalhe abaixo. 25 Figura 12. Principais eventos fisiológicos associados á germinação de sementes e relação com as fases de embebição. 4.1.1. Transição de fase das membranas Durante a fase final da embriogênese, as sementes ortodoxas são desidratadas até um nível muito baixo de umidade. Isso provoca alterações importantes na estrutura das membranas celulares (Figura 13). A grande diferença entre as sementes ortodoxas e as recalcitrantes é a capacidade para resistir à desidratação, sendo capazes de, ao se reidratarem, de recuperar a estrutura normal de funcionamento das membranas (Figura 13 – a) sem que ocorram danos letais. Na fase inicial da reidratação, ocorre lixiviação de solutos nos locais em que a membrana perde sua continuidade. A medida da condutividade das sementes em água fornece indícios sobre o nível de dano às membranas internas, e é usada rotineiramente na avaliação da viabilidade de sementes. A resistência à desidratação está fortemente associada à capacidade das sementes para reidratarem-se sem grandes danos aos sistemas de membranas. A composição celular, particularmente de açúcares, e em especial de trehalose parece ser importante na manutenção da estrutura das membranas durante a desidratação (Figura 14) e posterior reidratação. É possível também que a estrutura da membrana seja 26 mantida com a participação de proteínas do tipo LEA (late embryogenesis abundant), HSP (heat shock proteins) e mesmo expansinas (proteínas de parede celular). As LEA e HSP contribuiriam para a manutenção da integridade da membrana, e as expansinas com a manutenção das ligações da membrana com a parede celular (Jones e McQueen- Mason, 2004). Figura 13. Estrutura de membranas biológicas sob diferentes níveis de hidratação. (a) Fase fluida lamelar sob alta hidratação. (b) Tensão produzida sob baixo conteúdo de água. A área média por lipídeo a e a separação interlamelar y são diminuídas, enquanto a espessura t da bicamada aumenta. (c) Sob baixo conteúdo de água, o aumento do estresse lateral pode produzir a transição para a fase gel, com diminuição ainda maior de a e y, e aumento de t. Em (d) os círculos fechados representam as espécies lipídicas com maior hidratação, e os círculos abertos as espécies com menor hidratação. Sob maiores hidratações, os dois lipídeos formam uma fase mista simples, porém, com a diminuição da hidratação, elas se separam em duas fases. Os lipídeos com maior hidratação são preferencialmente agrupados em sítios com hidratação relativamente alta, enquanto que os lipídeos menos hidratados são concentrados em sítios com menor hidratação. (e) Grandes moléculas hidrofílicas, como as proteínas intrínsecas de membranas têm uma interação de hidratação maior, e assim podem ser separadas pelos estresses de desidratação (e, embaixo). (f) Resposta topológica ao estresse. Sob níveis de hidratação muito baixos, os lipídeos podem sofrer uma transição para a fase hexagonal 2, a qual consiste de pequenos cilindros de água cercados por lipídeos. (Extraído de Wolfe e Briant, 99) 27Figura 14. Ilustração do mecanismo de estabilização de membranas no estado seco por açúcares (Crowe et al. 1998). 4.1.2. Respiração Uma vez que a germinação envolve o crescimento e a divisão celular, que são processos dependentes de energia, a produção de ATP é uma parte importante do processo germinativo. Sementes secas contêm níveis muito baixos de ATP, porém em algumas horas de embebição há um grande aumento da concentração. A molécula de adenosina pode agir como precursora de ATP, porém isso parece só ocorrer por um curto período. É provável que a respiração aeróbia acoplada ao catabolismo de carboidratos proporcione a maior parte do ATP para as sementes. A possibilidade da respiração anaeróbia (fermentação) ser responsável pela produção de ATPs é considerada baixa, e mesmo ervilhas e feijões que têm fermentação ativa não podem suprir todas as necessidades celulares com a fermentação (Smith e Berjak, 1995). No caso de sementes grandes e ricas em lipídeos, é comum que apresentem fermentação relativamente alta no início da embebição, pela dificuldade de acesso do oxigênio ao embrião (ver item 3.4.1). Para que ocorra a respiração aeróbia, são necessárias mitocôndrias funcionais, o que depende da recuperação da sua estrutura durante a embebição. Dois padrões de desenvolvimento mitocondrial são observados em sementes de leguminosas. O primeiro, característico de cotilédones de amendoim, requer a síntese protéica para a funcionalidade das mitocôndrias. Em ervilhas, porém, as mitocôndrias são aparentemente totalmente ativadas com a embebição. Esse segundo caso pode ser o padrão, tendo sido demonstrado em trigo, alface e soja (Smith e Berjak, 1995). 28 Com o início da embebição também se iniciam os reparos das mitocôndrias e, durante a fase platô, ocorre a síntese de novas mitocôndrias. Após a germinação, a atividade mitocondrial é aumentada, para suprir o crescimento do embrião. A curva de ATP durante a germinação também apresenta um aspecto trifásico (Figura 8), assim como a água e o oxigênio. Durante o início da embebição há um rápido aumento, possivelmente associado ao restabelecimento da atividade mitociondrial, com reparos das mitocôndrias e síntese das enzimas do ciclo de Krebs e da fosforilação oxidativa (cadeia transportadora de elétrons). A produção de ATP nessa fase é sustentada principalmente pelas reservas de açúcares solúveis (ver 5.2.1). Durante a fase platô, a demanda por oxigênio permanece constante, e com a protrusão da radícula ocorre um novo aumento da produção de ATPs. 4.1.3. Síntese protéica, de RNA e DNA A síntese protéica inicia-se logo após o início da embebição, a partir de substratos presentes na semente madura e reativados com a embebição (enzimas, RNAt, ribossomos, RNAm, aminoácidos). Vários tipos de RNAm são presentes, mas apenas alguns são traduzidos em proteínas. A função de várias proteínas produzidas ainda é desconhecida. Em Arabidopsis, grande parte das proteínas expressas não varia após a germinação, representada por globulinas e proteínas associadas à mobilização de lipídeos de reserva. Uma pequena parte (3%) varia durante a fase de embebição, representadas por proteínas envolvidas na mobilização de reservas protéicas e lipídicas e na retomada do ciclo celular. Outras proteínas (3%) variam exclusivamente na fase de protrusão radicular, como a mirosinase (provoca a hidrólise de glicosinolatos, com a liberação de aleloquímicos com ação repelente e antibiótica), a Ado-Met sintetase (catalisa a síntese de S-adenosil-metionina, um precursor do hormônio etileno e de poliaminas). Novos tipos de RNAm são continuamente produzidos à medida em que a germinação prossegue. Por outro lado, a síntese de DNA ocorre apenas na fase de crescimento do eixo embrionário, quando se iniciam as divisões mitóticas. O aumento do conteúdo de DNA após o início da embebição deve-se provavelmente ao reparo e reidratação de moléculas preexistentes, bem como à síntese de DNA mitocondrial. 4.1.4. Retomada do crescimento do embrião Com o final da germinação ocorre a retomada do crescimento do embrião, normalmente pela protrusão da radícula, que ocorre inicialmente pelo alongamento celular na região radicular. Em alguns casos, esse alongamento pode ocorrer mesmo em 29 sementes mortas, em função do potencial de pressão formado pela absorção de água (ver item 3.1.1). Logo a seguir, em sementes vivas, inicia-se a multiplicação celular. Com o reinício do crescimento do embrião ocorre um aumento da absorção de água, de oxigênio, da produção de ATPs, da hidrólise e transporte das reservas para as regiões de crescimento. 4.2. Fatores da planta-mãe As condições ambientais que são impostas à planta mãe durante a embriogênese, fortemente condicionam tanto a quantidade e a massa de sementes produzidas pela planta quanto as características das sementes individuais. A diminuição da capacidade fotossintética da planta-mãe, por exemplo, provoca diminuição da acumulação de reservas para as sementes, e as sementes com tamanhos diferentes freqüentemente têm padrões de germinação diferentes, e produzem plantas com tamanhos diferentes. A exposição da planta mãe a diferentes fotoperíodos pode afetar a massa das sementes, a resposta à temperatura e à luz para germinação (Figura 5), e induzir alterações na estrutura e permeabilidade do tegumento. Deficiências nutricionais minerais apresentadas durante a embriogênese podem refletir em um desenvolvimento inicial inadequado da planta. A disponibilidade de nitrogênio, por exemplo, pode condicionar a quantidade de proteína de reserva em sementes, e com isso afetar o crescimento inicial da planta. A dispersão das sementes também pode ser considerada como um efeito da planta mãe, uma vez que todas as estruturas de dispersão são estruturas da planta mãe. O mesmo se aplica para o tegumento da semente, que é importante no controle da germinação em várias espécies e também é um tecido da planta mãe. Só o embrião e o endosperma é que são formados via fecundação. Algumas espécies produzem tegumentos impermeáveis à água, e estruturas de eliminação da água. A germinação dessas sementes só ocorrerá após o rompimento dessa barreira e a entrada de água na semente. Esse fenômeno é comum e característico de leguminosas arbóreas. Essas sementes podem permanecer viáveis por longos períodos, e a sua germinação se distribui por alguns anos, dependendo das condições ambientais. O tegumento da semente também pode restringir mecanicamente o crescimento do embrião, como é o caso da semente de tomateiro (Figura 2). A protrusão da radícula depende do balanço da força de crescimento desenvolvida pelo embrião e a resistência 30 do endosperma que envolve a ponta da radícula. A quebra de dormência afeta ambos os fenômenos, aumentando a força do embrião e diminuindo a resistência do endosperma. 4.3. Mecanismos de percepção ambiental Os embriões de várias espécies são dotados de mecanismos de percepção ambiental que participam do controle da germinação. Os dois principais mecanismos são de detecção de luz, e de temperatura. Existem sementes que apresentam ambos os mecanismos, que podem interagir de forma complexa. A percepção da presença de luz é principalmente devida a um pigmento denominado fitocromo, que ocorre basicamente em duas formas em plantas, o fitocromo do tipo A (fotolábeis) e os fitocromos do tipo B, C, D e E (fotoestáveis). O fitocromo A tem sido considerado o responsável pela detecção da profundidade de enterrio das sementes, pois a luz só penetra no solo por uns poucos centímetros. A presença e atividade do fitocromo A também condicionam o desenvolvimento inicialda planta. Se a planta germinar sob o solo, na ausência de luz, haverá um hiperalongamento de epicótilo, a manutenção do gancho epicotilar, e não ocorrerá a formação dos cloroplastos. Esse padrão de desenvolvimento é necessário para o rompimento da camada de solo sobre a semente pela planta recém germinada. Após a percepção da luz, ocorre a abertura do gancho, a síntese de cloroplastos e clorofila, o lançamento de folhas e o início da fotossíntese. O fitocromo A participa desse fenômeno da seguinte forma: plantas germinadas no escuro têm quantidades relativamente grandes de fitocromo A na forma inativa. Nessas condições ocorre o padrão de germinação no escuro. Quando a planta emergente recebe uma pequeníssima quantidade de luz visível (Respostas de Ultra Baixa Intensidade Luminosa – UBI), de qualquer cor, converte parte do fitocromo na forma ativa, e isso dispara as várias respostas de adaptação à luz descritas acima. Uma única piscada de um vaga-lume é suficiente para disparar uma resposta desse tipo. Em fases posteriores ao desenvolvimento das plantas, o fitocromo A participa das respostas à alta irradiância (AI). O fitocromo B (e talvez os outros do tipo fotoestável) tem uma participação um pouco diferente. A sua atividade exige uma intensidade luminosa maior do que as respostas de UBI do fitocromo A (Respostas à baixa intensidade luminosa – BI), e as respostas são direcionadas pelo balanço da absorção de luz vermelha (660 nm) e luz vermelho-extremo (730 nm). A principal função do fitocromo B parece ser a percepção do sombreamento por outras plantas. Isso acontece porque a proporção entre luz vermelha (660 nm) e luz vermelho-extremo (730 nm) muda com o sombreamento. 31 Quanto maior a proporção de vermelho-extremo, isso é, quanto maior o sombreamento, maior a inibição da germinação de sementes que dependem de luz para germinarem. Quando as plantas sombreantes são removidas, há uma alteração na relação entre os comprimentos de onda da luz incidente no solo, e isso provoca a quebra de dormência das sementes. É por isso que se observa um aumento da germinação quando há abertura de uma clareira em uma floresta. Em algumas sementes, é possível que um mecanismo mediado pelo fitocromo B seja usado para detecção do comprimento da noite e, por esse artifício, pode permitir a essas sementes a determinação da época adequada do ano para a germinação. Os mecanismos de detecção de temperatura são menos conhecidos. Baixas temperaturas por períodos relativamente longos são necessárias para quebrar a dormência de algumas espécies. Esse mecanismo é importante para a detecção do fim do inverno, como já foi comentado. Uma possibilidade é o efeito da temperatura sobre a estrutura das membranas, que sofrem transições de fase conforme a temperatura, que modificam a sua fluidez. Acredita-se que isso possa estar relacionado com alterações na composição protéica das membranas, especialmente da presença e atividade de receptores hormonais, mas isso ainda é especulação. Temperaturas muito altas, ou muito baixas, dependendo da espécie, induzem dormência secundária em sementes, mas os mecanismos são pouco conhecidos. Suspeita-se do envolvimento do ABA e de giberelinas no processo. Ambos os mecanismos sensoriais dependem (luz e temperatura), de alguma forma, da “medição” do tempo pela planta. Por exemplo, para a quebra de dormência de sementes por temperaturas baixas, podem ser necessárias várias semanas nas condições indutoras. Os efeitos de luz vermelha podem ser revertidos por algumas horas no escuro. A impressão é que ocorre a “medição” da extensão do período frio ou do comprimento da noite, mas o modo de funcionamento desse(s) “relógio(s) interno(s)” é ainda pouco claro. 4.4. Mecanismos físicos de controle da germinação Como já foi dito, a protrusão da radícula ou de qualquer outra parte do embrião depende que o tegumento ou outros tecidos anexos sejam rompidos. Para isso é necessário que a força de crescimento seja superior à resistência do tegumento. Em certos casos, o tegumento tem uma rigidez tal que restringe a absorção de água, o crescimento do embrião, e a germinação. Um exemplo é o da semente de tomate (Figura 2). O embrião, em especial a ponta da radícula é coberto pelo endosperma rígido. A quebra de dormência envolve a 32 produção de uma enzima (mananase) que digere polissacarídeos da parede celular do endosperma e provoca o seu enfraquecimento. Assim, a dormência de sementes de tomateiro é altamente associada com a resistência do tegumento. Outro mecanismo citado é a importância do tegumento no controle das relações hídricas e das trocas gasosas. Algumas sementes possuem tegumentos que favorecem a manutenção de baixos níveis de hidratação internos, altamente impermeáveis e com mecanismos de eliminação de água. Esse tipo de semente é característico de leguminosas arbóreas. As sementes com tegumentos impermeáveis são comumente denominadas de sementes duras. Quanto às trocas gasosas, o tegumento tanto pode impedir a entrada como consumir parte do oxigênio disponível na ambiente, afetando a germinação. 4.5. Mecanismos hormonais de controle da germinação A ocorrência ou não de germinação em sementes depende de mecanismos complexos que as sementes possuem para alcançar o objetivo de se tornarem plantas adultas e virem a produzir sementes vigorosas. Esses mecanismos fazem a interpretação dos sinais ambientais (água, temperatura e luz). A percepção ambiental se dá por proteínas, que, ao serem ativadas pela ação do fator ambiental, afetam o metabolismo do embrião, estimulando o seu crescimento. Isso envolve, por exemplo, a atividade de proteínas de degradação de reservas nos cotilédones ou no endosperma, o transporte dos nutrientes até o embrião, e o início do crescimento do embrião. Em vários casos se observa que os sinais ambientais são percebidos em tecidos específicos (cotilédones, por exemplo), e os sinais de crescimento ocorrem em outro órgão ou tecido (plúmula ou radícula). Isso implica que o tecido que “percebeu” o fator ambiental produza um sinal, provavelmente bioquímico, que tem que ser transmitido até os tecidos em que se dará a alteração no metabolismo associada à retomada do crescimento do embrião. Esses sinais bioquímicos endógenos são comumente denominados de hormônios (reguladores endógenos de crescimento de plantas). Algumas substâncias parecem ter um efeito muito importante, e comum à maioria das plantas, como as giberelinas, que são indutores universais de germinação de sementes, e o ácido abscísico, que é um inibidor também universal. Outras substâncias envolvidas são o etileno e o ácido indolacético (AIA). O etileno induz a germinação de várias espécies, e inibe a germinação de algumas. Seu papel na germinação já foi brevemente discutido no item 3.4.2. O AIA participa do controle da mobilização de reservas em leguminosas, o que será discutido no item 5.4.2, e é importante na 33 regulação do crescimento da planta, e no equilíbrio entre a produção de parte aérea e sistema radicular, mas a maioria dos efeitos são pós-germinativos. Os fenômenos conhecidos mais importantes são apresentados abaixo. Outras substâncias podem ser importantes, como algumas do grupo das poliaminas (espermina, espermidina e putrescina) e dos esteróis (brassinosteróides), mas não serão discutidas nesse texto. 4.5.1. Giberelinas Durante a embriogênese, é comum encontrar altos níveis de giberelina (GA1) em embriões, mas parece que no início do desenvolvimento dos embriões, eles são incapazes de responder ao GA1 com a germinação ou quebra de reservas. Também parece, que pelo menos em tomate, o GA1não é essencial para o desenvolvimento do embrião. No entanto, considera-se que o GA1 ou outras giberelinas sejam essenciais para que ocorra a germinação. A maioria do estudos com giberelinas se referem a eventos pós-germinativos, particularmente à degradação das reservas da semente. O caso mais estudado é o efeito da produção de GA1 pelo embrião de cereais no estímulo à degradação das reservas. No entanto, as giberelinas podem induzir a alterações na rigidez das paredes celulares nos tecidos responsivos (i.e. radícula). Como a germinação envolve o crescimento do embrião, o que só ocorre após a diminuição da rigidez da parede, considera-se que as giberelinas afetam a germinação e também a mobilização de reservas pós-germinativas. No caso do tomate, estudo com mutantes deficientes em giberelinas mostraram que as giberelinas 4 e/ou 7 são necessárias para que ocorra a atividade de enzimas endo-mananases, manohidrolases e -galactosidases, importantes para a degradação da parede celular do endosperma. 4.5.2. Ácido abscísico Em plantas, o ácido abscísico é um importante sinal hormonal disparado em condições de estresse hídrico, e pode ser acumulado em sementes durante a embriogênese, mas os níveis de ABA em sementes maduras são normalmente muito baixos. Acredita-se que o ABA produzido pelo embrião durante meados da embriogênese (apenas aquele produzido pelo embrião, e não o ABA produzido pela planta-mãe – Kermode, 1995; Karssen, 1995) seja responsável pela instalação da dormência primária em algumas espécies, ainda que, após a instalação da dormência, a presença de ABA pareça não ser necessária. É possível que o ABA seja responsável pela produção de proteínas de dormência, que provocariam a instalação da dormência ao final da 34 embriogênese. Por outro lado, fatores ambientais que afetam a maturação de sementes (como o estresse hídrico, nutrição e temperatura) podem levar a uma retenção substancial de ABA pelas sementes (Kermode, 1995). A adição de ABA em sementes não dormentes impede a germinação, antagonizando os processos mediados por giberelinas, como a síntese de diversas proteínas associadas à mobilização de reservas (endo-β-mananase, -amilase, etc.). Parece que o modo de ação do ABA ocorre pelo impedimento do alongamento da radícula, e não os processos anteriores (da fase platô), possivelmente afetando a resistência da parede celular, e com isso impedindo a absorção de água (Kermode, 1995). 5. MOBILIZAÇÃO DAS RESERVAS NUTRITIVAS APÓS A GERMINAÇÃO Com a retomada do crescimento do embrião, e a reativação do metabolismo, é necessário que o embrião receba nutrientes minerais e orgânicos que sustentem o seu desenvolvimento até que a nova planta seja capaz de fotossíntese, o que só ocorre após alguns dias. No caso de uma planta adulta, a produção de energia para sustentar o seu desenvolvimento é feita por dois processos fundamentais, a fotossíntese e a respiração. A fotossíntese refere-se à captação de luz visível, principalmente a vermelha e a azul, e a transformação da energia contida nessa luz em energia utilizável pelos seres vivos, representada particularmente pelo trifosfato de adenosina (ATP) e pela nicotinamida adenosina dinucleotídeo fosfato reduzida (NADPH). Essas substâncias são extremamente reativas e não podem ser armazenadas ou transportadas para fora da célula. Há, assim, o problema do fornecimento de energia para as células não fotossintetizantes, ou à noite, quando a fotossíntese não é possível. Esse problema é solucionado pela própria fotossíntese, na chamada fase bioquímica ou escura, quando o ATP e o NADPH produzidos são usados para conversão de CO2 e água em açúcares. Essas moléculas, ricas em energia, podem ser armazenadas ou transportadas, dependendo do seu tipo (por exemplo, a sacarose é o principal açúcar transportado em plantas, e o amido o principal açúcar armazenado). Quando uma célula precisa de energia (sempre), ela converte esses açúcares novamente em CO2 e água, pelo processo denominado de respiração, produzindo ATP e NADH (que tem função similar ao NADPH). 35 A fotossíntese é realizada em organelas especializadas denominadas de cloroplastos, e a respiração, para ser plena, depende do funcionamento de organelas denominadas mitocôndrias. No caso de plantas recém-germinadas, nem as mitocôndrias nem os cloroplastos são bem desenvolvidos. No início da embebição, as mitocôndrias não apresentam os dobramentos internos característicos, e parece que a respiração é pouco eficiente em termos de produção de ATPs. Em alguns dias, com a maturação de mitocôndrias, a respiração passa a ocorrer normalmente. No caso dos cloroplastos, também apresentam poucos dobramentos internos, com ausência de clorofila. A maturação de cloroplastos e a síntese de clorofila só ocorrem após a exposição das folhas à luz. Assim, a planta, logo a pós a germinação, é incapaz de fotossíntese. A nutrição da planta depende de reservas armazenadas na semente, seja no embrião (hipocótilo ou nos cotilédones) ou fora dele (endosperma). Os processos de utilização dessas reservas são discutidos em detalhes abaixo. 5.1. Reservas nutritivas de sementes Os nutrientes armazenados em sementes são divididos em três grupos principais: os carboidratos, as proteínas e os lipídeos (óleos). Os principais tipos e a forma de utilização são detalhados a seguir. 5.2. Carboidratos de reserva Os carboidratos constituem o principal grupo de reservas em muitas sementes. São armazenados desde açúcares solúveis de baixo peso molecular, oligossacarídeos, polissacarídeos de parede celular, amido e frutanos. O amido é o carboidrato mais abundante (em escala global), e representa a principal reserva em muitas sementes. Devido à importância econômica do amido, o metabolismo da sua degradação tem sido bastante estudado, mais particularmente com relação aos grãos de cereais importantes para a indústria alimentar e de bebidas. Como resultado tem-se um quadro detalhado da degradação de amido em cereais associada à germinação, que é útil como ponto de referência para o exame da mobilização de substâncias de reservas em geral. Porém, a importância da degradação de amido não é sempre primária e nunca é exclusiva. Em muitas espécies, o amido é menos significante do que os carboidratos solúveis ou polissacarídeos de parede como material de reserva, e a sua quebra é geralmente muito associada com a utilização de carboidratos solúveis e mesmo com a degradação de parede celular. 36 Os vários carboidratos de sementes mobilizados para suportar a germinação e o crescimento da plântula têm propriedades características e a sua disposição na semente é tal que permite a sua acessibilidade para mobilização, e os mecanismos requeridos para efetivar sua degradação e utilização. 5.2.1. Carboidratos solúveis Os carboidratos solúveis presentes em sementes não germinadas incluem alguns monossacarídeos, dissacarídeos (principalmente a sacarose), e uma variedade de oligossacarídeos (mais comumente da família da rafinose), mas eles também podem incluir material altamente polimérico como frutanos, -glucanos e arabinoxilanos. Os açúcares de baixo peso molecular compreendem uma pequena fração dos carboidratos totais utilizáveis, mas há exceções. Os carboidratos solúveis pré-formados permitem a germinação em si, ou seja, eles sustentam o metabolismo inicial (por exemplo, a respiração) e a extensão dos tecidos do eixo embrionário. Quando estão presentes em maiores quantidades, eles também suportam o crescimento inicial da planta. Uma vez que os açúcares simples e os oligossacarídeos são solúveis e no máximo apenas levementepolimerizados, eles são prontamente metabolizados e servem como substratos para produção de energia e para a síntese das substâncias até que a mobilização de reservas mais inertes ou poliméricas tenha progredido suficientemente para suportar as demandas crescentes da planta jovem. 5.2.2. Amido O amido consiste de moléculas de amilose altamente poliméricas e não ramificadas, nas quais os resíduos de glicose são ligados primariamente por ligações glicosídicas do tipo -1-4, e de moléculas de amilopectina, nas quais cadeias curtas de glicose formadas por ligações do tipo -1-4 são ramificadas através de ligações glicosídicas do tipo -1-6 em arranjos característicos. A maioria dos amidos contém cerca de 25% de amilose e 75% de amilopectina, mas essa proporção é variável. O amido é arranjado em superestruturas granulares insolúveis. Os grãos de amido podem ser estruturas discretas ou compostas, e exibem várias formas e tamanhos. O amido é largamente, mas não universalmente presente em sementes maduras. As principais reservas amiláceas são geralmente localizadas em órgãos de reserva especializados, mais notavelmente no endosperma de cereais e em cotilédones de alguns legumes. A sua mobilização proporciona a maior parte dos açúcares utilizados 37 pelo embrião para suportar o crescimento inicial da planta. Porém, o eixo embrionário também pode conter amido. O amido é compartimentalizado de forma diferente no cotilédone de leguminosas e no endosperma de cereais. Nas células cotiledonares, as membranas dos amiloplastos, nos quais o amido é sintetizado, parecem ser desintegradas quando a semente amadurece, assim os grânulos são expostos diretamente no citoplasma das células. No endosperma de cereais, os grãos de amido são posicionados em uma matriz de proteína de reserva e cercados pelas paredes das células mortas. Esse material “envelopante” representa uma barreira considerável à ação das enzimas degradadoras de amido. O amido também pode ser sintetizado em tecidos da semente durante a germinação, em resposta a um suprimento excessivo de carboidratos oriundos da mobilização das reservas das sementes. Isso é especialmente aparente em tecidos que não acumulam muito amido até a maturação das sementes. O amido recém-sintetizado desaparece novamente mais tarde na germinação e, assim, representa uma reserva transitória de carboidrato que pode ser mobilizada na medida em que seja necessária. De forma diferente do que o amido pré-formado, ele é compartimentalizado dentro de plastídeos intactos. Devido ao caráter granular insolúvel do amido nativo, ele é altamente resistente ao ataque enzimático. Particularmente, a iniciação da quebra dos grãos de amido requer enzimas especializadas, as quais geralmente não estão presentes em sementes maduras. A produção de uma maquinaria efetiva para a quebra do amido é um fator chave na degradação de amido na germinação. 5.2.3. Polissacarídeos de parede Paredes celulares de sementes podem ser degradadas na germinação para proporcionar uma importante fonte de carboidratos para suportar o crescimento da planta. Essa função nutricional é especialmente evidente na degradação de paredes celulares espessadas do endosperma ou de cotilédones de muitas sementes. Além dessas paredes celulares especializadas para o armazenamento, paredes não espessadas de células mortas ou deplecionadas que formam os tecidos de armazenamento de outros materiais de reserva também podem ser quebradas, e os seus açúcares componentes utilizados. Em qualquer caso, as paredes celulares representam uma reserva extracelular de materiais que podem complementar ou substituir a degradação do amido durante a germinação. Assim como o amido, eles são 38 insolúveis e relativamente inertes, e a sua degradação requer a produção de enzimas chave. O armazenamento de carboidratos na forma de polissacarídeos de parede fornece à semente o benefício adicional da resistência conferida aos tecidos, e pode ser um fator de dormência, pela restrição mecânica ao crescimento do embrião. Um exemplo são as sementes de palmáceas como a tamareira (Phoenix dactylifera). 5.3. Fenomenologia do catabolismo de carboidratos A mobilização das reservas das sementes começa com a germinação, e assim os fatores que iniciam a germinação controlam a degradação e a utilização dos carboidratos. A germinação per se é alimentada pelas reservas de carboidratos solúveis, que são os primeiros açúcares a serem consumidos. Altos níveis de -galactosidase são observados em sementes não germinadas. No caso de certos oligossacarídeos, o consumo pode se estender por alguns dias, se sobrepondo com o início da degradação do amido. O metabolismo de oligossacarídeos armazenados pode resultar em um rápido aumento paralelo de açúcares mais simples. Fatores relacionados à germinação coordenam a mobilização dos carboidratos solúveis e outros materiais de reserva. Algumas das enzimas envolvidas na degradação do amido ou da parede celular podem estar presentes em sementes desde antes da germinação, mas as atividades chave requeridas para a iniciação dos processos de quebra ou despolimerização geralmente não estão presentes. Assim, o estabelecimento dessas atividades enzimáticas é o ponto de foco na regulação da quebra dos polissacarídeos de reserva. Uma vez que a maquinaria de mobilização tenha sido estabelecida, a taxa de degradação dos carboidratos pode ser controlada por fatores que modulam a produção ou a atividade das enzimas envolvidas. O suprimento dos açúcares deve ser coordenado com a demanda apresentada pela planta jovem em crescimento. A utilização de materiais de reserva armazenados reflete padrões característicos de quebra desses materiais correlacionados com o desenvolvimento das atividades enzimáticas requeridas para efetuar sua degradação. Esses fenômenos ocorrem em tecidos específicos e em etapas determinadas do processo germinativo. 5.3.1. Catabolismo das reservas do endosperma de cereais Durante a germinação e o crescimento da planta, o endosperma de sementes de cereais amolece e eventualmente se liquefaz; esse fenômeno acontece pelo aumento da desintegração da parede celular e a corrosão física dos grãos de amido. Essa dissolução geralmente começa adjacente ao escutelo e progride como uma frente que se move para 39 longe da face do escutelo, em direção da região distal da semente. Concomitantemente, as regiões do endosperma logo abaixo da camada de aleurona se tornam progressivamente mais digeridas, como uma onda que se alastra, a partir da junção entre o escutelo e a camada de aleurona. O endosperma morto de sementes maduras de cereais não contém um maquinário enzimático suficiente para efetuar uma degradação significativa das paredes e das substâncias de reserva. As enzimas necessárias ou não estão presentes, apresentam baixa atividade ou estão inativas. Essas enzimas ou seus agentes ativadores precisam ser sintetizados e secretados dentro do endosperma pelos tecidos vivos adjacentes: a aleurona ou o epitélio do escutelo. O padrão da degradação das reservas reflete o padrão em que a atividade enzimática aparece após a germinação. A degradação das paredes celulares é vital para a mobilização das reservas do endosperma, uma vez que as paredes celulares protegem o conteúdo das células do endosperma do ataque enzimático. A quebra efetiva do amido no endosperma de cereais somente é possível após a produção de -amilases, mas também é necessária a produção de hidrolases para digerir a parede celular que protege os grãos de amido do ataque amilolítico, e de proteases para dissolverem a matriz protéica que cobre a superfície dos grãos.
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