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TRIBUNAL DO JÚRI E EXECUÇÃO PENAL Módulo: Direito Penal Tema 01: Princípios Gerais Introdução Em busca do aprimoramento das técnicas pertinentes ao Tribunal do Júri e à Execução Penal, busca-se o aprimoramento por meio da incorporação de temas relevantes e de maior ressonância no âmbito estudado. Nesse sentido, relevante tratar dos pontos mais caros para aqueles da carreira, dentre os quais incluímos, assim, juízes, promotores de justiça, advogados, delegados de polícia e outras pessoas de diferentes áreas de atuação. Evidente, então, que a oportunidade se constrói em meio diversificado, plural, o que possibilita a articulação dos temas de forma ampla. Dois são os grupos de temas relevantes para o debate a ser desenvolvido no âmbito do Júri e da Execução Penal: o primeiro aborda os fundamentos do Direito Penal e Processo Penal, permitindo que os alunos se familiarizem com as bases dessas áreas antes do mergulho no segundo grupo, ou seja, nos assuntos específicos do Tribunal do Júri. Nesse processo, aprofundar-se-á no estudo dos princípios básicos do Direito Penal, uma etapa essencial para a compreensão dos conceitos e princípios que regem o sistema jurídico. Alexandre Silva de Aguiar - 08635335740 Atualmente, para obter o máximo de aproveitamento e absorção do tema em debate, busca-se uma abordagem flexível, uma linguagem adequada e o contato direto com os temas discutidos, ou seja, a possibilidade de apropriação da matéria contemplada. A constância nos estudos é enfatizada como uma estratégia para o sucesso, seja em concursos públicos ou no desenvolvimento profissional contínuo e, para o profissional da área criminal, a matéria de princípios surge como um primeiro passo para a compreensão de todos os demais temas, uma vez que o campo dogmático a ser explorado deve sempre ser interpretado à luz desses. Os princípios básicos do Direito Penal são explorados cuidadosamente, pois constituem a base do sistema jurídico, proporcionando alicerces sólidos para o Tribunal do Júri e a execução penal. Ressalta-se a importância da revisão desses princípios ao longo de todo o estudo, o que se demanda até mesmo de profissionais experientes, pois a reciclagem do conhecimento é sempre valiosa para o aprimoramento de nossas habilidades jurídicas. Profícuo é o debate dos assuntos pertinentes ao Direito Penal e Processo Penal, nesse sentido, compartilhar experiências com demais profissionais da área é o que garantirá a cortante evolução do conhecimento. Destaca-se que o que se pretende é gerar alicerce para uma abordagem completa sobre os temas relacionados ao Tribunal do Júri e Execução Penal. Para além da exploração da letra fria da lei, devem ser adotadas estratégias de ensino e aprendizagem baseadas em experiências pessoais para garantir que o conhecimento seja transmitido e captado de forma clara e objetiva. Nesse sentido, importante que o aluno relacione o tema discutido à casos concretos, às notícias e acompanhe o debate municiado das informações disponibilizadas no material. Neste primeiro momento, destaca-se a importância de uma cadência contínua de estudos, algo essencial para uma preparação eficaz e um bom desempenho em avaliações e na prática profissional. A revisão periódica e a prática constante são recomendadas para a consolidação do conhecimento e o aprimoramento das nossas habilidades jurídicas. Alexandre Silva de Aguiar - 08635335740 Ao fim do material, deve-se ter em mente que a sedimentação do conhecimento sobre os princípios gerais aplicáveis à matéria criminal deve permitir que o aluno os utilize como argumento na vida prática. Princípios Aprofundaremos a análise dos princípios básicos do Direito Penal. A relevância desses princípios é inquestionável, uma vez que eles norteiam toda a estrutura do sistema jurídico criminal e garantem a justiça e o respeito aos direitos fundamentais dos indivíduos. Os princípios do Direito Penal são as bases fundamentais que orientam a construção e aplicação das normas penais em um determinado ordenamento jurídico. Eles representam diretrizes e valores essenciais que buscam garantir a justiça, a segurança jurídica e a proteção dos direitos individuais e sociais. Os princípios são aplicáveis tanto na criação das leis penais pelo poder legislativo quanto na interpretação e aplicação dessas leis pelos órgãos do sistema de justiça. Alguns dos principais princípios do Direito Penal são: • Princípio da legalidade (ou reserva legal): Estabelece que não há crime nem pena sem prévia cominação legal. Ou seja, para que uma conduta seja considerada criminosa e para que alguém possa ser punido por ela, é indispensável que exista uma lei que defina essa conduta como crime e estabeleça a respectiva pena. • Princípio da anterioridade: Determina que a lei penal deve ser anterior ao ato delituoso. Isso implica que uma pessoa não pode ser responsabilizada por uma conduta que, no momento de sua prática, não era considerada crime pela legislação. Alexandre Silva de Aguiar - 08635335740 • Princípio da culpabilidade: Pressupõe que a responsabilização penal do indivíduo exige a comprovação de sua culpabilidade, ou seja, a demonstração de que ele agiu de forma voluntária e consciente, tendo conhecimento da ilicitude de sua conduta. • Princípio da intervenção mínima: Defende que o Direito Penal deve ser utilizado apenas em última instância, ou seja, somente quando outras formas de controle social e prevenção não forem suficientes para proteger bens jurídicos e garantir a ordem social. • Princípio da humanização das penas: Preconiza que as penas impostas aos infratores devem ser proporcionais ao delito cometido, evitando-se tratamentos cruéis, degradantes ou desumanos. • Princípio da individualização da pena: Determina que a pena aplicada ao infrator deve ser individualizada, levando em consideração suas circunstâncias pessoais, a gravidade do delito e as consequências do crime. • Princípio da proporcionalidade: Exige que as medidas punitivas sejam proporcionais ao dano causado pelo crime, evitando-se excessos ou penas desproporcionais. • Princípio da presunção de inocência: Estabelece que toda pessoa é considerada inocente até que sua culpabilidade seja comprovada de forma definitiva e em julgamento justo. • Princípio da legalidade da prova: Garante que as provas obtidas de forma ilícita ou ilegal não podem ser admitidas em um processo penal, protegendo o direito à privacidade e a integridade do devido processo legal. Alexandre Silva de Aguiar - 08635335740 Esses são alguns dos princípios do Direito e do Processo Penal sobre os quais deve-se aprofundar o debate nos tópicos que seguem. A observância desses princípios é essencial para a construção de um sistema de justiça criminal justo, equilibrado e que respeite os direitos fundamentais dos indivíduos. Dando início ao tratamento aprofundado dos princípios temos o princípio da reserva legal, também conhecido como princípio da estrita legalidade, é o alicerce que fundamenta todo o ordenamento jurídico penal brasileiro. Sua essência reside no fato de que não pode haver crime ou pena sem prévia definição legal. Ou seja, somente aquilo que está expressamente previsto em lei como crime pode ser punido e apenas dentro dos limites estabelecidos pela legislação. Num primeiro momento, a limitação do poder punitivo estatal e a garantia de uma esfera intangível de liberdade do indivíduo, no âmbito do estado liberal, justificaram a necessidade da legalidade. Um fundamento sobre o qual o princípio da legalidade se baseia vem de postulado central do liberalismo político: a exigência de vinculação do Executivo e do Judiciário às leis formuladas de maneira abstrata.ou incentivado por outra norma jurídica. Um exemplo disso são as intervenções médico-cirúrgicas, que podem ser consideradas crimes de lesão corporal, mas são permitidas e respaldadas pelo Direito em certas circunstâncias. Portanto, o estudo da teoria do tipo penal é essencial para compreender a estrutura e os fundamentos do Direito Penal. A análise dos elementos objetivos, subjetivos e normativos nos possibilita uma interpretação mais precisa das normas jurídicas, garantindo a justa aplicação da lei e respeitando os direitos e garantias individuais dos cidadãos. É importante que profissionais do Direito, como advogados e juízes, tenham pleno domínio desses conceitos para assegurar uma justiça equitativa e imparcial em nossas sociedades. Tipicidade conglobante Abordar-se-á especificamente a tipicidade conglobante de Zaffaroni e a classificação dos tipos penais. Também discutirá a importância dos professores Zaffaroni e Pierangeli para o direito penal latino-americano, enfatizando a riqueza de suas obras. Além disso, explorará as diferentes classificações dos tipos penais, como tipo fechado, tipo aberto, tipo normal, tipo anormal, tipo objetivo, tipo subjetivo, tipo total e tipo congruente e incongruente. Vamos analisar cada um desses tópicos em detalhes: O direito penal é uma área fundamental da legislação, responsável por estabelecer os crimes, suas respectivas punições e as normas que regem o comportamento da sociedade. A tipicidade conglobante foi desenvolvida por Zaffaroni6, que é um dos grandes juristas do direito penal latino-americano. Nesse contexto, é relevante destacar a importância do professor José Henrique Pierangeli, figura ímpar do nosso direito penal atual, que teve a honra de prefaciar a obra de Zaffaroni, o que demonstra a grande relevância e respeito que esse autor possui no meio jurídico. 6 ZAFFARONI, Eugenio Raúl.; PIERANGELLI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro, volume 1. Parte geral. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. Alexandre Silva de Aguiar - 08635335740 Zaffaroni é uma das principais fontes do direito penal latino-americano, com vasta experiência como juiz da Suprema Corte Argentina e inúmeras obras de destaque no campo do direito penal. Sua contribuição para o desenvolvimento da teoria e prática do direito penal é inegável, tornando-se uma referência para estudiosos e operadores do direito em toda a América Latina. É altamente recomendável a leitura de suas obras para aqueles que desejam aprofundar seus conhecimentos nessa área. A tipicidade conglobante é uma teoria proposta por Zaffaroni, que sustenta que o fato típico já contém em si os elementos da antijuridicidade e da culpabilidade. Em outras palavras, quando uma conduta é típica, ela já carrega consigo os elementos que a tornam ilícita e imputável ao agente. Essa teoria é relevante para entendermos a estrutura dos tipos penais e a relação entre seus elementos constitutivos. Um exemplo utilizado por Zaffaroni para ilustrar a tipicidade conglobante é o das intervenções médico-cirúrgicas. Quando um médico realiza uma cirurgia legítima, isto é, consentida, como uma cirurgia plástica ou uma intervenção cardíaca, ele está praticando uma lesão corporal no paciente, mas não é processado por isso, pois essa conduta está acobertada por uma excludente de ilicitude. Diferente o caso em que ão há consentimento por parte do agente, remanescendo o caráter injuto da conduta médica, inexistindo excludente de ilicitude aplicável ou outra figura que afaste a tipicidade da conduta. Assim, a tipicidade já engloba a antijuridicidade da conduta. Outra classificação relevante dos tipos penais é quanto à sua natureza, que pode ser fechado ou aberto. Os tipos penais fechados são aqueles que possuem a definição completa da conduta proibida, ou seja, contêm apenas elementos objetivos descritivos que não dependem de interpretação. Um exemplo disso é o crime de homicídio, que consiste em matar alguém, uma conduta objetivamente descrita. Por outro lado, temos os tipos penais abertos, que contêm elementos normativos ou subjetivos que dependem de interpretação. Um exemplo é o crime de exposição ou abandono de recém-nascido. Nesse caso, a expressão "ocultar desonra própria" é um elemento normativo que exige interpretação para determinar o que é considerado "desonra própria". Essa é uma classificação importante para entendermos a complexidade de certos tipos penais. Alexandre Silva de Aguiar - 08635335740 Dentro da classificação dos tipos penais, ainda podemos fazer uma distinção entre tipo normal e tipo derivado. O tipo normal é o tipo básico que possui a descrição completa da conduta proibida, enquanto o tipo derivado é composto a partir do tipo básico e contém circunstâncias que podem aumentar ou diminuir a reprimenda. Por exemplo, o homicídio é um tipo normal, e suas qualificadoras, como homicídio qualificado por motivo fútil ou torpe, são tipos derivados. Também podemos dividir os tipos penais em tipo objetivo e tipo subjetivo. O tipo objetivo é a parte do tipo penal que contém apenas elementos objetivos, ou seja, não se relaciona com a vontade do agente. Por exemplo, no crime de furto, a parte objetiva é "subtrair coisa alheia móvel", que é a descrição do ato em si, independente da vontade do agente. Por sua vez, o tipo subjetivo é a parte do tipo penal relacionada à vontade do agente, como o dolo ou a culpa. O dolo é a vontade consciente de praticar o crime, enquanto a culpa refere-se à negligência, imprudência ou imperícia na conduta do agente. Essa classificação é importante para compreendermos a relação entre a ação praticada e a intenção do agente. Outra classificação interessante dos tipos penais é a distinção entre tipo total e tipo congruente. O tipo total engloba não apenas a descrição da conduta proibida, mas também a ilicitude da conduta. Isso significa que, para haver tipicidade, é preciso que não ocorra nenhuma excludente de ilicitude. Já o tipo congruente é aquele em que a parte subjetiva da ação corresponde exatamente à parte objetiva, não exigindo elementos objetivos especiais além do dolo simples. Ou seja, a própria conduta já é considerada ilícita por si só. Finalmente, temos o tipo formal, que é a descrição do tipo feita pelo legislador na lei penal. É a forma como o crime é narrado e criminalizado, sendo importante que a conduta se adeque à norma para ser considerada típica. Entretanto, é preciso levar em conta a adequação social da conduta, ou seja, se a sociedade a considera adequada ou não. Em conclusão, a tipicidade conglobante de Zaffaroni é uma teoria relevante para o entendimento da estrutura dos tipos penais. A classificação dos tipos penais em fechados e abertos, normais e derivados, objetivos e subjetivos, totais e congruentes ou incongruentes, permite uma melhor compreensão das nuances e complexidades dos tipos penais. Alexandre Silva de Aguiar - 08635335740 Bibliografia BITENCOURT, Cezar R. Tratado de direito penal: Parte geral - arts. 1º a 120 (vol. 1).São Paulo: Editora Saraiva, 2022. E-book. ISBN 9786555597172. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786555597172/. Acesso em: 03 ago. 2023. GRECO, Luís. Introdução à dogmática funcionalista do delito. Revista Brasileira de Ciências Criminais. RBCCrim, v. 32, 2000. OLIVÉ, Juan Carlos F.; BRITO, Alexis Couto de. Direito penal brasileiro, 2ª edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2017. E-book. ISBN 9788547215231. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788547215231/. Acesso em: 03 ago. 2023. ZAFFARONI, Eugenio Raúl.; PIERANGELLI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro, volume 1. Parte geral. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. Alexandre Silva de Aguiar - 08635335740TRIBUNAL DO JÚRI E EXECUÇÃO PENAL Módulo: Direito Penal Tema 04: Ilicitude e Excludentes Introdução O tema da ilicitude é um dos pilares fundamentais desse ramo do direito, uma vez que estabelece os limites entre o permitido e o proibido nas ações humanas. Ao adentrar no processo de estudo, o aluno se depara com um assunto complexo, mas essencial para a formação jurídica. A ilicitude, abrange as chamadas "excludentes de ilicitude", que são situações em que, apesar de o comportamento do agente se enquadrar na descrição do tipo penal, ele é considerado lícito e, portanto, não passível de punição. O primeiro grupo de excludentes mencionado é o das excludentes legais, aquelas previstas na própria legislação. Dentre elas, destacam-se a legítima defesa, o estado de necessidade e o estrito cumprimento do dever legal ou o exercício regular do direito. Essas situações específicas são amplamente abordadas no Código Penal, conferindo respaldo legal ao agente que age em conformidade com os requisitos estabelecidos. Alexandre Silva de Aguiar - 08635335740 Exclusão de ilicitude Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o fato: I - em estado de necessidade; II - em legítima defesa; III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito. Excesso punível Parágrafo único - O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo. Estado de necessidade Art. 24 - Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se. § 1º - Não pode alegar estado de necessidade quem tinha o dever legal de enfrentar o perigo. § 2º - Embora seja razoável exigir-se o sacrifício do direito ameaçado, a pena poderá ser reduzida de um a dois terços. Legítima defesa Art. 25 - Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem. Parágrafo único. Observados os requisitos previstos no caput deste artigo, considera-se também em legítima defesa o agente de segurança pública que repele agressão ou risco de agressão a vítima mantida refém durante a prática de crimes. Além das excludentes legais, existem aquelas que não possuem previsão expressa na legislação, sendo chamadas de excludentes de antijuridicidade heterotópicas. Essas excludentes são construídas pela doutrina e pela jurisprudência, e, embora não estejam descritas no texto legal, podem ser aplicadas em casos específicos, desde que atendam aos princípios do ordenamento jurídico vigente. Um exemplo de excludente heterotópica é o consentimento do ofendido. Em situações em que o próprio ofendido consente voluntariamente com a prática do ato que, em outras circunstâncias, seria considerado ilícito, a conduta pode ser afastada da ilicitude, garantindo a proteção da autonomia da vontade do indivíduo envolvido. Alexandre Silva de Aguiar - 08635335740 A análise e reconhecimento das excludentes de ilicitude não são tarefas simples e demandam uma avaliação cuidadosa de cada caso concreto. Isso exige uma interpretação adequada da legislação e o conhecimento aprofundado dos princípios do Direito Penal, o que torna o papel dos profissionais da área jurídica essencial nesse processo. Em relação à legitima defesa, especificamente, é importante destacar os requisitos que devem ser preenchidos para que essa excludente seja aceita. Primeiramente, é necessário que o agente esteja sofrendo uma agressão injusta, ou seja, uma violência ilegal e não autorizada por lei. Além disso, a agressão deve ser atual ou iminente, ou seja, estar ocorrendo ou prestes a ocorrer. Outro requisito fundamental é o uso moderado dos meios necessários para repelir a agressão. Isso significa que o agente não pode exceder o necessário para se defender, evitando o uso de força desnecessária ou desproporcional ao ataque sofrido. A legítima defesa, um dos institutos jurídicos mais bem elaborados através dos tempos, representa uma forma abreviada de realização da justiça penal e da sua sumária execução. Afirma-se que a legítima defesa representa uma verdade imanente à consciência jurídica universal, que paira acima dos códigos, como conquista da civilização. Referindo-se à legítima defesa, Bettiol afirmava que “ela na verdade corresponde a uma exigência natural, a um instinto que leva o agredido a repelir a agressão a um seu bem tutelado, mediante a lesão de um bem do agressor. Como tal, foi sempre reconhecida por todas as legislações, por representar a forma primitiva da reação contra o injusto”. O reconhecimento do Estado da sua natural impossibilidade de imediata solução de todas as violações da ordem jurídica, e objetivando não constranger a natureza humana a violentar-se numa postura de covarde resignação, permite, excepcionalmente, a reação imediata a uma agressão injusta, desde que atual ou iminente, que a dogmática jurídica denominou legítima defesa. [...] Define-se a agressão como a conduta humana que lesa ou põe em perigo um bem ou interesse juridicamente tutelado. Mas a agressão, contudo, não pode confundir-se com a mera provocação do agente, que é, digamos, uma espécie de estágio anterior daquela, devendo-se considerar a sua gravidade/intensidade para valorá-la adequadamente. [...] Qualquer bem jurídico pode ser protegido pelo instituto da legítima defesa, para repelir agressão injusta, sendo irrelevante a distinção entre bens pessoais e impessoais, disponíveis e indisponíveis. Qualquer bem jurídico, relevante, importante, inclusive bens jurídicos pouco valiosos também podem ser protegidos pela legítima defesa, tais como ofensas à honra, lesões corporais leves etc. Considerando, porém, a titularidade do bem jurídico protegido por esse instituto, pode-se classificá-lo em: próprio ou de terceiro, que autorizam legítima defesa própria, quando o repelente da agressão é o próprio titular do bem jurídico ameaçado ou atacado, e legítima defesa de terceiro, quando objetiva proteger interesses de outrem. [...] Alexandre Silva de Aguiar - 08635335740 Todos os bens jurídicos protegidos pelo ordenamento jurídico são, em tese, defensáveis pela legítima defesa, inclusive a honra, própria ou de terceiro. Importa, evidentemente, analisar, nesse caso, a necessidade, moderação e proporcionalidade dos meios utilizados na defesa desses bens. Na verdade, embora se reconheça a legitimidade da reação pessoal, nas circunstâncias definidas pela lei, o Estado exige que essa legitimação excepcional obedeça aos limites da necessidade e da moderação [...] Necessários são os meios suficientes e indispensáveis para o exercício eficaz da defesa. Se não houver outros meios, poderá ser considerado necessário o único meio disponível (ainda que superior aos meios do agressor), mas, nessa hipótese, a análise da moderação do uso deverá ser mais exigente, mais criteriosa, mais ajustada às circunstâncias. Aliás, além de o meio utilizado dever ser o necessário para a repulsa eficaz, exige-se que o seu uso seja moderado, especialmente quando se tratar do único meio disponível e apresentar-se visivelmente superior ao que seria necessário. Essa circunstância deve ser determinada pela intensidade real da agressão e pela forma do emprego e uso dos meios utilizados. Como afirmava Welzel, “a defesa pode chegar até onde seja requerida para a efetiva defesa imediata, porém, não deve ir além do estritamente necessário para o fim proposto”. Havendo disponibilidade de defesas, igualmente eficazes, deve-se escolher aquela que produza menor dano. Modernamente, defendemos a invocação do princípio da proporcionalidade na legítima defesa, na medidaem que os direitos absolutos devem circunscrever- se a limites muito exíguos. Seria, no mínimo, paradoxal admitir o princípio da insignificância para afastar a tipicidade ou ilicitude de determinados fatos, e sustentar o direito de reação desproporcionada à agressão, como, por exemplo, matar alguém para defender quaisquer valores menores. Nessa linha de orientação manifesta-se Johannes Wessels, afirmando que “O direito à legítima defesa encontra seu limite na proibição geral do abuso de direito e nos elementos normativos da ‘imposição’: uma defesa, cujas consequências situam-se em crassa desproporção para com o dano iminente, é abusiva e, assim, inadmissível”1 Toda essa análise sobre as excludentes de ilicitude é realizada por diversos atores do sistema de justiça, desde o delegado de polícia responsável pela condução do inquérito até o juiz que irá proferir a sentença no caso de um processo criminal. A correta aplicação dessas excludentes é fundamental para garantir a justiça e evitar a punição de pessoas que agiram em situações de real necessidade ou sob legítima defesa. Portanto, o estudo da ilicitude e das excludentes de ilicitude é uma das bases do Direito Penal e requer um aprofundamento contínuo dos profissionais e estudantes da área jurídica. A interpretação das normas, a compreensão dos princípios e a análise criteriosa dos casos concretos são essenciais para a correta aplicação da lei e a preservação dos direitos individuais no sistema de justiça. 1 BITENCOURT, Cezar R. Tratado de direito penal: Parte geral - arts. 1º a 120 (vol. 1).São Paulo: Editora Saraiva, 2022. E-book. ISBN 9786555597172. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786555597172/. Acesso em: 03 ago. 2023. Alexandre Silva de Aguiar - 08635335740 Estado de Necessidade O tema abordado é o "Estado de Necessidade", uma das excludentes de ilicitude previstas no Direito Penal. Nesse contexto, são discutidos os requisitos para a configuração do Estado de Necessidade e suas principais características. O Estado de Necessidade é caracterizado pela ação de um indivíduo que pratica uma conduta ilícita para evitar um mal maior. O estado de necessidade pode ser caracterizado pela colisão de bens jurídicos de distinto valor, devendo um deles ser sacrificado em prol da preservação daquele que é reputado como mais valioso. Como salientava Heleno Fragoso: “O que justifica a ação é a necessidade que impõe o sacrifício de um bem em situação de conflito ou colisão, diante da qual o ordenamento jurídico permite o sacrifício do bem de menor valor”, desde que imprescindível, acrescentamos, para a salvaguarda do bem preservado. Com essa configuração, a delimitação do estado de necessidade e da conduta de salvaguarda necessária é, normalmente, feita através do critério de ponderação de bens. Contudo, como veremos no estudo dos pressupostos e requisitos dessa causa de justificação, nem sempre é fácil determinar qual é o bem que deve ser preservado no caso concreto, pois a colisão de bens jurídicos pode acontecer não somente entre bens de distinto valor (sacrificar um bem móvel alheio para preservar a própria vida), mas também entre bens de iguais valores (deixar de salvar a um terceiro desconhecido para salvar um parente próximo). Quando, no exemplo clássico, dois náufragos disputam a mesma tábua, que não suporta mais de um, uma vida terá de ser sacrificada para salvar outra. Em tais hipóteses, o Direito, reconhecendo sua impotência para salvar os bens em perigo, admite que um deles seja sacrificado em benefício do outro, aguardando a solução natural, para proclamá-la legítima. Aliás, nem adiantaria dispor de forma diversa, uma vez que o instinto de sobrevivência e de preservação pessoal é muito mais forte do que qualquer “coação psicológica” que a sanção penal possa representar. Mas, nessas situações, ao contrário do que entendia o jusnaturalismo, segundo o qual haveria a derrogação da ordem jurídica, o Direito continua presente e vigente, apenas acomoda-se dentro dos limites das possibilidades humanas, para manter-se eficaz, sob pena de normativizar paradoxalmente, alheio à realidade social. Esse sentido humanitário do Direito, não exigindo renúncias heroicas, é, também, fundamento ético-social para excluir a ilicitude de comportamentos praticados em estado de necessidade. Sendo, por isso, indicativo de que a delimitação das condutas justificadas pelo estado de necessidade não está submetida a uma estrita ponderação de bens. O estado de necessidade não se confunde com a legítima defesa. Nesta, a reação realiza-se contra bem jurídico pertencente ao autor da agressão injusta, enquanto naquela a ação dirige-se, via de regra, contra um bem jurídico pertencente a terceiro inocente. No estado de necessidade há ação, na legítima defesa, reação; em ambas há a necessidade de salvar um bem ameaçado. Alguém atingido por uma ação realizada em estado de necessidade não pode reagir em legítima defesa, ante a legitimidade daquela ação, mas pode, igualmente, agir em estado de necessidade. Alexandre Silva de Aguiar - 08635335740 Ao contrário de uma corrente doutrinária que vê no estado de necessidade o exercício de um direito, reconhecemos nela tanto a) uma faculdade, no sentido de direito facultativo do próprio indivíduo afetado pela situação de necessidade de escolher entre deixar perecer o seu interesse juridicamente protegido, ou sacrificar o interesse de outra pessoa, igualmente tutelado pela ordem jurídica; como também b) um dever, nos casos de estado de necessidade de terceiro, em que é obrigatória a ação de salvaguarda para aquele que está em condições de prestar assistência, sob pena de ver-se incurso nas penas do crime de omissão de socorro (art. 135).2 Para que seja reconhecido, três requisitos devem ser observados. Primeiramente, o agente deve estar diante de um perigo atual, que não tenha sido provocado por sua vontade e que não possa ser evitado de outra forma. O perigo precisa ser real e presente para que a excludente seja válida. O segundo requisito diz respeito à ausência de provocação do perigo pelo agente. Isso significa que ele não pode ser o responsável pela situação de risco que o levou a agir de maneira ilícita. Além disso, o agente deve comprovar que não tinha outra alternativa razoável para evitar o perigo, justificando, assim, sua ação em prol de um bem maior. O terceiro requisito se refere ao sacrifício de um direito ou bem jurídico. Esse sacrifício deve ser razoável e proporcional à gravidade do perigo enfrentado. Ou seja, o agente deve agir de forma adequada e necessária para se defender ou proteger outro bem jurídico relevante. Existem duas modalidades do Estado de Necessidade: defensivo e agressivo. No Estado de Necessidade defensivo, o agente pratica o ato contra a coisa ou pessoa da qual advém o perigo. Por exemplo, em um naufrágio, dois náufragos disputam um objeto que pode salvá-los. Já no Estado de Necessidade agressivo, o agente atinge coisa ou pessoa diversa daquela que representa o perigo, sacrificando um bem de menor valor para proteger um bem de maior valor. A análise do Estado de Necessidade deve ser feita caso a caso, considerando as particularidades de cada situação. A correta aplicação dessa excludente é fundamental para evitar condenações injustas e garantir que a justiça seja feita, protegendo os direitos dos envolvidos no processo criminal. 2 BITENCOURT, Cezar R. Tratado de direito penal: Parte geral - arts. 1º a 120 (vol. 1).São Paulo: Editora Saraiva, 2022. E-book. ISBN 9786555597172. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786555597172/. Acesso em: 03 ago. 2023. Alexandre Silva de Aguiar - 08635335740 Além disso, é importante ressaltar que, nos casos em que o agente age em Estado de Necessidade agressivo, sacrificandoum bem de maior valor para preservar um bem de menor valor, a pena pode ser reduzida como uma forma de reconhecer a necessidade da ação e a proporcionalidade da conduta diante do perigo enfrentado. Dessa forma, o estudo do Estado de Necessidade no âmbito do Direito Penal é de grande importância para assegurar a justiça, proteger os direitos dos indivíduos e promover uma sociedade mais segura e equânime. Exercício regular de direito No cenário jurídico, as questões relacionadas ao dever legal e ao exercício regular do direito são fundamentais para garantir o bom funcionamento da sociedade moderna. Esses conceitos são essenciais para entendermos a atuação de agentes públicos e particulares em situações que envolvem a aplicação da lei. O dever legal consiste na obrigação imposta por uma norma legal ou uma ordem superior, que demanda do indivíduo o cumprimento de determinada ação ou a adoção de uma conduta específica. É importante destacar que o dever legal pode ser pautado tanto por leis codificadas quanto por regras e regulamentos específicos, de acordo com cada área de atuação. Já o exercício regular do direito está relacionado à situação em que um indivíduo age de acordo com a lei, dentro dos limites impostos pelas normas, e em conformidade com as regras e protocolos estabelecidos para determinada atividade. Nesse contexto, é crucial entender que o exercício regular do direito constitui uma defesa contra a alegação de prática de atos ilícitos ou criminosos. Um exemplo prático desse conceito pode ser observado no âmbito do processo penal. Quando um agente público, como um policial, está cumprindo o dever legal de efetuar uma prisão em flagrante, ele possui a autorização legal para utilizar a força moderada, caso haja resistência por parte do detido. O exercício regular do direito, nesse caso, protege o agente de possíveis acusações de excesso ou abuso de poder. Alexandre Silva de Aguiar - 08635335740 No entanto, é essencial frisar que a análise do exercício regular do direito não é absoluta e pode variar de acordo com a circunstância de cada caso. O uso da força moderada, por exemplo, precisa ser avaliado conforme os princípios de proporcionalidade e necessidade, de modo a evitar abusos e garantir que a ação esteja de acordo com as normas estabelecidas. Em casos de ocorrências em que houve morte ou lesões corporais durante o cumprimento do dever legal, cabe uma investigação minuciosa para determinar se o agente agiu dentro dos limites impostos pela lei. É nessa análise que o conceito de exercício regular do direito se torna relevante, pois pode fornecer uma defesa jurídica para o agente, desde que sua ação tenha sido devidamente autorizada e dentro dos padrões estabelecidos. Ademais, o exercício regular do direito não se restringe apenas ao âmbito da atuação policial. O conceito se estende a outras áreas, como no campo médico, em que profissionais de saúde estão autorizados a realizar intervenções cirúrgicas e tratamentos médicos, desde que estejam seguindo os protocolos e normas estabelecidos pelo órgão de classe e pela legislação específica. Em algumas situações, atividades aparentemente ilícitas, como lesões corporais em esportes regulamentados, podem ser consideradas exercício regular do direito, desde que estejam dentro dos limites impostos pelas regras do esporte em questão. A análise do dever legal e do exercício regular do direito é uma tarefa complexa que envolve uma cuidadosa avaliação dos fatos e do contexto em que as ações ocorreram. É papel dos tribunais e do sistema judiciário garantir que as normas sejam aplicadas de forma justa e adequada, levando em consideração os princípios da legalidade e da proporcionalidade. Em conclusão, o entendimento do dever legal e do exercício regular do direito é de extrema importância para a garantia do equilíbrio e da harmonia na sociedade moderna. Esses conceitos permitem que agentes públicos e particulares ajam dentro dos limites impostos pela lei, protegendo-os de acusações infundadas e contribuindo para a manutenção da ordem e da justiça. É necessário, contudo, que essa análise seja realizada com cautela e imparcialidade, a fim de preservar a integridade do sistema jurídico e promover uma sociedade mais justa e segura para todos os seus membros. Alexandre Silva de Aguiar - 08635335740 Casos específicos de exclusão de ilicitude Abordemos os conceitos de excludente de ilicitude, especificamente o "aborto legal" previsto no artigo 128 do Código Penal, e o "consentimento do ofendido". Esses dois temas são fundamentais para entendermos como determinadas condutas podem ser consideradas não criminosas diante de circunstâncias específicas e do consentimento da vítima. Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico: Aborto necessário I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante; Aborto no caso de gravidez resultante de estupro II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal. O Código Penal apresenta em seu artigo 128 uma hipótese de exclusão de ilicitude relacionada ao aborto. Nesse caso, o aborto não é considerado crime se realizado por um médico e se não há outro meio de salvar a vida da gestante. Essa é uma situação delicada e complexa, uma vez que envolve a preservação da vida da mulher. A discussão sobre o tema é extensa e requer a avaliação de diversos fatores, levando em conta a saúde da gestante e a necessidade de intervenção médica. Além do aborto legal, outro ponto relevante é o "consentimento do ofendido". Quando o titular de um bem ou interesse disponível concorda com uma ação que resulta em uma restrição ou perda desse bem ou interesse, tal ação pode ser considerada legalmente aceitável. No entanto, esse consentimento precisa ser claro e explícito, não pode ser resultado de pressão ou violência. O contexto em que o consentimento deve ser avaliado, levando em conta a capacidade do indivíduo para consentir, sua idade e maturidade. Na prática, a aplicação dessas defesas é complexa e demanda uma análise minuciosa dos fatos, levando em conta elementos como a proporcionalidade da ação, a moderação do agente e a existência de outras alternativas menos lesivas. Cada caso deve ser avaliado individualmente, considerando os aspectos jurídicos e sociológicos envolvidos. Alexandre Silva de Aguiar - 08635335740 A importância desses temas está no fato de que eles podem influenciar decisões judiciais e, em alguns casos, impedir que uma conduta seja considerada criminosa. Contudo, é essencial ressaltar que a aplicação dessas excludentes deve ser criteriosa e sempre levar em conta a preservação dos direitos fundamentais das pessoas envolvidas. Os debates jurídicos e as discussões doutrinárias sobre esses assuntos devem ser contínuos, visando aprimorar a compreensão e a aplicação adequada do Direito Penal. Portanto, a pesquisa e o aprofundamento nesses temas são fundamentais para os estudantes e profissionais do Direito, buscando uma atuação mais justa e ética no sistema jurídico. Em conclusão, o estudo das excludentes de ilicitude, como o aborto legal e o consentimento do ofendido, é de extrema relevância para a compreensão da aplicação do Direito Penal. Essas questões levam em consideração aspectos delicados e complexos da vida em sociedade, exigindo uma análise criteriosa e aprofundada dos casos concretos. A correta interpretação e aplicação dessas excludentes contribuem para uma justiça mais efetiva e para a proteção dos direitos individuais. Portanto, é fundamental que os estudantes e profissionais do Direito continuem a investigar e debater esses temas, visando uma atuação jurídica mais consciente e responsável. Alexandre Silva de Aguiar - 08635335740Bibliografia BITENCOURT, Cezar R. Tratado de direito penal: Parte geral - arts. 1º a 120 (vol. 1).São Paulo: Editora Saraiva, 2022. E-book. ISBN 9786555597172. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786555597172/. Acesso em: 03 ago. 2023. OLIVÉ, Juan Carlos F.; BRITO, Alexis Couto de. Direito penal brasileiro, 2ª edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2017. E-book. ISBN 9788547215231. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788547215231/. Acesso em: 03 ago. 2023. Alexandre Silva de Aguiar - 08635335740 TRIBUNAL DO JÚRI E EXECUÇÃO PENAL Módulo: Direito Penal Tema 05: Culpabilidade e Excludentes Introdução Abordaremos a questão da culpabilidade e suas diferentes teorias, bem como as excludentes relacionadas a esse tema no ordenamento jurídico brasileiro. Antes de adentrarmos à culpabilidade em si e aos elementos das teorias adotadas em nosso sistema legal, é essencial compreender o conceito analítico do crime. Pontos muito relevantes para a compreensão da temática são: os conceitos de crime, autoria, teoria tripartida e teoria quatro partes de crime. Para que uma conduta seja considerada criminosa, é preciso que preencha os elementos típicos e a ilicitude, mas também deve ser aferida a culpabilidade do agente. Somente dessa forma é possível aplicar sanções penais, como a pena. Nesse contexto, é fundamental compreender que a responsabilização penal do agente está condicionada à sua culpabilidade, que é o foco do nosso estudo. A culpabilidade é o juízo de censura realizado pelo ordenamento jurídico em relação ao agente, verificando se ele, ao praticar a conduta criminosa, agiu de acordo com a expectativa devida. É um conceito complexo, que envolve tanto aspectos psicológicos como normativos. As diferentes teorias da culpabilidade buscam oferecer abordagens distintas sobre a forma de se analisar essa censura. Alexandre Silva de Aguiar - 08635335740 Atribui-se, em Direito Penal, um triplo sentido ao conceito de culpabilidade, que precisa ser liminarmente esclarecido. Em primeiro lugar, a culpabilidade — como fundamento da pena — refere-se ao fato de ser possível ou não a aplicação de uma pena ao autor de um fato típico e antijurídico, isto é, proibido pela lei penal. Para isso, exige-se a presença de uma série de requisitos — capacidade de culpabilidade, consciência da ilicitude e exigibilidade de conduta conforme a norma — que constituem os elementos positivos específicos do conceito dogmático de culpabilidade. A ausência de qualquer desses elementos é suficiente para impedir a aplicação de uma sanção penal. Em segundo lugar, a culpabilidade — como elemento da determinação ou medição da pena. Nessa acepção, a culpabilidade funciona não como fundamento da pena, mas como limite desta, impedindo que a pena seja imposta além da medida prevista pela própria ideia de culpabilidade, aliada, é claro, a outros fatores, como importância do bem jurídico, fins preventivos etc. E, finalmente, em terceiro lugar, a culpabilidade — vista como conceito contrário à responsabilidade objetiva, ou seja, como identificador e delimitador da responsabilidade individual e subjetiva. Nessa acepção, o princípio de culpabilidade impede a atribuição da responsabilidade penal objetiva, assegurando que ninguém responderá por um resultado absolutamente imprevisível e se não houver agido, pelo menos, com dolo ou culpa.1 Dentre as teorias, a psicológica enfatiza a relação psíquica do autor com o fato cometido, abrangendo aspectos como dolo e culpa. Nesse sentido, é considerado relevante o estado mental do agente no momento do delito, podendo ser influenciado por suas motivações e intenções. A teoria psicológica da culpabilidade tem estrita correspondência com o naturalismo-causalista, fundamentando-se ambos no positivismo do século XIX. Von Liszt, como demonstramos anteriormente, reduz a ação a um processo causal originado do impulso da vontade. Nesses termos, vinculada a essa concepção de Von Liszt, “culpabilidade é a responsabilidade do autor pelo ilícito que realizou”, ou, em outras palavras, culpabilidade é a relação subjetiva entre o autor e o fato. Em termos bem esquemáticos, culpabilidade é o vínculo psicológico que une o autor ao resultado produzido por sua ação. No mesmo sentido, Bellavista definiu a culpabilidade como a relação psicológica entre o agente e a ação que ocasiona um evento querido ou não querido, ainda que não previsto, mas previsível. Enfim, a culpabilidade era, para essa teoria, a relação psicológica, isto é, o vínculo subjetivo que existia entre a conduta e o resultado, assim como, no plano objetivo, a relação física era a causalidade. Dentro dessa concepção psicológica, o dolo e a culpa não só eram as duas únicas espécies de culpabilidade como também a sua totalidade, isto é, eram a culpabilidade, na medida em que esta não apresentava nenhum outro elemento constitutivo. Admitia, somente, como seu pressuposto, a imputabilidade, entendida como capacidade de ser culpável. Ora, essa concepção partia da distinção entre externo e interno, ou seja, de um lado, a parte exterior do fato punível — aspecto objetivo —, que era representada, primeiramente, pela antijuridicidade e, posteriormente, também pela tipicidade, e, de outro lado, sua parte interior, isto é, seus componentes psíquicos — aspecto subjetivo —, representada pela culpabilidade294. Segundo essa teoria, como já 1 BITENCOURT, Cezar R. Tratado de direito penal: Parte geral - arts. 1º a 120 (vol. 1).São Paulo: Editora Saraiva, 2022. E-book. ISBN 9786555597172. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786555597172/. Acesso em: 03 ago. 2023. Alexandre Silva de Aguiar - 08635335740 destacamos, “culpabilidade é uma ligação de natureza anímica, psíquica, entre o agente e o fato criminoso”, contendo somente elementos anímicos, puramente subjetivos. Assis Toledo295 advertia, no entanto, que se deveria ter cuidado para não imaginar que a teoria psicológica da culpabilidade, já devidamente elaborada, fosse histórica e cronologicamente a primeira construída a respeito da culpabilidade. A essa conclusão pode-se opor a afirmação de que o conceito de dolo entre os romanos não era puramente psicológico; ao contrário, já se apresentava mais complexo e enriquecido (vontade, previsão e consciência da ilicitude), distinguindo duas espécies de dolo: dolus malus e dolus bonus. Para a teoria psicológica, em sua concepção original, a culpabilidade somente poderia ser afastada diante de causas que eliminassem o vínculo psicológico tantas vezes referido. Essas causas seriam o “erro”, que eliminaria o elemento intelectual, ou a “coação”, que suprimiria o elemento volitivo do dolo, o qual, para essa teoria, repetindo, era puramente psicológico (vontade e previsão). A teoria psicológica foi a dominante durante parte do século XIX, e parte do século XX, quando foi superada pela teoria normativa ou, mais precisamente, psicológico-normativa, na terminologia que preferimos. A necessidade de sistematizar os elementos da construção estrutural do delito determinou o progressivo abandono daquela teoria, que teve destacada sua insuficiência conceitual-dogmática, basicamente, diante do crime culposo, da omissão e das causas de exculpação.2 Por outro lado, a teoria normativa pura se concentra na imputabilidade do agente, ou seja, em sua capacidade de entender o caráter ilícito do ato e de agir de acordo com esse entendimento. Aqui, a questão psicológica perde espaço para a análise normativa das capacidades do agente. Em síntese, a culpabilidade neokantiana compunha-se dos seguintes elementos: imputabilidade, elemento psicológico-normativo (dolo ou culpa) e exigibilidade de conduta conforme ao Direito; ao passo que, na reestruturação proporcionada pelo finalismo, a culpabilidadenormativa pura resume-se a: imputabilidade, consciência (potencial) da ilicitude e exigibilidade de conduta conforme ao Direito. Enfim, as diferenças radicalizam-se na supressão do elemento psicológico-normativo (deslocado para o injusto pessoal), e na inclusão da potencial consciência da ilicitude, que, redefinida, fora extraída do dolo.3 A teoria limitada da culpabilidade busca conciliar elementos psicológicos e normativos, admitindo que a culpabilidade é um juízo de valor que necessita de ambos os aspectos para sua correta análise. Essa teoria é mais adotada em nosso ordenamento, pois considera a realidade complexa das condutas humanas e evita extremos na análise do tema. 2 BITENCOURT, Cezar R. Tratado de direito penal: Parte geral - arts. 1º a 120 (vol. 1).São Paulo: Editora Saraiva, 2022. E-book. ISBN 9786555597172. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786555597172/. Acesso em: 03 ago. 2023. 3 Id. Alexandre Silva de Aguiar - 08635335740 No âmbito da imputabilidade, é relevante lembrar as situações de inimputabilidade previstas no Código Penal, que incluem os doentes mentais, os menores de 18 anos e os que, por completa embriaguez, são incapazes de entender o caráter ilícito do ato. Esses indivíduos não podem ser responsabilizados criminalmente, pois lhes falta capacidade para compreender suas ações. Além disso, existem causas excludentes de culpabilidade, chamadas de exculpantes genéricas, que podem afastar a responsabilidade penal do agente. Essas causas estão distribuídas ao longo do Código Penal e são fundamentais para a aplicação das penas. Nesse contexto, destaca-se a relevância do erro de proibição, que pode afetar a culpabilidade do agente quando este desconhece a ilicitude de sua conduta. Em síntese, o estudo da culpabilidade e suas teorias é essencial para uma adequada aplicação do Direito Penal. As excludentes de culpabilidade e as diferentes abordagens teóricas possibilitam uma análise mais aprofundada dos casos concretos, garantindo maior justiça e adequação das sanções penais. Assim, ao compreendermos esses elementos, estaremos melhor preparados para enfrentar os desafios da prática jurídica e contribuir para uma sociedade mais justa e equitativa. A Imputabilidade Penal Prosseguiremos com a análise dos elementos que compõem a culpabilidade, começando com a imputabilidade. Para que um indivíduo seja passível de receber pena dentro do nosso ordenamento jurídico, é necessário que seja considerado imputável, ou seja, possua a capacidade de entender o caráter ilícito do ato e de agir de acordo com esse entendimento. A imputabilidade penal envolve um conjunto de condições que conferem ao agente a capacidade de ser responsabilizado criminalmente por suas ações. Embora o Código Penal não forneça uma definição precisa desse conceito, é possível entendê-lo através dos dispositivos que tratam da matéria. Alexandre Silva de Aguiar - 08635335740 Pode-se afirmar, de uma forma genérica, que estará presente a imputabilidade, sob a ótica do Direito Penal brasileiro, toda vez que o agente apresentar condições de normalidade e maturidade psíquicas mínimas para que possa ser considerado como um sujeito capaz de ser motivado pelos mandados e proibições normativos. A falta de sanidade mental ou a falta de maturidade mental podem levar ao reconhecimento da inimputabilidade, pela incapacidade de culpabilidade. Podem levar, dizemos, porque a ausência da sanidade mental ou da maturidade mental constitui um dos aspectos caracterizadores da inimputabilidade, que ainda necessita de sua consequência, isto é, do aspecto psicológico, qual seja, a capacidade de entender ou de autodeterminar-se de acordo com esse entendimento.4 O sujeito é considerado imputável quando, no momento da prática da conduta criminosa, possui capacidade plena de entender o caráter ilícito do ato e de agir de acordo com esse entendimento. Vale ressaltar que a ação é considerada praticada no momento da conduta, independentemente do resultado, conforme estabelecido pelo Código Penal. Dentre as condições que conferem a imputabilidade ao agente, destacam-se a capacidade de entendimento do caráter ilícito do ato e a capacidade de determinar-se de acordo com esse entendimento. Assim, o indivíduo deve possuir um estado mental que lhe permita compreender o caráter ilícito da conduta no momento em que a pratica. Nesse contexto, é importante enfatizar as situações em que um indivíduo é considerado inimputável, ou seja, não possui a capacidade necessária para ser responsabilizado penalmente. Essas situações estão previstas no Código Penal e envolvem os doentes mentais, os menores de 18 anos e os que, por completa embriaguez, são incapazes de entender o caráter ilícito do ato. Dentro do sistema biológico e do sistema psicológico, encontramos as teorias que tratam da inimputabilidade. A teoria biológica considera que o sujeito é inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito da ação e de se comportar de acordo com esse entendimento, em razão de uma anomalia psíquica grave. Já a teoria psicológica adota um enfoque diferenciado, pois leva em conta a capacidade do agente de entender o caráter ilícito da ação, mesmo que tenha alguma perturbação mental. Nesse caso, a pena pode ser reduzida, mas não excluída. 4 BITENCOURT, Cezar R. Tratado de direito penal: Parte geral - arts. 1º a 120 (vol. 1). São Paulo: Editora Saraiva, 2022. E-book. ISBN 9786555597172. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786555597172/. Acesso em: 03 ago. 2023. Alexandre Silva de Aguiar - 08635335740 Além disso, é importante esclarecer que, em casos de inimputabilidade parcial, o réu pode ser isento de pena, conforme estabelecido no artigo 26 do Código Penal. Essa situação ocorre quando o sujeito, no momento da conduta, é incapaz de entender completamente o caráter ilícito do ato. A depender do exame de sanidade mental, o réu pode ser considerado inimputável ou ter a pena reduzida, de acordo com as circunstâncias do caso. Em situações específicas, a inimputabilidade pode ser alegada como uma tese de defesa, buscando isentar o réu da responsabilidade penal ou reduzir a pena. É essencial considerar que a análise da imputabilidade e suas nuances são fundamentais na definição das penas aplicáveis, visto que a soma desses elementos é determinante para a decisão final do magistrado. Dessa forma, compreender os aspectos da imputabilidade é imprescindível para uma correta aplicação do Direito Penal e para garantir a justiça e a equidade no sistema jurídico. Aprofundar-se nessa temática nos permite compreender a complexidade da culpabilidade e suas implicações na tomada de decisões judiciais. Ao enfrentar esses desafios, estaremos contribuindo para uma sociedade mais justa e harmoniosa. Embriaguez Neste momento, iremos abordar a questão da embriaguez, um tema de relevância no âmbito do Direito Penal. Faremos uma análise cuidadosa dos elementos que se relacionam à imputabilidade do indivíduo em tais circunstâncias. No que se refere à embriaguez, trata-se de uma intoxicação transitória que ocorre após o consumo excessivo de álcool ou substâncias similares. Essa condição pode afetar significativamente a capacidade do indivíduo de discernir e agir de forma consciente, resultando em comportamentos imprudentes e delitivos. As diferentes fases da embriaguez, tais como excitação, depressão e sono, possuem características específicas que devem ser consideradas na avaliação da culpabilidade do agente. Cumpre ressaltar que a isenção de pena não se aplica a todas as situações de embriaguez, sendo necessário que esta seja completa, ou seja, que o indivíduo tenha perdido totalmente a capacidade de entender a ilicitude de suas ações. AlexandreSilva de Aguiar - 08635335740 É relevante também diferenciar a embriaguez voluntária da culposa. A primeira ocorre quando o indivíduo, de livre vontade, consome a substância que o leva ao estado de embriaguez. Já a embriaguez culposa ocorre de forma não intencional, decorrente de negligência ou imprudência. Há embriaguez voluntária não só quando o agente ingere bebida alcoólica com a intenção de embriagar-se (dolosa), como também quando ingere bebida alcoólica pelo simples prazer de beber, mesmo sem pensar em embriagar-se (embriaguez não intencional). Será culposa, nesta segunda hipótese, a embriaguez quando decorrer da ingestão imprudentemente excessiva de bebida alcoólica, sem que o agente queira embriagar-se (não intencional). Em outros termos, percebe-se que tanto na embriaguez dolosa quanto na culposa a ingestão alcoólica é, em princípio, voluntária. O aspecto doloso ou culposo da embriaguez, impropriamente falando, decorre não do fato praticado sob o estado etílico, mas da própria embriaguez, intencional ou derivada de imprudência, no uso de substância inebriante (álcool ou droga). O fato de o agente ter querido embriagar-se, ou ter querido simplesmente beber, não altera o grau de sua responsabilidade penal, segundo nosso superado diploma legal, e tampouco altera a definição legal da natureza da embriaguez, que é não acidental (voluntária ou culposa). Isso decorre, repetindo, em razão de que a natureza do crime, dolosa ou culposa, não está vinculada ao aspecto subjetivo (intencional ou não intencional) que orienta a ingestão alcoólica, propriamente, mas segundo o elemento subjetivo do momento em que o fato delituoso é praticado.5 Outro aspecto importante é distinguir a embriaguez acidental da provocada. A embriaguez acidental acontece quando o agente desconhece os efeitos da substância, intoxicando-se involuntariamente, seja por caso fortuito ou força maior. Por sua vez, a embriaguez provocada ocorre quando o indivíduo é coagido ou forçado a ingerir a substância, podendo afetar sua imputabilidade. Embriaguez acidental é a proveniente de caso fortuito ou de força maior. Caso fortuito ocorre quando o agente ignora a natureza tóxica do que está ingerindo, ou não tem condições de prever que determinada substância, na quantidade ingerida, ou nas circunstâncias em que o faz, poderá provocar a embriaguez. Força maior é algo que independe do controle ou da vontade do agente. Ele sabe o que está acontecendo, mas não consegue evitar. Exemplo de força maior seria a coação, onde o sujeito é forçado a ingerir uma substância tóxica de qualquer natureza.6 5 BITENCOURT, Cezar R. Tratado de direito penal: Parte geral - arts. 1º a 120 (vol. 1). São Paulo: Editora Saraiva, 2022. E-book. ISBN 9786555597172. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786555597172/. Acesso em: 03 ago. 2023. 6 Id. Alexandre Silva de Aguiar - 08635335740 Um ponto crucial é a embriaguez patológica, resultante de doença mental. Nessa situação, a embriaguez pode ser considerada como causa de exclusão da culpabilidade, uma vez que o agente não possui a capacidade de entender a ilicitude de suas ações. Em certos casos, a embriaguez patológica pode ser considerada uma circunstância atenuante, resultando em uma redução da pena aplicada. A aplicação da pena em situações de embriaguez ou estados emocionais como a paixão deve ser conduzida com rigor e cautela, considerando cuidadosamente as particularidades de cada caso. O sistema penal deve almejar a justiça, levando em conta as condições mentais e emocionais do agente, sem abrir mão de sua responsabilização pelos atos cometidos. A compreensão adequada desses elementos é essencial para uma aplicação eficiente e imparcial do Direito Penal. Potencial consciência da ilicitude No decorrer desta explanação, mergulhamos em um tema fundamental para o entendimento da culpabilidade no contexto penal: a potencial consciência da ilicitude. Com base em reflexões teóricas e jurídicas, abordamos a importância de compreender a relação entre a consciência do ilícito e a culpabilidade do agente em suas ações. Inicialmente, abordamos a relevância da edilidade, enfatizando que, ao falarmos de potencialidade, precisamos considerar um elemento essencial da qualidade do indivíduo. Neste ponto, destacamos que a ignorância sobre a norma não é uma justificativa válida para eximir alguém de responsabilidade. O ordenamento jurídico brasileiro exige que todos os indivíduos conheçam e compreendam as normas a fim de interpretá-las corretamente. Por outro lado, é importante ressaltar que a potencial consciência da ilicitude não se limita apenas ao conhecimento da norma. A interpretação equivocada do caráter ilícito de uma conduta pode levar o agente a agir erroneamente, mesmo com intenção de fazer o correto. Esse cenário nos remete ao conceito de erro de proibição, um elemento relevante na análise da culpabilidade. Alexandre Silva de Aguiar - 08635335740 O erro de proibição pode ser classificado em dois tipos: o erro direto e o erro indireto. O primeiro ocorre quando o agente afirma desconhecer a norma, enquanto o segundo é caracterizado pela suposição equivocada sobre a licitude da conduta. Em ambos os casos, é necessário avaliar se o erro era evitável ou inevitável, o que determinará a isenção ou a diminuição da pena. No erro de proibição direto, o agente engana-se a respeito da norma proibitiva. Portanto, o crime que pratica é um crime de ação, comissivo, porque ou desconhece a norma proibitiva, ou a conhece mal. É indiferente, porque, afinal, tanto o erro como a ignorância da norma, para todos os efeitos, são “erro”. Cumpre destacar, finalmente, que o erro de proibição também pode ocorrer nos crimes culposos, e não somente nos dolosos, como pode parecer à primeira vista, inclusive quando o erro de proibição for evitável484. A regulamentação do erro de proibição, constante do art. 21 do nosso Código Penal, tem caráter geral, não admitindo qualquer restrição. Nada impede, por exemplo, que o agente realize uma conduta perigosa, com infração do dever de cuidado, pensando que a conduta está justificada, seja porque supõe a existência de uma causa de justificação que não existe, seja porque se equivoque sobre seu conteúdo, seu significado ou seus limites. A evitabilidade do erro de proibição tem o condão de reduzir a punibilidade da infração penal, sem, contudo, afetar a sua natureza dolosa ou culposa. [...] Essa modalidade de erro (erro de proibição indireto) é denominada por Jescheck erro de permissão485 não porque o autor não creia que o fato seja lícito simplesmente, mas porque desconhece a ilicitude, no caso concreto, em razão da suposição errônea da existência de uma proposição permissiva (causa de justificação).7 O erro de tipo, por sua vez, está relacionado ao desconhecimento do sujeito sobre os elementos que constituem o tipo penal. Esse tipo de erro é geralmente dissociado da culpabilidade, pois não é atrelado ao dolo ou culpa do agente. No entanto, é importante lembrar que a potencial consciência da ilicitude pode influenciar a forma como o erro de tipo é interpretado. Um ponto crucial na análise da culpabilidade é a inexigibilidade de conduta diversa. Isso significa que o agente deve ter tido a possibilidade de agir de maneira diferente, antes de ser responsabilizado por suas ações. Essa exigência pressupõe que o sujeito possua liberdade de escolha e não esteja sob coação ou obediência a uma ordem manifestamente ilegal. 7 BITENCOURT, Cezar R. Tratado de direito penal: Parte geral - arts. 1º a 120 (vol. 1). São Paulo: Editora Saraiva, 2022. E-book. ISBN 9786555597172. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786555597172/. Acesso em: 03 ago. 2023. Alexandre Silva de Aguiar - 08635335740A coação irresistível é uma das excludentes de culpabilidade mais discutidas, pois afasta a responsabilidade penal do agente quando este é compelido a agir por meio de força física ou ameaça grave. No entanto, é importante diferenciar a coação irresistível da coação compulsiva, esta última não afastando a culpabilidade, pois o sujeito ainda possui capacidade de resistir. Outra excludente de culpabilidade é a obediência a ordem não manifestamente ilegal, que se aplica aos casos em que o agente, por sua função pública ou posição hierárquica, recebe uma ordem legal e age em conformidade com ela. Entretanto, se a ordem for manifestamente ilegal, apenas o superior hierárquico que a deu será responsabilizado. Finalmente, é necessário compreender que a potencial consciência da ilicitude não se resume ao desconhecimento da lei. Em alguns casos, mesmo que a pessoa seja maior de 18 anos, acredite que está agindo corretamente ou relacione-se com menores de idade, ela não estará isenta de responsabilidade. O conhecimento e a consciência das normas devem nortear todas as ações humanas, e a ignorância não pode ser usada como escudo para a impunidade. Em síntese, a potencial consciência da ilicitude é um conceito complexo e essencial no estudo da culpabilidade penal. Devemos reconhecer que a ignorância da lei não é desculpa para o cometimento de crimes, e a compreensão correta do caráter ilícito de uma conduta é fundamental para a justa aplicação do Direito. Ao analisar os aspectos relacionados ao erro de proibição, ao erro de tipo, à inexigibilidade de conduta diversa e às excludentes de culpabilidade, reforçamos a importância da responsabilização adequada dos agentes em suas ações, preservando os princípios fundamentais da Justiça e do Estado Democrático de Direito. Alexandre Silva de Aguiar - 08635335740 Bibliografia BITENCOURT, Cezar R. Tratado de direito penal: Parte geral - arts. 1º a 120 (vol. 1).São Paulo: Editora Saraiva, 2022. E-book. ISBN 9786555597172. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786555597172/. Acesso em: 03 ago. 2023. OLIVÉ, Juan Carlos F.; BRITO, Alexis Couto de. Direito penal brasileiro, 2ª edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2017. E-book. ISBN 9788547215231. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788547215231/. Acesso em: 03 ago. 2023. Alexandre Silva de Aguiar - 08635335740 TRIBUNAL DO JÚRI E EXECUÇÃO PENAL Módulo: Direito Penal Tema 06: Concurso de Pessoas Introdução Vamos abordar esse tópico essencial para o entendimento das ações criminosas coordenadas por duas ou mais pessoas. Normalmente os tipos contidos na Parte Especial do Código Penal referem-se a fatos realizáveis por uma única pessoa. Contudo, o fato punível pode ser obra de um ou de vários agentes. Frequentemente a ação delituosa é produto da concorrência de várias condutas praticadas por sujeitos distintos. As razões que podem levar o indivíduo a consorciar-se para a realização de uma empresa criminosa podem ser as mais variadas: assegurar o êxito do empreendimento delituoso, garantir a impunidade, possibilitar o proveito coletivo do resultado do crime ou simplesmente satisfazer outros interesses pessoais. Essa reunião de pessoas no cometimento de uma infração penal dá origem ao chamado concursus delinquentium. A cooperação na realização do fato típico pode ocorrer desde a elaboração intelectual até a consumação do delito. Respondem “pelo ilícito o que ajudou a planejá-lo, o que forneceu os meios materiais para a execução, o que intervém na execução e mesmo os que colaboram na consumação do ilícito”1 1 BITENCOURT, Cezar R. Tratado de direito penal: Parte geral - arts. 1º a 120 (vol. 1).São Paulo: Editora Saraiva, 2022. E-book. ISBN 9786555597172. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786555597172/. Acesso em: 03 ago. 2023. Alexandre Silva de Aguiar - 08635335740 Ao falarmos em concurso de pessoas, referimo-nos a um grupo de indivíduos atuando em conjunto para a prática de um crime. O Código Penal traz as hipóteses em que duas ou mais pessoas se envolvem em uma infração penal. Cabe esclarecer que esse conceito difere de outras nomenclaturas, como concurso de agentes ou co- delinquência, que são temas importantes e frequentemente confundidos. Na maioria dos casos previstos no ordenamento jurídico brasileiro, é possível que um crime seja cometido por uma única pessoa, denominados de crimes unissubjetivos. Por outro lado, existem crimes que, desde o início, demandam a participação de duas ou mais pessoas, sendo esses chamados de crimes plurissubjetivos. Um exemplo disso é o crime de rixa, em que a presença de dois agentes é essencial para sua configuração. A presença do concurso de pessoas pode ser entendida como concurso eventual, quando pessoas que normalmente cometeriam um crime sozinhas, por circunstâncias específicas, o praticam em conjunto. Por outro lado, nos crimes plurissubjetivos, o concurso é necessário, pois o crime em si requer a ação conjunta de várias pessoas, como no caso de uma associação criminosa. Para caracterizarmos o concurso de pessoas, é importante atentar-se aos quatro requisitos fundamentais. O primeiro é a pluralidade de agentes e condutas, ou seja, a presença de duas ou mais pessoas atuando em conjunto para a prática do crime. O segundo requisito é a relevância causal, que exige que cada conduta tenha relevância para a efetivação do crime em questão. Além disso, o liame subjetivo é outro requisito essencial, referindo-se ao vínculo psicológico entre os envolvidos, demonstrando o acordo de vontades na realização do delito. Por fim, a unidade de fato é o quarto requisito, que se refere à convergência das ações para a execução do crime em comum. a) Pluralidade de participantes e de condutas Esse é o requisito básico do concurso eventual de pessoas: a concorrência de mais de uma pessoa na execução de uma infração penal. Embora todos os participantes desejem contribuir com sua ação na realização de uma conduta punível, não o fazem, necessariamente, da mesma forma e nas mesmas condições. Enquanto alguns, segundo Esther Ferraz, praticam o fato material típico, representado pelo verbo núcleo do tipo, outros limitam-se a instigar, induzir, auxiliar moral ou materialmente o executor ou executores praticando atos que, em si mesmos, seriam atípicos. A participação de cada um e de todos contribui para o desdobramento causal do evento e respondem todos pelo fato típico em razão da norma de extensão do concurso530. Alexandre Silva de Aguiar - 08635335740 b) Relevância causal de cada conduta A conduta típica ou atípica de cada participante deve integrar-se à corrente causal determinante do resultado. Nem todo comportamento constitui “participação”, pois precisa ter “eficácia causal”, provocando, facilitando ou ao menos estimulando a realização da conduta principal. Assim, no exemplo daquele que, querendo participar de um homicídio, empresta uma arma de fogo ao executor, que não a utiliza e tampouco se sente estimulado ou encorajado com tal empréstimo a executar o delito. Aquele não pode ser tido como partícipe pela simples e singela razão de que o seu comportamento foi irrelevante, isto é, sem qualquer eficácia causal. c) Vínculo subjetivo entre os participantes Deve existir também, repetindo, um liame psicológico entre os vários participantes, ou seja, consciência de que participam de uma obra comum. A ausência desse elemento psicológico desnatura o concurso eventual de pessoas, transformando-o em condutas isoladas e autônomas. “Somente a adesão voluntária, objetiva (nexo causal) e subjetiva (nexo psicológico), à atividade criminosa de outrem, visando à realização do fim comum, cria o vínculo do concurso de pessoas e sujeitaos agentes à responsabilidade pelas consequências da ação”. O simples conhecimento da realização de uma infração penal ou mesmo a concordância psicológica caracterizam, no máximo, “conivência”, que não é punível, a título de participação, se não constituir, pelo menos, alguma forma de contribuição causal, ou, então, constituir, por si mesma, uma infração típica. Tampouco será responsabilizado como partícipe quem, tendo ciência da realização de um delito, não o denuncia às autoridades, salvo se tiver o dever jurídico de fazê-lo, como é o caso, por exemplo, da autoridade pública. d) Identidade de infração penal Para que o resultado da ação de vários participantes possa ser atribuído a todos, “tem que consistir em algo juridicamente unitário”. Como afirma Damásio, não é propriamente um requisito, mas consequência jurídica diante das outras condições. Alguém planeja a realização da conduta típica, ao executá-la, enquanto um desvia a atenção da vítima, outro lhe subtrai os pertences e ainda um terceiro encarrega-se de evadir-se do local com um produto do furto. É uma exemplar divisão de trabalho constituída de atividades díspares, convergentes, contudo, a um mesmo objetivo típico: subtração de coisa alheia móvel. Respondem todos por um único tipo penal ou não se reconhece a participação ou o próprio concurso na empresa criminosa.2 É importante salientar que compreender esses requisitos evita confusões na prática jurídica. Nos crimes unissubjetivos, a atuação de duas ou mais pessoas configura apenas um concurso eventual. Já nos crimes plurissubjetivos, o concurso é necessário para a existência do delito. 2 BITENCOURT, Cezar R. Tratado de direito penal: Parte geral - arts. 1º a 120 (vol. 1). São Paulo: Editora Saraiva, 2022. E-book. ISBN 9786555597172. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786555597172/. Acesso em: 03 ago. 2023. Alexandre Silva de Aguiar - 08635335740 Nessa perspectiva, devemos ter em mente que o concurso de pessoas é um elemento-chave no direito penal e sua compreensão é essencial para uma atuação responsável e embasada na prática jurídica. A análise criteriosa desses requisitos nos permitirá entender de maneira mais clara os aspectos legais e a correta aplicação do direito em situações envolvendo mais de um agente em um crime. Portanto, o estudo do concurso de pessoas deve ser valorizado, pois, ao dominarmos esse tema, estaremos mais preparados para enfrentar os desafios da justiça e para obter sucesso. Causalidade das contribuições Compreendendo a relevância causal das condutas no concurso de pessoas, é necessário enfatizar que essa análise não se restringe apenas à conduta que efetivamente leva à prática do crime principal. Outras ações que possam contribuir para o resultado criminoso também são consideradas relevantes para caracterizar o concurso de pessoas. Por exemplo, suponha que três indivíduos planejem assaltar um banco. Durante o planejamento, um deles fornece informações cruciais sobre a segurança do banco, enquanto o outro é responsável por dirigir o veículo de fuga. Embora essas ações não envolvam diretamente o assalto em si, elas são fundamentais para a sua efetivação. Nesse caso, todos os envolvidos são considerados coautores do crime, uma vez que contribuíram para o seu êxito. Segundo a doutrina, a solução do intrincado problema do concurso de pessoas está intimamente relacionada com a teoria adotada em relação ao nexo causal. O Direito Penal brasileiro adota a teoria da equivalência das condições, que não distingue causa e condição na produção do resultado típico. A causalidade, porém, vinha desfrutando de exagerada influência na solução do problema da “codelinquência”, esquecendo-se de que ela, a causalidade, é apenas o elemento material, objetivo do concurso — a contribuição causal física —, importante, necessária, mas insuficiente para aperfeiçoar o instituto. É indispensável a presença, ao mesmo tempo, de um elemento subjetivo, a vontade e consciência de participar da obra comum. O concurso de pessoas compreende não só a contribuição causal, puramente objetiva, mas também a contribuição subjetiva, pois, como diz Soler, “participar não quer dizer só produzir, mas produzir típica, antijurídica e culpavelmente” um resultado proibido. É indispensável a consciência e vontade de participar, elemento que não necessita revestir-se da qualidade de “acordo prévio”, que, se existir, representará apenas a forma mais comum, ordinária, de adesão de vontades Alexandre Silva de Aguiar - 08635335740 na realização de uma figura típica. A consciência de colaborar na realização de uma conduta delituosa pode faltar no verdadeiro autor, que, aliás, pode até desconhecê-la, ou não desejá-la, bastando que o outro agente deseje aderir à empresa criminosa. Porém, ao partícipe é indispensável essa adesão consciente e voluntária, não só na ação comum, mas também no resultado pretendido pelo autor principal. A causalidade física é apenas um fragmento do complexo problema do concurso de pessoas, que exige também o liame subjetivo para completar-se. É necessária, na expressão de Soler, a integração de um “processo físico de causação e um processo humano de produção de um resultado”. Assim, inexistindo o nexo causal ou o liame subjetivo, qualquer dos dois, não se poderá falar em concurso de pessoas. Por exemplo, alguém, querendo contribuir com a prática de um homicídio, empresta a arma, que, afinal, não é utilizada na execução do crime e não influi de forma alguma no ânimo do autor, ou, então, o criado que, por imprudência ou negligência, deixa aberta a porta da casa durante a noite, favorecendo, inadvertidamente, a prática de um furto. No primeiro caso, não houve eficácia causal da participação, e, no segundo, faltou o elemento subjetivo, não sendo, consequentemente, em qualquer das hipóteses, puníveis as condutas dos pseudopartícipes.3 Além disso, é fundamental destacar que o concurso de pessoas não se limita a crimes patrimoniais, podendo ocorrer também em delitos de outras naturezas, como homicídio, estelionato, tráfico de drogas, entre outros. Em todos esses casos, a relevância causal das condutas deve ser minuciosamente analisada para determinar se estamos diante de um concurso de pessoas ou de crimes independentes. No que diz respeito ao liame subjetivo, é imprescindível que todos os envolvidos tenham conhecimento de que estão contribuindo para um resultado comum, mesmo que não estejam praticando o crime diretamente. Esse aspecto pode ser exemplificado pela figura do mandante em um homicídio. Mesmo não realizando o ato violento, ele pode responder como coautor, desde que tenha aderido à conduta do executor com a intenção de ver o crime cometido. Outro ponto relevante é que, para a configuração do concurso de pessoas, não é necessário que todos os envolvidos realizem as mesmas condutas. Cada participante pode ter uma contribuição específica para o resultado final, desde que exista um liame subjetivo que os una na prática do crime. Essa diversidade de ações e participações torna o concurso de pessoas um fenômeno complexo, exigindo uma análise cuidadosa dos fatos e elementos subjetivos envolvidos. 3 BITENCOURT, Cezar R. Tratado de direito penal: Parte geral - arts. 1º a 120 (vol. 1). São Paulo: Editora Saraiva, 2022. E-book. ISBN 9786555597172. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786555597172/. Acesso em: 03 ago. 2023. Alexandre Silva de Aguiar - 08635335740 Além disso, é válido destacar que o concurso de pessoas pode ocorrer tanto na forma dolosa quanto na forma culposa. Em ambas as situações, a homogeneidade do elemento subjetivo é indispensável, ou seja, todos os envolvidos devem concorrer com o mesmo tipo de dolo ou culpa. Essa homogeneidade garante a conexão psicológica entreos agentes e demonstra que todos atuaram de forma consciente e voluntária para o cometimento do crime. De maneira concisa, a análise da relevância causal das condutas e do liame subjetivo é fundamental para a correta identificação do concurso de pessoas em casos concretos. Tais conceitos, embora complexos, são essenciais para a compreensão do Direito Penal e têm grande relevância tanto para profissionais da área quanto para estudantes e candidatos a concursos públicos. O estudo aprofundado desses temas contribui para uma aplicação justa e adequada da legislação, assegurando a proteção dos direitos e da sociedade como um todo. Autoria colateral: contornos Compreendendo a importância e complexidade do tema do concurso de pessoas, faz-se necessário aprofundar nossa análise sobre a autoria colateral e suas nuances. O concurso de pessoas é um assunto relevante no Direito Penal, envolvendo situações em que dois ou mais indivíduos atuam de forma conjunta na prática de um crime. Nesse contexto, a autoria colateral se destaca como uma das modalidades de participação criminal, merecendo uma atenção especial. A autoria colateral se caracteriza quando duas ou mais pessoas, sem conhecimento mútuo, atuam de forma simultânea na execução de um delito. Diferentemente do concurso de pessoas, que exige um liame subjetivo entre os envolvidos, a autoria colateral é marcada pela ausência de qualquer pacto prévio. Nesse sentido, podemos imaginar uma situação em que dois indivíduos decidem, independentemente um do outro, cometer um roubo contra a mesma vítima, sem que haja qualquer combinação ou acordo entre eles. Essa modalidade de participação criminosa pode gerar dúvidas e interpretações equivocadas, levando algumas pessoas a confundirem a autoria colateral com o próprio concurso de pessoas. É crucial, portanto, compreender a distinção entre os dois conceitos para evitar equívocos e garantir uma aplicação correta da lei. Alexandre Silva de Aguiar - 08635335740 No exemplo mencionado anteriormente, em que dois indivíduos cometem um roubo sem conhecimento mútuo, é importante salientar que não há a presença do liame subjetivo, que é a base do concurso de pessoas. Ainda que ambos tenham praticado condutas convergentes e tenham alcançado o mesmo resultado, como o roubo contra a mesma vítima, não há uma comunhão de vontades ou um ajuste prévio para a prática do crime. Portanto, não se pode caracterizar o concurso de pessoas nessa situação, mas sim a autoria colateral. A autoria colateral é um fenômeno complexo, que pode apresentar diferentes desdobramentos em relação ao resultado do crime. Em alguns casos, é possível identificar claramente qual agente causou o resultado danoso, tornando-se o autor principal, enquanto o outro pode ser considerado partícipe, respondendo por uma conduta acessória. Entretanto, há situações em que se torna impossível distinguir qual conduta foi determinante para o resultado, como quando ambos os agentes atiram simultaneamente contra a vítima e não é possível identificar qual disparo foi fatal. Nesses casos, a aplicação do princípio "in dubio pro reo" se faz necessária, resultando em uma situação peculiar em que ambos os autores colaterais são responsabilizados por tentativa de homicídio, visto que não é possível determinar qual deles efetivamente causou a morte. Há autoria colateral quando duas ou mais pessoas, ignorando uma a contribuição da outra, realizam condutas convergentes objetivando a execução da mesma infração penal. É o agir conjunto de vários agentes, sem reciprocidade consensual, no empreendimento criminoso que identifica a autoria colateral. A ausência do vínculo subjetivo entre os intervenientes é o elemento caracterizador da autoria colateral. Na autoria colateral, não é a adesão à resolução criminosa comum, que não existe, mas o dolo dos participantes, individualmente considerado, que estabelece os limites da responsabilidade jurídico-penal dos autores. Quando, por exemplo, dois indivíduos, sem saber um do outro, colocam-se de tocaia e quando a vítima passa desferem tiros, ao mesmo tempo, matando-a, cada um responderá, individualmente, pelo crime cometido. Se houvesse liame subjetivo, ambos responderiam como coautores de homicídio qualificado. Havendo coautoria será indiferente saber qual dos dois disparou o tiro fatal, pois ambos responderão igualmente pelo delito consumado. Já na autoria colateral é indispensável saber quem produziu o quê. Imagine-se que o tiro de um apenas foi o causador da morte da vítima, sendo que o do outro a atingiu superficialmente. O que matou responde pelo homicídio e o outro responderá por tentativa. Se houvesse o liame subjetivo, ambos responderiam pelo homicídio em coautoria. Imagine-se que no exemplo referido não se possa apurar qual dos dois agentes matou a vítima. Aí surge a chamada autoria incerta, que não se confunde com autoria desconhecida ou ignorada. Nesta, se desconhece quem praticou a ação; na autoria incerta sabe-se quem a executou, mas ignora-se quem produziu o resultado. O Código Penal de 1940 ao adotar Alexandre Silva de Aguiar - 08635335740 a teoria da equivalência das condições pensou ter resolvido a vexata quaestio da chamada autoria incerta, quando não houver ajuste entre os concorrentes (Exp. de Motivos n. 22). Foi um equívoco: a solução só ocorre para situações em que houver, pelo menos, a adesão à conduta alheia. A autoria incerta, que pode decorrer da autoria colateral, ficou sem solução. No exemplo supracitado, punir a ambos por homicídio é impossível, porque um deles ficou apenas na tentativa; absolvê-los também é inadmissível, porque ambos participaram de um crime de autoria conhecida. A solução será condená-los por tentativa de homicídio, abstraindo-se o resultado, cuja autoria é desconhecida4. Vale ressaltar que a teoria monista, adotada pelo ordenamento jurídico brasileiro, prevê que todos os envolvidos em um crime respondam pelo mesmo delito, ainda que tenham atuado com diferentes graus de participação. Contudo, a exceção prevista no artigo 29, parágrafo 2º, do Código Penal, estabelece a possibilidade de coautores e partícipes responderem por crimes diferentes em casos de cooperação dolosamente distinta ou desvio subjetivo de conduta. Nesse contexto, é essencial que juristas e profissionais do Direito estejam atentos aos detalhes e peculiaridades dos casos, a fim de aplicar corretamente a legislação e garantir a justiça diante de situações complexas envolvendo a autoria colateral. Deste modo, é notório que o estudo aprofundado sobre o concurso de pessoas e suas modalidades de autoria é fundamental para que se alcance a correta interpretação dos fatos e a adequada aplicação do Direito Penal. O conhecimento sobre a distinção entre a autoria colateral e o concurso de pessoas evita equívocos na tipificação dos crimes e garante a proteção dos direitos individuais e da sociedade como um todo. Além disso, a compreensão desses conceitos é fundamental para o aprimoramento da legislação e do sistema penal, buscando sempre a justiça e a equidade em cada caso concreto. Autoria e participação: aprofundamento Aprofundemos os estudos sobre o tema de "concurso de pessoas", com enfoque especial na autoria colateral e teorias de distinção entre autor e partícipe. 4 BITENCOURT, Cezar R. Tratado de direito penal: Parte geral - arts. 1º a 120 (vol. 1). São Paulo: Editora Saraiva, 2022. E-book. ISBN 9786555597172. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786555597172/. Acesso em: 03 ago. 2023. Alexandre Silva de Aguiar - 08635335740 Retomando nossa discussão sobre a autoria colateral, vale ressaltar que o âmbito de discussão envolve situações em que dois ou mais indivíduos atuam conjuntamente na prática de um crime. A autoria colateral, por sua vez, caracteriza-seA burguesia, em seu confronto com o absolutismo, havia alcançado a conquista de que governantes e juízes não exercessem o poder punitivo com livre-arbítrio – e arbitrariedade, portanto –, mas apenas na medida das previsões legais. Atualmente, a doutrina aponta que seu fundamento radica na proteção dos valores segurança jurídica, liberdade e igualdade, pois a vinculação à lei garante que seja o legislador a tomar as decisões básicas do que punir, excluindo a arbitrariedade do poder estatal e assegurando o tratamento igualitário de todos na aplicação da lei. Ademais, a não tipificação como delito de uma determinada conduta é garantia de liberdade do cidadão, de que não será punido, caso a pratique, sem os riscos da surpresa e da retroatividade. O Estado só pode castigar um comportamento que esteja descrito em norma penal incriminadora elaborada anteriormente ao fato praticado. Dessa forma, “a lei penal é garantia da liberdade para todos”, que anda irmanada com o princípio da segurança jurídica, pois com essa garantia os indivíduos conhecem de antemão o que é proibido ou não no âmbito penal, o que podem e o que não devem fazer. “Esse postulado apodítico”, aduz Luiz Regis Prado, [...] cumpre funções reciprocamente condicionadas: limitação das fontes formais do Direito Penal e garantia da liberdade pessoal do cidadão, haja vista que a norma penal incriminadora implica dúplice limitação da liberdade geral da pessoa, tanto do ponto de vista do preceito como do da pena. Alexandre Silva de Aguiar - 08635335740 Também se indica como fundamento do princípio da legalidade o princípio democrático-representativo, baseado na divisão de poderes. Argumenta-se que a aplicação da pena constitui uma interferência tão severa na liberdade do cidadão, que a legitimidade para a determinação das hipóteses legais em que isso é possível só pode residir no Parlamento, como representante eleito do povo. Por força da divisão de poderes, expressa no princípio da legalidade, ao juiz não cabe criar a lei, mas aplicá-la, enquanto o executivo é excluído dessa prerrogativa, impedindo-se o abuso de poder.1 Esse princípio tem suas raízes nas concepções mais básicas do Estado de Direito, garantindo que a atuação do Estado e do sistema penal sejam pautadas pela legalidade e pela certeza normativa. Dessa forma, a lei se torna a fonte primária e exclusiva do Direito Penal, e nenhum indivíduo pode ser responsabilizado por condutas que não estejam tipificadas em lei. O princípio da reserva legal não apenas estabelece os crimes e as penas, mas também possui desdobramentos importantes em outros princípios e garantias fundamentais. A partir dele, surgem o princípio da anterioridade e o princípio da taxatividade. O primeiro determina que uma lei penal deve ser anterior à prática do ato delituoso, evitando que mudanças legislativas retroativas prejudiquem o réu. Cuida-se de uma decorrência lógica do princípio da legalidade. Porém, é salutar expressá-la, para que não haja riscos ou dúvidas. Pois bem. Se não pode haver crime nem pena sem lei que regule determinada conduta ou sua consequência, prevalece a liberdade de realizá-la sem qualquer gravame, até que sobrevenha a criminalização ou a novatio legis in pejus. Caso contrário, a garantia de liberdade cairia por terra, junto com a segurança jurídica. Não adiantaria prever que nullum crimen nulla poena sine lege praevia scripta se, ao ser editada a novatio legis incriminadora, fosse possível punir fatos anteriores à sua vigência ou agravar a situação do réu.2 1 PRADO, Luiz R. Direito Penal Constitucional - A (Des)construção do Sistema Penal. São Paulo: Grupo GEN, 2020. E-book. ISBN 9788530991586. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788530991586/. Acesso em: 03 ago. 2023. 2 PRADO, Luiz R. Direito Penal Constitucional - A (Des)construção do Sistema Penal. São Paulo: Grupo GEN, 2020. E-book. ISBN 9788530991586. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788530991586/. Acesso em: 03 ago. 2023. Alexandre Silva de Aguiar - 08635335740 Já o princípio da taxatividade exige que as leis penais sejam claras, precisas e não deixem margem para interpretações duvidosas. Isso garante que os cidadãos tenham conhecimento prévio das condutas proibidas e das consequências de seus atos, evitando arbitrariedades e protegendo os direitos individuais. Este desdobramento diz respeito à técnica de elaboração e à redação da lei penal, que devem observar certos parâmetros para que o princípio da legalidade não fique esvaziado ou se torne letra morta. A forma da construção típica é essencial para que o princípio cumpra suas finalidades de limitação do poder punitivo estatal, de separação das funções estatais na elaboração e aplicação da lei penal e de garantia da segurança jurídica e de uma esfera confiável de liberdade em que o indivíduo possa se movimentar sem sobressaltos. O princípio da legalidade, na vertente da taxatividade-determinação, teria prejudicado a função de limitação do poder punitivo estatal, se houvesse uma amplitude indevida da proibição, que conferisse carta branca ao arbítrio judicial para complementá-la. O dogma garantístico de proteção à liberdade civil consistente em que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (CF, art. 5.º, II) seria comprometido.3 Contudo, é necessário refletir sobre as exceções que podem surgir em relação à atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) na legislação criminal. Em algumas situações, o STF se viu diante de omissões legislativas que demandavam medidas urgentes e efetivas para proteger direitos fundamentais e combater injustiças. Um exemplo foi a decisão do STF que estendeu o combate à homofobia à lei de preconceito racial. Embora a atuação do STF nesses casos possa ser considerada necessária, ela suscita debates sobre o equilíbrio entre os poderes e a reserva de competências do Poder Legislativo para criar leis. Além disso, o princípio da reserva legal enfrenta desafios diante da dinâmica social e das mudanças na sociedade. Questões complexas como a evolução da tecnologia e o surgimento de novas condutas criminosas nem sempre encontram respaldo em leis existentes, demandando atualizações legislativas. 3 PRADO, Luiz R. Direito Penal Constitucional - A (Des)construção do Sistema Penal. São Paulo: Grupo GEN, 2020. E-book. ISBN 9788530991586. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788530991586/. Acesso em: 03 ago. 2023. Alexandre Silva de Aguiar - 08635335740 Nesse contexto, a interpretação extensiva ou restritiva dos princípios também entra em jogo. A interpretação extensiva permite que o aplicador do direito, ao agir dentro dos limites da lei, possa adaptá-la a situações não previstas explicitamente. Já a interpretação restritiva impõe uma visão mais rigorosa, restringindo-se estritamente ao que está disposto na norma. Assim, o princípio da reserva legal não é apenas uma regra fria e imutável, mas sim uma balança delicada entre a necessidade de proteção dos direitos individuais e a flexibilidade para adaptar-se às mudanças sociais e tecnológicas. Ele deve ser entendido como um pilar fundamental para a justiça e o equilíbrio no sistema penal. Outro princípio relevante é o da anterioridade, que determina que a lei penal deve ser anterior ao ato delituoso. Isso significa que uma pessoa não pode ser responsabilizada por uma conduta que, no momento de sua prática, não era considerada crime pela legislação vigente. Esse princípio garante que o indivíduo tenha conhecimento prévio das consequências de seus atos, evitando surpresas e garantindo a estabilidade das normas penais. Um tema importante é o da responsabilidade subjetiva. Esse princípio estabelece que não pode haverquando dois ou mais indivíduos, sem conhecimento mútuo, atuam simultaneamente na execução de um delito, sem qualquer pacto prévio. Para compreender as nuances da autoria colateral e evitar confusões com o concurso de pessoas, é essencial entender a distinção entre os dois conceitos. No concurso de pessoas, há um liame subjetivo entre os envolvidos, enquanto na autoria colateral, esse liame não existe, e os agentes agem independentemente um do outro. A autoria colateral pode resultar em diferentes desdobramentos em relação ao resultado do crime. Em alguns casos, é possível identificar claramente qual agente causou o resultado danoso, tornando-se o autor principal, enquanto o outro pode ser considerado partícipe, respondendo por uma conduta acessória. No entanto, em situações em que é impossível distinguir qual conduta foi determinante para o resultado, ambos os autores colaterais podem ser responsabilizados por tentativa de homicídio, por exemplo, seguindo o princípio "in dubio pro reo". A legislação brasileira adota a teoria monista, onde todos os envolvidos em um crime respondem pelo mesmo delito, mesmo que tenham atuado com diferentes graus de participação. No entanto, há exceções, como previsto no artigo 29, parágrafo segundo, do Código Penal, que permite que coautores e partícipes respondam por crimes diferentes em casos de cooperação dolosamente distinta ou desvio subjetivo de conduta. Para aprofundarmos a análise sobre autoria colateral, é essencial entender as teorias da autoria e participação. No âmbito da autoria, existem a teoria objetivo formal e a teoria do domínio do fato. A teoria objetivo formal considera autor aquele que pratica o núcleo do tipo penal. Porém, ela não abrange situações em que um indivíduo arquiteta o crime, mas não o executa diretamente, como o autor intelectual. Teoria objetivo-formal Embora sem negar a importância do elemento causal, destaca as características exteriores do agir, isto é, a conformidade da ação com a descrição formal do tipo penal. Essa teoria atém-se à literalidade da descrição legal e define como autor aquele cujo comportamento se amolda ao círculo abrangido pela descrição típica e, como partícipe, aquele que produz qualquer outra contribuição causal ao fato. Alexandre Silva de Aguiar - 08635335740 Essa teoria teve uma grande aceitação até os anos 60 do século XX, mas foi amplamente criticada, tanto na Alemanha como na Espanha, pelo excessivo formalismo com que identificava a conduta do autor. Apesar de indicar que a autoria refere-se à realização dos elementos do tipo, não foi capaz de evidenciar que elemento material do tipo (especialmente nos delitos de resultado) identifica a conduta do autor, frente às contribuições causais constitutivas de mera participação. Além disso, criticava-se a versão clássica da teoria objetivo- formal, porque partindo de suas premissas não era possível explicar de maneira satisfatória como a conduta do coautor e do autor mediato se amoldava na descrição típica549. Com efeito, estes não realizam, por si sós, todos os elementos do tipo: cada coautor realizaria somente parte da ação executiva, e o autor mediato é o instrumento de quem atua diretamente. Era necessário buscar outro critério que fosse capaz não só de identificar a conduta de autor, mas, também, de explicar as diferentes formas de autoria (direta, coautoria e autoria mediata).5 Já a teoria do domínio do fato amplia o conceito de autor, incluindo aquele que detém o domínio da situação ou da vontade, mesmo sem praticar o núcleo do tipo. Isso abrange, por exemplo, casos de autoria mediata, em que um indivíduo utiliza outro como instrumento para cometer o crime. A teoria do domínio do fato reconhece a figura do autor mediato, desde que a realização da figura típica apresente-se como obra de sua vontade reitora, sendo reconhecido como o “homem de trás”, e controlador do executor. Essa teoria tem as seguintes consequências: 1ª) a realização pessoal e plenamente responsável de todos os elementos do tipo fundamentam sempre a autoria; 2ª) é autor quem executa o fato utilizando outrem como instrumento (autoria mediata); 3ª) é autor o coautor que realiza uma parte necessária do plano global (“domínio funcional do fato”), embora não seja um ato típico, desde que integre a resolução delitiva comum. Ou, dito de outros termos, numa linguagem roxiniana, o domínio do fato pode ser exercido das seguintes formas: (i) pelo domínio da ação, que ocorre quando o agente realiza pessoalmente o fato típico, agindo, por conseguinte, como autor e não como simples partícipe (instigador ou cúmplice); (ii) pelo domínio da vontade, que ocorre quando o executor, isto é, o autor imediato, age mediante coação ou incorrendo em erro, não tendo domínio de sua vontade, que é controlada ou dominada pelo “homem de trás”, que é o autor mediato, como veremos adiante. Assim, o “homem de trás” tem o domínio da vontade e o controle da ação, sendo o verdadeiro autor, ainda que mediato; (iii) pelo domínio funcional do fato, que ocorre na hipótese de coautoria, em que há, na dicção de Jescheck, uma exemplar divisão de trabalho, quando o agente realiza uma contribuição importante, ainda que não seja um ato típico, mas se revele necessária no plano global.6 Quanto às teorias da participação, no Brasil, adotamos a teoria da acessoriedade média, que considera partícipe aquele que pratica o fato típico e ilícito, independentemente da culpabilidade. Assim, o partícipe responde de acordo com sua participação na infração, mesmo que não tenha praticado o núcleo do tipo. 5 BITENCOURT, Cezar R. Tratado de direito penal: Parte geral - arts. 1º a 120 (vol. 1). São Paulo: Editora Saraiva, 2022. E-book. ISBN 9786555597172. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786555597172/. Acesso em: 03 ago. 2023. 6 Id. Alexandre Silva de Aguiar - 08635335740 É importante salientar que, no Código Penal, não existem normas específicas para a participação em crimes. A responsabilização do partícipe é fundamentada no artigo 29 do CP, que estabelece a forma de adequação típica entre autor e partícipe. Por fim, é necessário compreender que, no âmbito do concurso de pessoas e da autoria colateral, as circunstâncias pessoais não são comunicáveis entre os envolvidos, a menos que sejam elementares do crime. Dessa forma, cada participante é responsável pelas circunstâncias que lhe forem atribuídas. Com o conhecimento adequado sobre as teorias da autoria e participação, bem como a compreensão da distinção entre o concurso de pessoas e a autoria colateral, é possível aplicar corretamente a legislação e garantir a justiça em casos complexos que envolvam a cooperação criminosa. Assim, o Direito Penal cumpre seu papel na proteção dos direitos individuais e da sociedade como um todo. Alexandre Silva de Aguiar - 08635335740 Bibliografia BITENCOURT, Cezar R. Tratado de direito penal: Parte geral - arts. 1º a 120 (vol. 1).São Paulo: Editora Saraiva, 2022. E-book. ISBN 9786555597172. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786555597172/. Acesso em: 03 ago. 2023. OLIVÉ, Juan Carlos F.; BRITO, Alexis Couto de. Direito penal brasileiro, 2ª edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2017. E-book. ISBN 9788547215231. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788547215231/. Acesso em: 03 ago. 2023. Alexandre Silva de Aguiar - 08635335740 TRIBUNAL DO JÚRI E EXECUÇÃO PENAL Módulo: Direito Penal Tema 07: Extinção da Punibilidade Introdução A extinção da punibilidade é um tema relevante no âmbito do direito penal, que merece ser analisado com profundidade para compreendermos suas nuances e implicações. Neste texto, vamos percorrer passo a passo cada situação relacionada a essa questão, buscando entendercomo ocorre a eventual condenação e quando o apenado pode não receber a pena imposta. A pena não é elemento do crime, mas consequência deste. A punição é a consequência natural da realização da ação típica, antijurídica e culpável. Porém, após a prática do fato delituoso podem ocorrer causas que impeçam a aplicação ou execução da sanção respectiva. No entanto, não é a ação que se extingue, mas o ius puniendi do Estado, ou, em outros termos, como dizia o Min. Francisco Campos319: “O que se extingue, antes de tudo, nos casos enumerados, no art. 108 do projeto, é o próprio direito de punir por parte do Estado (a doutrina alemã fala em Wegfall des staatlichen Staatsanspruchs). Dá- se, como diz Maggiore, uma renúncia, uma abdicação, uma derrelição do direito de punir do Estado. Deve dizer-se, portanto, com acerto, que o que cessa é a punibilidade do fato, em razão de certas contingências ou por motivos vários de conveniência ou oportunidade política”. De observar-se que o crime, como fato, Alexandre Silva de Aguiar - 08635335740 isto é, como ilícito penal, permanece gerando todos os demais efeitos civis e criminais, pois uma causa posterior não pode apagar o que já se realizou no tempo e no espaço.1 Para começar, é fundamental entender que a configuração de um crime envolve a análise de diversos elementos, como a materialidade do delito, que consiste nos fatos que indicam a existência do crime, como o exame de corpo de delito em alguns casos. Em seguida, é analisada a autoria, que diz respeito à conduta do agente, seja por ação ou omissão, e a existência de um nexo de causalidade entre a ação/omissão e o resultado. Após examinar a autoria, é necessário verificar a tipicidade da conduta, ou seja, se ela se adequa ao tipo penal descrito na lei. Somente quando há materialidade, autoria e tipicidade é que se configura o crime, desde que não haja causas excludentes de ilicitude, que são situações em que a conduta é permitida, mesmo que se enquadre nos elementos do crime descritos na lei. Essas causas excludentes de ilicitude podem incluir o estado de necessidade, a legítima defesa, o estrito cumprimento do dever legal ou o exercício regular de direito. Quando presentes, essas circunstâncias permitem que a conduta não seja considerada criminosa, e o agente não será condenado, mantendo-se sua primariedade e não havendo anotação em sua folha de antecedentes. Após examinar a ilicitude, é importante analisar a culpabilidade, que se refere à reprovabilidade ou responsabilidade sobre a conduta típica e ilícita praticada. Nessa etapa, são consideradas as causas excludentes de culpabilidade, que incluem a imputabilidade, a potencial consciência da ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa. A imputabilidade diz respeito à capacidade psíquica do agente de compreender o caráter ilícito da conduta, sendo imputáveis os maiores de 18 anos que estejam em gozo de suas faculdades mentais. Caso o agente não tenha total consciência da ilicitude da conduta, e esse desconhecimento for inevitável, ele será isento de pena. Ainda assim, é preciso verificar se era exigível do agente uma conduta diferente daquela praticada, considerando as circunstâncias fáticas e a possibilidade de agir de outro modo. 1 BITENCOURT, Cezar R. Tratado de direito penal: Parte geral - arts. 1º a 120 (vol. 1). São Paulo: Editora Saraiva, 2022. E-book. ISBN 9786555597172. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786555597172/. Acesso em: 03 ago. 2023. Alexandre Silva de Aguiar - 08635335740 As excludentes de culpabilidade incluem a coação moral irresistível e a obediência a ordem não manifestamente ilegal de superior hierárquico. Em tais situações, mesmo que o agente tenha praticado o fato típico e ilícito, ele não será apenado, e a responsabilidade recairá sobre o coator ou aquele que deu a ordem ilegal. Contudo, mesmo quando todas as etapas da análise apontam para a condenação, há circunstâncias em que o Estado perde o direito de aplicar a pena, ou seja, ocorre a extinção da punibilidade. Essas circunstâncias serão abordadas, permitindo-nos compreender a importância dessa questão no âmbito do direito penal e seus reflexos na justiça e na sociedade. O tema é complexo e exige uma abordagem detalhada para que se possa compreender as particularidades e implicações da extinção da punibilidade no contexto jurídico. A extinção da punibilidade O tema da extinção da punibilidade é um assunto de grande relevância no âmbito do Direito Penal. Abordamos sucintamente os conceitos analíticos do crime, a aplicação de pena e a condenação com base nos requisitos de materialidade delitiva, autoria, tipicidade, ilicitude e culpabilidade. Agora, aprofundemos nossa discussão sobre a extinção da punibilidade, um fenômeno que ocorre quando o Estado perde o poder de impor uma pena ao agente que cometeu o delito. É importante reiterar que, uma vez presentes a materialidade, autoria, tipicidade e ausentes as causas excludentes de ilicitude ou culpabilidade, o crime será punido de acordo com a legislação vigente. No entanto, existem situações em que, mesmo com a prática do delito comprovada, o Estado pode perder a capacidade de aplicar a pena ou executar a sentença penal condenatória. Essas situações são regulamentadas por meio das causas extintivas de punibilidade, que se encontram no artigo 107 do Código Penal brasileiro. Extinção da punibilidade Art. 107 - Extingue-se a punibilidade: I - pela morte do agente; II - pela anistia, graça ou indulto; III - pela retroatividade de lei que não mais considera o fato como criminoso; IV - pela prescrição, decadência ou perempção; Alexandre Silva de Aguiar - 08635335740 V - pela renúncia do direito de queixa ou pelo perdão aceito, nos crimes de ação privada; VI - pela retratação do agente, nos casos em que a lei a admite; VII - (Revogado pela Lei nº 11.106, de 2005) VIII - (Revogado pela Lei nº 11.106, de 2005) IX - pelo perdão judicial, nos casos previstos em lei. Conceitualmente, a extinção da punibilidade é o surgimento de obstáculos específicos previstos em lei, de natureza política, que impedem a persecução punitiva ou a execução da pena pelo Estado. Estas causas são determinadas pelo poder legislativo, sendo fruto de vontade política para evitar a punição em determinadas circunstâncias. Dentre as causas exemplificativas previstas no artigo 107 do Código Penal, destacam-se: a extinção da punibilidade pela morte do agente; a anistia, graça ou indulto concedidos pelo Estado; a retroatividade de lei que não mais considera o fato como criminoso; a prescrição, decadência ou perempção; a renúncia do direito de queixa ou o perdão aceito nos crimes de ação privada; e o perdão judicial nos casos previstos em lei. Essas causas extintivas podem se comunicar ou não aos coautores e partícipes do crime. Por exemplo, o perdão, a decadência, a perempção, a renúncia do direito de queixa e a retratação no crime de Falso Testemunho são causas que se comunicam. Por outro lado, a morte do agente, o perdão judicial e a graça ou indulto são exemplos de causas que não se comunicam. A determinação do momento em que ocorre a extinção da punibilidade é de suma importância. Se a extinção ocorrer antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, o Estado perde o direito de punir, e não haverá aplicação de pena. Caso a extinção ocorra após o trânsito em julgado, o Estado perde o direito de executar a sentença, no entanto remanescem os efeitos secundários da sentença condenatória, como a reincidência e o lançamento do nome do culpado. Além das causas extintivas exemplificadas no artigo 107 do Código Penal, há outras previstas em diversos pontos da legislação penal, como a suspensão condicional do processo nos casos da Leinº 9.099/95, o pagamento do tributo antes do oferecimento da denúncia nos crimes de ação fiscal e a falta de representação do ofendido. Alexandre Silva de Aguiar - 08635335740 Com a entrada em vigor da Lei nº 13.964/19, conhecida como "Pacote Anticrime", uma nova causa extintiva foi introduzida no ordenamento jurídico brasileiro: o cumprimento do acordo de não persecução penal, que torna extinta a punibilidade do agente que cumpre as condições estabelecidas no acordo. Concluímos, assim, essa primeira parte da análise das causas extintivas de punibilidade, apresentando um panorama geral sobre o tema. Aprofundaremos nossos estudos, abordando cada uma dessas causas específicas com seus respectivos comentários, buscando uma compreensão mais completa desse relevante aspecto do Direito Penal. Causas em espécie Exploremos a extinção da punibilidade, tema importante no contexto jurídico e que se refere à impossibilidade de o Estado punir o autor de um crime. Analisaremos as causas e possibilidades de extinção da punibilidade, como morte do agente, anistia, graça e o indulto. Para compreender melhor esse assunto, abordamos as causas extintivas da punibilidade, as quais estão descritas no artigo 107 do Código Penal e apresentam um rol exemplificativo. Uma das causas de extinção da punibilidade é a morte do agente. Se o autor do delito falece, sua punibilidade é automaticamente extinta. Esse princípio geral é consagrado no ordenamento jurídico, e a Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso XLV, reforça que a pena não deve ultrapassar a pessoa do condenado, embora a perda de bens possa recair sobre os sucessores nos casos previstos em lei. É relevante mencionar que a pena de multa, apesar de ser considerada uma obrigação de valor, segundo o artigo 51 do Código Penal, também é extinta com o falecimento do sentenciado antes de seu pagamento, não transmitindo a obrigação aos herdeiros, restando apenas os efeitos civis a cargo dos sucessores. Nesse contexto, é emitida uma certidão de óbito que atesta a morte e suas causas, tanto do ponto de vista médico quanto para fins jurídicos, como a determinação da causa jurídica do óbito, seja homicídio, suicídio, acidente ou morte natural. A partir da certidão de óbito, o juiz, após ouvir o Ministério Público, declara extinta a punibilidade do agente falecido, encerrando o processo penal em curso. Alexandre Silva de Aguiar - 08635335740 Cabe ressaltar que, durante o inquérito policial ou o processo, mesmo sem haver sentença penal condenatória, caso o réu venha a falecer, o magistrado deve julgar extinta a punibilidade, arquivando o feito, afastando a pretensão punitiva do Estado. Entretanto, a situação se torna mais complexa quando o réu já foi condenado e, após o trâmite do recurso, ocorre seu óbito. Nesse caso, representantes legais podem manifestar interesse no julgamento do recurso, visando a possibilidade de modificar a condenação, especialmente no âmbito cível. A morte do agente é a primeira causa de extinção da punibilidade. Com a morte do agente (indiciado, réu, condenado, reabilitando) cessa toda atividade destinada à punição do crime: com o processo penal em curso encerra-se ou impede-se que ele seja iniciado, e a pena cominada ou em execução deixa de existir. Essa causa é uma decorrência natural do princípio da personalidade da pena, hoje preceito constitucional (art. 5º, XLV, da CF), segundo o qual a pena criminal não pode passar da pessoa do criminoso: mors omnia solvit. Nem mesmo a pena de multa pode ser transmitida aos herdeiros. Evidentemente que nem sempre foi assim. A História é rica em exemplos de pessoas julgadas mesmo depois da morte, como as penas infamantes, que atingiam não só a memória do morto, mas inclusive os seus descendentes. O princípio da personalidade da pena é uma conquista do Direito Penal moderno. No entanto, a liberal Constituição brasileira de 1988 acena com a possibilidade de criação da odiosa e proscrita pena de confisco, além de possibilitar que a sua aplicação se estenda aos sucessores do condenado e contra eles seja executada, violando o princípio constitucional da personalidade da pena, que o mesmo dispositivo reconhece (art. 5º, XLV, da CF). Poucos penalistas deram- se conta dessa monstruosa contradição. Assim, embora pareça supérflua essa previsão, objetiva plasmar o repúdio a práticas punitivas sobre o cadáver, a memória ou os descendentes do morto. Finalmente, cumpre destacar que o princípio da personalidade da pena vige tão somente para as sanções criminais, pecuniárias ou não, não tendo aplicabilidade às consequências civis do crime. O espólio do condenado responde pelos danos do crime, cuja obrigação transmite-se aos seus herdeiros, até os limites da herança.2 Além da morte do agente, outras formas de extinção da punibilidade podem ocorrer por meio de anistia, graça e indulto. A anistia é a declaração do poder público que torna impuníveis determinados fatos por motivo de utilidade social, tratando de fatos e não de pessoas. A anistia pode ser condicionada ou incondicionada, e sua concessão pode ser recusada pelo beneficiário caso esteja vinculada a condições. Uma vez concedida, não pode ser revogada e tem efeito de apagar o crime e todos os efeitos da sentença, exceto os efeitos civis. 2 BITENCOURT, Cezar R. Tratado de direito penal: Parte geral - arts. 1º a 120 (vol. 1). São Paulo: Editora Saraiva, 2022. E-book. ISBN 9786555597172. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786555597172/. Acesso em: 03 ago. 2023. Alexandre Silva de Aguiar - 08635335740 A graça e o indulto são medidas de clemência destinadas a uma pessoa determinada, diferentemente da anistia. A graça pode ser total ou parcial, extinguindo ou reduzindo a pena, enquanto o indulto pode ser coletivo, beneficiando um grupo de sentenciados, ou condicional, impondo requisitos de comportamento ao condenado para manter o perdão concedido. É importante destacar que o decreto presidencial que concede indulto não é auto-executável, dependendo da análise do juiz da execução penal para verificar se os objetivos subjetivos foram atendidos pelo beneficiário. Outra questão relevante é que o indulto coletivo não é concedido aos condenados por crimes hediondos e equiparados, conforme o disposto pelo artigo 2º, inciso I, da Lei dos Crimes Hediondos (Lei nº 8.072/90). Anistia, graça e indulto constituem uma das formas mais antigas de extinção da punibilidade, conhecidas no passado como clemência soberana — indulgencia principis —, e justificavam-se pela necessidade, não raro, de atenuar os rigores exagerados das sanções penais, muitas vezes desproporcionais ao crime praticado. A anistia, já se disse, é o esquecimento jurídico do ilícito e tem por objeto fatos (não pessoas) definidos como crimes, de regra, políticos, militares ou eleitorais, excluindo-se, normalmente, os crimes comuns. A anistia pode ser concedida antes ou depois da condenação e, como o indulto, pode ser total ou parcial. A anistia extingue todos os efeitos penais, inclusive o pressuposto de reincidência, permanecendo, contudo, a obrigação de indenizar. A graça tem por objeto crimes comuns e dirige-se a um indivíduo determinado, condenado irrecorrivelmente. A atual Constituição Federal, no entanto, não mais consagra a graça como instituto autônomo, embora continue relacionado no Código Penal em vigor. Por isso, na prática, a graça tem sido tratada como indulto individual. A iniciativa do pedido de graça pode ser do próprio condenado, do Ministério Público, do Conselho Penitenciário ou da autoridade administrativa (art. 188 da LEP). O indulto coletivo, ou indulto propriamente dito, destina-se a um grupo indeterminado de condenados e é delimitado pela natureza do crime e quantidade da pena aplicada, além de outros requisitos que o diplomalegal pode estabelecer. Alguns doutrinadores chamam de indulto parcial a comutação de pena, que não extingue a punibilidade, diminuindo tão somente a quantidade de pena a cumprir. A nova ordem constitucional diz que são insuscetíveis de graça ou anistia a prática de tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os crimes definidos como hediondos (art. 5º, XLIII, da CF e Lei n. 8.072). A concessão de anistia é de competência exclusiva do Congresso Nacional (art. 48, VIII, da CF), independentemente da aceitação dos anistiados, e, uma vez concedida, não pode ser revogada. Já a concessão de graça e indulto é prerrogativa do Chefe do Executivo, que, no entanto, poderá delegá-la a seus Ministros (art. 84, XII e parágrafo único, da CF).3 3 BITENCOURT, Cezar R. Tratado de direito penal: Parte geral - arts. 1º a 120 (vol. 1). São Paulo: Editora Saraiva, 2022. E-book. ISBN 9786555597172. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786555597172/. Acesso em: 03 ago. 2023. Alexandre Silva de Aguiar - 08635335740 Em resumo, a extinção da punibilidade é um tema complexo, envolvendo diversas causas e possibilidades previstas em lei. É de suma importância que o juiz da execução penal analise criteriosamente os decretos de anistia, graça e indulto, garantindo que os princípios legais sejam respeitados e que a justiça seja aplicada de forma adequada e imparcial. Prescrição e decadência O sistema penal é um pilar fundamental em qualquer sociedade, pois visa garantir a ordem, a justiça e a proteção dos direitos dos cidadãos. Nesse contexto, diversos princípios e institutos do Direito Penal são aplicados para assegurar uma atuação equilibrada e justa do Estado frente aos delitos cometidos. Um dos pontos abordados no texto original é a retroatividade da lei penal, a qual implica que a nova legislação mais benéfica se aplica a fatos ocorridos antes de sua vigência. Esse princípio está presente no artigo 5º, XL, da Constituição Federal do Brasil de 1988, que dispõe que "a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu". Essa regra é essencial para evitar arbitrariedades e garantir que uma pessoa não seja punida por uma conduta que, no momento do ato, não era considerada crime. Outro ponto relevante é a prescrição, que ocorre quando o Estado não consegue punir o autor do delito dentro de um determinado prazo estabelecido em lei. No texto original, foi mencionado que a prescrição pode ocorrer de três formas: pela prescrição em abstrato, determinada pelo artigo 109 do Código Penal, que leva em conta a pena máxima prevista para o delito; pela prescrição em concreto, que considera a pena aplicada ao réu, nos casos em que não houve condenação; e pela prescrição da pretensão punitiva do Estado, que ocorre quando o Estado perde o direito de punir em decorrência do decurso do tempo. Em contrapartida, a decadência refere-se ao prazo em que o ofendido deve exercer o direito de representação ou de queixa, não podendo fazê-lo após esse período. O texto original menciona que o prazo de decadência é de 6 meses, contados a partir do conhecimento do fato ou do encerramento do prazo para oferecimento da denúncia. Essa medida protege o réu de ações tardias que poderiam prejudicar sua defesa. Alexandre Silva de Aguiar - 08635335740 A prescrição, por sua importância e complexidade, será analisada em capítulo próprio. Decadência é a perda do direito de ação privada ou do direito de representação, em razão de não ter sido exercido dentro do prazo legalmente previsto. A decadência fulmina o direito de agir, atinge diretamente o ius persequendi. A decadência foi mais bem examinada no capítulo da Ação Penal. Perempção é a perda do direito de prosseguir no exercício da ação penal privada, isto é, uma sanção jurídica aplicada ao querelante pela sua inércia, ou seja, pelo mau uso da faculdade que o Poder Público lhe concedeu de agir, privativamente, na persecução de determinados crimes. Na perempção, o querelante, que já iniciou a ação de exclusiva iniciativa privada, deixa de realizar atos necessários ao seu prosseguimento, deixando de movimentar o processo, levando à presunção de desistência (art. 60 do CPP). Enfim, a decadência atinge o direito de iniciar a ação penal; a perempção, o de nela prosseguir.4 Por sua vez, o perdão judicial é uma prerrogativa do Estado para perdoar determinadas infrações, mesmo após a condenação, em situações previstas em lei. Essa é uma medida excepcional que visa, por exemplo, proteger a sociedade de punições excessivas ou desproporcionais. No entanto, é importante destacar que o perdão judicial não se confunde com o perdão concedido pela vítima, uma vez que o perdão judicial é uma decisão do Estado, enquanto o perdão da vítima é uma questão pessoal. A retratação do agente, por sua vez, ocorre quando ele reconhece seu erro e retira as acusações feitas anteriormente. Isso é comum em casos de calúnia ou difamação, por exemplo, e pode levar à extinção da punibilidade do acusado. É importante ressaltar que a retratação do agente só é válida em determinados crimes específicos e que, em alguns casos, mesmo com a retratação, o processo penal pode seguir adiante. 4 BITENCOURT, Cezar R. Tratado de direito penal: Parte geral - arts. 1º a 120 (vol. 1). São Paulo: Editora Saraiva, 2022. E-book. ISBN 9786555597172. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786555597172/. Acesso em: 03 ago. 2023. Alexandre Silva de Aguiar - 08635335740 Há hipóteses legais em que a retratação exime o réu de pena. Esses casos são os de calúnia, difamação, falso testemunho e falsa perícia. Pela retratação o agente reconsidera a afirmação anterior e, assim, procura impedir o dano que poderia resultar da sua falsidade. A injúria não admite retratação. Havia uma exceção para a injúria que fosse praticada por meio da imprensa (art. 26 da Lei n. 5.250/67, que foi afastada pela ADPF n. 130, julgada pelo STF). Na injúria, como afirmava Aníbal Bruno, “há só a ofensa da palavra ou do gesto, que ninguém pode retirar. Na calúnia e difamação o dano resulta da arguição falsa de fatos criminosos ou não criminosos. Se o acusador mesmo os nega, a vítima pode considerar-se desagravada e o seu crédito social livre de perigo, e com isso a punibilidade de ação típica se extingue. O Direito atende ao gesto do ofensor que procura reparar o dano desdizendo-se”. Também na falsa perícia ou no falso testemunho a retratação ou a declaração da verdade exclui a punibilidade. A declaração da verdade é o meio de corrigir o silêncio com que o agente a ocultou (art. 342, § 3º, do CP). Nessa hipótese, a retratação deve ser completa e ocorrer antes da publicação da sentença no processo em que ocorreu a falsidade. Ao contrário do que ocorre nos crimes contra a honra, nesse caso, a retratação comunica-se aos demais participantes5 Além disso, é fundamental entender a conexão entre crimes, que pode ocorrer quando uma infração é pressuposto ou elemento constitutivo de outro delito. Nesses casos, a punibilidade do primeiro crime não se estende automaticamente ao segundo, sendo tratados de forma independente. Isso significa que mesmo que um crime conexo prescreva ou tenha outro instituto penal aplicado, o outro crime conexo pode ainda ser objeto de punição. Em resumo, o Direito Penal é um conjunto de normas e princípios que busca garantir a justiça e a segurança jurídica na sociedade. A retroatividade da lei penal, a prescrição, a decadência, o perdão judicial, a retratação do agente e a conexão entre crimes são importantes instrumentos para assegurar uma atuação justa do sistema penal. Esses institutos trabalham em conjunto para garantir que a aplicação da lei seja equilibrada e que os direitos de todos os envolvidos sejam respeitados.É essencial que o sistema penal esteja em constante evolução e adaptação para atender às necessidades e desafios da sociedade contemporânea. 5 BITENCOURT, Cezar R. Tratado de direito penal: Parte geral - arts. 1º a 120 (vol. 1). São Paulo: Editora Saraiva, 2022. E-book. ISBN 9786555597172. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786555597172/. Acesso em: 03 ago. 2023. Alexandre Silva de Aguiar - 08635335740 Bibliografia BITENCOURT, Cezar R. Tratado de direito penal: Parte geral - arts. 1º a 120 (vol. 1).São Paulo: Editora Saraiva, 2022. E-book. ISBN 9786555597172. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786555597172/. Acesso em: 03 ago. 2023. OLIVÉ, Juan Carlos F.; BRITO, Alexis Couto de. Direito penal brasileiro, 2ª edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2017. E-book. ISBN 9788547215231. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788547215231/. Acesso em: 03 ago. 2023. Alexandre Silva de Aguiar - 08635335740punição sem que haja responsabilidade subjetiva do agente. Ou seja, para que alguém seja responsabilizado criminalmente, é necessário comprovar sua culpa ou dolo na prática do delito. Isso significa que o indivíduo só pode ser punido se agiu de forma voluntária e consciente, tendo conhecimento da ilicitude de sua conduta. Esse princípio protege o indivíduo de responsabilizações injustas e arbitrárias. No entanto, existem exceções a esse princípio da responsabilidade subjetiva. Em alguns casos, a legislação prevê a responsabilidade objetiva, ou seja, o indivíduo pode ser responsabilizado independentemente de culpa ou dolo. O princípio da insignificância surge, também, como um dos pontos relevantes da discussão sobre os princípios do Direito Penal. Esse princípio é também conhecido como princípio da bagatela e estabelece que certas condutas de menor gravidade, que causem danos ou lesões insignificantes, não devem ser consideradas criminosas, uma vez que não representam uma ameaça relevante aos bens jurídicos tutelados pelo Direito Penal. Alexandre Silva de Aguiar - 08635335740 Em outras palavras, o princípio da insignificância preconiza que o sistema penal deve se ocupar apenas das condutas mais graves e socialmente reprováveis, evitando desperdiçar recursos e sobrecarregar o sistema judiciário com casos de pouca relevância ou que não geram impacto significativo à sociedade. No contexto do princípio da insignificância, são levados em consideração alguns critérios para avaliar a aplicação desse princípio. Entre eles, destaca-se o valor do bem ou objeto subtraído, o grau de lesão causado, a ausência de violência ou grave ameaça à vítima, a primariedade do agente, entre outros fatores. É importante ressaltar que a aplicação do princípio da insignificância exige cautela e análise cuidadosa do caso concreto, para garantir que o Direito Penal seja aplicado de forma justa e proporcional. Afinal, embora o princípio vise evitar a criminalização de condutas de pouca relevância social, ele não deve ser aplicado de forma a incentivar a impunidade ou a banalização de comportamentos delituosos. Em alguns países, como a Alemanha, o princípio da insignificância é aplicado de forma mais ampla, resultando na não responsabilização criminal de algumas condutas consideradas de mínima relevância. Já no Brasil, a aplicação desse princípio ainda é objeto de discussão e análise pelos tribunais, sendo necessário encontrar o equilíbrio entre a garantia da segurança jurídica e a proteção dos bens jurídicos tutelados pelo Direito Penal. Outro princípio importante é o da intervenção mínima, que preconiza que o Direito Penal deve ser utilizado apenas em última instância, ou seja, somente quando outras formas de controle social e prevenção não forem suficientes para proteger bens jurídicos e garantir a ordem social. Esse princípio busca evitar a criminalização excessiva e o encarceramento em massa, priorizando soluções mais brandas e eficazes para a resolução de conflitos. Um princípio que também merece destaque é o da humanidade das penas, que preconiza que as penas impostas aos infratores devem ser proporcionais ao delito cometido, evitando-se tratamentos cruéis, degradantes ou desumanos. Esse princípio busca garantir a dignidade e os direitos fundamentais dos indivíduos mesmo durante o cumprimento de suas penas. Alexandre Silva de Aguiar - 08635335740 Decorrente do movimento iluminista, notadamente a partir da obra de Beccaria, o princípio da humanidade consiste em tratar o condenado como pessoa humana e foi consagrado expressamente na Constituição da República, em vários preceitos, com especial destaque no art. 5.º, XLIX, que dispõe que é “assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral”. O inciso L do mesmo artigo realça a condição peculiar da condenada, estabelecendo que “às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação”. O ápice da presença do referido princípio em nível constitucional está cristalizado no inciso XLVII do art. 5.º, ao estabelecer que não haverá penas: “a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX; b) de caráter perpétuo; c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis”. O princípio da humanidade está estreitamente ligado ao princípio da dignidade da pessoa humana, que encontra nele seu fundamento substancial último. Tal princípio deve orientar toda ação estatal voltada ao condenado, não só na feitura da lei e no âmbito do cumprimento efetivo da pena, como também na aplicação da sanção administrativa e no resgate do condenado como pessoa humana. Com a concreção desse princípio, esculpido na Constituição da República, o condenado, que se encontra privado de sua liberdade, tem “[...] um status jurídico particular; é um sujeito titular de direitos fundamentais, ainda que com certas limitações derivadas de sua situação de reclusão”. Nessa perspectiva, merece ser sobrelevada, no princípio da humanidade, a menção aos fins preventivos da sanção penal, “[...] particularmente o fim de prevenção social que alguns sistemas elevam à dignidade constitucional ao proclamarem que a pena deve ter o senso de humanidade e tender à reeducação do condenado”. A Constituição da Espanha, por exemplo, traz como princípio reitor da execução penal, em seu art. 25.2, que as penas privativas de liberdade são direcionadas à reeducação e reinserção social do condenado. No mesmo sentido dispõe o art. 27 da Constituição italiana, assinalando que a pena não pode consistir em tratamento contrário à humanidade e deve se direcionar à reeducação do condenado. Alexandre Silva de Aguiar - 08635335740 Nessa linha, pondera-se ao Estado que faz uso do seu ius puniendi, “[...] um dever de ajuda e de solidariedade para com o condenado, proporcionando-lhe o máximo de condições para prevenir a reincidência e prosseguir a vida no futuro sem cometer crimes”. Não deve ser olvidado que a conquista histórica da humanização das penas propiciada pela recepção dos ideais aportados pela Ilustração, com especificidade no fomento à dignidade e à moral humana, teve o inegável efeito irradiante na internacionalização da proteção dos direitos humanos na busca efetiva da extirpação da opressão do Estado sobre os cidadãos. Merece ser destacada, nessa evolução protetiva dos direitos humanos, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada em Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em 10 de dezembro de 1948, que, entre outros preceitos, estabeleceu, no seu art. 5.º: “Ninguém será submetido a tortura nem a punição ou tratamento cruéis, desumanos ou degradantes”. A despeito da importância histórica da referida declaração, é importante res- saltarem-se documentos anteriores, como a Declaração dos Direitos do Homem da Virgínia, de 1776, que incorporou, em seu texto, a proibição da aplicação de penas cruéis ou inusitadas, cuja proibição foi repetida na própria Constituição dos Estados Unidos de 1787. Não se pode ignorar, ademais, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, aprovado por unanimidade pela Assembleia Geral da ONU, realizada em 16.12.1966, com vigência a partir de 1976, merecendo destaque o seu art. 6.º, que estabeleceu normas restritivas à pena de morte. Tampouco se pode olvidar a Convenção Americana de Direitos Humanos, proclamada em 22 de novembro de 1969, em San José da Costa Rica. A citada convenção sedimentou uma histórica conquista no sistema interamericano quanto à proteção regional dos direitos fundamentais do homem. É interessante assinalar que, em 8 de junho de 1990, a Organização dos Estados Americanos (OEA) aprovou, em assembleia geral, na reunião realizada em Assunção, Paraguai,o Protocolo à Convenção Americana de Direitos Humanos, referente à abolição da pena de morte. Alexandre Silva de Aguiar - 08635335740 Assinale-se que, antes do referido documento aprovado pela OEA, a ONU já havia aprovado dois Protocolos Facultativos ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, com destaque para o segundo que focou a abolição da pena de morte. Verifica-se, assim, que o princípio da humanidade transcendeu, no decorrer das centúrias, os ordenamentos jurídicos locais e/ou regionais para buscar proteção no próprio direito internacional.4 Além desses princípios, existem muitos outros que orientam a atuação do Direito Penal, como o princípio da individualização da pena, que determina que a pena aplicada ao infrator deve ser individualizada, levando em consideração suas circunstâncias pessoais, a gravidade do delito e as consequências do crime. Também temos o princípio da proporcionalidade, que exige que as medidas punitivas sejam proporcionais ao dano causado pelo crime, evitando-se excessos ou penas desproporcionais. Outro princípio relevante é o da subsidiariedade, que orienta que o Direito Penal deve atuar somente quando outras esferas do direito se mostrarem ineficientes na proteção dos bens jurídicos e na manutenção da ordem social. Assim, busca-se evitar a criminalização de condutas que poderiam ser solucionadas por outras áreas do direito. O princípio da intervenção mínima também merece destaque, pois indica que o Direito Penal deve intervir na vida das pessoas o mínimo possível, priorizando a proteção dos bens jurídicos mais relevantes para a sociedade. Isso significa que o legislador deve restringir a criminalização a condutas que efetivamente causem danos significativos. Além disso, o princípio da confiança pressupõe que os cidadãos seguirão as normas e regras estabelecidas pela sociedade, garantindo a manutenção da ordem e do respeito às leis. Esse princípio é essencial para o bom funcionamento do sistema jurídico como um todo. 4 PRADO, Luiz R. Direito Penal Constitucional - A (Des)construção do Sistema Penal. São Paulo: Grupo GEN, 2020. E-book. ISBN 9788530991586. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788530991586/. Acesso em: 03 ago. 2023. Alexandre Silva de Aguiar - 08635335740 Resumidamente, compreender os princípios do Direito Penal é essencial para uma atuação justa, equilibrada e responsável do sistema penal. Essas diretrizes norteiam a criação das leis, a aplicação das penas e a proteção dos direitos individuais, contribuindo para uma sociedade mais justa e segura. O respeito a esses princípios assegura que o Direito Penal cumpra sua função de garantir a ordem social e a proteção dos cidadãos de forma eficiente e equânime. Alexandre Silva de Aguiar - 08635335740 Bibliografia PRADO, Luiz R. Direito Penal Constitucional - A (Des)construção do Sistema Penal. São Paulo: Grupo GEN, 2020. E-book. ISBN 9788530991586. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788530991586/. Acesso em: 03 ago. 2023. Alexandre Silva de Aguiar - 08635335740 TRIBUNAL DO JÚRI E EXECUÇÃO PENAL Módulo: Direito Penal Tema 02: Iter Criminis Introdução Neste momento, o foco é dado ao estudo dos fundamentos do Direito Penal, com ênfase na análise do itinerário do crime, que compreende as diferentes fases que envolvem o processo criminoso. Essa compreensão é crucial para os profissionais que atuam na área jurídica, pois as nuances presentes em cada fase podem impactar diretamente na condução dos casos e nas decisões tomadas. Iter criminis, também conhecido como itinerário do crime, é um conceito jurídico que se refere ao caminho ou trajetória percorrida pelo autor de um crime desde o momento em que concebe a ideia de cometê-lo até a sua consumação. É uma teoria que descreve as diferentes etapas ou fases que envolvem a prática de um delito, levando em consideração os atos preparatórios, o início da execução, a consumação e, em alguns casos, o exaurimento. Alexandre Silva de Aguiar - 08635335740 As fases do iter criminis, aqui mencionadas e posteriormente aprofundadas, são as seguintes: • Cogitação: É a fase interna em que o agente concebe a ideia de cometer um crime, porém, ainda não exterioriza suas intenções. • Atos preparatórios: Nesta fase, o agente começa a planejar e executar ações que antecedem a prática do crime. São atos que indicam a intenção criminosa, mas ainda não caracterizam o delito em si. • Início da execução: É o momento em que o agente dá início à realização do crime, colocando em prática as ações que visam a sua consumação. • Consumação: É o ponto em que o crime é efetivamente cometido, ou seja, quando se verificam todos os elementos essenciais do tipo penal. • Exaurimento (ou consumação atípica): Em alguns crimes, após a consumação, podem ocorrer outros eventos que não se enquadram no tipo penal, mas que têm relação direta com o delito já cometido. Esses eventos são conhecidos como exaurimento. O iter criminis é um conceito relevante para a aplicação do Direito Penal, pois auxilia na diferenciação entre a cogitação e os atos preparatórios do crime propriamente dito, evitando que meros pensamentos sejam punidos, garantindo, assim, a segurança jurídica e a proteção dos direitos individuais. O conhecimento dessas fases também é importante para a devida apuração e investigação dos crimes, bem como para a adequada atuação das autoridades judiciais na aplicação da lei penal. Abordar-se-á minuciosamente cada fase, ressaltando sua importância e implicação nas leis. Deve-se desmistificar e esclarecer conceitos para obter uma formação sólida e fundamentada nas bases do Direito Penal. Ao longo da exploração, é ressaltada a necessidade de conhecer as particularidades de cada fase do crime, o que pode ser determinante para o desenrolar do processo. Alexandre Silva de Aguiar - 08635335740 A transição entre as fases dos atos preparatórios e o início da execução é uma linha tênue e muitas vezes difícil de ser identificada, exigindo apuração detalhada dos fatos e das circunstâncias que envolvem o caso. É nesse momento que a atuação do juiz, promotor e outros profissionais se torna crucial para determinar os limites e as implicações legais, evitando erros e garantindo uma justiça eficiente e justa. Vale ressaltar que o estudo dos crimes e suas fases não deve ser encarado como uma mera formalidade jurídica, mas sim como um conhecimento aprofundado que permite aos profissionais uma atuação mais segura e embasada, visando a proteção dos direitos individuais e coletivos. A aplicação dos princípios do Direito Penal, aliada à compreensão das particularidades de cada fase do crime, é essencial para o exercício de uma justiça mais equitativa e consciente. Nesse contexto, a formação sólida em Direito Penal e o entendimento das fases do crime são pilares fundamentais para a construção de uma sociedade mais justa, onde os profissionais da área jurídica possam atuar de forma imparcial e comprometida com os princípios do Estado de Direito. O aprimoramento contínuo e a busca por conhecimento são essenciais para a excelência na atuação dos profissionais da justiça, contribuindo para a construção de um sistema penal mais justo e eficiente. O iter criminis e suas etapas O iter criminis, também conhecido como itinerário do crime, é um conceito essencial no Direito Penal, pois descreve o caminho percorrido pelo agente desde o momento em que concebe a ideia de cometer um delito até a sua consumação. É um tema de grande importância para os estudantes e profissionais do Direito, pois ajuda a compreender as diferentes fases que envolvem a práticade um crime e suas consequências jurídicas. Inicialmente, é fundamental destacar as várias etapas do iter criminis, que são a cogitação, os atos preparatórios, o início da execução, a consumação e, em alguns casos, o exaurimento. A cogitação refere-se à fase interna, em que o agente concebe a ideia do crime, mas ainda não exterioriza suas intenções. Já os atos preparatórios consistem nas ações que antecedem a execução do delito, indicando a intenção criminosa. Alexandre Silva de Aguiar - 08635335740 No momento em que o agente parte em direção ao seu objetivo, temos o início da execução, em que ele demonstra inequivocamente sua intenção de praticar o crime. Nesse ponto, o delito ainda pode ser evitado, pois a consumação não ocorreu. No entanto, ao consumar o crime, o agente alcança seu objetivo e realiza todas as condutas necessárias para a configuração do tipo penal. Vale ressaltar que nem todos os crimes passam por todas as fases do iter criminis. Alguns delitos podem ser consumados rapidamente, enquanto outros envolvem etapas mais complexas, como no caso de sequestros, extorsões, entre outros. Cada fase do iter criminis possui importância jurídica específica, e sua análise adequada é fundamental para a aplicação correta da lei penal. O início da execução é um momento delicado, pois marca a transição entre os atos preparatórios e a consumação. É o momento em que o agente dá início efetivo à prática criminosa, podendo ser punido por tentativa, caso não alcance a consumação por motivos alheios à sua vontade. É nessa fase que as autoridades judiciárias precisam ter cautela na análise dos elementos para evitar punir meras cogitações ou atos preparatórios. Além disso, o exaurimento é uma fase posterior à consumação, que pode aumentar as consequências do crime. Em algumas situações, o crime pode ter efeitos prolongados ou desdobramentos que ultrapassam a consumação do delito em si. Nesses casos, a pena pode ser agravada em razão das consequências mais graves causadas pelo crime. O conhecimento do iter criminis é fundamental para a adequada aplicação da lei penal e para garantir a justiça no sistema jurídico. A diferenciação entre as fases do crime evita punições indevidas e assegura a proteção dos direitos individuais. Portanto, é de extrema importância que estudantes e profissionais do Direito se aprofundem nesse tema e compreendam sua relevância na prática jurídica. De maneira resumida, o iter criminis é um conceito-chave no Direito Penal, que descreve o percurso do crime desde sua concepção até sua consumação. Compreender as diferentes fases do crime é essencial para a aplicação correta da lei e para garantir a justiça no sistema jurídico. A análise cuidadosa de cada etapa do iter criminis permite que as autoridades judiciárias ajam com precisão e evitem punições injustas. Portanto, aprofundar o estudo desse conceito é indispensável para todos os envolvidos na área do Direito. Alexandre Silva de Aguiar - 08635335740 Tentativa, Consumação e Crime impossível O iter criminis, conceito que descreve o caminho percorrido pelo crime desde sua concepção até sua consumação, é um tema de extrema relevância no âmbito do Direito Penal. Neste texto, vamos explorar mais a fundo as diferentes fases do crime, como a cogitação, os atos preparatórios, o início da execução, a consumação e o exaurimento, além de discutir os institutos da tentativa e do crime impossível. A cogitação representa a primeira etapa do iter criminis, caracterizada pelo planejamento interno do agente em cometer o delito. Nesse momento, as intenções criminosas ainda não foram manifestadas exteriormente. Os atos preparatórios, por sua vez, constituem as ações que antecedem a execução do crime e demonstram a vontade do agente em praticá-lo. É importante ressaltar que, em algumas situações, os atos preparatórios podem ser puníveis, caso a legislação assim determine. O início da execução é o momento em que o agente efetivamente inicia a prática do crime, demonstrando sua inequívoca intenção criminosa. É uma fase delicada, pois marca a transição entre os atos preparatórios e a consumação do delito. Se o agente não alcança a consumação por motivos alheios à sua vontade, ele pode ser punido por tentativa, de acordo com o artigo 14, inciso II do Código Penal. Art. 14 - Diz-se o crime: I - consumado, quando nele se reúnem todos os elementos de sua definição legal; II - tentado, quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente. Parágrafo único - Salvo disposição em contrário, pune-se a tentativa com a pena correspondente ao crime consumado, diminuída de um a dois terços. A doutrina andou insistentemente em busca de regras gerais que distinguissem atos preparatórios e executórios com alguma precisão. Vários foram os critérios propostos para a diferenciação. Alguns autores consideraram os atos remotos ou distantes como meramente preparatórios, uma vez que não seriam perigosos em si, enquanto os atos mais próximos seriam executórios, pois colocariam em risco o bem jurídico. Os distantes seriam equívocos e os próximos (executórios) seriam inequívocos. E, à medida que os atos distantes se aproximam do momento executório, vão perdendo o seu caráter equívoco e tornando-se, cada vez mais, expressão inequívoca de uma vontade criminosa dirigida a um fim determinado, merecedora da atenção da justiça penal. Alexandre Silva de Aguiar - 08635335740 A esses critérios sucederam-se muitos outros, todos insuficientes ou imprecisos demais para marcar a linha divisória entre a preparação e a execução. Os critérios mais aceitos são aqueles que partem do fundamento objetivo-material da punibilidade da tentativa, como conduta capaz de provocar a afetação de um bem jurídico protegido pelo Direito Penal. Estabelecido esse ponto de partida, o critério válido de delimitação entre atos preparatórios e atos executórios (início da execução) será aquele que permita identificar a tentativa como “início da execução da conduta típica”. Por outro lado, considerando que a Parte Especial é composta por uma multiplicidade de tipos de injusto, estruturalmente distintos (crimes de resultado, de mera conduta, comissivos, omissivos etc.), o critério de delimitação entre atos preparatórios e atos executórios (início da execução punível) deve ser capaz de abranger todas essas formas de manifestação do fenômeno criminoso. Nesses termos, o critério também deve ser objetivo-formal, que foi adotado pelo Código Penal brasileiro, de acordo com a redação do art. 14, II. Assim, a tentativa caracteriza-se como o “início da realização do tipo”, isto é, com o início da execução da conduta descrita nos tipos da Parte Especial. O critério material vê o elemento diferencial no ataque direto ao objeto da proteção jurídica, ou seja, no momento em que o bem juridicamente protegido é posto realmente em perigo pelo atuar do agente. Assim, o crime define-se, materialmente, como lesão ou ameaça a um bem jurídico tutelado pela lei penal. O ato que não constitui ameaça ou ataque direto ao objeto da proteção legal é simples ato preparatório. No critério objetivo-formal, o começo da execução é marcado pelo início da realização do tipo, ou seja, quando se inicia a realização da conduta núcleo do tipo: matar, ofender, subtrair etc. É por demais conclusiva a lição do saudoso Aníbal Bruno, que pontificava: “Na realidade, o ataque ao bem jurídico para constituir movimento executivo de um crime tem de dirigir-se no sentido da realização de um tipo penal. O problema da determinação do início da fase executiva há de resolver-se em relação a cada tipo de crime, tomando-se em consideração sobretudo a expressão que a lei emprega para designar a ação típica. É em referência ao tipo penal considerado que se pode decidirse estamos diante da simples preparação ou já da execução iniciada. Para isso é preciso tomar em consideração o fim realmente visado pelo agente”. Há entendimento de que a teoria objetivo-formal necessita de complementação, pois, apesar de tê-la adotado e de o Código afirmar que o crime se diz tentado “quando, iniciada a execução, não se consuma...”, existem atos tão próximos e quase indissociáveis do início do tipo que merecem ser tipificados, como, por exemplo, alguém que é surpreendido dentro de um apartamento, mesmo antes de ter subtraído qualquer coisa; poder-se-á imputar-lhe a tentativa de subtração? Mas pode-se afirmar que ele teria iniciado a subtração de coisa alheia? Por isso, tem-se aceito a complementação proposta por Frank, que inclui na tentativa as ações que, por sua vinculação necessária com a ação típica, aparecem, como parte integrante dela, segundo uma concepção natural, como é o caso do exemplo supra referido. Por último, pode acontecer que em determinados casos (nas hipóteses de conflito aparente de normas, especialmente nos casos de crimes complexos de resultado) nos deparemos com a dificuldade de distinguir entre a prática de um crime consumado menos grave e o início da execução de um crime mais grave, que pode ser punido na sua forma tentada. Para uma adequada valoração dos fatos, é necessário analisar a tentativa sob uma perspectiva global, levando em consideração o plano do autor e o contexto em que ele se desenvolve. O plano do autor deverá ser entendido no sentido do dolo, como decisão de realizar determinada conduta típica, e demonstrado, na prática, através de indicadores externos, relacionados com o contexto em que a conduta se desenvolve, para que, finalmente, se defina como deve ser valorada a conduta realizada.1 1 BITENCOURT, Cezar R. Tratado de direito penal: Parte geral - arts. 1º a 120 (vol. 1).São Paulo: Editora Saraiva, 2022. E-book. ISBN 9786555597172. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786555597172/. Acesso em: 03 ago. 2023. Alexandre Silva de Aguiar - 08635335740 A tentativa é uma das figuras mais relevantes relacionadas ao iter criminis. Ela ocorre quando o agente parte para a execução do crime, mas não consegue consumá- lo por circunstâncias alheias à sua vontade. A pena para a tentativa é reduzida de 1/3 a 2/3, conforme a proximidade da consumação. Além disso, a tentativa pode ser classificada como branca, quando a vítima não sofreu lesão alguma, ou cruenta, quando a vítima sofreu algum tipo de dano. Um ponto interessante a ser destacado é a diferença entre tentativa perfeita e tentativa imperfeita. Na tentativa perfeita, o agente esgota todos os atos de execução previstos no plano, mas o crime não se consuma. Na tentativa imperfeita, o agente não consegue realizar todos os atos de execução planejados, seja por sua vontade ou por fatores externos. Um exemplo de tentativa imperfeita seria o agente que dispara quatro tiros contra a vítima, acertando três, mas não alcançando seu objetivo de matá-la. Outro ponto importante é o crime impossível, previsto no artigo 17 do Código Penal. Ocorre quando o agente pratica todos os atos de execução, mas, por ineficácia absoluta do meio empregado ou por impropriedade do objeto, o crime não se consuma. Art. 17 - Não se pune a tentativa quando, por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto, é impossível consumar-se o crime. Nesse caso, o agente não responde pelo delito tentado, o que pode ser classificado como delito putativo, ou seja, quando o agente, equivocadamente, imagina que está cometendo um crime, mas, na verdade, ele não existe. Essas nuances do iter criminis têm extrema importância na aplicação da justiça, tanto na prática jurídica como nos concursos públicos na área do Direito. Compreender cada etapa do caminho percorrido pelo crime é fundamental para evitar punições indevidas e garantir a correta aplicação da lei penal. Vale salientar que nem todos os crimes permitem tentativa, sendo exclusiva de alguns delitos. Ademais, é relevante mencionar que a intenção do agente em praticar o delito é o elemento central na caracterização das diferentes fases do iter criminis. Sumamente, o estudo aprofundado do iter criminis é indispensável para todos os envolvidos no âmbito do Direito, sendo um dos pilares fundamentais na compreensão do sistema jurídico e na busca pela justiça. Alexandre Silva de Aguiar - 08635335740 Tentativa, a consumação e o crime impossível Tem-se por objetivo analisar e discorrer sobre os conceitos e nuances das fases do crime no Direito Penal, em os títulos a elas relacionados, em especial a tentativa, a consumação e o crime impossível. Trata-se de um tema fundamental para a compreensão do sistema jurídico e da aplicação da justiça na sociedade. Primeiramente, cabe ressaltar a importância do estudo das fases do Direito Penal, que constituem a base para determinar a responsabilidade do agente diante de uma infração penal. A tentativa, por exemplo, é caracterizada quando o indivíduo realiza atos de execução de um crime, mas não o concretiza por razões alheias à sua vontade. Nesse caso, a pena é reduzida, levando em consideração o grau de proximidade da consumação do delito. Por outro lado, temos a desistência voluntária, também conhecida como arrependimento eficaz, na qual o agente interrompe voluntariamente a execução do crime, evitando sua consumação. A legislação reconhece a intenção criminosa do agente, mas entende que a desistência é uma circunstância relevante para a redução da pena. Art. 15, CP- O agente que, voluntariamente, desiste de prosseguir na execução ou impede que o resultado se produza, só responde pelos atos já praticados. A desistência voluntária é uma causa de exclusão da tipicidade no âmbito do direito penal. Ela ocorre quando o agente, depois de iniciar a execução de um crime, desiste de prosseguir voluntariamente, evitando que o delito seja consumado. Ou seja, o sujeito ativo, por sua própria vontade, decide interromper a realização do ato criminoso, antes que este produza todos os resultados previstos na descrição típica do crime. Essa atitude demonstra que o agente, mesmo tendo dado início à execução, mudou de ideia e abandonou a conduta criminosa, evitando a consumação do delito. A desistência voluntária revela um recuo consciente e espontâneo do agente, o qual percebe que o crime não é a melhor alternativa e, portanto, decide não o levar até o fim. Alexandre Silva de Aguiar - 08635335740 É importante destacar que a desistência voluntária só é reconhecida quando ocorre antes de o crime se consumar completamente, ou seja, antes de todos os elementos descritos na figura típica estarem presentes. Se o delito já tiver se consumado, não há que se falar em desistência voluntária, pois o agente não pode "desfazer" o que já foi feito. Assim, a desistência voluntária é um elemento importante no sistema jurídico, pois incentiva a autodisciplina do agente e premia a mudança de comportamento antes que o dano ocorra, contribuindo para a prevenção de crimes e a promoção da justiça no âmbito penal. Todas as teorias clássicas que explicam o fundamento da impunidade da desistência são chamadas teorias jurídicas. MAX ERNST MAYER as qualificou de “curiosas antiguidades”, e hoje podem ser consideradas pratica- mente abandonadas. Consideram-se teorias jurídicas porque justificavam a não punição em razão da inexistência de algum requisito ou elemento do delito para poder ser qualificado como tentativa (serão objetivas se baseadas na falta de antijuridicidade ou subjetivas se baseadas na ausência de culpabilidade). Essas teorias partem de um ponto de vista retribucionista para justificar a pena. Mas quando se entende que a pena não é retribuição do delito cometido, sua afirmaçãoé insustentável. VON HIPPEL assumiu essa tese interpretando que a desistência era um elemento negativo do tipo. Mas não são as razões de lógica jurídica as que atualmente se aduz para justificar a impunidade da desistência, mas a discricionariedade legislativa: as chamadas teorias político-criminais veem o fundamento da não punição da desistência em razões utilitárias. Esse ponto de vista propagou-se na Alemanha, especialmente com o tratado de VON LISZT, que foi quem cunhou a famosa frase de ser a desistência uma “ponte de ouro” (ideia que remonta a FEUERBACH), e que vem ao encontro da expressão popular “ao inimigo que foge, ponte de prata” (diante do que se pressupõe a oportunidade de se resgatar a vítima), o que deveria indicar um “estímulo” para que o autor abandonasse a tentativa antes de chegar à consumação. Esse ponto de vista foi seguido, a princípio, na Alemanha, por uma boa parte da dou- trina e da jurisprudência do TS Imperial (RG). Ultimamente, todavia, pode- -se dizer que, tanto na Alemanha quanto em grande parte do nosso direito, foi praticamente abandonada (e continua sendo seguida minoritariamente por alguns autores como PUPPE), pois se demonstrou que a promessa de impunidade geralmente não influencia sobre a resolução do autor no momento de sua decisão. Uma teoria mais recente é chamada de teoria do prêmio ou da graça: quem voluntariamente desiste e evita a consumação do crime, ou ao menos se esforça seriamente para que a consumação não ocorra, apaga a má-impressão que seu fato causa na comunidade e merece, por isso, o perdão, segundo manifestam-se BOCKELMANN, WESSELS ou mais recentemente CH- RISTIAN JÄGER (Universidade de Bayreuth). Apesar de que atualmente possa ser considerada como a doutrina do- minante – particularmente na Alemanha – qualificou-se esta teoria como “fórmula vazia de conteúdo”. A teoria da graça – disse JAKOBS – limita-se a formular um pressuposto, ainda que não evidente, da impunidade, mas não contesta por que isso deve ser assim. Alexandre Silva de Aguiar - 08635335740 De outro ponto de vista, a chamada teoria do ressarcimento da culpabili- dade de HERZBERG (Schulderfüllungstheorie) afirma que a desistência indicaria uma diminuição da intensidade da vontade criminal, visão que mantém e fundamenta em boa parte a jurisprudência do Tribunal Supremo Alemão (BGH), abandonando a teoria da “ponte de ouro”, visão que pressupõe anu- lar o tipo subjetivo da tentativa (isto é, a voluntariedade). O que acontece, na verdade, é, como expressa WEIGEND, que a culpabilidade não desaparece, senão que se “compensa” com a desistência. A tese do fim da pena fundamenta a impunidade precisamente na desaparição do fim da pena, teoria que alguns autores compatibilizam com a tese do prêmio ou da graça. Afirma-se assim a inutilidade da punição do ponto de vista tanto da prevenção geral como da especial. A pena careceria de sentido quando o autor retorna à legalidade, retorno que se manifesta na desistência. Essa posição é defendida por um importante setor doutrinário (dentre os quais se destacam ROXIN, GÖSSEL e LAMPE, e com reservas MUÑOZ CONDE). É certo que se a pena não é útil nem necessária, não se deve impô-la, mas também se pode afirmar que, ainda que o castigo pudesse resultar útil no plano preventivo geral e especial, talvez – como manifesta MARGARITA MARTÍNEZ ESCAMILLA (Universidade Complutense de Madri) – sua aplicação não fosse necessária (dissemos que a necessidade preventiva é indemonstrável em certas ocasiões, mas não parece – como sustenta ROXIN –, que isto seja certo, particularmente com respeito à prevenção geral), como, por exemplo, no caso em que se afirmar a voluntariedade da desistência do médico que recomenda um tratamento facilitando os comprimidos necessários a uma mulher grávida para provocar-lhe o aborto, e diante do agravamento de saúde sofrido pela mulher, e a requerimento dos familiares, lhe proporciona um antídoto que evita a consumação.2 Vale destacar que a desistência voluntária é distinta do arrependimento posterior, que ocorre quando o agente se arrepende após a consumação do crime e toma medidas para reparar o dano causado. Nesse caso, também é prevista a redução da pena, como forma de incentivo ao arrependimento e à reparação do dano. Além disso, é importante compreender que a tentativa e a desistência voluntária são diferentes do crime impossível. Este último ocorre quando o agente pratica atos de execução, acreditando que está cometendo um crime, mas, devido a circunstâncias externas ou a inidoneidade absoluta do objeto ou meio, o delito não pode ser consumado. Assim, o crime impossível é considerado atípico, ou seja, não há a configuração de crime e, portanto, não há aplicação de pena. Dessa forma, é fundamental que operadores do direito, como advogados, juízes e promotores, compreendam essas nuances do Direito Penal para aplicar corretamente a lei e garantir a justiça nas decisões judiciais. Além disso, o estudo dessas fases também é relevante para entender a dinâmica do crime e as motivações do agente, auxiliando na prevenção de condutas ilícitas. 2 OLIVÉ, Juan Carlos F.; BRITO, Alexis Couto de. Direito penal brasileiro, 2ª edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2017. E-book. ISBN 9788547215231. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788547215231/. Acesso em: 03 ago. 2023. Alexandre Silva de Aguiar - 08635335740 Outro ponto a ser destacado é a importância do conhecimento jurídico na formação de cidadãos conscientes e comprometidos com a sociedade. O estudo do Direito Penal proporciona uma visão mais ampla dos direitos e deveres dos indivíduos, bem como das consequências de suas ações. É essencial, portanto, que o ensino jurídico seja valorizado e acessível a todos, contribuindo para uma sociedade mais justa e igualitária. A formação de profissionais do direito éticos e capacitados é imprescindível para o bom funcionamento do sistema jurídico e para a garantia dos direitos e liberdades dos cidadãos. Por fim, é relevante destacar a necessidade de uma constante atualização e aprofundamento no estudo do Direito Penal, uma vez que a legislação e as interpretações jurisprudenciais podem sofrer alterações ao longo do tempo. Assim, o comprometimento com a educação continuada é essencial para o aprimoramento da prática jurídica e para o cumprimento da missão de promover a justiça e a paz social. Alexandre Silva de Aguiar - 08635335740 Bibliografia BITENCOURT, Cezar R. Tratado de direito penal: Parte geral - arts. 1º a 120 (vol. 1).São Paulo: Editora Saraiva, 2022. E-book. ISBN 9786555597172. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786555597172/. Acesso em: 03 ago. 2023. OLIVÉ, Juan Carlos F.; BRITO, Alexis Couto de. Direito penal brasileiro, 2ª edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2017. E-book. ISBN 9788547215231. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788547215231/. Acesso em: 03 ago. 2023. Alexandre Silva de Aguiar - 08635335740 TRIBUNAL DO JÚRI E EXECUÇÃO PENAL Módulo: Direito Penal Tema 03: Tipo Penal Introdução O fato típico e a teoria do tipo penal são conceitos fundamentais no estudo do direito penal, e sua compreensão é essencial para a aplicação correta da legislação penal. O fato típico representa o ponto de partida de toda a análise criminal, pois é a partir dele que se inicia a análise dos demais elementos do crime, como a antijuridicidade e a culpabilidade. Sem o fato típico devidamente configurado, não há crime, o que torna esse conceito de extrema relevância no âmbito do direito. A teoria do tipo penal, por sua vez, é uma abordagem que busca sistematizar e interpretar as características dos tipos penais presentes nas normas, a fim de fornecer um guia para a adequadaaplicação das leis penais. Ela foi elaborada pelo jurista alemão Ernest Beling no início do século XX e influenciou o desenvolvimento do direito penal em diversos países. A teoria do tipo destaca a importância de entender o crime como uma figura delitiva, composta por elementos que se encaixam em um molde descrito na lei. Alexandre Silva de Aguiar - 08635335740 No contexto do fato típico, é importante destacar a relevância do nexo de causalidade na análise criminal. Esse elemento é responsável por estabelecer o vínculo entre a conduta do agente e o resultado do crime. Em algumas situações, pode ser desafiador determinar se a conduta do indivíduo foi a causa efetiva do resultado, ou se houve outras variáveis que contribuíram para o evento. Portanto, a investigação minuciosa e a análise criteriosa dos elementos do fato típico são fundamentais para que a justiça seja alcançada na aplicação da pena. Além disso, a teoria do tipo penal evoluiu ao longo dos anos, e novas perspectivas foram acrescentadas à sua compreensão. Dentre elas, destacam-se a teoria finalista e a teoria da imputação objetiva. A teoria finalista, desenvolvida por Welzel, considera não apenas o resultado do crime, mas também a finalidade desejada pelo agente no momento da conduta. Já a teoria da imputação objetiva, proposta por Roxin, leva em conta a criação de riscos proibidos pelo agente, independentemente de ter alcançado ou não o resultado almejado. Essas abordagens enriquecem a compreensão do fato típico e do tipo penal, proporcionando um olhar mais amplo e sofisticado sobre a responsabilização criminal. Compreender o fato típico e a teoria do tipo é essencial para garantir que as ações do Estado, representado pelo sistema de justiça criminal, sejam justas e efetivas na proteção dos valores fundamentais da sociedade. A aplicação correta e adequada das normas penais é um pilar essencial para a construção de um ambiente de convivência harmoniosa e de respeito aos direitos de todos os cidadãos. Resumindo, o estudo do fato típico e da teoria do tipo penal é de suma importância para o entendimento e aplicação adequada do direito penal. O fato típico, sendo o ponto inicial da análise criminal, representa a conduta humana que, devidamente configurada e associada aos demais elementos do tipo penal, constitui o crime. Essa compreensão é essencial para garantir a segurança jurídica e a justiça nas decisões criminais. A teoria do tipo penal, proporciona uma abordagem sistemática e interpretativa das normas penais, possibilitando uma análise criteriosa dos elementos que compõem o crime. A evolução dessa teoria ao longo dos anos, com perspectivas como a teoria finalista e a teoria da imputação objetiva, demonstra a importância de uma visão abrangente e atualizada do direito penal. Alexandre Silva de Aguiar - 08635335740 A correta aplicação do fato típico e da teoria do tipo assegura que a punição criminal seja direcionada aos responsáveis por comportamentos lesivos à sociedade, ao mesmo tempo em que protege os cidadãos de possíveis arbitrariedades estatais. Ao respeitar as garantias individuais e os princípios fundamentais do devido processo legal, a análise do fato típico e do tipo penal contribui para o fortalecimento da confiança na justiça e na efetivação dos direitos e deveres previstos na legislação. Portanto, o estudo aprofundado desses conceitos é essencial tanto para os profissionais do direito quanto para a sociedade como um todo, pois possibilita uma compreensão mais sólida dos fundamentos que norteiam a aplicação do direito penal. Ao promover uma análise cuidadosa dos fatos e das normas, a teoria do tipo penal atua como um verdadeiro filtro, garantindo que somente condutas verdadeiramente ilícitas sejam punidas e que os direitos dos cidadãos sejam devidamente protegidos. Dessa forma, o aprimoramento contínuo desses conceitos é essencial para a construção de um sistema de justiça criminal eficiente, justo e coerente com os valores fundamentais de uma sociedade democrática. A evolução do conceito da tipicidade O estudo da teoria do tipo penal é de extrema relevância para o entendimento e aplicação do direito penal. Ao longo do tempo, essa teoria passou por diversas fases, cada uma com suas perspectivas e abordagens específicas. A primeira fase, conhecida como "fase do tipo avalorado" ou "fase do tipo neutro", considerava o tipo penal como neutro e desprovido de conteúdo valorativo, sendo meramente uma descrição objetiva da conduta humana. O sistema naturalista, também chamado sistema clássico do delito, foi construído sob a influência do positivismo, para o qual ciência é somente aquilo que se pode apreender através dos sentidos, o mensurável. Valores são emoções, meramente subjetivos, inexistindo conhecimento científico de valores. Daí a preferência por conceitos avalorados, emprestados às ciências naturais, à psicologia, à física, à sociologia. O sistema apresenta um caráter eminentemente classificatório. Tem-se uma quantidade de elementares, que são distribuídas pelas diferentes categorias do delito do modo mais seguro e objetivo que se pode imaginar: através de critérios formais, sem atender minimamente ao conteúdo. Assim é que o conceito de ação surge como o genus proximum, sob o qual se subsumem todos os outros pressupostos do crime. É um conceito naturalista, pré-jurídico, que se esgota num movimento voluntário causador de modificação no mundo externo. Alexandre Silva de Aguiar - 08635335740 Logo depois, assim que adentramos nas categorias jurídicas do delito, começa a distribuição classificatória das elementares. Existem elementares objetivas e subjetivas, descritivas ou valorativas. O positivista age de modo unívoco, classificando por critérios formais: tudo que for objetivo é posicionado no injusto; já o subjetivo vai para culpabilidade. E tudo que houver de valorativo, cai na antijuridicidade; o tipo e a culpabilidade são puramente descritivos.1 Em seguida, surgiu a "fase do tipo indiciário", proposta por Max Ernst Mayer, em que a tipicidade passava a ser um indício de antijuridicidade, ou seja, a tipicidade indicava a possibilidade de haver também antijuridicidade no caso concreto. Essa concepção trouxe à tona importantes teorias, como a dos "elementos negativos do tipo", que considera que certas causas de justificação excluem não apenas a antijuridicidade, mas também a tipicidade, funcionando como elementos negativos do tipo. Substitui-se, portanto, a dogmática formalista-classificatória do naturalismo por um sistema teleológico, referido a valores. Ao invés de distribuir as elementares de acordo com critérios formais pelos diferentes pressupostos do delito, começou-se por buscar a fundamentação material das diferentes categorias sistemáticas, para que se pudesse, no passo seguinte, proceder à construção teleológica dos conceitos, de modo a permitir que eles atendessem à sua finalidade do modo mais perfeito possível. Em alguns autores, o conceito de ação perde sua importância, preferindo-se começar de pronto com o tipo, tendência essa, porém, que não parece ter sido majoritária. O tipo é compreendido materialmente, deixando de ser a descrição de uma modificação no mundo exterior, para tornar-se descrição de uma ação socialmente lesiva, portanto, antijurídica; isto é, o tipo objetivo e avalorado tornou-se tipo de injusto, antijuridicidade tipificada, em que também existem elementos subjetivos e normativos. A distinção entre tipo e antijuridicidade perde sua importância, florescendo em alguns autores a teoria dos elementos negativos do tipo, que vê na ausência de causas de justificação um pressuposto da própria tipicidade.2 A seguir, a "fase da relação de subsunção" ou "fase do tipo de injusto", apresentada por Edmund Mezger, atribuiu ao tipo penal a funçãoconstrutiva da ilicitude ou antijuridicidade. Nessa perspectiva, havendo tipicidade, haveria também antijuridicidade, consolidando uma simbiose entre ambas. Essa concepção trouxe à luz a "teoria do tipo de injusto", que defende que a antijuridicidade está contida na tipicidade, sendo a tipicidade a base para a existência do injusto penal. 1 GRECO, Luís. Introdução à dogmática funcionalista do delito. Revista Brasileira de Ciências Criminais. RBCCrim, v. 32, 2000. 2 Id. Alexandre Silva de Aguiar - 08635335740 Atualmente, podemos considerar o tipo penal como um conjunto de elementos descritivos contidos na lei penal, que define as formas possíveis de violação ao bem jurídico protegido e estabelece a matéria de proibição. Essa concepção resulta de uma evolução das teorias anteriores, incorporando seus elementos mais relevantes e adequando-se à realidade contemporânea. A doutrina penalista de Hans Welzel trouxe importantes características do tipo penal, destacando sua função objetiva e sua relevância para a concretização da antijuridicidade, além de limitar o iter criminis e ajustar a culpabilidade ao crime considerado. A adequação típica é fundamental para a concretização do crime, podendo ocorrer de forma imediata ou mediata, esta última quando o fato não se amolda imediatamente a uma norma penal incriminadora, sendo necessária a combinação de diferentes dispositivos legais. É sobre o conceito de ação que se edifica todo o sistema. “A teoria da ação agora desenvolvida é a própria teoria do ‘delito’”, diz WELZEL. Todas as categorias do delito são referidas a conceitos pré-jurídicos, obtidas por mera dedução, confiando-se na lógica intrínseca do objeto que se vai regular. O tipo torna-se a descrição de uma ação proibida – deixa de ser um tipo de injusto, tipificação de antijuridicidade, para tornar-se um tipo indiciário, no qual se enxerga a matéria de proibição (Verbotsmaterie). Como só se podem proibir ações finais, o dolo integra o tipo. Da mesma forma que os tipos são vistos formalmente, como meras normas proibitivas, também as causas de justificação não passam de tipos permissivos. E como têm por objeto ações finalistas, surge a exigência do elemento subjetivo de justificação.3 Sobre o tipo no funcionalismo: o tipo é renormativizado, especialmente por considerações de prevenção geral. Entende-se que um direito penal preventivo só pode proibir ações que parecem, antes de sua prática, perigosas para um bem jurídico, do ponto de vista do observador objetivo. Ações que ex ante não sejam dotadas da mínima periculosidade não geram riscos juridicamente relevantes, sendo, portanto, atípicas.4 3 GRECO, Luís. Introdução à dogmática funcionalista do delito. Revista Brasileira de Ciências Criminais. RBCCrim, v. 32, 2000. 4 Id. Alexandre Silva de Aguiar - 08635335740 Por fim, a teoria do tipo penal continua em constante evolução, pois o direito penal é uma área dinâmica que busca se adequar aos desafios e demandas da sociedade. O estudo aprofundado do tipo penal e sua relação com a antijuridicidade e a culpabilidade é fundamental para garantir a justiça e a segurança jurídica nas decisões criminais, bem como para proteger os direitos fundamentais dos cidadãos. A compreensão das diversas perspectivas e fases da teoria do tipo contribui para o aprimoramento do sistema de justiça criminal e para a construção de uma sociedade mais justa e equitativa. Portanto, é essencial que os profissionais do direito e estudantes se mantenham atualizados e comprometidos com a busca constante pela compreensão e aplicação adequada das normas penais. Conceito e elementos do tipo O estudo da teoria do tipo penal é de extrema importância para compreendermos os fundamentos do Direito Penal e a aplicação das normas jurídicas em relação à conduta humana. Discutiremos a fundo os conceitos apresentados anteriormente, buscando uma compreensão mais ampla e detalhada desses temas. A teoria do tipo penal tem como objetivo estabelecer critérios para a definição e identificação das condutas consideradas criminosas. O tipo penal é a descrição da conduta proibida pela lei, sendo composto por elementos objetivos, subjetivos e normativos. Ele define as características necessárias para que uma determinada conduta seja considerada criminosa, delimitando o direito de punir do Estado e os limites da liberdade individual dos cidadãos. No estudo dos elementos objetivos do tipo, analisamos a descrição da conduta, o objeto ou resultado do crime, bem como as circunstâncias externas que envolvem o fato. Por exemplo, no crime de furto, a subtração de coisa alheia móvel durante o repouso noturno é uma circunstância objetiva que pode agravar a pena. Esses elementos objetivos são fundamentais para caracterizar o crime e servem como base para a imputação ao acusado. Alexandre Silva de Aguiar - 08635335740 Já os elementos subjetivos do tipo referem-se ao estado anímico do agente, ou seja, o seu estado mental e a intenção com que cometeu o ato. Os principais elementos subjetivos são o dolo e a culpa. O dolo representa a vontade consciente de praticar o crime, enquanto a culpa ocorre quando o agente não teve a intenção de cometer o delito, mas agiu com negligência, imprudência ou imperícia, causando um resultado lesivo. É importante lembrar que, na ausência de previsão legal, o crime é sempre considerado doloso. neste ponto, os funcionalistas em regra mantêm-se fiéis ao que propunha o finalismo: o dolo deve integrar o tipo, sendo um momento da conduta proibida[118]. Porém, está-se de acordo que essa consequência não decorre, de maneira alguma, de estruturas lógico-reais, mas isso sim de uma valoração jurídica. Ainda assim, não deixa de haver quem defenda o duplo posicionamento do dolo e da culpa, tanto no tipo, como na culpabilidade. Parte-se da consideração de que o sistema não é formado por compartimentos estanques, podendo um mesmo elemento ter relevância para mais de uma categoria sistemática. Outros autores, porém, dissecam o dolo, situando cada elemento num determinado estrato do sistema: SCHMIDHÄUSER, por ex., quer posicionar o momento volitivo do dolo no tipo, enquanto o momento cognitivo iria para a culpabilidade. O inverso parece defender SCHÜNEMANN, para quem o tipo compreenderia o elemento cognoscitivo do dolo, a culpabilidade o volitivo (que em seu sistema parece abranger mais que a vontade, sendo chamado de “componente emocial”).5 Os elementos normativos do tipo são os mais complexos e exigem um juízo de valor, seja de natureza jurídica ou empírica-cultural. Eles podem ser jurídicos, quando a lei estabelece uma norma penal em branco ou uma expressão ambígua que exige complementação; ou extrajurídicos, que se referem a conceitos subjetivos como dignidade e decoro. Nesse caso, é necessário interpretar a norma à luz da cultura e dos valores da sociedade para entender a sua abrangência. A teoria dos elementos negativos do tipo também é relevante nesse contexto, pois destaca que a antijuridicidade faz parte do tipo penal. Isso significa que a conduta só será típica se não estiver amparada por uma causa de justificação, ou seja, uma excludente de ilicitude. Caso a conduta seja considerada ilícita, não haverá fato típico, uma vez que a antijuridicidade está intrinsecamente ligada à tipicidade. 5 GRECO, Luís. Introdução à dogmática funcionalista do delito. Revista Brasileira de Ciências Criminais. RBCCrim, v. 32, 2000. Alexandre Silva de Aguiar - 08635335740 Ainda, a teoria da atividade conglobante, desenvolvida por Zaffaroni, argumenta que a mera adequação formal do fato à norma penal não é suficiente para afirmar a tipicidade. É necessário verificar se o fato, aparentemente violador de uma norma penal proibitiva, não é permitido