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Direito Penal Professor Esp. Carlos Eduardo Pires Gonçalves EduFatecie E D I T O R A Reitor Prof Ms. Diretor de Ensino Prof Ms. Diretor Financeiro Prof Diretor Administrativo Secretário Acadêmico Prof Coordenação Adjunta de Ensino Prof a Coordenação Adjunta de Pesquisa Prof Coordenação Adjunta de Extensão Coordenador NEAD - Núcleo de Educação a Distância Web Designer Revisão Textual e Diagramação UNIFATECIE Unidade 1 UNIFATECIE Unidade 2 ( UNIFATECIE Unidade 3 UNIFATECIE Unidade 4 www.unifatecie.edu.br/site/ As imagens utilizadas neste livro foram obtidas a partir do site ShutterStock 20 by Editora EduFatecie Copyright do Texto © 20 Os autores Copyright © Edição 20 Editora EduFatecie o download da obra e o compartilhamento desde que sejam atribuídos créditos aos autores, mas sem a EQUIPE EXECUTIVA Editora-Chefe Prof Sbardeloto Tatiane Viturino de Oliveira André Dudatt www.unifatecie.edu.br/ editora-edufatecie edufatecie@fatecie.edu.br Dados Internacionais de Catalogação na Publicação - CIP G635d Gonçalves, Carlos Eduardo Pires Direito penal / Carlos Eduardo Pires Gonçalves. Paranavaí: EduFatecie, 2021. 152 p. : il. Color. ISBN 978-65-87911-54-0 1. Direito penal - Brasil. 2. Detenção de pessoas. 3. Processo Penal - Brasil. I. Centro Universitário UniFatecie. II. Núcleo de Educação a Distância. III. Título. CDD : 23 ed. 341.5 Catalogação na publicação: Zineide Pereira dos Santos – CRB 9/1577 AUTOR Carlos Eduardo Pires Gonçalves, especialista em Direito Público com ênfase em Direito Penal pela Unp - Universidade Potiguar. Especialista em Tecnologias aplicadas ao ensino a distância pelo Centro Universitário Cidade Verde - UniFCV. Graduado em Direito pela Universidade Paranaense. Assessor de Promotor - DAS-5 junto ao Ministério Público do Estado do Paraná, com atribuições perante a 18ª Promotoria de Justiça da Comarca de Maringá (atuação em área criminal desde 2006). Professor no curso de Direito do Centro Universitário Cidade Verde - UniFCV. Professor em diversos cursos de Pós-Graduação em Direito Penal e Processual Penal. http://lattes.cnpq.br/2031966897100374 APRESENTAÇÃO DO MATERIAL Caro(a) aluno(a), seja muito bem-vindo(a) à disciplina de Direito Penal, um dos mais apaixonantes ramos do Direito. Nossa disciplina será dividida em quatro unidades, abordando os mais relevantes pontos, não só do direito penal, mas também do direito processual penal e da execução penal. Na Unidade I estudaremos os aspectos básicos do direito penal, diferenciando os con- ceitos de direito penal, criminologia e política criminal, ramos importantes das ciências criminais. Em continuidade conheceremos alguns dos princípios basilares da disciplina, a forma de aplicação da lei penal no tempo e no espaço, até atingirmos o ponto máximo da teoria do crime: o conceito de crime e seus desdobramentos. O estudo do conceito de crime será abordado de modo didático, com a análise de cada um dos elementos do crime (fato típico, antijurídico e culpável). Conhecendo os aspectos básicos e o conceito de crime, passaremos à Unidade II, onde analisaremos a teoria da pena, iniciando com o estudo das etapas de um crime, ou seja, o caminho percorrido pelo autor de um delito até chegar à sua efetiva conclusão. Nesta unidade veremos também o concurso de pessoas, situação em que duas ou mais pessoas se reúnem para a prática de um ou mais crimes, e também o concurso de crimes, que trata justamente da realização de dois ou mais crimes pelo mesmo agente. Também conheceremos as espécies de ação penal e finalmente chegaremos à pena, suas espécies e forma de aplicação, concluindo a unidade com as hipóteses em que o Estado perde o direito de punir uma infração penal, as chamadas causas de extinção da punibilidade. Com o fim da Unidade II, encerramos o estudo da chamada parte geral do Código Penal, fazendo, na Unidade III, o estudo dos principais crimes do Código Penal, como o homicídio, aborto, furto, roubo, dentre outros, e também de algumas das mais importantes legislações penais especiais, como a Lei de Drogas, o Estatuto do Desarmamento, e o Código Brasileiro de Trânsito. Na quarta e última unidade faremos a análise do inquérito policial, procedimento normalmente utilizado no sistema brasileiro para a apuração da prática de infrações penais e de sua autoria. Em continuidade veremos o procedimento comum ordinário, previsto pelo Código de Processo Penal, apresentando as formalidades legais para o processamento dos crimes, que culminam com a sentença condenatória ou absolutória. Traçaremos as ideias centrais da execução penal, último ponto do processo penal, por meio do qual o Estado faz cumprir a pena eventualmente aplicada ao condenado, conhecendo os sistemas penitenciários e traçando linhas gerais sobre mediação e práticas restaurativas. Enfim, desejo a você um ótimo estudo! Abraços. SUMÁRIO UNIDADE I ...................................................................................................... 3 Direito Penal e Teoria do Crime UNIDADE II ................................................................................................... 46 Direito Penal e Teoria da Pena UNIDADE III .................................................................................................. 77 Crimes em Destaque UNIDADE IV ................................................................................................ 121 Processo, Execução Penal e Sistemas Penitenciários 3 Plano de Estudo: ● Direito penal e Criminologia ● Princípios Penais de Garantias ● Lei Penal no tempo e no espaço ● Sujeito ativo e Sujeito passivo ● Conceito de Crime: ação/omissão típica ● Conceito de Crime: ilícita ● Conceito de Crime: culpável Objetivos da Aprendizagem: ● Compreender as noções básicas do direito penal; ● Compreender, identificar e diferenciar aos princípios básicos do direito penal; ● Conhecer os aspectos introdutórios do direito penal, abarcando a lei penal no tempo e espaço; ● Compreender o conceito de crime; ● Conhecer os elementos componentes do conceito de crime; UNIDADE I Direito Penal e Teoria do Crime Professor Esp. Carlos Eduardo Pires Gonçalves 4UNIDADE I Direito Penal e Teoria do Crime INTRODUÇÃO Caro(a) aluno(a), chegou o momento de estudar e conhecer um dos ramos mais apaixonantes do Direito: o direito penal. Nesta primeira unidade estudaremos os conceitos e aspectos introdutórios do direito penal, conhecendo os princípios mais relevantes de garantia penal, com especial destaque ao princípio da legalidade, garantia básica de todo cidadão em face do poder estatal. Na sequência ingressaremos no estudo do conceito de crime em cada um de seus aspectos para, ao final desta unidade, você conseguir identificar perfeitamente quando estará ou não diante de um fato criminoso. Faça bom proveito desta unidade, que servirá de base para todas as demais unida- des do estudo do direito penal e processual penal. Bons estudos. 5UNIDADE I Direito Penal e Teoria do Crime 1. DIREITO PENAL E CRIMINOLOGIA 1.1 Conceitos Fundamentais O direito penal é uma das disciplinas mais apaixonantes do curso de direito, seja pela sua aplicação cotidiana nos noticiários e matérias jornalísticas, seja pela curiosidade que o crime desperta no imaginário popular, sobretudo pela imensa gama de filmes e livros com a temática do crime. Mas até chegarmos ao estudo dos crimes em espécie, como o homicídio, por exemplo, há um longo caminho a ser trilhado, começando pelos conceitos envolvidos nas ciências penais. André Estefam e Victor Eduardo Rios Gonçalves (2020, p. 58) conceituam o direito penal nos seguintes termos: Cuida-se do ramo do Direito Público, que se ocupa de estudar os valores fundamentais sobre os quais se assentam as bases da convivência e da paz social, os fatos que os violam e o conjunto de normas jurídicas (princípios e regras) destinadas a proteger tais valores,mediante a imposição de penas e medidas de segurança. Como se vê, o direito penal pertence ao direito público, ou seja, ele resguarda interesses que superam a esfera particular, atingindo a sociedade como um todo. Não por outro motivo, em regra, os órgãos oficiais do Estado são responsáveis pela apuração, processamento e punição dos atos definidos como criminosos. Muito bem, posto isso, precisamos entender que o direito penal é apenas um braço das chamadas ciências penais. 6UNIDADE I Direito Penal e Teoria do Crime Como já ressaltado, o direito penal (ou dogmática penal) tem como objetivo co- nhecer, interpretar, sistematizar e aplicar, de modo racional, as normas e princípios penais. Mas, para que o legislador possa transformar uma determinada conduta em crime ou mes- mo excluí-la deste rol, a política criminal e a criminologia, que são os outros componentes das ciências penais, também entram em ação. Podemos definir política criminal como a ciência que apresenta técnicas e méto- dos de análise das leis penais, com o objetivo de sugerir reformas e aperfeiçoamentos na lei, com o objetivo de torná-la mais justa. Cléber Masson (2019) leciona que a política criminal analisa, de forma crítica, a di- nâmica dos fatos sociais e, comparando-a com o sistema penal vigente, propõe inclusões, exclusões ou mudanças, visando atender o ideal da justiça. Já a criminologia é o ramo das ciências criminais que estuda as causas da criminalida- de na sociedade, ou seja, o móvel que leva uma pessoa a praticar crimes. Se ocupa do estudo do crime, da pessoa do infrator, da vítima e do controle social dos comportamentos delitivos. Em resumo, busca analisar a criminalidade de modo a apresentar soluções para evitá-la. Rogério Sanches Cunha (2020, p. 36) leciona que A criminologia não se preocupa com o conteúdo normativo a ser aplicado ao delinquente, mas estuda o delinquente como ser, assim como a vítima e o controle social. Analisa os fatos praticados e suas consequências no sentido da busca de entendê-los como fatores formadores do complexo criminal. Assim, chegamos à conclusão de que tanto a criminologia como a política criminal são vetores teóricos necessários à confecção das leis, que formam o direito penal. 1.2 Funções do Direito Penal Já sabemos o que é o direito penal, a criminologia e a política criminal – que são os componentes das ciências criminais –, mas ficam os questionamentos: quais são as funções do direito penal? Qual a importância do direito penal para a sociedade? Podemos destacar três funções extremamente relevantes para o direito penal. A proteção dos bens jurídicos essenciais; o controle social; e ser garantia do cidadão contra o arbítrio estatal. Como sabemos, existem alguns valores e interesses que são indispensáveis ao ser humano. A esses valores e interesses essenciais dá-se o nome de bem jurídico, ou seja, algo que é juridicamente relevante e precisa ser protegido pelo direito. Assim, uma das funções do direito penal é selecionar e proteger os bens jurídicos mais valiosos ao ser humano e convívio social (como, por exemplo, a vida e o patrimônio) 7UNIDADE I Direito Penal e Teoria do Crime por meio da criminalização das condutas lesivas a tais bens jurídicos. A título de exemplo, o crime de homicídio, previsto no artigo 121 do Código Penal, visa proteger o bem jurídico vida, o mais importante dentre todos os bens jurídicos. Do ponto de vista do controle social, o direito penal tem a função de preservar a paz pública, visando impedir a prática de condutas criminosas e reprimir os agentes que optarem por praticá-las, aplicando as sanções penais cabíveis. Por fim, talvez a mais importante das funções do direito penal seja a de servir como garantia do cidadão contra o arbítrio estatal. Nesse ponto, é certo que o direito penal – e o Estado – somente poderão intervir e aplicar sanções penais àqueles que praticarem fatos expressamente previstos em lei, como infrações penais. 8UNIDADE I Direito Penal e Teoria do Crime 2. PRINCÍPIOS DO DIREITO PENAL O estudo de qualquer disciplina deve partir de seus princípios. Mas o que são Princípios? Nada mais são do que as regras, normas gerais, diretrizes que irão nortear aquele determinado ramo do direito. Princípios são valores fundamentais, que têm por função orientar o legislador e o aplicador do direito. O direito penal não é diferente dos outros ramos, possuindo diversos princípios que norteiam sua aplicação e estudo. Vamos estudá-los? 2.1 Princípio da Legalidade Dentre os princípios que afetam o direito penal, talvez o mais importante seja o da legalidade. É, sem dúvida, um dos mais antigos. Mas porque um dos mais importantes? Porque ele busca nos dar segurança jurídica. Cléber Masson (2019), ao tratar desse princípio, afirma que é a mais básica e re- levante regra de direito penal, porque garante a segurança jurídica às pessoas, impedindo que alguém seja punido por uma conduta qualquer, ao livre arbítrio do Estado. É um princípio tão importante que está expresso no texto da Constituição Federal de 1988, no artigo 5º, inciso XXXIX, tratando-se de cláusula pétrea, ou seja, fazendo parte do núcleo imutável da constituição. 9UNIDADE I Direito Penal e Teoria do Crime O princípio da legalidade está previsto também no artigo 1º do Código Penal, com o mesmo teor do texto constitucional: “Art. 1º – Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal” (BRASIL, 1940). Em seu aspecto histórico, o princípio da legalidade é o mais antigo dos princípios, tendo sua primeira referência na Magna Charta Libertatum, no ano de 1215. Posteriormen- te, foi tratado por Cesare Beccaria em sua obra Dos delitos e das penas, em 17641. Para além disto, no século XIX, Feuerbach, considerado por muitos como o pai do direito penal moderno, cunhou aquela que se tornou a mais conhecida “fórmula” do direito penal: Nullum crimen, nulla poena, sine praevia lege (CAPEZ, 2019). Já sob o aspecto político, esse princípio visa a segurança jurídica, sendo uma ga- rantia constitucional que prima pela liberdade do indivíduo, vez que somente se pode punir alguém pela prática de um crime que tenha sido previamente definido em lei, impedindo, assim, qualquer arbitrariedade por parte do Estado. Assim, a legalidade apresenta uma regra e uma exceção: ninguém pode ser punido pelo Estado (regra), exceto quando praticarem condutas previamente definidas em lei como crime (exceção). Já do ponto de vista jurídico, o princípio da legalidade garante que somente se considerará crime a conduta que apresentar perfeita correspondência com a previsão legal. Nesse contexto, é importante lembrar que a lei penal não proíbe condutas, ela se restringe a descrever as condutas socialmente indesejáveis, prevendo penas para quem praticá-las. Veja que o Código Penal não diz em seu artigo 121 “Não matarás”. Em verdade, a lei descreve a conduta “Matar alguém”, fixando a pena correspondente. Assim, com a exigência do princípio da legalidade, o agente tem o prévio conheci- mento de que aquela conduta é considerada criminosa e, age conforme sua consciência, não havendo qualquer invasão arbitrária do Estado em seu direito de liberdade. 2.1.1 Vertentes do princípio da legalidade Do princípio da legalidade, decorrem dois importantes subprincípios, a reserva legal, a taxatividade e a anterioridade. Por reserva legal entende-se que somente a lei, em seu sentido formal, pode definir crimes e cominar penas. Mas o que significa lei em sentido formal? 1 Obra de domínio público. Acessível em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/eb000015.pdf 10UNIDADE I Direito Penal e Teoria do Crime É aquela que foi produzida a partir do processo legislativo previsto e determinado pela Constituição Federal, ou seja, somente as leis produzidas pelo Poder Legislativo – Congresso Nacional – e em respeito às formalidades previstas é que podem criarcrimes. Para Capez (2019, p. 130), Nenhuma outra fonte subalterna pode gerar a norma penal, uma vez que assevera de lei proposta pela Constituição é absoluta, e não meramente rela- tiva. Nem seria admissível que restrições a direitos individuais pudessem ser objeto de regramento unilateral pelo Poder Executivo. Assim, somente a lei, na sua concepção formal e estrita, emanada e aprovada pelo Poder Legis- lativo, por meio de procedimento adequado, pode criar tipos e impor penas. Pelo aspecto da taxatividade, a lei formal que prevê os crimes e comina as penas deve ser precisa, clara, taxativa. Isso quer dizer que não se pode criar tipos penais de con- duta imprecisas, que prejudiquem as pessoas de ter ciência de qual conduta é efetivamente prevista na lei. Um exemplo para clarear. No período do nazismo, o ordenamento penal alemão punia a conduta de quem praticasse um ato que merecesse pena de acordo com o sen- timento sadio do povo alemão. A pergunta que surge é: como alguém poderia saber ou definir o que é o sentimento sadio do povo alemão? É algo muito genérico, permitindo a punição por qualquer ato que o Estado entendesse inadequado. Nesse contexto, a taxatividade, na forma trazida pelo princípio da legalidade, exige que a lei seja clara o suficiente para que qualquer pessoa entenda quais são as condutas incriminadas e possa se portar de acordo com esse entendimento. Como decorrência da taxatividade, proíbe-se também o emprego de analogia em prejuízo do réu. Analogia é o método de integração do ordenamento jurídico em que se utiliza uma regra já existente para solucionar um caso concreto semelhante, porém sem solução expressa na legislação. O princípio da legalidade veda a aplicação da analogia in malan partem (para pre- judicar), pois exige-se que o agente tenha o pleno conhecimento da conduta criminalizada, não podendo ser “surpreendido” por equiparações. Por fim, a anterioridade garante que somente serão punidas as condutas que estejam previstas como infração penal antes de sua prática. Fernando Capez (2019) ensina que um dos efeitos da anterioridade é a irretroatividade, pois a lei é editada para o futuro e não para o passado. Com isso, tem-se que a conduta tida como infração penal não pode retroagir para atingir fatos praticados no passado, antes de sua vigência. 11UNIDADE I Direito Penal e Teoria do Crime 2.2 Princípio da Individualização da Pena Previsto no artigo 5º, inciso XLVI da Constituição Federal de 1988, esse princípio determina que, ao aplicar a pena, o juiz deve levar em consideração as circunstâncias específicas do caso concreto, de modo a aplicar a pena adequada para o crime praticado. Masson (2019) afirma ser um princípio de justiça, segundo o qual a cada indivíduo será aplicada a pena que lhe cabe, de acordo com as circunstâncias específicas de seu comportamento. 2.3 Princípio da Alteridade Criado por Claus Roxin, esse princípio veda a incriminação de condutas e atitudes meramente internas da pessoa, como o pensamento ou condutas moralmente censuráveis, mas que sejam incapazes de afetar um bem jurídico alheio. Em resumo, ninguém pode ser punido por causar mal apenas a si mesmo (MASSON, 2019). É com base nesse princípio que o ordenamento penal brasileiro deixa de punir o consumo de drogas2 ou a tentativa de suicídio. 2.4 Princípio da Adequação Social Não pode ser considerada como criminosa uma conduta que, ainda que esteja pre- vista na lei como crime, seja socialmente aceita. Como exemplo, podemos citar os trotes acadêmicos moderados. É comum que os veteranos de um curso se apropriem dos materiais dos calouros para, posteriormente restituí-los em troca de dinheiro destinado a festas. Por óbvio, situa- ções danosas com agressões físicas ou psicológicas fogem da aplicação desse princípio, configurando infrações penais. Esse princípio alcança tanto o legislador quanto o aplicador do direito. Ao legislador no sentido de não criminalizar condutas socialmente aceitas; ao aplicador buscando a inter- pretação das leis de modo a excluir de sua abrangência as condutas socialmente aceitas. 2.5 Princípio da Intervenção Mínima A lei penal só deverá intervir quando for absolutamente necessário para a sobrevi- vência da comunidade, como ultima ratio. O direito penal deve ser a última fronteira do controle social, só sendo aplicado quando nenhum outro ramo do direito (civil, administrativo etc.) resolver a situação. Isso porque o direito penal atinge de maneira mais intensa a liberdade individual do indivíduo. 2 Cuidado. A Lei 11.343/06 prevê como crime, em seu artigo 28, a conduta de quem possui drogas para consumir e não a conduta de consumir as drogas. 12UNIDADE I Direito Penal e Teoria do Crime 2.6 Princípio da Insignificância É o princípio pelo qual se conclui que as condutas causadoras de danos ou perigos ínfimos aos bens jurídicos penalmente protegidos devem ser tidas como atípicas, ou seja, não serão consideradas como crime. Para melhor compreensão, imagine que uma pessoa furte um lápis pertencente ao seu colega de classe. Apesar de ser uma conduta tida como criminosa (o crime de furto está previsto no artigo 1553 do Código Penal), ofende de modo ínfimo o patrimônio da vítima. Assim, de acordo com o princípio da insignificância tal conduta não deve ser punida como crime. É importante saber que esse princípio não está previsto em nenhum artigo de lei, tra- tando-se de criação doutrinária e jurisprudencial. Para que se possa aplicar esse princípio, tem-se a necessidade de preenchimento de alguns requisitos de natureza objetiva que foram determinados pela jurisprudência dos Tribunais. O Supremo Tribunal Federal, órgão máximo do Poder Judiciário brasileiro, idealizou quatro requisitos objetivos para a aplicação do citado princípio, sendo eles cumulativos, ou seja, somente se aplica o princípio se estiverem presentes todos os requisitos a seguir: ● Mínima ofensividade da conduta; ● Nenhuma periculosidade social da ação; ● Reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; ● Inexpressividade da lesão jurídica provocada. 3 “Art. 155. Subtrair para si ou para outrem coisa alheia móvel” (BRASIL, 1940). 13UNIDADE I Direito Penal e Teoria do Crime 3. LEI PENAL NO TEMPO E ESPAÇO 3.1 Lei Penal no Tempo A lei passa a existir desde o momento de sua promulgação, mas só passa a ter obrigatoriedade a partir de sua publicação. Não bastasse isso, a lei só passa a ter vigência a partir do esgotamento do prazo de vacatio legis, que é o prazo razoável para que se dê amplo conhecimento. Quando duas ou mais leis tratam do mesmo assunto, de modo diferente, ocorre a chamada sucessão de leis. Essa sucessão de leis causa diversos conflitos na sua aplica- ção, sobretudo para saber qual das leis se aplicará a um caso concreto. Em regra, a lei se aplica apenas durante o seu período de atividade (vigência e apli- cabilidade), mas existem situações em que a lei se aplicará de modo a atingir também fatos praticados fora do seu período de vigência. A esse fenômeno se dá o nome de extra-atividade. A extra-atividade pode ser dada por retroatividade, quando uma lei é aplicada a fatos ocorridos antes de sua entrada em vigor, ou ultratividade, quando a lei é aplicada mesmo depois de sua revogação. A extra-atividade da lei é regida pelo artigo 2º do Código Penal: Art. 2º CP - Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de con- siderar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória. Parágrafo único - A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenató- ria transitada em julgado (BRASIL, 1940). 14UNIDADE I Direito Penal e Teoria do Crime Esse artigo prevê a regra e as exceções. A regra é que lei penal somente se aplica aos fatos praticados sob sua vigência (atividade). Já as exceções são as hipóteses de novatio legis in melliuse abolitio criminis. ● Novatio legis in mellius (nova lei melhor) é a lei que, mantendo a incriminação, de qualquer forma é mais benéfica ao acusado réu. ● Abolitio criminis é o efeito causado por uma nova lei que revoga totalmente uma infração penal. Sendo exceções à regra de que a lei só se aplica durante sua atividade, tanto a novatio legis in mellius quanto a abolitio criminis retroagirão para atingir fatos praticados antes de sua vigência, pois, nessas situações, a nova situação é mais benéfica ao acusado. Exemplo: durante a vigência da lei 6.368/76, a conduta de possuir drogas para consumo pessoal era punido com pena de prisão. Com o advento da Lei 11.343/06, essa conduta passou a ser punida apenas com sanções alternativas, não havendo mais a previ- são de prisão. Assim, imaginemos que, no ano de 2006, quando entrou em vigor a lei 11.343, uma pessoa estivesse sendo processada pela prática do crime de posse de drogas para consu- mo pessoal praticado no ano de 2005. Como a nova lei é mais benéfica, ela será aplicável ao fato apurado, mesmo que tenha sido praticado antes de sua vigência (retroatividade). A mesma situação se aplica à abolitio criminis. Se uma nova lei deixa de considerar um fato como crime, ela retroagirá para beneficiar todas as pessoas que tenham praticado esse fato em datas anteriores. 3.1.1 Lei penal excepcional e temporária “Art. 3º do CP: A lei excepcional ou temporária, embora decorrido o período de sua duração ou cessadas as circunstâncias que a determinaram, aplica-se ao fato praticado durante sua vigência” (BRASIL, 1940). ● Lei Excepcional: elaborada para incidir sobre os fatos praticados durante de- terminadas circunstâncias excepcionais, como momentos de crise social ou econômica, guerras, calamidades etc. ● Lei Temporária: elaborada com o objetivo de incidir sobre os fatos praticados durante um certo período. Exemplo: Lei 12.663/2012 (Lei geral da copa do mundo 2014) – O artigo 36 dizia que os tipos penais nele previstos teriam vigência até o dia 31 de dezembro de 2014. Observações relevantes sobre essas leis: ► São autorrevogáveis, pois não precisam de outra lei para revogá-las. ► Aplicam-se a todos os fatos praticados durante sua vigência. 15UNIDADE I Direito Penal e Teoria do Crime 3.2 Tempo do Crime Inicialmente não podemos confundir a lei penal no tempo com o tempo do crime. A primeira (vista no título anterior) trata da vigência e aplicabilidade das leis penais. O tempo do crime, por sua vez, trata do exato momento em que se considera praticado um crime. O Código Penal trata do tema: “Art. 4º. Considera-se praticado o crime no momento da ação ou omissão, ainda que outro seja o momento do resultado” (BRASIL, 1940). Como bem prevê o supracitado artigo, o crime considera-se praticado no exato instante em que o agente realiza a conduta, independentemente de quando venha a ocorrer resultado por ele esperado. Imagine que uma pessoa deseja matar seu desafeto e, para tanto, arma-se com um revólver e sai em busca da vítima. Ao encontrar a vítima, aponta a arma de fogo e efetua os disparos, atingindo-a no peito. A vítima é socorrida e levada a um hospital onde permanece internada por cinco dias, quando finalmente vem a falecer. Questiona-se: qual é o marco que define o tempo do crime? Os disparos ou a morte? É justamente disso que trata o artigo 4º do Código Penal. Ao adotar a teoria da atividade, o legislador brasileiro definiu que o crime estará praticado no exato momento em que o agente efetuou os disparos, ainda que a morte (resultado) tenha acontecido somente em data posterior. 3.3 Lei penal no Espaço “Art. 5º do CP: Aplica-se a lei brasileira, sem prejuízo de convenções, trata- dos e regras de direito internacional, ao crime cometido no território nacional” (BRASIL, 1940). O Código Penal brasileiro afirma categoricamente que se aplica a lei penal brasileira aos crimes cometidos em território nacional, porém, abre uma importante exceção ao constar “sem prejuízo de convenções, tratados e regras de direito internacional” (BRASIL, 1940). Assim, embora a lei brasileira se aplique aos crimes praticados em território brasi- leiro, excepcionalmente aplicar-se-á a lei brasileira a crimes cometidos no exterior, ou leis estrangeiras em crimes cometidos no Brasil. 3.4 Lugar do Crime A questão do lugar do crime é importante para os chamados crimes de espaço máximo ou crimes a distância, que são aqueles em que a conduta é praticada em um país e o resultado se dá em outro. 16UNIDADE I Direito Penal e Teoria do Crime “Art. 6º do CP: Considera-se praticado o crime no lugar em que ocorreu a ação ou omissão, bem como onde se produziu o deveria produzir-se o resul- tado” (BRASIL, 1940). Em relação ao lugar do crime, o Código Penal adota a teoria da ubiquidade, pois o cri- me considera-se praticado tanto no lugar da conduta como no local em que se deu o resultado. Exemplo: se o agente efetua disparos de arma de fogo contra seu desafeto em Foz do Iguaçu e a vítima foge para o Paraguai, vindo a morrer lá, o crime considera-se praticado tanto no Brasil quanto no Paraguai. Para a incidência da lei brasileira é suficiente que um único ato executório atinja o território nacional, ou então que o resultado ocorra no Brasil (MASSON, 2019). 17UNIDADE I Direito Penal e Teoria do Crime 4. SUJEITO ATIVO E SUJEITO PASSIVO Sujeitos do crime são as pessoas que estão envolvidas de alguma forma em um crime, seja como autor do crime, seja como vítima dele. Ao autor do crime, aquele que pratica a conduta definida na lei como criminosa, dá-se o nome de sujeito ativo. Sobre o sujeito ativo, Cléber Masson (2019, p. 160-161) leciona que O sujeito ativo pode receber variadas denominações, dependendo do mo- mento processual e do critério posto em exame, tais como agente (geral), indiciado (no inquérito policial), acusado (com o oferecimento da denúncia ou queixa), réu (após o recebimento da inicial acusatória), sentenciado (com a prolação da sentença), condenado (após o trânsito em julgado da condena- ção), reeducando (durante a execução penal), egresso (após o cumprimento da pena), criminoso e delinquente (objeto de estudo das ciências penais, como na criminologia). A regra é a de que apenas o ser humano pode ser sujeito ativo de infrações penais, mas também se discute a possibilidade de responsabilidade penal da pessoa jurídica. O sujeito passivo do crime é o titular do bem jurídico protegido pelo tipo penal violado (NUCCI, 2019). Simplificando, sujeito passivo é a vítima do crime, o ofendido. Assim, retomando o exemplo anteriormente utilizado, sujeito ativo do crime de ho- micídio seria o autor dos disparos que causaram a morte da vítima, que é o sujeito passivo. 18UNIDADE I Direito Penal e Teoria do Crime 5. CONCEITO DE CRIME: AÇÃO / OMISSÃO TÍPICA O crime pode ser conceituado sob três aspectos: Material, Formal e Analítico. ● Formal: considera-se crime tudo aquilo que o legislador descreveu como tal, pouco importando qual é o conteúdo da lei. Basta que esteja previsto na lei como crime. ● Material: toda ação ou omissão humana que lesa ou expõe a perigo de lesão bens jurídicos penalmente tutelados, que são os considerados fundamentais para a existência da coletividade e paz social. ● Analítico: crime é o fato típico, antijurídico e culpável (corrente tripartida - majoritária). O conceito atualmente adotado para definir o crime é o analítico, por ser mais completo. Passemos, então, ao estudo de cada um dos componentes do conceito analítico de crime. 5.1. Fato Típico Em síntese, fato típico é a conduta humana que se enquadra perfeitamente aos elementos descritos pelo tipo penal e ofende o bem jurídico tutelado. Exemplo: pegar para si um celular de alguém se enquadra no modelo do crime de furto, previsto no artigo 155 do Código Penal. Nos crimes materiais, o fato típico inclui os seguintes elementos: 19UNIDADE I Direito Penal e Teoriado Crime ► Conduta. ► Resultado naturalístico. ► Nexo causal. ► Tipicidade. Vejamos cada um deles. 5.1.1 Conduta ● Conceito: comportamento humano, consciente e voluntário, dirigido a uma finalidade (MASSON, 2019). É a ação ou omissão praticada por um ser humano, de modo consciente e voluntário, e que possui um objetivo. Importante! A conduta pressupõe um comportamento HUMANO, excluindo-se, assim, os comportamentos de animais. ● Elementos da conduta: existem três elementos que compõem a conduta e estão presentes em toda e qualquer teoria. ► Exteriorização do pensamento. ► Consciência. ► Voluntariedade. ► Exteriorização do pensamento: só se pode falar em conduta se houver a ex- teriorização do pensamento por movimento corpóreo (ação) ou abstenção indevida de movimento (omissão). O direito penal não pune o pensamento, por mais imoral ou criminoso que seja, ou seja, enquanto a ideia criminosa não ultrapassar a esfera do pensamento, não há que se falar em conduta para fins penais. Ex.: uma pessoa deseja matar seu inimigo, mas nada faz em relação a isso. Para o direito penal, é irrelevante. ► Consciência: só podem entrar no campo do direito penal os atos que sejam praticados de maneira consciente (no sentido de estar com a percepção ativa). Ex.: atos de sonambulismo ou praticados durante o efeito de hipnose não são conscientes. ► Voluntariedade: além de consciente (estado de acordado), o ato tem que ser voluntário, ou seja, derivado da VONTADE do agente. Zaffaroni (2006) ensina que a vontade implica sempre uma finalidade, porque não se concebe que haja vontade de nada ou vontade para nada. 20UNIDADE I Direito Penal e Teoria do Crime Assim os atos reflexos não servem para configurar conduta para fins criminais (ex.: reflexo rotuliano, espasmos, choque elétrico etc.). Para exemplificar, se uma pessoa está colocando um aparelho na tomada e recebe uma descarga elétrica que faz com que seu braço atinja um terceiro que estava próximo, causando-lhe lesões corporais, não há que se falar em crime ausência de conduta. Também a coação física irresistível (vis absoluta), ou seja, o agente estar sendo forçado a praticar o ato, exclui a conduta. Os casos de força irresistível podem derivar da natureza (alguém arrastado pelo vento ou águas) ou de ação humana (alguém é empurrado por outra pessoa). Por fim, os estados de total inconsciência também excluem a conduta, tais como sonambulismo, ataques epiléticos e hipnose. 5.1.1.1 Formas de conduta Existem duas formas de conduta: AÇÃO e OMISSÃO. ● AÇÃO é uma conduta positiva, que manifesta um movimento corpóreo, um fazer. A maioria dos tipos penais descrevem ações (Ex.: matar, subtrair, falsificar, constranger etc.). ● OMISSÃO é uma conduta negativa, um deixar de fazer, consistente na indevida abstenção de um movimento. 5.1.1.2 Teoria finalista da ação Essa teoria foi criada pelo alemão Hans Welzel, no início de 1930, e posteriormente foi amplamente acolhida pelos penalistas brasileiros (MASSON, 2019). Tem como ponto de partida a ideia de que o ser humano é livre e responsável por seus atos e, assim sendo, cabe ao direito penal punir condutas humanas que tenham uma finalidade e não meros atos causais (relação de causa e efeito). Welzel cunhou a famosa frase que diz que “o causalismo é cego, o finalismo é vidente”, porque o finalismo analisa, para fins de conduta, a VONTADE do agente, não se limitando ao movimento corpóreo (MASSON, 2019, p. 192). 5.1.1.3 Espécies de crimes omissivos Como já salientado, a omissão é um comportamento negativo, um deixar de fazer. Em algumas situações, nosso legislador optou por incriminar condutas omissivas, de modo a punir a conduta de quem deveria agir, mas não o fez. Com isso, duas categorias de crimes omissivos surgem. 21UNIDADE I Direito Penal e Teoria do Crime ● Crimes omissivos próprios: são aqueles em que o próprio tipo penal descreve uma conduta omissiva. O verbo nuclear do tipo é um não fazer. Ex.: Artigos 135 (omissão de socorro), 244 (abandono material) e 269 (omissão de notificação de doença) do Código Penal. São crimes de mera conduta, ou seja, basta a abstenção para se caracterizar o tipo. ● Omissivos impróprios (ou comissivos por omissão): nesses crimes, o agen- te possui um dever jurídico de evitar o resultado. Em verdade, o crime pelo qual o agente responde é comissivo, mas pelo descumprimento do dever de evitar o resultado, o agente responde a título omissivo. O Código Penal, no artigo 13, § 2º, elenca as hipóteses em que existe o dever jurídico de evitar o resultado: ► Dever legal ou imposição legal: quando o agente tiver, por LEI, obrigação de proteção, cuidado e vigilância. Ex.: pais em relação aos filhos; diretor do presídio em relação aos presos. ► Dever de garantidor ou “garante”: quando o agente, de qualquer forma (não apenas contratual), assumiu a responsabilidade de evitar o resultado. Ex.: salva-vidas em relação aos banhistas; babá em relação à criança; médico plan- tonista; guia de alpinismo. ► Ingerência na norma: quando o agente, com seu comportamento anterior, criou o risco de ocorrência do resultado. Ex.: exímio nadador que convida uma pessoa que não sabe nadar para atravessar um rio a nado e, vendo o convidado se afogar, nada faz. 5.2 Resultado Resultado é a consequência provocada pela conduta do agente. ● Resultado naturalístico: é a modificação no mundo exterior provocada pela conduta (só se faz necessário nos crimes materiais). ● Resultado normativo: é a lesão ou ameaça de lesão ao bem jurídico tutelado (todas as infrações penais têm). 22UNIDADE I Direito Penal e Teoria do Crime 5.2.1 Classificação dos crimes quanto ao resultado naturalístico ► Materiais ou de resultado: são aqueles em que o tipo penal prevê um resultado naturalístico e sua ocorrência é necessária para a consumação do crime. Ex.: homicídio – morte. ► Formais ou de consumação antecipada: o tipo penal prevê um resultado naturalístico, mas não exige sua ocorrência para a consumação. Ex.: extorsão mediante sequestro. Receber a vantagem é desnecessário para a consumação do crime. ► De mera conduta ou simples atividade: são aqueles em que o tipo penal des- creve apenas a conduta, não necessitando de um resultado. A simples prática da conduta já é a consumação do crime. Ex.: invasão de domicílio; porte ilegal de arma de fogo. 5.2.2 Classificação dos crimes quanto ao resultado jurídico ► De dano ou de lesão: o crime só se consuma com a efetiva lesão ao bem jurídico tutelado. Ex.: lesão corporal, se consuma com a ofensa à integridade física. ► De perigo ou de ameaça (concreto e abstrato): consuma-se com a mera expo- sição do risco ao bem jurídico. Ex.: incêndio. Se consuma com a exposição de risco à incolumidade. 5.3 Nexo de Causalidade Nexo de causalidade é o elo necessário que une a causa (fato propulsor) ao resul- tado (consequência derivada). Ou seja, é o liame que une a causa ao resultado produzido. Sem o nexo de causalidade, não será possível imputar um resultado ao agente, posto que não foi ele o causador. O estudo do nexo de causalidade é muito importante para o direito penal porque nosso código penal dispõe expressamente que o nexo de causalidade é um requisito necessário do fato típico. “Art. 13. O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido” (BRASIL, 1940). Para o estudo do nexo de causalidade, foram criadas algumas importantes teorias. 23UNIDADE I Direito Penal e Teoria do Crime 5.3.1 Teoria aplicada ao nexo de causalidade: teoria da equivalência dos antecedentes Outros nomes para essa teoria: teoria da conditio sine qua non; teoria da condição simples; teoria da condição generalizadora. Para essa teoria todo fato humano sem o qual o resultado não teria ocorrido, será considerado como causa.Todo fator que exercer influência em determinado resultado, ainda que minimamente, será considerado causa. Causa é, portanto, todo comportamento humano, comissivo ou omissivo, que, de qualquer modo, concorreu para a produção do resultado naturalístico. Pouco importa o grau de contribuição, basta que tenha contribuído para o resultado material. Essa foi a teoria adotada expressamente pelo código penal na parte final do artigo 13: “O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido” (BRASIL, 1940). De acordo com a teoria, todos fatos que antecedem o resultado se equivalem, desde que indispensáveis à ocorrência do resultado. Para se definir o que é ou não causa, aplica-se o processo de eliminação hipotética desenvolvido por Thyrén, em 1894. Suprime-se mentalmente um fato que compõe o histórico do crime. Se o resultado desaparecer, é causa. Se não desaparecer, não é causa (JESUS; ESTEFAM, 2020). Vejamos esse interessante exemplo trazido pelo saudoso professor Damásio Evan- gelista de Jesus em conjunto com André Estefam (2020, p. 237): Suponha-se que A tenha causado a morte de B. A conduta típica do homicídio possui uma série de fatos, alguns antecedentes, dentre os quais poderíamos sugerir os seguintes: 1º) produção do revólver pela indústria; 2º) aquisição da arma pelo comerciante; 3º) compra do revólver pelo agente; 4º) refeição to- mada pelo homicida; 5º) emboscada; 6º) disparos dos projéteis na vítima; 7º) resultado morte. Dentro dessa cadeia, excluindo-se os fatos sob os números 1º a 3º, 5º e 6º, o resultado não teria ocorrido. Logo, são considerados causa. Excluindo-se o fato sob o número 4 (refeição), ainda assim o evento teria acontecido. Logo, a refeição tomada pelo sujeito não é considerada como sendo causa do resultado. Como se pode ver, essa teoria possui um grave problema: a possibilidade do re- gresso ao infinito. Observe que no exemplo trazido, a fabricação da arma de fogo é uma causa do crime. Aliás, o fato de a mãe e o pai do agente terem nascido também podem ser tidos como causa, pois se isso não tivesse ocorrido, o crime não teria acontecido. Para corrigir esse “defeito”, existe a teoria da proibição do regresso, pela qual não é possível retroceder além dos limites da vontade livre e consciente, dirigida à produção do resultado. Assim, só será considerada causa de um crime aquele fato que é indispensável à ocorrência do resultado, mas que tenha sido praticada com a finalidade de causar o crime. 24UNIDADE I Direito Penal e Teoria do Crime 5.4 Tipicidade Tipicidade é a relação de subsunção entre um fato (conduta no mundo real) e um tipo penal (artigo da lei). Por exemplo, ocorrerá a tipicidade quando alguém matar outra pessoa. A conduta realizada pelo agente (matar) está plenamente descrita no tipo penal (art. 121). A tipicidade pode ser formal ou material. Tipicidade formal: é a simples adequação da conduta realizada pelo ser humano a um tipo penal (um artigo da lei). Ex.: a conduta de quem, com a vontade de ter para si, se apodera de um notebook de outra pessoa, sem que esta saiba, se enquadra perfeitamente (formalmente) à conduta descrita no artigo 155 do CP (Furto). Tipicidade material: é a efetiva ofensa ao bem jurídico tutelado. Não basta estar previsto na lei como crime, precisa realmente ofender o bem jurídico tutelado. Ex.: a condu- ta de quem, com a vontade de ter para si, furta a tampinha de uma caneta de outra pessoal, embora se encaixe perfeitamente (formalmente) à conduta descrita no artigo 155 do CP, não ofende efetivamente o bem jurídico tutelado (patrimônio alheio), vez que não causa uma diminuição patrimonial. 5.5 Elemento subjetivo do crime Art. 18 - Diz-se o crime: Doloso I - doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo; Culposo II - culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negli- gência ou imperícia. Parágrafo único - Salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser puni- do por fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente. (BRA- SIL, 1940) 5.5.1 Dolo Conceito: vontade livre e consciente dirigida a realizar a conduta prevista em um tipo penal incriminador. Do conceito podemos extrair dois elementos importantes: um volitivo e um cognitivo: ● Volitivo: a vontade de praticar a conduta. Vontade de executar os verbos do tipo. ● Cognitivo: consciência de que aquela conduta causará um resultado e que esse resultado é crime. 25UNIDADE I Direito Penal e Teoria do Crime 5.5.1.1 Teorias sobre o dolo ● Teoria da vontade: dolo é a vontade consciente de praticar a infração penal. ● Teoria da representação: dolo ocorre sempre que o agente tiver a previsão da possibilidade do resultado e decidir prosseguir mesmo assim, ainda que não queira produzi-lo. ● Teoria do consentimento: dolo ocorre quando o agente tem a previsão da pos- sibilidade do resultado e decide prosseguir mesmo assim, assumindo o risco de produzir o evento. Prever e assumir o risco equivale a agir dolosamente. Nossa legislação penal adotou a teoria da vontade (dolo direto) e a teoria do con- sentimento (dolo eventual). 5.5.1.2 Espécies de dolo ● Dolo direto: quando o agente quer praticar um resultado e dirige sua vontade para esse fim. Ex.: agente quer matar alguém e efetua disparos de arma contra a pessoa. ● Dolo indireto: nesse caso, o agente não busca um resultado certo e determinado. ● Dolo alternativo: no dolo alternativo o sujeito ativo do crime não dirige sua conduta a uma pessoa ou resultado único. Para ele tanto faz quem será a vítima ou qual será o crime. Poderá ser: ► Subjetivo: quando não importar quem será a vítima. Sujeito quer matar qualquer das pessoas que estão em seu caminho. ► Objetivo: quando não importar qual é o crime. Sujeito atira contra alguém, se con- tentando com o resultado morte ou lesão. ► Eventual: quando o agente, prevendo a ocorrência do resultado, não quer produ- zi-lo, mas assume o risco e não se importa com a eventual ocorrência. Ex.: sujeito que faz “roleta russa” no trânsito, dirigindo em alta velocidade e atravessando sinal vermelho, que vem a atropelar e matar pedestre. 5.5.2 Culpa Conceito: conduta humana voluntária que realiza um evento ilícito não querido ou aceito pelo agente, mas que lhe era previsível e que podia ser evitado se empregada a cau- tela esperada (dever objetivo de cuidado). A conduta, nos delitos de natureza culposa, é o ato humano voluntário, dirigido, em geral, à realização de um fim lícito, mas que, por imprudência, imperícia ou negligência, isto é, por não ter o agente observado o seu dever de cuidado, dá causa a um resultado não querido, nem mesmo assumido, tipificado previamente na lei penal (GRECO, 2020). 26UNIDADE I Direito Penal e Teoria do Crime 5.5.2.1 Elementos do crime culposo ● Conduta humana voluntária: A ação ou omissão se dirige pelo querer, pela vontade. No crime culposo também há conduta humana voluntária e dirigida a um fim, mas normalmente se busca um fim lícito. Ex.: a pessoa está atrasada e fura um sinal vermelho, atropelando uma pessoa. A conduta dela foi voluntária e dirigida a um fim lícito (chegar mais rápido), porém causou um resultado. ● Violação de um dever objetivo de cuidado: Dever objetivo de cuidado é aquela conduta que é esperada das pessoas em geral. Ex.: espera-se que todos respeitem a lei de trânsito. Espera-se que só utilize arma de fogo quem tenha autorização para tanto etc. Na infração culposa o agente deixa de observar os deveres objetivos, agindo com imprudência, negligência ou imperícia. ► Imprudência: ocorre quando o agente atua com precipitação, sem os cuidados que a situação requer. Ex.: conduzir veículo em alta velocidade em dia de chuva; manusear uma arma sem cuidado; furar sinal vermelho. ► Negligência: é a ausência de uma precaução necessária.A negligência é uma omissão, um deixar de fazer. A imprudência é uma ação, um fazer. Ex.: conduzir veículos com pneus gastos; fazer uma cirurgia sem ter os equipamentos necessários. ► Imperícia: é a falta de aptidão técnica para o exercício de uma arte ou profissão. Ex.: motorista de ônibus que confunde o pedal de freio e aperta o da embreagem, causando um acidente; médico pediatra que faz cirurgia plástica. A imperícia é um despreparo técnico. ● Resultado naturalístico involuntário: ► Em regra, os crimes culposos são materiais (exigem um resultado naturalístico). ► O resultado não ocorre por vontade do agente, não é quisto. ● Nexo entre a conduta e o resultado: ► A conduta do agente deve ser a causadora do resultado. ● Previsibilidade do resultado: ► Embora o resultado não seja quisto pelo agente, ele será previsível. ● Tipicidade: ► O resultado deve estar previsto na lei como crime. O parágrafo único do art. 18 dispõe que somente se pune o crime culposo se hou- ver previsão expressa em lei para esta modalidade (BRASIL, 1940). Ex.: o crime de dano (168 do CP) não possui modalidade culposa, então ainda que alguém provoque dano ao patrimônio de outrem sem querer, não responderá por crime. 27UNIDADE I Direito Penal e Teoria do Crime 5.5.2.2 Espécies de culpa ● Culpa consciente: o agente, embora prevendo a possibilidade do resultado, não deixa de praticar a conduta, acreditando, sinceramente, que esse resultado não irá acontecer. Embora previsto o resultado, o agente não o aceita como possível. ● Culpa inconsciente: o resultado, embora previsível, não foi previsto pelo agen- te. Não passou pela cabeça do agente a possibilidade do resultado, e então ele age com imprudência, negligência ou imperícia. 28UNIDADE I Direito Penal e Teoria do Crime 6. CONCEITO DE CRIME: ILÍCITA Conceito: ilicitude ou antijuridicidade (são termos sinônimos) é a relação de con- trariedade de uma conduta humana com o ordenamento jurídico. É um juízo de valor feito sobre um fato típico. A pergunta que se faz é: a conduta é descrita pela lei como típica, mas ela realmente é contrária ao ordenamento? Isso se afere pela ilicitude. A tipicidade (previsão da conduta como criminosa) é um indício de ilicitude, pois se o legislador entendeu que aquela conduta é nociva à sociedade, tipificando-a como crime, existe um indício, uma grande possibilidade, de que ela seja também contrária ao ordenamento. Uma questão importante é que, em razão desse caráter indiciário, a licitude da con- duta é aferida de modo inverso (ou negativo), pois o código penal não diz quando a conduta será ILÍCITA, mas sim, quando ela será LÍCITA. Em regra, a conduta prevista no código penal será ilícita, exceto se estiver abrangida por uma das causas excludentes da ilicitude. Assim, uma vez constatada a tipicidade, o próximo passo é saber se se encontra presente no caso concreto alguma causa de justificação, que transforme um fato típico em lícito (não incriminado). O código penal elenca as causas de exclusão da ilicitude em seu artigo 23 da seguinte forma: 29UNIDADE I Direito Penal e Teoria do Crime Art. 23 – Não há crime quando o agente pratica o fato: I – em estado de necessidade. II – em legítima defesa III – em estrito cumprimento do dever legal ou no exercício regular de direito. (BRASIL, 1940) 6.1 Causas Excludentes de Ilicitude As excludentes de ilicitude estão previstas nos artigos 23 a 25 do código penal e são situações em que mesmo praticado um fato típico, não constituirá crime por haver uma PERMISSÃO LEGAL para a conduta (BRASIL, 1940). Essas normas (excludentes) contêm um preceito autorizante, constituindo situações particulares em que uma situação que normalmente seria delituosa deixa de ser por haver consentimento legal para sua prática (PRADO, 2020). Passemos, então, ao estudo de cada uma das causas excludentes da ilicitude. 6.1.1 Estado de necessidade – art. 24 do código penal Art. 24 - Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de ou- tro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se. § 1º - Não pode alegar estado de necessidade quem tinha o dever legal de enfrentar o perigo. § 2º - Embora seja razoável exigir-se o sacrifício do direito ameaçado, a pena poderá ser reduzida de um a dois terços (BRASIL, 1940). O estado de necessidade é uma situação que pressupõe a existência de um perigo atual que ponha em conflito dois ou mais interesses, dos quais nem todos podem ser salvos. Exemplo clássico: tábua de salvação. Naufrágio: Duas pessoas disputam uma mesma tábua que só suporta o peso de uma. O direito permite que uma pessoa mate a outra, desde que seja a única forma de se salvar. 6.1.1.1 Requisitos para a aplicação do estado de necessidade ● Perigo atual: perigo é a probabilidade de dano ou lesão ao bem jurídico. Exem- plos: incêndios, naufrágios, ataque de animais selvagens, iminência de acidente de trânsito (atropelamento). ● Esse perigo deve ser presente, ou seja, estar acontecendo naquele momento. Não se admite a excludente depois que o perigo cessou (passado) ou quando ele ainda não se concretizou (futuro). ● O perigo deve ser aferido pela necessidade de pronta reação (a pessoa tinha que reagir daquela forma naquele momento?). 30UNIDADE I Direito Penal e Teoria do Crime ● Perigo não provocado voluntariamente pelo agente: quem provocou, propositada- mente (com dolo) o perigo não pode se beneficiar da excludente. Exemplo: agente provoca o naufrágio de um barco e pega o único salva-vidas existente, causando a morte de outra pessoa. ● Ameaça a direito próprio ou alheio: o direito ameaçado pode ser do próprio agente ou de um terceiro. Exemplos: direito próprio (tábua de salvação – vida do agente); direito alheio (médico que quebra sigilo profissional (art. 154 do CP) revelando que um paciente possui HIV para impedi-lo de contaminar dolosa- mente outra pessoa) ● Conhecimento da situação justificante: o agente deve ter ciência (conhecimen- to) de que está ofendendo um bem jurídico de outrem para salvar o seu direito. Exemplo: médico realiza um aborto por dinheiro. Depois do aborto feito, ele constata que, se aquele aborto não fosse realizado, a gestante morreria em instantes. Ele pode alegar estado de necessidade? NÃO! Porque ele não tinha conhecimento de que agia desta forma. ● Inexigibilidade do sacrifício do bem ameaçado: deve ser feita a análise no caso concreto para ver se era exigível ou não que o agente sacrificasse o bem amea- çado. Exemplo: agente está conduzindo seu carro e uma criança atravessa em seu caminho. Rapidamente o agente desvia o carro e bate em um outro veículo, causando danos ao patrimônio de terceiro (art. 163 do CP). Nesse caso, era exigível que o agente ofendesse o patrimônio de alguém para poupar a vida da criança? SIM, porque o bem jurídico vida é mais importante que o patrimônio. ● Assim, se o bem jurídico for de maior importância (ex.: vida x patrimônio) ou de igual status (vida x vida), haverá estado de necessidade. Se for de menor impor- tância, não haverá a exculpante. Exemplo: para evitar que seu barco afunde, o capitão manda todo mundo pular no mar, causando-lhes a morte (patrimônio x vidas). Nesse caso, não será aplicado o estado de necessidade, porém o código penal prevê uma causa de diminuição de pena – art. 24, § 2º do CP. ● Inevitabilidade do perigo: somente caberá o estado de necessidade se não hou- ver outra forma de salvaguardar o bem jurídico. Exemplo: o agente entra num pasto e um boi bravo o persegue. Ele pode saltar a cerca e livra-se do perigo ou sacar a arma e matar o boi. Nesse caso, se ele mata o boi praticando crime (dano), não é abrangido pela excludente. ● Ausência de dever legal de enfrentar o perigo: “§ 1º - Não pode alegar estado de necessidade quem tinha o dever legal de enfrentar o perigo” (BRASIL,1940). Quem tem o dever legal de evitar o perigo não pode alegar estado de necessidade. Exemplo: um bombeiro não pode deixar de salvar uma vítima durante o incêndio pelo risco de se queimar. IMPORTANTE: não se exige heroísmo. Se um local está 31UNIDADE I Direito Penal e Teoria do Crime absolutamente tomado pelo fogo, com a ínfima probabilidade de sobrevivência (mesmo com treinamento), o bombeiro não tem obrigação de entrar. 6.1.2 Legítima defesa – Art. 25 do código penal Art. 25 - Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem. Parágrafo único. Observados os requisitos previstos no caput deste artigo, considera-se também em legítima defesa o agente de segurança pública que repele agressão ou risco de agressão a vítima mantida refém durante a práti- ca de crimes (BRASIL, 1940). A legítima defesa é um dos mais antigos institutos de natureza penal. Já era encon- trado nas ordenações Filipinas e se chamava “defesa necessária”, dando a permissão para matar alguém que tentasse lhe matar (NUCCI, 2019, p. 464). Está vinculada ao instinto humano de sobrevivência (matar para não morrer) e, por isso, normalmente está ligada ao crime de homicídio. Em resumo, é uma das poucas situações em que o ordenamento jurídico permite ao cidadão comum fazer justiça com as próprias mãos. 6.1.2.1 Requisitos para a aplicação da legítima defesa ● Agressão injusta: agressão é toda conduta humana que ataca um bem jurídico penalmente tutelado. Importante ressaltar que só existe legítima defesa oriunda de conduta humana, pois o ataque de animais não autoriza a legítima defesa, por faltar-lhes a cons- ciência e voluntariedade implícitas ao ato de agredir (MASSON, 2020, p. 335). A lei se refere a agressão injusta, que consiste em uma agressão humana que seja contrária ao ordenamento jurídico, não permitida. Ex.: uma pessoa aborda outra na rua e lhe dá um soco, sem qualquer motivação. ● Atual ou iminente: atual é algo que está acontecendo naquele exato momento. É o ataque em curso. Ex.: sujeito está desferindo socos ou facadas na vítima. Iminente é algo que está prestes a acontecer. Ex.: sujeito aponta a arma na direção da vítima, pronto para disparar. A lesão ainda não começou a ser produzida. Se a agressão é passada, não há legitima defesa e sim vingança. Agressão futura (promessa de agressão) não permite a legítima defesa. ● Direito próprio ou alheio: a lei admite que a legítima defesa seja para prote- ger direito próprio ou alheio. Será próprio quando o direito do próprio agente está sendo ofendido. Ex.: atirar contra quem lhe aponta uma arma com intenção de matar. Será alheio quando o direito a ser defendido é de outra pessoa, por exemplo, atirar contra alguém que está tentando matar um amigo. 32UNIDADE I Direito Penal e Teoria do Crime ● Uso moderado dos meios necessários: meios necessários são os menos lesivos disponíveis quando sofre a agressão. Por uso moderado se entende a proporcionalidade entre a agressão e o revide. Ex.: não será moderado desferir tiros contra alguém que lhe jogou uma pedra. Mas é moderado desferir tiros contra alguém que lhe agride com uma faca. ● Conhecimento da situação justificante: o agente deve conhecer as circuns- tâncias do fato justificante, demonstrando ter ciência de que está agindo diante de um ataque atual ou iminente (CUNHA, 2020, p. 338). 6.1.3 Estrito cumprimento do dever legal – Art. 23, inciso III, primeira parte do código penal Age em estrito cumprimento do dever legal quem pratica um fato típico por força de desempenho de uma obrigação imposta por lei. O instituto dirige-se, assim, aos funcionários e agentes públicos, porém abrange também o particular que exerça função pública (jurados, peritos, mesários da justiça eleitoral etc.). Ex.: o policial que prende um fugitivo está privando- -o de sua liberdade (cárcere privado), mas possui permissão para tanto, logo, não pode estar praticando um crime porque está cumprindo um dever legal, uma determinação da lei. O dever legal, como o próprio nome já ressalta, só pode ter origem em lei, não abrangendo outros ditames como, por exemplo, religião, ética etc. Entretanto, é importante destacar que “lei”, para essa finalidade, deve ser interpretada em sentido amplo, abran- gendo também os decretos, regulamentos, atos administrativos e até decisões judiciais (BUSATO, 2020, p. 380). Importante: é exigido que o agente atue nos exatos limites de seu dever. Ex.: poli- cial que prende o fugitivo e na sequência o espanca, não está acobertado pela excludente, pois ele não tem o dever legal de espancar o preso. 6.1.4 Exercício regular de direito – art. 23, inciso III, parte final do código penal Aquele que age no exercício regular de direito exercita uma faculdade de acordo com o direito, ou seja, está atuando licitamente, de forma autorizada pela lei (PRADO, 2020, p. 188). O principal fundamento do exercício regular de direito é que uma ação juridicamente permitida não pode ser, ao mesmo tempo, proibida, pois seria incongruente. Em resumo, se a pessoa atua exatamente nos moldes que a lei permite/garante, não poderá ser punida, ainda que tal conduta configure um fato típico. Exemplo: o código de processo penal permite que qualquer pessoa do povo efetue a prisão de quem quer que se encontre em situação flagrância (art. 301), logo, o particular que realiza a prisão em flagrante não poderá ser punido por cárcere privado, pois agiu no exercício regular de um direito. 33UNIDADE I Direito Penal e Teoria do Crime 7. CONCEITO DE CRIME: CULPÁVEL Culpabilidade é o juízo de censura, o juízo de reprovabilidade que incide sobre a formação e a exteriorização da vontade do responsável por um fato típico e ilícito, com o propósito de aferir a necessidade de imposição de pena (MASSON, 2019, p. 364). Diferentemente da tipicidade e ilicitude, que analisam as questões do fato praticado, a culpabilidade formará um juízo de reprovação sobre a pessoa que praticou o fato. Assim, será culpável quem podia e devia agir de acordo com o direito, mas não o faz. 7.1 Elementos da Culpabilidade A culpabilidade apresenta três elementos: ● Imputabilidade. ● Potencial consciência da ilicitude. ● Exigibilidade de conduta diversa. Vamos analisá-los. 7.1.1 Imputabilidade O código penal disciplina a questão da imputabilidade nos arts. 26 a 28 (BRASIL, 1940). 34UNIDADE I Direito Penal e Teoria do Crime ● Conceito: capacidade mental de compreender o caráter ilícito do fato e de deter- minar-se de acordo com esse entendimento (capacidade de entender e querer – de discernir o certo e o errado). É constituída por dois elementos, um intelectual (capacidade de entender o caráter ilícito do fato) e um volitivo (capacidade de determinar-se de acordo com esse entendimen- to). Ou seja, para ser culpável, o agente precisa, no momento da conduta, SABER que sua conduta é ilícita e QUERER fazê-la assim mesmo. Importante saber que a LEI não diz quem é imputável, mas sim quem será INIMPU- TÁVEL (análise negativa). Então, em regra, todos são IMPUTÁVEIS, exceto aqueles que a lei expressamente diz não o ser. Sistemas ou critérios para identificação da inimputabilidade: ● Biológico: o fator preponderante é a formação e o desenvolvimento mental do ser humano. Basta que haja algum tipo de doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado para ser inimputável, pouco importando a lucidez do agente. Ou seja, ainda que o agente saiba o que faz, por esse critério há presunção de inimputabilidade. ● Psicológico: para esse critério basta que o agente se mostre incapaz de entender o caráter ilícito da conduta ou de se portar de modo diverso para ser inimputável. A existência ou não de doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado são irrelevantes. ● Biopsicológico: é uma união dos dois sistemas anteriores. Para a inimputabili- dade é necessário que o agentepossua alguma limitação biológica e não possa entender o caráter ilícito da situação ou conseguir se portar de modo diverso. 7.1.1.1 Inimputabilidade por imaturidade natural Deriva de presunção legal. Por motivos de política criminal, o legislador brasileiro entendeu que os menores de 18 anos não possuem plena capacidade de entendimento, adotando o caráter puramente biológico. “Art. 228 da CF/88: São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial” (BRASIL, 1940). “Art. 27 do CP: Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial” (BRASIL, 1988). A menoridade deve ser comprovada por meio da certidão de nascimento ou docu- mento que o substitua (ex.: RG). Esse entendimento é sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça (súmula 14), determinando que para efeitos penais, o reconhecimento da menori- dade do réu requer prova por documento hábil. 35UNIDADE I Direito Penal e Teoria do Crime 7.1.2 Inimputabilidade por doença mental Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteira- mente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Parágrafo único - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental in- completo ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento (BRASIL, 1940). O termo doença mental deve ser interpretado de modo amplo, englobando todas as alterações mentais ou psíquicas que suprimam a capacidade de entender o caráter ilícito da conduta e de determinar-se de acordo com esse entendimento. Para que reconhecer a inimputabilidade por doença mental devem ser preenchidos três requisitos: ● Requisito biológico: existência de uma doença mental. ● Requisito psicológico: supressão da capacidade de entendimento e autodetermi- nação em razão da doença. ● Requisito temporal: ocorrência dos requisitos anteriores no momento da conduta. Esses requisitos devem ser comprovados por laudo pericial confeccionado por profissional competente na forma prevista pela legislação processual penal (incidente de insanidade mental - arts. 149/154 do CPP). A depender da conclusão apresentada pelo laudo pericial, a forma de aplicação (ou não aplicação) da sanção penal variará. O quadro a seguir ajuda a esclarecer. QUADRO 1 - RESULTADOS POSSÍVEIS DO EXAME DE SANIDADE MENTAL E SUAS CONSEQUÊNCIAS Resultado do laudo Situação jurídica Consequência jurídica Agente capaz de entender o caráter ilícito da conduta e portar-se de acordo com esse entendimento. Imputável Receberá a pena e a cumprirá normalmente. Agente parcialmente capaz de entender o caráter ilícito da conduta e portar-se de acordo com esse entendi- mento. Semi-imputável Receberá a pena com redu- ção de um a dois terços (art. 26, parágrafo único do CP) Poderá o juiz substituir a pena privativa de liberdade por in- ternação ou tratamento médi- co (art. 98 do CP). Agente absolutamente in- capaz de entender o cará- ter ilícito da conduta e por- tar-se de acordo com esse entendimento. Inimputável Será absolvido, porém rece- berá uma medida de seguran- ça (internação ou tratamento médico). Fonte: o autor. 36UNIDADE I Direito Penal e Teoria do Crime 7.1.3 Inimputabilidade pela embriaguez completa e involuntária Cléber Masson (2020, p. 387) conceitua a embriaguez da seguinte forma: É a intoxicação aguda produzida no corpo humano pelo álcool ou por subs- tância de efeitos análogos, apta a provocar a exclusão da capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Como exemplos de substâncias de efeitos análogos podem ser apontados o éter, a morfina, o clorofórmio e quaisquer outras substâncias entorpecentes, ainda que não previstas na Portaria do Ministério da Saúde responsável por essa tarefa, dependendo, nesse caso, de perícia. O código penal, por sua vez, assim dispõe acerca da embriaguez: Art. 28. Não excluem a imputabilidade penal: […] II – a embriaguez, voluntária ou culposa, pelo álcool ou substâncias de efeitos análogos. § 1º - É isento de pena o agente que, por embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior, era, ao tempo da ação ou da omissão, intei- ramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento (BRASIL, 1940). Para entendermos melhor essa questão, é necessário conhecer os estágios da embriaguez: 1º – Incompleta: afrouxamento dos freios normais. O agente tem consciência, mas se torna mais desinibido (fase da excitação). 2º – Completa: perde os freios e censuras morais, ocorrendo confusão mental e falta de coordenação motora. A pessoa não possui mais consciência e vontade livres (fase da depressão). 3º – Comatosa: o sujeito cai em sono profundo (fase letárgica). Para além dos estágios da embriaguez, existem dois tipos dela: a voluntária (não acidental) e involuntária (acidental). Na voluntária o agente faz ingestão de bebidas alcoólicas por vontade própria, com finalidade de embriagar-se. Ex.: pessoas comemorando algo e ingerindo bebidas alcóolicas. É claro que a embriaguez voluntária pode ser também culposa, quando o agente bebe por vontade própria, mas, culposamente, excede na quantidade de álcool. Ex.: amigos bebendo enquanto assistem um jogo e exageram. Consequências da embriaguez voluntária: conforme dispõe o inciso II do artigo 28 do Código Penal, a embriaguez voluntária ou culposa não exclui a culpabilidade, ou seja, o agente será responsabilizado pelos seus atos (BRASIL, 1940). Já a embriaguez involuntária ocorre por caso fortuito ou força maior. Nessa o agente não ingere álcool por vontade própria. Ex.: caso fortuito - pessoa está visitando uma fábrica de bebidas alcoólicas e cai em um tanque de cachaça, ingerindo grande quantidade 37UNIDADE I Direito Penal e Teoria do Crime da bebida. Força maior - durante um assalto, um refém é obrigado a ingerir grande quanti- dade de álcool. Consequências da embriaguez involuntária: se a embriaguez involuntária for completa, ocorrerá a exclusão da culpabilidade e consequente isenção de pena, conforme preceitua o § 1º do art. 28 do código penal. Se for incompleta, haverá diminuição de pena de um a dos terços, nos termos do § 2º do art. 28 do código penal (BRASIL, 1940). 7.2 Potencial Consciência da Ilicitude Art. 21 – O desconhecimento da Lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato, se inevitável, isenta de pena; se evitável, poderá diminuí-la de um sexto a um terço. Parágrafo único: Considera-se evitável o erro se o agente atua ou se omite sem consciência da ilicitude do fato, quando lhe era possível, nas circunstân- cias, ter ou atingir essa consciência (BRASIL, 1940). Para merecer uma pena, a pessoa deve ter agido na consciência de que sua con- duta era ilícita. A agente precisa saber que está praticando um ato ilícito e, somente após ter certeza de que o agente era imputável (tinha condições mentais), é que se afere a potencial consciência (condições culturais). Para André Estefam (2020), a potencial consciência da ilicitude se trata de perquirir se o conjunto de informações recebidas pelo agente ao longo da sua vida, até o momento da conduta, lhe dava condições de entender que a atitude por ele praticada era socialmente reprovável. Exemplos: um indígena criado numa tribo isolada vai para um centro urbano e ao ver um pássaro preso na gaiola acredita que lhe é lícito quebrar a gaiola e soltar o pássaro; um holandês vem ao Brasil e acredita que aqui, como lá, é possível fumar maconha em público. Nesses contextos ocorre o chamado erro de proibição, que nada mais é do que uma falsa percepção sobre o queé permitido ou proibido pelo ordenamento jurídico. No erro de proibição o agente sabe exatamente o que está fazendo, mas não sabe que o que está fazendo é errado. O agente acha que pode praticar licitamente aquela conduta. 7.2.1 Classificação do erro de proibição 7.2.1.1 Direto Quando o sujeito age desconhecendo que sua conduta é criminosa, quando na verdade o é. Ex.: ditado popular “achado não é roubado”. O agente acredita que pegar para si uma coisa encontrada é permitido, quando na verdade não é. Configura crime de apropriação indébita. 38UNIDADE I Direito Penal e Teoria do Crime 7.2.1.2 Indireto Quando incide sobre os limites de uma norma permissiva (excludentes de ilicitude). Ex.: sujeito sabe que não pode agredir sua esposa, mas um dia ele a flagra em uma traição e acha que isso torna legítimo agredi-la em exercício regular de direito ou legítima defesa da honra. 7.2.1.3 Mandamental Quando o agente se omite (deixa de fazer algo) sem saber que há uma norma que o obrigava a agir. Ex.: salva-vidas de clube que deixa de salvar uma criança que está se afogando porque os pais estão por perto, achando que não tem o dever de agir. 7.2.2 Consequências do erro de proibição ● Erro evitável: quando o agente, embora desconhecesse que o fato era ilícito, tinha condições de saber, dentro das circunstâncias, que sua conduta era contrária ao direito. Ex.: holandês que vem ao Brasil e fuma maconha na rua poderia evitar o erro se tivesse pesquisado. Consequência: não isenta de pena, mas a diminui de 1/6 (um sexto) a 1/3 (um terço). ● Erro inevitável: quando o agente não possuía o conhecimento e era impossível, naquelas circunstâncias, atingir tal conhecimento. Ex.: índio não adaptado que solta o pássaro que estava na gaiola. Consequência: isenta de pena. 7.3 Exigibilidade de Conduta Diversa Além de ser imputável e de ter a potencial consciência da ilicitude, para que possamos completar o conceito de crime e, enfim, dizer que o sujeito praticou um crime, precisamos verificar se, naquele caso concreto, era exigível que o agente atuasse de modo diferente daquele comportamento praticado. Conforme lecionam Gustavo Junqueira e Patrícia Vanzolini (2019), além da capaci- dade de entendimento (imputabilidade) ou conhecimento do caráter ilícito do fato (potencial conhecimento da ilicitude), é preciso ainda que o agente conserve um espaço mínimo de autodeterminação que lhe permita agir de acordo com esse entendimento. O artigo 22 do código penal trata das excludentes da culpabilidade, situações em que, apesar de o agente ter praticado um fato típico e ilícito, estará isento de pena. “Art. 22 – Se o fato é cometido sob coação irresistível ou em estrita obediência a ordem, não ma- nifestamente ilegal, de superior hierárquico, só é punível o autor da coação ou da ordem”. 39UNIDADE I Direito Penal e Teoria do Crime 7.3.1 Coação moral irresistível Coação moral irresistível se dá quando uma pessoa for alvo de ameaça de inflição de um mal grave e injusto. TERROR PSICOLÓGICO. Exemplo: bandidos mantêm a família do gerente do banco sob ameaça de morte e determina a ele que abra o cofre. Requisitos: ● Seriedade da promessa: promessas em tom jocoso ou meramente irônico não servem. ● Verossimilhança do mal prometido: possibilidade de realização do mal prometido. ● Irresistibilidade: a ameaça deve ser grave (ex.: matar a família) e deve ser pron- tamente exequível (havendo a recusa, o mal será realizado, não permitindo que a vítima promova uma solução). 7.3.2 Obediência hierárquica à ordem superior não manifestamente ilegal Ocorre quando um funcionário público subalterno pratica uma infração penal em decorrência de cumprimento de ordem, não manifestamente ilegal, emitida por um superior hierárquico. ● Requisitos: ● Relação de hierarquia: só se verifica em relações jurídicas de direito público. ● Ordem superior: a ordem deve vir do superior hierárquico. ● Ilegalidade da ordem não manifesta: é a ordem aparentemente legal. Para finalizar o estudo do crime, deixo para você um resumo do conceito analítico de crime fácil de memorizar: QUADRO 2 - RESUMO DO CONCEITO ANALÍTICO DE CRIME FATO TÍPICO ILÍCITO CULPÁVEL Conduta Resultado Nexo causalidade Tipicidade Excludentes: Estado de necessidade Legítima defesa Estrito cumprimento do dever legal Exercício regular de direito Imputabilidade Potencial consciência da ilicitude Exigibilidade de conduta diversa Fonte: o autor. 40UNIDADE I Direito Penal e Teoria do Crime SAIBA MAIS Não é incomum encontrarmos situações em que o agente se coloca, propositadamente, em uma situação de embriaguez para “tomar coragem” de praticar um crime. Nestas situações, além de não haver exclusão da culpabilidade, o agente ainda receberá uma pena agravada, conforme determina o artigo 61, inciso II, alínea “l” do Código Penal. É a aplicação da teoria da actio libera in causa (ação livre na causa). Fonte: o autor. REFLITA “O que torna sua conduta uma ação moral ou não está invisível a quem vê de fora. É 100% pensamento, que, quando repetido, converte-se em princípio. É o caráter de quem respeita” Fonte: Barros (2018, p. 79). 41UNIDADE I Direito Penal e Teoria do Crime CONSIDERAÇÕES FINAIS E assim concluímos esta primeira unidade, na qual aprendemos o que é o direito penal e as demais ciências que compõem o ramo criminal, conhecendo alguns dos mais importantes princípios basilares da disciplina. Ganhou destaque em nosso estudo o princípio da legalidade, que nos apresenta a garantia de que o Estado não poderá processar e punir pessoas de modo discricionário, posto que somente aquelas condutas que estejam expressamente previstas em lei, de modo claro e antecipado, é que podem ser alcançadas pelo direito penal. A seguir analisamos a aplicabilidade da lei penal no tempo e espaço, analisando também quem são os sujeitos do crime: autor e vítima. A partir desse ponto ingressamos no sensacional universo do conceito de crime – o coração do direito penal –, conhecendo o conceito analítico de crime sob a visão tripartida (majoritária) e estudando detalhadamente cada um de seus componentes. Com esse conhecimento você certamente conseguirá distinguir uma situação cri- minosa ou não. Cotidianamente vemos em programas de telejornais ou mesmo em sites da internet as mais variadas notícias sobre situações relevantes ao direito penal. Conhecendo o conceito de crime a fundo, essas situações ficarão bem mais claras. Por fim, encerra-se aqui a unidade de teoria do crime, mas não o conteúdo de direito penal. Nas próximas unidades veremos a teoria da pena e os principais crimes em espécie. Até lá. 42UNIDADE I Direito Penal e Teoria do Crime LEITURA COMPLEMENTAR Causa supralegal de exclusão de ilicitude: o consentimento do ofendido Lya Maria de Loiola Melo, José Dias Oliveira Rodrigues e Larissa de Assis Viana O consentimento do ofendido é um instituto jurídico penal que trata da exclusão da ilicitude na conduta delitiva. O Direito Penal, por sua vez, objetiva manter a ordem social através da seleção dos comportamentos humanos mais nocivos capazes de lesionar, ou expor à lesão, bens jurídicos essenciais para a convivência em sociedade. A Teoria Tripartida do Crime também tem papel importante no presente estudo, pois apresenta as características nas quais uma conduta humana deve se enquadrar para que seja, não somente considerada crime, mas também passível de punição. Nossa legislação penal foi um tanto quanto omissa no que tange ao consentimento do ofendido, deixando-nos dúvidas da ilicitude presente em casos como o do médico que necessita realizar uma cirurgia no paciente ou do tatuador que lesiona a pele do seu cliente, por exemplo. O artigo 23 do Código Penal Brasileiro elenca as três hipóteses de exclusão da ilicitude da conduta: Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o fato: I - em estado de necessidade; II - em legítima defesa;
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