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Gêneros textuais e psicolingüística – caminhos para um diálogo.

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KENEDY, E. Gêneros textuais e psicolingüística: caminhos para um diálogo. In: Simone Aranha; Tânia Pereira; 
Maria de Lourdes Almeida. (Org.). Gêneros textuais e linguagem: diálogos abertos. João Pessoa: Ed. 
Universitária da UFPB, 2009. 
 
Gêneros textuais e psicolingüística – caminhos para um diálogo.* 
 
 
Eduardo Kenedy** (Universidade Federal Fluminense) 
 
“99% deste jogo é meio mental.” 
Yogi Berra 
1. Introdução 
 
 Uma observação muito importante no estudo do comportamento humano é a distinção 
entre o que as pessoas sabem e o que fazem. Nos estudos da linguagem, essa diferença 
reveste-se, a partir da década de 60, de valor epistemológico pervasivo com a dicotomia 
chomskiana competência (saber) versus desempenho (fazer): o conhecimento tácito que os 
indivíduos possuem a respeito de sua língua materna – sua aptidão abstrata para produzir e 
compreender um número indefinido de expressões lingüísticas – é o que se define como 
competência, enquanto o desempenho diz respeito ao uso concreto e em tempo real desse 
conhecimento. 
Ao observarmos o desempenho lingüístico, impressionamo-nos com a sua 
complexidade. As pessoas põem a língua em uso por algum motivo, têm alguma intenção 
comunicativa, veiculam valores associados a uma determinada ideologia, falam de uma dada 
posição nas condições de produção de sentido... E, é claro, tudo isso (e muito mais) aparece 
materializado nos textos orais ou escritos, que se realizam concretamente em algum gênero 
textual. Assim, a complexidade do uso da língua (o desempenho, a performance) demanda um 
esforço descritivo e explicativo igualmente complexo, que é levado a cabo pelas inúmeras 
abordagens e correntes da lingüística contemporânea. Cada uma dessas abordagens ou 
correntes toma para análise um (ou alguns poucos) aspecto(s) do uso real da língua, como, por 
exemplo, a natureza dos gêneros textuais, a materialização das ideologias no discurso, o 
ensino dos gêneros na escola, o caráter eminentemente pragmático do uso etc. Um dos 
aspectos do estudo do desempenho que pode interessar ao pesquisador é a natureza 
psicológica do uso da língua. É exatamente esse aspecto que será abordado no presente texto. 
 
*
 Agradeço à Profa. Francisca Maria de Melo (UEPB) pelo convite, feito quando era eu então professor da 
UFPB, para participar do II SINALGE e deste livro. Tipicamente, um psicolingüista de orientação chomskiana 
não é convidado a participar de eventos sobre gêneros textuais. Tipicamente, gêneros textuais não interessam a 
psicolingüistas e a chomskianos. Ignorando as tipicidades, o convite (e o seu aceite) indica(m) que o diálogo 
entre as diversas áreas da lingüística contemporânea não é apenas possível, mas, sobretudo, necessário. 
 
** Contatos com o autor: www.eduardokenedy.net 
Pretende-se demonstrar, esquematicamente e ao leitor principiante no assunto, a essência da 
pesquisa em psicolingüística experimental, e como essa pode ser útil no estudo da natureza 
psicológica dos gêneros textuais. 
 
2. A máquina humana 
 
 Desde o início da era moderna, o ser humano vem sendo revelado pela ciência como 
uma fabulosa máquina natural. Nossos corpos são constituídos por válvulas, condutores, 
conduítes, bombas, fluidos, baterias, reservatórios, que se articulam entre si de maneira 
engenhosa de modo a manter-nos com vida. Com os avanços das modernas ciências da mente 
– e com a psicologia cognitiva, em particular –, temos descoberto que nossas mentes são 
também uma maravilhosa máquina estruturada, com compartimentos altamente especializados 
no desempenho de tarefas específicas. Uma boa maneira de ilustrar a estrutura e o 
funcionamento da mente humana é a metáfora do computador digital (cf. Pinker, 2004). 
 Um computador possui uma parte física, o seu hardware, que suporta uma grande 
quantidade de programas digitais, os softwares. Cada um desses programas desempenha um 
papel específico no uso do computador. Assim, o Word edita textos, o Aurélio permite 
consulta a palavras do dicionário, o Excel possibilita a edição de planilha de cálculos, o 
Internet Explorer e o Mozilla Firefox fazem a navegação pela Internet etc. A mente humana 
também possui uma superfície física, o cérebro, na qual muitos programas mentais estão 
instalados. Temos um programa para processar a informação visual que captamos do 
ambiente com os olhos e que organizamos no córtex visual, temos um programa para 
reconhecer rostos de pessoas, outro para recuperar informações guardadas na memória sobre 
algum acontecimento do mundo, outro para orientar a posição e o movimento de nosso corpo, 
informando aos músculos os movimentos que devem ser executados para andarmos (ou 
corrermos) numa determinada velocidade, e temos, é claro, um programa para podermos 
produzir e compreender sentenças em nossa língua materna. Cada um desses programas é 
denominado módulo mental, dada a sua especificidade no comportamento humano. 
 O módulo lingüístico é justamente aquele responsável pelo nosso conhecimento de 
uma língua. Acontece que, no uso da linguagem, não apenas o módulo lingüístico encontra-se 
ativo (rodando) em nossa mente. Muitos outros módulos são ativados no uso real da 
linguagem. Com efeito, todos os módulos relevantes para a resolução de um determinado 
problema, como, por exemplo, conversar oralmente com os amigos sobre os acontecimentos 
do último final de semana, são recrutados no momento do uso da linguagem. Todos os 
módulos não-lingüísticos ativados numa simples conversa – como a memória episódica, a 
concentração, o valor emocional do acontecimento, a percepção da posição sociocultural e 
afetiva das pessoas a quem se fala etc. – interagem com o módulo lingüístico em tempo real 
no momento concreto do uso da língua, e ao resultado dessa interação chamamos de 
desempenho. 
 
3. A psicolingüística 
Parece correto dizer que as pessoas que estudam os gêneros textuais estão interessadas 
em determinar a natureza dos textos que dão materialidade à língua. Se a língua é um sistema 
virtual, um conjunto de possibilidades, os gêneros são as maneiras pelas quais esse sistema 
toma forma específica num contexto sociocomunicativo particular. Identificar as práticas 
sociais que recrutam certo uso da linguagem – o gênero, com suas particularidades e 
convenções –, é o que interessa ao estudioso dos gêneros textuais. Ele, portanto, interessa-se 
pelo produto da atividade da linguagem: os textos. Por seu turno, a psicolingüística, 
particularmente a sua subárea conhecida como processamento de frases, a psicolingüística 
experimental, interessa-se pelos processos que dão origem aos textos, isto é, tem como 
objetivo descobrir quais são os expedientes mentais que entram em ação quando os humanos 
usam a linguagem, expedientes esses cujo resultado final é o texto. 
Imagine que no momento em que um indivíduo se enfronha numa atividade 
linguageira e, dessa forma, encontra-se numa situação sociocultural específica, a qual 
demanda certo uso da linguagem, num determinado dialeto e no gênero adequado, a mente 
desse indivíduo trabalhará silenciosamente, e sem a inspeção consciente do próprio indivíduo, 
para que as estruturas adequadas ao contexto comunicativo sejam construídas, veiculando os 
significados desejados. Da mesma forma, a mente desse indivíduo deverá retirar informação 
lingüística das estruturas produzidas (também de forma adequada, consoante o gênero em 
questão) pelos outros indivíduos envolvidos na interlocução, de modo a tornar possível a 
identificação do universo conceitual e referencial presente nas mentes das outras pessoas. Ou 
seja, em nosso computador mental, deve haver um processador de frases sensível aos 
diferentes gêneros textuais, o qual faculta o nosso desempenho lingüístico cotidiano, seja 
produzindo, seja compreendendo frases. 
O trabalho do psicolingüistanão coincide com o do estudioso dos gêneros textuais 
porque este, como dissemos, está interessado no produto da linguagem, os textos, e em como 
esses se autorganizam com base em certas práticas sociais estabelecidas, ao passo que aquele 
está interessado nos processos mentais que dão origem aos textos. Não obstante, ambos estão 
interessados no desempenho lingüístico, isto é, dedicam-se ao estudo do que as pessoas fazem 
e, assim, podem interagir, abrindo espaço para um campo de estudo ainda inexplorado no 
Brasil: o processamento mental dos diferentes gêneros textuais. 
Um gênero textual, sendo evocado por um falante no momento do uso da língua, é 
certamente um evento psicológico. Isto significa que a mente humana deve ser capaz não 
apenas de produzir e compreender sentenças que se articulam num discurso coerente, com 
suas particularidades semântico-pragmáticas, sintáticas, morfofonológicas e lexicais, mas 
deve também ser capaz de fazê-lo num determinado gênero. Gêneros textuais são, portanto, 
objetos psicológicos que devem ser adquiridos pela mente humana e por ela processados no 
uso concreto da língua. Reconhecemos, naturalmente, que os gêneros textuais, assim como as 
línguas naturais e quase todos os comportamentos humanos, são construções socioculturais 
contingentes. Nada obstante, acentuamos o fato de que tais construções têm de ser 
manipuladas pelo aparato cognitivo humano – a nossa mente –, seja em termos de sua 
aquisição ou de seu uso. 
Enquanto um ser humano fala, lê, escreve ou ouve textos (em algum gênero), uma 
máquina silenciosa lhe empacota e desempacota as estruturas lingüísticas que estão a serviço 
da comunicação – da mesma forma que, quando observamos uma bela pintura ou ouvimos 
uma boa música, há um sistema visual e outro auditivo que estão lá, sem a nossa inspeção 
consciente, desenvolvendo em silêncio o trabalho pesado que torna essa fruição possível em 
nossa mente. A linguagem humana é sediada em um órgão. Esse órgão está na mente. Todos 
os jogos da linguagem têm instância na mente. 
 
4. Processamento de frases 
 A psicolingüística estuda o processamento de frases tanto do ponto de vista de sua 
produção quanto de sua compreensão. Os estudos de compreensão são os mais maduros e 
bem desenvolvidos no Brasil.1*Tais estudos intencionam identificar como a mente humana é 
capaz de integrar automaticamente o grande número de informações necessárias para a 
compreensão de frases em linguagem natural, desde o reconhecimento de itens lexicais até a 
atribuição de significado e valor pragmático a frases, passando pela análise sintática que 
relaciona hierarquicamente palavras na linearidade dos sintagmas. 
As informações veiculadas pelos itens do léxico que ocorrem numa sentença devem 
ativar os processos mentais responsáveis pela identificação de propriedades como estrutura 
argumental, grade temática, traços morfofonológicos e relevância comunicativa. Todas essas 
(e outras) informações são acessadas e integradas pela mente humana de uma maneira 
 
1
 Para uma exposição de pesquisas brasileiras recentes em psicolingüística, ver Maia & Finger (2005). 
incrivelmente rápida, da ordem de milésimos de segundos, e por isso acontecem de maneira 
reflexa, aquém da percepção consciente do falante. Diz-se que o processamento da linguagem 
é reflexo, enquanto processos interpretativos são reflexivos, já que se trata de realidade mental 
que tem vez em momento posterior, em pequeníssimas frações de segundo, ao processamento 
da estrutura da frase. Como acontecem o acesso e a integração das informações relevantes 
para a computação da estrutura e do conteúdo das frases é uma das questões centrais que a 
psicolingüística se propõe a investigar. É nesse contexto que a pesquisa sobre os gêneros pode 
utilizar-se de pesquisas psicolingüísticas – e psicolingüistas podem interessar-se pelo 
processamento do gênero: qual é a realidade psicológica dos gêneros? Em que momento da 
computação de informações no processamento lingüístico os traços de gênero são 
considerados? A seleção de gênero ocorre em momento reflexo ou reflexivo? Eis algumas 
questões para uma agenda de pesquisa. 
Para um leitor iniciante, o fato bruto de que as frases que aparecem nos textos 
precisam ser computadas/processadas pela mente humana torna-se evidente com o seguinte 
exemplo. Leia a frase a seguir. 
 
“O navio brasileiro entrava na baía da traição o navio japonês.” 
 
É provável que o leitor tenha estranhado a frase. (O fato de a frase estar fora de 
contexto é irrelevante para o que se vai dizer a seguir. Caso um contexto seja extremamente 
necessário, imagine-se que esse é o título de uma notícia que alguém leria em jornal, uma 
manchete, que chama a atenção do leitor antes que ele leia o texto propriamente dito.) Por que 
esse estranhamento ocorreu? Ao ler (ou ouvir) uma frase, o analisador sintático da mente 
humana, chamado parser, deve construir de maneira reflexa uma representação estrutural da 
frase em análise, sobre a qual a interpretação reflexiva irá constituir-se. Não há interpretação 
possível para essa frase porque o parser não conseguiu construir uma representação estrutural 
para ela. Vejamos o que aconteceu na mente do leitor: o parser identificou que havia um 
sintagma nominal (SN) “o navio brasileiro”, que é interpretado como argumento externo tema 
do verbo “entrar”, conjugado no pretérito imperfeito. Logo em seguida, identificou o sintagma 
preposicionado (SP) locativo, adjunto do verbo “entrar”. Até aqui, OK. No entanto, ao 
deparar-se com o SN “o navio japonês”, o parser não soube o que fazer com ele. Na estrutura 
argumental do verbo “entrar”, não há espaço para outro “SN” além do tema, já preenchido 
pelo SN que inicia a sentença. Tampouco esse segundo SN poderia ser um adjunto plausível 
para a cena “o navio brasileiro entrava na baía da traição”. Não há estrutura sintática para a 
sentença, não acontece interpretação. 
Note-se que a confusão só acontece se o leitor, a partir da forma conjugada “entrava”, 
acessar mentalmente uma forma do verbo “entrar”, que só possui o argumento SN tema. Caso 
o leitor acesse uma forma conjugada (presente do indicativo) do verbo “entravar”, então o 
problema não acontece, pois, para esse verbo, o parser consegue identificar uma estrutura para 
outro argumento SN, o objeto direto, que sofre a ação de ser entravado. Assim, a identificação 
da estrutura sintática da sentença se dá pelo acesso aos traços de seleção argumental de um 
determinado núcleo, no caso “entrar” ou “entravar”. Por fim, a interpretação de que há uma 
cena em que “o navio brasileiro entrava (está entravando) na baía da traição o navio japonês” 
torna-se possível a partir da estrutura sintática SN + (SV SP SN), que foi computada pelo 
parser.2* 
 
5. Ambigüidades estruturais 
Uma forma de ilustrar o que é o parser é ver como se dá a identificação mental e 
automática de ambigüidades em estruturas sintáticas. Consideremos a frase “Advogada 
suspeita de crime foge”. Essa frase possui uma ambigüidade temporária. Durante o momento 
real da leitura, o parser, ao identificar o item “suspeita”, não tem como saber se se trata de 
uma forma finita (presente) ou infinita (particípio) do verbo “suspeitar”. Assim, não sabe se 
ao encontrar o item “suspeita” deve iniciar o SV predicado ou se continua construindo o SN 
sujeito, “Advogada”, que, nesse caso, seria complexo, com uma oração reduzida nele 
encaixada. Essa ambigüidade será desfeita quando surgir o predicado “foge”, que indicará ao 
parser que “suspeita” é uma forma reduzida, inserida num SN sujeito complexo. No momento 
da análise de “suspeita” o parser não pode ter certeza do que deve fazer, mas certamente fará 
alguma coisa (assumindo-se a imediaticidade do parser). Dessa forma, o parser pode 
identificar automaticamente “suspeita” comoo núcleo do SV predicado e seguir processando 
a oração. Se isso acontece, então o leitor irá estranhar quando se deparar com o SV “foge”. 
Esse estranhamento é chamado na literatura em psicolingüística de garden path, ou efeito-
labirinto, e significa que o parser se comprometeu com uma estrutura possível, mas que, em 
 
2
 Na literatura em psicolingüística, o exemplo citado é usado para ilustrar as “satisfações de condições”, uma 
teoria que supervaloriza a atuação da semântica no funcionamento do parser. Note-se que o leitor só acessa 
“entrar” a partir de “entrava” porque (a) é plausível no contexto da frase e (b) a freqüência de “entrava” como 
forma de “entrar” é, talvez, maior do que como forma de “entravar”. Isso, no entanto, não prejudica a ilustração 
que aqui se faz, segundo a qual um leitor/ouvinte deve construir uma representação da estrutura sintática da frase 
com base nos traços de itens lexicais. Ainda é objeto de discussão em psicolingüística se parser utiliza 
inicialmente apenas informações morfossintática na análise da sentença, ou se desde o início é também sensível a 
informações pragmáticas. 
dado momento, se mostrou não mais possível, o que faz com que o parser tenha de retornar na 
sentença e proceder a um novo processamento, com uma estrutura sintática diferente – como 
se se perdesse num labirinto. O garden path aconteceria também se o parser identificasse 
automaticamente “suspeita” como forma reduzida inserida num SN complexo, mas a sentença 
inteira fosse “Advogada suspeita de crime e foge”. Nesse caso, há dois predicados 
coordenados ao SN advogada, e não ocorre SN complexo. Dizendo de maneira simples, os 
efeitos garden path citados indicam que o parser insere itens lexicais numa estrutura sintática 
de maneira incrementacional, mas ao chegar ao último item, descobre que não há como 
encaixá-lo na estrutura criada e, assim, deve recomeçar do início da sentença ou do ponto da 
ambigüidade. 
Nem toda ambigüidade é temporária. Ambigüidades permanentes são aquelas que se 
mantêm mesmo após a leitura de toda a sentença. Por exemplo, em “O policial acompanhou o 
turista com o binóculo”, não é possível decidir de o SP “com o binóculo” é adjunto do SN “o 
turista” ou do verbo “acompanhar”: afinal, o policial acompanhou pelo binóculo o 
deslocamento do turista ou foi o turista que estava com o binóculo que foi acompanhado pelo 
policial? Tal ambigüidade pode sequer ser percebida caso o parser do leitor automaticamente 
identifique o SP como adjunto do verbo, ou do SN. 
 Maia (2001: 190) cita outros tipos de ambigüidade estrutural: 
1. Complementação nominal ou sentencial 
(a) Eu vi Maria/(b) Eu vi Maria sair 
2. Oração substantiva ou adjetiva 
(a) O diretor contou à aluna que o professor beijou(a) a secretária/(b) a estória. 
3. Coordenação de SN’s ou de Orações 
(a) Eu vi a menina e sua irmã/(b) Eu vi a menina e sua irmã riu 
4. SN complemento ou Sujeito de oração principal 
(a) Como João sempre corre (a)um km, ele não ficou cansado (b) um km é fácil p/ele. 
5. Aposição baixa ou alta de oração relativa 
O doutor visitou (b) o filho (a)da enfermeira que se machucou 
6. Aposicão baixa ou alta de SAdv 
(a) Maria disse que choveu ontem/ (b) Maria disse que vai chover ontem 
 
 O estudo psicolingüístico das ambigüidades estruturais pode trazer evidências sobre 
como a mente humana, e dentro dela o parser em particular, procede na computação de 
estruturas sintáticas. Informações sintáticas são acessadas cegamente, antes de informações 
semântico-pragmáticas? Há princípios de economia que o parser respeita? Informações 
quanto ao gênero textual são acessadas pelo parser? 
 
6. Técnicas experimentais 
 Na prática cotidiana da psicolingüística, a utilização de técnicas experimentais de 
pesquisa torna-se fundamental. Tais técnicas podem ser agrupadas, para efeitos descritivos, 
em tarefas on-line e off-line, que constituem técnicas capazes de capturar evidências do 
processamento lingüístico no curso de tarefas de leitura/audição de frases – isto é, no 
momento do processamento propriamente dito, fora da consciência do sujeito em teste (on-
line) –, e após o processamento, no momento interpretativo, em que fatores semânticos, 
pragmáticos e extralingüísticos e a própria consciência lingüística do sujeito já se encontram 
ativados (off-line). 
A metodologia on-line engloba experimentos como a leitura/audição automonitorada, 
em que os sujeitos participantes do teste controlam a velocidade de sua leitura/audição através 
de uma caixa de botões acoplada a um computador (ou de um teclado), que registra o tempo 
despendido na tarefa. Nesse tipo de experimento, as frases-estímulo são apresentadas aos 
sujeitos na tela de um computador (input escrito) ou num fone de ouvido (input oral). As 
frases-estímulo são sempre divididas em alguns fragmentos, chamados segmentos. Esses 
segmentos codificam diversas variáveis e podem isolar constituintes sintáticos (como 
estruturas ambíguas, por exemplo). O tempo despendido em cada segmento é registrado e 
gravado por um programa de computador. Com a medição do tempo de leitura/audição de 
cada segmento, torna-se possível a avaliação do efeito, no processamento lingüístico, de uma 
série de variáveis independentes. Por exemplo, é possível confrontar o tempo de 
audição/leitura do sujeito de uma sentença quando em posição de tópico e quando em posição 
canônica de sujeito, verificando se numa ou noutra posição a audição/leitura é mais rápida, o 
que pode ser interpretado como indício de maior facilidade no processamento. Esse é um 
exemplo de estudo realizado por Kenedy (2009) sobre a realidade psicológica das estruturas 
de tópico e de sujeito no português brasileiro. 
Também o rastreamento ocular (eye-tracking) é um protocolo experimental on-line. 
Com, um aparelho, o rastreador ocular, é possível que o pesquisador meça, com precisão em 
milésimos de segundos, os movimentos dos olhos que ocorrem quando uma pessoa lê um 
texto ou observa uma imagem. De acordo com os padrões de fixação de olhar durante a 
leitura, é possível identificar processos mentais de processamento da leitura. 
Com as técnicas off-line, é possível verificar como os sujeitos reagem a certas estruturas 
lingüísticas, tanto em termos de respostas a perguntas interpretativas, quanto em termos de 
julgamento imediato de gramaticalidade, ou ainda em termos de reativação/recuperação de 
palavras na memória de trabalho. Os testes com perguntas interpretativas são bastante 
simples. Consistem na apresentação de uma pergunta, que deve receber uma resposta objetiva 
sim ou não, logo após a leitura ou audição de uma frase-estímulo. Os índices de erros nas 
respostas em tarefas desse tipo podem indicar maior dificuldade no processamento de certo 
tipo de estrutura, comparativamente a outro. Os julgamentos de gramaticalidade são capazes 
de demonstrar a percepção (aceitabilidade) que os sujeitos imediatamente manifestam sobre 
determinado tipo de estrutura. Nesse tipo de experimento, os sujeitos em teste devem emitir 
um julgamento (aceitável X inaceitável) acerca de um estímulo lingüístico logo após a sua 
leitura/audição. Já as medidas de ativação/reativação (priming) se prestam a verificar a 
facilidade da recuperação de um item lingüístico na memória de trabalho dos sujeitos 
participantes do teste. Nos experimentos com a técnica priming, um estímulo lingüístico (ou 
um conjunto deles) é rapidamente apresentado ao participante e, logo após, uma sonda o 
induz a dizer se determinada palavra ou sintagma estava ou não presente na frase lida. A 
maior ou menor dificuldade de recuperação de um item na memória pode ser interpretada com 
evidência de maior ou menor complexidade no processamento de certos itens lingüísticos. 
 
7. Laboratórios no Brasil 
 A Psicolingüística Experimental é uma subáreade pesquisa em pelo desenvolvimento 
no Brasil, contando hoje com Laboratórios lotados em algumas universidades do país, além 
de trabalhos de pesquisadores isolados. Vejamos alguns desses laboratórios. 
1. Laboratório de Psicolingüística Experimental (LAPEX – UFRJ), coordenado pelo 
Prof. Dr. Marcus Maia. Site: http://maiamarcus.googlepages.com/marcusmaia. 
2. Laboratório de Processamento Lingüístico (LAPROL – UFPB), coordenado pelo 
Prof. Dr. Márcio Leitão. Site: http://laprol.ufpb.googlepages.com/. 
3. Laboratório de Psicolingüística e Aquisição da Linguagem (LAPAL – PUC-Rio), 
coordenado pela Profa. Dra. Letícia Sicuro Corrêa. Site: http://www.letras.puc-rio.br/lapal/. 
4. Laboratório de Fonética Acústica e Psicolingüística Experimental (LAFAPE – 
Unicamp), coordenado pela Profa. Dra. Eleonora Albano. Site: 
http://www.lafape.iel.unicamp.br/. 
5. Laboratório de Computações Lingüísticas, Psicolingüística e Neurofisiologia 
(CLIPSEN – UFRJ), coordenado pela Profa. Dra. Miriam Lemle. Site: 
http://www.letras.ufrj.br/clipsen/. 
 
8. Considerações finais 
 Com essa breve exposição, esperamos ter apresentado de maneira simples e direta 
algumas das questões centrais que motivam o trabalho do psicolingüista e, também, como é 
possível que estudiosos dos gêneros textuais se interessem pela psicolingüística para testar 
experimentalmente suas hipóteses. Da mesma forma, apontamos como os psicolingüistas 
podem trazer questões relativas aos gêneros textuais para o seu próprio campo de investigação 
experimental. Na agenda da lingüística moderna, e também da ciência contemporânea de uma 
maneira geral, a hiper-especialização é uma necessidade e uma realidade desejável e 
inevitável. Isso, porém, não deve significar isolamento absoluto entre disciplinas que podem 
descobrir formas de cooperação úteis e vantajosas para todas as partes. 
 
9. Indicações bibliográficas sobre psicolingüística 
 Os seguintes livros são uma indicação de leitura em português para a iniciação em 
psicolingüística. 
 
CORRÊA, L, M. S. (org.) Aquisição da linguagem e problemas do desenvolvimento 
lingüístico. SP: Edições Loyola, 2006. 
 
LEITÃO, M. Psicolingüística Experimental: Focalizando o processamento da linguagem. In: 
Martelotta, M. (org.) Manual de Lingüística. São Paulo: Contexto. 2008. 
 
MAIA, M. & FINGER, I. Processamento da Linguagem. Pelotas: Educat 2005. 
 
10. Referências 
KENEDY, E. Processamento de constituintes topicalizados em português. Niterói: UFF, 
2009. (inédito). 
 
MAIA, M. & FINGER, I. Processamento da Linguagem. Pelotas: Educat 2005. 
 
MAIA, M. A. R. . Gramática e Parser. In: II Congresso Internacional da Abralin, 2001, 
Fortaleza, CE. Anais do II Congresso Internacional da Abralin, Boletim 26. Fortaleza: 
Imprensa Universitária UFC, 2001. v. I. p. 188-192. 
 
PINKER, S. Como a mente funciona. SP: Cia. das Letras, 2004.

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