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Apostila Vigotski

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Seminário Temático 
“Tecnologias, Mídias e Educação” 
 
 
 
 
Minicurso: 
 
“Pesquisa Histórico Social: 
Vygotski - interação, mediação e as TIC” 
Professor Bernd Fichtner 
Universität Siegen – Alemanha 
 
 
 
 
Organização: 
 
LêTECE - IE 
 
 
2009 
 
 
2
Introdução na abordagem histórico-cultural de Vygotsky e seus 
Colaboradores 
Bernd Fichtner 1 
 
 
1. Introdução 
2. O paradigma da abordagem histórico-cultural 
3. A vida de Vygotsky 
4. O problema da mediação cultural 
4.1. Instrumentos e signos 
4.2. O processo de internalizacão 
4.3. Linguagem e Pensamento 
4.4. Além de Vygotsky: Meios primários, secundários e terciários 
4.5. Além de Vygotsky: A metáfora como mediadora 
4.6. Além de Vygotsky: O papel do professor como mediador 
5. A concepção de desenvolvimento e a questão dos estágios 
5.1. Desenvolvimento como processo fundamentalmente social e cultural1 
5.2. O problema dos estágios 
5.3. A estrutura e a dinâmica dos estágios 
6. Vygotsky e a Pedagogia 
6.1. Aprendizagem e desenvolvimento 
6.2. A zona de desenvolvimento proximal 
6.3. Vygotsky e a educação 
6.4. Vygotsky e a educação especial 
7. A concepção da apropriação em Leontief 
8. O modelo da atividade em Leontief 
9. Aprendizagem expansiva - uma concepção além de Vygotsky 
10. Referências 
 
1
 Diretor do Programa Internacional de Pós-Graduação em Educação - International Education Doctorate - 
INEDD Universidade de Siegen/Alemanha - fichtner@paedagogik.uni-siegen.de 
 
3
1. INTRODUÇÃO 
A abordagem histórico-cultural foi fundada por Vygotsky e desenvolvida pelos seus 
alunos no período pós-revolucionário na União Soviética, entre 1924 até a morte prematura 
(37) de Vygotsky em 1934. 
Gostaria de usar neste curso o termo “abordagem histórico-cultural”. Muito frequente se 
fala também da “escola histórico-cultural” ou do “socio-interacionismo” ou do “sistema 
histórico-cultural”. Mas, esta abordagem não apresenta um sistema bem estruturado. Para 
mim, a intencionalidade de Vygotsky nunca foi construir um sistema fechado. Encontra-se na 
abordagem de Vygotsky uma enorme riqueza, a diversidade e também áreas muito diferentes. 
Os temas de seu trabalho vão desde a neuropsicologia até a crítica literária, também se 
ocupando com problemas de deficiências, linguagem, arte, psicologia de arte, com questões de 
semiótica do cinema, com pedagogia e psicologia, com questões teóricas e metodológicas 
relativas às ciências humanas. 
De onde se deriva esta interdisciplinaridade particular? Quais foram os seus objetivos? 
Por que esta abordagem apresenta uma qualidade tão aberta, que permitiu perspectivas 
diferentes que foram desenvolvidas por seus alunos também muito diferentes um do outro? 
Porém, o mais importante: Come se explica este interesse atual? Porque se ocupa de novo, 
desde poucos anos, com a perspectiva de Vygotsky, mas em maneiras e formas muito 
diferentes no Brasil, nos Estados Unidos, na Alemanha e em muitos outros países? 
Gostaria de apresentar algumas respostas a estas perguntas, mas, sobretudo, espero que 
consiga apresentar pelo menos um pouco desta frescura, lucidez e deste vigor juvenil do seu 
pensamento, que sempre tinha e tem uma orientação explícita para o futuro. 
Vygotsky trabalhou numa sociedade onde a ciência era extremamente valorizada e da 
qual se esperava, em alto grão, a solução dos prementes problemas sociais e econômicos do 
povo russo. A psicologia e a pedagogia e a pedologia não poderiam ser elaboradas 
independentes das demandas práticas exigidas pelo governo e o amplo espectro da obra de 
Vygotsky mostrava, claramente, a sua procuração em produzir uma ciência, que tivesse 
relevância para a educação prática e para a prática médica de reabilitação. 
Para ele, essa necessidade de desenvolver um trabalho teórico, aplicado a um contexto, 
constituía uma abordagem sempre relacionada a uma prática social, respaldada na sua visão 
teórica geral de desenvolver seu trabalho numa sociedade que procurava eliminar o 
analfabetismo e elaborar programas educacionais que desenvolvessem as potencialidades de 
cada criança e de cada jovem. 
 
4
2. O PRADIGMA DA ABORDAGEM HISTÓRICO- SOCIAL 
 
A pergunta central: o que é um paradigma? 
Explicar isso por meio de exemplos e tarefas diferentes: 
• O exemplo: movimento na época de Aristóteles: Um carro, que foi tirado por um 
cavalo. 
• Galiléu: um objeto, que recebe um impulso de fora e depois se move 
continuamente sem firmar-se, sem parar. 
Nossa concepção tradicional de aprendizagem: a mudança do comportamento através 
das próprias experiências. Qual é o paradigma atrás desta concepção? O que compreendemos 
com a palavra Desenvolvimento? Qual é o seu paradigma? 
Um paradigma: um modelo fundamental, básico, muito freqüente, com pressupostos 
implícitos, que determinam as nossas perspectivas de ver uma coisa, um fenômeno, um 
processo numa certa perspectiva. 
A compreensão do paradigma histórico-cultural está totalmente equivocada quando é 
feita a partir de uma visão só psicológica, orientada para a psicologia do desenvolvimento e da 
linguagem. 
Esta abordagem é uma expressão concreta e imediata do período mais importante da 
cultura e da ciência na história da União Soviética, que começou com a revolução de outubro 
e que foi interrompida pela instauração do regime estalinista. Esta abordagem reflete o 
criativo ambiente intelectual e a atmosfera desse período, como um ponto de convergência das 
novas perspectivas que foram articuladas em arte, cinema, literatura e ciências humanas. 
Nela convergem as mais diferentes correntes, tendências e perguntas para a fundação de 
uma nova ciência do sujeito e da sua subjetividade, desenvolvida com a toda a riqueza, 
contradições, possibilidades e perspectivas que ela traz dentro de si. 
A abordagem histórico-cultural nunca foi pensada como uma abordagem fechada e 
sistematizada, como uma teoria acabada. Muito pelo contrário, ela representa uma riqueza de 
perguntas, problemas e visões, que permitem as mais variadas interpretações. 
A abordagem histórico-cultural pode ser compreendida como uma tentativa complexa 
de determinar o que é o sujeito no seu contexto social. 
Tal como anteriormente Descartes, Kant ou Darwin, os autores desta abordagem foram 
confrontados com uma mudança total da sociedade, que precisava, a partir dos grandes 
problemas sociais, uma nova ressignificação do sujeito. 
 
O MÉTODO GENÉTICO 
Com toda a firmeza Vygotsky expõe que o sujeito e o seu processo de vida não podem 
ser reconstruídos cientificamente só com os elementos e as formas que nos oferece a biologia 
ou a sociologia, isto é: o sujeito não pode ser reduzido só a sua natureza biológica e a sua 
sociedade. Ele insiste que é necessária uma proposta específica e que se deve desenvolver 
uma metodologia própria e adequada para a realidade do psíquico. 
Para a abordagem histórico-cultural, o resultado desta análise representa "a metodologia 
genética", também chamada de "princípio histórico". A este principio está incorporado o 
famoso lema do Hegel: "O inteiro é sempre o resultado compreendido junto com o 
processo de seu desenvolvimento." Este lema foi construído como um princípio universal 
metodológico em Vygotsky. 
 
5
A partir da negação tanto do materialismo mecânico como do idealismo, o sujeito é 
visto como um processo vivo, onde se encontram três linhas diferentes de desenvolvimento: 
- o processo da filogênesis, 
- o processo histórico-cultural e 
- o processo da ontogênesis. 
Cada processo de desenvolvimento prepara dialeticamente o processo seguinte e si 
transforma num novo tipo de desenvolvimento. Cada convergência ou cada paralelismo entreos três processos é claramente excluída - naturalmente existem entre os três processos relações 
necessárias. 
Estes três processos interagem entre si e constroem um processo único e imprevisível, o 
que de alguma forma nos dá a ideia de que o homem é um processo rico e complexo e algo a 
mais do que possa entrar numa classificação. 
Em outras palavras: a cultura torna-se parte da natureza humana num processo histórico 
que, ao longo do desenvolvimento da espécie e do indivíduo, molda o funcionamento 
psicológico do homem. Ele pode ser compreendido como resultado de um processo histórico-
cultural, em cujo centro está o uso social dos instrumentos e meios. 
Isto é: os homens podem reconhecer-se a si mesmos na sua história e podem também 
compreender-se e explicar-se nas suas ações, porque fazem a sua própria história. Ou seja: Os 
homens precisam compreender-se a si mesmos desde uma perspectiva histórica, 
compreendendo no presente a sua diferença com o passado, como forma de projetar um 
futuro. Estas diferenças são dadas pela sua atividade social, numa interação dos homens com 
os seus instrumentos. 
Os processos psíquicos e as funções psíquicas no homem somente podem ser 
compreendidos quando são analisados no seu desenvolvimento. Vygotsky (1978, p. 64) diz: 
“O nosso interesse tem nada a ver com o resultado já feito o com o 
produto de um desenvolvimento, mas com o desenvolvimento onde nasce a 
forma superior. [...] Numa pesquisa compreender o processo inteiro de 
desenvolvimento e um fenômeno respeito ao todos os estágios e todas as 
mudanças significa exatamente descobrir a sua essência , a sua natureza - 
desde o inicio até a final - porque somente no movimento um fenômeno 
mostra o que ele substancialmente é.” 
Para Vygotsky, o desenvolvimento nunca apresenta um processo linear, uma 
acumulação lenta de mudanças unitárias, mas sim, segundo suas palavras, de um processo 
complexo dialético, caracterizado pela periodicidade, irregularidade no desenvolvimento das 
funções diferentes, metamorfose ou transformação qualitativa de uma forma em outra, 
entrelaçamento de fatores externos e internos e processos adaptativos. 
Segundo esta perspectiva, o desenvolvimento como movimento em si mesmo representa 
a forma e os modos universais da realidade e de cada fenômeno concreto desta realidade. As 
contradições reais devem ser vistas como fatores interiores de cada desenvolvimento. O 
resultado de um processo, assim como as suas possibilidades futuras, têm que ser sempre 
clarificados e concretizados através das contradições que determinam o processo de 
diferenciação. 
Um exemplo: cada organismo é um sistema vivo e apresenta um sujeito, que tem uma 
referência básica consigo mesmo, mas esta referência, este sujeito, pode só realizar através de 
um contato com o que este sujeito não é, ou seja, um contato com o seu ambiente. Esta 
contradição é resolvida pelo organismo através do seu desenvolvimento. 
 
6
No centro desta abordagem reside a pergunta ou o problema central: O que é o 
desenvolvimento humano? 
1. O desenvolvimento não é um processo linear no tempo, mas sim um processo cíclico 
ou rítmico. 
2. Porque as diferentes funções psíquicas como percepção, memória, fantasia se formam 
numa forma diferente e desproporcional, o desenvolvimento aparece como uma reestruturação 
e reorganização do sistema inteiro destas funções. Desenvolvimento sempre tem um caráter 
sistemático. Isso significa, por exemplo, que a personagem de uma criança se muda e se 
transforma em cada estágio novo, porque as diferentes funções deste sistema mudam o seu 
papel dominante. Exemplificando, nas primeiras semanas uma criança está percebendo a sua 
realidade somente através das suas emoções e do seu sentimento. Este papel dominante se 
altera no próximo estágio senso-motor etc. 
3. Desenvolvimento é sempre um processo que tem uma perspectiva de futuro, onde 
nasce e cresce o novo. As ações de cada pessoa são influenciadas pelo passado, mas nunca 
determinadas por ele; experiências do passado ficam quase um meio para construir um novo 
período, quer dizer o futuro: desenvolvimento e um diálogo do sujeito com o seu futuro. 
Era dada, sobretudo por Vygotsky, uma enorme importância ao substrato material do 
desenvolvimento da espécie e do indivíduo, especificamente ao cérebro, tendo realizado 
estudos sobre lesões cerebrais, perturbações da linguagem e organização de funções 
psicológicas em condições normais e patológicas. As propostas contemplavam, assim, a dupla 
natureza do ser humano, membro de uma espécie biológica que se desenvolve historicamente 
no interior de um grupo cultural de uma sociedade. 
Este problema principal do desenvolvimento foi analisado e pesquisado através de três 
perspectivas metodológicas: 
1. A abordagem de Vygotsky apresenta uma perspectiva monística, quer dizer, cada 
separação entre corpo e mente, entre cognição e emoção, entre físico e espírito, entre 
ações exteriores e ações interiores foram rigidamente negadas. 
2. A abordagem de Vygotsky apresenta uma perspectiva holística, que se opõe 
rigidamente a qualquer reducionismo, ou seja, processos complexos não se podem 
reduzir aos processos elementares. Por exemplo, um processo psíquico não pode ser 
explicado reduzindo-o a processos físicos ou químicos. 
Segundo Vygotsky, deve-se encontrar ou construir unidades de análise que 
permitam analisar os processos complexos. Um exemplo: o conceito de mercadoria de 
Marx apresenta uma unidade de análise, com a qual se pode analisar a complexidade 
de uma sociedade capitalista. Esta unidade é uma célula, com a qual se pode analisar 
todas as relações desta sociedade. 
3. A abordagem histórico-cultural apresenta uma perspectiva 
interdisciplinar ou multidisciplinar. 
4. A base desta perspectiva envolve sempre problemas sociais ou problemas 
práticos. Um problema social sempre tem aspectos diferentes, como aspectos 
individuais, psíquicos, culturais, materiais etc. Os próprios experts da 
interdisciplinaridade não são encontrados nos estudiosos ou nos pesquisadores, mas 
nos práticos, que devem resolver problemas práticos. 
A partir daí podemos compreender melhor as palavras "cultural" e "histórico", com as 
quais esta abordagem foi denominada. 
 
7
"Cultural" significa que a sociedade organiza a partir do seu nível de desenvolvimento 
os problemas e as tarefas com as quais cada indivíduo desta sociedade deve confrontar-se. Isto 
significa também que a sociedade oferece as possibilidades e proibições do acesso a todos os 
instrumentos e meios materiais e mentais que permitam soluções. Tanto as possibilidades de 
acesso como de proibição são determinadas pelos grupos de poder que controlam as 
sociedades, e isto não foi estudado exaustivamente na abordagem histórico-cultural, talvez, 
devido aos problemas políticos existentes na época. 
"Histórico" significa que estes meios e instrumentos foram elaborados em um longo 
processo da história social dos homens. 
A abordagem histórico-cultural era formada por uma equipe ligada principalmente à 
"troika" de Vygotsky, Leont'ev e Lurija - mas também participavam dela vários outros 
colaboradores, como Zaporozec, Boshovec, Morozova, Slavina e Levina e depois Elkonin de 
Leningrado e Galperin de Charkov. 
No contexto desta metodologia, as áreas de pesquisa são radicalmente determinadas pela 
visão do “sujeito" como processo. Naturalmente o background político deste período foi 
determinado por uma mudança total da sociedade. A abordagem histórico-cultural espelha a 
indissolubilidade da relação entre o sujeito individual e a sociedade que o contém, numa 
transformação permanente.
 
8
3. A VIDA DE VYGOTSKY2 
 
Para compreender as razões da obra de Vygotsky, suas ideias centrais, gostaria de 
apresentar as etapas principais da sua vida, do seu percurso intelectual - e tambémo contexto 
histórico e cultural na Rússia pós-revolucionária. 
L.S. Vygotsky nasceu em 17 de novembro do ano de 1896 - no mesmo ano em que 
Piaget - em Orsha, uma pequena cidade provinciana na Bielo Rússia. Era membro de uma 
família judaica, sendo o segundo de oito filhos. No ano de 1897 a família se transferiu a 
Gomel - sempre Bielo Rússia- onde o pai, uma pessoa muito culta e erudita, trabalhava como 
executivo do banco local e também diretor de uma companhia de seguro. Sua mãe era 
Professora formada, mas deixou a sua profissão para dedicar-se à cura e à criação dos filhos. 
A família de Vygotsky propiciava um ambiente bastante desafiador em termos 
intelectuais e quanto ao aspecto econômico uma estabilidade representada no contexto de uma 
atmosfera de amor, gentileza para todos os filhos. A família morava num amplo apartamento e 
podia oferecer oportunidades educacionais de alta qualidade aos filhos. A maior parte da 
educação formal de Vygotsky não foi realizada na escola pública, mas sim em casa, com um 
tutor privado, Salomon Ashpiz, que tinha um grande influxo a sua formação. Era um tutor 
particular que tinha sido exilado na Sibéria, devido a seu ativismo revolucionário. Ele 
conduzia o processo educacional com um método baseado em complexos diálogos socráticos. 
Apenas aos 15 anos Vygotsky ingressou num colégio privado em Gomel, onde se formou com 
uma moeda de ouro. O aluno se interessou muito pelas letras de poesia e, sobretudo, por 
teatro, que muito frequentava, sendo os seus autores preferidos Puskin e A. Blok. Talvez a 
raiz do seu interesse com todos os problemas de representação. Além do alemão e do russo, 
Vygotsky lia e escrevia em hebraico, francês e inglês. Completando seus estudos no colégio, 
ainda aprendeu latim e grego. À mesma época, Vygotsky presidiu um círculo de estudos de 
história judaica. Esta atividade durou dois anos e eventualmente o levou a estudar Filosofia da 
História. Aqui Vygotsky encontrou Hegel, atraído pela concepção da história. 
Em 1913 ingressou na Faculdade de Direito da Universidade de Moscou, fazendo curso 
de Direito e formou-se em 1917. Por ser judeu, Vygotsky teve enormes dificuldades para 
ingressar na Universidade. Nessa época, na Rússia, os judeus sofriam as mais diferentes 
formas de discriminação, tendo que viver em territórios restritos, impedidos de exercer muitas 
profissões e tendo que se sujeitar a um número limitado de vagas nas Universidades, uma vez 
que na Universidade de Moscou apenas 3 % das vagas poderiam ser ocupadas por estudantes 
judeus. 
Neste período frequentava cursos diferentes de Historia e Filosofia na Universidade do 
Povo de Shaniavsky, onde se encontravam os intelectuais mais vivos e críticos de Moscou. 
Esta universidade era uma instituição não oficial, criada em 1906 por A. Shaniavsky, depois 
que o Ministro da Educação expulsou da Universidade Imperial e Moscou a maioria dos 
estudantes que tinham participado de uma revolta anticarista. Em protesto, cerca de cem 
professores renomeados deixaram a universidade e se refugiaram na Universidade 
Shaniavsky. Aqui Vygotsky obteve fundamentos sólidos em Filosofia, História e Psicologia. 
Entre 1915-1917 Vygotsky escreveu o seu artigo sobre Hamlet, núcleo do seu doutorado 
com o tema “A psicologia de arte”. 
Em 1917 Vygotsky graduou-se simultaneamente em ambas as universidades e retornou 
para Gomel, onde sua família estava vivendo. Em 1918 Vygotsky começou, em Gomel, a sua 
 
2
 Veja Van der Veer/Valsiner também G. Blanck em Moll e A Rosa /I. Montero em Moll e a biografia de Gita. 
Vygodskaja. 
 
9
carreira profissional, aos 21anos. Lá trabalhou come professor, uma profissão que agora lhe 
era possível praticar, devido à abolição da legislação anti-semita, depois da Revolução de 
Outubro. Vygotsky passou os sete anos seguintes em Gomel onde deu ativamente 
continuidade a seus interesses intelectuais. Ele ensinou literatura e russo na Escola do 
Trabalho, em escolas de adultos, em cursos de especialização de professores, na Faculdade 
dos Trabalhadores e em escolas técnicas para impressores e metalúrgicos. Ao mesmo tempo 
ministrou cursos de Lógica e Psicologia no Instituto Pedagógico sobre Estética e Historia da 
Arte no Conservatório, e sobre Teatro em um estúdio. Ele editou e publicou artigos na seção 
de teatro de um jornal. 
As atividades de Vygotsky durante seus anos em Gomel eram parte de um dos mais 
importantes movimentos intelectuais de nosso século. Os intelectuais inovadores não apenas 
se devotavam pessoalmente a um trabalho criativo específico, mas participavam do trabalho 
de instituições. Kandinsky, por exemplo, era vice-presidente das Academias de Arte e 
Ciências de Moscou. Malevich presidia a de Petrogrado, onde o arquiteto Tatlin, autor do 
famoso monumento à Terceira Internacional, chefiava um Departamento. Chagall era Ministro 
de Belas-Artes em Vitebsk. O versátil Rochenko organizava programas de Educação Artística. 
Em Petrograd celebrava-se a “Semana de Sergej Prokoviev”. Shostakovich representava seu 
país em certames internacionais. Meyerhold e Stanislavsky organizavam teatros. Eisenstein 
trabalhava como dirigente do Instituto Estatal de Cinematográfica. 
Vygotsky estava no centro da vanguarda intelectual de Gomel. Ele deu as iniciais de 
Segundas-feiras Literais, nas quais as prosas e as poesias recentes eram discutidas. Ele mesmo 
presenteava palestras sobre Shakespeare, Pushkin, Maiakovski e sobre Einstein a teoria de 
relatividade; sobre Freud, James e Pavlov. Fontes tão diferentes como Bacon, Descartes, 
Spinoza, Feuerbach, Marx e Engels contribuíam para o pensamento de Vygotsky, tendo o 
marxismo em geral se tornado a influência diretora do seu pensamento. 
O interesse de Vygotsky pela Psicologia começou a delinear-se a partir de seu contato 
no trabalho de formação de professores, com o os problemas de crianças com defeitos 
congênitos, como cegueira, retardo mental severo, afasia etc. Essa experiência o estimulava a 
encontrar que pudesse ajudar o desenvolvimento de crianças com essas deficiências. Na 
verdade seu estudo sobre a deficiência - tema a que se dedicou durante toda a sua vida - tem 
não só o objeto de reabilitar, mas também significa uma excelente oportunidade de 
compreensão dos processos mentais humanos. 
No ano de 1919 Vygotsky sofreu pela primeira vez de tuberculose, uma doença que 
finalmente o levou a morte no ano de 1934. 
O ano de 1924 significou um grande marco na sua vida. Vygotsky casou-se com Roza 
Smelkova, com quem teve duas filhas e ao mesmo tempo se transferiu para Moscou. 
Em 6 de Janeiro de 1924 Vygotsky frequentou o Congresso internacional de Psico-
neurologia em Petrograd e apresentou uma palestra com o titulo “A metodologia da 
investigação reflexológica e psicológica”. O seu posterior amigo e aluno A.R. Lurija 
descreveu este evento na sua autobiografia, assim: 
“Sem dúvida Vygotsky era um gênio. Depois de mais de 50 anos de trabalho cientifico 
não saberia denominar uma outra pessoa que chegasse perto a sua lucidez mental e a sua 
capacidade incrível de clarificar problemas complexos, de escolher e desenvolver uma linha 
adequada e de antecipar as etapas futuras do desenvolvimento da ciência. Encontrei Vygotsky 
pela primeira vez em 1924 no Segundo Congresso de Neuropsicologia. Eu vi este jovem subir 
ao palanque sem nenhuma folha para anotações. A clareza da sua palestra tratando alguns 
problemas fundamentais entre os reflexos condicionados e o comportamento humano 
 
10
consciente. Lembro da inesquecível facilidade e segurança das suas palavras -Vygotsky era 
um orador dotado - deixara uma impressão profunda no auditório. Ficou claro que este 
desconhecido estudioso, vindo da uma pequena cidade de província, da Rússia, Gomel ficaria 
em pouco tempo uma pessoa dominante na psicologiae pedagogia soviética.” 
Graças a esta comunicação Vygotsky foi convidado a trabalhar no Instituto de 
Psicologia de Moscou. Em outubro organizou o seminário “A consciência um problema da 
psicologia do comportamento” e a colaborar junto com A.N. Leont’ev a A. R. Lurija que já 
trabalhou neste Instituto.” 
Vygotsky assumiu a direção do Departamento de Educação das crianças cegas, surdas-
mudas e com retardo mental. 
Em 1925 Vygotsky participou do Congresso Internacional sobre Educação dos surdos-
mudos em Londres. Ele visitou institutos psicológicos e pedagógicos na França, Holanda e 
Alemanha (Berlim). Retornando a Moscou, Vygotsky fundou um laboratório de Psicologia de 
crianças com deficiências (Instituto de Estudo das Deficiências), ao qual se manteve ligado ao 
longo de toda a vida. 
Junto com Lurija, Vygotsky escrevu o prefácio para a tradução de uma obra principal de 
Freud: “ Além de princípio do prazer” de Freud. Vygotsky terminou “A psicologia de arte” 
como tese de seu doutorado no Instituto de Psicologia. Estava doente de novo e escreveu 
durante a sua doença o famoso livro “O sentido histórico da crise da psicologia”. Em 1926 
publicou “A psicologia pedagógica” e “A Gráfica de A. Bychowskij.” E também publicou 
neste ano “Psicologia da idade escolar” e muitos outros artigos para a “Grande Enciclopédia 
Médica soviética”. Nessa fase se dedicou mais ao estudo da aprendizagem e do 
desenvolvimento infantil numa área mais abrangente do que a psicologia, a assim chamada 
“Pedologia” - ciência da criança que tenta integrar os aspectos biológicos, psicológicos e 
antropológicos. Vygotsky considerava essa disciplina nova como sendo a ciência básica do 
desenvolvimento humano, uma síntese das diferentes disciplinas que estudam a criança. Ao 
mesmo tempo Vygotsky criticava ferozmente esta abordagem na sua forma atual, devido a 
falta total de uma perspectiva integral, uma síntese das disciplinas diferentes. 
Em 1929 Vygotsky partiu para Tashkent, na Uzbekistan, para presentear cursos de 
formação de professores e de psicólogos das regiões asiáticas. 
Em 1930 ele e Lurija escreveram Estudos sobre a história do comportamento: o macaco, 
o primitivo e a criança. Seu interesse nas variações dos processos mentais superiores entre 
pessoas de diferentes culturas levou-o a planejar uma pesquisa transcultural conduzida no 
Uzbequistao em 1931 e 1932. Vygotsky não participou das expedições, que foram lideradas 
por Lurija, sendo os relatos publicados muitos anos depois da sua morte, ou seja, editorados 
em 1976, e em português, no ano de 1996. 
Também juntamente com Lurija, organizou uma palestra para o IX Congresso 
Internacional de Psicologia em New Havem nos Estados Unidos, com o titulo “The function 
and the fate of the egocentrical speech” apresentando uma análise crítica da teoria piagetiana. 
Porém, eles não viajaram para Havem, mas publicaram um artigo importante na Revista 
“Journal of the Genetic Psycology”, onde Vygotsky apresentou pela primeira vez a sua teoria 
sobre “desenvolvimento” cultural da criança - um artigo que ficou famoso com a “teoria 
histórico-cultural”. 
No período de 1924 a 1934 Vygotsky escreveu alguns importantes trabalhos, entre eles: 
Os princípios da educação social de crianças surdas-mudas (1925), O consciente como 
problema da psicologia do comportamento (1925), A pedologia das crianças em idade 
escolar (1928), A história de desenvolvimento das funções psicológicas superiores (1931), 
 
11
Lições de psicologia (1932), Fundamentos da pedologia (1934), Pensamento e linguagem 
(1934), Desenvolvimento mental da criança durante a educação (1935), A criança retardada 
(1935). 
De 1924 até o ano de sua morte, apesar da doença e das frequentes hospitalizações, 
Vygotsky demonstrou um ritmo de produção intelectual excepcional. Ao longo desses anos, 
além de amadurecer seu programa de pesquisa, continuou lecionando, lendo, escrevendo e 
desenvolvendo importantes investigações. Liderou um grupo de jovens cientistas, 
pesquisadores da psicologia e das anormalidades físicas e mentais. 
Nos anos posteriores, Vygotsky realizou a tradução das obras de Karlo Bühler, W. 
Köhler, de A. Gesell e de Jean Piaget. Juntamente com Lurija e o diretor de cinema Sergej 
Eizenstein (Ejzenstejn) e o Linguista J. Marr, Vygotsky organizou um seminário: “A 
psicologia e a semiótica do cinema”. 
A partir do ano de 1931, a obra de Vygotsky começou a receber sérias críticas políticas 
pelas autoridades soviéticas. Em 1934 ele publicou junto com outros autores a obra O 
fascismo na neuropsicologia, criticando as teorias eugenéticas e razoais. Escreveu importantes 
artigos sobre a periodização do desenvolvimento da criança e sobre o retardo mental. 
Depois, gravemente doente, Vygotsky ditou da sua cama os últimos capítulos de 
Pensamento e linguagem. Morreu em 11 de Junho de 1934. Após a sua morte, Vygotsky teve 
proibida a publicação de suas obras na União Soviética, no período de 1936 a 1956, devido à 
censura do regime estalinista, sendo também, por um longo período ignorado no ocidente. 
Vygotsky começou a ser redescoberto a partir de 1956 com a reedição do livro 
Pensamento e linguagem. As ideias de Vygotsky puderam ser conhecidas no Ocidente a partir 
de 1962, com a primeira edição Americana do Pensamento e linguagem (Bruner). 
Mas, qual Vygotsky foi apresentado? 
Foi construída uma imagem bastante linear e unilateral de Vygotsky. Na edição russa de 
1956 o texto de Vygotsky foi censurado com uma tarefa precisa: Foram eliminadas todas as 
referências a Freud, Sapir, aos pedólogos, a Blonskij; depois foi mudada a palavra pedologia 
para pedagogia, substituindo a palavra “teste” usada nas pesquisas da pedologia pela palavra 
“tarefa”. Foram introduzidas sublimações onde Vygotsky não as tinha previsto, da mesma 
forma eliminando-as, onde eram previstas etc. 
Também no oriente se confeccionou a tradução de um outro Vygotsky na visão dos 
americanos. Vygotsky foi rigidamente censurado, com uma tarefa precisa: eliminar todas as 
referências a Marx, Engels e Lenin; simplificar os parágrafos filosóficos; cortar e assumir (de 
300 páginas se restringe a 150). 
Em 1982 começou a publicação russa de uma coleção das obras de Vygotsky, contendo 
seis volumes. 
As obras de Vygotsky mais lidas até hoje foram aquelas publicadas durante a sua vida, 
sendo aquelas que documentaram a sua atividade concreta nestes anos ficando ausentes de 
publicação. 
Novamente se apresentava uma imagem de um grande pedagogo e psicólogo, uma 
imagem de um “gênio”, um psicólogo morto cedo demais, cheio de ideias e fantasias , um 
Vygotsky como um “Mozart de Psicologia” assim batizava o filósofo americano Toulmin, ao 
referendar Vygotsky. 
Para mim, as tarefas para os estudiosos são publicar as suas obras em edições sérias e 
fundadas, 
 
12
- reconquistar Vygotsky como autor e escritor excelente da crítica de letras modernas e 
de arte moderna, 
- reconquistar um Vygotsky como amigo de Ejzenstejn (regista), Ehrenburg, 
Mandelstam, Pasternak e Stanislwaskij, 
- reconquistar o Vygotsky, que era comissário do povo, marxista, colaborador de 
Lunarcarskij (ministro de cultura e formação no governo de Lenin), 
- reconquistar o Vygotsky, que é pedagogo aceito no campo nacional - ocupando-se dos 
direitos das minorias nacionais para conservar e salvar a própria cultura deles, 
- reconquistar o Vygotsky, que é o combatente para uma reabilitação das crianças 
deficientes - 
Em suma, reconquistar um Vygotsky que é um grande protagonista das lutas sociais e 
culturais num período importante da história do mundo. 
 Gostaria muito de discutir neste curso a pergunta central, ou seja: qual seria o sentido 
central de Vygotsky para o nosso presente? 
 
13
4. O NÚCLEO DE ABORDAGEM DE VYGOTSKY: O PROBLEMA DA MEDIAÇÃO 
CULTURAL 
 
A tese principal na abordagemde Vygotsky: 
As relações dos homens com o mundo não são relações diretas, mas profundamente 
relações mediadas. A transformação do mundo material, mediante o emprego de 
ferramentas, estabelece as condições da própria atividade humana e sua transformação 
qualitativa em consciência. A atividade do homem é pressuposto desta transformação e 
ao mesmo tempo o resultado dela. 
A base dessa tese apresenta as concepções de Frd. Engels sobre o trabalho humano e o 
uso de instrumentos. O instrumento simboliza especificamente a atividade humana, a 
transformação da natureza pelo homem e que, ao fazê-lo, transforma a si mesmo. 
Vygotsky estendeu esse conceito de mediação na interação homem-natureza pelo uso de 
instrumentos ao uso de signos. 
 
4.1. O papel dos instrumentos e os signos 
Os instrumentos são elementos externos ao indivíduo, construídos fora dele; sua função 
é provocar mudança nos objetos, controlar processos da natureza. Os signos, por sua vez, 
também chamados por Vygotsky de "instrumentos psicológicos" são orientados para o próprio 
sujeito, para dentro do indivíduo; dirigem-se ao controle de ações psicológicas, seja do 
próprio indivíduo, seja de outras pessoas. 
Na sua forma mais elementar, o signo é uma marca externa, que auxilia o homem nas 
tarefas que exigem memória ou atenção. Pode-se, por exemplo, usar pedras para registro e 
controle da contagem de cabeças de gado. As pedras aqui representam a quantidade de 
cabeças de gado, a que pode ser recuperada em momentos posteriores. Neste sentido, as 
pedras são signos, quer dizer: são interpretáveis como representações da realidade e podem 
referir-se a elementos, objetos, processos e outros fenômenos ausentes do espaço e do tempo. 
A memória, neste caso, é mediada por signos e assim, mais poderosa do que uma memória 
imediata. São inúmeras as formas de utilizar signos como instrumentos psicológicos: Fazer 
um nó num lenço para não esquecer um compromisso, fazer uma lista do compras, usar uma 
sinaleira no tráfico etc. Os signos e o uso deles dependem sempre de um contexto social e 
histórico. Os incas, por exemplo, usaram Quipus para registrar informações sobre quantidades 
e outros fatos da vida quotidiana. 
Quais são os efeitos fundamentais quando os seres humanos usam signos como 
instrumentos psicológicos? 
Aqui encontramos o núcleo da abordagem de Vygotsky: o que aparece absolutamente 
individual, como os nossos pensamentos, as nossas emoções e afetos, a nossa fantasia, a nossa 
vontade, a nossa memória têm no fundo uma base social e cultural. 
No uso dos instrumentos concretos e dos instrumentos psicológicos Vygotsky busca a 
chave para compreender e entender numa radicalidade nova, numa qualidade nova 
- a relação entre indivíduo e sociedade 
- a gênese social da consciência humana 
- o que é um sujeito 
Os instrumentos têm uma função mediadora: eles são mediadores entre a atividade do 
sujeito com o objeto. Um meio faz parte do sujeito, as suas origens foram construídas pela 
atividade do sujeito, mas ao mesmo tempo se diferenciam do sujeito porque, numa certa 
 
14
perspectiva, o meio é também parte do objeto, espelha certas qualidades destes objetos com os 
quais tem uma relação. 
Os instrumentos e os signos aparecem juntos desde o início da história dos homens. 
Segundo a Antropologia moderna, instrumentos e signos têm uma origem comum. Isto é: o 
trabalho humano. Para construir um instrumento é necessário como propósito um sistema de 
signos e vice-versa. Construir signos significa o pressuposto do contexto social do uso dos 
instrumentos, porque construir instrumentos não é um ato individual, mas, fundamentalmente, 
um ato social. 
O instrumento permite uma relação dinâmica entre o homem e a natureza, entre o 
trabalho humano e a modificação de um meio social, de um meio ambiente. 
O machado, por exemplo, corta mais e melhor que a mão humana. O instrumento é feito 
especialmente para um certo objetivo. Ele carrega consigo, portanto, a função para a qual foi 
criada e o modo de utilização desenvolvido durante a história do trabalho coletivo. É, pois, um 
objeto social e mediador da relação entre os indivíduos e o mundo deles. 
Um dos primeiros instrumentos conhecidos da pré-história foram os machados de pedra. 
Estes instrumentos representavam soluções materiais de um problema geral de dividir comida 
(carne). Eles resultaram da tarefa de dividir animais mortos. O importante é que os 
instrumentos evidenciaram uma forma social de vida, que poderia ser descrita como 
colaboração e corporação. 
Por outro lado, os signos representam soluções aos problemas de comunicação e 
coordenação sobre objetos e situações. Signos, então, representam uma materialização das 
soluções dos problemas de comunicação e coordenação, como por exemplo: o sistema dos 
gestos, talvez o primeiro sistema de linguagem humana. 
Segundo Vygotsky (1984): 
 A invenção e o uso de signos como meios auxiliares para solucionar 
um dado problema psicológico (lembrar, comparar coisas, relatar, escolher 
etc.) é análoga à invenção e uso de instrumentos, só que agora no campo 
psicológico. O signo age como um instrumento de atividade psicológica de 
maneira análoga ao papel de um instrumento no trabalho. 
Ao longo da sua história o homem tem utilizado signos como instrumentos psicológicos 
em diversas situações. 
Talvez o signo mais arcaico seja o gesto. 
Este gesto traz dentro de si três resultados: objetivação, subjetivação e comunicabilidade 
dos meios e seus respectivos signos. Por exemplo: numa caça na savana alta, um caçador 
indica com seu gesto a um outro caçador, que está impedido de ver, onde está o animal de 
presa. O primeiro caçador está transformando a sua percepção num processo motorio-
operativo: o de indicar com a sua mão. A estrutura desta operação deve ser construída de 
modo que resulte numa percepção semelhante à do segundo caçador. Deve-se, então, ser 
construída uma analogia entre o gesto próprio e a sua percepção pelo outro caçador, para que 
disto resulte uma comunicação extensível. 
Neste contexto, o gesto significa um meio importantíssimo para realizar distâncias 
simbolicamente. Esclarecendo: o primeiro caçador olha o animal e em vez de correr para 
matá-lo, faz um gesto transformando o seu ato de percepção numa operação motora, criando, 
assim, uma distância entre si e o animal de perda. O caçador agora não vê o animal como se 
fosse o caçador, mas ele o vê com os olhos dos outros, quer dizer, o caçador vê assim um 
objeto(o animal) como um objeto, nos seus aspectos objetivos. A base desta objetivação são 
as relações com as outras pessoas, numa atividade comum e conjunta. Os animais são 
 
15
incapazes, tanto de realizar uma distância simbólica, quanto de estabelecer uma relação 
mediada por signos ou instrumentos. 
O caçador desta caçada pode ver-se a si mesmo como um sujeito desta atividade, isto é, 
a subjetivação de si mesmo através do gesto que comunica aos outros o que ele viu. 
Esta operação do gesto tem um caráter de: repetível e disponível, no sentido de dizer 
que é um signo, portanto, um meio de comunicação, de colaboração e cooperação, tendo por 
sustento ou base um sistema social comum. Todas as três realizações e funções ficam 
possíveis somente com a base das relações sociais. 
 
4.2. O processo de internalização 
Ao longo da evolução da espécie humana, como também do desenvolvimento de cada 
indivíduo, ocorre, entretanto, uma mudança qualitativa e fundamental no uso dos signos. A 
utilização de marcas externas vai se transformar em processos internos de mediação no uso 
dos signos. Esse processo é reconhecido por Vygotsky como processo de construção das 
funções superiores e esse mecanismo é chamado por ele o mecanismo de internalização 
ou também Interiorização. 
Funções elementares são funções como reflexos, reações automáticase associações 
simples, mas também pensar, memorizar perceber etc.: todas essas funções são determinadas 
imediatamente e automaticamente pelos estímulos externos (ambiente) ou internos, baseados 
nas necessidades biológicas. 
Funções psicológicos superiores caracterizam o funcionamento psicológico tipicamente 
humano: ações conscientemente controladas, atenção voluntária, memorização ativa, 
pensamento abstrato, ação intencional. 
Como e na qual forma e maneira se desenvolvem essas funções superiores? 
O princípio da origem social das funções psicológicas superiores constitui a pedra 
angular dos trabalhos de Vygotsky. Esse princípio não está no nível das funções elementares 
ou naturais. As funções superiores não se desenvolvem organicamente passo a passo num 
processo de maduração, partindo do nível das funções elementares. Esse princípio constitui, 
segundo Vygotsky, a lei genética geral do desenvolvimento cultural. O processo de 
desenvolvimento do ser humano, marcado por sua inserção em determinado grupo cultural, se 
dá "de fora para dentro”: "Todas as funções do desenvolvimento da criança aparecem duas 
vezes ou em dois planos. Primeiro aparece no plano social e depois no plano psicológico, 
primeiro entre pessoas (interpsicológico) e depois no interior da criança 
(intrapsicológico)" (Vygotsky 1984, p. 64). 
Todas as funções superiores têm as suas origens em processos sociais. Conseguimos 
compreender a qualidade humana destas funções só se compreendermos os instrumentos e os 
signos que as mediam. Estes meios são sempre meios culturais e históricos. Eles têm um 
caráter material e exterior, que marcam as relações interpessoais dos homens nas quais são 
usadas. 
Vygotsky utiliza o desenvolvimento do gesto de apontar, na criança, como um exemplo 
que ilustra este processo de internalização, destacando três fases: 
A primeira fase trata-se de um simples movimento espontâneo da criança orientado a 
um determinado objeto que ela não consegue alcançar. Inicialmente o bebê de seis ou sete 
meses tenta pegar com a mão um objeto - um chocalho por exemplo - que está fora do seu 
alcance. Estica a mão na direção do chocalho, fazendo no ar um movimento de pegar, sem 
 
16
conseguir tocá-lo. Do ponto de vista do bebê, este é um gesto dirigido ao chocalho, uma 
relação externa entre ele e esse alvo, uma tentativa malsucedida de alcançar um objeto. 
Na segunda fase, o outro, neste caso identificado como a mãe, interpreta esse 
movimento atribuindo-lhe uma significação (indicador do desejo da criança). Assim ocorre 
uma transformação na situação. Observando a tentativa da criança de pegar o chocalho, a mãe 
provavelmente reage, dando o brinquedo para a criança. Na verdade estará interpretando 
aquele movimento malsucedido de pegar um objeto como tendo o significado "eu quero 
aquele chocalho". Isto converte o movimento em gesto ou em signo para o outro, embora 
não o seja ainda para a criança. Como resultado, esta atinge o objeto que deseja, não de forma 
direta, mas pela mediação do outro. 
Por fim, na terceira fase, a criança capta, numa experiência pessoal, o significado que o 
seu movimento tem para o outro, convertendo-o assim em signo para ela. Dessa maneira, 
quando desejar de novo o objeto, em vez de indicá-lo ao outro, a criança se dirige a ele, a 
pessoa, em forma de pergunta, como mediador entre ela e o objeto. Ao longo de várias 
experiências semelhantes, a própria criança começa a incorporar o significado atribuído pelo 
adulto à situação e a compreender seu próprio gesto como sendo um gesto de apontar um 
objeto desejado. 
Aquele movimento de pegar se transforma no ato de apontar, com uma interação 
orientada não mais para o objeto, mas para a outra pessoa. O significado do gesto é 
inicialmente estabelecido por uma situação objetiva e social, depois interpretado pelas pessoas 
que cercam a criança e, a seguir, incorporado pela própria criança, a partir das interpretações 
dos outros. Isso apresenta um exemplo principal ou, também, um modelo que esclarece o 
processo e a estrutura da mediação. Agora se precisa esclarecer a qualidade cultural da 
mediação. 
Os seres humanos vivem em um ambiente transformado pelos artefatos das gerações 
anteriores, estendendo-se até o início da espécie humana. A função básica desses artefatos é 
coordenar os seres humanos com o mundo físico e uns com os outros. Os seres humanos 
habitam um “mundo duplo”, ao mesmo tempo “natural” e “artificial”. A cultura, nesse 
sentido, deve ser considerada o único meio da existência humana. A cultura, nesse sentido, faz 
igual todos os seres humanos e ao mesmo tempo os faz iguais. - em que sentido? A mediação 
cultural constitui um fato universal de nossa espécie. Com certeza não universal é o 
desenvolvimento de formas especificas de mediação, as formas específicas de atividade 
empregando meios específicos de mediação. Todas as culturas conhecidas do homem 
elaboram um potencial básico de linguagem e de uso de instrumentos, mas nem todas as 
culturas desenvolveram as formas de atividades que têm a ver com uma escolarização formal. 
Os artefatos culturais são simultaneamente ideais (conceituais) e materiais. São ideais na 
medida em que contam, na forma codificada, as interações das quais eles previamente fizeram 
parte. Tais artefatos existem apenas na medida em que estejam corporificados na 
materialidade. 
Vygotsky nega a existência de qualquer diferença genética ou biológica entre os 
membros de diferentes culturas. Ao contrário de pensadores contemporâneos como Levi-
Strauss, ele achava que o pensamento das pessoas pertencentes a diferentes culturas diferia de 
maneira fundamental. Tanto o conteúdo como a forma do pensamento humano se bastam nos 
sistemas dos instrumentos e dos instrumentos psicológicos disponíveis. 
Uma criança nunca nasce imediatamente integrada na sua cultura. Esta integração, nas 
condições culturais, não é tão simples quanto vestir roupas novas: ela é acompanhada por 
 
17
transformações profundas no comportamento, pela formação de seus mecanismos novos, 
fundamentais e específicos. 
Podemos resumir os aspectos seguintes: 
1. Mediação cultural pelos instrumentos e signos não é apenas uma ideia psicológica, 
mas sim uma ideia que quebra todos os muros, que separa o indivíduo da sociedade, a 
consciência individual da cultura e sociedade. 
2. Os homens não são controlados “de fora”, quer dizer pela sociedade. Os homens 
também não são controlados de dentro, quer dizer, pela sua herança biológica. Nos homens 
podemos controlar o nosso próprio comportamento, não de dentro, mas assim de “de fora”, 
usando e criando meios, instrumentos e signos. 
3. O núcleo mais único, íntimo e subjetivo de cada indivíduo, a consciência deles é de 
natureza social e cultural. A construção deste núcleo não é um processo de copiar uma 
realidade externa e social. Ao contrário, o que é a consciência é um processo ativo, onde o 
indivíduo se constrói como sujeito, transformando as relações sociais em funções psicológicas 
superiores. A consciência é um contato social do indivíduo consigo mesmo e com a realidade. 
4. O que é o sujeito não representa o resultado do seu ambiente social. Ao contrário, no 
fundo o sujeito é o resultado da sua própria atividade. Através dos instrumentos e signos essa 
atividade é histórica, social e cultural. 
 
4.3. Pensamento e Linguagem 
Em outras palavras: o significado passa para o primeiro plano. A fala interior opera 
principalmente com a semântica, numa relação de predomínio do sentido de uma palavra 
sobre o significado. 
 Para Vygotsky, o sentido de uma palavra é um todo complexo, fluido e dinâmico 
para onde converge a soma de todos os eventos psicológicos que a palavra desperta, enquanto 
o significado é apenas uma das zonas do sentido, a mais estável e precisa, a dicionarizável. 
• Contexto é que dá sentidoa palavra: assim em contextos diferentes o sentido se 
altera e o significado permanece estável ao longo de todas as alterações de sentido. 
A regra da fala interior é o predomínio do sentido sobre o significado, da frase sobre a 
palavra, do contexto sobre a frase. 
“[...] enquanto na fala exterior o pensamento é expresso por palavras, na fala interior as 
palavras morrem à medida que geram o pensamento que expressa significados puros. É algo 
dinâmico, instável e inconstante que flutua entre a palavra e o pensamento, os dois 
componentes, mais ou menos estáveis, mais ou menos solidamente delineados do pensamento 
verbal” (VYGOTSKY, 1987, p. 128). 
• Outro aspecto fundamental: a tendência afetivo-volitiva que no ato de 
comunicação, permite a compreensão do outro. 
Na medida em que o ato de comunicação só pode ocorrer de forma indireta, ou seja, o 
pensamento passa pelo significado e depois pelas palavras - nossa fala contém sempre um 
pensamento oculto, um subtexto. Todo pensamento encerra desejos, necessidades, interesses, 
emoções e a compreensão do pensamento do outro depende, exatamente, da interação do 
ouvinte com essa base afetivo-volitiva. 
Não basta ouvir para compreender. A compreensão depende da interação que os 
indivíduos conseguem estabelecer entre o verbal e o não verbal, entre a palavra e o afetivo-
emocional que flui em toda a comunicação. 
 
18
Vygotsky mostra que há um potencial de sentido em cada pessoa, que necessita ser 
desvendado. Assim, a criança precisa iniciar-se num contexto verbal e semântico possível 
para revelar-se como sujeito (a importância dessa universalidade: essa base emocional-volitiva 
faz todos os seres humanos iguais, embora as diferencie. 
Vygotsky não concebe o sujeito a partir do discurso lógico que ele é capaz de realizar - 
como Piaget. Mas enfatiza o papel que este sujeito assume na sociedade, na medida em que 
cria, constrói, transforma sentidos, as interações dialógicas que estabelece (Para Piaget o 
sujeito é fundamentalmente epistêmico, portanto da cognição – Para Vygotsky o sujeito é 
social e, portanto, se constitui na história e na cultura - a base das emoções e afetos. 
• Espaço do sentido como principal tarefa do homem. 
Vygotsky assume uma concepção de conhecimento muito mais ampla: Conhecimento é 
produção cultural que inclui os conhecimentos ditos científicos ou lógico-matemáticos, mas a 
eles não se reduz. 
• Aspecto mais importante do desenvolvimento da criança é o processo pelo qual 
ela se apropria da experiência acumulada pelo gênero humano da história social. 
A interiorização dos conteúdos se dá principalmente pela linguagem, pois é ela que faz 
com que a natureza social das pessoas se torne igualmente sua natureza psicológica. 
Piaget: a linguagem é iniciadora do pensamento de um sujeito cognitivo. 
Vygotsky: A linguagem abre a porta para toda a produção cultural, artística e simbólica 
de um sujeito e assim para si mesmo. 
Agora o pensamento se torna verbal e a linguagem racional ou intelectual. A partir daí, a 
criança começa a perceber o propósito da fala e que cada coisa tem um nome. A fala começa a 
servir ao intelecto e o pensamento começa a sentir a necessidade das palavras, tentando 
aprender os signos: é a descoberta da função simbólica da palavra. 
As posições tradicionais compreendiam pensamento - linguagem como elementos de 
desenvolvimento autônomo ou então reduzidos às explicações de hábitos e reflexos. 
A necessidade de definir uma unidade de análise adequada para estudar as relações entre 
pensamento e linguagem evidenciou uma unidade contendo a propriedade do todo: o 
significado da palavra. O significado é um fenômeno de cada palavra - sem significado - a 
palavra é um som vazio. É um fenômeno do pensamento: o significado de cada palavra é uma 
generalização, um conceito que, por sua vez, são atos do pensamento. 
Para Vygotsky (1987, p. 94): “O significado é fenômeno do pensamento apenas quando 
o pensamento ganha corpo por meio da fala e só é fenômeno da fala na medida em que a 
palavra está ligada ao pensamento, sendo iluminada por ele. Portanto, a união palavra e 
pensamento é um fenômeno do pensamento verbal e da fala significativa.” 
• Significado da palavras evolui: o pensamento verbal partindo de generalizações 
primitivas chega ao nível dos conceitos mais abstratos. 
• O conteúdo não se altera, mas sim o modo pelo qual a realidade é generalizada e 
refletida numa palavra. 
A relação palavra e pensamento tem que ser considerada como um processo vivo: O 
pensamento nasce através das palavras. 
• O pensamento não é simplesmente expressão em palavras: é por meio delas que 
ele passa a existir. 
• A chave para compreender a relação entre pensamento e linguagem é a fala 
interior. 
 
19
A fala interior não é propriamente uma fala, mas uma atividade intelectual e afetivo-
volitivo. Ela tem uma forma específica, leis próprias e mantém relações com outras formas de 
atividade da fala. Ela é uma fala para si mesmo, não é antecedente da fala exterior, nem 
reprodução desta. Ela interioriza-se em pensamento. 
A fala egocêntrica (Piaget) tem um papel fundamental na atividade da criança: a função 
diretiva estratégica de transformar sua atividade em um pensamento intencional. Representa o 
estágio transitório na evolução da fala oral para a fala interior. Essa evolução se processa de 
uma fala exterior para uma fala egocêntrica e desta para uma fala interior, isto é, do social ao 
individual. 
A vocalização diminui, decresce, seguindo-se o desenvolvimento de uma abstração do 
som e a aquisição de uma nova capacidade: pensar as palavras ao invés de pronunciá-
las. A fala interior opera, pois, com a semântica e não com a fonética. O significado assume o 
primeiro plano. A sintaxe simplificada de aspecto condensado, os números de palavras são re 
duzidos, com tendência à predicação. 
Três propriedades: 
1. O predomínio do sentido de uma palavra sobre o seu significado. “O sentido de 
uma palavra é a soma de todos os eventos psicológicos que a palavra desperta em nossa 
consciência (VYGOTSKY, 1987e). A palavra adquire o seu sentido no contexto em que 
surge, dando à palavra um novo conteúdo. O sentido da palavra modifica-se de acordo com 
as situações e a mente de quem a utiliza. Na fala “interior” há o predomínio do sentido 
sobre o significado, da frase sobre a palavra, do contexto sobre a frase. 
2. A aglutinação: combinação de palavras para expressar ideias complexas. 
3. O modo pelo qual os sentidos se combinam e se unificam. Uma única palavra 
pode ter vários sentidos. 
A fala interior é o plano específico do pensamento verbal: é o pensamento ligado por 
palavras. A passagem de fala interior é um processo complexo e dinâmico de transformação 
da estrutura simplificada condensada, da fala interior em fala sintaticamente articulada, 
inteligível e comunicável para os outros. 
Enquanto na fala exterior o pensamento é expresso em palavras - a fala interior é em 
grande parte um pensamento que expressa significados puros. Os dois processos, pensamento 
e fala não são idênticos e não há uma correspondência entre as unidades do pensamento e a 
fala. O pensamento não consiste em unidades separadas. Ele está presente em sua totalidade, 
mas a fala se desenvolve em uma sequência. A transição do pensamento para a palavra passa 
pelo significado. Um pensamento pode ser expresso por várias frases e uma frase pode 
expressar vários pensamentos. 
A linguagem é um fator importante para o desenvolvimento mental da criança: função 
organizadora e planejadora do seu pensamento e ela tem também uma função social e 
comunicativa. 
A criança entra em contato com o conhecimento humano. Ela se apropria da experiência 
acumulada pelo gênero humano no discurso da história social. A construção do sujeito e da 
sua consciência é em si mesma umaconstrução social (a consciência é um contato social 
consigo mesmo e com a realidade). 
Para Vygotsky, a relação pensamento-linguagem é a chave para a compreensão da 
natureza da consciência humana. “A consciência é refletida na palavra como o sol se reflete na 
gota de água: uma palavra é um microcosmo da consciência humana.” 
 
20
Segundo Freitas (1995), a linguagem é entendida como o mais importante esquema de 
mediação do comportamento humano. 
 
Conceitos espontâneos e científicos 
Conceitos espontâneos (cotidianos) se originam da experiência concreta e quotidiana 
das crianças. Estes se referem àqueles conceitos construídos a partir da observação, 
manipulação e vivência direta da criança. Por exemplo, a partir de seu dia a dia, a criança 
pode construir o conceito gato. Esta palavra resume e generaliza as características deste 
animal - o tamanho, a raça, a cor não importa. 
Conceitos científicos (verdadeiros) se originam de eventos não diretamente acessíveis à 
observação ou ação imediata da criança: são os conhecimentos sistematizados, adquiridos nas 
interações escolarizadas. Por exemplo, o conceito “gato” pode ser ampliado e tornar-se ainda 
mais abstrato e abrangente. Será incluído num sistema conceitual de abstrações graduais com 
diferentes graus de generalização: gato, vertebrado, animal, ser vivo. Partindo do objeto 
concreto “gato”, estas palavras constituem uma consequência de conceitos adquirindo cada 
vez mais abrangência e complexidade. 
Conceitos espontâneos e científicos distinguem-se tanto no modo de se desenvolver 
quanto no modo de funcionar. 
O primeiro tipo de conceito cotidiano, segundo Vygotsky, é chamado de coleção 
desordenada. A criança agrupa aqui objetos que não participam das mesmas relações internas 
(manifestação sincrética da criança). 
Em seguida, ocorre a formação dos complexos de coisas distintas que são unidas por 
força de suas conexões objetivas, que realmente existem entre os objetos envolvidos. Estas 
conexões ocorrem entre elementos individuais - e não relações lógico-abstratas. As conexões 
entre os objetos de um grupo são estabelecidas de um modo empírico, acidental e concreto. 
Os pre-conceitos: são os conceitos potenciais - uma espécie de formação pré-intelectual, 
que surge muito cedo na infância. Os objetos são agrupados, com base numa única 
característica comum compartilhada. 
O pensamento por complexos e os conceitos potenciais dão a base psicológica estrutural 
dos conceitos verdadeiros. 
A característica crítica do pensamento por complexos é o estabelecimento das conexões 
e relações que constituem sua base. Neste estágio, o pensamento da criança forma complexos 
de objetos que são isolados na percepção e junta-os em grupos. Neste processo, formam-se os 
fundamentos para a unificação de impressões distintas. Este é o primeiro passo no processo 
de generalizar elementos isolados da experiência. 
Entretanto, na sua forma desenvolvida, o conceito pressupõe mais do que unificação e 
generalização de elementos concretos distintos da experiência. Ele pressupõe o isolamento e a 
abstração de elementos separados, a habilidade de ver esses elementos isolados, abstraídos, 
independentemente das conexões concretas e empíricas como são dadas. O pensamento por 
complexos não ajuda a este respeito. Ele é permeado por uma abundância de conexões e é 
caracterizado por uma pobreza de abstração. A capacidade de isolar características é 
extremamente limitada. Todavia, o conceito verdadeiro depende igualmente dos processos de 
análise e síntese. Decompor e relacionar são aspectos internos igualmente importantes de sua 
construção. [...] assim, a função genética desse terceiro estágio no desenvolvimento do 
pensamento da criança é o desenvolvimento da decomposição, análise, abstração. 
(VYGOTSKY, 1987, p. 156-157). 
 
21
• Conceitos verdadeiros têm duas raízes no pensamento da criança: 
• O pensamento por complexos desenvolve a estrutura de generalização. 
• O conceito potencial desenvolve a estrutura de abstração. 
 
Os conceitos científicos: 
Estes se formam como base no ensino formal, que ocorre na escola. Todavia, atualmente 
esses conceitos não ocorrem exclusivamente na escola. Um tipo particular dos verdadeiros 
conceitos são os conceitos científicos. 
Conceitos científicos se organizam num sistema hierárquico de inter-relações 
conceituais, portanto, num sistema de relações de generalidade. 
Cada conceito é um ato de generalização, significando que o conceito científico implica 
uma relação de generalização e é por isso que dá lugar a uma estrutura superior de 
generalização, no desenvolvimento mental do indivíduo - um exemplo: 
Matéria: tudo aquilo que, no universo, ocupa lugar no espaço. 
Material: porção de matéria que tem mais de uma substância. 
Material homogêneo: Tipo de material, cujo aspecto é uniforme de ponto a ponto. 
Material heterogêneo: Tipo de material, cujo aspecto é multiforme de ponto a ponto. 
Substância: porção da matéria que apresenta um, e somente um, tipo de constituinte. 
Substância simples: tipo de substância, cujo constituinte tem um, e somente um, tipo de 
componente, denominado átomo. 
Substância composta: tipo de substância, cujo constituinte tem mais de um tipo de 
componente. 
Constituinte: conjunto de átomos que caracteriza uma substância particular. 
Para ensinar os conceitos de matéria homogênea e heterogênea poderíamos optar, por 
exemplo, pela apresentação aos alunos de várias matérias. Poderíamos habilitá-los em técnicas 
de observação e, a partir dos dados observados, conduzir à formulação do conceito. 
Porém, esse não é o caso dos demais conceitos. O material direciona a outros, um de 
nível de generalidade maior (matéria) e um de nível de generalidade menor (substância). Esse 
último remete ao conceito de constituinte, a ele subordinado, o qual, por sua vez, liga-se ao de 
átomo, cujo nível de generalidade é equivalente ao de matéria, por tratar-se do nível básico de 
organização da matéria. Única possibilidade de compreender cada um desses conceitos: deve-
se ligá-los a outros. O significado de cada um só se realiza na medida em que se associa ao 
significado de outros conceitos. 
Os conceitos cotidianos têm uma relação direta das palavras com os objetos a que se 
referem. Os conceitos científicos: as relações das palavras com outras palavras. Os primeiros 
implicam focalizar a atenção no objeto e os segundos no próprio ato de pensar, na medida em 
que as conexões entre os conceitos são relações de generalidade. 
O modo de estruturação dos conceitos científicos, a sua natureza semiótica, produz uma 
mudança na estrutura funcional da consciência: o discernimento e controle consciente do ato 
de pensar. A capacidade de utilizar voluntariamente as palavras com “instrumentos” do 
pensamento, conforme Humboldt, em A aprendizagem da aprendizagem. 
Segundo Vygotsky, embora os conceitos científicos e espontâneos se desenvolvam em 
direções opostas, os dois processos estão intimamente relacionados. É preciso que o 
desenvolvimento de um conceito espontâneo tenha alcançado um certo nível para que a 
criança possa absorver um conceito cientifico correlato. Por exemplo, os conceitos históricos 
 
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só podem começar a se desenvolver quando o conceito cotidiano que a criança tem do passado 
estiver suficientemente diferenciado, ou seja, quando a sua própria vida e vitalidade dos que a 
cercam puder adaptar-se à generalização elementar “no passado e agora”; os seus conceitos 
geográficos e sociológicos devem se desenvolver a partir do esquema simples aqui e em outro 
lugar. Ao forçar a sua lenta trajetória para cima, um conceito cotidiano abre o caminho para 
um conceito científico e seu desenvolvimento descendente. Criar uma série de estruturas 
necessárias para a evolução dos aspectos mais primitivos e elementares de um conceito,que 
lhe dá corpo e vitalidade. Os conceitos científicos, por sua vez, fornecem estruturas para o 
desenvolvimento ascendente dos conceitos espontâneos da criança em relação à consciência e 
ao uso deliberado. Os conceitos científicos se desenvolvem para baixo, por meio dos 
conceitos espontâneos; os conceitos espontâneos se desenvolvem para cima, por meio dos 
conceitos científicos (Vygotsky, 1989, p. 93 – 94). 
Os conceitos científicos estão organizados em sistemas consistentes de inter-relações. 
Os conceitos científicos implicam uma atitude metacognitiva, isto é, de consciência e controle 
deliberado por parte do indivíduo, que domina seu conteúdo no nível de sua definição de sua 
relação com os outros conceitos. 
Conceitos científicos como “generalizações de generalizações” apresentam um tipo 
novo e superior de pensamento. Esse tipo, portanto, não se baseia em uma ligação 
fundamentalmente nova com o mundo dos objetos, mas em uma reconceitualização do 
conhecimento existente, conforme G. Bateson. 
 
4.4. Além de Vygotsky: Meios primários, secundários e terciários 
Numa perspectiva da evolução do homem, se pode dizer que os seres humanos criaram 
a si mesmos e simultaneamente a sociedade pelo trabalho. O termo “trabalho” descreve a 
forma qualitativamente nova do modo de viver e de sobreviver em comparação com os 
animais. A base desta nova forma representa a colaboração, quer dizer, só através dos outros 
os seres humanos conseguem efetuar relações com o meio ambiente e consigo mesmo. Esta 
qualidade de colaboração precisa da construção de meios especiais. 
Através da construção simultânea de linguagem, de instrumentos e de representações 
mimético-dramáticas os seres humanos tornaram-se humanos, quer dizer eles desenvolveram 
a capacidade, através do trabalho, de transformar seu meio ambiente e si mesmo. Em outras 
palavras, eles construíram e entraram na relação dinâmica entre “materialização” 
(Vergegenständlichung) e “apropriação”, entre o individual e o social, que se pode caraterizar 
com o conceito de “atividade”. 
Meios são, em sua função, mediadores: eles mediam a atividade de um sujeito com o 
seu objeto e com os outros num contexto de colaboração. Eles são ao mesmo tempo subjetivos 
e objetivos, se comportando tanto como parte do sujeito como parte do objeto. O emprego 
humano destes meios tem vários precursores na história natural dos animais e apresenta ao 
mesmo tempo uma posição privilegiada e única, que se torna clara na evolução do ser 
humano: No seu início encontra-se a produção de instrumentos, o desenvolvimento de sinais 
de linguagem e de representações mimético-dramáticas como uma conexão de relações 
mútuas. 
Aos primeiros instrumentos apetecem os machados de pedra. Eles são resultantes e 
soluções do problema geral de partilha de alimento. Resultam da tarefa de esmiuçar e de 
dividir presas e, representam assim, um caráter social e não só técnico. Os primeiros sinais de 
linguagem provavelmente são os gestos. Eles resultam do problema geral de comunicação 
sobre objetivos e objetos em situação de colaboração. Assim eles representam 
 
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materializações/cristalização (Vergegenständlichung) da solução do problema de coordenação 
social de ações individuais. 
Linguagem e instrumentos resultam de um hábito, de um modo de viver, onde todos os 
problemas e tarefas fundamentais de sobrevivência de um indivíduo tornam-se um problema 
de coordenação e comunicação. A evolução biológica do ser humano só é compreendida 
quando considerada ao mesmo tempo como evolução da sociedade humana. 
Numa perspectiva sistemática, a forma do “machado de pedra” expressa dois 
componentes de atividade do sujeito: “produzir” e “representar”. Ambos os modos estão 
reciprocamente relacionados na forma e oferecem uma unidade inseparável no “machado de 
pedra”. “Produzir” tem relação com manejar e modificar, com operações e procedimentos; 
refere-se a um método como tal. “Cortar” como tal, “raspar” como tal, “fincar” como tal, entre 
outros, são exemplos de esquemas gerais de ação. “Representar”, por sua vez, não visa 
modificar objetos. Antes, direciona-se para estes mesmos, interessa-se pela sua realidade 
como tal. Refere-se a entender, discernir; e conceber refere-se à “imagem da realidade”. 
Representar e produzir explicitam dois lados opostos da forma do machado de pedra: forma 
como função, como abreviatura do procedimento no manejo de objetos e forma como 
representação que possibilita captar e compreender algo dos objetos mesmos, da realidade 
mesma. Em que ambos os aspectos se relacionam? Ambos têm algo em comum: são 
resultados de uma generalização. “Machados de pedra” são resultados de uma generalização 
prática, quer dizer, de uma generalização que foi construída e provada numa praxes social. 
Nesse sentido, podem ser compreendidos como generalizações em pedra, como conceitos 
“empedrados”. 
Com respeito à generalização, o machado de pedra representa determinadas qualidades 
e peculiaridades de um objeto ou de uma área-do-objeto (Gegenstandsbereich), o qual pode 
ser tratado com o instrumento. Em nosso exemplo, com o “machado de pedra”, se pode tratar 
um âmbito bastante amplo dos objetos duros cortando-os. A quantidade, mais ou menos 
constante, de qualidades e peculiaridades de um tal âmbito, tal como nas diversas atividades 
de raspar, cortar, golpear, fincar etc., ou seja, a quantidade de peculiaridades da área-do-objeto 
está representada, numa escala de dureza, na forma do “machado de pedra”. Nesta forma 
específica, um âmbito determinado da realidade está entendido, concebido e copiado. Através 
da forma, o “sujeito” tem compreendido uma parte da realidade. E assim essa parte torna-se 
na realidade dele. A relação da forma com o sujeito implica aqui um compreender e 
entender uma realidade. 
Com respeito ao lado de “produzir”, o machado de pedra é uma generalização prática de 
atividades numa sequência específica e consistente de operações dessa prática. Uma operação 
é uma quantidade de atividades que permanecem constantes, tratando diversos objetos. 
Operações são a base estrutural e invariável de nossas atividades. Cada operação tem a sua 
história, quer dizer, num processo longo uma atividade ou uma parte dela se transforma numa 
ação mecânica e automática, por exemplo, no processo de aprender a cortar. A forma do 
instrumento é aqui o momento decisivo que determina ações, bem como determina sua 
estrutura e seu desenrolar. Em seu conjunto, a forma apresenta método. Em sua referência 
ao sujeito, a forma sempre implica “poder”. 
Esta polaridade ou, mais precisamente, complementaridade entre o produzir e o 
representar, encontra-se também nos gestos de apontar. A operação do gesto produz algo, 
causa um efeito no comportamento do outro como sócio da colaboração e ao mesmo tempo 
representa e significa algo. O gesto de apontar é uma operação que articula uma relação com o 
objeto com o qual ela se refere, e ao mesmo tempo com os outros sujeitos, aos quais ele se 
refere. Apenas estas operações podem ser capazes de simbolizar e de significar. Isso significa 
 
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que as relações com os objetos são sempre mediadas pelas relações com as outras pessoas, 
quer dizer, eles têm um caráter social. (Os animais têm só relações com os objetos do seu 
meio ambiente ou com os outros animais, mas nunca simultaneamente com os dois). 
A história destes meios pode ser concebida como uma história dos meios de atividade, 
que se desenvolvem para um mundo de objetos-meios e finalmente num mundo de 
objetivações da própria cultura. Neste desdobramento articulam-se diversas acentuações de 
ambos os lados da forma, também uma tendência de separação e autonomização desses lados. 
Por exemplo: o processo de autonomização de “representar” está vinculado ao surgimento 
histórico da arte, que, na cultura europeia, obviamente aconteceu a primeira vez naGrécia 
com a transformação do culto religioso na forma artística do teatro, quer dizer, no drama e 
também nas artes plásticas deste período. 
Mas, antes de discutir este processo de autonomização do “representar”, que se cristaliza 
na arte, acho necessário apresentar uma diferenciação em forma de teses: 
1. Instrumentos e linguagem são meios primários. Eles apresentam uma unidade de 
representar (compreensão de uma realidade) e produzir (transformar uma realidade). Eles 
são meios diretos na produção e realização da vida social de uma comunidade social, 
portanto, em processo prático do sustento da vida humana. Neste sentido, o instrumento 
mais complexo construído pelos seres humanos, o computador, e o instrumento mais 
elementar, o machado de pedra, têm o mesmo nível, quer dizer eles são instrumentos 
primários. A relação entre instrumentos primários isolados torna-se clara em instrumentos 
secundários. 
2. Meios secundários servem à conservação e transmissão de tais capacidades ou 
manobras que se apropriam, usando instrumentos primários e com cuja ajuda são 
executadas operações com meios primários. Meios secundários estão num outro nível 
lógico, quer dizer num meta-nível. O núcleo (ou mais preciso: a origem histórica delas) são 
representações miméticas e dramatizadas. Elas existem numa variedade de formas 
concretas como objetivações (materializações). Elas, sobretudo, possuem uma função 
fundamental na produção da conexão de uma comunidade. Têm a função para a coesão e 
da continuidade inteira da comunidade como unidade social. São quase a “consciência” 
imediata e materializada de uma comunidade ou de uma sociedade. 
3. Numa perspectiva histórica e antropológica, meios secundários efetuaram o 
seu papel pelos mecanismos e funções miméticas dramáticas. Por exemplo: quando todos 
os caçadores de uma tribo imitam um animal da caça através de uma dança, o fazem 
imitando um caçador após o outro. O comportamento de cada indivíduo será assim 
rigidamente fixado e estereotipado. A relação com o objeto, neste caso o animal da caça, 
será conduzida assim através da vivência social, emocional-afetiva do grupo. A base disso 
é a própria corporalidade de cada um. 
4. Pela própria corporalidade tornam-se possíveis experiências sociais. Ações 
miméticas são a base destas experiências aparentadas a realidades externas. Ações 
miméticas se expressam em formas do rito e de magia. A separação rígida entre o meio 
ambiente e os indivíduos começa a ficar permeável. O meio ambiente, antes só fator e 
causa de horror e terror não compreendido, transforma-se num rosto, num “semblante 
pegado ao lado oposto”, numa fisionomia. Com isso, o meio ambiente obtém 
simultaneamente um caráter dramático: tudo que acontece tem uma expressão como um 
rosto, como uma cara que pode mudar a cada momento. Isso significa também, que tudo o 
que acontece é efeito de um agir geral. Mais tarde esse agir geral de forças naturais se 
transforma da magia em mitologia, quer dizer, as forças anônimas se transformam em 
forças pessoais que têm um nome como na mitologia grega. 
 
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5. A partir disso se explica também a orientação intensa em estereotipação e 
formalização rígida em ritualização no período de magia: a necessidade de colocar algo em 
um meio ambiente sob segurança, sob continuidade e sob durabilidade, porque este meio 
ambiente é vivido como algo que muda constantemente, sendo perigoso e incalculável. 
6. Meios secundários também têm uma história, uma transformação e uma mudança 
até hoje. A comunidade está sempre destruindo antigas formas e construindo novas, como 
necessidade de produção da sua conexão e coesão social. Neste sentido o hino nacional, a 
assembleia nacional e também uma escola pública são meios secundários. 
7. Existe um terceiro nível com meios terciários que se referem aos meios 
secundários e primários. Este nível é a arte e os meios neste nível são as obras de arte. 
Historicamente falando, meios terciários aparecem bastante tarde: na cultura europeia, por 
exemplo, a arte grega. Por esses meios uma sociedade pode olhar a si mesma e se refletir. 
Obras de arte são consideradas, assim, como um modo de autorreflexão própria coletiva e 
simultaneamente individual. Uma obra de arte é considerada como uma síntese de 
conhecimento da realidade e ao mesmo tempo um espelho com o qual o indivíduo 
experimenta algo sobre a sua própria subjetividade. 
8. Finamente, surgem as seguintes perguntas: de que maneira obras de arte como 
meios terciários opõem-se à realidade e possibilitam nisto uma síntese de conhecimento da 
realidade e de nós mesmos? A arte é irrenunciável. Pode uma sociedade existir sem arte? 
Pode um indivíduo viver como sujeito da sua vida, sem arte? 
 
4.5. Além de Vygotsky: A metáfora como mediadora 
 
O romance do escritor chileno Antonio Skarmeta (1996, p. 23) “O carteiro e o poeta” é 
na verdade um romance sobre a metáfora. O autor relata a história sobre a amizade entre 
Mário Jimenez, filho de um pescador na Ilha Negra, no Chile, e Pablo Neruda, o famoso 
poeta. Mário, que é carteiro suplente, leva, diariamente, a Neruda a correspondência e com 
todas as suas grandes preocupações. Num dos seus habituais encontros desenvolve-se um 
diálogo em volta da pergunta, colocada por Mário, do que é uma metáfora: 
Mario levou a mão ao coração e quis controlar um adejar desaforado 
que lhe havia subido até a língua e que lutava por estalar entre seus dentes. 
Deteve a caminhada e, com um dedo impertinente manipulado a centímetros 
do nariz de seu emérito cliente, disse: 
- O senhor acha que todo o mundo inteiro, quero dizer todo o mundo, 
com o vento, os mares, as arvores, as montanhas, o fogo, os animais, as casa, 
os desertos, as chuvas... 
- ...agora podes dizer etcétera”. 
-... os etcéteras! O senhor acha que o mundo inteiro é a metáfora de 
alguma coisa? 
 
Neruda abriu a sua boca e seu enérgico queixo pareceu cair do seu 
rosto. 
Eis aqui esta pequena cena. Aqui a metáfora não é nenhum meio retórico, também não é 
nenhuma expressão ou frase gramatical irregular. Quanto mais se vê o mundo inteiro como 
uma metáfora de algo, mais claro fica que o núcleo da competência metafórica está na 
capacidade de ver alguma coisa como alguma outra coisa. 
 
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Para desenvolver uma ideia sobre esta capacidade, esboçarei, a seguir, o perfil de uma 
concepção geral filosófica da metáfora, não desde a visão da linguística ou das ciências de 
letras. Depois perguntarei até que ponto nesta base a metáfora pode ser entendida como 
“imaginação modelante” na atividade de aprendizagem. 
 
I. Metáfora, princípio metafórico e processo metafórico 
Como princípio metafórico, consideramos a capacidade de ver alguma coisa como 
alguma outra coisa; o processo metafórico é o processo de dizer, entender e produzir 
metáforas. 
Eu parto das seguintes hipóteses: 
1. Metáforas são em geral elementos constitutivos para a nossa concepção de realidade. 
Nós estruturamos os diferentes campos (áreas) de nossas experiências de maneira sistemática 
por meio da metáfora. Nelas construímos imaginações como “quadros” que criam relações 
entre campos, fenômenos e processos bem diferentes e contrários e formam um sistema 
coerente. 
2. No nível do cotidiano, a arte e a ciência são metáforas mediadas pela formação de 
sistemas. Aqui elas atuam de maneira muito diferente como modelos que orientam nossa 
forma de agir e reconhecer. 
3. O principio metafórico se articula na competência antropológica de ver alguma coisa 
como alguma outra coisa. Esta competência exige estruturar um fenômeno, uma área ou um 
processo, segundo o modelo de um outro, numa determinada modalidade. 
 4. O princípio metafórico não é somente básico para a formação do sistema da nossa 
experiência. É também fundamental nas mudanças e transgressões para a construção do novo. 
As fronteiras

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