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SUSANA INÊS BASUALDO SOCIOLOGIA: Teorias e Aplicação 94 Sociologia Contemporânea 3 UNIDADE 3 SOCIOLOGIA CONTEMPORÂNEA INTRODUÇÃO Vamos abordar o Pensamento Sociológico Contemporâneo a partir da abordagem sin- tética dos sociólogos que têm sido reconhecidos como as maiores referências para a compreensão da sociedade atual. A seguir, apresentaremos o processo de construção da Sociologia no Brasil, as pri- meiras modalidades de pensamento social e as influências do pensamento sociológico clássico na produção intelectual até a institucionalização da Sociologia no Brasil. Ainda, trataremos da constituição Científica da Sociologia brasileira e os principais so- ciólogos do século XX, suas obras e seu desenvolvimento na atualidade. Por fim, en- cerraremos a unidade com a apresentação de abordagens sociológicas de temáticas desafiantes de nossa realidade social. 1. PENSAMENTO SOCIOLÓGICO CONTEMPORÂNEO O processo de constituição da Sociologia foi complexo, longo e marcado pelas carac- terísticas territoriais, temporais, valores e posturas políticas dos sociólogos. Por outro lado, a institucionalização da Sociologia interferiu no “fazer” sociológico, que no trabalho dos clássicos se desenvolvia num âmbito restrito, quando não solitário, utilizando recur- sos próprios e sem suporte institucional (VIANA, 2007, p. 67). No entanto, foi esse trabalho pioneiro de Auguste Comte, Karl Marx, Émile Durkheim e Marx Weber que deu origem às diversas correntes sociológicas desenvolvidas no sé- culo XX: funcionalismo, teoria do conflito, estruturalismo e interacionismo simbó- lico (AUGUSTINHO et al., 2018, p. 28). Os temas clássicos, como Estado, economia, trabalho, indivíduo, sociedade e controle social, continuam em pauta com novas cores e debates, de acordo com os novos momentos e as diversas visões. A respeito da questão do Estado, dois importantes clássicos que se debru- çavam a respeito do seu papel e função foram: Karl Marx e Max Weber. O primeiro, para criticar e sustentar sua utilização e orientação por parte das classes dominantes, enquanto o segundo saudava sua relação de domi- nação de homens entre homens, porém apoiada no “monopólio dos meios de coação legítima (BIANCHI, 2014, p. 101). Porém, em nome da “Razão de Estado” muitas atrocidades foram cometidas ao longo do século XX e são reeditadas nesse começo do século XXI. Portanto, uma questão que permanece e motiva muita inquietação. (ROLON, 2020, p. 27) 95 3 U ni ve rs id ad e S ão F ra nc is co Sociologia: Teorias e Aplicação Assim como as visões relativas ao Estado no século XX, que vivenciou duas guerras e inúmeras revoluções, processos de libertação de colônias e golpes de estado. Por outro lado, com as mudanças e crises econômicas, que evidenciam as transformações do capitalismo, o mundo chega com maior força na década de 1980 ao processo de globalização. Este período também marcou o surgimento de blocos regionais, por um lado, com a união de países e o despontar de nacionalismos. Por outro, o neolibera- lismo avançou no cenário internacional, tendo como um de seus marcos “a chegada ao poder de Ronald Reagan, nos EUA, e Margaret Thatcher, na Inglaterra, na passagem da década de 1970 para 1980” (GOMES, 2006, p. 271). Nesse cenário, a esperança de superação dos conflitos sociais, que havia sido depositada no Estado de Bem-estar, começa a esvair-se. Surge uma nova configuração nos parâmetros de produção e de relações no mundo do trabalho, os benefícios dos avanços tecnológicos não chegam a todos, aumenta a concentração de renda que convive, sem preocupação, com con- tingentes que vivem na miséria (ROLON, 2020, p. 27). Sobre o a crise do Estado de Bem-estar Social e o avanço do Neoliberalismo, indicamos: ` O Estado de Bem-Estar Social: real ou ilusão?, de Silvio Luiz Almeida. Disponível em: https://youtu.be/TcdqGHbIWds. Acesso em: 2 mar. 2021. ` O Estado de Bem-estar Social para o século XXI, de Eduardo Fagnani. Disponível em: ht- tps://outraspalavras.net/crise-brasileira/o-estado-de-bem-estar-social-para-o-seculo-xxi/. Acesso em: 2 mar. 2021. SAIBA MAIS Os benefícios da vida em sociedade se evidenciam, assim como suas desvantagens, “do ponto de vista da individualidade e da liberdade, por exemplo” (ROLON, 2020, p. 28). Nesse sentido, o tema do controle social, com grande presença na obra dos clássicos, passa a ser abordado com outros matizes, inseridos em duas formas de coerção: formal e informal (Ibidem). As rupturas vividas pelos autores clássicos da sociologia no século XIX foram mais intensas que as do século XXI, que vivenciou e ainda produz guerras, um rápido ritmo de transformações e “eventos de instabilidade social”. Neste contexto, surge uma nova sociologia que se apoia na teoria dos clássicos “para estabelecer suas próprias leituras, fomentando o que se denomina sociologia contemporânea” (AUGUSTINHO et al., 2020, p. 33-37 grifo nosso). 1.1 ABORDAGENS DA SOCIOLOGIA DO CONHECIMENTO Augustinho et al. (2018, p. 42-45) apresentam a sociologia do conhecimento a partir das abordagens de Peter Berger (1927-2917) e Thomas Luckmann (1927-2016) em seu texto A construção social da realidade, publicado em 1966. Em sua abordagem, eles utili- zam elementos da psicologia social para, a partir da sociologia do conhecimento, “explicar as relações entre indivíduo e sociedade”. Nesse sentido, utilizam “perspectivas objetivas 96 Sociologia Contemporânea 3 e subjetivas da realidade”, partindo “da significação da sociedade pelo indivíduo e dos comportamentos do indivíduo em sociedade” (AUGUSTINHO et al., 2018, p. 42). A novidade da proposição de Berger e Luckmann (1966 apud AUGUSTINHO et al., 2018, p. 42) reside na afirmação da existência de uma influência recíproca entre indiví- duo e sociedade, revelando a influência da concepção marxista de infraestrutura e su- perestrutura. Por outro lado, também utilizam referências de Durkheim (“fatos sociais”) e Weber (“noção subjetiva de construção dos significados da ação”) em suas análises da realidade (AUGUSTINHO et al., 2018, p. 42). Segundo os autores, a realidade é construída socialmente. Esta realidade se compõe de eventos e fenômenos que ocorrem “independentemente da vontade humana”, mas os sujeitos podem conhecer seus “efeitos e consequências”. No entanto, os autores consideram que o conhecimento da realidade pelos indivíduos se dá de maneira dife- renciada de acordo com sua formação cultural e de sua intencionalidade na ação. Ainda segundo os autores, esse segmento da sociologia deveria se ocupar de todas as formas de conhecimento estabelecidas, já que o conhecimento seria construído e transmitido em meios e situações sociais. Por isso, a so- ciologia do conhecimento não poderia ter outra apresentação senão a ob- servação e a análise da construção social da realidade — o conhecimento, aprendido e ensinado em práticas e grupos sociais, seria a ferramenta de construção da realidade social em um determinado grupo. (BERGER; LU- CKMAN, 2004 apud AUGUSTINHO et al., 2018, p. 42) Seriam essas diferenças de conhecimentos que dariam espaço para a produção de diferentes realidades. A possibilidade de interferir na realidade pelo indivíduo está no contexto do seu cotidiano, nas práticas que desenvolve a partir do conhecimento de que dispõe. Os autores ainda apresentam a relevância do fator temporal na concepção do cotidia- no, cuja consciência é determinada a partir de suas funções fisiológicas (cansaço, fome, sono, morte) e por diversos elementos coercitivos da vida social (horário do ônibus, da aula, trajeto a percorrer) sobre os quais ele não tem domínio. Nesse sentido, o indivíduo desenvolve suas ações cotidianas de acordo com fragmentos de tempo que os “dispo- sitivos da vida social” lhe impõem, devendo se adequar a eles. Outro elemento fundamental na construção do conhecimento, de acordo com esta te- oria, são as tipificações sociais. Estas se constroem a partir da intensidade da influ- ência, por exemplo oucomparação, que as experiências dos indivíduos de seu campo de relação podem exercer como referência em suas tomadas de decisão. O indivíduo considera o outro como semelhante ou diferente de si próprio de acordo com as seme- lhanças ou diferenças que observa entre suas estruturas da vida cotidiana, ou seja, em que contexto e condições se desenvolve seu dia a dia em comparação com o do outro (AUGUSTINHO et al., 2018, p. 42). Outro processo que contribui para a construção da realidade é a linguagem humana, como “processo de objetivações sociais dos processos subjetivos em que se estabe- lece a reciprocidade como fundamento” (Ibidem), considerando que a linguagem vai além da palavra, uma vez que na expressão dos pensamentos também há elementos 97 3 U ni ve rs id ad e S ão F ra nc is co Sociologia: Teorias e Aplicação subjetivos e que o ouvinte interpreta o conjunto da comunicação para responder. As “categorias simbólicas que estruturam a linguagem” são instituídas em conjunto pelos indivíduos, passando a constituir o conhecimento e designar os comportamentos cor- respondentes (Ibidem, p. 44). Os homens em conjunto produzem um ambiente humano, com a totalidade de suas formações socioculturais e psicológicas. [...] Assim como é impos- sível que o homem se desenvolva como homem no isolamento, igualmente é impossível que o homem isolado desenvolva um ambiente humano. O ser humano solitário é um ser no nível animal [...]. (BERGER; LUCKMANN, 2004 apud AUGUSTINHO et al., 2018, p. 44) As ações humanas se tornam ações sociais no conjunto, organizadas em categorias simbólicas que, através da vivência e interpretação dos indivíduos, serão organizadas como passado, presente e futuro. “O tempo se torna segmentado a partir das categorias simbólicas que o definem mais próximo ou mais distante do “aqui e agora”, formado por uma lembrança (passado) ou uma projeção (futuro).” (AUGUSTINHO et al., 2018, p. 44) Berger e Luckmann (2004 apud AUGUSTINHO et al., 2018, p. 44) estavam empenha- dos em expor o papel que o conhecimento exerce na formação, estruturação e ma- nutenção das sociedades, sendo que este conhecimento é constituído também pelas subjetividades. Desse modo, o conhecimento delineia as práticas sociais, mas num movimento dialético entre indivíduos e a sociedade, constituído por “elementos objeti- vos, estruturalmente externos, e elementos subjetivos, estruturados internamente pelos indivíduos” (Ibidem, p. 44). Segundo Augustinho, estes autores “mostram que a sociologia francesa pode ser as- sociada às leituras marxistas e até ao positivismo (na medida em que eles também destacam um conjunto de práticas para a interpretação dos fenômenos sociais, como o fizeram os positivistas)” (AUGUSTINHO et al., 2018, p. 44). Em sua sociologia do co- nhecimento, os autores revelam uma relação dialética entre o indivíduo e a sociedade que se manifesta num processo de múltiplas influências “entre pensamentos e com- portamentos subjetivos individuais e as estruturas sociais” (AUGUSTINHO et al., 2018, p. 44-45). Sua produção abre espaço para a exploração sistematizada de diferentes esferas sociais, como a sociologia da religião. Para conhecer mais sobre a sociologia do conhecimento, ver: ` NASCIMENTO, Denise M. Campo de conhecimento, vida cotidiana e a informação. Dispo- nível em: http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/informacao/article/download/1733/1483. Acesso em: 1 mar. 2020. ` TEIXEIRA, Faustino. Peter Berger e a religião. Disponível em: http://www.ihu.unisinos. br/78-noticias/569380-peter-berger-e-a-religiao. Acesso em: 1 mar. 2020. SAIBA MAIS 98 Sociologia Contemporânea 3 1.2 NORBERT ELIAS E A ABORDAGEM INDIVÍDUO/ SOCIEDADE Norbert Elias (1897-1990), sociólogo alemão representante de uma das vertentes da escola de conhecimento conhecida como “Escola de Frankfurt”, elaborou parte da cha- mada abordagem configuracional. Sua abordagem elimina a separação “entre indivíduo e sociedade na determinação dos comportamentos e fenômenos sociais” a partir da interpretação da leitura conjunta das influências e das possibilidades do exercício do poder ao longo dos processos civiliza- tórios (AUGUSTINHO et al., 2018, p. 44). Para ele, o processo civilizatório é a priori- dade em estudos sobre a sociedade, na busca dos fatores que favoreceram a chegada da humanidade à civilização (ROLON, 2020, p. 48; NERY, 2017, p. 73-74). Na relação entre indivíduo e sociedade, haveria “interdependência e interpenetra- ção”, na medida em que o indivíduo em interação interfere na sociedade enquanto a sociedade “como resultado dessa interação, age sobre os indivíduos e grupos” (NERY, 2017, p. 74). Essa conexão entre indivíduo e sociedade é referida da seguinte maneira: Ela (cada pessoa) vive, e viveu desde pequena, numa rede de dependên- cias que não lhe é possível modificar ou romper pelo simples giro de um anel mágico, mas somente até onde a própria estrutura dessas depen- dências o permita; vive num tecido de relações móveis que a esta altura já se precipitaram nela como seu caráter pessoal. E aí reside o verdadeiro problema: em cada associação de seres humanos, nesse contexto fun- cional, tem uma estrutura muito específica. (ELIAS, 1994 apud ROLON, 2020, p. 50) Nesse sentido, Elias (1994 apud ROLON, 2020, p. 51) apresenta a sociedade como uma “rede de funções” desempenhadas pelas pessoas entre si. A relação de interdependência também se manifesta entre conflito e consenso, sendo que o primeiro se relaciona a características subjetivas e emocionais da natureza hu- mana, que entram em conflito nas relações com outros sujeitos com suas emoções e subjetividades. O consenso, por outro lado, é o movimento das estruturas sociais para preservar o equilíbrio, evitando que o conflito leve à violência (AUGUSTINHO et al., 2018, p. 46). O esporte, nesta teoria, tem a função de mimesis, que podemos comparar a um palco onde são vivenciadas as emoções e sentimentos presentes nas relações de conflito na sociedade, mas num ambiente controlado para garantir o consenso. Assim, o esporte seria uma metáfora do que ocorre em diversos “campos da vida social, em que as subjetividades, voluntária e coercitivamente, equilibram a expressão das emoções na busca de consenso”, sem eliminá-las ou sufocá-las (Ibidem, p. 46). A abordagem configuracional da obra de Elias (1996) se baseia nas leitu- ras de como elementos como o poder, as emoções, o conhecimento e a história imprimem marcas no comportamento social, pautado constan- temente como movimento entre conflito e consenso. (AUGUSTINHO et al., 2018, p. 46, grifo nosso) 99 3 U ni ve rs id ad e S ão F ra nc is co Sociologia: Teorias e Aplicação Seu pensamento tem caráter processual, ou seja, visa desvendar os processos que mobilizam as transformações nas sociedades, na articulação da “estrutura da persona- lidade e estrutura social” (NERY, 2017, p. 74 grifo nosso), ou seja, ações individuais e processos sociais. Nesse sentido, sua sociologia, que deve estudar o indivíduo no seu contexto social, envolve quatro elementos fundamentais: Figura 01. Elementos fundamentais da Sociologia Fonte: adaptada de Nery (2017, p. 75). FIGURAÇÃO FIGURAÇÕES DESENVOLVIMENTOS SABERES Os “seres humanos em um contexto plural”. Indivíduos e grupos em relação contínua. Que ocorrem a longo prazo, mas não são previsíveis. Que se desenvolvem por meio dos seres no contexto plural. Finalmente, a civilização é entendida como a interiorização pelos indivíduos das trans- formações sociais, a partir da formação de novos “repertórios específicos de ações indi- viduais e coletivas” (NERY, 2017, p. 76). A civilização implicaria uma autorregulação do indivíduo para adequar-se ao exterior social (Ibidem, p. 77), ou seja, uma naturalização interna dos costumes sociais, que envolvem racionalização e autocontrole (ROLON, 2020, p. 60-65). 1.3 BOURDIEU E O CONSTRUTIVISMO ESTRUTURALISTA O sociólogo francês Pierre Bourdieu (1930-2002) constróisua obra no diálogo com as escolas sociológicas francesa e alemã e refuta o “determinismo coercitivo das estrutu- ras sociais” e a subjetividade como característica essencial das ações sociais (AUGUS- TINHO et al., 2018, p. 47). Em sua produção teórica, ele apresenta a influência também de outras áreas do conhe- cimento, como filosofia, antropologia e estatística. Sua contribuição é fundamental para o campo da sociologia, com destaque para a relação entre educação e cultura, acesso ao capital cultural e a ordem social (NERY, 2007, p. 83): “[a]ssinalemos, este é um as- pecto fundamental da sociologia de Bourdieu: a relação entre a propagação do capital cultural e a permanência da ordem social, da estrutura social” (Ibidem, grifo nosso). Seu modo particular de abordar a questão básica da sociologia, a relação entre indiví- duo e sociedade, se organiza em torno da relação do indivíduo e a estrutura social. Ele não compreende que o indivíduo e as estruturas sociais tenham peso diferencia- do entre si, pois tanto a estrutura molda o indivíduo quanto os movimentos subjetivos podem interferir nas estruturas sociais, “especialmente quando derivados das lutas so- ciais” (AUGUSTINHO et al., 2018, p. 48). As práticas sociais constituem a vida cotidiana e são permeadas por construções sim- bólicas, ou seja, os significados e sentidos subjetivos presentes nos grupos e nas sociedades. As práticas sociais refletem relações de poder, sendo que a vida em socie- dade pressupõe “algum tipo de violência”, não necessariamente física (ROLON, 2020, p. 71). A análise do poder na ação do indivíduo é o elemento substancial em sua obra, 100 Sociologia Contemporânea 3 pois é o aspecto que possibilita as relações de dominação. Para compreender essa relação, devemos abordar os conceitos de campo, habitus, capital, poder e violência simbólica e trajetórias de vida (AUGUSTINHO et al., 2018, p. 48). Em Bourdieu (2011 apud AUGUSTINHO et al., 2018, p. 48), o campo é ambiente simbólico onde ocorrem as ações humanas. É o lugar das disputas de poder, em que os agentes sociais jogam com seu capital simbólico, ou seja, sua biografia, trajetórias e habitus (Ibidem). Nesse sentido, o campo é a sociedade na qual se dão as batalhas com armas que se encontram “no âmbito das significações” (ROLON, 2020, p. 70). O habitus em BOURDIEU (2004; 2011 apud AUGUSTINHO et al., 2018, p. 48) é um complexo de “sistemas que direciona a ação”, influenciado pelas estruturas e pela sub- jetividade do agente social, “[é] um comportamento que, ao mesmo tempo, expressa as influências da sociedade e da subjetividade individual, e seu exercício também interiori- za no agente as referências sociais externas” (AUGUSTINHO et al., 2018, p. 48). Esta afirmação revela a existência do espaço para a manifestação da subjetividade do sujeito, apesar das influências e da coerção social. Assim, o habitus pode ser compre- endido como a base sobre a qual os indivíduos e grupos direcionam suas ações, tanto no sentido de reproduzir ou transformar as estruturas sociais (NERY, 2017, p. 88). O capital em BOURDIEU (2011; 2004 apud AUGUSTINHO et al., 2018, p. 48) é o conjunto de elementos que constituem “a quantidade e a intensidade do poder do indi- víduo em uma sociedade estratificada, dividida em classes sociais” (Ibidem, p. 49). Ou seja, no campo social, os indivíduos e grupos disputam com repertórios diferenciados, que manifestam as diferentes oportunidades de acesso que os grupos têm. Em outras palavras, o capital está relacionado com os instrumentos de poder que indivíduos e gru- pos tenham a mais que outros, seja capital econômico (acúmulo de riquezas), capital cultural (educação formal e erudita) ou capital social (trânsito social e acesso a espa- ços privilegiados). Ainda, temos o capital simbólico, que corresponde ao exercício do poder sustentado por um ou mais tipos de capital. O capital é algo que pode ser adquirido, no entanto, o acesso ao capital cultural pode ser utilizado como instrumento de dominação quando grupos sociais restringem seu acesso aos demais indivíduos e grupos. Por outro lado, acessá-lo pode ser um caminho de libertação, e, nesse sentido, a busca do acesso amplo aos bens culturais é uma ma- neira de promover um equilíbrio social. O que Bourdieu explica é que pessoas sem o capital cultural são mais facilmente dominadas nos campos sociais, e que a aquisição de capital cultural pelas classes mais baixas permite mais trânsito social, diminuindo a violência simbólica daqueles que ocupam os espaços mais altos entre as classes sociais. O capital social é aquele exercido por meio de privilégios adquiridos pelo status social, como acessos e trânsitos sociais adquiridos pelo sobrenome de uma família, por exemplo. (AUGUSTINHO et al., 2018, p. 49) As trajetórias sociais são os percursos empreendidos por indivíduos ou grupos, po- dendo ser favorecidos pelo seu capital simbólico ou reprimidos pela violência simbólica proveniente da luta interna presente na estrutura social estratificada (AUGUSTINHO 101 3 U ni ve rs id ad e S ão F ra nc is co Sociologia: Teorias e Aplicação et al., 2018, p. 50). As trajetórias sociais, de que trata o construtivismo estruturalista, não são uma construção autônoma do indivíduo, mas têm caráter de uma construção evolutiva que carrega marcas de sua origem e de seu grupo social. Ainda, no percurso vão sendo identificadas semelhanças com outros grupos sociais, podendo serem cons- truídas trajetórias comuns (MONTAGNER, 2007, p. 260). O aspecto de dominação simbólica, no entanto, não se dá apenas na existência de diferentes classes sociais, mas ele cria uma referência hierárquica simbólica que se manifesta em outros aspectos da sociedade. Assim, a dominação simbólica foi com- preendida como uma contribuição ao debate de gênero em seu último livro, Dominação masculina (BOURDIEU, 1998 apud ROLON, 2020, p. 77-78), em que ele denominou de “sociedade androcêntrica” a sociedade em que há predomínio do homem. Mas o pensamento de Bourdieu neste ponto vai além das relações de gênero e da dominação feminina. Para ele, esta sociedade (Ibidem, p. 78), de certa forma, naturaliza a violência simbólica, tratamento diferenciado para diversos grupos e segmentos da sociedade que são atingidos por atitudes de discriminação ou exclusão (ROLON, 2020, p. 77-78). 1.4 A TEORIA DA ESTRUTURAÇÃO EM GIDDENS Anthony Giddens (1938-), considerado o maior sociólogo britânico da atualidade, con- ta com uma extensa obra publicada em torno da revisão e releitura dos clássicos da Sociologia, por entender que eles não conseguem oferecer recursos suficientes para a análise da sociedade contemporânea em sua complexidade. Também, possui uma vasta produção de textos voltados à discussão de questões relativas à sociedade con- temporânea. Sua maior contribuição para a Sociologia é a Teoria da Estruturação (NERY, 2017, p. 97-98) Nela, o sociólogo desenvolve o conceito de reflexividade social, que consiste no ato “de pensar, questionar e pensar sobre e refletir acerca de nós mesmos”, compreenden- do diversos aspectos da sociabilidade, como costumes e tradições. A construção deste conceito tem base na compreensão da ação e da estrutura como interdependentes. A reflexividade corresponde à realidade do homem contemporâneo, que encontra, na complexidade social, “novos dilemas éticos”, questões que nunca seriam pensáveis por gerações passadas (NERY, 2017, p. 98-99). A reflexividade social refere-se à necessidade de estarmos sempre pensando, ou refletindo, a respeito das circunstâncias em que nossas vidas se desenro- lam. Quando as sociedades estavam mais adaptadas ao costume e à tradi- ção, as pessoas podiam seguir métodos estabelecidos para fazer as coisas de maneira mais irrefletida. (GIDDENS, 2005 apud NERY, 2017, p. 98) O pensamento reflexivo favorece a compreensão da dicotomia ação/estrutura no con- texto das complexidades do mundo globalizado, no qual aflora o questionamento sobre nossopapel como sujeitos sociais. Giddens (2005 apud NERY, 2017, p. 99) ainda apresenta a concepção de democracia das emoções, que entende ser uma postura que vem surgindo no contexto das novas relações familiares da vida moderna, que tendem a superar a dominação dos homens, predominante nas formações familiares tradicionais. 102 Sociologia Contemporânea 3 A crescente igualdade entre os sexos não pode se limitar ao direito ao voto: deve envolver também a esfera pessoal e íntima. A democratização da vida pessoal avança até o ponto em que os relacionamentos sejam construídos sobre o respeito mútuo, a comunicação e a tolerância. (GIDDENS 2005 apud NERY, 2017, p. 99-100) A grande contribuição deste novo conceito é a de levar a reflexão sobre a sociedade para além do seu caráter político. A reflexividade social, portanto, provoca o indivíduo a pensar-se como elemento que compõe as transformações sociais (NERY, 2017, p. 100). Outro conceito importante nesta abordagem sociológica é o de estrutura, que se re- laciona a “todos os elementos que compõem a produção e reprodução dos sistemas sociais” (NERY, 2017, p. 100). A estrutura, no âmbito desta teoria, não assume, como ocorre em outras teorias sociológicas, um caráter limitante e coercitivo sobre os sujeitos e grupos, mas é uma força que mobiliza a ação destes. Nesse sentido, é a ação indivi- dual e coletiva que constrói as estruturas sociais, instituindo valores, normas e regras que serão referências para o “agir social” (ROLON, 2020, p. 106). De fato, este movimento se configura como uma “estrutura recursiva”, pois se inicial- mente o agir social cria a estrutura, com seus valores, regras e normas, a partir de sua internalização pelos indivíduos e grupos eles irão influir no agir, sentir e pensar destes. No entanto, este não é um processo fechado, pois as ações dos indivíduos e grupos têm a capacidade de interferir na estrutura, “a capacidade de produzir, de exercer e fazer diferença” (ROLON, 2020, p. 107-108). Nery (2020, p. 101-102) afirma que a Teoria da Estruturação rompe com o determinismo da sociedade sobre a individualidade, bem como com a visão que opõe subjetividade e objetividade no contexto social, que, segundo a autora, não encontra lugar na sociologia contemporânea. Para finalizar nossa abordagem sobre a sociologia contemporânea, vamos recordar o contexto social que apresentamos no início como cenário para o desenvolvimento deste pensamento na atualidade e refletir: Vivemos hoje – no começo do século vinte e um – num mundo intensa- mente inquietante e, ao mesmo tempo, repleto das maiores promessas para o futuro. É um mundo inundado pelas mudanças, marcado por graves conflitos, tensões e divisões sociais, bem como pelo assalto destrutivo ao ambiente natural promovido pela tecnologia moderna. Não obstante, te- mos mais possibilidades de controlar os nossos destinos e de dar um outro rumo às nossas vidas do que era imaginável pelas gerações anteriores. (GIDDENS, 2008 apud ROLON, 2020, p. 108) 1.5 O INTERACIONISMO SIMBÓLICO DE ERVING GOFFMAN Erving Goffman (1922-1982) foi um sociólogo canadense vinculado ao interacio- nismo simbólico, escola de pensamento com raiz weberiana no que se refere à ação dos indivíduos. O interacionismo simbólico volta-se aos “estudos da lingua- gem”, incluindo as “formas de comunicação não verbais nas microrrelações sociais” (ROLON, 2020, p. 119-120). 103 3 U ni ve rs id ad e S ão F ra nc is co Sociologia: Teorias e Aplicação O autor estuda as relações cotidianas no que seria “o grande teatro do mundo”, onde indivíduos e grupos desempenham papéis. A partir dessa premissa, destacam-se os seguintes temas: ` Interação social: a vida social tem um funcionamento rotineiro, no qual os indivíduos estão sujeitos a encontros com outros indivídu- os, que desencadeiam impressões e sentimentos positivos ou negati- vos, além de posturas de autocontrole dos comportamentos próprios. Essa gama de interações entre os indivíduos constitui uma complexidade e Go- ffman busca, principalmente, compreender seus mecanismos de sustentação, a partir de “microssituações sociais concretas” (ROLON, 2020, p. 121). Diferen- temente da abordagem macrossocial de Marx, com sua perspectiva de “luta de classes”, a abordagem de Goffman, a partir das microssituações, se dedica à compreensão de aspectos mais próximos das relações sociais no cotidiano. ` Construção social do eu: Goffman parte da teoria de Mead (1934 apud GID- DENS; SUTTON, 2017, p. 223), considerada “a primeira teoria sociológica siste- mática da formação e do desenvolvimento do eu”. Trata-se da identidade como os “aspectos característicos da personalidade” que o indivíduo reconhece em si mesmo (Ibidem). George Herbert Mead (1863 - 1931) Psicosociólogo e filósofo norte americano. Profes- sor em Chicago desde 1894, foi pioneiro da psicologia social, nos estudos sobre o eu (Tradução livre e adaptação nossa, do texto de RUIZA e TAMARO, 2004). Obra disponí- vel em português: Mente, self e sociedade (2018) SAIBA MAIS A novidade da sua teoria é considerar que o “eu” não é fator biológico, mas se desenvolve “na interação social com os outros” (MEAD, 1934 apud GIDDENS; SUTTON, 2017, p. 223). O surgimento de um sentido de eu é um prelúdio necessário para a formação de uma identidade pessoal. [...] as identidades humanas são tanto pessoais como sociais porque são formadas nos contínuos processos de interação. (GIDDENS; SUTTON, 2017, p. 223-224) ` Organização da experiência social: Martins (2008 apud ROLON, 2020, p. 123) ressalta que o processo interacional é permeado por uma considerável carga emocio- nal, como sentimentos “de desconforto, ansiedade, medo, vergonha e humilhação”. Trata-se de dificuldades de controlar comportamentos em determinadas situações sociais. Goffman trabalha o “sentimento de embaraço”, presente em situações nas quais o indivíduo sente que sua atitude/ comportamento não foi adequado. Desse modo, há um retorno à imagem da “representação”, pois o indivíduo, para 104 Sociologia Contemporânea 3 1.6 A MODERNIDADE LÍQUIDA EM BAUMAN Zygmund Bauman (1925-2017), sociólogo de origem polonesa, judeu e radicado na Grã-Bretanha desde 1971, vivenciou o antissemitismo durante a Segunda Guer- ra e muitas mudanças sociais do século XX e XXI. Neste processo de vivência e estudo, construiu uma vasta produção intelectual em torno de temas da vida con- temporânea, sendo considerado referência na abordagem da pós-modernidade (ROLON, 2020, p. 166-168). Para além da perspectiva intelectual, engajou-se na reflexão e na proposi- ção para a superação dos graves problemas gerados pelo capitalismo libe- ral, sendo-lhe um grande opositor. Neste ponto, tal como Pierre Bourdieu, advogava por uma sociologia crítica para o enfrentamento destes tempos difíceis. (ROLON, 2020, p. 168) Para compreender o pensamento de Bauman (2001 apud ROLON, 2020, p. 168), é pre- ciso que abordemos, inicialmente, o conceito de modernidade líquida. O autor utiliza as metáforas dos sólidos – “que têm dimensões espaciais claras” e se estabelecem no espaço, sem preocupação com o tempo – e dos líquidos – “que não se atêm muito a qualquer forma”, mas que, em sua fluidez, “o tempo é o que importa” – (BAUMAN, 2001 apud ROLON, 2020, p. 168) para representar o processo da modernidade. O solido é fugir dessas situações, se esforça para adequar seu comportamento à imagem que gostaria “de mostrar em público”. Assim, o sujeito se empenha em viver um papel adequado ao espaço/ ambiente em que se encontra. Considerando o ca- ráter multifacetado da sociedade, o sujeito deve exercer diversos papeis sociais, assumindo e outorgando “rótulos” (ROLON, 2020, p. 123-127). ` Aspectos da vida social: ainda no contexto social existe, de acordo com cada momento histórico, a noção do “normal”, como aspectos físicos, morais e/ ou com- portamentais socialmente considerados como referenciais adequados. O estigma é a marca negativa outorgada aosujeito que possui alguma característica conside- rada fora desse normal: o anormal. No livro Estigma: Notas Sobre a Manipulação da Identidade Deteriorada (1981), Goffman apresenta como os rótulos são formas de exclusão social (ROLON, 2020, p. 130). O autor classifica o estigma em três níveis: Em primeiro lugar, há as abominações do corpo – as várias deformidades físicas. Em segundo, as culpas de caráter individual, percebidas como von- tade fraca, paixões tirânicas ou não naturais, crenças falsas e rígidas, de- sonestidade, sendo estas inferidas a partir de relatos conhecidos de, por exemplo, distúrbio mental, prisão, vício, alcoolismo, homossexualismo, de- semprego, tentativas de suicídio e comportamento político radical. Finalmen- te, há os estigmas tribais de raça, nação e religião [...]. (GOFFMAN, 2004 apud ROLON, 2020, p. 132, grifo do autor) Os estigmas têm relação direta com o controle social imposto, de diversas maneiras, a indivíduos e grupos sociais, na necessidade de controlar ou condenar seus comportamentos. 105 3 U ni ve rs id ad e S ão F ra nc is co Sociologia: Teorias e Aplicação visto como pesado e resistente ao impacto com outros sólidos, no entanto, exposto ao fluxo do líquido, pode ter sua estrutura alterada, desgastar-se ou derreter (BAUMAN, 2001 apud ROLON, 2020, p. 169). Mas a modernidade não foi um processo de “liquefação” desde o come- ço? Não foi o “derretimento dos sólidos” seu maior passatempo e principal realização? Em outras palavras, a modernidade não foi “fluida” desde sua concepção? (BAUMAN 2001 apud ROLON, 2020, p. 170) Este processo já fora referido no Manifesto comunista (2008 [1848]), de Marx e Engels, quando afirmam que a sociedade capitalista engendra em seu seio as condições de sua superação. Assim, o sólido, a sociedade protegida por suas tradições, crenças e outros “referenciais fixos”, como família e cultura, são substituídos por “uma nova or- dem – cuja base é econômica – que se reproduz continuamente sem a possibilidade de ser questionada”. Trata-se de uma nova racionalidade, uma racionalidade instrumental, “cujo fim último é a liberdade para os negócios da modernidade emergente”, que exige mudanças no campo moral (ROLON, 2020, p. 170). Os sólidos que estão para ser lançados no cadinho e os que estão der- retendo neste momento, o momento da modernidade fluida, são os elos que entrelaçam as escolhas individuais em projetos e ações coletivas – os padrões de comunicação e coordenação entre as políticas de vida condu- zidas individualmente, de um lado, e as ações políticas de coletividades humanas, de outro. (BAUMAN, 2001 apud ROLON, 2020, p. 171) Desse modo, o aumento do Individualismo passa a ser uma característica da socieda- de moderna. Nela, o indivíduo deveria contrapor-se à dominação da moralidade e dos costumes, a qual é superada pela “concepção recíproca”: a sociedade dando forma à individualidade de seus membros, e os indivíduos formando a sociedade a partir de suas ações de vida [...]. A sociedade moderna existe numa atividade incessante de “individualização”, assim como as atividades dos indivíduos consistem na reformulação e renegociação diárias da rede de entrelaçamentos chamada “sociedade”. (BAUMAN, 2001 apud ROLON, 2020, p. 172-173) Essa individualidade, no entanto, está vinculada ao Consumo, que passa a ser a nova “medida de liberdade” dos indivíduos, mas que é um desejo nunca completamente sa- tisfeito. Esta sociedade do consumidor perde a perspectiva da cidadania e os interesses públicos são relegados diante dos desejos insaciáveis do indivíduo. Por outro lado, essa necessidade sempre crescente de consumo alimenta um sentimento de “permanente incompletude”, em que o “importante não é “ser”, mas “parecer” para os demais (RO- LON, 2020, p. 176-177). Ainda, nessa sociedade o indivíduo também se torna mercadoria “exposta nas prate- leiras” (BAUMAN, 2001 apud ROLON, 2020, p. 177). Não basta mais contar com uma saúde adequada para o exercício de determinado trabalho, mas é preciso ser apto. Segundo Bauman (2001 apud ROLON, 2020, p. 177-178), o “‘estado de aptidão’ não pode, por sua natureza, ser fixado e circunscrito com qualquer precisão”, uma vez que se baseia na flexibilidade e adaptação a novos critérios que possam vir a ser conside- rados necessários. Em outras palavras, na sociedade do consumo também as pessoas se tornam descartáveis. 106 Sociologia Contemporânea 3 Esta sociedade, pautada pela cultura do consumo, não supre, no entanto, as “carências e necessidades mais profundas”, causando o que se denomina o “mal-estar da pós- -modernidade” (ROLON, 2020, p. 181, grifo nosso). Este termo tem base nos escritos de Freud (1978 apud ROLON, 2020, p. 180-181), em que ele analisa que, se por um lado a civilização visa à proteção dos homens diante da natureza e o ajuste dos relacio- namentos, por outro lado, ela impõe sacrifícios e renúncias, no controle da sexualidade e da agressividade. Assim, Bauman parte do mal-estar gerado na constituição da civili- zação moderna para analisar suas características na nova modernidade: ` O “sonho de pureza e higiene”, que deixou marcas profundas durante a Se- gunda Guerra Mundial, ainda encontra espaço diante daqueles que, de alguma maneira, ameaçam a estética social. Estes podem ser desde revolucionários até pessoas em situação de rua (BAUMAN, 1998 apud ROLON, 2020, p. 182); ` “A anulação e criação de estranhos”: segundo Bauman, cada sociedade estabe- lece, de acordo com os critérios específicos do momento, aqueles que não serão considerados iguais. No caso da sociedade pós-moderna, o estranho é aquele que não se enquadra aos padrões de consumo. Assim, desempregados, pesso- as que necessitam de políticas compensatórias, políticas públicas ou previdência social se tornam um fardo, pois o interesse do mercado se sobrepõe à necessi- dade da ação do Estado e a pobreza passa a ser criminalizada (BAUMAN, 1998 apud ROLON, 2020, p. 183). Abaixo, sugestões de leituras das obras de Bauman: ` BAUMAN, Z. Modernidade Líquida. Tradução: Mauro Gama e Cláudia Martinelli Gama. Revisão técnica: Luís Carlos Fridman. Rio de Janeiro: Zahar. Edição eletrônica: julho 2011 (Biblioteca USF) ` BAUMAN, Z. O mal-estar da pós-modernidade. Tradução: Plínio Dentzien. Rio de Janei- ro: Zahar. Edição digital: abril 2012 (Biblioteca USF). ` BAUMAN, Z. Vida para consumo: A transformação das pessoas em mercadoria. Tradu- ção: Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar. Edição eletrônica: abril 2012 (Biblio- teca USF). ` BAUMAN, Z.; MAY, T. Aprendendo a pensar com a Sociologia. Tradução: Alexandre Wer- neck – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor Ltda. Edição brasileira 2010 (Biblioteca USF). SAIBA MAIS 107 3 U ni ve rs id ad e S ão F ra nc is co Sociologia: Teorias e Aplicação 2. CONSTRUÇÃO DO PENSAMENTO SOCIOLÓGICO NO BRASIL No Brasil, antes da inserção da Sociologia como disciplina obrigatória nos currículos escolares, ocorrida em apenas em meados da década de 1920, a produção de estudos voltados ao campo sociológico vinha se desenvolvendo sem que houvesse reconheci- mento legal. Azevedo (1994 apud SILVA 2007, p. 432) reconhece traços dessa preocupação em documentos redigidos desde o século VIII até o início do XIX. Esses textos, escritos por “viajantes, cronistas, naturalistas”, clérigos e religiosos, trouxeram contribuições impor- tantes para o campo sociológico, mesmo sem a preocupação com o método nem com a produção científica. Tais registros da vida social no Brasil deixam arquivos que nos permitem, na atualidade, descobrir e construir diferentes leituras da formação social do país. Peças de valor documental, documentos de toda ordem, narrativas de via- jantes, cartas e crônicas de missionários, aí avultam, sobretudo nos dois primeiros séculos, em tal abundância que, apenas publicados ou mais di- fundidos, atraíram historiadores, etnólogos e sociólogos empenhados na reconstituição de nossa história, no estudo de culturasprimitivas ou na análise da estrutura social e econômica da sociedade colonial. (AZEVEDO, 1994 apud SILVA, 2007, p. 432) Esse acervo documental passa a ser mais difundido no início do século XXI, provo- cando grande interesse entre historiadores e cientistas sociais. Eles possibilitaram que realidades há tempo extintas fossem alvo de estudos, favorecendo novas leituras sobre a formação social e o meio natural do Brasil. Segundo Azevedo (1994 apud SILVA, 2007, p. 433), esses documentos favoreceram uma retomada de estudos históricos na antropologia e na sociologia, com enfoque na socie- dade colonial e nas culturas primitivas, extintas ou ainda existentes. O acesso a esse material se popularizou graças a um período de atividade editorial intensa (Ibidem). Desse modo, podemos perceber que, antes de chegarem as influências europeias no final do século XIX, com destaque ao positivismo, os primeiros pensadores sociais “for- maram o alicerce com o qual se cimentarão os primeiros estudos tidos como ‘sociológi- cos’ no país” (SILVA, 2007, p. 433). Azevedo registra esse período de produção de escritos da sociedade e natureza dos primeiros séculos de colonização na América Latina como “período dos mitos” (AZEVE- DO, 1994 apud SILVA, 2007, p. 433). Esses escritos são constituídos por “relatos, cartas, crônicas” e registros “variados dei- xados pelos viajantes que por aqui passaram, intérpretes atônitos diante do inusitado”. Neles, são registrados diversos aspectos sobre o modo de vida de povos indígenas e da sociedade da colônia, bem como registros da fauna e da flora local. Assim, eles formam um “acervo empírico de grande valor”, um legado que desvenda a tragédia presente no processo de construção do país à revelia dos povos originários (SILVA, 2007, p. 433). 108 Sociologia Contemporânea 3 2.1 OS PRIMEIROS PASSOS PARA A CONSTITUIÇÃO DA SOCIOLOGIA NO BRASIL A Segunda Revolução Industrial se iniciava na Europa, na década de 1870, enquanto no Brasil o Segundo Reinado encaminhava-se ao seu fim, sentindo os ecos do processo so- ciopolítico e econômico que afetava o Velho Mundo. A Segunda Revolução Industrial não afetou apenas as características iniciais do capitalismo, mas também trouxe mudanças significativa para algumas antigas colônias europeias. O Brasil, que sofria grande influên- cia dos acontecimentos ocorridos na Europa, vivia um processo de urbanização e cresci- mento populacional. Nesse contexto, despontavam demandas de participação política e econômica, ao lado do acúmulo de capitais proveniente da expansão da cafeicultura, que seriam revertidos em investimentos financeiros, em infraestrutura e na indústria. Todas as áreas da vida social foram fortemente afetadas por essas mudanças inseridas na conjuntura mundial vinculada ao capitalismo monopolista. A intelectualidade nacio- nal também repercutiu esse momento em suas produções na literatura e na produção de críticas à organização da sociedade de seu tempo, mostrando em suas obras certa sintonia com a efervescência da intelectualidade internacional. Dentre os autores, cabe destacar: “Joaquim Nabuco, Rui Barbosa, Machado de Assis, Castro Alves, Aluísio de Azevedo”, entre outros (FERREIRA, 2003, p. 96). Liedke Filho (2017, p. 377) aborda o processo de desenvolvimento da Sociologia no Brasil apresentando um período denominado “Pensadores Sociais”, no qual se situa historicamente o centro das lutas das nações da América Latina para a conquista da independência até início do século XX. A produção teórica desse período, desenvolvida por pensadores ou mesmo políticos, não pode ser considerada científica, mas traz mar- cas da influência do pensamento filosófico-social da Europa e Estados Unidos, como: “[o] iluminismo francês, o ecletismo de Cousin, o positivismo de Comte, o evolucionismo de Spencer e Haechel, o social-darwinismo americano de Summer e Ward e o determi- nismo biológico de Lombroso” (LIEDKE FILHO, 2005, p. 377). ` Sobre o iluminismo francês, ver: O Pensamento Iluminista e o Desencantamento do Mun- do, de Vico Denis S. de Mello e Manuella Riane A. Donato. Disponível em: https://www. seer.ufal.br/index.php/criticahistorica/article/view/2776. Acesso em: 1 mar. 2021. ` Sobre a influência Victor Cousin (1792-1867) no pensamento social no Brasil, ver A influência do ecletismo na produção teórica do Serviço Social na contemporaneidade, de Sheilla Nadí- ria Rodrigues Rocha. Disponível em: https://repositorio.ufpe.br/bitstream/123456789/9200/1/ arquivo2587_1.pdf. Acesso em: 1 mar. 2021. ` Sobre a influência de Herbert Spencer (1820-1903) no Brasil, ver Darwinismo social, eugenia e racismo “científico”: sua repercussão na sociedade e na educação brasilei- ra, de Maria Augusta Bolsanello. Disponível em: https://revistas.ufpr.br/educar/article/ view/36031/22220. Acesso em: 1 mar. 2021. SAIBA MAIS 109 3 U ni ve rs id ad e S ão F ra nc is co Sociologia: Teorias e Aplicação Essas produções teóricas viriam a ser utilizadas para enfrentar duas preocupações do momento (LIEDKE FILHO, 2005, p. 377): ` Sobre a influência de Cesare Lombroso (1835-1909), ver O determinismo biológico no Brasil de entre-guerras, de Luis Antonio Coelho Ferla. Disponível em: https://anpuh. org.br/uploads/anais-simposios/pdf/2019-01/1548772007_23b8252299b69d91c7a4ec- 143da8f803.pdf. Acesso em: 1 mar. 2021. ` Sobre o relativismo étnico-cultural e o racismo no Brasil, ver A formação do povo brasi- leiro e suas consequências no âmbito antropológico, de Josuel Stenio da Paixão Ribei- ro. Disponível em: http://uniesp.edu.br/sites/_biblioteca/revistas/20180403114148.pdf. Acesso em: 1 mar. 2021. ` A constituição do “Estado nacional”, num contexto de emergência dos ideais liberais em oposição à cultura autoritária dominante; ` A temática da “identidade nacional”, evidenciando a “questão racial”, com a presen- ça de abordagens opostas: racismo (etnocentrismo) e “relativismo étnico-cultural”. Segundo Azevedo (1957;1962 apud LIEDKE FILHO, 2005, p. 379), no Brasil houve uma fase anterior à estruturação da Antropologia e Sociologia no “ensino e pesquisa”, da “segunda metade do século XIX até 1928”. Esta etapa voltou-se, principalmente, às expedições científicas de investigação das culturas indígenas entre 1818 a 1910, conforme descrito: [...] sábios alemães e de outras nacionalidades [...] se puseram em contato com grande número de tribos, (abrindo) novas perspectivas aos estudos etnológicos e, com as obras (resultantes) trouxeram contribuição notável aos progressos nesse vasto domínio de investigações científicas. (AZEVEDO, 1962 apud LIEDKE FILHO, 2005, p. 379) Nesse mesmo período, foram desenvolvidos estudos de “Antropologia Física e Cultu- ral” voltados para a temática dos “negros e as culturas africanas no Brasil” por Batista Lacerda, Nina Rodrigues, Roquete Pinto, entre outros. Sobre os debates acerca da questão racial no Brasil em fins do século XIX e início do século XX, ver: ` Sobre João Baptista de Lacerda (1846-1915) e Edgard Roquette Pinto (1884-1954), O Congresso Universal de Raças, Londres, 1911: contextos, temas e debates, de Vanderlei SAIBA MAIS 110 Sociologia Contemporânea 3 Para Azevedo (1962 apud LIEDKE FILHO, 2005, p. 379), esses pensadores sociais, precursores da sociologia no Brasil, eram “autodidatas, eruditos ou diletantes”, influen- ciados pelas diversas teorias científicas que chegassem a eles do exterior, tomando-as como referência para a construção de seu trabalho. O pensamento social e político, nesse contexto, foi se construindo com bases positivistas e evolucionistas e influências diversas, como a escola antropológica italiana, teorias antropogeográficas, ecologia hu- mana e antropologia cultural anglo-americana. Candido (2006, p. 271) também apresenta um período anterior à institucionalização da Sociologia no Brasil, definindo três períodos no seu processo de constituição, que vão de 1880 a 1930, de 1930 a 1940 e de 1940 em diante. No período de 1880-1930,a produção de estudos sobre a sociedade era desenvolvida por intelectuais sem especialização, com o propósito de “formular princípios teóricos ou interpretar de modo global a sociedade brasileira”, não contando com ensino sistemáti- co nem a utilização de pesquisa empírica (Ibidem). Já mencionamos a influência evolucionista nesse processo de estudos sobre a socie- dade, e cabe acrescentar a forte influência do Direito. Neste período de constituição do Estado nacional, era primordial formular um arcabouço legal compatível com o que se entendia por Estado moderno. As bases desta construção eram a interpretação das “relações entre a vida econômica e a estrutura política” e o “surto científico” presente na segunda metade do século XIX, principalmente na biologia. Desse modo, “os juristas mergulharam na fraseologia cien- tífica e se aproximaram, neste terreno, dos seus pares menos aquinhoados, médicos e engenheiros, que com eles formavam a tríade dominante da inteligência brasileira”. Sua relação com o evolucionismo se expressava na “obsessão com os fatores naturais, notadamente o biológico (raça)”, e “a preocupação com etapas históricas”. No entanto, segundo Candido, o evolucionismo advindo da Europa foi adequado a aspectos da realidade local no momento que o país buscava uma identidade nacional, “preocupado com o peso do passado escravocrata, as possibilidades do desenvolvimento futuro, o significado positivo ou negativo que teriam neste processo as raças díspares e a decor- rente mestiçagem” (CANDIDO, 2006, p. 272). Sebastião de Souza e Ricardo Ventura Santos. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/ bgoeldi/v7n3/a08v7n3.pdf. Acesso em: 1 mar. 2021. ` Sobre Raimundo Nina Rodrigues, O “racialista vacilante”: Nina Rodrigues e seus estu- dos sobre antropologia cultural e psicologia das multidões (1880-1906), de Filipe Pin- to Monteiro. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S- 2237-101X2020000100193. Acesso em: 1 mar. 2021. ` Você também pode assistir ao vídeo A entrada das teorias raciais no Brasil, de Lili Schwarcz, no YouTube. Disponível em: https://youtu.be/93f7nkbD7tY. Acesso em: 1 mar. 2021. 111 3 U ni ve rs id ad e S ão F ra nc is co Sociologia: Teorias e Aplicação Ainda, Candido destaca que Silvio Romero, no livro Introdução à história da literatu- ra brasileira (1881), teria elaborado o primeiro registro do que viria a ser considerado Sociologia no Brasil durante um longo período. Sua obra compõe “diretrizes para os estudos sociais no Brasil”, ao interpretar o sentido da evolução cultural e institucional de acordo com os elementos “naturais do meio e da raça” (CANDIDO, 2006, p. 273). Silvio Vasconcelos da Silveira Ramos Romero nasceu em Lagarto, município de Sergipe, em 1851, e faleceu no Rio de Janeiro, em 1914. As pesquisas e escritos de Silvio Romero publicados no último quartel do século XIX ilustram a índole da sociologia brasileira daquele momento. Eles protagonizaram a construção de um controverso tipo de reflexão que foi orquestrado a partir da aplicação de modelos teóricos coloniais conjugados a pesquisas de caráter empírico. Para saber mais, ver Lugares de Silvio Romero na Sociologia Brasileira, de Ivan Fontes Bar- bosa. Disponível em: https://ojs.ufs.br/index.php/tomo/article/download/8836/7043. Acesso em: 1 mar. 2021. SAIBA MAIS Além de Silvio Romero, outros intelectuais de seu tempo fizeram discussões em torno desta “nova ciência de cunho positivista”, como Tobias Barreto (1839-1889), afirmando: a sociologia é apenas o nome de uma aspiração tão elevada e quão pouco realizável. Além deste caráter de simples postulado do coração, que vê o que quisera ver na sociedade humana como um todo orgânico, subordina- do, como os demais organismos, a certas e determinadas leis, a palavra não tem outro sentido que mereça ser investigado. (BARRETO, 1990 apud ROLON, 2020, p. 192) Sua crítica à sociologia de base positivista sustentava-se na afirmação de que, apoiada no evolucionismo e no uso de métodos naturalistas, careceria de independência que garantisse sua constituição como ciência (ROLON, 2020, p. 192). Para Tobias Barreto, faltava à sociologia “objeto e métodos precisos”, próprios, acenando, de certa forma, à necessidade de uma “formulação teórica alternativa”, uma sociologia que fosse inde- pendente das formas dominantes. Os debates em torno da sociologia entre Romero e Barreto (CANDIDO, 2006, p. 473- 474) nesse período são intensos e envolvem seus discípulos e críticos, empenhados em construir novos argumentos para sustentar suas posições. Outra característica des- se período de consolidação da sociologia no Brasil, segundo Candido (2006, p. 475), é a superação da elaboração mais digressiva ou da “teorização mais ou menos retórica”, pois passaram a produzir “estudos monográficos e interpretação sistemática da realida- de”. Dentre os primeiros autores desse período que demonstram assumir o que Candi- do denomina de “espírito sociológico pela atitude em face da realidade, a consciência dos problemas ou a marcha da investigação de cunho monográfico”, destacamos: 112 Sociologia Contemporânea 3 ` Lívio de Castro (1864-1890): em sua obra A mulher e a sociogenia (1887), escri- ta aos 23 anos, sustenta a “inferioridade intelectual feminina” a partir da compa- ração do tamanho dos crânios de homens e mulheres. No entanto, entende que essa diferença estaria vinculada ao “processo cultural e educacional imposto” às mulheres, portanto, reverter essa condição de alienação poderia reverter esse distanciamento intelectual entre os sexos (ROLON, 2020, p. 193); ` Euclides da Cunha (1866-1909): conquista reconhecimento a partir da obra Os sertões (1902), que foi escrita a partir de eventos transcorridos durante a “Guerra de Canudos”, da qual fez cobertura como correspondente jornalístico por um breve período (VALENTE JUNIOR, 1920, p. 75-77). Esta obra denuncia a Campanha de Canudos como um crime com violência e destruição inomináveis contra um povo que, sendo parte do Brasil, não se enquadrava no ideal de progresso, do “sonho republicano” das elites brasileiras. Este livro evidencia a brasilidade como um dile- ma que tem fortes marcas de desigualdade social, descompasso territorial no de- senvolvimento e forte influência do poder das oligarquias, destoando “do ambiente artificialmente afrancesado que predomina no Rio de Janeiro” à época. Candido (2006) destaca os valores dessa obra, que define como tendo surpreendente “acuidade sociológica” ao descrever e analisar a sociedade sertaneja, destacando o pa- pel da “segregação geográfica e cultural” na sua formação. Ressalta, ainda, que a maior contribuição desta obra é o “estudo da situação de conflito entre essa cultura e a que se desenvolvia nas regiões litorâneas sob o signo do progresso moderno” (CANDIDO, 2006, p. 277-278). Ainda, Candido acrescenta: Euclides extrai limpidamente a teoria, salientando o significado social da coexistência de dois Brasis, cujas relações poderiam tomar periodicamen- te um sentido de grande tragédia coletiva, se não se desenvolvesse uma política adequada para superar a distância entre ambos. Além da visão sociológica, o livro vem marcado por qualidades literárias de tão elevado teor, que a penetração na sociedade e nos fatos estudados se opera com profundidade divinatória, revelando bruscamente, como de fato revelou, a complexidade dramática da sociedade brasileira à consciência algo ador- mecida dos seus intelectuais e políticos. (CANDIDO, 2006, p. 278) Sendo assim, Os sertões (1902) é considerado uma referência para que os estudos da sociedade, na visão de Candido (2006, p. 278), sejam realizados de um ponto de vista siste- mático, sem se aterem a preocupações de ordem jurídica nem a “especulações demasiado acadêmicas. Euclides da Cunha impusera definitivamente a ‘realidade brasileira’ (Ibidem). Como jornalista, Euclides da Cunha esteve menos de um mês em Canudos, na última ex- pediçãodo exército contra os seguidores de Antônio Conselheiro, mas construiu seu livro Os Sertões a partir de suas anotações e de tudo o que foi publicado na imprensa a respeito. SAIBA MAIS 113 3 U ni ve rs id ad e S ão F ra nc is co Sociologia: Teorias e Aplicação Segundo Candido (2006, p. 278), esta etapa de 1880 a 1930 é, também, caracterizada pela preocupação em construir uma “teoria geral do Brasil” que englobasse seu proces- so de evolução social e as características político-institucionais. Esta preocupação, de certa forma, representa um retrocesso, pois, ao dedicar-se a “desvendar necessidades e características nacionais com o fim precípuo de servir ao progresso do país”, reduziu a dedicação à investigação ao buscar identificar “remédios de ordem político-adminis- trativa” para o processo de estruturação da República (Ibidem). De fato, o positivismo encontrou grande aceitação entre republicanos e militares. O lema “Ordem e Progres- so”, inscrito em nossa bandeira, deixa clara a influência comteana nos fundamentos de constituição da República no Brasil, na imagem da construção da sociedade ideal (BRYM, 2015, p. 22). Por outro lado, também chegaram ao Brasil ideias de Marx e socialistas utópicos fran- ceses (BRYM, 2015, p. 22). As notícias mais remotas que se têm sobre esses primeiros momentos reportam-se, por um lado, à chegada do francês Louis Vauthier ao Recife, em 1840 e, por outro, à presença do médico francês Benoit Mure no Rio de Janeiro, em 1841, bem como às suas tentativas de fundar um falanstério em Santa Catarina. (SILVA, 2007, p. 929) A dificuldade de acesso a livros impressos e a divulgação de folhetins limitou a divul- gação do socialismo utópico, que encontrou espaço em alguns jornais, como O Globo, fundado em 1844 no Rio de Janeiro, e O Socialista da Província, fundado em 1845 também no Rio. Em 1846, surge a revista O Progresso, de grande importância em Pernambuco. Esta revista, fundada por Antônio Pedro de Figueiredo (1814-1859), tinha Para saber mais, ver: ` Euclides da Cunha Caderneta de campo, de Olímpio de Souza Andrade. Disponível em: http:// objdigital.bn.br/acervo_digital/div_obrasgerais/drg1283650.pdf. Acesso em: 1 mar. 2021. ` Os Sertões: Literatura Fundamental 20 - Os Sertões - Leopoldo Bernucci. Disponível em: https://youtu.be/SI97o38QfjY. Acesso em: 1 mar. 2021. ` 120 anos do fim da Guerra de Canudos: uma ferida em aberto no Brasil, de Caio Clímaco. Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2017/11/27/artigo-or-120-anos-do-fim-da- -guerra-de-canudos-uma-ferida-em-aberto-no-brasil. Acesso em: 1 mar. 2021. ` Leia também A Guerra do Fim do Mundo (1981), de Mario Vargas Llosa, es- critor peruano, que escreve um romance de grande relevância sobre a Guerra de Canudos. ` Já nesse ano, foi traduzido e publicado no Brasil e está disponível em versão impressa ou ebook: A Guerra do Fim do Mundo de Mario Vargas Llosa – Tradução: Paulina Wacht, Ari Roitman – 1ª Ed. Editora Alfaguara - 2013 E, claro, o livro de Euclides da Cunha: Os Sertões (1902) – que você pode encontrar pela Edi- tora: Principis (Ciranda Cultural) – sem data de publicação; Editora Wohnrecht – 2014 versão impressa ou ebook; Editora SciELO - Centro Edelstein, 2010 impressa ou ebook. 114 Sociologia Contemporânea 3 assinantes no Maranhão, Bahia e Rio de Janeiro e veiculava ideias socialistas da época (SILVA, 2007, p. 933-932). Ribeiro (2015, p. 5) também aponta a presença do pensamento socialista em jornais em cidades onde se iniciava o processo de urbanização/industrialização. A preocupação apresentada neles, entre 1870 e 1888, era o “grave problema social brasileiro”, referin- do-se à escravidão contra a qual era esperada uma ação governamental. Após a abolição da escravatura, a postura socialista voltou-se à defesa de reformas sociais, república e democracia. No entanto, opunha-se à radicalidade dos comunis- tas, assumindo para si o título de “societaristas”, distanciando-se definitivamente do pensamento socialista moderno, do anarquismo e do comunismo. Mesmo rejeitando os fundamentos marxistas, veiculavam notícias da liga operária e utilizavam termos como “partido de classes; classes laboriosas; emancipação do proletariado”, etc. O processo de imigração ocorrido durante a primeira etapa de industrialização no Brasil permite um maior confronto de ideias, favorecendo mais clareza sobre a diferença entre projetos reformistas e projetos revolucionários (RIBEIRO, 2015, p. 5). A década de 1920 favoreceu a radicalização do pensamento social e político na Amé- rica Latina e no Brasil. Os ecos da Revolução Russa em 1917 estimularam intelectuais vinculados a sindicatos e ligas de trabalhadores a assumirem o marxismo como re- ferência teórica para a “compreensão da opressão e da miséria a que estavam sub- metidos os trabalhadores do país”. Entre os intelectuais do período, destaca-se Astro- jildo Pereira (1890-1965), que inicia ainda muito jovem sua militância no movimento anarquista, participando em mobilizações sociais e na produção de artigos críticos a respeito da política nacional e da situação do capitalismo internacional. Em 1922, fun- da o Partido Comunista Brasileiro – PCB – e a partir de então dedica sua vida “em favor da organização político-partidária e da absorção da teoria marxista no Brasil” (RIBEIRO, 2015, p. 11-12). O que é falanstério? É uma organização coletiva proposta por Charles Fourier (1772-1837), socialista utópico francês. A proposta de Fourier consistia em criar pequenas unidades sociais com cerca de 1500 habitan- tes e cada uma possuiria um edifício comum chamado Falanstério, no qual todos viveriam em harmonia. As críticas de Marx e Engels se baseavam na sua compreensão de que haveria de ser construída uma transição da sociedade capitalista para uma nova sociedade e que os agentes de transformação não seriam indivíduos ou grupos de maneira isolada (BARROS, 2011, p. 246). SAIBA MAIS Estudos mais recentes sobre a “história do pensamento político e social brasileiro” apre- sentam outras divisões, para fins didáticos. Nesta abordagem, o período do pensa- mento social compreendido entre o século XVIII e 1930 se caracteriza pela primazia da “análise de uma identidade brasileira a partir das “três raças”, sendo que negros e índios permaneceram marginais à raça branca” (SILVA, 2007, p. 2, grifo nosso). 115 3 U ni ve rs id ad e S ão F ra nc is co Sociologia: Teorias e Aplicação 2.2 A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA SOCIOLOGIA NO BRASIL Em 1925, a reforma do ensino brasileiro incluiria a disciplina Sociologia nos cursos de formação clássica (equivalente ao Ensino Médio da atualidade). O Colégio Pe- dro II, no Rio de Janeiro, foi o primeiro a inseri-la em sua grade curricular. A seguir, a inclusão da Sociologia no país foi se estendendo a outras escolas e cidades, como a Escola Normal de Recife, cuja implantação contou com o incentivo de Gilberto Freyre (FERREIRA, 2003, p. 98). Liedke Filho (2005, p. 280) se refere a este perí- odo em que a Sociologia passa a fazer parte do conteúdo do ensino formal, inicial- mente nas escolas normais, como “período da Sociologia de Cátedra”, afirmando: No Brasil, esse período teve início em meados da década de vinte, quando foram criadas as primeiras cátedras de Sociologia em Escolas Normais (1924-25), enquanto disciplina auxiliar da pedagogia, dentro do esforço de- mocratizante do movimento reformista pedagógico que tem sua expressão maior no movimento da Escola Nova. Neste momento ocorreu a prolife- ração de publicações como os manuais e coletâneas para o ensino de Sociologia, os quais procuravam divulgar as ideias de cientistas sociais eu- ropeus e norte-americanos renomados tais como Durkheim e Dewey, bem como ideias sociológicas acerca de problemas sociais como urbanização, migrações, analfabetismo e pobreza. (LIEDKE FILHO, 2005, p. 380-381) Quanto ao contexto sociopolítico do Brasil, cabe destacar: A década de 1930 foi caracterizada por grandesmudanças na vida polí- tica e social brasileira: a crise da economia cafeeira, o desenvolvimento industrial, o crescimento da burguesia, o surgimento da legislação social e a centralização do poder, com o golpe de 1937, que implantou o Estado Novo. (GIL, 2019, p. 22) A partir da inclusão da sociologia nas escolas, advinda da necessidade de “formação universitária de pesquisadores e professores”, dá-se início a um processo de “formação e reflexão sistemática” sobre os desafios sociais do período (FERREIRA, 2003, p. 98). Nessa perspectiva, foram fundados os primeiros cursos do Brasil de formação de pro- fissionais na área de Ciências Sociais: a Escola Livre de Sociologia e Política em São Paulo (1933), a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Pau- lo (1934) e a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do Distrito Federal, em 1935. Os primeiros professores vieram do exterior, dentre os quais estavam “Donald Pierson e Radcliff-Brown, dos Estados Unidos”, e Claude “Lévy-Strauss, Roger Bastide, Paul Arbousse Bastide e Fernand Braudel, da França”. “A influência desses professores eu- ropeus foi decisiva para a formação das primeiras gerações de sociólogos brasileiros” (GIL, 2019, p. 22; FERREIRA, 2003, p. 98). 116 Sociologia Contemporânea 3 Para conhecer mais sobre Roger Bastide, ver: ` Roger Bastide, professor da Universidade de São Paulo, de Maria Isaura Perei- ra de Queiroz. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pi- d=S0103-40141994000300023. Acesso em: 1 mar. 2021. ` O dilema racial brasileiro: de Roger Bastide a Florestan Fernandes ou da explicação teórica à proposição política, de Eliane Veras Soares, Maria Lúcia de Santana Braga e Diogo Valença de A. Costa. Disponível em: https://www.redalyc.org/pdf/703/70350103.pdf. Acesso em: 1 mar. 2021. SAIBA MAIS Nesse período, começa a destacar-se no cenário nacional a produção de intelectuais “como Gilberto Freyre, Caio Prado Junior, Fernando de Azevedo e Sergio Buarque de Holanda”. Esta nova geração inaugurou uma crítica social estruturada com o “rigor da análise histórico-sociológica, buscando no conhecimento científico” a melhor alternativa para construir o conhecimento e compreensão da realidade brasileira. Desse modo, pretendiam “concretizar uma aspiração já́ histórica: agir para a mudança e moderniza- ção de uma estrutura social arcaica” (FERREIRA, 2003, p. 98). A expressão “realidade brasileira” é típica do momento, tornando- se ver- dadeiro lugar-comum a que recorriam indiscriminadamente jornalistas, políticos, escritores e estudiosos; havia no ambiente, além disso, uma soli- citação intensa pelos estudos sociais, que se multiplicaram nos diferentes campos da história, da economia, da política, da educação, concorrendo para criar uma atmosfera de receptividade e expectativa em torno da So- ciologia. (CANDIDO, 2006, p. 234) Para Candido, Casa-grande & senzala pode ser considerado outro marco para a socio- logia no Brasil, pois: [...] apareceu desde logo [...] como Sociologia – como a fórmula brasileira da investigação sociológica. Aliás, Gilberto Freyre é um espírito antiaca- dêmico por excelência, livre das injunções da compartimentação universi- tária, despreocupado em estar “fazendo sociologia” e interessado apenas em dar sentido e profundidade à sua análise da sociedade brasileira, cir- culando livremente da Antropologia Física e Social à Geografia Humana, à Economia, à Psicologia. (CANDIDO, 2006, p. 283) Gilberto Freyre, segundo Candido (2006, p. 282-283), teria feito um contraponto às te- orias da superioridade racial e questionado a cientificidade do racismo com suas obras Casa Grande e Senzala (1933), Sobrados e Mucambos (1936) e Nordeste (1937). Por outro lado, segundo Silva (2007, p. 434), Freyre foi considerado conservador, por vários grupos de esquerda, devido a suas concepções “de nação, miscigenação e iden- tidade cultural brasileira”. Ao longo do tempo, sua obra tem sido usada para apregoar a existência de uma unida- de nacional e a existência de uma democracia racial no Brasil e, por outro lado, questio- nada por apresentar esses dois aspectos, que não se verificam na realidade brasileira. 117 3 U ni ve rs id ad e S ão F ra nc is co Sociologia: Teorias e Aplicação Então, fica a pergunta: sua obra se opôs ao racismo científico ou reproduziu o racismo? Valle (2017, p. 163), após apresentar uma análise que diversos pensadores fizeram sobre o autor, afirma: A “mudança de paradigma” acerca da questão racial é tão significativa na vida de Freyre que o possibilitou olhar para o Brasil com seus pró- prios olhos: ela é a ferramenta fundamental para ver um país harmônico e símbolo do equilíbrio. Do racismo científico à valorização da mestiçagem, Freyre representa uma nova interpretação do Brasil, compreendendo os brasileiros como ingleses tropicais em sua composição mista e em seu amor pelo equilíbrio ou compromisso: um país em que todas as “raças” pu- deram bem conviver. Freyre ocultou o conflito, e “criou” um país. Ao criá-lo, permitiu que muitas pessoas passassem a vê-lo dessa forma, e impediu que observassem as contradições das relações sociais existentes na es- cravidão e no capitalismo. (VALLE, 2017, p. 163) Caio Prado Júnior (1907-1990), formado em Direito, encontrou na teoria marxista as bases teóricas para a construção de sua obra, sendo considera- do “um dos pilares do pensamento marxista brasileiro”. Em seus escritos, ele desenvolve a análise da história com o uso da metodologia marxista e sua historiografia foi marcada pela abordagem social (FERREIRA, 2003, p. 98- 99). Na obra História e desenvolvimento (1972), critica as abordagens cor- rentes de desenvolvimento, pois considera que se restringem aos aspectos econômicos, sustentando que é indispensável analisar o contexto histórico: O meu objetivo central, no presente trabalho, foi reivindicar para ela [a história], particularmente no caso brasileiro, o que de direito lhe cabe como fonte informativa e explicativa do processo de desenvolvimento do nosso país, chamando a atenção para a especificação de nossa formação (PRA- DO JÚNIOR, 1978 apud CARDOSO DE CASTRO, 1978, p. 305). Esse trecho demonstra como Prado Júnior constrói “a história da formação do Brasil”, iniciando sua análise pelo processo de colonização, a função atribuída pelos portugue- ses a esse território em comparação com outros modelos de colonização (CARDOSO DE CASTRO, 1978, p. 305). Segundo Ferreira (2003, p. 99), Prado Júnior é reconhecido, também, como referência para os estudos de história da economia no Brasil, tendo desenvolvido seu pensamento com base na “noção de processo de formação”. Fernando de Azevedo (1894-1974), também de formação jurídica, foi docente e tornou- -se referência na renovação do ensino a partir dos anos 30. Produziu extenso material sobre Educação e Sociologia e foi ferrenho defensor do ensino laico e da “escola públi- ca e gratuita” (FERREIRA, 2003, p. 99). Sua postura com relação à importância da educação para o desenvolvimento da nação foi visível em sua trajetória pela qualificação de professores e do sistema educacional. Considerava que “os princípios democratizantes deveriam, então, recortar vertical e horizontalmente todas as classes” (AZEVEDO, 1962 apud REZENDE, 2003, p. 73), nas instâncias de decisão, em “todas as esferas da vida social, pública e privada”. Essa transversalidade dos princípios democratizantes tornaria possível “a construção de um novo homem” (REZENDE, 2003, p. 73). 118 Sociologia Contemporânea 3 O pressuposto é um ponto de vista democrático, segundo o qual tudo deve convergir para atenuar a distância entre as camadas dominantes e as do- minadas, possibilitando ao maior número o acesso ao nível das elites que orientam a sociedade e cuja formação não deve depender de qualquer privilégio. [...] Fernando de Azevedo verifica a tendência negativa de au- mentar a distância entre as classes e assim impedir a educaçãodemocrá- tica. A solução lhe parece residir numa filosofia adequada, numa legislação unificadora e na criação de canais verticais de comunicação (CANDIDO, 1994 apud REZENDE, 2003, p. 73) Ainda, Fernando de Azevedo exerceu um papel fundamental na “fundação da Univer- sidade de São Paulo, onde foi professor de Sociologia e, posteriormente, diretor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras” (FERREIRA, 2003, p. 99). Sergio Buarque de Holanda (1902-1982) formou-se em Direito e dedicou-se ao Jorna- lismo, à História e à Sociologia. Sua obra, principalmente Raízes do Brasil (1936), tor- nou-se uma referência nos estudos históricos e sociológicos. Destaca-se pela utilização da teoria weberiana em seu trabalho, tendo sido o responsável por trazê-la ao Brasil, e obteve reconhecimento por seu trabalho como docente no Brasil e em diversas univer- sidades do exterior (FERREIRA, 2003, p. 99). Segundo Costa (2014, p. 823), Sergio Buarque de Holanda, com seu ensaio Raízes do Bra- sil, inscreve a tentativa de projetar um país sem o domínio “dos caciques rurais” e apresenta a trajetória que a “antiga colônia” deveria trilhar para constituir-se como “nação democrática e moderna”. Este livro ultrapassa a perspectiva normativa e desenvolve uma análise pro- funda da história do Brasil, superando as pesquisas realizadas até então. Sua obra constrói um “diagnóstico sócio-histórico” que “oferece respostas concisas aos desafios analíticos e políticos de seu tempo” ao mesmo tempo que observa a tensão “entre continuidade e mu- dança social” presente no processo histórico brasileiro (COSTA, 2014, p. 823). Muitos questionamentos têm sido feitos sobre o conceito de “homem cordial” em sua obra e, nesse sentido, Costa (2014, p. 835), considerando a fragilidade das instituições públicas, apresenta a seguinte análise: Neste ambiente de instabilidade normativa e institucional, o “homem cordial” busca ofuscar os conflitos, converter desconhecidos em amigos e interpretar os benefícios estatais no sentido de favores e retribuições. Quando assim mesmo surgem conflitos, falta o repertório institucional e pessoal necessário para resolvê-los de maneira pacífica e argumentada, razão pela qual os conflitos, no geral, terminam de forma trágica. Portanto, a predisposição à violência não é o oposto da cordialidade: a violência é característica necessária e inerente ao “homem cordial” na medida em que qualquer antagonismo é interpretado como ameaça à existência deste mo- delo de personalidade e sociabilidade. (COSTA, 2014, p. 835) Essa atitude, denominada “cordialidade”, estaria vinculada a uma organização das re- lações interpessoais com base em sentimentos, “amizades e lealdades pessoais”. As relações personalizadas se opõem ao “anonimato da ordem legalizada que promete tratar a todos como iguais”, que caracteriza a cidadania. As decisões influenciadas pe- las emoções não estão sujeitas às leis ou a argumentos racionais socialmente aceitos. Desse modo, a reprodução de hierarquias de poder estaria intimamente vinculada a este “padrão político”: 119 3 U ni ve rs id ad e S ão F ra nc is co Sociologia: Teorias e Aplicação O liberalismo como discurso e a democracia como forma de convivência política só poderiam ser conciliados depois de uma revolução a longo pra- zo e de uma tomada do poder pelo povo. Segundo Buarque de Holanda, portanto, a revolução democrática deveria ocorrer a longo prazo na medida em que a ancoragem da democracia em países como o Brasil demandaria tanto a transformação das estruturas de poder assimétricas quanto uma mudança na estrutura de personalidade do “homem cordial”. Por conse- guinte, a revolução assim concebida pressupõe mudanças “sociogenéti- cas” e “psicogenéticas”. (COSTA, 2014, p. 835-836) A terceira etapa, que corresponde à Sociologia científica no Brasil, será abordada no próximo segmento, integrada à sociologia contemporânea. 3. A SOCIOLOGIA BRASILEIRA O ingresso da sociologia no ensino superior possibilitou, entre os anos 30 e 40, a con- solidação profissional da sociologia no Brasil e a formação dos primeiros sociólogos brasileiros, dentre os quais podemos destacar: “Florestan Fernandes, Maria Isaura Pe- reira de Queiroz, Aziz Simão, Antonio Candido, Gilda de Mello e Souza e Rui Galvão, em São Paulo, e Guerreiro Ramos e Hélio Jaguaribe, no Rio de Janeiro” (FERREIRA, 2003, p. 100-101). Para conhecer mais sobre esses autores, ver: ` Os estudos de Maria Isaura Pereira de Queiroz sobre campesinato e as transformações no meio rural brasileiro, de Aline Marinho Lopes. Disponível em: https://revistaesa.com/ ojs/index.php/esa/article/download/506/397/1402. Acesso em: 1 mar. 2021. ` Eleitorado paulistano: continuidades de descontinuidades em entre 1947 e 2004 (sobre Azaiz Simão, entre outros autores), de Camila Rocha. Disponível em: http://bibliotecadigi- tal.tse.jus.br/xmlui/handle/bdtse/7281?locale-attribute=es. Acesso em: 1 mar. 2021. ` A vida, a obra e o legado de Antonio Candido, do Jornal da USP. Disponível em: https://jornal. usp.br/cultura/a-vida-a-obra-e-o-legado-de-antonio-candido/. Acesso em: 1 mar. 2021. ` Ruy Galvão de Andrada Coelho, de Fernando Augusto Albuquerque Mourão. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/eav/article/view/9709. Acesso em: 1 mar. 2021. ` Guerreiro Ramos: o personalismo negro, de Muryatan Santana Barbosa. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/ts/v18n2/a11v18n2.pdf. Acesso em: 1 mar. 2021. ` A utopia nacionalista de Hélio Jaguaribe — os tempos do Iseb, de Angélica Lovatto. Disponível em: http://www4.pucsp.br/neils/downloads/v3_artigo_angelica.pdf. Acesso em: 1 mar. 2021. SAIBA MAIS 120 Sociologia Contemporânea 3 Nessa fase inicial de desenvolvimento do ensino superior da sociologia no Brasil, o empenho de “relacionar o ensino e a pesquisa” possibilitou o surgimento da “Sociologia Científica”, que encontraria seu apogeu no final dos anos 1950. Segundo Fernandes (1977 apud LIEDKE FILHO, 2005, p. 383-384), estaria se configurando um novo mo- mento na sociologia, a partir do pós-guerra, caracterizado pelo cuidado de subordinar o labor intelectual, no estudo dos fenômenos sociais, aos padrões de trabalho científico sistemático. Esta intenção se revela tanto nas obras de investigação empírico-indutivas (de reconstrução histórica ou de campo) quanto nos ensaios de sistematização teórica. (FERNANDES, 1977 apud LIEDKE FILHO, 2005, p. 383-384) Liedke Filho (2005, p. 384) destaca ainda que a Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo deveria remediar a carência de “uma elite numerosa e organizada, instruída sob métodos científicos, a par das instituições e conquistas do mundo civilizado, capaz de compreender antes de agir no meio social em que vivemos” (OLIVEIRA, 1933 apud LIEDKE FILHO, 2005, p. 383). Essa instituição, que fora criada pela “elite paulistana no contexto da derrota da Revolução Constitucionalista de 1932”, se constituiu sob influ- ência da Escola de Chicago, empreendendo um programa de pesquisa voltado para o “tratamento sistemático” da superação da sociedade tradicional, rumo à modernidade (LIEDKE FILHO, 2005, p. 383). Por outro lado, Azevedo (1951 apud LIEDKE FILHO, 2005, p. 383-384) afirma que esse avanço na estruturação da Sociologia no Brasil foi influenciado por múltiplos fatores relacionados à diversidade social e territorial do país, que instigam diversos olhares e abordagens. No entanto, acrescenta: [o] que nos compeliu a esta revolução intelectual que nos iniciou no espírito crítico e experimental, em todos os domínios, e nos abriu o caminho aos estudos e as pesquisas sociológicas, foi, no entanto, o desenvolvimento da indústria e do comércio nos grandes centros do país e, particularmente em São Paulo e no Rio de Janeiro. (AZEVEDO, 1962 apud LIEDKE FILHO, 2005, p. 384) A eclosão da industrialização ocorreu, inicialmente, após a Primeira Guerra Mundial, em 1918, foi e intensificada em 1930, trazendo intensas transformações na economia e nasociedade, chegando às “esferas culturais”, momento em que as novas elites se voltavam para a modernização na cultura, educação e política, aflorando o interesse pe- los “estudos científicos das realidades sociais”. No entanto, de acordo com Costa Pinto (1955 apud LIEDKE FILHO, 2005, p. 384), o frenesi inicial das elites dirigentes, diante desta nova ciência, alternava-se com o temor do que sua expansão poderia acarretar, dado o surgimento de uma “nova atitude crítica na mentalidade das elites novas” (LIE- DKE FILHO, 2005, p. 384). Sobre esse fato, Costa Pinto (1955 apud LIEDKE FILHO, 2005, p. 384-35) comenta: Esta ambivalência das elites frente às ciências sociais por vezes implica- va na criação de condições institucionais e financeiras e por vezes desfa- voráveis para o desenvolvimento de recursos humanos e para a criação, expansão e consolidação de centros de pesquisa e mercado de trabalho para sociólogos. 121 3 U ni ve rs id ad e S ão F ra nc is co Sociologia: Teorias e Aplicação Na década de 1950, a produção sociológica voltava-se ao desenvolvimento de uma leitura “crítica da realidade brasileira”, com a produção de estudos sobre temas como: “êxodo rural, desigualdade social, relações étnicas, cultura popular, comportamento religioso, estratificação social, industrialização, transição e mudança etc.” Ainda, a pu- blicação em 1958 do livro Os Donos do Poder, de Raimundo Faoro, vem fortalecer o estudo sistemático do pensamento marxista na academia (GIL, 2019, p. 22). Um dos elementos principais neste processo foi a formação da “Escola de Sociologia Paulista” ou “Escola da USP”, composta por um grupo de sociólogos, em 1954, tendo à frente Florestan Fernandes. A partir daqui foram desenvolvidos diversos “projetos coleti- vos” de pesquisa voltados para a questão racial, a indústria paulista e o desenvolvimen- to do país (LIEDKE FILHO, 1977; IANNI, 1975; FERNANDES, 1977; SORJ; MITRE, 1985; NOGUEIRA, 1982 apud LIEDKE FILHO, 2005, p. 385). A preocupação com as possibilidades de um desenvolvimento democráti- co, racional, urbano-industrial da sociedade brasileira, enquanto concep- ção da Teoria da Modernização, ocupou um papel central entre orientações intelectuais e políticas do “projeto” da “Escola” neste período. (LIEDKE FI- LHO, 1977 apud LIEDKE FILHO, 2005, p. 386) No Brasil, no período de 1950 a 1964, ocorreu o maior impulso, até então, no desenvolvimento das ciências sociais, a partir de duas áreas de interesse: a Economia e a Sociologia. A economia voltava-se à preocupação com o desenvolvimento nacional e um de seus maiores expoentes foi Celso Furtado, tendo entre suas obras Formação Econômica do Brasil (1954). No campo da Sociologia, destacavam-se duas abordagens principais: “a da experiência paulista, como denominou Florestan, e a da visão nacionalista, com suas bases fincadas no Rio de Janeiro e no Instituto Superior de Estudos Brasileiros (Iseb)” (FERREIRA, 2003, p. 100). Para conhecer mais sobre Celso Furtado, ver: ` Celso Furtado, 100 anos: base para se pensar um novo projeto de país, de Marina Duarte de Souza. Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2020/07/26/celso-furtado-eco- nomia-e-superacao-do-subdesenvolvimento-na-pratica. Acesso em: 1 mar. 2021. ` 100 anos de Celso Furtado, Cadernos de Desenvolvimento, nº 26. Disponível em: http:// www.cadernosdodesenvolvimento.org.br/ojs-2.4.8/index.php/cdes/issue/viewIssue/28/ pdf_24. Acesso em: 1 mar. 2021. SAIBA MAIS 122 Sociologia Contemporânea 3 Para conhecer mais sobre Octavio Ianni, ver: ` Sala de Estudos Sociais – Coleção Octavio Ianni (COI), Biblioteca da Faculdade de Ci- ências de Letras de – Câmpus de Araraquara, Unesp. Disponível em: https://www.fclar. unesp.br/#!/biblioteca/acervo/colecoes-especiais/sala-de-estudos-sociais/. Acesso em: 1 mar. 2021. ` Octavio Ianni: o preconceito racial no Brasil (Entrevista). Disponível em: http://www.scie- lo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142004000100002. Acesso em: 1 mar. 2021. ` A sociologia totalizante de Octavio Ianni, de Marcos Costa Lima. Disponível em: https:// www.acessa.com/gramsci/?id=413&page=visualizar. Acesso em: 1 mar. 2021. Para conhecer mais sobre Luiz Pereira, ver: ` A escola como objeto de pesquisa: as contribuições de Luiz Pereira para a sociologia da educação, de Nubia Ferreira Ribeiro. Disponível em: http://sites.pucgoias.edu.br/pos- -graduacao/mestrado-doutorado-educacao/wp-content/uploads/sites/61/2018/05/NUBIA- -FERREIRA-RIBEIRO.pdf. Acesso em: 1 mar. 2021. ` A revolução dentro da ordem: uma interpretação da sociologia de Luiz Pereira (1933- 1985), de Carlos Alexandre Will Ludwig. Disponível em: http://wwws.fclar.unesp.br/agen- da-pos/ciencias_sociais/3495.pdf. Acesso em: 1 mar. 2021. Para conhecer mais sobre Maria Sylvia Carvalho Franco, ver: ` Teoria e história na sociologia brasileira: a crítica de Maria Sylvia de Carvalho Franco, de André Botelho. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/ln/n90/a12n90.pdf. Acesso em: 1 mar. 2021. Para conhecer mais sobre Francisco Weffort, ver: ` Francisco Weffort e o papel da intelligentsia nacional: considerações sobre uma trajetó- ria, de Anna Paula Moreira de Araújo. Disponível em: https://repositorio.unesp.br/hand- le/11449/98968. Acesso em: 1 mar. 2021. ` Os populismos de Francisco Weffort, de Daniela Mussi e André Kaysel Velasco e Cruz. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/rbcsoc/v35n104/1806-9053-rbcsoc- -35-104-e3510409.pdf. Acesso em: 1 mar. 2021. SAIBA MAIS Em São Paulo, a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP foi o espaço privi- legiado de organização e avanço na produção e pesquisa sociológica, com a participa- ção de intelectuais como Florestan Fernandes, Fernando Henrique Cardoso e Octavio Ianni e, posteriormente, Luiz Pereira, Maria Sylvia Carvalho Franco, Francisco Weffort e Juarez Brandão Lopes. Os principais temas abordados eram relacionados a questões estruturais do Brasil, das classes sociais, desenvolvimento e impactos do capitalismo monopolista no processo de evolução histórica da sociedade brasileira. 123 3 U ni ve rs id ad e S ão F ra nc is co Sociologia: Teorias e Aplicação Segundo Gil (2019, p. 22-23), a Sociologia no Brasil conseguiu consolidar-se nos pri- meiros anos de 1960, mas foi limitada pelo golpe militar de 1964, que se estendeu até 1985. Em 1968 foi editado o Ato Institucional nº 5 e um de seus efeitos foi impedir que “professores de Sociologia, como Florestan Fernandes, Octavio Ianni e Fernando Hen- rique Cardoso”, continuassem lecionando. Muitos desses professores se exilaram e continuaram a desenvolver seus trabalhos no exterior. Outros, a despeito das restrições impostas pelas au- toridades, continuaram a trabalhar no Brasil, constituindo núcleos de pes- quisa independentes, como o Centro Brasileiro de Análise do Planejamen- to (CEBRAP), fundado em 1969. (GIL, 2019, p. 23) No processo de “reabertura política”, que se iniciou em fins da década de 1970, diver- sos sociólogos ingressaram na militância político-partidária, concorrendo a cargos no parlamento. Também, aumentou a presença de sociólogos em meios de comunicação social, “órgãos públicos e organizações não-governamentais”, atuando em áreas como “urbanização, industrialização, condição feminina, criança e adolescente e violência ur- bana” (GIL, 2019, p. 23). A produção das sociólogas brasileiras também merece destaque, mas citaremos ape- nas algumas delas e seus principais temas de estudo: Para conhecer mais sobre Juarez Brandão Lopes, ver: ` De volta a “O ajustamento do trabalhador à indústria”: uma homenagem a Juarez R. Bran- dão Lopes, de Adalberto Cardoso. Disponível em: http://alast.info/relet/index.php/relet/ar- ticle/view/164. Acesso em: 1 mar. 2021. ` Alba Maria Zaluar (1942-2019): considerada “referência nas áreas de antropo- logia, sociologia urbana e história social” (LOBATO, 2019, p. 1), empenhou-se na compreensão, de maneira científica, da “questão da violência” ena avaliação e proposição de “políticas públicas no Brasil” (ZALUAR, 2002, p. 1). ` Elisabeth Escobar de Souza Lobo (1943-1991): delineou uma trajetória de “pesquisa feminista, marxista e heterodoxa”, abordando “o feminino e o mas- culino, a divisão sexual do trabalho”, na ótica das relações e dos movimentos sociais, no ângulo “da dominação e da resistência”. Além da contribuição intelec- tual, atuou como militante, tanto em organizações de mulheres e encontros femi- nistas, congressos científicos, associações e conselhos profissionais, sindicatos e partidos” quanto na denúncia das desigualdades sociais e das “hierarquias e assimetrias de toda e qualquer interação” (SORBILLE, [s. d.], p. 1). 124 Sociologia Contemporânea 3 ` Guaraci Adeodato Alves de Souza (1942-2016): foi uma das precursoras no estabelecimento da Demografia como conteúdo disciplinar em nosso país, em in- teração com as Ciências Sociais. Dedicou-se à pesquisa sobre “migração e força de trabalho, urbanização e desenvolvimento” e as relações entre fecundidade e família, vinculando “os processos de fecundidade à sucessão das gerações nas famílias”. Manteve uma postura contundente contra políticas que propunham o controle da natalidade, defendendo a liberdade de escolha do casal na decisão sobre o número de filhos desejado. Sua postura de responsabilidade social fo- mentou o desenvolvimento de diversos estudos e organizações voltadas à demo- grafia e família (IVO, [s. d.], p. 1). ` Heleieth Iara Bongiovani Saffioti (1934-2010): seu livro A mulher na sociedade de classes: Mito e realidade, publicado em 1969, foi escrito como tese de douto- rado, mas seu orientador, professor Florestan Fernandes, considerando a qua- lidade do material, “decidiu que a tese fosse apresentada como livre-docência”. Essa obra teve reconhecido pioneirismo na temática feminista e foi a primeira de uma extensa produção da autora nessa temática, na “busca de compreender e construir práticas que desarranjassem o status quo do poder e da dominação, instituídas no entrecruzamento da classe, gênero/raça/etnia”. Sua produção in- telectual conta com alta qualidade teórico/conceitual e a referência prática dos movimentos feministas contra a violência, o feminicídio, a descriminalização do aborto, o abuso sexual incestuoso”. Ainda, protagonizou a luta pela criação das primeiras Delegacias Defesa da Mulher, desde 1985. (SILVA, [s. d.], p. 1). Abaixo seguem as sugestões de leitura das obras de Zaluar e Lobo. ` LOBO, E. S. A Classe Operária Tem Dois Sexos. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2011. ` LOBO, E. S. A questão da mulher na reprodução da força de trabalho. Perspectivas, São Paulo, 1981, n. 4, p. 43-47. Disponível em: https://periodicos.fclar.unesp.br/perspectivas/ article/view/1710/1391. Acesso em: 14 fev. 2021. ` LOBO, E. S.; PAOLI, M. C. Notas sobre o movimento no feminino. Desvios, São Paulo, n. 1, 1982, p. 44-55. ` LOBO, E. S. “Experiências de mulheres. Destinos de gênero”. Tempo Social, São Paulo, v. 1, n. 1, 1989, p. 169-82. Disponível em https://www.scielo.br/pdf/ts/v1n1/0103-2070- ts-01-01-0169.pdf. ` LOBO, E. S. Emma Goldman - Revolução e Desencanto: do Público ao Privado. Rev. Bras. Hist., São Paulo, v. 9, n. 18, p. 29-41, ago./ set. 1989. Disponível em: https://anpuh. org.br/index.php/revistas-anpuh/rbh. Acesso em: 28 jan. 2021. SAIBA MAIS 125 3 U ni ve rs id ad e S ão F ra nc is co Sociologia: Teorias e Aplicação Abordar a sociologia brasileira é uma tarefa imensa, pois, além dos já citados, há muitas sociólogas e sociólogos que mereceriam destaque, por isso foi necessário fazer uma opção. Nesse sentido, optamos por destacar a obra dos dois principais sociólogos bra- sileiros, Florestan Fernandes e Fernando Henrique Cardoso (LIEDKE FILHO, 2005, p. 400), e, finalmente, um breve panorama da sociológica atual. 3.1 FLORESTAN FERNANDES E A REVOLUÇÃO BURGUESA NO BRASIL Florestan Fernandes (1920-1995) nasceu em São Paulo, filho de mãe imigrante portu- guesa, Dona Maria Fernandes, que trabalhava como lavadeira. Sua madrinha e patroa de sua mãe o chamava de Vicente, por considerar que Florestan não era um nome adequado para um menino pobre (MAB, 2019, p. 20). ` LOBO, E. S. Caminhos da Sociologia no Brasil: modos de vida e experiência. Tempo Soc., São Paulo, v. 4, n. 1-2, 1992, p. 7-15. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/ts/ v4n1-2/0103-2070-ts-04-02-0007.pdf. Acesso em: 14 fev. 2021. ` ZALUAR, A. M. A Máquina e a Revolta: as organizações populares e o significado da pobreza. 3. ed. São Paulo: Editora Brasiliense, 2002. ` ZALUAR, A. M. Cidadãos não vão ao Paraíso. Campinas: Editora da UNICAMP; Editora Escuta, 1994. ` ZALUAR, A.; FREITAS, L. A. P. Cidade de Deus: a história de Ailton Batata, o sobreviven- te. 1. ed. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2017. ` ZALUAR, A. M. Integração perversa: pobreza e tráfico de drogas. 1. ed. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2004. ` ZALUAR, A. M.; ALVITO, M. (Org.). Um Século de Favela. 3. ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2003. A você que é estudante e provavelmente trabalha ou convive com colegas que o fazem para se sustentar e manter seus estudos, bem como apoiar o sustento familiar, propomos a leitu- ra do texto Florestan Fernandes: Esboço de uma Trajetória, de Mariza Correa, editado por Patrícia Campos de Sousa a partir do registro de uma entrevista concedida pelo professor Florestan Fernandes, em março de 1984, a integrantes de um projeto de pesquisa coorde- nado pela professora Mariza Correa, da Universidade Estadual de Campinas. Este texto foi publicado no ano de sua morte. Recomendamos sua leitura na íntegra. Disponível em: https://anpocs.com/index.php/bib-pt/bib-40/457-florestan-fernandes-es- boco-de-uma-trajetoria/file. Acesso em: 8 mar. 2021. SAIBA MAIS 126 Sociologia Contemporânea 3 Ainda muito pequeno, Florestan começa a trabalhar para ajudar sua família, exercendo atividades diversas, como “engraxate, auxiliar de marceneiro, auxiliar de barbeiro, al- faiate e balconista de bar”, o que acarretou seu abandono dos estudos aos nove anos. Apenas aos dezessete anos conseguiu concluir “o antigo curso de madureza (atual supletivo)”, graças ao incentivo dos clientes do bar “onde trabalhava como cozinheiro”, que consideravam suas análises e comentários sobre política e realidade muito consis- tentes (MAB, 2019, p. 20-21). Em sua entrevista, ele relata: Comecei a trabalhar com pouco mais de seis anos e só voltei a estudar, or- ganizadamente, no curso de madureza, em 1938, com 17 anos e meio. Isso não significa que eu tenha interrompido a leitura. Por um acaso feliz, os livros sempre estiveram ao meu lado. Nos lugares em que trabalhei, bares, res- taurantes, por exemplo, havia pessoas cultas, delegados de ensino, farma- cêuticos, que sempre me deram livros de presente. Assim, eu estudei muito sozinho. Quando resolvi fazer o curso de madureza, já tinha uma bagagem razoável, o que me ajudou muito. (FERNANDES, 1995, p. 3) O professor Octavio Ianni (1996, p. 8) o apresenta como “aluno brilhante de Curso de Ciências Sociais”, que, tendo feito contato, em 1943, com Hermínio Sacchetta, jornalis- ta da “Folha da Manhã”, acabou tornando-se colaborador do jornal e militante do Parti- do Socialista Revolucionário. Florestan Fernandes encontrou, em seus trabalhos como articulista de jornais, uma alternativa de geração de renda e de dedicar mais tempo aos estudos, deixando, assim, seu emprego de representante comercial de artigos farma- cêuticos. Sobre esse período, diz em sua entrevista: Então, com 22 anos, eu escrevia na revista Sociologia, no Estado de S. Paulo, e na Folha da Manhã. Naquela época São Paulo era uma cidade um pouco rústica. O fato de alguém publicar um artigo no Estado ou na Folha da Manhã, ou então publicar nos dois de uma vez, era como se tivesse ido à Lua e voltado. (FERNANDES, 1995, p. 7) Arruda (2010, p. 11) destaca a importância da personalidade de Florestan Fernandes – “personalidademais singular em meio aos primeiros cientistas sociais egressos da uni- versidade” –, que considera ter sido quem mais se identificou com a tarefa de construir as bases científicas da sociologia no Brasil. A autora destaca esse traço da personalidade de Florestan também no que se refere à área da teoria, pesquisa sociológica, atuação institucional e entendimento da exten- são da profissão do sociólogo. Seu percurso pessoal, construído no contexto e com os fundamentos em que se realiza a institucionalização da sociologia no Brasil, transfor- mou-se em inspiração para o perfil do cientista social: aquele “que pressupôs o ensino sistemático das disciplinas em moldes científicos e o envolvimento com as questões públicas do país” (ARRUDA, 2010, p. 11). Liedke Filho (2005, p. 400-401) estabelece uma caracterização da evolução da obra de Florestan Fernandes a partir das “orientações teórico-metodológicas e temático-políti- cas” em quatro etapas: 127 3 U ni ve rs id ad e S ão F ra nc is co Sociologia: Teorias e Aplicação Etapa de Formação Intelectual (1941-1952): considerada desde “seu ingresso na Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo” até assumir a Cadeira de Sociologia I, em 1953 (LIEDKE FILHO, 2005, p. 401) ou 1954, em substituição de Roger Bastide, de acordo com Rafael Tauil (2014, p. 15), como seu assistente catedrático. Nesta etapa, dedica-se a estudos empíricos, como “Folclore e Mudança Social em São Paulo (1976a)” e suas obras sobre os Tupinambás, com destaque para o livro A análise funcionalista da guerra: possibilidades de aplicação à sociedade tupinambá (1949) (LIEDKE FILHO, 2005, p. 401). Candido (2006) destaca esta obra como uma investigação acurada sobre as possibilidades de estabelecer o conheci- mento sistemático das sociedades primitivas por meio da análise das fontes primárias de caráter não-científico (pré-científico), no caso os cronistas e viajantes dos séculos XVI e XVII sobre os tupinambás. É uma discussão exaustiva, em que o autor demonstra a validade do método funcionalista na reconstrução do passado e na sistematização de aspectos doutro modo não coordenáveis para uma interpretação coerente. (CANDIDO, 2006, p. 271) Quanto aos aspectos teórico-metodológicos, nota-se a influência de sua militância no movimento trotskista, na elaboração da introdução à tradução do livro de Marx Con- tribuição à Crítica da Economia Política (1946) e sua monografia de pós-graduação Concepção de Ciência Política de Karl Manheim (1946) (Ibidem). Liedke Filho (2005, p. 401) destaca o texto O Problema do método na Investigação So- ciológica (escrito em 1947 e publicado em 1971) demonstrando a inovação que sua ela- boração teórica apresentava e que se tornou referência na estruturação da “Escola de Sociologia da USP”. Mazucato (2014, p. 6) corrobora essa leitura da preocupação de Florestan Fernandes em torno da consolidação das Ciências Sociais no Brasil, presente em diversos artigos para revistas e congressos que foram reunidos e publicados. 1 2 Etapa da Sociologia numa Era de Revolução Social (1952-1967): nesse perí- odo Florestan Fernandes demonstra sua preocupação quanto à possibilidade da contribuição da Sociologia Aplicada para a “construção da ordem social, industrial e democrática no Brasil” (LIEDKE FILHO, 2005, p. 403). Seu texto Desenvolvimento Histórico-Social da Sociologia no Brasil (escrito em 1957, publicado em 1977) apre- senta etapas na evolução da sociologia brasileira, equivalentes ao apresentado acima, quanto ao desenvolvimento da sociologia no Brasil. Ao substituir Roger Bastide, as- sumindo suas aulas de Sociologia I, organizou um grupo de colaboradores, dentre os quais estariam Octavio Ianni e Fernando Henrique Cardoso, dando origem à “Escola de Sociologia da USP” (LIEDKE FILHO, 2005, p. 404). Este grupo desenvolveu entre 1954 e 1969 diversos projetos de pesquisa coletivos em torno de questões da realida- de brasileira: a) relações raciais; b) industrialização; c) desenvolvimento, na “aventura comum de vincular a investigação sociológica à transformação da sociedade brasileira” (FERNANDES, 1975a apud LIEDKE FILHO, 2005, p. 405). 128 Sociologia Contemporânea 3 3 Seu interesse em aprofundar a Sociologia Aplicada têm um grande desenvolvimento nesse período. Compreendida como a “análise dos efeitos disnômicos (irracionais ou difíceis de nomear) da vida social e das condições de intervenção racional no controle de situações em que elas emergem socialmente”, esta é uma abordagem necessária e atual (FERNANDES, 1971 apud LIEDKE FILHO, 2005, p. 405). Nesse período também se encontram trabalhos voltados às possibilidades de emer- gir no Brasil uma “Revolução Burguesa nacional-democrática-popular”, nos moldes da francesa, avaliando hipóteses culturais e sociais para uma certa demora desse proces- so de mudança no país. Ainda nesse período, irá escrever diversos textos e livros, bem como participar ativamente na Campanha em Defesa da Escola Pública. Seu grande empenho nessa campanha se deu com o objetivo de garantir para “as massas popula- res” um “elevado padrão de educação” que até então não vinha sendo garantido pelos governos (LIEDKE FILHO, 2005, p. 407). Assim, surge a tese do dilema social brasilei- ro, que se caracteriza [...] como um apego sociopático ao passado, que poderá ter consequências funestas. Ostenta-se uma adesão aparentemente leal e faminta ao progres- so. Professa-se, porém, uma política de conservantismo cultural sistemático. Os assuntos de importância vital para a coletividade são encarados e resol- vidos à luz de critérios que possuíam eficácia no antigo regime [...]. Enquanto isso, as tensões se acumulam e os problemas se agravam, abrindo sombrias perspectivas para o futuro da Nação. (FERNANDES, 1962 apud LIEDKE FILHO, 2005, p. 408) Etapa da Reflexão sobre a Revolução Burguesa no Brasil (1967-1986): inicia- -se a partir do impacto do golpe de 1964, causando uma guinada radical em sua abordagem, a partir do livro Sociedade de Classes e Subdesenvolvimento (1968) é o texto-marco dessa ruptura, enquanto instauração da problemática do subdesenvolvimento como forma específica de realização do capitalismo mundial, a qual se apresenta como uma forma particular da Revolução Bur- guesa, despojada de qualquer impulso construtivo e revolucionário. (LIEDKE FILHO, 2005, p. 409) O livro A revolução burguesa no Brasil: ensaio de interpretação sociológica (1975) anali- sa o processo de desenvolvimento da sociedade burguesa brasileira, da Independência aos “desdobramentos do golpe militar de 1964” (ARRUDA, 2010, p. 20). De sua análise, Arruda (2010) destaca nesse livro a dificuldade do “desenvolvimento da civilização moderna no Brasil” sem a superação “dos princípios inerentes à ordem social anterior”. Nesse caso, o capitalismo dependente se caracteriza por não contar com o agente social que encarne a mentalidade burguesa e tenha a capacidade de “romper o círculo poderoso advindo do passado” (ARRUDA, 2010, p. 21-22). Aqui, cumpre ressaltar, em especial, a estreita vinculação que se estabe- leceu, geneticamente, entre interesses e valores sociais substancialmente conservadores (ou, em outras terminologias: particularistas e elitistas) e a constituição da ordem social competitiva. Por suas raízes históricas, eco- nômicas e políticas, ela atou o presente ao passado como se fosse uma 129 3 U ni ve rs id ad e S ão F ra nc is co Sociologia: Teorias e Aplicação cadeia de ferro. Se a competição concorreu, em um momento histórico, para acelerar a decadência e o colapso da sociedade de castas e estamentos, em outro momento, ela acorrentou a expansão do capitalismo a um privatismo tosco, rigidamente particularista e fundamentalmente autocrático, como se o “burguês moderno” renascesse das cinzas do “senhor antigo”. (FERNAN- DES, 1975 apud ARRUDA, 2010, p. 21-22) Sendo assim, esta burguesia não se libertou da oligarquia e estreitou sua relação com os setores sociais retrógrados,não implementando a liberal-democracia, mantendo-se de- pendente do Estado na indução do processo de industrialização (ARRUDA, 2010, p. 22). Por outro lado, a dependência se amplia diante dos desafios do capitalismo monopolis- ta, que se inicia no fim da década de 1950 e consolida seu “caráter estrutural a partir” do golpe militar de 1964 (TOLENTINO, 2008, p. 224). [...] a iniciativa privada interna, em qualquer proporção significativa da agri- cultura, da criação, da mineração, ao comércio interno e externo, à produção industrial, aos bancos e aos serviços, terá de crescer sob o influxo dos dina- mismos e dos controles econômicos manipulados direta ou indiretamente, a partir do desenvolvimento das economias capitalistas centrais e do mercado capitalista mundial. Chegou-se, pois, a um ponto em que a articulação do plano internacional tende a esgotar todos os limites. Sob o capitalismo mo- nopolista, o imperialismo torna-se um imperialismo total. Ele não conhece fronteiras e não tem freios. Opera a partir de dentro e em todas as direções, enquistando-se nas economias, nas culturas e sociedades hospedeiras”. (FERNANDES, 1987 apud TOLENTINO, 2008, p. 239) Liedke Filho (2005) acrescenta que, na terceira parte do livro A revolução burguesa no Brasil (1975a), elaborada em 1973/74, Florestan enfatiza que o capitalismo dependen- te, caráter assumido pela Revolução Burguesa no Brasil, tem caráter autocrático. Nas condições de subdesenvolvimento, estabelece uma ordem política, econômica e social “antidemocrática e antipopular”, restringindo a democracia “aos próprios membros da classe burguesa” e a alguns privilegiados (LIEDKE FILHO, 2005, p. 410). Retornando ao Brasil, em 1973, vai assumindo a atuação de colaboração junto aos emergentes movimentos sociais e volta a lecionar, agora na Pontifícia Universidade Ca- tólica de São Paulo, em 1978, e posteriormente em outros espaços acadêmicos. A partir de 1975 revela seu ímpeto de exercer uma permanente postura crítica frente ao modelo de dominação estabelecido no Brasil, renova suas expectativas na alternativa socialista e nas possibilidades de que a sociologia dê seu aporte aos grupos e movimentos que contestam essa dominação (LIEDKE FILHO, 2005, p. 410). 130 Sociologia Contemporânea 3 4 Figura 02. Concepções da revolução burguesa no Brasil de Florestan Fernandes Hipótese da demora cultural Hipótese do dilema social brasileiro A Ditadura A Nova República 1954-1961 Aceleração constante da democratização, do prestígio e do poder, da renda e da autonomia nacional Construção da ordem social industrial democrática no Brasil Realização de uma revolução burguesa de modelo francês PROBLEMÁTICA 1 – 1947-1966 PROBLEMÁTICA 2 – 1966-1995 A revolução burguesa capitalista dependente Autocrática/Antipopular/Antinacional É uma contrarrevolução burguesa 1966-19861961-1966 1986-1995 Fonte: adaptada de Liedke Filho (2005, p. 402). Etapa da Militância Cidadã (1986-1995): em seu retorno ao Brasil, Florestan não quis solicitar a restituição de seu posto na USP, uma vez que sua saída não foi sua escolha, mas voltou a dar cursos a convite do “Diretório Central dos Estudantes”. Ainda assumiu a divulgação de ideias e conteúdo no livro Nova República? (1986) e em coletâneas e artigos publicados na imprensa, tratando com linguagem forte, coerente e acessível as questões relevantes do momento social (IANNI, 2011, p. 10). Filiou-se ao Partido dos Trabalhadores e foi eleito deputado federal, compondo a Assem- bleia Nacional Constituinte de 1986 e sendo reeleito em 1990. Nesses anos, assumiu o compromisso de empenhar-se nas causas e movimentos aos quais dedicou sua vida: a defesa da escola pública e as reformas de base, combater as perversidades econômico- -político-sociais com propostas socialistas, “lutar pela igualdade racial, propondo medidas de teor compensatório etc.” (FERNANDES, 1989 apud FERNANDES, 2014, p. 41). Chegados ao fim desse percurso, encerramos esta sessão com as palavras da socióloga: Os estudos de Florestan Fernandes sobre as relações raciais expuseram a raiz do chamado racismo estrutural, uma vez que explicam os fundamen- tos do preconceito e, no caso brasileiro, a sua relação intrínseca com a es- tratificação de classes, as formas arrevesadas da modernização brasileira, o caráter privatista da ordem social competitiva, a estrutura autocrática de exercício do poder, que resultaram na profundidade da desigualdade social do Brasil. Nesse sentido, a obra de Florestan revela inequívoca atualidade. [...] Florestan ocupou o lugar do intelectual público, daquele defensor das causas mais genuínas e que se lastreavam no domínio do conhecimento. Nesse diapasão, o sociólogo serviu de modelo para os intelectuais da uni- versidade, hoje muito acanhados na cena pública, mesmo porque as nossas 131 3 U ni ve rs id ad e S ão F ra nc is co Sociologia: Teorias e Aplicação instituições se transformaram, sobretudo, em organismos administrativos, limitados por compromissos, muitas vezes externos aos nossos muros. A sua adesão à ciência se realizou em uma conjuntura na qual os intelectuais eram instados a se tornarem atores políticos. (ARRUDA, 2020, p. 254-255) 3.2 FERNANDO HENRIQUE CARDOSO E A TEORIA DA DEPENDÊNCIA Breve biografia Fernando Henrique Cardoso nasceu no Rio de Janeiro em 18 de junho de 1931, em família de militares tradicionalmente vinculados à política (BARBOSA, 2020, p. 1) com presença nos momentos mais cruciais da história do Brasil contemporâneo. Seu bisavô, durante o Segundo Império, esteve à frente do Partido Conservador de Goiás e foi depu- tado, senador e “presidente de província”. Seu avô, oficial do Exército, teve participação ativa na destituição da Monarquia e na Proclamação da República e no levante de 1922 ao lado do ex-presidente Hermes da Fonseca. O pai de Fernando Henrique, também mili- tar, participou das revoltas tenentistas de 1922 e 1924 e da Revolução de 1930, que levou Getúlio Vargas à presidência da Nação, e, mais adiante, após deixar o exército, foi eleito deputado federal, em 1954, por São Paulo. Estes são apenas alguns exemplos, dentre outros personagens, de seu grupo familiar que tiveram participação direta em eventos relevantes da nossa história. Desse modo, Fernando Henrique teve acesso, durante a infância e a adolescência, a relatos da história brasileira por participantes e testemunhas diretas desses fatos, os quais provavelmente suscitaram nele uma percepção interna de aptidão hereditária para a política (GARCIA JUNIOR, 2004, p. 288). Nascido em 1931 no Rio de Janeiro, filho primogênito, cursou o primário entre Rio de Janeiro e São Paulo, devido às exigências do trabalho de seu pai. Teve aulas particula- res de francês, de acordo com o costume das famílias de posses e cosmopolitas desse período do Brasil. Seus estudos secundários foram feitos em São Paulo, num bairro nobre junto a filhos das famílias de maior na cidade (GARCIA JUNIOR, 2004, p. 289). Em 1949 tenta ingressar na Faculdade de Direito, sem sucesso, e em 1952 conclui a licenciatura em Ciências Sociais pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Uni- versidade de São Paulo (USP), assumindo o cargo de auxiliar de ensino de Sociologia I, cujo titular era Roger Bastide, no ano seguinte. Com o retorno de Bastide à França, em 1955, assumiu o cargo de primeiro assistente de seu Professor Florestan Fernan- des (GARCIA JUNIOR, 2004, p. 289), que havia orientado seu mestrado, concluído em 1953 (LIEDKE FILHO, 2005, p. 414). Em 1961, conclui o doutorado defendendo a tese Capitalismo e escravidão no Brasil meridional: o negro na sociedade escravocrata do Rio Grande do Sul, pela USP. De 1962 a 1963 cursa pós-graduação no Laboratoire de Sociologie Industrielle da Univer- sidade de Paris e conquista o título de livre docência da cadeira de Sociologia I. No entanto, após o golpe civil-militar de 1964 e as perseguições aos professores, foi impe- lido a exilar-se e desenvolver suacarreira acadêmica em instituições no exterior, como Faculdade Latinoamericana de Ciências Sociais (FLACSO), Facultad de Ciências Eco- nómicas da Universidad de Chile, “Instituto Latinoamericano de Planificación Económi- ca y Social (ILPES) e Universidade de Paris-Nanterre, para onde se mudou em 1967. Em 1968, em seu retorno a São Paulo, assumiu a cátedra de Ciência Política, mas no 132 Sociologia Contemporânea 3 ano seguinte foi aposentado compulsoriamente pelo aparato repressor governamental. Afastado da Universidade, deu continuidade a seu trabalho intelectual com a criação do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), em 1969, junto a outros pro- fessores, também cassados pela ditadura. Nesse período, lecionou em instituições nos Estados Unidos, Inglaterra e França e liderou a “International Sociological Association” (ISA), de 1982 a 1986 (BARBOZA, [s. d.], p. 1). Em 1974 ingressou na carreira política a convite de Ulysses Guimarães (1916-1992), então presidente do Movimento Democrático Brasileiro (MDB), para participar da ela- boração da plataforma eleitoral deste partido para as eleições que viriam. Em 1978, concorreu ao senado, sendo eleito suplente, mas assumiu a titularidade em 1983 em substituição de Franco Montoro, eleito governador de São Paulo. Com sua reeleição, em 1986, pôde participar das discussões para a elaboração da nova constituição. Em 1988, fundou o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), foi Ministro das Re- lações Exteriores do governo de Itamar Franco e, posteriormente, Ministro da Fazen- da. Foi eleito Presidente da República exercendo o cargo por dois mandatos, de 1995 a 2002. Atualmente, ocupa “o cargo de presidente de honra do diretório nacional do PSDB”, escreve artigos para jornais do país e “preside a Fundação Fernando Henrique Cardoso” (BARBOZA, [s. d.], p. 2). Algumas obras de Fernando Henrique Cardoso: ` Capitalismo e escravidão no Brasil meridional: o negro na sociedade escravocra- ta do Rio Grande do Sul. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1962. ` Empresário industrial e desenvolvimento econômico no Brasil. São Paulo: Difu- são Europeia do Livro, 1964. ` Dependência e desenvolvimento na América Latina: ensaio de interpretação so- ciológica. Coautoria de Enzo Faletto. Rio de Janeiro: Zahar, 1970. SAIBA MAIS Etapas da trajetória intelectual A produção intelectual de Fernando Henrique Cardoso abrange um leque de temas que serão apresentados em etapas, a partir de Liedke Filho (2005, p. 413-424): 1 Sociedade escravocrata e relações raciais no Brasil (1955-1961): com a orien- tação de Florestan Fernandes, Fernando Henrique Cardoso e Octavio Ianni inicia- ram suas atividades como pesquisadores, abordando “a condição social dos ne- gros descendentes de escravos em São Paulo”. A seguir, com financiamento da Unesco a partir do incentivo de Roger Bastide, ampliaram sua investigação para as relações raciais em cidades do Sul brasileiro, que receberam grande fluxo de imigrantes euro- peus do fim do século XIX (GARCIA JUNIOR, 2004, p. 290). 133 3 U ni ve rs id ad e S ão F ra nc is co Sociologia: Teorias e Aplicação A metodologia dialética se refere ao uso do método dialético na construção do pensamento. Esse método aborda os fenômenos a partir de suas contradições internas, sendo que a luta entre estes elementos contrários “é o conteúdo interno do processo de desenvolvimento, da conversão das variações quantitativas” e qualitativas (SANTOS; PARRA FILHO, 2011, p. 44). Quanto ao conceito de práxis-projeto, com base no pensamento de Sartre (1960 apud CASTRO, 2019, p. 11-46), este representa uma recuperação da perspectiva de Marx, em sua abordagem dialética da “realidade histórica-objetiva” e da “práxis singular subjetiva” humana (CASTRO, 2019, p. 11). Uma vez que a práxis, como “ato sintético e prático”, “orienta-se em direção ao futuro”, ela pode ser considerada práxis emancipatória, na medida que une os explorados numa práxis-projeto, que unifica sua ação para a superação do sistema opressor (Ibidem, p. 19-46). SAIBA MAIS A partir desse projeto, ambos elaboraram suas teses em 1962: As metamorfoses do escravo, Octavio Ianni, e Capitalismo e escravidão no Brasil meridional, Fernando Hen- rique Cardoso, com base na herança ainda presente da relação entre senhores brancos e escravos. Estes estudos desvendavam o fato de que os preconceitos raciais não di- minuíram com o desenvolvimento industrial e a modernização, mas foram exacerbados (MAYO, 1997 apud GARCIA JUNIOR, 2004, p. 290). Estes e outros trabalhos, desenvolvidos sob a orientação de Florestan Fernandes, as- seguraram grande prestígio à “escola de sociologia de São Paulo”, devido ao domínio no uso dos “métodos de pesquisa em ciências sociais” utilizados “nos Estados Unidos e na Europa”, tornando-se a nova tendência das Ciências Sociais no Brasil (GARCIA JUNIOR, 2004, p. 291). Cabe salientar que Cardoso, “em sua tese de doutorado Capitalismo e escravidão no Brasil meridional, realizou a análise da relação entre senhores e escravos utilizando como referência a ‘metodologia dialética’ e o ‘conceito de práxis-projeto’, com base na obra de J. P. Sartre” (1967) e os conceitos marxistas de mais valia e alienação (LIEDKE FILHO, 2005, p. 415). Cardoso sugere o emprego dos conceitos de patrimonialismo senhorial e de cas- ta escrava, redefinidos sob a égide do capitalismo mercantil-escravista, onde o capital variável (força de trabalho) é fixo (escravo), não havendo salário. (Ibidem) 2 Desenvolvimento brasileiro (1961-1963): a partir de 1959, a “Escola da USP” passa a dedicar seus esforços ao estudo de temas pertencentes à questão do desenvolvi- mento brasileiro. Nesse sentido, o foco de pesquisa de Cardoso volta-se para o desenvolvimentismo, defen- dendo em 1963 sua tese de livre-docência Empresário industrial e desenvolvimento eco- nômico no Brasil. Neste trabalho, que o autor constrói a partir de pesquisa realizada junto às elites industriais, entre 1961-1963, ele elabora teses que contrariam as interpretações predominantes à época sobre o desenvolvimentismo (LIEDKE FILHO, 2005, p. 415-416). 134 Sociologia Contemporânea 3 Cardoso apontava que (1) não foi a burguesia industrial a responsável pri- meira pela elaboração do projeto nacional-desenvolvimentista, mas sim setores tecnocráticos do Estado que, com a chancela das oligarquias, bus- cavam atender as reivindicações das massas populares urbanas nascen- tes; (2) quando a burguesia industrial pôde e buscou ter um “controle da situação”, ela redefiniu o projeto vigente, enfatizando o desenvolvimento não nacionalista, facilitando o ingresso de capitais internacionais e marchando para um “subcapitalismo”. (Ibidem, p. 416) O enfoque dado por Cardoso, em sua tese, seria de grande aporte para o novo momen- to que estaria iniciando. 3 Dependência estrutural na sociedade brasileira (1965-1972): preocupado com os desdobramentos do golpe de 1964, Cardoso preferiu viajar para o Chile, tra- balhando na Comissão Econômica para a América Latina – CEPAL – e como professor universitário (LIEDKE FILHO, 2005, p. 416). Na CEPAL havia sido construída, com base no pensamento do economista brasileiro Celso Furtado, sua tese de que o subdesenvolvimento era produto das relações internacionais e que sua superação exi- gia um impulso intensivo de “industrialização com protecionismo, planejamento e forte influência do Estado” (TOLEDO, 1993 apud FERREIRA, 2003, p. 105). Furtado e o eco- nomista argentino Raúl Prebisch foram os responsáveis pela construção do “conceito cepalino de subdesenvolvimento” (FERREIRA, 2003, p. 105). Esse período de contato com o pensamento cepalino e os estudos sobre o conjunto da América Latina, em com- paração com a realidade brasileira, forneceu as bases para a elaboração, juntamente com o sociólogo e historiador chileno Enzo Faletto (1935-2003), do livro Dependência e desenvolvimento na América Latina (1973), com a introdução da Teoria da Dependência(LIEDKE FILHO, 2005, p. 416). A Teoria da Dependência é considerada uma das principais contribuições de Cardoso para a Sociologia, construída a partir da compreensão de dependência como a “relação de subordinação” entre as partes que compõem o sistema capitalista: as “economias centrais (países desenvolvidos) e periféricas (países subdesenvolvidos)”. Neste con- ceito, a condição de dependência está diretamente relacionada aos países que, tendo sido colônias, desenvolveram tardiamente sua industrialização, e necessitariam “de ca- pitais e tecnologia” dos países desenvolvidos para poder avançar em seu desenvolvi- mento industrial (FERREIRA, 2003, p. 106). Nesse processo contínuo de demanda de recursos externos, não seriam capazes de alcançar um processo de desenvolvimento forte, autônomo e autossustentado, com recursos e tecnologia própria. Assim sendo, a produção dos países dependentes não cobriria os empréstimos e as importações, mantendo suas decisões relativas às políticas de produção e consumo, subordinadas às economias centrais. A teoria de Cardoso e Faletto, elaborada entre 1966 e 1967, deu sequência a um pen- samento originado em fins da década de 1940 na América Latina, incrementado por pesquisas e interpretações subsequentes. Sua produção trouxe novos enfoques para a temática da dependência. Em sua abordagem, “a relação interna das classes sociais é que toma possível e dá fisionomia própria à dependência” (CARDOSO; FALETTO, 1973 135 3 U ni ve rs id ad e S ão F ra nc is co Sociologia: Teorias e Aplicação apud FERREIRA, 2003, p. 106). Consideram, assim, que a situação de dependência recebe interferência dos processos de disputas políticas internas em cada país (FER- REIRA, 2003, p. 106). Esse processo não implicaria em estagnação para os países dependentes, mas cria- ria uma divisão internacional do trabalho que, mesmo favorecendo o desenvolvimento tecnológico dos países dependentes, não promoveria a superação de seus problemas sociais. Os favorecidos, nesse processo, seriam as empresas estatais, que induziram o “desenvolvimento industrial de base (siderurgias e outros), os conglomerados empre- sariais multinacionais e as empresas nacionais associadas a esses dois setores, confi- gurando o que ficou denominado de “tripé do desenvolvimento dependente-associado” (FERREIRA, 2003, p. 106-107). 4 Autoritarismo e redemocratização (1971- ): neste período, sua produção in- telectual se volta à análise do modelo político-econômico implantado a partir de 1964 e dos caminhos para a redemocratização do país. Na coletânea Autoritaris- mo e Democratização (1976), apresenta o conceito de capitalismo dependente-associa- do para compreender o Brasil pós-64. O capitalismo dependente-associado tem base numa aliança entre empresas estatais e capitais internacionais, reduzindo a parceria com a burguesia local, sem suprimi-la (LIEDKE FILHO, 2005, p. 419). Sua produção analisa o “milagre brasileiro”, como é conhecido o crescimento econô- mico do período militar entre 1968 e 1973, de maneira diversa tanto dos grupos que faziam sua defesa quanto das críticas dos grupos da esquerda, que relacionavam “de- pendência, ditadura e superexploração de mão de obra” (LIEDKE FILHO, 2005 p. 421). Considera que, embora esse período de desenvolvimento tenha tido um caráter exclu- dente, o capitalismo dependente-associado não implica, necessariamente, num autori- tarismo político. Cardoso postula que há espaço, em condições de dependência, para a construção de uma “democratização substantiva”, com a “reativação da sociedade civil” brasileira (CARDOSO, 1976 apud LIEDKE FILHO, 2005, p. 421). Nesse sentido, propõe que o fortalecimento de associações, movimentos, sindicatos e grupos diversos poderia fortalecer o debate público, “propondo soluções e entrando em conflitos construtivos para o país”. Para isso, instâncias do Estado atuariam para “legitimar as divergências construtivas e eliminar as tendências favoráveis à uniformi- dade pseudo-consensual” (LIEDKE FILHO, 2005, p. 422). O caráter dessas instâncias seria o de garantir as demandas de setores diferenciados que pudessem contribuir de maneira positiva para a solução de problemas da nação, superando assim a aparente unanimidade, imposta pelo governo ditatorial. Segundo Liedke Filho (2005, p. 424), três teses, presentes na produção de Fernando Henri- que Cardoso, apresentam parâmetros para avaliar sua atuação na presidência da República: (1) a tese da viabilidade de algum tipo de desenvolvimento capitalista, ain- da que em condições de dependência associada, com presença do capital internacional, sem que isto signifique que as burguesias locais deixem de existir; (2) a tese da viabilidade de algum tipo de (re)distribuição de renda, 136 Sociologia Contemporânea 3 3.3 A SOCIOLOGIA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA Como vimos acima, a ênfase temática da década de 1970 iniciou pela questão do de- senvolvimento e foi sendo substituída pelos estudos em torno da reativação da socie- dade civil, com destaque para os movimentos sociais e de lutas pela redemocratização (LIEDKE FILHO, 2005, p. 424-425). mesmo que nessas condições; e (3) baseada nas teses anteriores, a tese da necessidade-viabilidade de uma democratização substantiva, com justiça social, participação democrática e liberdade efetiva. (Ibidem) Ainda, afirma Liedke Filho (2004, p. 424), mesmo tendo encontrado meios de incorporar essas teses a seu discurso político, “sua efetiva concretização parece muito longe de ter se efetivado”. Sobre algumas diferenças entre o pensamento de Florestan Fernandes e Fernando Henrique Car- doso, indicamos o texto abaixo, que contém uma análise comparativa das posturas destes dois sociólogos sobre democracia e autoritarismo, com base em suas produções dos anos 1960 a 1980. JESUS, Camila Vian de. Florestan Fernandes e Fernando Henrique Cardoso: apontamentos sobre democracia e autoritarismo. Leituras de Economia Política, Campinas, n. 26, p. 27-38, jan./jun. 2018. Disponível em: http://www.eco.unicamp.br/images/arquivos/artigos/3652/Artigo2.pdf. Acesso em: 1 mar. 2021. Os estudos referentes aos movimentos sociais no Brasil apresentam diferenças significativas entre as organizações predominantes antes de 1964 e as das décadas seguintes. Muitos intelectuais se dedicaram a pesquisar o que se chamou de “novo sindicalismo” e de “novos” movimentos sociais urbanos, entre os quais: Paul Singer (1932-2018); Maria da Glória Gohn (1947- ); Ruth Cardoso (1930-2008); Eunice Durham (1932- ); Pedro Jacobi (1950- ); Vinícius Caldeira Brant (1941-1999); Ilse Scherer-Warren (1944- ) e José Álvaro Moisés (1945- ). É muito importante compreender o que essas “novas formas de organização” trouxeram para o processo de democratização. Sugestões de leitura:a ` A temática dos movimentos sociais urbanos no Brasil dos anos 1970/80, de Marco Antonio Perruso. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/mundosdotrabalho/article/ download/1984-9222.2012v4n7p32/23293/88972. Acesso em: 1 mar. 2021. ` História e lutas sociais de classe – um panorama do contemporâneo, organizado por Yuri Martins Fontes e Patrícia Mechi. Disponível em: https://www.pucsp.br/educ/downloads/ Historia_v5.pdf. Acesso em: 1 mar. 2021. SAIBA MAIS IMPORTANTE 137 3 U ni ve rs id ad e S ão F ra nc is co Sociologia: Teorias e Aplicação Em fins da década de 1990 houve, no entanto, um recuo nos estudos sobre movimentos sociais, identificado por Liedke Filho (2005, p. 425) a derrotas sofridas pelas forças so- ciais, como a Campanha das Diretas Já (1989-1990). O foco de investigação voltou-se para o estudo de identidades e representações sociais, o que trouxe maior dificuldade teórico-metodológica, pois ao privilegiar abordagens microssociais, produzia aborda- gens mais imediatas, empíricas e subjetivas. A sociologia no Brasil, no período dos anos 60 e 70 para os anos 90, viven- ciou uma passagem de análises macrossociológicas de crítica ao modeloeconômico-social excludente do “milagre” e de crítica ao modelo autoritário para uma microssociologização dos estudos. [...] Rapidamente, ocorreu uma dissociação da questão dos movimentos sociais em relação a condições ma- croestruturais, passando a Sociologia a dedicar-se massivamente a enfocar as identidades e representações sociais dos movimentos urbanos e rurais, do movimento sindical, dos movimentos feministas e gay, do movimento ne- gro e dos movimentos ecológicos. (LIEDKE FILHO, 2005, p. 425-426) Liedke Filho (2005) afirma que as ciências sociais no Brasil vêm apresentando a busca de uma “nova identidade”, com a inclusão de temas e abordagens voltadas à “explica- ção e/ou compreensão da situação social brasileira” (LIEDKE FILHO, 2005, p. 426). Abaixo apresentamos um gráfico que classifica as 528 linhas de pesquisa referentes a 240 grupos, voltados à Sociologia em 2005 (Figura 3) e as novas áreas temáticas (Figura 4). Figura 03. Grupos de Pesquisa CNPq – Linhas de Pesquisa de Sociologia (2005) GRUPOS DE PESQUISA CNPQ LINHAS DE PESQUISA DE SOCIOLOGIA - 2005 Fonte: adaptada de Liedke Filho (2005, p. 427). Outras sociologias específicas 33% Sociologia da saúde Fundamentos da Sociologia Sociologia do desenvolvimento Sociologia rural Sociologia urbana Sociologia do conhecimento Sociologia 3% 6% 7% 8% 8% 9% 26% 138 Sociologia Contemporânea 3 As principais influências teóricas presentes em ensaios e pesquisas da atualidade têm sido Bourdieu, Foucault, Giddens, Elias, Habermas e releituras de Weber. Liedke Filho (2005, p. 429) destaca sua preocupação pela predominância “da teoria do individu- alismo e da escolha racional” em estudos voltados à sociologia da educação. Essas pesquisas, que abordam questões como oportunidades desiguais, políticas educacio- nais e práticas pedagógicas, ao assumir essas linhas teóricas – questiona o autor – não estariam postulando uma pedagogia que valorize a formação de sujeitos racionais, calculistas, individualistas e egoístas? Com relação às temáticas, globalização, pós-modernidade e multiculturalismo, Liedke Filho (2005, p. 429) destaca a emergência de estudos que fazem a releitura de “temáti- cas já consagradas” em conexão com temas emergentes, como, por exemplo, “religiões num contexto de globalização”. No panorama histórico de evolução da Sociologia no Brasil, abordado nesta unidade, foi possível obter diversas respostas para que esta ciência e o conjunto das ciências sociais podem servir, socialmente: Instrumento de legitimação de dominação racial; instrumento de legitima- ção de fração de classe; disciplina auxiliar do progressivismo pedagógico; instrumento de modernização societária; instrumento da libertação nacio- nal; elemento de apoio aos esforços de democratização da sociedade bra- sileira. (LIEDKE FILHO, 2005, p. 429) Figura 04. Grupos de Pesquisa CNPq: Classificação de Sociologias Específicas (2005) GRUPOS DE PESQUISA CNPQ CLASSIFICAÇÃO DE SOCIOLOGIA ESPECÍFICA - 2005 Sociologia do conhecimento Gênero Raças Sócio-demografia Meio ambiente Sociologia da religião Sociologia da educação Sociologia da cultura Sociologia do trabalho 4% 4% 4% 6% 8% 8% 9% 12% 27% Sociologia política18% Fonte: adaptada de Liedke Filho (2005, p. 428). 139 3 U ni ve rs id ad e S ão F ra nc is co Sociologia: Teorias e Aplicação 4. QUESTÕES SOCIOLÓGICAS DO BRASIL ATUAL Como vimos discutindo nesta unidade, a sociologia aborda as questões mais canden- tes da realidade social, portanto, trata-se de um conhecimento historicamente situado. Então, quais seriam as principais questões sociológicas do Brasil atual? A escolha das principais preocupações em uma sociedade não é consenso, pois tem vinculação di- reta com o modo de ver, pensar e julgar os fatos. Cientes de que não será possível abordarmos todos os temas candentes na atualidade do Brasil, escolhemos alguns que nos pareceram destacar-se e que se encontram referenciados em nossa Constituição (BRASIL, 2020, p. 1): Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Bra- sil de 1988 I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. [...] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer nature- za, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição; [...] Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. Cabe ressaltar que optamos por apresentar apenas uma abordagem para cada tema nesta sessão, demonstrando a construção do pensamento sociológico no tratamento das situações escolhidas. Por outro lado, esperamos que esta abordagem introdutória aos temas possa incentivar sua reflexão e despertar o interesse na leitura da bibliografia complementar e em apro- fundamentos posteriores. 4.1 DESIGUALDADE SOCIAL A pesquisa da Oxfam Brasil/Datafolha (2019) apresenta o segundo levantamento de opinião pública sobre a percepção da população com relação à desigualdade no Brasil. O relatório retoma o texto constitucional que assume o compromisso com a erradicação da pobreza e da marginalização, bem como a redução das desigualdades sociais e regionais. A opinião de 86% dos entrevistados, de acordo com os resultados apresenta- dos, condiciona o progresso do Brasil à redução de desigualdade entre ricos e pobres (OXFAM BRASIL/DATAFOLHA, 2019, p. 11-19). 140 Sociologia Contemporânea 3 Segundo Barbosa, Ferreira e Soares (2020, p. 1), a década de 2010 parecia ser pro- missora para a redução da desigualdade de renda no Brasil, dado o crescimento da renda média das famílias efetivado na primeira década do século XIX, que se mostrou a melhor década da história do país em termos distributivos (BARBOSA; FERREIRA; SOARES, 2020, p. 1). Entre 2001 e 2011, a renda média das famílias cresceu mais de 30%, a desigualdade medida pelo coeficiente de Gini caiu mais de 10%, e as ta- xas de extrema pobreza e de pobreza recuaram, respectivamente 4 e 12 pontos percentuais (SOUZA et al., 2019 apud BARBOSA; FERREIRA; SO- ARES, 2020, p. 1) No entanto, essa expectativa foi frustrada pelas ocorrências econômicas e políticas diante das quais o Brasil não vem mostrando sinais de recuperação a curto prazo. O texto de Barbosa, Ferreira e Soares (2020, p. 2) busca apresentar o que ocorreu neste período de crise desencadeado a partir de 2015, com “a desigualdade, a pobreza e o bem-estar”, pois verifica que a instabilidade causou impactos diferenciados para os “diferentes estratos de renda” (Ibidem). A crise de 2015 impactou gravemente nas famílias brasileiras, com uma queda da renda média de 3,3% após um período de crescimento, entre 2012 e 2014, de 6,6% da renda média. Essa situação de queda da renda média se manteve por mais dois anos, voltan- do a ter um certo crescimento apenas em 2018. Quanto aos índices de desigualdade, que se apresentavam em queda contínua até 2015, houve queda no ritmo de redução da desigualdade nesse último ano (BARBOSA; FERREIRA; SOARES, 2020, p. 2). No ano de 2015, em que se verificou a queda da renda média, mas não foi constatado um aumento do índice de desigualdade, pode-se constatar que a crise afetou todas as camadas sociais de maneira equivalente. Cabe ressaltar que a desigualdade é medida por índice que utiliza dados estatísticos para avaliar a como é feita a distribuição das riquezas de um determinadopaís ou território (PENA, [s. d.], p. 1). Ainda, o estudo mostra que no período entre 2016 e 2018 a queda na renda média ocorreu ao mesmo tempo que se registrou um intenso aumento do índice Gini. Esse quadro mostra que a crise afetou os mais pobres de maneira mais pesada. Desse modo, em 2018 o Brasil registrou o maior nível de desigualdade desse período: 0,545 (BARBOSA; FERREIRA; SOARES, 2020, p. 2). Do ponto de vista distributivo, retrocedemos uma década. E esse retroces- so ocorreu com mais força justamente no momento de recuperação eco- nômica. A capacidade de apropriação do crescimento, em especial num cenário de austeridade, é desproporcionalmente mais favorável para os mais ricos. [...] De 2012 a 2015, as taxas de crescimento estiveram muito acima da média nos estratos mais pobres. Porém, nos anos seguintes, houve uma inversão, um crescimento em favor dos mais ricos. (Ibidem) Fica claro nessa apresentação que, mesmo ocorrendo uma certa recuperação eco- nômica no Brasil em 2018, o aumento da desigualdade mostra que essa recupera- ção não trouxe melhorias para os mais pobres. O crescimento ocorrido nesse ano foi “concentrado no topo”, ou seja, nas camadas mais abastadas, enquanto que “os 10% mais pobres” sofreram mais perdas em seu poder aquisitivo (BARBOSA; FERREIRA; SOARES, 2020, p. 3). 141 3 U ni ve rs id ad e S ão F ra nc is co Sociologia: Teorias e Aplicação Barbosa, Ferreira e Soares (2020) ainda relaciona alguns aspectos que contribuíram para esse aumento da desigualdade social: ` A renda do trabalho, que até 2014 teria sido o principal motor do crescimento da renda familiar, sofreu com o aumento do desemprego e do desalento, que impactou principal- mente os mais pobres; ` As aposentadorias e pensões também foram fatores de desigualdade, pois os benefícios maiores, para aposentadorias por idade, se concentram nas camadas sociais mais ele- vadas. Ainda há estudos (CAETANO et al., 2016 apud BARBOSA; FERREIRA; SOARES, 2020, p. 3) que apontam “que a aprovação da Lei nº13.183, de novembro de 2015 (que acabou com a obrigatoriedade da aplicação do Fator Previdenciário)” seja outro fator que aumenta a desigualdade; ` Alguns instrumentos do sistema de Proteção Social, como os programas sociais, seguro desemprego, seguro defeso - destinado aos pescadores durante a piracema - foram redu- zidos e seu acesso foi dificultado com novas regras, após 2015, dificultando ainda mais a superação da crise pelos mais pobres; ` As taxas de pobreza, que mantinham um ritmo de queda entre 2012 e 2014, “voltaram a crescer a partir de 2017” (BARBOSA, 2020, p. 3-4). E mais: nossas análises indicam que o comportamento das taxas de po- breza foi muito mais sensível a variações na desigualdade do que na renda média. Noutras palavras: se não houvesse piora na desigualdade, o Bra- sil teria continuado avançando no combate à pobreza tanto entre 2015 e 2018, quanto no período mais longo entre 2012 e 2018 – apesar da reces- são e do subsequente baixo crescimento. (BARBOSA, 2020, p. 5) Barros, Henriques e Mendonça (2001 apud BARBOSA; FERREIRA; SOARES, 2020, p. 5) sustentam que existe uma complementariedade entre o combate à pobreza e a redução da desigualdade. Ou seja, medidas efetivas de redução da pobreza seriam maneiras concretas para promover a redução da desigualdade, no entanto, o autor en- tende que estas medidas não vêm sendo consideradas prioritárias nas pautas públicas. O artigo se encerra reforçando os aspectos tratados acima: (a) a distribuição desigual de perdas e ganhos no período de 2015 em diante, causando um retrocesso nos indi- cadores; (b) o mercado de trabalho, fortemente afetado no período, não se recuperou e as políticas e programas que poderiam minimizar os efeitos negativos foram limitados e sofreram “restrições orçamentárias definidas politicamente”; (c) por outro lado, não foram instituídos instrumentos de controle do aumento da concentração de renda; (d) houve uma deterioração da infraestrutura da assistência social e os programas emer- genciais foram desvinculados dessa estrutura; (e) as medidas emergenciais, durante a pandemia, puderam minimizar alguns danos, mas sua provisoriedade deverá trazer impactos dramáticos no cenário de crise que se aprofunda (BARBOSA; FERREIRA; SOARES, 2020, p. 5). 142 Sociologia Contemporânea 3 Em 2015, enfrentamos a crise com os instrumentos de política social ainda herdados de 2014, prévios ao ajuste fiscal – e que foram pouco a pouco se desgastando. Contudo, o risco que agora corremos não é o de repetir a dose. A crise que se avulta é possivelmente a maior do século. E os instrumentos desta vez já estão desgastados. (BARBOSA; FERREIRA; SOARES, 2020, p. 5) Podemos comentar o estudo evidenciando como as decisões políticas no enfrentamen- to aos processos de crise interferem na economia e nos processos sociais, de modo a aprofundar ou reduzir as desigualdades sociais. 4.2 O DIREITO AO TRABALHO Na introdução desta sessão apresentamos o trabalho como um dos direitos sociais garantidos pelo artigo 6º da Constituição Federal. A seguir, abordamos, a relação do desemprego com a desigualdade social, que vem aumentando desde 2015. Agora trataremos de uma nova modalidade de trabalho, que vem crescendo no Brasil e que o sociólogo Ricardo Antunes (2020, p. 117) denomina de “sociedade do trabalho digital, on line”. Esta modalidade de trabalho surge no cerne da Indústria 4.0, que, de acordo com seus idealizadores, iria acabar com a sociedade do automóvel, que marcou o século XX (AN- TUNES, 2020, p. 117-118). O trabalho, entendido como labor, dominante no universo taylorista e for- dista, estaria com seus dias contados. Sob o comando do capital financeiro e das corporações globais, estarí- amos adentrando na era da “autonomia”, da ausência de “patrão”. Nela, uma miríade de prestadores de “serviços”, “empreendedores”, se conver- teriam nos novos beneficiários, em novos “proprietários dos meios de pro- dução”. (ANTUNES, 2020, p. 118) Essa modalidade de trabalho chega a nós a partir de várias plataformas digitais, como Amazon, “Uber (e Uber Eats), Google, Cabify, 99, Lyft, Ifood, James, Rappi, Glovo”. Estas plataformas, envoltas num manto de modernidade, utilizam o trabalho não-assa- lariado, substituem o trabalhador contratado pelo “prestador de serviços” (Ibidem). Assim, o que parecia com o paraíso laborativo fez estampar uma viva contradição: platform economy, crowdwork, collaborative economy, gig-e- conomy, de um lado, e plataformização, uberização, intermitência, pejo- tização, precarização, de outro. O sonho do “trabalho sem patrão” meta- morfoseou-se no que denominei como privilégio da servidão. (ANTUNES, 2020, p. 118) Nesta época de crise e desemprego, agravada pela pandemia, a necessidade de garan- tir algum tipo de renda favorece esta modalidade de trabalho sem a proteção social de leis trabalhistas. Nesse momento de grande necessidade, por parte do trabalhador, as corporações utilizam a tecnologia digital para incrementar “novos laboratórios de expe- rimentações do capital” (ANTUNES, 2020 apud ANTUNES, 2020 p. 118), que possibili- tem a ampliação dos postos de trabalho fora da proteção da legislação social (Ibidem). 143 3 U ni ve rs id ad e S ão F ra nc is co Sociologia: Teorias e Aplicação Antunes (2020) apresenta, como exemplo, os algoritmos que processam enorme volume de informações, podendo “conduzir a força de trabalho se- gundo as demandas requeridas”, mas sem ter a aparência daquele chefe chato que exige sempre mais. Esses processos de trabalho utilizam cada vez mais as tecnologias de informação e comunicação (TIC) para garantir maiores lucros às empresas, intensificando a exploração da mão de obra e reduzindo as garantias contratuais, ou seja, aumentando o trabalho preca- rizado (ANTUNES, 2020, p. 118-119). As constatações expandem-se exponencialmente: jornadas de trabalho frequentemente superiores a 10, 12 ou mais horas por dia, muitas vezes semfolga semanal; salários baixos, que estão sendo reduzidos durante a pandemia sem explicação por parte das corporações; demissões sem qualquer justificativa – não sem recordar que são os trabalhadores e as tra- balhadoras que arcam com os custos de manutenção de veículos, motos, celulares, bicicletas, demais equipamentos etc. (ANTUNES, 2020, p. 119) O autor alerta que, num momento de crise econômica e altos níveis de desemprego, os riscos de aumentar a precarização do trabalho, sob a justificativa da necessidade de “recuperação da economia”, poderão trazer maiores danos aos trabalhadores. A am- pliação do home office e do teletrabalho, como mecanismos de proteção diante dos riscos da pandemia, possibilitaram a fragmentação das relações entre os trabalhadores, distanciando-os do trabalho conjunto e da organização coletiva. Essas novas modalida- des, por um lado, reduzem os custos da empresa, mas, por outro, atuam “acentuando a desigual divisão sociossexual e racial do trabalho e embaralhando de vez o tempo de trabalho e de vida da classe trabalhadora” (ANTUNES, 2020, p. 119-120, grifo do autor). Aquilo que Antunes (2020) denomina em seu texto de experimento do capital, e que foi potencializado pelas necessidades de isolamento no período da pandemia, vem sendo ampliado para diversas atividades econômicas, chegando aos espaços públicos e em- presas estatais. Trata-se de uma perspectiva de enorme expansão da “uberização do trabalho” (Ibidem, p. 120). Já é possível encontrar plataformas que oferecem as mais distintas formas de trabalho: médicos, enfermeiras, advogados, arquitetos, professores e professoras, trabalhadoras do care, trabalhadoras domésticas, numa am- plitude que é cada vez mais generalizante e ilimitada. Seremos, então, todos e todas uberizados? (Ibidem) Antunes alerta ainda para o fato desta tendência ter conexão direta com o que ele deno- mina de “expansão e generalização do sistema de metabolismo antissocial do capital”, ou seja, dando continuidade à lógica do capitalismo de crescimento ilimitado, mesmo este crescimento implicando na destruição da natureza ou da força de trabalho (Ibidem). De modo sintético: sendo expansionista e incontrolável, desconsideran- do a totalidade dos limites humanos, societais, ambientais, o sistema de metabolismo antissocial do capital alterna-se entre produção, destruição e letalidade. Essa dinâmica pode ser claramente observada recentemen- te, quando amplas parcelas do empresariado mais predador exigiram a imediata volta ao trabalho e à produção, em meio à explosão de mortes causadas pela Covid-19. (ANTUNES, 2020, p. 120-121) Nesse sentido, o autor reforça que, para o capitalismo, a primazia dos lucros se sobre- põe à saúde dos trabalhadores, uma vez que, para as corporações, estes são vistos 144 Sociologia Contemporânea 3 como uma “mercadoria especial”, pois é ela que “desencadeia o processo produtivo”. Mesmo compreendendo que o trabalho humano é necessário para a geração de rique- za, não podendo ser simplesmente eliminado, o avanço proposto pela Industria 4.0 tem visado à máxima redução do trabalho humano em decorrência das “tecnologias de informação e comunicação (TIC), da “‘internet das coisas’, impressão 3D, big data, inteligência artificial etc.” (ANTUNES, 2020, p. 120-121). Antunes (2020, p. 121-122) ainda alerta para o fato de que a finalidade central do “com- plexo tecnológico-digital-informacional” não é a melhoria das condições de vida, de ma- neira igualitária e consistente entre os “bilhões de homens e mulheres, brancos, negros, indígenas, imigrantes, que perambulam entre o desemprego, subemprego, informalida- de e intermitência”. Propõe o autor, finalmente, refletir sobre o período de crise que en- frentamos, quais são as perspectivas de sobrevivência dos trabalhadores uberizados, com jornadas de trabalho extenuantes, sujeitos a riscos, sem proteção, e do enorme contingente daqueles que vivem na informalidade: Como será possível garantir os direitos do trabalho, se o modus operandi destas corporações é calibrado pela burla e pelo vilipêndio da legislação so- cial protetora do trabalho? Um desafio crucial de nosso tempo não pode ser outro: é preciso reinventar um novo modo de vida. (ANTUNES, 2020, p. 122) Para conhecer mais sobre o assunto, assista aos vídeos de Ricardo Antunes: ` Trabalho intermitente e o trabalhador hoje no Brasil. Disponível em: https://youtu.be/ UMYovnOhk_A. Acesso em: 2 mar. 2021. ` TV PUC-Rio: Uberização do trabalho e o proletário da era digital. Disponível em: https:// youtu.be/e1aEgvIfz14. Acesso em: 2 mar. 2021. SAIBA MAIS 4.3 A QUESTÃO RACIAL Retomando (e reforçando) o texto da Constituição Federal (BRASIL, 2020), assume “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quais- quer outras formas de discriminação” (BRASIL, 2020, art. 4º VI), como um dos objetivos da Nação. E considerando que o texto constitucional ainda determina que: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer nature- za, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...].(BRASIL, 2020, art. 5º) Precisamos pensar como, de fato, essa igualdade ocorre na prática. O Relatório da Ox- fam (2019, p. 20-23) apresenta a percepção da desigualdade também nas questões de gênero e raça: 52% dos entrevistados entendem que o fato de ser negro implica salários menores; 72% entendem que a cor da pele interfere na contratação por empresas; 81% afirmam que a decisão de abordagem policial é influenciada pela cor da pele; 71% con- sideram que a justiça é mais severa com os negros. 145 3 U ni ve rs id ad e S ão F ra nc is co Sociologia: Teorias e Aplicação Estudos sobre questão racial percorrem a história da sociologia no Brasil, como tem sido apresentado ao longo desta unidade. Neste momento, faremos uma abordagem sintética desta temática a partir do artigo do sociólogo Joaze Bernardino (2002, p. 247), que apresenta a rediscussão do mito da igualdade racial e ação redistributiva. O autor retoma a questão do “mito da democracia racial” como a crença de que o Brasil, diferente de outros países como Estados Unidos da América e África do Sul, por exemplo, teria sido construído enquanto nação sem conflitos raciais. Segundo esta concepção, o Brasil seria o prenúncio de um “mundo sem raças”, pois nunca criou leis de restrição para a mobilidade social com base em critérios raciais. Partindo dessa premissa, Bernardino define como eixo central deste artigo o seguinte questionamento: “Numa nação imaginada como democrática na questão racial, e erigida a partir desta crença, o que significa propor ações afirmativas para a população negra?” (BERNAR- DINO, 2002, p. 249). Bernardino (2002, p. 251) afirma que o mito da democracia racial, no Brasil, não foi criação de Gilberto Freyre no livro Casa Grande e Senzala (1933), mas entende que este livro conferiu “elaboração acadêmica” e “status científico”, ao discurso da demo- cracia racial. A esperança no que Freyre denominou de “equilíbrio de antagonismos” baseava-se na fusão das raças, na mestiçagem. O maior suporte para o discurso da democracia racial era uma generalização dos casos de ascensão social do mulato. No entanto, a aceitação social do mestiço no Brasil refletia a desvalorização do negro (BERNARDINO, 2002, p. 251-252). O que está por trás deste mecanismo de ascensão social é a concordância da pessoa negra em negar sua ancestralidade africana, posto que está socialmente carregada de significado negativo. Ironicamente, dentro deste contexto da “saída de emergência”, os casos de ascensão social de pes- soas de cor não enriqueciam o grupo social dos negros, uma vez que as pessoas de cor que ascendiam eram encaradas como “negros de alma branca”. (FERNANDES, 1965 apud BERNARDINO, 2002, p. 252) O fato de, no século XIX, o Brasil ser considerado uma democracia racialem compa- ração com os Estados Unidos residia em dois aspectos: em primeiro lugar, no fato de que o mito da democracia racial reconheceu um meio termo entre as raças branca e negra, criando uma multiplicidade classificatória, uma visão multirracial; em segundo lugar, na observação de que nos Estados Unidos a classificação racial era baseada na hipodescendência. A regra da hipodescendência é definida por Vermeulen como uma ficção da identifi- cação monorracial que postula que uma pessoa racialmente mista pertence ao grupo racial de menor status social. Assim, nos EUA, as pessoas com alguma quantidade de sangue africano são classificadas como negras. (VERMEULEN, 2000 apud BERNAR- DINO, 2002, p. 270) O mito da democracia racial carregava uma crença que no Brasil haveria o “senhor be- nevolente” (SKIDMORE, 1976 apud BERNARDINO, 2002, p. 253), o que não encontra correspondência com a realidade, com base em estudos de mortalidade e expectativa de vida (MARX, 1996 apud BERNARDINO, 2002, p. 253; DEGLER, 1976 apud BER- NARDINO, 2002, p. 253). 146 Sociologia Contemporânea 3 Outro aspecto fundamental a ser considerado é que, ao lado do mito da democracia racial, havia o ideal de branqueamento, tese compartilhada pela elite brasileira (con- forme abordamos no processo de formação da Sociologia no Brasil), que fomentou a imigração de mão de obra europeia em substituição do trabalho escravo e com vistas à modernização do país. De fato, o ideal de embranquecimento pressupunha a eliminação gradual da popula- ção negra, que seria assimilada pela população branca. É a isso que o autor se refere, acima, como “saída de emergência”: a mestiçagem. No entanto, uma saída transitória, pois, como afirmou João Batista Lacerda, no Congresso Universal das Raças (1911), em Londres, a relação entre as raças iria, com o tempo, extinguir a raça negra do Brasil (SKIDMORE, 1976 apud BERNARDINO, 2002, p. 253-254). Abordar o mito da democracia racial em conjunto com a ideia de senhor benevolente e o ideal do branqueamento tiveram três consequências, segundo Bernardino (2002, p. 254-255): a. A ideia da inexistência de raças, pois o Brasil decorreria de um processo de miscigena- ção no qual as diferenças originais seriam diluídas. O problema é que essa abordagem, no sentido biológico, pretende anular a existência da raça, como categoria social; b. Em lugar de raça, estabelece-se uma hierarquia de cor, segundo a qual o branco é o melhor, o desejado, e o negro é o que se deve “exterminar” o indesejado, o pior. A aceitação do mestiço, nesse sentido, é apenas uma transição para a sociedade ideal; c. Falar de raças seria uma importação de ideias estrangeiras, seria, sim, uma forma de segregação. Este argumento mascara a realidade do preconceito e a segregação que existe. Falar e reconhecer a questão racial é a “oportunidade para a correção das desigualdades”. A seguir, Bernardino (2002) apresenta: Ações afirmativas são entendidas como políticas públicas que pretendem corrigir desigualdades socioeconômicas procedentes de discriminação, atual ou histórica, sofrida por algum grupo de pessoas. Para tanto, con- cedem-se vantagens competitivas para membros de certos grupos que vi- venciam uma situação de inferioridade a fim de que, num futuro estipulado, essa situação seja revertida. Assim, as políticas de ação afirmativa bus- cam, por meio de um tratamento temporariamente diferenciado, promover a equidade entre os grupos que compõem a sociedade. (BERNARDINO, 2002, p. 256-257) Ainda, Bernardino (2002) concebe a diferença entre políticas afirmativas e cotas, o pro- cesso histórico que garantiu a construção destas políticas no Brasil a partir dos avanços nas políticas raciais nos Estados Unidos (BERNARDINO, 2002, p. 257-260). Não poderemos apresentar neste espaço todo esse movimento histórico abordado no texto, mas vamos destacar as diferenças entre Brasil e Estados Unidos na adoção das políticas de ação afirmativa. Primeiramente, nos Estados Unidos o objetivo dessas 147 3 U ni ve rs id ad e S ão F ra nc is co Sociologia: Teorias e Aplicação ações era construir medidas temporárias para evoluir para uma sociedade que fosse “além de uma política não discriminatória rumo a uma política que, de fato, promovesse oportunidade para os americanos negros” (BERNARDINO, 2002, p. 260). No Brasil, a visão de democracia racial descaracterizou a origem negra ao reconhecer um meio-termo que não existe no princípio monorracial dos Estados Unidos. Sendo assim, a classificação racial no Brasil fica condicionada ao contexto de sua aplicação (SILVA, 1994; NOGUEIRA, 1985 apud BERNARDINO, 2002, p. 261), implicando a pos- sibilidade de não haver concordância “entre a autoclassificação e a alterclassificação dos indivíduos”, a depender de aspectos como diferenças de escolaridade ou de renda (BERNARDINO, 2002, p. 261). Podemos entender melhor essa afirmação ao abordar uma pessoa fora de um contexto de conflito, em que predomina a atitude do “somos todos iguais”. No entanto, dentro de uma situação de tensão, podem surgir frases depreciativas sobre o “negro”. Nesses momentos de conflito, tanto os oponentes quanto a polícia também sabem bem “quem é negro” (BERNARDINO, 2002, p. 261-262). Sendo o Brasil um país que se reconhece na miscigenação, há muitos que se assumem como afrodescendentes, mas, em muitos casos, numa compreensão apenas biológica e não social, pois nosso sistema hierarquiza as raças. As discussões pela ação afirmativa no Brasil se construíram com a perspectiva de: um projeto de relações raciais para o país no qual estava contido: (a) a construção de um grupo social calcado na ideia de raça; (b) consequen- temente, a construção de uma identidade negra a ser compartilhada pela população preta e parda brasileira, e não só pelos militantes negros; (c) e, finalmente, a superação do mito da democracia racial. (BERNARDINO, 2002, p. 262--263) As ações afirmativas são importantes instrumentos para avançar na justiça redistribu- tiva e favorecer alterações na composição racial das futuras elites brasileiras, que na atualidade são predominantemente brancas. Mas é fundamental que elas sejam conju- gadas com políticas públicas universalistas, que ampliem o acesso de toda a população aos direitos socais. Sua importância também se dá na “correção do reconhecimento distorcido, do precon- ceito e da estigmatização”, no que se refere à justiça distributiva, mas também da justiça simbólica. Estas políticas contribuem para a ampliação do número de pessoas que as- sumem uma identidade negra, numa perspectiva de avançar na “atribuição de um valor positivo à classificação social negro”. Para o desenvolvimento de uma identidade positiva, é necessário encontrar-se como grupo social, fortalecer o senso de identidade negra, que se constrói num pro- cesso de diálogo entre si, dialogar com sua história comum de discriminação, que vai além da experiência individual, mas coletiva. Trata-se de perceber e comba- ter os sinais de discriminação, distorção e estigmatização presentes de diversas maneiras na sociedade e que atribuem uma identificação negativa deste coletivo (BERNARDINO, 2002, p. 266-267). 148 Sociologia Contemporânea 3 Assim, o significado das ações afirmativas no contexto brasileiro de rela- ções raciais vai além de uma perspectiva meramente econômica, signifi- cando a criação de um grupo social baseado na ideia de raça e, também, a revalorização da identidade negra no Brasil, a saber, a criação da possibili- dade de uma identificação positiva de quem é negro, algo que poderia ser compartilhado pelos brasileiros de cor preta e parda que estão, por ora, ao largo do movimento negro. (BERNARDINO, 2002, p. 268-269) Bernardino (2002) encerra o artigo afirmando que um dos significados da ação afirmativa é garantir que o Estado, que pretende construir uma sociedade jus- ta, “contemple a existência de negros no Brasil”, fora do mito da democracia racial” (BERNARDINO, 2002,p. 269). Para conhecer mais sobre o assunto, assista aos vídeos: ` TV Campus UFSM: Democracia Racial - Silvio de Almeida. Disponível em: https://youtu. be/34hiFz_Pu2o. Acesso em: 2 mar. 2021. ` QUEM SOMOS NÓS? Que País é Esse? Florestan Fernandes e Gilberto Freyre. Disponí- vel em: https://youtu.be/4SxMmP-aT0M. Acesso em: 2 mar. 2021. SAIBA MAIS CONCLUSÃO Nesta unidade fizemos uma grande viagem pela sociologia contemporânea, apresen- tando alguns dos principais sociólogos que pensam nossa sociedade em toda sua com- plexidade. Ainda, fizemos um percurso histórico no processo de construção do pensa- mento sociológico no Brasil, destacando as principais vertentes, obras e sociólogos. Finalmente, apresentamos algumas leituras sobre temas sociais que fazem parte de nosso cotidiano. O percurso foi muito extenso e cada ponto abordado teria diversas possibilidades de aprofundamento. Enfim, esperamos que tenha aproveitado e que veja neste material uma janela de possibilidades de reflexão, aprofundamento e busca de mais conhecimento. 149 3 U ni ve rs id ad e S ão F ra nc is co Sociologia: Teorias e Aplicação REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANTUNES, R. Rumo à uberização do trabalho. Direitos Humanos no Brasil 2020: Relatório da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos. Organização de Daniela Stefano e Maria Luisa Mendonça. 1. ed. São Paulo: Outras expressões, 2020, p. 119-124. Disponível em: https://fpabramo.org.br/publicacoes/wp-content/uplo- ads/sites/5/2020/12/Relatorio-2020.pdf. Acesso em: 28 jan. 2021. ARRUDA, M. A. do N. A sociologia de Florestan Fernandes. Tempo Soc., São Paulo, v. 22, n. 1, p. 9-27, 2010. 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