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DOENÇA RENAL SECUNDARIA A ERLIQUIOSE EM CÃO: ESTUDO DE CASO COSTA, Arléia Araújo1; BUFFON, Fernanda Santos Nogueira2; CHAVES, Renato Novaes3; SANCHES, Roseli Olímpio4; RESUMO A erliquiose é uma doença infecciosa causada por um hemoparasita da ordem Rickettsiales, do gênero Ehrlichia spp. Neste estudo, priorizou-se a fase crônica da doença, que apresenta característica semelhante à doença autoimune. Nesta fase, devido a alguns fatores como a irregularidade da hemodinâmica renal, queda acentuada de contagem de células sanguíneas, juntamente à vasculite provocada pelos hemoparasitas, ocorre a formação de imunocomplexos nos glomérulos, no qual o antígeno fixa-se ao mesmo, dando início a insuficiência renal. Desta forma, objetivou-se relatar um caso de insuficiência renal secundária à erliquiose: um cão da raça pincher, macho, 6 anos, atendido numa clínica da cidade de Vitória da Conquista-Bahia, com histórico de apatia, anorexia e perda de peso. Ao exame físico foi obervado desidratação grau 8, mucosas hipocoradas e temperatura retal de 39.9°c, sendo testado positivo para Erliquiose, seguindo com tratamento convencional para a referida hemoparasitose. Após quase 30 dias, o animal apresentou apatia, anorexia, êmese, e foi levado novamente a clínica. O histórico do animal (anamnese), os resultados dos exames juntamente com a ausência de melhora e permanência dos sinais clínicos apresentadas pelo paciente foram condizentes com uma glomerulonefrite imunomediada secundária à erliquiose que causou uma insuficiência renal aguda no animal, podendo esta ter evoluído para uma doença renal crônica. Palavras Chaves: Alteração Renal, imunocomplexos, Erlichia canis, doença renal. ABSTRACT Ehrlichiosis is an infectious disease caused by a hemoparasite of the order Rickettsiales, of the genus Ehrlichia spp. In this study, priority was given to the chronic phase of the disease, which has characteristics similar to autoimmune disease. In this phase, due to some factors such as irregularity in renal hemodynamics, a sharp drop in blood cell counts, together with vasculitis caused by hemoparasites, there is the formation of immune complexes in the glomeruli, in which 1 Discente do Centro Universitário de Tecnologia e Ciências de Vitória da Conquista (UniFTC/VCA). E-mail: leiaacosta@gmail.com 2 Discente do Centro Universitário de Tecnologia e Ciências de Vitória da Conquista (UniFTC/VCA). E-mail: buffonfernanda@gmail.com 3 Docente do Centro Universitário de Tecnologia e Ciências de Vitória da Conquista. Doutor em Memoria, Envelhecimento e Dependência Funcional (UESB). Orientador. 4 Docente do Centro Universitário de Tecnologia e Ciências de vitória da Conquista. Especialista em Cardiologia Veterinária e Diagnóstico por Imagem (EQUALIS e IBVET). Co-orientadora. the antigen is fixed to it, initiating renal insufficiency. Thus, the objective was to report a case of renal failure secondary to ehrlichiosis: a pincher dog, male, 6 years old, attended at a clinic in the city of Vitória da Conquista-Bahia, with a history of apathy, anorexia and weight loss. On physical examination, grade 8 dehydration was observed, pale mucous membranes and a rectal temperature of 39.9°c. After almost 30 days, the animal showed apathy, anorexia, emesis, and was taken back to the clinic. The animal's history (anamnesis), the results of the exams together with the absence of improvement and the persistence of the clinical signs presented by the patient were consistent with an immune-mediated glomerulonephritis secondary to ehrlichiosis that caused an acute renal failure in the animal, which may have evolved into a chronic kidney disease. Key Words: Renal Alteration, immune complexes, Erlichia canis, kidney disease. 1. INTRODUÇÃO Os rins são órgãos indispensáveis para filtração e excreção de substâncias tóxicas do sangue. As desordens que os acometem incluem Insuficiência Renal Aguda (IRA) e Insuficiência Renal Crônica (IRC), devido a patologias envolvendo o glomérulo. A inflamação do glomérulo é a causa mais comum das glomerulonefropatias, e na maioria das vezes é causada por complexos imunes no interior das paredes dos capilares glomerulares. Um dos agentes causadores dessa patologia é a bactéria Erlichia sp. transmitida pelo carrapato Rhipicephalus sanguineus, que estimula constantemente o sistema imunológico desencadeando lesões renais devido á expressão de citocinas pró inflamatórias, que levam a uma glomerulonefrite intersticial multifocal (SANT'ANNA et al., 2019). Durante o curso da erliquiose, a bactéria que afeta diferentes órgãos incluindo os rins, provoca a produção elevada de anticorpos contra a E. canis, levando a formação de imunocomplexos que depositam-se nas paredes dos capilares sanguíneos, gerando uma resposta inflamatória aguda no local (glomerulonefrite). Desta forma, a glomerulonefrite prejudica a função dos rins, provocando inicialmente A IRA, que pode evoluir para IRC e consequente falência renal (ZILIANI et al., 2019). A erliquiose é uma das mais importantes enfermidades infectocontagiosas, por ser altamente prevalente e endêmica no Brasil, principalmente em áreas urbanas de clima tropical/subtropical, onde habitam maiores populações de carrapato Rhypicephalus sanguineus (ABIATI et al., 2019). Busca-se ressaltar quanto à conscientização dos tutores sobre os riscos à saúde do animal, mesmo após o tratamento e cura da erliquiose. Assim como a necessidade de atenção dos profissionais quanto ao tratamento nos estágios iniciais, e da responsabilidade e dedicação dos mesmos. E mesmo em casos que já exista algum tipo de lesão renal, a precocidade faz-se fundamental para o sucesso do tratamento, tendo como finalidade evitar a evolução da doença e morte do animal (ROSA, 2019). O presente estudo tem como objetivo descrever um caso clínico de glomerulonefrite causada pela erliquiose, que desencadeou no paciente uma insuficiência renal aguda, podendo esta ter se tornado uma doença renal crônica. Destaca-se, portanto a importância da conscientização dos tutores em relação aos riscos que a erliquiose pode acarretar na ausência do tratamento da enfermidade, e a relevância do profissional médico veterinário para a identificação da patologia precocemente. Acredita-se que o acompanhamento do paciente pós tratamento de Herliquiose seja de extrema importância para a prevenção dos possíveis efeitos deletérios da doença para a função renal. E uma vez que esses efeitos já estejam ativos no paciente, o diagnóstico precoce objetiva uma melhor qualidade de vida ao mesmo. Assim, este trabalho pretende contribuir para a conscientização de tutores e profissionais para a realização do acompanhamento periódico como atenção básica ao paciente pós tratamento da hemoparasitose. 2. METODOLOGIA Este relato de caso foi realizado através da interpretação de exames complementares como laboratoriais (uréia, creatinina e SDMA), de imagem (ultrassonografia) e prontuário médico cedidos pela Clínica Veterinária da cidade de Vitória da Conquista – Bahia, responsável pelo atendimento de um cão da raça Pincher, 6 anos, pesando 4 kg, que fora atendido com histórico de apatia, inapetência e prostração, sendo testado positivo para herliquiose, seguindo com tratamento convencional. Em seguida, o paciente deste relato é atendido em retorno médico com histórico de êmese, apatia e inapetência, que prosseguindo com os exames complementares, chegou-se ao diagnóstico de Doença Renal Crônica secundária a herliquiose e estadiamento da mesma segundo a classificação internacional da doença renal crônica International Renal Interest Society (IRIS). A interpretação e elucidação do caso realizado pela clínica responsável pelo atendimento encontra-se embasamento teórico em livrose artigos citados neste trabalho através da discussão do caso a seguir. 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO No dia 27 de novembro de 2021, foi atendido em uma clínica particular, no município de Vitória da Conquista – Bahia, um cão da raça Pincher, macho, 4 kg de peso corporal, 6 anos, protocolo vacinal completo e atualizado, com histórico de apatia, inapetência e prostração há dois dias. O mesmo não fez uso de antiparasitários anteriormente e encontrava-se com vacinas regulares. Ainda segundo o prontuário, após anamnese, realizou-se o exame físico, onde foi constatado que o animal apresentava mucosas hipocoradas, desidratação grau 8, linfonodos inguinais alterados, depressão, frequência cardíaca de 120bpm, 30 movimentos respiratórios por minuto e temperatura retal de 39.9ºC. Após a estabilização do quadro clínico do animal, através de fluidoterapia, administração de cianocobalamina (complexo B), amoxicilina com clavulanato e dipirona (doses não informadas), foi realizada a coleta de sangue para hemograma e bioquímico, os quais tiveram resultados de 5.16 de eritrócitos, 11.1 de hemoglobina, hematócritos de 36.7, plaquetas de 74 mil (trombocitopenia – número de plaquetas abaixo dos valores de referência), 18 linfócitos, Ureia 77 mg/dl (acima do valor de referência) e creatinina de 0,53mg/dl. Figuras 1 e 2. Fonte: Pingo, Pincher, 6 anos, 27/11/2021. Imagem cedida pela Clínica responsável pelo tratamento Figura 1: Hemograma Figura 1: Hemograma No dia 29 de novembro de 2021 foi realizado o teste pelo método de imunuensaio imunocromático, conforme Figura 3, comercialmente conhecido como SNAP 4dx Plus. Teste que evidencia a ligação antígeno-anticorpo, proporcionando alta sensibilidade e resultados confiáveis (Se o animal é sintomático e o teste é negativo, confirmar resultado com Reação em Cadeia Polimerase – PCR). O mesmo confirmou positivo para Erlichia canis, o qual foi relacionado com os sinais clínicos e alterações laboratoriais, sugerindo que havia doença ativa, ou seja, em fase aguda. Figura 2: Bioquímico (uréia e creatinina) Fonte: Pingo, Pincher, 6 anos, 27/11/2021. Imagem cedida pela Clínica responsável pelo tratamento Figura 3: Teste de Herliquiose Fonte: Pingo, Pincher, 6 anos, 29/11/2021. Imagem cedida pela Clínica responsável pelo tratamento O tratamento instituído para a erliquiose foi a doxiciclina (8mg/kg 1x ao dia por 28 dias), (omeprazol 20mg), citoneurin (5000mcg 1 x ao dia por 30 dias), transfusão sanguínea rica em plaquetas (1 bolsa), fluidoterapia, ômega 3 (1 x ao dia), alimentação rica em ferro e albumina. Durante e após o tratamento foram realizados Hemogramas e bioquímicos de controle, os quais foram demonstrativos para o aumento progressivo de uréia e creatinina. Neste mesmo período, em um dos retornos para coleta de sangue e avaliação do paciente, o responsável pelo mesmo informou que o animal apresentou êmese (vômito), inapetência (ausência de apetite) e poliúria (eliminação de quantidade excessiva de urina). Tal quadro não condiz com uso das medicações para o tratamento de erliquiose, pois o paciente já havia finalizado o uso das medicações, e quando em uso, todas as recomendações quanto à administração dos fármacos foram seguidas, incluindo o uso de protetor gástrico. No dia 28 de março de 2022, percebeu-se um aumento significativo nos níveis de uréia (529.5 mg/dl) e de creatinina (11.8 mg/dl) (Figura 4). Portanto, tais sinais clínicos apontaram para um possível quadro renal. Na ocasião, o paciente foi medicado com ondasetrona (0.2ml via intravenosa), cobavital (4mg, 1 microcomprimido 1 x ao dia antes da alimentação), renadog pó (85g, 1g 1 x ao dia por 30 dias), acetil (1 cápsula de 20 mg 1 x ao dia), hidróxido de alumínio (40 mg 1 x ao dia) e foi prescrito uma dieta para animais portadores de doença renal, com ração para doentes renais. Figura 4: Bioquímico (Uréia e creatinina) Fonte: Pingo, Pincher, 6 anos, 28/03/2022. Imagem cedida pela Clínica responsável pelo tratamento Os sinais clínicos apresentados pelo paciente deste relato de caso não são patognomônicos da doença renal crônica, sendo que a suspeita foi embasada através do histórico e sinais clínicos apresentados pelo prontuário do paciente, exames laboratoriais como bioquímico (uréia e creatinina). A creatinina é formada pelo metabolismo da creatina e fosfocreatina muscular, sendo totalmente excretada, sem que haja reabsorção tubular (SILVA, SOUSA E ROCHA, 2017). Em situações de diminuição de filtração, a concentração de ureia aumenta, pois, a mesma é produto final do catabolismo proteíco, sendo eliminada na urina, e parte é reabsorvida. Esta nunca deve ser avaliada de forma isolada, pois em fatores extra renais seus níveis séricos também são elevados (LOPES et al., 2007). Os exames laboratoriais foram de extrema importância para avaliação da função renal, pois através dos níveis de ureia e creatinina é possível avaliar a taxa de filtração glomerular. Desde então, o paciente foi reavaliado em média a cada 30 dias. No dia 07 de abril de 2022 a uréia (91,4 mg/dl) e creatinina (3.0 mg/dl) apresentaram-se menos acentuada. Figura 5. Fonte: Pingo, Pincher, 6 anos, 07/04/2022. Imagem cedida pela Clínica responsável pelo tratamento Figura 5: Bioquímico (Uréia e creatinina) Em 25 de maio de 2022, percebeu-se uma diminuição significativa da ureia e creatinina, 67,45 mg/dl e 1.87 mg/dl respectivamente. Figura 6. E em 31 de agosto deste referido ano, foi realizado uma última dosagem de creatinina e ureia, as quais se encontravam dentro dos padrões normais de referência, 1.45 mg/dl e 36.16 mg/dl respectivamente. Figura 7. Figura 07 - Bioquímico (Uréia e creatinina) Fonte: Pingo, Pincher, 6 anos, 31/08/2022, Imagem cedida pela Clínica responsável pelo tratamento Fonte: Pingo, Pincher, 6 anos, 25/05/2022. Imagem cedida pela Clínica responsável pelo tratamento Figura 06 - Uréia e Creatinina A Doença renal, quando se torna crônica, em muitas das vezes, pode levar ao quadro de hipertensão arterial. Segundo ACIERNO & LABATO (2005), cerca de 60% dos gatos e 93% dos cães doentes renais apresentam elevação na pressão sanguínea, sendo essa alteração refletida negativamente em órgãos como cérebro, coração e olhos, sendo importante a aferição periódica da pressão arterial dos pacientes renais, uma vez que ocorre concentração de sódio, elevando a pressão arterial. De acordo o prontuário do paciente, após a instituição do tratamento para a doença renal, em momentos diferentes foram feitas duas aferições da pressão arterial sistólica (PAS), onde em primeiro momento foi considerado uma pré hipertensão (PAS de 159mHG) e posteriormente, visível estabilização na segunda aferição da (PAS de 139 mHG) (Figura 08), levando em consideração aos parâmetros de hipotensão (PAS 180mmHg) apresentados por BROWN (2007) Foram feitas duas aferições de pressão arterial em repouso: Em 28 de março o resultado foi PAS de 159 mHg e em 03 de outubro o resultado foi PAS de 139 mHg. Figura 8. Fonte: Pingo, pincher, 6 anos. Imagem cedida pela Clínica responsável pelo tratamento Figura 08 - Prontuário do paciente (resultados da pressão arterial sistólica) Durante o acompanhamento do paciente pelo corpo clínico, a patologia em questão fora melhor embasada através de exame de imagem (ultrassonografia)e SDMA (Dimetilarginina Simétrica). No dia 03 de outubro de 2022 foi realizado um exame de imagem (ultrassonografia) para avaliação da morfologia renal, onde foram visibilizadas poucas alterações ultrassonográficas, como aumento de ecogenicidade do córtex renal, mas que aliado ao quadro de azotemia, consegue-se aferir uma possível lesão renal. Algumas enfermidades renais se apresentam ao ultrassom com ecogenicidade aumentada em região de córtex, tanto em fase aguda ou crônica, como nefrite intersticial e glomerular, nefrose ou necrose tubular, doença renal em estágio terminal, entre outras. Porém, ao associar o aumento da ecogenicidade do córtex renal ao quadro de azotemia, ou seja, aumento de compostos nitrogenados na circulação e aos sinais clínicos do paciente, suspeita-se neste caso, que durante a fase de infecção por erliquiose, houve portanto, deposição de imunocomplexos em glomérulos, ocasionando uma possível glomerulonefrite (DOMINIQUE, 2011). Em 25 de outubro de 2022 foi realizado pela clínica responsável pelo tratamento do paciente deste estudo, um exame de SDMA, em que o resultado foi 29,2 ug/dl Figura 9: Imagem ultrassonográfica de rim esquerdo Fonte: Pingo, pincher, 6 anos. Vetcon, Dra Ludimila CRMV:06179/VETCON 03/10/2022 Para a IRIS (2022) o SDMA acima de 25 ug/dl, mesmo considerado estágio 2 da DRC, aponta para a necessidade de elevação do tratamento para o estágio 3, considerando o tratamento de possíveis vômitos, inapetência e náuseas, considerando a fluidoterapia subcutânea. Esses sintomas foram apresentados pelo paciente deste relato, sendo mantida toda a conduta preconizada, trazendo, portanto a estabilização do mesmo. Conforme a taxa de filtração glomerular (TFG) diminui, a SDMA aumenta, já a partir de 25% de perda de função renal, enquanto a creatinina só aumenta quando a perda da função renal atinge 75%, demonstrando portanto, que a análise dos níveis séricos de SDMA é capaz de alertar com antecedência patologias renais, como a glomerulonefrite (IRIS, 2020). Na maioria das vezes, as glomerulonefrites podem ocorrer de mecanismos imunomediados, principalmente os que envolvem anticorpos contra as membranas basais dos glomérulos ou a deposição, no glomérulo, de complexos antígeno- anticorpo que não foram depurados adequadamente pelas células, aumentando a resposta inflamatória (ALOK; YADAV, 2021). Uma demonstração importante de doença glomerular é a presença de proteínas de baixo peso molecular no filtrado glomerular e na urina (proteinúria) denominada nefropatia com perda de proteína (COUSER; JOHNSON, 2014). Consequentemente, pode ser observado a maior produção de proteínas pelo fígado Figura 10 – SDMA Fonte: Pingo, pincher, 6 anos. Imagem cedida pela Clínica responsável pelo tratamento como as lipoproteínas, ocasionando hipercolesterolemia (aumento dos níveis de colesterol no sangue), como medida de compensação pela perda via urinária. Porém, com a progressão da patologia, ocorre a diminuição dos níveis séricos (hipoalbuminemia), pois a produção de proteina não compensa sua perda (ALOK; YADAV, 2021). Apesar da dificuldade em encontrar a etiologia desencadeadora da doença renal, é importante que se chegue a uma possível causa, para que o tratamento seja mais específico e individualizado (BARBER, 2003). Assim, o tratamento instituído para o caso estudado foi nutricional, hidratação (ringer lactato), correção de distúrbios eletrolíticos, correção de desequilíbrio ácido base, correção de distúrbios gastrointestinais, bem como administração de algumas medicações nefroprotetoras (Arquivo clínica responsável, 2022). O quadro de vômitos e inapetência que o paciente apresentava, está relacionado ao acúmulo de gastrina (hormônio produzido pelas células da mucosa estomacal) na corrente sanguinea e consequentemente no estômago. Parte desse hormônio é metabilizado pelos rins, e quando a filtração glomerular está comprometida, esse hormônio concentra-se, provocando hipergastrinemia, aumentando a secreção de ácido clorídrico no estômago, podendo provocar desde uma gastrite até uma úlcera gástrica (ETTINGER; FELDMAN, 2008). Assim, o uso de protetor gástrico foi eficiente para estabilização do quadro, uma vez que o mesmo age como inibidor de secreção ácido-gástrica, promovendo bloqueio da bomba de prótons, agindo diretamente na inibição da enzima adenosina trifosfatase (responsável pela acidificação da secreção das células parietais), inibindo irreversivelmente a secreção de ácido clorídrico (VETSMART, 2022). A modificação dietética já é conduta estabelecida há mais de 50 anos e considerada como a base da terapia para doentes renais crônicos (BARTGES, 2012). Para alguns autores a dieta renal deve ser instituída quando o paciente apresentar creatinina maior que 2,0 mg/dl ou a partir do estádio 3, segundo a classificação da IRIS (BARTGES, 2012). Porém, discute-se a necessidade de mudança dietética mesmo antes de surgirem os sinais clínicos, objetivando um tratamento precoce e com resultados satisfatórios. Para o paciente deste estudo, foi prescrita uma ração para dieta renal especial, que promete estímulo do apetite, atraso na evolução da doença, mas que não substitui o tratamento convencional. Existem disponíveis no mercado, rações que propõe dietas com restrição de fosfato, proteínas, sódio e vitaminas do complexo B, densidade calórica e de potássio, que podem aumentar a sobrevida dos cães e gatos com doença renal (BARBER, 2003). Segundo BROWN (1997), não existem evidências comprovadas quanto a redução da proteína na dieta e o retardo na progressão da doença renal, mas na rotina clínica é perceptível que dietas com teor de proteína reduzem o tempo de sobrevida dos pacientes. Alguns autores apresentam que após uma refeição com alto teor de proteínas, pode ocorrer o aumento da pressão intraglomerular, influenciando negativamente a função renal. Nesse sentido, a restrição moderada (para não levar a desnutrição proteíca, imunodeficiência, e anemia) objetiva a qualidade e digestibilidade, na tentativa de minimizar a progressão da doença (BROWN, 1997). No relato em questão, observou-se na análise dos exames uma melhora progressiva no quadro de azotemia e pressão arterial do paciente. A fluidoterapia também se mostrou importante para a estabilização do quadro do paciente deste estudo, uma vez que a poliúria é uma das características importantes da doença renal crônica, devido à redução na massa de néfrons e consequente dificuldade para concentrar a urina. A poliúria, neste caso, não é compensada pela polidpsia (excessiva sensação de sede) e o animal fica desidratado. Após a estabilização do quadro clínico do paciente, uma vez por semana foi realizada a fluidoterapia subcutânea, até a regularização dos níveis séricos de creatinina e uréia (BARTGES, 2012). A cada momento deve ser priorizado as necessidades imediatas renais e hemodinâmicas de modo a propiciar reparação dos tecidos, evitando lesão renal adicional ou o óbito (JERICO et al., 2019). A doença renal, se diagnosticada como crônica, posteriormente pode ser estadiada de acordo o conselho INTERNATIONAL RENAL INTEREST SOCIETY (IRIS), podendo ser viabilizada uma maior eficiência do tratamento e acompanhamento de pacientes com DRC, classificação que já foi aceita pela sociedade americana e europeia de nefrologia e urologia veterinária (POLZIN, 2011b). Porém, não são muitos os pacientes que conseguem ter o estadiamento da doença, com a realização de dosagem de todos os níveis séricos exigidos, devido principalmente à inviabilidade financeira de alguns tutores. O paciente deste estudo de caso vem sendo acompanhado por uma equipe de profissionais, e de acordo a classificação da IRIS (2020), avaliando o resultado do SDMA de 29,2 ug/dl (Figura 10)e os últimos resultados séricos de uréia e creatinina (Figura 06 e 07), é possível estadiar a doença renal crônica no Estágio Nivel 2, uma vez que para a classificação da IRIS em nível 2, o paciente possui níveis séricos de creatinina e uréia entre normal e levemente aumentada e SDMA levemente aumentada. É importante a realização de todos os exames anteriormente citados, pois uma vez que há presença de lesão ou deficiência grave na função dos rins, estes poderão ser sinalizados em exames laboratoriais, a exemplo de anemia, aumento da ureia e creatina (azotemia), hipoalbuminemia, hiperfosfatemia, hipercolesterolemia, hipertensão arterial, edema, acidose metabólica, infecção bacteriana do trato urinário concomitante, além de proteinúria, hipostenúria e aumento de GGT na mesma, sendo esses achados laboratoriais condizentes com comprometimento da função renal. Além da vizibilização precoce ao ultrassom de alterações da morfologia renal que antecede às alterações laboratoriais (SANT’ANNA, 2019). 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Já é de conhecimento da rotina clínica que muitos pacientes podem desenvolver a doença renal crônica, através da glomerulonefrite causada pelo aglomerado de imunocomplexos que se agrupam nos glomérulos impedindo o processo de filtração glomerular. Neste sentido, o tratamento proposto através de medicamentos e manejo alimentar para estabilização da doença renal crônica mostrou-se eficaz, mantendo, portanto, o paciente com parâmetros aceitáveis para a patologia em questão. Isso aponta para a importância do diagnóstico precoce de doenças renais para obtenção de melhores resultados, uma vez que terapias como hemodiálises, dialises e transplantes renais ainda não são uma grande realidade dentro da medicina veterinária, mesmo com os grandes avanços nas últimas décadas. Doenças infecciosas e parasitárias estão sendo cada vez mais presentes na rotina clínica, e por isso é necessária maior atenção dos clínicos para elucidar a importância do tratamento correto para os tutores. Diante disso, conclui-se que a erliquiose canina é uma doença capaz de afetar diferentes órgãos, incluindo os rins. Deste modo, pode causar uma glomerulonefrite no animal, provocando inicialmente uma insuficiência renal aguda que pode evoluir para uma doença renal crônica. Portanto, a conscientização dos tutores e a relevância para o corpo clínico em relação aos riscos que a doença pode acarretar é extremamente importante para a progressão do tratamento desta patologia, pois com tal medida, a comprovação do comprometimento renal ocorre com relevante precocidade e o paciente terá uma maior probabilidade de cura, e em um curto intervalo de tempo, aumentando assim as chances de melhor qualidade de vida. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA ABBAS, Abul K.; LICHTMAN, Andrew H.; PILLAI, Shiv. Imunologia celular e molecular. 8 ed. Rio de Janeiro. Elsevier, p. 552, 2015. ABBIATI, Thaís Carneiro et al. Leishmaniose visceral canina: Relato de caso. PUBVET, v. 13, p. 152, 2019. BLOOM, C. A.; LABATO, M. A. Intermittent Hemodialysis for Small Animals. 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