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10 Coma e alteração do nível de consciência Rodrigo Antonio Brandão Neto PONTOS IMPORTANTES ▪ Coma é causado por desordens que acometem o sistema reticular ativado no tronco cerebral ou que afetam difusamente o córtex cerebral. ▪ As principais etiologias de rebaixamento do nível de consciência são ocasionadas por doenças ou síndromes clínicas, que representam aproximadamente 70% dos casos. Anamnese e exame físico cuidadoso (que inclui exame neurológico básico) com exames complementares dirigidos podem ajudar a definir a causa do coma. ▪ As encefalopatias focais geralmente são causadas por doenças intracranianas. Vale lembrar que exceções existem dos dois lados. ▪ Na abordagem inicial do paciente em coma, deve-se lembrar que o ABCD primário e o secundário são prioritários. Rápida estabilização das funções vitais deve ser seguida de busca e tratamento das causas reversíveis. ▪ A glicemia capilar (dextro) deve ser realizada rapidamente em todos os pacientes com alteração do nível de consciência. ▪ Priorizar a abordagem de vias aéreas e hemodinâmica em todos os pacientes com alteração do nível de consciência. ▪ Devemos tentar identificar lesões potencialmente desastrosas com comprometimento de tronco cerebral e vias inferiores com exame de pupilas, pares cranianos e padrões motores. Pacientes com hipertensão intracraniana podem necessitar de medidas temporizadoras como manitol e salina hipertônica. ▪ Em casos sem diagnóstico deve-se considerar realizar eletroencefalograma e causas psiquiátricas. INTRODUÇÃO E DEFINIÇÕES A consciência é definida como perfeito conhecimento de si próprio e do ambiente ao redor. Alterações do nível de consciência podem ocorrer por diferentes etiologias e patologias. Elas são comuns na prática clínica e possuem alta morbidade e mortalidade, o que torna necessário o diagnóstico e tratamento apropriado de maneira rápida. No estado de coma o paciente não pode ser despertado, sendo completamente inconsciente e insensível aos estímulos externos, com a exceção de respostas motoras como abertura do olho e/ou retirada do membro com estímulos dolorosos. O coma é uma emergência médica que pode desafiar as habilidades de diagnóstico e manejo de qualquer médico. É necessária uma abordagem sistemática e lógica para o diagnóstico correto, sendo amplas as categorias diagnósticas neurológicas, metabólicas, disfunções fisiológicas difusas e funcionais. Mesmo quando o diagnóstico não é imediatamente claro, medidas apropriadas para ressuscitar e estabilizar um paciente em coma devem ser executadas rapidamente. Os componentes-chave na avaliação e tratamento de um paciente, como história, exame, investigação e tratamento, são realizados em paralelo, não sequencialmente. A menos que a causa do coma seja imediatamente óbvia e reversível, é necessária a ajuda de uma equipe com experiência em cuidados intensivos para seu manejo e o prognóstico dos pacientes deve ser avaliado antes de se tomar medidas invasivas. A abordagem desses pacientes, além de sistemática, deve ser rápida e medidas de manejo são realizadas concomitantemente a medidas de estabilização. Iremos comentar os princípios do manejo desses pacientes no departamento de emergência (DE). ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA Inconsciência ou coma são termos definidos como um estado de ausência de perfeito conhecimento de si próprio e do meio ambiente, resultante de uma diversidade de etiologias e patologias. O paciente em coma é completamente inconsciente e indiferente a estímulos externos, com exceção das respostas motoras, como abertura dos olhos. As alterações da consciência podem afetar tanto o nível como o conteúdo da consciência. Essas alterações serão discutidas a seguir: ▪ Nível de consciência: refere-se à capacidade do individuo de ficar alerta, sendo dependente das projeções corticais oriundas da formação reticular ativadora ascendente (FRAA). A formação reticular se encontra na porção posterior da transição pontomesencefálica. ▪ Conteúdo da consciência: representa a somatória das funções nervosas superiores, cognitivas do indivíduo, como a atenção, a memória, a linguagem. A fisiopatologia do coma é complexa, sendo causado por dois mecanismos primários. O primeiro é um insulto difuso a ambos os hemisférios. O segundo é uma interrupção da transmissão nervosa pela formação reticular ascendente, sistema de ativação no mesencéfalo e ponte, onde os sinais são transportados para o tálamo e córtex. O tálamo desempenha um papel crucial na manutenção da excitação. O tálamo e o sistema de ativação reticular ascendente podem ser danificados por um insulto direto. Utilizando-se a tenda do cerebelo como um divisor anatômico pode-se encontrar alterações de consciência em: 1. Coma de causa estrutural (ou encefalopatias focais): – Infratentoriais, que acometem diretamente a formação reticular ascendente. – Supratentoriais. 2. Coma por encefalopatias difusas e/ou multifocais. O famoso estudo de Plum e Posner avaliou as principais alterações do nível de consciência e encontrou: ▪ Encefalopatias focais infratentoriais: em torno de 15% dos casos. ▪ Encefalopatias focais supratentoriais: em torno de 20% dos casos. ▪ Encefalopatias difusas e/ou multifocais: em torno de 65% dos casos. Na maior parte das vezes, as etiologias relacionadas nas encefalopatias difusas são patologias clínicas, como transtornos metabólicos e intoxicações exógenas, enquanto nas encefalopatias focais supra ou infratentoriais, as causas são lesões neurológicas estruturais e incluem meningites e abscessos, metástases ou tumores cerebrais, hemorragia subaracnoide e hipertensão intracraniana. Os diagnósticos mais prováveis em um paciente inconsciente são mostrados na Tabela 1. Eles podem ser categorizados como lesões neurológicas primárias e devido à lesão estrutural dos hemisférios cerebrais ou lesão direta ou compressão extrínseca do tronco cerebral ou podem ocorrer por alterações metabólicas agudas (p. ex., hipoglicemia), disfunção cerebral difusa (p. ex., intoxicação por álcool, overdose de drogas, convulsões, hipotermia), alterações psiquiátricas e funcionais. As condições psiquiátricas podem ser imitadas por patologias cerebrais estruturais e só devem ser diagnosticadas após uma avaliação médica completa. Avaliação do coma O manejo do coma é um processo sensível ao tempo. A abordagem clínica de um paciente inconsciente deve ser estruturada. A abordagem sequencial tradicional de história, exame, investigação e manejo não pode ser seguida nesses pacientes. Na abordagem, todos os quatro componentes podem e devem prosseguir em paralelo por meio de uma abordagem de equipe. A seguir, consideramos os aspectos importantes de cada um dos quatro domínios. FIGURA 1 Estruturas responsáveis pela vigília. FIGURA 2 Projeções da formação reticular ativadora ascendente (FRAA). As projeções da FRAA sobem pelo tronco cerebral, sendo distribuídas aos tálamos e de lá projetadas para todo o córtex. FIGURA 3 Causas potenciais de coma. Componentes principais da história Pacientes em coma não podem fornecer uma história. Podemos obter um histórico de familiares ou outras testemunhas do evento que precedeu a admissão ou dos paramédicos, que podem fornecer pistas vitais para a etiologia do coma. Aspectos importantes da história incluem sintomas ou doenças recentes, histórico médico prévio significativo, cirurgia ou tratamentos recentes e histórico de medicamentos. A funcionalidade preexistente e condições mórbidas do paciente são importantes e ajudam a tomar as decisões sobre a escalada dos cuidados e se a internação em terapia intensiva e a ressuscitação cardiopulmonar são apropriadas. A revisão de prontuários e exames médicos anteriores também pode fornecer pistas essenciais. TABELA 1 Etiologias das alterações do nível de consciência 1. Alterações metabólicas: ▪ Hipoglicemia ▪ Hiperglicemia ▪ Hiponatremia e hipernatremia ▪ Hipercalcemia ▪ Insuficiênciaadrenal ▪ Hipotireoidismo ▪ Hipercapnia ▪ Uremia ▪ Encefalopatia por sepse 2. Causas psiquiátricas 3. Alterações neurológicas: ▪ Acidente vascular cerebral ▪ Hemorragia cerebral ▪ Tumor cerebral ▪ Linfoma cerebral ▪ Metástases cerebrais ▪ Abscesso cerebral ▪ Edema cerebral ▪ Hidrocefalia ▪ Trauma craniano 4. Alterações cerebrais difusas: ▪ Convulsões ▪ Álcool ▪ Overdose de drogas ▪ Intoxicação por fármacos ▪ Hipotermia ▪ Síndrome neuroléptica maligna ▪ Infecção do sistema nervoso central ▪ Síndrome serotoninérgica Testemunhas presentes na cena do evento podem dar pistas adicionais, como seringas usadas ou evidências de uso recreativo de drogas, álcool, pacotes vazios de medicamentos ou uma nota de suicídio. É provável que os paramédicos tenham instituído tratamentos pré-hospitalares, sendo importante verificar a resposta do paciente e perguntar sobre seu estado de consciência no local para avaliar se o paciente está mais ou menos responsivo quando avaliado. Exame neurológico do paciente Deve-se inicialmente determinar a responsividade do paciente, se tem os olhos fechados com falta de expressão facial e não percebe estímulos ambientais. Uma abordagem gradual avalia a resposta a estímulos. Avalia-se o estímulo verbal com perguntas simples como “Você pode me ouvir?” ou “Você está bem?”, avalia-se estímulo tátil com estímulo doloroso que deve ser intenso, mas não causar lesão. A pressão na crista supraorbital ou na pressão do leito ungueal é apropriada nesses casos. O exame neurológico inicial concentra-se na determinação do nível de consciência usando a pontuação da Escala de Coma de Glasgow (GCS), como podemos verificar na Tabela 2. Recentemente foi proposta a inclusão da avaliação pupilar na ECG, retirando pontos do escore final conforme a resposta pupilar. Assim, teríamos: ▪ Resposta pupilar inexistente: nenhuma pupila reage à luz (2 pontos). ▪ Resposta pupilar parcial: uma pupila reage à luz (1 ponto). ▪ Resposta pupilar total: ambas as pupilas reagem à luz (0 pontos). Assim, se houver ausência de resposta pupilar bilateral, deve-se retirar dois pontos do escore final da ECG. Essa atualização da ECG está validada para pacientes com trauma de SNC, mas ainda carece de validação em pacientes clínicos. O Glasgow-Pupil Score consegue predizer piores desfechos, com um Glasgow-Pupil Score de 1 associado com mortalidade de 74% e um Glasgow-Pupil Score de 3 associado com mortalidade de 50%. Outras escalas de avaliação do nível de consciência foram criadas, como a escala de Jouvet e mais recentemente a escala FOUR (Full Outline of Unresponsiveness Score), apresentando uma excelente concordância entre observadores com melhor valor preditivo da evolução. A escala FOUR tem maior valor como descritor das alterações do que como um escore. Pupilas e avaliação de fundo de olho Para compreendermos a semiologia das pupilas é importante discutir rapidamente a anatomia dos dois sistemas que controlam o diâmetro das pupilas, o sistema nervoso simpático e o parassimpático. O primeiro neurônio da via simpática se origina no hipotálamo (diencéfalo), se dirige caudalmente passando por todo o tronco encefálico e avançando pela medula cervical, fazendo a primeira sinapse da via na coluna intermédia lateral da medula cervicotorácica. De lá parte o segundo neurônio, que forma o plexo simpático paravertebral e faz sinapse no gânglio cervical superior. O terceiro e último neurônio da via envolve a carótida, com quem retorna para dentro do crânio e parte em direção à órbita com o primeiro ramo do nervo trigêmeo. TABELA 2 Escala de Coma de Glasgow Critério Classificação Pontos Resposta ocular Olhos abertos previamente à estimulação Espontânea 4 Abertura ocular após ordem em voz normal ou em voz alta Ao som 3 Abertura ocular após estimulação na extremidade dos dedos (aumentando a intensidade por 10 s) À pressão 2 Ausência de abertura ocular, sem fatores de interferência Ausente 1 Olhos fechados devido a fator local Não testável NT Resposta verbal Resposta adequada relativamente o nome, local e data Orientada 5 Resposta não orientada, mas comunicação coerente Confusa 4 Palavras isoladas, inteligíveis Palavras 3 Apenas gemidos ou ruídos ininteligíveis Sons 2 Ausência de resposta audível, sem fatores de interferência Ausente 1 Fator que interfere com a comunicação Não testável NT Resposta motora Cumprimento de ordens com duas ações A ordens 6 Elevação da mão acima da clavícula, ao estímulo na cabeça ou pescoço Localizadora 5 Flexão rápida do membro superior no nível do cotovelo, padrão predominante não anormal Flexão normal 4 Flexão do membro superior no nível do cotovelo, padrão predominante claramente anormal Flaxão anormal 3 Extensão do membro superior no nível do cotovelo Extensão 2 Ausência de movimentos dos membros superiores ou inferiores, sem fatores de interferência Ausente 1 Fator que limita resposta motora Não testável NT TABELA 3 Escala FOUR Resposta ocular 4: pálpebras abertas ou abertas, rastreando ou piscando para comandar 3: pálpebras abertas, mas sem rastreamento 2: pálpebras fechadas, mas abertas à voz alta 1: pálpebras fechadas, mas abertas à dor 0: pálpebras permanecem fechadas com dor Resposta motora 4: polegar para cima, punho ou sinal de paz 3: localizando a dor 2: resposta de flexão à dor 1: resposta de extensão à dor 0: sem resposta à dor ou estado de mioclonia generalizada Reflexos do tronco cerebral 4: reflexos da pupila e da córnea presentes 3: uma pupila larga e fixa 2: reflexos pupilares ou corneanos ausentes 1: reflexos pupilar e corneano ausentes 0: pupila ausente, córnea e reflexo de tosse Respiração 4: não entubado, padrão respiratório regular 3: não entubado, padrão respiratório de Cheyne-Stokes 2: não entubado, respiração irregular 1: respira acima da frequência do ventilador 0: respira na frequência do ventilador ou em apneia Lesão do sistema nervoso simpático em qualquer ponto dessa via pode gerar a chamada síndrome de Claude Bernard-Horner, caracterizada por semiptose palpebral, miose e anidrose ipsilaterais à lesão. Em alguns pontos, contudo, a associação de lesão do sistema nervoso simpático com o parassimpático pode gerar diferentes tipos de pupila. Os estímulos necessários para o funcionamento do sistema nervoso simpático são, em geral, a privação de luz e a dor (reflexo cilioespinhal). Estímulos luminosos, por sua vez, estimulam o funcionamento do sistema nervoso parassimpático, compondo o reflexo fotomotor. Para ter consciência de um estímulo visual é necessário que o estímulo elétrico gerado pela presença de luz na retina chegue ao lobo occipital, que alberga o córtex visual primário. Algumas fibras, contudo, não fazem sinapse no corpo geniculado lateral (primeira sinapse da via visual) e seguem em direção ao mesencéfalo, onde fazem sinapse nos chamados núcleos pré-tectais, localizados na altura dos colículos superiores no tecto mesencefálico. Desses núcleos partem interneurônios que ipsilateral e contralateralmente vão fazer sinapse no núcleo parassimpático do nervo oculomotor, o chamado núcleo de Edinger-Westphal. O cruzamento da linha média realizado pelos axônios desses interneurônios para alcançar o núcleo de Edinger-Westphal contralateral forma a comissura posterior, que é o substrato anatômico para haver reação pupilar de miose contralateral ao olho estimulado pela luz (reflexo fotomotor consensual). Do núcleo de Edinger-Westphal partem fibras que compõem o III nervo craniano junto com as fibras envolvidas na motricidade ocular extrínseca (discutidas adiante). As fibras parassimpáticas atingem então os gânglios ciliares, de onde partem fibras em direção à pupila. Assim, o chamado reflexo fotomotor tem uma via aferente (II nervo craniano), uma integração (mesencefálica) e uma via eferente (III nervo craniano). A integridade desse reflexo denota integridade das estruturas anatômicas queo compõem. Importante salientar que no III nervo craniano as fibras parassimpáticas são mais externas e, portanto, mais suscetíveis à compressão extrínseca que as fibras da motricidade ocular extrínseca, que nessa situação costumam ser afetadas posteriormente. Duas situações clínicas específicas podem afetar as pupilas. A primeira delas são os aneurismas da artéria comunicante posterior. Pacientes com quadro clínico compatível com hemorragia subaracnoide e paralisia do III nervo craniano com comprometimento de sua porção parassimpática geralmente albergam aneurismas dessa artéria. Isso ocorre devido à proximidade anatômica entre as duas estruturas. A segunda situação é a herniação transtentorial lateral, situação em que o parênquima cerebral passa a se deslocar com compressão de estruturas diversas. A hérnia transtentorial lateral apresenta-se clinicamente com midríase contralateral a hemiparesia, um sinal que favorece o seu reconhecimento e deve ser interpretado como uma evidência clínica de hipertensão intracraniana descompensada, independentemente da etiologia da lesão que a causou. Na semiologia das pupilas observa-se o diâmetro das pupilas (medido em milímetros), verifica-se sua simetria ou assimetria (iso e anisocoria), assim como os reflexos fotomotor direto e consensual. Um dado importante é que o reflexo fotomotor é extremamente resistente aos insultos metabólicos e difusos ao SNC. A alteração das pupilas é um indicador de lesão estrutural. Algumas situações alteram as pupilas sem lesão estrutural e incluem: ▪ Intoxicação por atropina (pupilas dilatadas e sem reflexo fotomotor). ▪ Intoxicação por opioides (pupilas intensamente mióticas com reflexo fotomotor presente). ▪ Hipotermia (pode transcorrer com pupilas fixas). ▪ Intoxicação barbitúrica (pupilas fixas). ▪ Encefalopatia anóxica (pupilas midriáticas e fixas). Dependendo do nível anatômico de uma lesão intracraniana podemos encontrar diferentes tipos de pupilas. Nas encefalopatias difusas ou multifocais as pupilas em geral são normais, salvo as exceções citadas. Lesões acometendo o diencéfalo ou a ponte comprometem a via simpática preservando a parassimpática (que se integra no mesencéfalo) e cursando com miose com reflexo fotomotor preservado. Lesões mesencefálicas comprometem tanto o sistema nervoso simpático quanto o parassimpático e geralmente levam a pupilas médias e fixas. São alterações pupilares características: ▪ Pupilas puntiformes ( 8 mm): podem ser causadas toxicidade de drogas (anfetaminas, cocaína) ou acometimento do nervo oculomotor. ▪ Pupila fixa unilateral: sugestiva de uma lesão do III nervo craniano ou nervo oculomotor. ▪ Pupila tectal: pupilas levemente dilatadas (5-6 mm de diâmetro), com reflexo fotomotor negativo, porém apresentando flutuações em seu diâmetro (hippus) e dilatando-se na pesquisa do reflexo cilioespinal (dilatação das pupilas aos estímulos dolorosos). Esse padrão pupilar ocorre em lesões da região do tecto mesencefálico. ▪ Pupila uncal ou do III nervo craniano (oculomotor): pupila extremamente midriática com reflexo fotomotor negativo. É chamada uncal porque geralmente ocorre na herniação transtentorial lateral, quando o uncus do lobo temporal, insinuando-se entre a tenda do cerebelo e o mesencéfalo, encontra como primeira estrutura o nervo oculomotor. Pupilas dilatadas bilateralmente indicam herniação bilateral ou encefalopatia anóxica. O achado de anisocoria, com reflexo fotomotor negativo, na ausência de alteração motora contralateral ou transtorno de consciência deve ter como diagnóstico diferencial a possibilidade do uso de midriático ou doença ocular como uveíte ou trauma oftalmológico. FIGURA 4 Anatomia do reflexo fotomotor. FIGURA 5 Síndromes de herniação. A fundoscopia pode revelar achados diagnósticos chave, como papiledema em pacientes com crise hipertensiva e síndrome de encefalopatia reversível (PRES, ver a seguir) ou hemorragia sub-hialoide em pacientes com hemorragia subaracnoide. A realização da ultrassonografia do nervo óptico apresenta boa correlação com a presença de hipertensão intracraniana; quando o nervo óptico apresenta mais que 5 mm existe boa probabilidade do paciente apresentar hipertensão intracraniana. Motricidade ocular extrínseca Os nervos cranianos envolvidos na motricidade ocular são o III, o IV e o VI. Os núcleos do III e VI nervos cranianos estão localizados respectivamente no mesencéfalo e na ponte e são integrados por fibras do chamado fascículo longitudinal medial. A análise da motricidade ocular extrínseca horizontal é fundamental em casos de alteração do estado de consciência, pois, como sua integração se dá no mesmo sítio anatômico em que se localiza a FRAA, inferências da integridade dessa estrutura podem ser feitas. Pode-se mesmo presumir um diagnóstico diferencial da alteração de consciência com base nos achados de motricidade ocular. Quando é examinado o movimento horizontal dos olhos observa-se que ele ocorre na mesma velocidade, direção e sentido em ambos os olhos. Isso é possível porque a ordem do movimento não é feita independentemente para cada um dos nervos cranianos envolvidos (III e VI). A maquinaria anatômica necessária para a realização do movimento conjugado horizontal dos olhos está presente no tronco encefálico, integrando ponte e mesencéfalo. Assim, para ser realizado um movimento conjugado dos olhos para a esquerda ou para a direita basta que essa via anatômica seja ativada. A partir do núcleo do VI nervo craniano (na ponte) partem fibras que vão compor o nervo abducente, responsável pela abdução do olho ipsilateral. Além disso, partem desse mesmo núcleo fibras que cruzam a linha média e fletem-se cranialmente em direção ao subnúcleo para o reto medial (do III nervo). Nota-se, portanto, que basta o núcleo do VI nervo ser estimulado para que toda a via do olhar conjugado seja ativada. FIGURA 6 Alterações pupilares no coma. Diversas estruturas têm aferência sobre esta via, o que implica que o movimento horizontal dos olhos pode ser obtido de diversas maneiras, gerando diferentes tipos de movimento que podem ser testados. A análise da MOE é feita em cinco etapas: ▪ Observação dos movimentos oculares espontâneos. ▪ Manobra dos olhos de boneca. ▪ Manobra oculovestibular. ▪ Reflexo corneopalpebral. ▪ Observação das pálpebras. As lesões que comprometem a FRPP (inclusive) geram desvios conjugados do olhar horizontal, ao passo que lesões desse ponto em diante (vias intratronco ou nervos cranianos) geram olhar desconjugado. Existem duas síndromes relacionadas à lesão associada da via piramidal (e, portanto, hemiparesia contralateral à lesão) e desvios conjugados do olhar horizontal. A. Lesão do FRPP + trato piramidal contíguo: a lesão do FRPP de um lado causa desvio do olhar para o lado oposto da lesão e a lesão piramidal leva à hemiparesia contralateral. Essa é a chamada síndrome de Foville inferior (hemiparesia direita com desvio do olhar conjugado para a direita). A presença desses achados no exame indica encefalopatia focal infratentorial por lesão pontina. Diz-se que “o paciente olha para a hemiparesia”. B. Lesão da área 8 de Brodmann + trato piramidal contíguo: mais comum que a lesão anterior. Há lesão associada da área 8 de Brodmann (desvio do olhar para o lado da lesão) e lesão piramidal contígua com hemiparesia contralateral (hemiparesia direita com desvio do olhar conjugado para a esquerda). Essa síndrome ocorre em lesões focais supratentoriais, geralmente extensas, e é chamada de síndrome de Foville superior. Assim, o paciente tem o olhar para onde está a lesão. Como os pacientes em coma não conseguem colaborar realizando movimentos voluntários,deve-se utilizar outras manobras para essa avaliação. A manobra oculocefálica ou manobra dos olhos de boneca permite verificação de déficit de movimentos oculares isolados (em qualquer direção e sentido) e de déficit de movimentos conjugados. Contudo, a ausência de resposta nessa manobra não estabelece inequivocamente que exista lesão de vias dentro do tronco para movimentos dos olhos. A manobra oculocefálica é considerada alterada quando o paciente não consegue manter os olhos fixados para a frente e os olhos se deslocam para o lado da manobra. A manobra envolve movimentos bruscos, de modo que em casos de suspeita de lesão medular cervical a manobra é contraindicada. A manobra oculovestibular é mais fidedigna para avaliar a integridade do tronco cerebral e mais segura em pacientes com lesão medular. Nessa manobra exploramos as diferenças de tônus entre o labirinto de um lado e de outro que geram desvios conjugados dos olhos para o lado do labirinto hipofuncionante. Isso pode ser simulado através da estimulação calórica do ouvido interno, injetando-se água gelada ou quente no conduto auditivo do paciente. A água gelada inibe e a quente estimula o labirinto do lado da injeção. Em um paciente alerta, após a estimulação calórica gera-se um movimento tônico dos olhos para o lado do labirinto hipofuncionante ao qual se segue uma sacada de correção para o lado oposto, gerando um movimento conhecido como nistagmo. Pacientes com alteração importante do estado de consciência em geral não geram sacadas de correção, apresentando apenas a fase do desvio conjugado dos olhos. FIGURA 7 Movimentação ocular extrínseca. OI: oblíquo inferior; OS: oblíquo superior; RI: reto inferior; RL: reto lateral; RM: reto medial; RS: reto superior. As seguintes possibilidades de resposta da motricidade ocular podem ser encontradas: ▪ Resposta conjugada tônica: integridade de ponte e mesencéfalo. ▪ Resposta desconjugada (abdução presente e adução ausente): lesão do fascículo longitudinal medial ou III nervo. ▪ Resposta desconjugada (abdução ausente e adução presente): lesão do nervo abducente. ▪ Resposta negativa: lesão intensa de vias dentro do tronco. ▪ Resposta horizontal normal e vertical patológica: lesão mesodiencefálica. ▪ Resposta vertical normal e horizontal patológica: integridade mesencefálica e lesão pontina. É importante lembrar que resposta negativa deve ser analisada com cuidado, pois pode ocorrer em outras situações que não lesões intensas de vias dentro do tronco (doença vestibular prévia, bloqueadores neuromusculares e uso de drogas vestibulossupressoras, como uso de barbitúricos, difenilhidantoína e outros sedativos). Outro parâmetro a ser observado é o reflexo corneopalpebral. Produz-se um estímulo na córnea. Como resposta, há fechamento dos olhos e desvio dos olhos para cima. Esse reflexo permite que se analise o nervo trigêmeo (via aferente), o nervo facial (via eferente) e a área tectal que controla os movimentos verticais do olhar. FIGURA 8 Manobra oculocefálica. FIGURA 9 Reflexo oculovestibular. Por fim, as pálpebras do paciente podem ser avaliadas. A pálpebra em geral está fechada nos pacientes em coma. Como dito anteriormente, coma com olhos abertos sugere lesão aguda de ponte, frequentemente de natureza vascular. A presença de déficit de fechamento de pálpebras pode sugerir lesão do VII nervo craniano. Já a semiptose palpebral sugere lesão simpática e a ptose completa lesão do III nervo. De acordo com a MOE podem-se delinear dois tipos de coma: ▪ Movimentos oculares preservados: vistos pela motricidade espontânea, manobra oculovestibular ou oculocefálica. Sugerem integridade da transição pontomesencefálica (região anatomicamente relacionada com a motricidade ocular extrínseca). Estão presentes em lesões focais supratentoriais ou em lesões difusas ou multifocais. ▪ Movimentos oculares comprometidos: sugerem lesões estruturais infratentoriais (lesões de tronco, sejam primárias ou secundárias), que destroem áreas de controle da MOE, ou causas tóxicas (drogas hipnótico- sedativas, curare, succinilcolina, anestesia geral, difenilhidantoína, primidona). A explicação para intoxicação por drogas hipnótico-sedativas alterarem, às vezes precocemente, as vias responsáveis pela MOE dentro do tronco é que essas drogas deprimem intensamente essas vias polissinápticas. Avaliação motora A via motora se estende do giro pré-central até a porção baixa do tronco (bulbo), onde decussa para o lado oposto para atingir a medula cervical. Pela extensão é comumente afetada em lesões estruturais do sistema nervoso central. Por isso, a presença de sinais motores focais, geralmente assimétricos, sugere patologia estrutural, com raras exceções. A função motora é avaliada por estímulos nocivos, sendo importante distinguir entre as respostas reflexas e o ato motor voluntário. As respostas reflexas são de retirada, flexão ou extensão em resposta ao estímulo. A avaliação do padrão motor deve ser sistematizada em: ▪ Observação da movimentação espontânea do paciente. ▪ Pesquisa de reflexos, com atenção à sua presença e simetria, analisando presença de sinais patológicos como sinal de Babinski e reflexo patológico de preensão palmar (“grasp reflex”). ▪ Pesquisa do tônus muscular, pela movimentação passiva, com atenção à hipertonia, hipotonia e paratonia. ▪ Observação dos movimentos apresentados pelo paciente à estimulação dolorosa (leito ungueal, região supraorbitária e esterno). Com isso caracterizamos alguns padrões motores localizatórios: ▪ Hemiparesia com comprometimento facial: sugere lesão acima da ponte contralateral. ▪ Decorticação: resposta de flexão claramente anormal. Sugere lesão ou disfunção supratentorial extensa, usualmente lesão talâmica. ▪ Descerebração: resposta de extensão claramente anormal. Sugere lesão ou disfunção de tronco cerebral ou até diencéfalo. ▪ Ausência de resposta motora: sugere lesão periférica, pontina ou bulbar. Padrão respiratório Na maioria das vezes essa avaliação é pouco informativa em relação à etiologia da alteração do nível de consciência. As seguintes anormalidades de padrão respiratório podem ser úteis: ▪ Respiração de Cheyne-Stokes: respiração pode ocorrer com muitas patologias subjacentes e não é útil no diagnóstico diferencial da etiologia do coma. Nesse padrão temos períodos de apneia seguidos de hiperventilação, pela ausência de resposta de centros ventilatórios superiores. ▪ Respiração atáxica (respiração de Biot): padrão anormal de respiração caracterizada por grupos de inspirações seguidas de períodos regulares ou irregulares. ▪ Respiração de Kussmaul: respiração profunda e difícil com taquipneia associada, indicativa de acidose metabólica grave e comumente associada à cetoacidose diabética. ▪ Apneia: indica uma lesão nas zonas inferiores, como tronco cerebral e bulbo. ▪ Hiperventilação neurogênica central: padrão anormal de respiração profunda e rápida de pelo menos 25 respirações por minuto e indica uma lesão na ponte ou mesencéfalo. Exame geral O exame físico deve ser realizado de forma sistemática, começando com a avaliação dos sinais vitais seguida da medida da glicemia capilar. Uma temperatura aumentada sugere infecção, mas também pode ser vista em outras condições, como intoxicação por salicilatos; uma redução da temperatura pode significar exposição ao ambiente, mas está presente também na sepse ou no hipotireoidismo. Hipotensão associada a rebaixamento do nível de consciência aponta para choque resultando em hipoperfusão cerebral. Hipertensão pode ser um sinal de intoxicação (cocaína, por exemplo) ou abstinência (de álcool ou de opioides), infarto cerebral ou de tronco encefálico, hemorragia subaracnoide, síndrome da encefalopatia posterior reversível (PRES) ou elevação da pressão intracraniana. A combinação de hipertensão mais bradicardia,conhecida como reflexo de Cushing, sugere elevação na pressão intracraniana. A bradicardia pode ser vista também em uma anormalidade do sistema de condução cardíaco, isquemia miocárdica ou overdose de medicamentos como betabloqueadores, bloqueadores de canais de cálcio, clonidina ou digitálicos. Muitas condições podem levar à taquicardia associada à alteração do estado mental, incluindo sepse, medicamentos de efeito estimulantes ou anticolinérgicos, anemia grave, hipovolemia, tireotoxicose e lesão estrutural cerebral aguda. FIGURA 10 Padrões motores no coma. Deve-se procurar sinais de trauma, como hematomas, lacerações do escalpo, equimose periorbital (olhos de guaxinim), equimose retroauricular (sinal de Battle), hemotímpano, otorreia ou rinorreia liquóricas. O estado da mucosa oral pode informar sobre desidratação ou apontar para síndromes tóxicas específicas e lacerações da língua podem sugerir uma crise convulsiva recente. A coluna cervical do paciente deve ser imobilizada se houver suspeita de trauma. A presença de sinais meníngeos aponta para meningite, hemorragia subaracnoide ou lesões intracranianas exercendo efeito de massa. O achado de estridor indica obstrução de vias aéreas superiores causadas geralmente por infecção, anafilaxia, trauma ou aspiração de corpo estranho. O encontro de bócio em um paciente com alteração do estado mental levanta a suspeita de coma mixedematoso ou tempestade tireoidiana. No sistema cardiovascular avaliam-se alterações de ritmo, frequência, presença de sopros e sinais de depleção ou excesso de volume. Alterações na ausculta pulmonar ou da parede torácica podem indicar uma causa pulmonar do rebaixamento do nível de consciência. O exame do abdome pode revelar ascite ou hepatoesplenomegalia, sugerindo uma causa hepática, ou uma massa pulsátil indicando a presença de aneurisma de aorta abdominal. Distensão da bexiga e redução dos ruídos hidroaéreos podem apontar para uma síndrome anticolinérgica. O exame retal pode revelar sinais de hemorragia digestiva. O paciente deve ser completamente exposto para pesquisar sinais de uso de drogas injetáveis, exantemas, sinais de trauma ou de infecção. O achado de icterícia, eritema palmar, aranhas vasculares ou sinal da cabeça de medusa em um paciente com alteração do estado mental deve levantar a suspeita de encefalopatia hepática como causa. Petéquias ou púrpuras podem ser vistas na meningococcemia, púrpura trombocitopênica trombótica, coagulação intravascular disseminada ou vasculites. Médicos com um olfato sensível podem anedoticamente reconhecer o cheiro de mofo da encefalopatia hepática ou o cheiro de alho associado ao envenenamento por organofosfato. Embora o álcool possa ser aspirado pelo hálito de um paciente inconsciente, é altamente recomendável que todos os pacientes inconscientes que parecem intoxicados sejam totalmente avaliados quanto a outras causas de inconsciência, pois o álcool pode estar mascarando a verdadeira causa da inconsciência, como um ferimento craniano. EXAMES COMPLEMENTARES O manejo terapêutico deve ser realizado paralelamente à avaliação diagnóstica. Uma das primeiras medidas específicas em pacientes com alteração do nível de consciência é checar a glicemia capilar e, quando não for possível aferir rapidamente a glicemia capilar, deve-se realizar um bolus endovenoso de glicose hipertônica. Em pacientes etilistas pesados, o bolus de glicose deve ser precedido de reposição de tiamina, pois do contrário pode- se precipitar a chamada encefalopatia de Wernicke, que classicamente se caracteriza por confusão mental, ataxia e alterações de motricidade ocular, podendo ocorrer também choque e até coma. Assim, quando estivermos diante dessas situações ou quando não tivermos informações é obrigatória a administração de tiamina 50 a 100 mg IM ou EV antes da administração de glicose hipertônica. Se hipoglicemia está presente, o paciente deve ser monitorizado e tratado com uma infusão IV (mais de 10 e 15 minutos) de glicose 20% 75 a 80 mL ou glicose 10% 150 e 160 mL. Glucagon (1 mg IM) pode ser usado, mas pode levar até 15 minutos para agir e é ineficaz em pacientes com doença hepática, alteração do armazenamento de glicogênio ou desnutrição. Existe uma ampla variedade de diagnósticos diferenciais que podem cursar com alteração do nível de consciência, sendo que em cerca de dois terços dos casos, a etiologia é tóxico-metabólica-infecciosa. Pacientes com encefalopatias e dados de lesões focais devem sempre ser submetidos a exame de imagem intracraniano. Com exceção de alguns casos de hipoglicemia, encefalopatia hepática e urêmica, o achado de encefalopatia focal se relaciona a causas estruturais. Entre os exames laboratoriais rotineiramente utilizados para diagnóstico etiológico da alteração do nível de consciência a esclarecer podemos citar: ▪ Glicemia. ▪ Ureia, creatinina e eletrólitos (sódio e potássio). ▪ Cálcio. ▪ Transaminases hepáticas, bilirrubinas e enzimas canaliculares se necessário. ▪ Coagulograma (principalmente INR). ▪ Exames toxicológicos. ▪ Eletrocardiograma (ECG). ▪ Raio X do tórax. ▪ Gasometria arterial, eventualmente com mensuração do monóxido de carbono. ▪ Exame de urinálise. A gasometria arterial pode identificar distúrbios acidobásicos e identificar hipóxia ou hipercapnia. Um paciente com acidose metabólica e ânion-gap aumentado pode estar apresentando cetose (cetoacidose diabética, cetoacidose alcoólica, jejum), acidose lática (por sepse, hipoperfusão, intoxicação por cianeto), uremia ou intoxicação (por metanol, etilenoglicol, salicilatos). A Tabela 4 mostra padrões de alteração gasimétrica a etiologias de rebaixamento do nível de consciência. O hemograma pode mostrar anemia ou trombocitopenia, que não explicam uma alteração do estado mental exceto em um contexto de hipotensão grave ou como causa de hemorragia intracraniana. A leucocitose pode ser um marcador de infecção, mas é inespecífica e pouco útil em distinguir a etiologia do RNC. Uma leucopenia grave, entretanto, sugere um estado de imunodepressão e deve alertar para infecção ou malignidade. Um alargamento do TP ou do TTPA pode ser visto em discrasias sanguíneas, hepatopatias e no uso de anticoagulantes. O exame de urina pode detectar glicosúria, que pode ser encontrada na cetoacidose diabética ou no estado hiperglicêmico hiperosmolar, ou indicar infecção do trato urinário (leucocitúria, presença de nitrito). A presença de cristais de oxalato de cálcio é associada com a ingestão de etilenoglicol. A avaliação toxicológica pouco afeta o manejo inicial do paciente com RNC e pode ser postergada para o momento apropriado. O nível sérico de amônia tem pouca utilidade na abordagem inicial do rebaixamento do nível de consciência por ser pouco sensível e pouco específico. A função tireoidiana pode ser testada para confirmar coma mixedematoso ou tireotoxicose. Hemoculturas e urocultura ou culturas de outro sítio devem ser coletadas na suspeita de infecção. O esfregaço de sangue periférico pode ser útil e mostrar achados como esquizócitos que podem estar associados a púrpura trombocitopênica trombótica ou coagulação intravascular disseminada. Pacientes com febre e sinais de sepse devem ter coletadas hemoculturas e outras culturas sempre que se suspeita de etiologia infecciosa da alteração de nível de consciência. A dosagem de carboxi-hemoglobina pode ser útil na suspeita de intoxicação por monóxido de carbono. O eletrocardiograma pode diagnosticar isquemia miocárdica, bloqueios de condução ou outras arritmias, além de fornecer evidências de alterações eletrolíticas (potássio ou cálcio), intoxicação (por tricíclicos, por exemplo) ou hipotermia. A radiografia de tórax pode identificar pneumonia, pneumotórax, presença de corpo estranho ou sinais de dissecção aórtica ou de insuficiência cardíaca congestiva. Outros exames são solicitados conformea história clínica do paciente. Assim, em pacientes com bradicardia, a dosagem de TSH pode ser importante para avaliar a presença de um estado mixedematoso, enquanto em pacientes com hipoglicemia, hiponatremia e hipercalemia a insuficiência adrenal pode ser uma hipótese diagnóstica e uma dosagem e cortisol será útil nestes casos. Exames de neuroimagem devem ser obtidos em todos os pacientes com sinais focais ou caso ainda permaneça uma dúvida diagnóstica. A tomografia computadorizada (TC) de crânio, devido à sua disponibilidade, é o exame de escolha nessas situações. A TC de crânio sem contraste é realizada em todos os casos em que a causa da alteração do nível de consciência não é rapidamente identificada por história ou outros dados. Em casos de dúvida diagnóstica, a ressonância magnética pode ser realizada. Alguns exemplos de achado de TC de crânio nesses pacientes incluem: TABELA 4 Gasometria arterial e etiologias de alteração do nível de consciência Alteração Etiologias Acidose metabólica Uremia, cetoacidose diabética, acidose lática, intoxicações por metanol, salicilatos e etilenoglicol Alcalose respiratória Hepatopatias, sepse, intoxicação por salicilatos, condições com hipoxemia e quadros psiquiátricos Acidose respiratória Doenças pulmonares graves com hipoventilação, causas centrais, estado mixedematoso, intoxicação por drogas sedativo-hipnóticas, rebaixamento por causa central Alcalose metabólica Vômitos, ingestão de substâncias alcalinas, desidratação, quadros psicogênicos. Raramente causa de alteração do nível de consciência ▪ Hemorragia subaracnoide: hemorragia nos espaços liquóricos (cisternas, convexidade). Complicada por hidrocefalia em cerca de 20% dos casos. TC com sensibilidade de 98% até 12 horas após o início dos sintomas. ▪ Hematoma subdural: imagem em forma de foice ou crescente. ▪ Acidente vascular cerebral (AVC) isquêmico: a primeira alteração observada é a perda de diferenciação das substâncias cinzenta e branca. ▪ Tumores cerebrais: podem ter lesão hipodensa, geralmente cercada por edema (devido à perda da barreira hematoencefálica). ▪ Hidrocefalia: dilatação dos ventrículos. ▪ Síndrome de encefalopatia posterior reversível (PRES): geralmente alterações simétricas. Uma proporção significativa tem achados atípicos e a inconsciência não é imediatamente reversível como usual. A TC é inferior à ressonância magnética (RM) na detecção de anormalidades em pacientes com encefalite por herpes simples, AVC isquêmicos precoces (especialmente envolvendo o tronco cerebral), pequenas hemorragias múltiplas ou ruptura do trato da substância branca associada a lesão axonal difusa traumática, dano anóxico-isquêmico de parada cardíaca e a maioria dos distúrbios que afetam a substância branca. No entanto, a RM leva mais tempo para ser realizada do que a TC e pode ser problemática para o paciente instável. Em geral, a TC é o teste de escolha para avaliação inicial. A ressonância magnética de acompanhamento é recomendada quando a TC e outros exames não explicam, ou explicam de forma incompleta, o quadro clínico. Alguns achados específicos não são detectados na TC, mas podem ser detectados pela angiotomografia com multidetectores ou com angiorressonância magnética: ▪ Oclusão de artéria basilar: pode ser feito o diagnóstico pela angiotomografia ou ressonância magnética. ▪ Lesões de ponte: melhor detectadas em RM. ▪ Fase precoce de AVC: pode não ser detectada na TC de crânio, nesse caso deve ser repetida em 24-48 horas. A ressonância magnética pode fazer o diagnóstico mais precoce. ▪ Trombose do seio venoso: o sintoma mais frequente na apresentação é cefaleia, estando presente em mais de 90% dos pacientes adultos. Ela costuma ser grave e com aumento progressivo de intensidade em curso de poucos dias. Há presença de sintomas focais unilaterais como afasia ou hemiparesia, progredindo posteriormente com envolvimento do hemisfério contralateral. Convulsões são descritas em cerca de 50% dos pacientes, em geral sendo limitadas e focais, raramente evoluindo para estado de mal epilético. O exame de escolha para o diagnóstico é a angiorressonância magnética de encéfalo com venografia. A angiotomografia pode ser usada como exame inicial. A imagem inicialmente revela sinais isotensos em T1 e hipotensos em T2 dos seios com trombose. A angiorressonância venosa irá demonstrar a ausência de fluxo nos seios cerebrais. ▪ Apoplexia hipofisária: usualmente cursa com quadro de cefaleia, alterações visuais, podendo evoluir com hipotensão e choque com hiponatremia devido à insuficiência adrenal secundária. A RM pode mostrar hipersinal indicando sangramento. Nos casos em que o diagnóstico não se esclareça com o exame de imagem, está indicada realização de punção liquórica ou em casos em que houver suspeita de infecção e a tomografia é normal. Pacientes que devem ter coleta de liquor imediata incluem pacientes com febre e cefaleia além da alteração do nível de consciência ou pacientes com cefaleia súbita, intensa com TC normal em que se ainda suspeita de hemorragia subaracnoide. Além de fornecer a medida da pressão intracraniana, o liquor auxilia no diagnóstico de doenças inflamatórias, infecciosas e neoplásicas do sistema nervoso central e hemorragia subaracnoide. Em geral, TC precede a punção liquórica se houver risco de herniação ou sinais de hipertensão intracraniana. Em pacientes com suspeita de meningite bacteriana devemos, além da punção liquórica, iniciar antibioticoterapia e dexametasona o mais rápido possível. Em pacientes em que ainda não é possível realizar o diagnóstico etiológico da alteração do nível de consciência deve ser considerada a realização de eletroencefalograma (EEG). O EEG deve ser indicado precocemente se suspeita de estado de mal epiléptico. Existem três padrões principais que podem ser encontrados nesses pacientes: ▪ Alentecimento difuso da atividade elétrica cerebral com ondas trifásicas. O padrão é inespecífico e indica sofrimento cortical difuso e maior probabilidade de encefalopatia metabólica ou infecciosa. ▪ Presença de estado de mal epiléptico: nesse caso, o diagnóstico provável será de estado de mal epiléptico. ▪ Eletroencefalograma normal: resultado descarta uma alteração orgânica de sistema nervoso central e pode sugerir um diagnóstico de causa psicogênica ou psiquiátrica. Outros achados não epileptiformes do EEG podem ser úteis no diagnóstico de coma. Ritmos de fundo difusamente desorganizados e lentos sugerem o diagnóstico de encefalopatia metabólica tóxica, enquanto achados fortemente lateralizados sugerem doença estrutural. Padrões EEG mais rítmicos e lentos, como as clássicas ondas trifásicas, podem sugerir o diagnóstico de encefalopatia hepática, mas esse padrão não é específico e também pode ocorrer em outras encefalopatias metabólicas, como uremia ou sepse. As descargas epileptiformes lateralizadas periódicas estão classicamente associadas à encefalite herpética, mas também podem ocorrer em lesões estruturais agudas, bem como em outras infecções do sistema nervoso central, encefalopatia hipóxico-isquêmica e outras doenças metabólicas. Os complexos periódicos são mais comumente generalizados e bilateralmente sincronizados na encefalopatia metabólica, incluindo hipóxico- isquêmica. TABELA 5 Causas de cefaleia e alteração do nível de consciência Causa Fatores precipitantes Quadro clínico TC de crânio Punção lombar Ressonância magnética Trombose de seio venoso ▪ Gestação ▪ Uso de contraceptivos hormonais ▪ Neoplasias malignas ▪ Trauma ▪ Infecções de vias aéreas ▪ Trombofilias ▪ Doenças autoimunes ▪ Cefaleia significativa ▪ Déficits focais ▪ Crises convulsivas em 50% dos casos ▪ Alterações visuais ▪ Síndrome de hipertensão intracraniana ▪ Usualmente não diagnóstico, exceto na ângio-TC ▪ Aumento de proteínas ▪ Pode ter aumentode pressão ▪ Angiorressonância venosa é diagnóstica. Outra opção é angiografia Apoplexia hipofisária ▪ Necrose e hemorragia de ▪ Cefaleia grave ▪ Raramente diagnóstica ▪ Pode ter aumento de ▪ Tumor hipofisário com hemorragia, Causa Fatores precipitantes Quadro clínico TC de crânio Punção lombar Ressonância magnética macroadenoma ▪ Sintomas visuais ▪ Hipotensão ▪ Hiponatremia proteína pode mostrar compressão do quiasma óptico Hemorragia subaracnoide ▪ Fatores de risco incluem tabagismo, HAS, drogas simpaticomiméticas ▪ Doenças associadas incluem Ehler- Danlos, doença renal policística, pseudoxantoma elástico e displasia fibromuscular ▪ Cefaleia grave ▪ Convulsões ▪ Rigidez de nuca ▪ Usualmente diagnóstica nas primeiras 6 horas ▪ Presença de hemácias ▪ Xantocromia ▪ Sangue nas cisternas basilares e sylvianas ▪ Angiografia pode mostrar aneurisma e vasoespasmo Síndrome de vasoconstrição cerebral reversiva ▪ Gestação ▪ Uso de drogas simpaticomiméticas ▪ Uso de imunossupressores ▪ Enxaqueca ▪ Aneurismas ▪ Hipercalcemia ▪ Cefaleia grave e súbita ▪ Alterações visuais ▪ Convulsões ▪ Pode ser normal ou eventualmente sangramento ▪ Normal ou com aumento de proteínas ▪ Normal ou sangramento subaracnoide ou cortical ▪ Angiografia ou ângio-RM pode mostrar vasoconstrição Dissecção de artérias cervicais ▪ Exercício físico ▪ Trauma ▪ Doenças do tecido conectivo ▪ Displasia fibromuscular ▪ Cervicalgia ▪ Sintomas similares a AVC ▪ Normal ou sinais de AVC isquêmico ▪ Ângio-TC pode mostrar dissecção ▪ Normal ▪ Pode ser normal ou sinais de AVC ▪ Ângio-RM pode mostrar dissecção AVC: acidente vascular cerebral; HAS: hipertensão arterial sistêmica; RM: ressonância magnética; TC: tomografia computadorizada. Em alguns pacientes em coma, é observada atividade de 8 a 12 Hz; isso se assemelha ao ritmo alfa normal, mas se estende além das regiões cerebrais posteriores e não reage a estímulos. Esse chamado “coma alfa” está associado a lesões pontinas, também tendo sido descrito com encefalopatia hipóxico-isquêmica após parada cardíaca, lesão cerebral traumática e overdose de drogas. Não deve ser confundido com um padrão normal de EEG, que sugere uma origem psicogênica para a falta de resposta do paciente. O EEG também pode ser útil na determinação do prognóstico de vítimas de parada cardíaca; no entanto, o teste de potencial evocado somatossensorial é mais definitivo em termos de prognóstico. O EEG contínuo também pode ser útil para mostrar os efeitos do tratamento, por exemplo, para convulsões ou vasoespasmo e para monitorar a profundidade da anestesia na UTI. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL O diagnóstico diferencial é amplo e deve incluir síndromes que simulam alterações do nível de consciência. Essas condições incluem: Síndrome de encarceramento ou locked-in syndrome A síndrome de encarceramento é consequência de uma lesão focal na base da ponte, geralmente por oclusão embólica da artéria basilar. Nesse caso, temos uma lesão na parte ventral ou anterior da ponte afetando pares cranianos e tratos motores, mas mantendo intacta a FRAA. A consciência é preservada; entretanto, o paciente não consegue mover os músculos dos membros, tronco ou face, exceto o piscar voluntário e os movimentos verticais dos olhos, que permanecem intactos. Acredita-se erroneamente que pacientes com essa síndrome estão inconscientes. A síndrome de encarceramento às vezes pode ser mimetizada por uma lesão grave da medula espinal superior, neuropatia motora, miopatia, doença da junção neuromuscular ou rigidez muscular extrema. Um exame neurológico cuidadoso geralmente pode distinguir entre essas entidades e o coma verdadeiro e estabelecer um sistema de comunicação com o paciente com o piscar de olhos. Mutismo acinético A falta de resposta motora em um indivíduo acordado pode surgir de lesão nas áreas pré-frontais ou pré-motoras responsáveis por iniciar os movimentos. Esse problema executivo é denominado mutismo acinético. O paciente segue com os olhos, mas não inicia outros movimentos nem obedece a comandos. O tônus, os reflexos do paciente e os reflexos posturais geralmente permanecem intactos. Alterações psicogênicas Os pacientes podem apresentar um ataque dissociativo prolongado, com imobilismo e no qual o paciente apresenta resposta ausente ou reduzida a estímulos externos. A falta de capacidade de resposta pode variar desde coma funcional até uma condição semelhante a estupor ou catatonia. Esses pacientes muitas vezes resistem à abertura passiva dos olhos, mudam de posição quando se faz cócegas para evitar o estímulo ou voltam os olhos para o chão, independentemente do lado em que estão deitados. A presença de nistagmo com estimulação calórica em um paciente aparentemente comatoso apoia o diagnóstico de alteração psicogênica, mas não é perfeitamente específica para esse diagnóstico. Pacientes com catatonia podem manter os membros na posição em que o examinador colocar independentemente da ação da gravidade, mantêm capacidade de manter a postura, até mesmo de sentar ou ficar em pé. Em outros, a pessoa parece acordada, mas não responde nem inicia atividades. Alguns pacientes com catatonia podem melhorar com baixas doses de benzodiazepínicos como com o teste do midazolam. Um mnemônico frequentemente utilizado para avaliar causas de rebaixamento do nível de consciência é chamado de AEIOU-TIPS e está sumarizado na Tabela 6. TRATAMENTO O paciente com rebaixamento do nível de consciência ou em coma apresenta-se em uma situação potencialmente fatal. O manejo terapêutico deve ser realizado paralelamente à avaliação diagnóstica. A abordagem deve priorizar as vias aéreas, respiração e circulação (ABC: Airway, Breath, Circulation). Se houver história ou suspeita de trauma, a coluna vertebral deve ser imobilizada. A intubação deve ser considerada em pacientes que não podem proteger suas próprias vias aéreas ou estão inconscientes e têm unidade respiração ineficaz e oxigenação pobre. Uma pontuação no Escore de Coma de Glasgow de 8 ou menor deve levar em consideração a intubação orotraqueal para proteção das vias respiratórias. TABELA 6 Mnemônico AEIOU-TIPS para rebaixamento do nível de consciência A Álcool/acidose E Epilepsia/encefalopatia/eletrólitos/endócrino I Infecção (sepse, meningite) O Overdose (álcool, medicação)/opioides U Uremia T Trauma/toxicidade I Insulina (diabetes) P Psicose S Stroke (AVCi ou AVCh) AVCh: acidente vascular cerebral hemorrágico; AVCi: acidente vascular cerebral isquêmico. Uma das primeiras medidas específicas em pacientes com alteração do nível de consciência é checar a glicemia capilar e quando não for possível aferir rapidamente a glicemia capilar deve-se realizar um bolus endovenoso de glicose hipertônica. Em pacientes etilistas pesados, considerar a reposição de tiamina, pois do contrário pode-se precipitar a chamada encefalopatia de Wernicke, que classicamente se caracteriza por confusão mental, ataxia e alterações de motricidade ocular, podendo ocorrer também choque e até coma. Se houver suspeita de pressão intracraniana elevada, o paciente deve ser colocado em uma posição de 30°. Outras medidas para hipertensão intracraniana como o manitol (0,5 a 1,0 g/kg IV) diminuem o volume intravascular e a água do cérebro e podem reduzir temporariamente a pressão intracraniana (PIC). A infusão de solução salina hipertônica também é eficaz na redução da PIC. Em casos de edema cerebral associado a tumores cerebrais, a dexametasona, 10 mg IV, reduz o edema ao longo de várias horas. Hiperventilação com redução da pressão parcial de dióxido de carbono arterial pode reduzir o volume de sangue cerebral e transitoriamente reduz a PIC. As recomendações atuais são para evitar hiperventilação excessiva (pressão parcial de dióxido de carbono arterial ≤ 35 mmHg) durante as primeiras 24 horas após a lesão cerebral. Hiperventilação brevepode ser necessária para hipertensão intracraniana refratária. Pacientes inconscientes com uma condição neurológica aguda devem ser avaliados precocemente por um neurocirurgião para determinar outras medidas de manejo. Enquanto a avaliação ABC é realizada, deve-se obter acesso intravenoso (IV), oximetria para monitorar a saturação de oxigênio e iniciar a oxigenoterapia se indicado. A hipotensão deve ser inicialmente tratada com ressuscitação volêmica, mas com consideração do suporte vasopressor ou inotrópico se a pressão arterial não responde. O tratamento depende da etiologia subjacente. Os chamados cocktails com antídotos para coma devem ser evitados. Nos casos em que há suspeita clínica de toxicidade, devem ser utilizados antídotos específicos: ▪ Intoxicação por opioides: naloxona (0,4 e 2 mg IV) deve ser administrada. A naloxona é um antagonista opioide competitivo e a dose necessária depende da quantidade de opioide utilizada. A recidiva de sintomas é comum, uma vez que a naloxona tem uma meia-vida curta (20 e 30 minutos) e injeções recorrentes ou uma infusão contínua podem ser necessárias. A naloxona pode ser administrada por via IV, IM ou intranasal. ▪ Intoxicação por benzodiazepínicos: a administração de flumazenil pode ser realizada. O uso está contraindicado em pacientes com história de convulsões. Considerando a diminuição do limiar convulsivo que ocorre com o uso do flumazenil, em geral seu uso de rotina não é recomendado. Outros tratamentos são dependentes da causa suspeita de coma, como a reversão de hiponatremia e a correção de hipercalcemia. Pacientes com suspeita de encefalites devem receber tratamento empírico com aciclovir endovenoso precocemente. A Tabela 7 mostra diferentes etiologias de rebaixamento do nível de consciência e seu manejo. FIGURA 11 Diagnóstico diferencial do paciente em coma. AVC: acidente vascular cerebral; ECG: eletrocardigrama; MOV: monitorização, oxigênio e acesso venoso; Rx: raio X; SNC: sistema nervoso central; TC: tomografia computadorizada. TABELA 7 Causas de rebaixamento do nível de consciência e seus achados Causa Achados Tratamento Comentários Hipoglicemia Diaforese, bomba de insulina Glicose 50% 40 mL EV Hiperglicemia (CAD, HHO) Taquipneia, náusea, vômitos, dor abdominal, desidratação Cristaloides EV, insulina Sepse Critérios SIRS/qSOFA, sinais de hipoperfusão, delirium Cristaloides EV, antibiótico dirigido, controle do foco Causa Achados Tratamento Comentários Hiponatremia Confusão de piora progressiva, cefaleia, anorexia, crise convulsiva Restrição de água livre, solução salina hipertônica se houver convulsão Efeito colateral de diversas medicações Hipercalcemia Letargia, poliúria, LRA, constipação Cristaloides EV Suspeitar de malignidade. É causa de diabetes insípido nefrogênico Uremia Náusea, vômitos, anorexia, fadiga, hálito amoníaco Tratar hipercalemia, hemodiálise Procurar alterações de hipercalemia no ECG Encefalopatia hepática Flapping, ascite, hálito hepático, outros sinais de hepatopatia Lactulose, considerar clister via retal Deve-se excluir sepse, sangramento gastrointestinal, PBE Crise tireotóxica Febre, taquicardia, sudorese, diarreia Cristaloides EV, considerar betabloqueador e propiltiouracil Coma mixedematoso Lentidão psicomotora, ganho ponderal, edema, depressão, constipação Hidrocortisona 100 mg EV, levotiroxina Encefalopatia de Wernicke Paralisia do III ou VI par craniano, ataxia, neuropatia periférica Reposição de tiamina Encontrada em alcoólatras ou desnutrição grave Hipoglicemiantes Pacientes mais idosos com piora da função renal; overdose intencional Glicose 50% 40 mL EV Opioides Bradipneia, miose Naloxona 0,4 mg EV Monóxido de carbono História de incêndio em lugar fechado, cefaleia, confusão, náuseas Oxigênio a 100%, considerar câmara hiperbárica Sedativos Álcool, benzodiazepínicos Suporte Anticolinérgicos Hipertermia, midríase, retenção urinária Raramente usa-se piridostigmina Betabloqueadores Bradicardia, hipotensão, hipoglicemia, convulsão Glucagon 5 mg EV, atropina 0,5 mg EV, considerar marca-passo e adrenalina Síndrome neuroléptica maligna Hipertermia, rigidez muscular, delirium, instabilidade autonômica Cristaloides EV, benzodiazepínicos, resfriamento Se grave, considerar bloqueio neuromuscular Síndrome serotoninérgica Hipertensão, taquicardia, hiper-reflexia, rigidez muscular, tremor, náuseas, diarreia Cristaloides EV, conferir CK, benzodiazepínicos Hemorragia Cefaleia, hipertensão, início súbito, déficits neurológicos TC sem contraste, reverter anticoagulação (se estava em uso) Comunicar rapidamente a neurocirurgia Isquemia cortical Déficits focais TC sem contraste para excluir hemorragia, consultar neurologia, considerar trombólise Sempre conferir as contraindicações à trombólise Isquemia cerebelar Vertigem súbita, náusea, ataxia, disartria Considerar trombólise 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. TABELA 8 Estabilização inicial do paciente com rebaixamento agudo do nível de consciência ▪ ABCD primário e secundário são prioritários; garantir a patência das vias aéreas, oxigenação adequada e estabilidade hemodinâmica é fundamental ▪ Realizar a glicemia imediatamente: 100 mL IV de G50% se hipoglicemia + tiamina IV (300 mg), se indicada ▪ Administração de tiamina mesmo se normoglicêmico, nas seguintes situações: etilistas crônicos, desnutridos, indivíduos com dieta parenteral, indivíduos pós-cirurgia bariátrica, portadores de doenças gástricas, indivíduos com vômitos incoercíveis (incluindo hiperêmese gravídica), indivíduos com transtornos alimentares como anorexia nervosa ▪ MOV: monitorização (PA não invasiva, oxímetro, cardioscópio), oxigênio e acesso venoso com coleta de exames laboratoriais; realizar exames POC na sala de emergência ▪ Considere administrar naloxona (opioide) ou flumazenil (benzodiazepínico), se indício de intoxicação ▪ IOT de rápida sequência se não houver uma causa reversível para o coma (p. ex., hipoglicemia, intoxicação por opioide ou benzodiazepínico, estado pós-ictal etc.) ▪ Iniciar medidas clínicas imediatamente se achados de hipertensão intracraniana (anisocoria, papiledema e ultrassom POC com nervo óptico > 5 mm etc.) ▪ Se história compatível com meningite, prescrever corticoide e antibióticos imediatamente (não esperar pela TC ou punção lombar) ▪ Se trauma ou achados clínicos sugestivos de doença vascular ou estrutural, realizar TC imediatamente após a estabilização clínica (p. ex., intubação, volume etc.) ▪ Se crises epilépticas precedendo o rebaixamento do nível de consciência ou presença de movimentos involuntários (mesmo que sutis), suspeitar de estado de mal não convulsivo e considerar a prescrição de fenitoína endovenosa G: glicose; IOT: intubação orotraqueal; PA: pressão arterial; POC: point-of-care; TC: tomografia computadorizada. 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